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O ACENTO PRIMÁRIO NO LATIM CLÁSSICO E NO LATIM VULGAR:

O TRATAMENTO DA MUDANÇA NA PERSPECTIVA

DA TEORIA DA OTIMALIDADE

Roberto Botelho Rondinini

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientador: Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves

Rio de Janeiro Março de 2009

Roberto Botelho Rondinini

O ACENTO PRIMÁRIO NO LATIM CLÁSSICO E NO LATIM VULGAR:

o tratamento da mudança na perspectiva da teoria da otimalidade

Volume Único

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Orientador: Prof. Dr. Carlos Alexandre Gonçalves

RIO DE JANEIRO 2009

Rondinini, Roberto Botelho. O acento primário no latim clássico e no latim vulgar: o tratamento da mudança na perspectiva da Teoria da Otimalidade/ Roberto Botelho Rondinini. – Rio de Janeiro: UFRJ; 2009. xiii, 160 fl: il.; 31 cm. Orientador: Carlos Alexandre Victorio Gonçalves Tese (Doutorado) – UFRJ/ Instgraduação em Letras

ituto de Letras/ Programa de Pós-Vernáculas (Língua Portuguesa), 2009.

Referências Bibliográficas: f. 174 – 182. 1. Teoria da Otimalidade. 2. Mudança. 3. Acento. 4. Latim. I. Gonçalves, Carlos Alexandre Victorio. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Letras, Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas. III. O acento primário no latim clássico e no latim vulgar: o tratamento da mudança na perspectiva da Teoria da Otimalidade.

O ACENTO PRIMÁRIO NO LATIM CLÁSSICO E NO LATIM VULGAR:

o tratamento da mudança na perspectiva da teoria da otimalidade

Roberto Botelho Rondinini Orientador: Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves

Tese de Doutorado submetida ao Programa e Pós-graduação em Letras

Vernáculas (Língua Portuguesa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro

como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em

Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Examinada por:

_______________________________________________________________ Professor Doutor Carlos Alexandre V. Gonçalves (UFRJ – Vernáculas), Presidente

_______________________________________________________________ Professora Doutora Carmem Tereza Dorigo (Museu Nacional – UFRJ)

_______________________________________________________________ Professora Doutora Myrian Azevedo de Freitas (UFRJ – Lingüística)

_______________________________________________________________ Professor Doutor João Antonio Moraes (UFRJ – Vernáculas)

_______________________________________________________________ Professora Doutora Mônica Maria Rio Nobre (UFRJ – Vernáculas)

_______________________________________________________________ Professora Doutora Christina Abreu Gomes ((UFRJ – Lingüística)

_______________________________________________________________ Professora Doutora Maria Lúcia Leitão (UFRJ – Vernáculas)

Rio de Janeiro

Março de 2009

SINOPSE Estudo sobre o acento primário. Caracterização dos diversos aspectos do acento. Origens do latim e de suas variedades. Análise do acento primário em não-verbos do latim clássico e do vulgar. Mudança lingüística. Análise segundo a Teoria da Otimalidade.

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a Deus, sempre presente em meu

coração, em minha mente e em tudo o que faço.

A Lorenzo e Carmen, in memoriam, meus exemplos de

vida.

A Camila, Victor, Lucas, Sandra, Emília e Lourenço,

minha sempre amada família.

AGRADECIMENTOS

Ao professor Carlos Alexandre pela orientação e amizade. Não tenho palavras

para expressar minha admiração e respeito.

As professoras Maria Lúcia Leitão, Christina Abreu e Aparecida Lino pela

formação do período inicial.

Aos professores Afrânio Barbosa e João Moraes pelos valiosos comentários e

sugestões, além dos livros gentilmente cedidos.

Ao CNPq pela concessão da Bolsa de Fomento à pesquisa por três anos.

A minha família pelo incentivo constante e por serem as pessoas maravilhosas

que são. Agradeço, especialmente, a Camila pelo apoio indispensável nos

últimos meses.

Aos muitos amigos que estiveram ao meu lado nesta longa e árdua caminhada.

“O começo de todas as ciências

é o espanto de as coisas serem o que são”

(Aristóteles)

RESUMO

O ACENTO PRIMÁRIO NO LATIM CLÁSSICO E NO LATIM VULGAR:

O TRATAMENTO DA MUDANÇA NA PERSPECTIVA DA TEORIA DA

OTIMALIDADE

Roberto Botelho Rondinini

Orientador: Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em

Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), Instituto de Letras, da Universidade

Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa.

Esta Tese analisa o acento primário em não-verbos nas variedades

clássica e vulgar do latim e evidencia como a Teoria da Otimalidade (TO)

compreende e trata a questão da mudança lingüística. A análise dos dados

fundamenta-se no pressupostos da TO, nos moldes de Prince & Smolensky

(1993), modelo que substitui a noção de regras em favor de restrições que

podem ser violadas sem, no entanto, gerar elementos agramaticais. A

mudança baseia-se nos estudos de Holt (1997) e Hutton (1996) e, por meio da

delimitação de diferentes sincronias, verificamos que a demoção de restrições

é o fator responsável pela efetiva mudança na aplicação do acento primário em

não-verbos latinos.

Palavras-chave: Teoria da Otimalidade, Acento, Latim, Mudança Lingüística

Rio de Janeiro

Março de 2009

ABSTRACT

THE PRIMARY STRESS ON CLASSIC LATIN AND ON VULGAR LATIN:

THE TREATMENT OF THE LINGUISTIC CHANGE IN THE PERSPECTIVE OF

THE OPTIMALITY THEORY

Roberto Botelho Rondinini

Orientador: Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em

Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), Instituto de Letras, da Universidade

Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa.

This thesis analyzes the primary stress on non-verbs in the classic and

vulgar varieties of latin and demonstrate how the Optimality Theory (OT)

comprehends and treats the linguistic change. The analysis of data is based on the

assumptions of OT, in the patterns of Prince & Smolensky (1993), model which

substitutes the notion of rules in favor of constraints that can be violated without,

however, generating ungrammatical elements. The change is based on the studies

of Holt (1997) and Hutton (1996) and, through means of delimitation of different

synchronies, we verify that the demotion of constraits is the responsible factor for

the effective change in the application of the primary stress on latin non-verb.

Key-words: Optimality Theory, Stress, Latin, Linguistic Change.

Rio de Janeiro

Março de 2009

RESUMEN

EL ACENTO PRIMARIO EN EL LATÍN CLÁSICO Y EN EL LATÍN VULGAR:

EL TRATAMIENTO DEL CAMBIO EN LA PERSPECTIVA DE LA TEORÍA DE LA

OTIMALIDAD

Roberto Botelho Rondinini

Orientador: Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves

Resumen da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em

Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), Instituto de Letras, da Universidade

Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa.

Esta tesis analiza el acento primario en formas no verbales pertenecientes

a las variedades clásica y vulgar del latín y demuestra como la Teoría de la

Otimalidad (TO) comprende y trata la cuestión del cambio lingüístico. El análisis

de los datos se fundamenta en los presupuestos de la TO, en los moldes de

Prince & Smolensky (1993). En ese modelo, se sustituye la noción de reglas por

restriciones que se pueden violar sin que se generen elementos agramaticales. El

cambio se basa en los estudios de Holt (1997) y Hutton (1996). Por medio de la

delimitación de diferentes sincronías, se verificó que la democión de restriciones

es el factor responsable del efectivo cambio en la aplicación del acento primario

en formas no verbales latinas.

PALABRAS CLAVE: Teoría de la Otimalidad; Acento; Latín; Cambio Lingüístico.

Rio de Janeiro

Março de 2009

SUMÁRIO

Página

1. INTRODUÇÃO 14

2. ASPECTOS GERAIS DO ACENTO 18

2.1. Sobre o domínio de aplicação do acento primário 19

2.2. Hipóteses para a descrição do acento em português 23

2.3.A Abordagem da gramática tradicional 24

2.4. Breve caracterização do acento em português 26

2.4.1. A visão de Camara Jr. (1970) 28

2.4.2. As funções do acento 31

2.4.3. O acento no modelo gerativo 34

2.4.4. Análises do acento primário segundo 36

modelos não-lineares

2.5. Sobre os correlatos fonéticos do acento 43

2.6. Resumo do capítulo 46

3.FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 47

3.1. Conceitos básicos da Teoria da Otimalidade 47

3.1.1. Universalidade 53

3.1.2. Ranqueamento e Violabilidade 54

3.1.3. Inclusividade 55

3.1.4. Paralelismo 56

3.2. Outras questões relevantes 56

3.2.1. Conflito de restrições: Fidelidade e Marcação 57

3.2.2. Riqueza de Base e Otimização do Léxico 63

3.3. Mudança na Teoria da Otimalidade 64

3.3.1. Promoção de restrições 66

3.3.2. Demoção de restrições 67

3.3.3. Criação de novas conexões entre restrições 68

3.3.4. Dissolução de conexão entre restrições 69

3.3.5. Alteração da relação de dominância entre 71

duas restrições

3.4. Resumo do capítulo 72

4. AS ORIGENS DO LATIM 74

4.1. Um pouco de história 74

4.2. Variedades do latim 76

4.2.1. O latim arcaico 77

4.2.1.1. O acento no latim arcaico 79

4.2.1.2. Provável causa da mudança 79

4.2.2. Breves questões acerca da natureza 80

do acento latino

4.2.3. Latim clássico e latim vulgar 82

4.3. Resumo do capítulo 85

5. O ACENTO NO LATIM CLÁSSICO 88

5.1. A natureza do acento no latim 88

5.2. O Acento no latim clássico 91

5.3. Análise do acento no latim clássico segundo a 98

Fonologia Métrica

5.4. Análise do acento no latim clássico segundo a Teoria da 101

Otimalidade

5.5 Resumo do capítulo 125

6. O ACENTO NO LATIM VULGAR 126

6.1. Análise do latim vulgar segundo a Fonologia Métrica 135

6.2. Análise do acento no latim vulgar segundo a Teoria da 138

Otimalidade

6.3 Resumo do capítulo e sistematização da proposta 164

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 169

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 174

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva analisar a mudança na aplicação do acento

primário em não-verbos no latim. Para tanto, nossos estudos serão

direcionados para a aplicação do acento latino em suas variedades clássica e

vulgar. Fundamentamos nossa análise nos princípios da Teoria da Otimalidade

(TO), nos moldes de Prince & Smolensky (1993). Tal modelo teórico apresenta

avanços em relação aos modelos derivacionais não-lineares, como a

Fonologia Lexical e a Fonologia Métrica, os quais pretendemos referenciar ao

longo de nossa pesquisa.

A Teoria da Otimalidade propõe a análise dos fenômenos lingüísticos

por meio de restrições e não por meio de regras, sendo possível violar

restrições sem, contudo, fadar um candidato à agramaticalidade. Tal fato é

impossível em propostas anteriores à TO, também de fundamentação gerativa,

uma vez que os modelos precedentes são baseados na aplicação de regras e

a não conformidade com essas implica, obrigatoriamente, agramaticalidade.

Através de um levantamento dos aspectos lingüísticos que agem sobre

determinado fenômeno, o modelo da TO propõe a constituição de uma

hierarquia de restrições universais. Tais restrições traduzem, ou melhor

dizendo, representam tais aspectos e atuam em conjunto e em paralelo, sem a

existência de níveis abstratos intermediários de análise. Além disso, são

motivadas por princípios bem conhecidos na literatura fonológica e refletem

tendências lingüísticas gerais.

15

Embora já existam estudos realizados a partir de outras abordagens

teóricas de base gerativa sobre o acento primário, não somente em latim como

também em português, tais como Lee (1995), Bisol (1992), Massini-Cagliari

(1999) e Quednau (2000), dentre outros, destacamos a relevância e

originalidade de nossa pesquisa, uma vez que focalizamos nossa atenção no

tratamento dado pela Teoria da Otimalidade ao processo de Mudança na

aplicação do acento. Fundamentaremos a análise da Mudança lingüística nos

propostas de Hutton (1996) e Holt (1997), já utilizadas na descrição do

português por Rodrigues (2007), em estudo sobre o desfazimento de hiatos, e

verificaremos, desse modo, questões relativas à alteração do input, ao re-

ranqueamento da hierarquia de restrições e aos mecanismos de alteração da

mesma.

Do ponto-de-vista metodológico, elaboraremos uma pesquisa de cunho

interpretativista, em que realizaremos releituras de trabalhos já apresentados

sobre o acento primário a partir de abordagens derivacionais e otimalistas. Os

dados a serem utilizados na pesquisa serão coletados a partir de fontes

secundárias, tais como dicionários e gramáticas latinos, gramáticas históricas,

manuais de filologia e artigos sobre o tema. Como fonte primária, utilizaremos

o Appendix Probi para o latim vulgar e citações de autores latinos. Desse

modo, configuramos uma pesquisa de fundamentação qualitativa e, como já

dissemos, interpretativa. Estruturaremos nosso trabalho da seguinte maneira:

No capítulo 2, traçaremos um painel sobre o acento, apresentando

conceitos e características gerais sobre o mesmo. Num âmbito mais

específico, verificaremos como o estruturalismo (cf. CAMARA JR, 1970), a

gramática tradicional (cf. CUNHA, 1972 e ROCHA LIMA, 1972) e o modelo

16

gerativo (cf. BISOL, 1992 e LEE, 1995) compreendem e definem “acento” em

suas análises para o português. Consideramos tal língua, na exemplificação

das análises, não somente pela diversidade de estudos já existentes, mas

também, e principalmente, pela origem latina do português, que reflete muitos

aspectos do padrão latino de acentuação.

Verificaremos, ainda nesse capítulo, as funções desempenhadas pelo

acento lexical primário, além de verificarmos os seus correlatos fonéticos (cf.

MASSINI-CAGLIARI, 1992 e LLORENTE, 1972 e MORAES, 1998). Com isso,

esperamos montar um amplo quadro que nos auxilie na análise dos aspectos

do acento lexical de não-verbos latinos nas sincronias por nós estudadas.

Após definirmos nosso objeto de estudo, abordaremos, no capítulo 3, os

aspectos que fundamentam e caracterizam o modelo otimalista, buscando (a)

evidenciar o modelo de gramática da TO e verificar como esse funciona; (b)

apresentar e discutir os princípios que regem tal modelo; (c) apresentar a

metodologia de análise e as suas especificidades e (d) estudar como a TO

compreende e analisa a mudança lingüística. Basearemos os estudos

otimalistas em Prince & Smolensky (1993), Cagliri (2002), Gonçalves (2004),

Costa (2001), Abaurre (1999), dentre outros. Em relação à mudança

lingüística, abordaremos aspectos relevantes das propostas apresentadas por

Hutton (1996) e Holt (1997), como já dissemos. Buscamos na Teoria da

Otimalidade (TO) uma fundamentação teórica que nos permita analisar o

fenômeno lingüístico tanto em bases sincrônicas quanto em bases diacrônicas.

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A partir da existência de diferentes abordagens possíveis no que se

refere não somente ao tratamento do acento em língua latina nas suas

variedades culta e popular, mas também à própria definição conceitual dos

termos clássico e vulgar, apresentaremos, no capítulo 4, a visão de filólogos e

gramáticos históricos (MAURER, JR, 1959; SILVA NETO, 1977 e 1976;

BUNSE, 1943; ILARI, 2006, dentre outros) a respeito das origens do latim.

Para tanto, iniciaremos nossa pesquisa com o latim arcaico, delimitando suas

características principais em relação à aplicação do acento e às influências

sofridas ao longo dos séculos. Desse modo, pretendemos caracterizar o

ambiente lingüístico e social em que, tanto o latim clássico quanto o latim

vulgar, surgiram, para, então, definirmos tais variedades e apresentarmos o

ponto-de-vista teórico por nós adotado na presente pesquisa.

Os dois capítulos seguintes apresentarão a análise de nossos dados

para o latim clássico e o latim vulgar, respectivamente. Buscaremos, em cada

um desses capítulos, descrever as regularidades e irregularidades existentes

na aplicação do acento primário de não-verbos e apresentaremos uma análise

proveniente de Modelos teóricos não-lineares, com ênfase na Fonologia

Métrica, segundo Hayes (1995). Tal procedimento servirá como ponto de

partida para a aplicação da Teoria da Otimalidade ao tratamento (a) do acento

primário lexical e (b) da mudança fonológica.

18

2. ASPECTOS GERAIS DO ACENTO

O presente capítulo tem como objetivo apresentar questões gerais sobre

o acento, de modo a construir um painel com informações, reflexões e

exemplos de diversas línguas e do português, em especial. Para tanto,

verificaremos (a) os tipos básicos de acento; (b) os domínios de aplicação do

acento primário; (c) o conceito que diferentes modelos teóricos e as gramáticas

tradicionais apresentam sobre o tema; (d) a visão estruturalista do acento em

português, na perspectiva de Camara Jr. (1970); (e) a visão dos modelos

gerativos, na perspectiva de Bisol (1992) e Lee (1995) e (f) os aspectos

fonéticos do acento em geral e os relacionados ao português, em especial.

Iniciaremos o capítulo com a caracterização dos três tipos básicos de

acento, conforme descrição proposta em Collischon (2007: 196):

a) Acento primário – é o acento mais proeminente em uma palavra e

incide sobre a sílaba tônica. É caracterizado por uma maior duração dessa

sílaba, considerando-se todos os elementos que a compõem (consoantes,

vogais e glides) e não somente a vogal (cf. MASSINI-CAGLIARI, 1992), em

relação às demais sílabas da palavra. É o nosso objeto de estudo;

b) Acento secundário - é o acento mais proeminente existente em um

vocábulo, considerando somente as sílabas que não carregam o acento

primário. No português, é pré-tônico e pode ser caracterizado pela variação na

freqüência fundamental, sendo difícil estabelecer um correspondente fonético

principal (COLLISCHON, 2007);

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c) Acento frasal – é o acento mais forte em uma seqüência de palavras.

É caracterizado por uma variação da freqüência fundamental, que destaca a

sílaba acentuada em relação ao resto do enunciado.

2.1. Sobre o domínio de aplicação do acento primário

A respeito do domínio de aplicação do acento primário, que constitui o

foco de nosso estudo, Gonçalves (1995) apresenta, segundo o modelo da

Fonologia Lexical (KIPARSKY, 1982), dois possíveis lugares: o nível lexical e o

nível pós-lexical.

Caso o acento seja uma informação completamente aleatória, não

seguindo regras para sua aplicação, como acontece com o russo, ele fará

parte da representação lexical da palavra. É, dessa maneira, uma informação

dada na própria constituição do vocábulo, da mesma forma que os fonemas.

Por outro lado, se o acento apresenta alguma regularidade, de tal

maneira que possa ser analisado por meio de regras, ele pode, ainda segundo

o mesmo autor, estar no léxico ou no pós-léxico. Como exemplo do primeiro

caso, temos o português brasileiro; do segundo caso, temos o latim clássico.

Para ser considerada uma regra pertencente ao componente lexical, o

acento deve apresentar as seguintes características (cf. GONÇALVES, 1995):

(a) depender de informações como Radical, Tema ou Afixo; (b) não se

modificar em construções prosódicas maiores que a palavra (grupo clítico,

frase fonológica) e (c) não ser inteiramente previsível.

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Alguns argumentos favoráveis à presença do acento na língua

portuguesa em nível lexical são: (a) o fato de o acento primário no português

ser aplicado na palavra, uma vez que a colocação de clíticos não altera a

localização da tônica, ao contrário do que acontece, por exemplo, com o latim

clássico, como exemplificaremos a seguir, em (01); (b) regras de sândi e

haplologia, consideradas de modo unânime como pós-lexicais, necessitam de

informação acentual prévia para serem aplicadas, o que nos leva à suposição

de que o acento precede tais processos e, por isso mesmo, se localiza no

léxico, e (c) há propostas teóricas em que “o acento inspeciona a estrutura

inteira da palavra, reconhecendo primitivos morfológicos, como base e afixos”

(op. cit: 2), como realiza Lee (1995) em seu estudo sobre o acento no

português brasileiro atual.

Verificamos em (01), alguns exemplos, retirados de Gonçalves (1995),

que ilustram tais observações:

(01) a) dísse VS. dísse-lhe légis VS. legísne

avistéi VS. avistéi-o árma VS. armáque

b) casa azul = casazul beberá água = beberá-água | \ / | | | | | \ / | +ac. | |

+ac. \/ | | | -ac. | +ac. | +ac. | -ac.

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Em (01) a), percebemos que o acréscimo do clítico às formas verbais no

português não altera a posição da sílaba tônica, sendo o acento insensível à

presença do mesmo. Já no latim clássico, os clíticos –ne e –que provocam o

deslocamento do acento para a sílaba imediatamente anterior aos mesmos. Já

em (01) b), verificamos a ocorrência da crase entre o <a> átono final de

<casa> e o <a> átono inicial de <azul>. Essa fusão (no caso, uma

degeminação) ocorre devido ao caráter átono dos elementos contíguos. Se

tivéssemos a presença de vogais tônicas no encontro vocálico intervocabular,

o processo de sândi não se realizaria, tendendo o português do Brasil à

formação de um hiato (cf. CAVALIERE, 2005: 127), como ocorre em <beberá

água>. Isso evidencia que a regra de aplicação do acento ocorre em um nível

anterior à de aplicação do sândi, ou seja, ocorre em nível lexical e seu domínio

é a palavra fonológica.

Já em relação ao latim clássico, há argumentos favoráveis à presença

do acento1 em nível pós-lexical (sintático), diferentemente do que acontece

com o português. Destacamos, dessa maneira: (a) a total previsibilidade do

acento latino a partir de sua constituição prosódica, sendo sensível ao peso

silábico; (b) o deslocamento do acento ao se adicionar um clítico e (c) o fato de

o acento não ter qualquer relevância gramatical2.

1 Faremos uma análise detalhada sobre a aplicação do acento primário latino nos capítulos 5.e 6. 2 Em latim, o acento, diferentemente da quantidade vocálica, não distingue palavras (não tem função distintiva) e não serve para expressar categorias gramaticais, como o caso.

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Vejamos os exemplos apresentados em (02), também retirados de

Gonçalves (1995):

(02) a) légis (lei), mulíere (mulher).

b) legísne, muliéreve

Em (02) a), temos os vocábulos acentuados em <lé> e <lí>

respectivamente. Ao adicionarmos os clíticos <–ne> e <–ve>, como

exemplificado em (02) b), ocorre o deslocamento do acento em direção a

essas partículas inertes prosodicamente (sem acento). Em realidade, a regra

do acento latino é aplicada sobre essa construção, considerando o novo

elemento acrescido à palavra. Essa é uma das evidências de que o domínio de

aplicação do acento latino está no grupo clítico (C) e não na palavra prosódica

(ω)3, como ocorre com o português, estando, portanto no nível pós-lexical

(sintático). O grupo clítico é, dessa maneira, uma extensão da palavra

prosódica e constitui uma unidade de analise fonológica quando ocorre uma

estrutura do tipo clítico + hospedeiro. Sai do âmbito da palavra e entra no

âmbito do sintagma.

3 Estamos fazendo referência aos domínios propostos pela Fonologia Prosódica (NESPOR & VOGEL, 1986) como relevantes, entre outras coisas, para a aplicação de regras fonológicas segmentais.

23

2.2. Hipóteses para a descrição do acento em português

Segundo Ferreira Neto (2001, p. 171), há três hipóteses para se

descrever o acento lexical na língua portuguesa:

a) Hipótese do acento livre – presente nas abordagens de caráter

estruturalista, como a de Camara Jr. (1970), em que o acento é definido no

léxico;

b) Hipótese do molde trocaico – presente nas abordagens de caráter

gerativista, como as realizadas por Massini-Cagliari (1999) e por Bisol (1992),

baseadas na Fonologia Métrica.

c) Hipótese do acento morfológico – presente em abordagens que

definem o acento pela qualidade do morfema portador, como as realizadas por

Cagliari (1999) e Lee (1995), baseadas na Fonologia Lexical.

Além dessas três hipóteses, destacamos, ainda, a possibilidade de se

analisar o acento sob a ótica da Teoria da Otimalidade, em que os fenômenos

lingüísticos são avaliados segundo a interação, o conflito e o ranqueamento de

um conjunto de restrições, em paralelo, sem a utilização de estratos

derivacionais, como fazem as abordagens gerativas anteriores. Poderíamos,

ampliando o conjunto de hipóteses sobre o acento levantado por Ferreira Neto

(2001), considerar esse caso como:

d) Hipótese da Atuação de Restrições – essa é a maneira de encarar o

acento que privilegiaremos em nossa pesquisa e que também foi adotada para

o estudo do acento primário por Lee (2007) e para o acento secundário, por

Collischon (2002) e Sândalo & Abaurre (2007), dentre outros.

24

Apresentaremos, a seguir, alguns aspectos da abordagem estruturalista

de Camara Jr. (1970), a fim de iniciarmos a formação de um painel sobre o

tema em questão para, em seguida, verificarmos as propostas de análise do

acento, segundo Bisol (1992) e Lee (1995), fundamentadas nos modelos de

base gerativa. Nos capítulos referentes às análises de dados, apresentaremos

uma abordagem gerativa de caráter não-linear, a Fonologia Métrica, nos

moldes de Hayes, (1995), como ponto de partida para nossa análise baseada

na Teoria da Otimalidade (TO). Destacamos, mais uma vez, que a TO é um

modelo teórico que abandona o conceito de regra, usado pelos modelos

anteriores, e adota uma análise de restrições em paralelo, sem recorrer a

estratos derivacionais. Antes, porém, veremos como a gramática tradicional

apresenta o tema.

2.3. A abordagem da gramática tradicional

Ao analisar a Gramática Tradicional, encontramos o acento tônico

(primário) definido em função de uma maior dosagem de “certas qualidades

físicas”, com predomínio da intensidade (ou força expiratória), tom (ou altura

musical) e quantidade (ou duração), além do timbre (ou metal de voz) (cf.

CUNHA, 1972:63).

Rocha Lima (1972:28) faz a mesma afirmação de Celso Cunha e, além

disso, define o acento, “em sentido estrito”, “como a maior força expiratória

com que uma sílaba se opõe às que lhe ficam contíguas no corpo dos

vocábulos”.

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Podemos identificar no português três tipos de palavras quanto à

posição da sílaba acentuada – oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas – que

representam, respectivamente, a posição do acento primário na última,

penúltima e antepenúltima sílaba. Há línguas em que o acento recai sempre

sobre a mesma sílaba, como ocorre com o Turco e o Francês, em que o

mesmo se encontra na última sílaba dos vocábulos.

Llorente (1971:39) comenta sobre a denominação, até hoje utilizada

pelas línguas modernas, de sílabas e vogais como “tônicas” ou “átonas” e

também sobre a denominação de palavras “oxítonas”, “paroxítonas” e

“proparoxítonas” para indicação de palavras agudas, graves ou exdrúxulas.

Comenta o autor que esses termos são adequados para sistemas de acento

musical, como era o grego, que, segundo os alexandrinos, consistia numa

espécie de canto, de uma sucessão de tons mais ou menos altos, em que a

sílaba acentuada teria um “acento agudo” em relação às demais sílabas que

se pronunciariam num tom mais baixo, um “acento grave”. Tal terminologia

grega seria imprópria quando aplicada a línguas de acento intensivo, como as

línguas modernas.

A utilização desses termos tem sua origem na própria estruturação e

desenvolvimento da gramática latina que, em muito, representou uma cópia da

gramática grega. Em relação ao acento, os latinos refletiram as teorias dos

gramáticos gregos e aplicaram a terminologia do acento grego, essencialmente

musical (LLORENTE, 1971:39).

26

2.4. Breve caracterização do acento em português

O acento é considerado um supra-segmento, uma vez que não aparece

disposto linearmente entre os segmentos que compõem uma palavra, mas se

superpõe a eles. Apresenta caráter distintivo em línguas de acento livre, por

não ter posição fixa e não ser possível prever a posição em que ele recairá a

partir somente dos segmentos que constituem as palavras. Essa perspectiva

poderia nos levar a considerar o acento na língua portuguesa, por exemplo,

como uma informação idiossincrática, que já faria parte da representação

subjacente das palavras. No entanto, essa idéia não se sustenta, devido a

inúmeras regularidades que a distribuição do acento apresenta.

A primeira regularidade, como já evidenciamos, diz respeito ao fato de o

acento do português recair apenas nas três últimas sílabas (Restrição da

Janela de Três Sílabas, cf. BISOL, 1992). A segunda regularidade que

podemos apontar está no fato de a maioria das palavras ser acentuada na

penúltima sílaba, independente da classe gramatical a que pertençam, como

em ‘pátoN’, ‘panélaN’, ‘fáloV’, ‘falámosV’.

As proparoxítonas representam um pequeno grupo constituído por

empréstimos, muitos deles, gregos e latinos. Segundo Collischon (1996:133), o

que evidencia o caráter não-nativo dessas palavras é o fato de que há uma

tendência a regularizar o acento na posição paroxítona através do apagamento

de penúltima sílaba, como em ‘abóbora’ > ‘abobra’; ‘xícara’ > ‘xicra’4. Dessa

4 “Abóbora” possui origem duvidosa, segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss. Alguns autores indicam sua origem ou no latim hispânico, ou no latim tardio. Já “xícara”, tem provável origem espanhola (1540).

27

forma, podemos considerar o acento proparoxítono como marcado, por ser

menos usual.

Um outro grupo de palavras é o das oxítonas, dividido entre as que

possuem consoante final e as que não possuem, sendo um grupo bem maior

que o anterior. Segundo Bisol (1992), 78% das palavras terminadas em

consoante são oxítonas e 22% são paroxítonas.

O segundo grupo das oxítonas (Collischon, 1996) constitui-se de um

pequeno número de palavras do nosso léxico terminadas em vogal (‘avó’) e de

um grande número de empréstimos do francês (‘crochê’) e de línguas

indígenas (‘jacaré’) e africanas (‘banzé’). Há, dessa maneira, uma preferência

pela posição paroxítona em palavras terminadas por vogal.

No que se refere à qualidade da vogal que recebe o acento no

português, Lee (1995) observa que há paradigmas diferentes, dependendo do

acento – na sílaba tônica podem figurar sete tipos de vogal (sete vogais podem

receber o acento primário), enquanto nas sílabas átonas só se verifica a

presença de cinco ou três tipos de vogais, respectivamente nas posições

pretônica e postônica.

Os casos marcados no Português do Brasil (PB) são os proparoxítonos

(empréstimos); paroxítonos terminados em consoante e oxítonos terminadas

em vogal (empréstimos).

28

2.4.1. A visão de Camara Jr. (1970)

Camara Jr. (1970: 63) define o acento como sendo a “maior força

expiratória, ou intensidade de emissão, da vogal de uma sílaba em contraste

com as demais vogais silábicas”. Destaca o autor que o acento demarca o

vocábulo fonológico, podendo incidir sobre a última, penúltima ou

antepenúltima, ou mais raramente sobre a quarta última vogal de um vocábulo

fonológico. Assim sendo, define uma pauta acentual para cada vocábulo,

construída a partir do contraste entre as vogais com proeminência acentual,

conforme o seguinte esquema:

(03) ...(1) + 3 + (0) + (0) + (0)

Em (03), temos o acento, ou tonicidade, designado pelo número 3. Isso

significa que a vogal tônica do vocábulo tem uma proeminência acentual três

vezes maior do que aquelas designadas pelo número 1, que indica as vogais

presentes em sílabas pretônicas. Já as vogais postônicas têm proeminência 0

(zero). Os parênteses indicam a possível ausência de sílaba átona nos

monossílabos tônicos e as reticências, um número indefinido de sílabas

pretônicas. A pauta acentual também pode ser aplicada a grupos de força, ou

seja, a uma seqüência de vocábulos pronunciados sem pausa e, desse modo,

temos uma reavaliação da designação da(s) sílaba(s) tônica(s) que precede(m)

o último vocábulo.

29

Se, anteriormente, considerando somente um vocábulo, o acento era

marcado por 3, agora, em um grupo de força composto, por exemplo, de dois

vocábulos, a primeira tônica é rebaixada a uma intensidade 2, como vemos no

exemplo a seguir (cf. CAMARA JR.: 63):

(04) a) hábil idade - /abilidade/ 2 01 3 0

b) habilidade - /abilidade/ 1 11 3 0

Por meio desse mecanismo de construção da pauta acentual, um

vocábulo fonológico é percebido pela presença de tonicidade 2 ou 3 em um

grupo de força e tem sua delimitação pelo contraste entre 0 e 1. Em (04) a), a

sílaba tônica de <hábil> passa à tonicidade 2 dentro do grupo de força com

postônica 0, enquanto <idade> apresenta tonicidade 3 para a tônica, 1 para a

pretônica e 0 para a postônica. Já em (04) b), verificamos que há somente uma

marca de sílaba tônica, demarcando a existência da apenas um vocábulo

fonológico, além de ter sua delimitação marcada pela presença de 1 e 0 nas

bordas da pauta acentual. Além de apresentar o valor demarcativo do acento,

responsável por criar uma juntura supra-segmental, Camara Jr (1970)

acrescenta o valor distintivo do acento, uma vez que esse pode distinguir

palavras devido à sua posição, como vemos em (05):

(05) jaca (fruta) e jacá (cesto)

cáqui (cor) e caqui (fruta)

30

Em (05), o acento marca uma diferença no significado de palavras que

pertencem a uma mesma classe gramatical – no caso, todas pertencem à

classe dos substantivos. Além dessa distinção semântica, a posição do acento

também pode provocar a distinção entre formas nominais e verbais, como

vemos nos exemplos abaixo:

(06) rótulo (substantivo) e rotulo (verbo)

fábrica (substantivo) e fabrica (verbo)

intérprete (substantivo) e interprete (verbo)

A partir dos vocábulos exemplificados em (06), podemos depreender

que a posição do acento primário estabelece um padrão que diferencia

substantivos de verbos, esses como paroxítonos e aqueles como

proparoxítonos.

Camara Jr. (1970) afirma que o acento é “livre no sentido de que a sua

posição não depende da estrutura fonêmica do vocábulo”, não havendo, em

português, terminações de fonemas que imponham uma dada acentuação,

mas apenas uma maior freqüência, fonologicamente indeterminável, para uma

dada terminação (op. cit. p. 65). Na sub-seção seguinte, em que trataremos

das funções do acento primário, ampliaremos um pouco mais a noção de

acento livre, verificando a existência de outras possibilidades.

31

2.4.2. As funções do acento

Para os usuários de diversas línguas, como o português, o acento é um

fenômeno consciente na prática diária. Entretanto, há línguas de acento fixo,

como o francês, em que os falantes, segundo Garde (1972), não têm

consciência de sua existência até o momento em que estudam outras línguas.

Garde faz um interessante cotejo, que apresentaremos em seguida, entre a

pronúncia do termo bravo feita por um italiano e por um francês, em que tenta

evidenciar o papel do acento nessas línguas. Interessante notar que as duas

línguas são oriundas do latim vulgar, porém, nos seus processos de formação,

o acento tornou-se livre no italiano e fixo no francês. Já o latim é considerado

uma língua de acento semifixo, devido à atuação dos clíticos que alteram a

posição do acento nos vocábulos a que se ligam.

Segundo Garde (1972:6,107-151) e Moraes (1998:10), podemos afirmar

que uma língua apresenta acento fixo quando esse está situado sempre em

uma determinada sílaba em relação ao início ou ao final da palavra. Dessa

maneira, temos o acento francês sempre na última sílaba: amí, bravó. Em

Tcheco, temos a sílaba inicial acentuada: nédorozumeni. Em polonês, a

penúltima sílaba: rospráwa, odpówiedz. Em latim, o acento recai sobre a

penúltima sílaba se essa for pesada ou na antepenúltima se não for pesada:

diúrnus, no primeiro caso, e ásinus, no segundo.

Por outro lado, há também línguas de acento livre, ou seja, aquelas em

que não há regras que determinem a posição do acento no interior do

vocábulo. É o caso, por exemplo, do português, do russo e do espanhol.

Nessas línguas, muitas vezes, apenas a posição do acento é capaz de

32

distinguir o significado de duas palavras, como já afirmamos anteriormente, é o

caso do célebre exemplo sábia, sabía e sabiá, para o português, ou de outros,

como múka, “tormento” e muká, “farinha”, para o russo; ou gébet, “dais” (verbo

dar) e Gebét, “oração”, para o alemão.

Moraes (1998:10) afirma que tal fato caracteriza a função distintiva do

acento nessas línguas, uma vez que opõe semanticamente palavras de

mesma constituição fonemática. Apresenta, ainda, um desdobramento dessa

função ao considerar que, nos casos acima exemplificados, em que há

imprevisibilidade da posição do acento em termos gramaticais, teríamos uma

função propriamente lexical (op. cit: 11). Já em casos como comerá e comera,

para o português, em que há uma previsibilidade gramatical, teríamos uma

função morfológica ou gramatical. Tal previsibilidade ocorre porque as regras

gramaticais determinam que o futuro é uma forma oxítona, em que o acento

recai sobre a “desinência temporal, o que não ocorre com as formas do mais-

que-perfeito, onde o acento está na vogal temática” (op. cit: 11). Destaca,

ainda, que essa função distintiva ocorre, também, em nível sintagmático,

podendo estar presente tanto em línguas de acento fixo quanto em línguas de

acento livre.

Considerando, novamente, o termo bravo, em português “bravo”,

pronunciado por um italiano e por um francês, verificaremos que as distinções

entre ambas as pronúncias não se limitarão apenas ao conjunto de

particularidades dos cinco fonemas que o compõe. A diferença, antes de tudo,

se situa na distribuição da energia expiratória entre as duas sílabas da palavra.

No caso do italiano, a palavra recebe um incremento de intensidade e

elevação da altura musical na sílaba bra, o que, para um francês, soa

33

absolutamente insólito e difícil de reproduzir. Já a pronúncia francesa leva a

um acréscimo na força expiratória, ou seja, um aumento de intensidade, na

sílaba vo, a qual, por sua vez, recorda a um italiano a palavra bravó, “desafio”,

significado esse diferente de brávo, “bravo”.

Assim como um italiano tem a capacidade de perceber auditivamente

essas diferenças na posição do incremento de intensidade e altura, falantes de

línguas de acento livre ou semifixo também a têm. Um francês,

espontaneamente, não teria consciência da existência de um acento em sua

própria língua (cf. GARDE, 1972:3-4). Sob essa exemplificação, verificamos

que todas as definições de acento (primário) se aproximam dessa capacidade

de dar realce a um único segmento silábico no interior de cada palavra.

Moraes (1998:10) destaca que, em línguas de acento fixo, como o

francês, a função básica do acento seria demarcativa, uma vez que esse recai

sempre sobre uma mesma sílaba, permitindo que se estabeleçam as fronteiras

entre as palavras. Observa, ainda, que o acento apresenta uma função

genérica que é justamente a de caracterizar formalmente as palavras na

cadeia da fala. Desse modo, a cinco acentos lexicais corresponderiam cinco

vocábulos numa cadeia de fala, configurando uma função culminativa em

línguas de acento livre.

Uma característica muito própria do acento (primário) se situa no fato de

que cada palavra, obrigatoriamente, possui apenas uma sílaba portadora

dessa proeminência e sua presença pressupõe que todas as outras sílabas

devem ser inacentuadas. Essa característica diferencia o acento de fonemas e

traços distintivos, que podem se manifestar mais de uma vez numa mesma

palavra, e até mesmo de morfemas, considerando a constituição da palavra.

34

Diferentemente dos fonemas que podem ser comutados produzindo diferentes

significados, o acento não pode ser analisado sob uma ótica comparativa entre

elementos formadores de um vocábulo, mas apenas entre diferentes

vocábulos de um plano sintagmático. Garde (1972:11) destaca que essa

característica confere ao acento uma função tipicamente contrastiva,

diferentemente da função oposicional que traços como sonoridade e

nasalidade apresentariam.

2.4.3 O acento no modelo gerativo

A teoria fonológica gerativa foi apresentada por Chomsky e Halle, em

1968, com a publicação do The Sound Pattern of English (SPE). Esse modelo

gerativo se diferenciou do modelo estruturalista principalmente por tornar a

relação entre a representação fonológica e a produção fonética mais abstrata

e por eliminar o “nível fonêmico”, um nível separado para a relação entre

fonema e suas variantes contextualmente especificadas. Para o modelo

gerativista, o “traço” é a unidade mínima que tem realidade psicológica e valor

operacional, não reconhecendo uma entidade como o fonema.

O modelo gerativo clássico passou por uma série de desdobramentos e

diferentes abordagens foram propostas nas décadas seguintes, havendo um

aprimoramento da teoria fonológica. Apresentaremos, de modo sucinto, duas

correntes teóricas relevantes para o estudo do acento e, em seguida, as

exemplificaremos com as análises de Bisol (1992), para a Fonologia Métrica, e

de Lee (1995), para a Fonologia Lexical.

35

A Fonologia Métrica, diferentemente do que ocorria no SPE, não vê

mais o acento primário como um traço atribuído a vogais; passa a considerá-lo

como o resultado de um jogo de proeminências entre constituintes métricos:

sílabas (σ), pés (Σ) e palavras fonológicas (ω) (cf. MASSINI-CAGLIARI,

1999:76; MATZENAUER, 2005:70) Em outras palavras, o acento é visto como

uma proeminência relativa decorrente de uma estrutura hierárquica e a sua

localização passa pela segmentação das palavras em constituintes métricos. É

objetivo da Fonologia Métrica estabelecer o inventário de pés possíveis, bem

como o seu papel na caracterização do acento e do ritmo de uma língua.

Na fonologia lexical, desenvolvida inicialmente por Kiparsky (1982) e

Mohanan (1982), a interação entre os componente fonológico e morfológico

dá-se por meio da inter-relação das regras de diferentes domínios. As regras

fonológicas aplicam-se à saída de toda regra morfológica, criando uma nova

forma que é então submetida a uma outra regra morfológica. Ao se aplicarem

regras fonológicas e morfológicas nas representações subjacentes, surgem as

representações lexicais, provenientes da atuação de regras lexicais. As regras

pós-lexicais se aplicam fora do léxico.

Apesar de as regras de atribuição de acento serem cíclicas tanto no

SPE quanto na Fonologia Lexical, o modelo lexical trata melhor de tal

particularidade, pois permite que tais regras interajam com as regras de

formação de palavras no léxico, aplicando-se reiteradas vezes após cada

operação morfológica. Sem dúvida, a grande e mais importante

contribuição da fonologia lexical foi incorporar o nível morfológico à análise do

componente fonológico.

36

2.4.4. Análises do acento primário segundo modelos não-lineares

Bisol (1992) e Lee (1995) apresentam duas propostas para o tratamento

do acento de palavras em português que passamos a analisar nesta seção.

Para Bisol, o acento possui apenas uma regra fundamentada em dois

dispositivos: sensibilidade quantitativa (SQ) e formação de constituintes

prosódicos (FCP). Em SQ, verifica-se o peso silábico e em FCP, verifica-se o

pé métrico das palavras prosódicas. A regra é, portanto, insensível à categoria

lexical das palavras.

O domínio em Bisol é a palavra morfológica, havendo diferenciação

entre verbos e não-verbos. Nos verbos, a regra aplica-se de maneira não-

cíclica, operando apenas quando a palavra já está completamente pronta,

enquanto nos não-verbos a regra é cíclica, partindo do radical + vogal

temática, e opera sempre que um morfema derivativo é acrescido.

A regra proposta por Bisol (1992) é a seguinte:

i. Atribua um asterisco (*) à sílaba pesada final, i.é, sílaba de rima

ramificada.

ii. Nos demais casos, forme um constituinte binário (não-

iterativamente) com proeminência à esquerda, do tipo (* .), junto

à borda direita da palavra.

37

Dessa forma, a partir da leitura da proposta de Bisol, podemos

considerar o pé básico do português do Brasil (PB) o troqueu moraico5. O

acento sempre recairá na segunda sílaba contada da borda direita para a

esquerda, desde que a primeira não seja pesada. Caracteriza-se, assim, o

acento das paroxítonas terminadas em sílaba leve (ii), como evidenciado em

(07):

(07) /kaz+a/ léxico

Ka za silabação

(* .) FCP

(* ) Regra Final (RF)

[káza] saída

Sendo a regra sensível à silaba pesada final, caracteriza-se o acento

das oxítonas terminadas em consoante ou ditongo (i), o que é evidenciado em

(08):

(08) /pomar/ /trofEu/ léxico

Po mar tro fEu silabação

(*) (*) SQ

( *) ( *) RF

[pomár] [trofEw]

5 Apesar de Bisol (1992) não fazer referência explícita ao tipo de pé métrico envolvido nas regras de acento que propõe, sem dúvida o troqueu moraico aparece na formulação, já que esse tipo de pé pode envolver uma única sílaba pesada, como acontece em SQ (a regra de sensibilidade quantitativa), ou ser formado por duas sílabas, sendo a primeira a proeminente, como em FCP (formação de constituintes prosódicos). Por isso, falamos em leitura do trabalho de Bisol (1992).

38

A proposta de Bisol apresenta um número significativo de casos que

não se submetem à regra, sendo resolvidos por meio da extrametricalidade6,

que opera de maneira distinta em verbos e não-verbos, tomando forma de uma

regra para aqueles e incidindo sobre exceções nestes.

A extrametricalidade permite que um elemento não seja visto pela regra

do acento, resultando no recuo do mesmo. Nos não-verbos proparoxítonos, o

elemento extramétrico é a sílaba final; nos não-verbos terminados em

consoante ou ditongo com acento não-final, o elemento extramétrico é a coda

silábica, como demonstrado em (09) e (10) a seguir:

(09) Proparoxítonos:

/fOsfor+o/ léxico

fOs fo ro silabação

<ro> Ex (sil)

(* .) FCP

(* . .) ASP (adjunção da sílaba perdida)

[fOsforu] saída

Percebemos que, após a silabação e a retirada da sílaba final, entra em

ação a regra em seu item (ii) para a formação do constituinte binário com

proeminência à esquerda. Feito isto, a sílaba extramétrica é recolocada,

aparecendo na forma de superfície. A regra de Adjunção da Sílaba Perdida

(ASP) não constrói sílaba; apenas anexa a sílaba extraviada como membro

6 Como definiremos melhor na seção 5.3, a extrametricalidade é um recurso que possibilita considerar determinadas sílabas “invisíveis” à aplicação da regra de acento.

39

fraco de um pé adjacente. Isso se realiza após a construção dos pés métricos,

se ficarem sílabas avulsas.

(10) Não-verbos terminados em consoante:

/util/ léxico

u til silabação

< l > Ex (coda)

(* .) FCP

(* ) RF

[útil] saída

Verificamos que, com a coda invisível à regra, a sílaba final não pode

ser considerada pesada e o acento recairá sobre a segunda sílaba a partir da

borda direita.

Não-verbos oxítonos terminados em vogal com acento final têm

acrescidos uma consoante final abstrata na forma lexical, apagada por

convenção e que passa a receber, por ressilabação, interpretação fonética nas

palavras derivadas. Isso pode ser verificado a partir da análise de palavras

como café e chá, as quais apresentam formas derivadas possuidoras de tais

consoantes em posição de onset: café > cafeteira; chá > chaleira.

Nas palavras não-derivadas, tais consoantes, abstratas, ficam em

posição de coda silábica e não recebem interpretação fonética na forma de

superfície, como demonstramos em (11):

40

(11) Derivação de café e cafeteira

kafεC kafεC Forma subjacente

ka fεC ka fεC Silabação

( * ) ( * ) Acento

______ kafεC + eira Derivação

______ ka fε Cei ra Ressilabação

______ ( * . ) Acento

kafεC ______ Apagamento de C

[ka’fε] [kafe’tejra] Forma de Superfície

Apesar de não descrevermos a atuação das regras em verbos, já que

nosso foco são os não-verbos, é importante destacar que a extrametricalidade,

na proposta de Bisol, propicia a utilização da mesma regra para verbos e não-

verbos, uma vez que, retirados os elementos extramétricos nos verbos, a regra

aplicada é a mesma para não-verbos.

Passaremos agora à análise do acento primário em português, segundo

Lee (1995), fundamentada nos pressupostos da Fonologia Lexical.

Apresentaremos apenas as considerações do autor a respeito da aplicação do

acento em não-verbos por ser esse o nosso foco principal de estudo.

Lee afirma que as regras do acento principal nas palavras do português

são sensíveis à categoria lexical, havendo diferenças significativas entre as

regras de acento do verbo e do não-verbo, tais como: (a) a mudança de

categoria lexical em função da posição do acento, como ocorre em fórmula,

não-verbo, e formúla, verbo; (b) a presença dos sufixos flexionais que podem

interferir na posição do acento em verbos e não interferem em não-verbos,

41

como em mésa – mésas (número) e áma – amámos (número/pessoa) e (c) o

acento não cai na última sílaba pesada dos verbos, com exceção do infinitivo,

contrariamente ao que ocorre no não-verbo, cujo acento na última sílaba

pesada constitui o caso não-marcado, como podemos ver em fálam, falámos e

rapáz, amór.

Lee (1995) utiliza estes e outros argumentos para demonstrar que,

embora Bisol (1992) tenha conseguido uma generalização para a regra do

acento, uma série de questionamentos podem ser realizados, levando-se à

conclusão de que a regra de acento para o não-verbo deve ser tratada

diferentemente da regra de acento para o verbo. Propõe, portanto, duas regras

para o acento do português, sendo estas, ao contrário da proposta de Bisol,

insensíveis ao peso silábico.

A regra do acento para o não-verbo em Lee é a seguinte:

(12) Regra do não-verbo

Domínio : Nível α.

a. Casos não-marcados: constituinte binário, cabeça à direita, direção:

direita para esquerda, não-iterativo.

b. Casos marcados: constituinte binário, cabeça à esquerda, direção:

direita para esquerda, não-iterativo.

42

O acento não-marcado para o não-verbo sempre cai na última vogal do

radical derivacional. O domínio é o radical derivacional, considerando-se a

vogal temática como o marcador da palavra, invisível no domínio de aplicação

da regra, sendo, portanto, extramétrica. Em (13) e (14), exemplificamos a regra

para os casos não-marcados e marcados, respectivamente:

(13) Casos não-marcados

café almoço tonel

(. *) (. *) (. *) Regra do não verbo (a)

( *) ( * ) ( *) Resultado final

(14) Casos marcados

Túnel último

(* . ) (* .) Regra do não-verbo (b)

(* ) (* ) Resultado final

Para Lee, o pé básico da língua portuguesa é o iambo, uma vez que a

sílaba tônica fica sempre à direita do domínio em casos não-marcados. Nessa

análise, postula-se a extrametricalidade do marcador de palavra (vogal

temática) no nível α, considerando-se que a regra do acento se aplica no

radical derivacional. Se for admitida a extrametricalidade morfológica, podem-

se eliminar vários tipos de extrametricalidade postulados por Bisol (1992).

Além disso, o acento oxítono pode também ser tratado como caso não-

marcado. O foco dessa abordagem é, portanto, morfológico, diferentemente da

abordagem de Leda Bisol.

43

2.5. Sobre os correlatos fonéticos do acento

Segundo Llorente (1971:37-39), podemos distinguir nas sílabas de uma

palavra quatro elementos variáveis, que são: (a) duração ou quantidade; (b)

intensidade, que depende do esforço muscular, expiratório; (c) altura, ou grau

de elevação da voz, e (d) articulação, que depende da disposição dos órgãos

fonatórios ao emitir a voz. O acento estaria relacionado à altura e à intensidade

em todas as línguas. Para o autor, o esforço intencional que realça uma sílaba

sobre outras sílabas de uma mesma palavra (o acento) pode afetar a

intensidade, o tom ou a quantidade, ou, ainda, os três juntos e define os

diferentes tipos de acento como musicais ou intensivos.

O acento é considerado musical, cromático ou de elevação, quando a

sílaba acentuada for pronunciada elevando-se a voz a um tom musical mais

alto. Essa elevação da altura musical se realiza pela maior tensão das cordas

vocais. Em outras palavras, quando a pressão do ar aumenta, a altura também

aumenta. Como exemplo desse tipo de acento musical, temos o latim clássico

e, na atualidade, o servo-croata.

O outro tipo de acento é denominado expiratório, intensivo ou dinâmico

e se caracteriza pela pronúncia mais forte da sílaba acentuada. Resulta da

amplitude das vibrações das cordas vocais, que por sua vez dependem da

pressão do ar expelido pelos pulmões. Todas as línguas românicas,

descendentes do latim, apresentam esse tipo de acento. Ele é caracterizado

basicamente por essa intensidade física, porém, destaca Llorente (1971:38),

outros elementos entram em jogo na sua produção, tais como altura,

44

modulação, timbre, quantidade vocálica, qualidade da consoante, ação da

glote, natureza da aspiração, etc.

Também o latim arcaico apresenta esse tipo de acento, e consideramos,

em nossa pesquisa, que também o latim vulgar apresentaria o acento

intensivo. De modo semelhante ao que ocorria no latim arcaico, as línguas

germânicas apresentam forte acento expiratório, que quase sempre recai na

primeira sílaba dos vocábulos, o que ressalta a debilidade das sílabas átonas.

Um aspecto relevante em relação aos tipos de acento é o fato de que

não há um sistema acentual exclusivamente tonal ou exclusivamente intensivo.

Segundo Llorente (1971:38), tom e intensidade caminham sempre juntos e

nenhum dos dois tipos de acento existe unicamente, mas apresenta um matiz

predominante. O sueco é exemplo de língua que apresenta intensidade e

altura quase em mesmo grau de importância.

Passaremos, em seguida, a apresentar os resultados da pesquisa de

Massini-Cagliari (1992) para o acento do português brasileiro e suas

considerações sobre os aspetos fonéticos envolvidos.

Os Modelos fonológicos não-lineares definem o acento como uma

relação de proeminência entre sílabas (MASSINI-CAGLIARI, 1992: 9), em que

são consideradas tônicas ou acentuadas aquelas mais proeminentes e átonas,

aquelas menos proeminentes. Tais proeminências fonológicas apresentam

correlatos em nível fonético, podendo se atualizar de diferentes maneiras em

diferentes línguas. Em outras palavras, no nível fonológico, acento é definido

em termos de proeminência silábica, sendo atualizado no nível fonético por

saliências fônicas que definem a sua posição no contínuo da fala.

45

No mesmo estudo, em que trata dos correlatos físicos, ou marcas

acústicas do acento em português, Massini-Cagliari (op. cit.: 31) afirma que o

acento lexical apresenta como principal marca uma maior duração da sílaba

tônica, acompanhada, na maioria das vezes, por uma queda de intensidade

na(s) sílaba(s) postônica(s). Além de tais fatores, destaca, ainda, a relevância

da qualidade vocálica na caracterização do acento. Dessa maneira, a autora

afirma que os principais correlatos físicos do acento em português seriam (em

ordem decrescente de importância), duração, intensidade e qualidade vocálica.

Moraes (1998:24), ao analisar os correlatos acústicos do acento lexical

no português brasileiro, afirma que esses variam em função da posição do

vocábulo no enunciado e, menos significativamente, em função do seu padrão

acentual. Assim sendo, segundo ele, quando um vocábulo se encontra em

posição interna em um grupo prosódico, a proeminência acentual se manifesta

pela combinação de intensidade e duração. A intensidade, no entanto, se

manifestaria por uma queda na sílaba postônica e não por um aumento sobre

a sílaba tônica. Já em posição final de um grupo prosódico, isto é, em posição

forte, o acento frasal se sobreporia ao acento lexical e, desse modo, a

freqüência fundamental se combinaria à intensidade e à duração na

manifestação do acento.

Ainda considerando os estudos de Massini-Cagliari (1992), destacamos

a adoção da sílaba como suporte dos correlatos físicos do acento lexical, uma

vez que uma análise fonológica deve considerar a representação material do

fenômeno ao representá-lo em níveis abstratos. Assim sendo, estudos

fonológicos sobre o acento em português, segundo a mesma autora, devem

46

considerar modelos teóricos que privilegiem a sílaba e não os segmentos

(consonantal ou vocálico) como contexto de aplicação do acento lexical.

2.6. Resumo do capitulo

Evidenciamos, neste capítulo, os principais aspectos sobre o acento que

julgamos relevantes para a presente pesquisa. Buscamos estabelecer como o

acento é definido em diferentes modelos teóricos, bem como verificamos as

hipóteses para a descrição do mesmo. Passamos, em seguida, a ilustrar as

definições apresentadas com as análises de fundamentação estruturalista e

gerativista para o acento no português brasileiro. Vimos, ainda, as funções que

o acento desempenha em línguas de acento fixo, semifixo ou livre e,

finalmente, verificamos os correlatos físicos que constituem o acento primário.

Com isso, concluímos esse breve estudo.

Na próxima parte do trabalho, descreveremos os principais pontos do

modelo teórico utilizado na descrição da mudança no acento latino – a Teoria

da Otimalidade. Objetivamos, com isso, instrumentalizar o leitor para a análise

do acento a partir de restrições universais organizadas numa escala de

relevância em cada variedade da língua, pilar de sustentação do paradigma

adotado.

47

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Na sua apresentação, em Prince e Smolensky (1993), a Teoria da

Otimalidade (TO) é aplicada à fonologia. Desde que o trabalho de Prince e

Smolensky foi divulgado, desenvolveu-se uma vasta quantidade de trabalhos

de aplicação desse modelo teórico na resolução de problemas da fonologia.

Os trabalhos produzidos dividem-se entre os que pretendem mostrar que esse

quadro teórico permite analisar aspectos da fonologia já analisados noutros

modelos, e os que mostram que, só com um modelo que contempla

violabilidade e conflito de restrições, é possível analisar determinados aspectos

da fonologia. É acerca da análise de problemas fonológicos que têm sido feitas

propostas relativamente ao formato do modelo teórico; por exemplo, o papel

desempenhado pelas restrições de Fidelidade é enfatizado e desenvolvido em

trabalhos sobre fonologia prosódica.

Apresentaremos, nesse capítulo, aspectos relativos à TO, tais como: (a)

a estrutura desse modelo teórico; (b) os princípios básicos que fundamentam a

Teoria e (c) a formalização de uma análise na linha da Otimalidade. Em relação

ao estudo da Mudança, apresentaremos de que maneira a TO entende e trata

do assunto.

3.1. Conceitos Básicos da Teoria da Otimalidade

A Teoria da Otimalidade (TO) constitui quadro teórico gerativo que tem

na fonologia o principal foco de atenções. A TO elimina o uso de regras e

propõe a utilização de restrições universais que medeiam o mecanismo input-

48

output de modo que, mesmo havendo violação de alguma dessas restrições,

possa emergir um output ótimo a partir de um input determinado. Os dados

fonéticos utilizados na TO são fornecidos pelo uso comum da língua, sendo

que o input representa a estrutura da língua em sua forma mais básica (nível

subjacente) e o output representa os usos dessas estruturas (nível de

superfície).

Um mecanismo denominado GEN (gerador – generator) cria possíveis

outputs a partir de um input e os submete a um mecanismo de avaliação

denominado EVAL (avaliador – evaluation). Tal mecanismo tem como objetivo

associar um output ideal a um input e excluir o que não for aceitável. Dessa

maneira, o conjunto de dados fornecido por GEN é confrontado com relação à

aplicação ou violação de restrições, e se estabelece qual dos dados é o melhor

candidato e quais não são admissíveis na língua. GEN é limitado por condições

de FIDELIDADE e a geração de candidatos não é aleatória ou indiscriminada,

já que geraria um número quase infinito de possibilidades.

Ao conjunto de restrições denomina-se CON (constraints) e são elas que

definem a estrutura das línguas, havendo restrições que definem estruturas

fonológicas das línguas em geral e outras que definem o caráter particular de

determinadas línguas. O que diferencia uma de outra é a ordenação particular

ou as relações de dominância que se estabelecem entre tais restrições.

As restrições são, desse modo, ordenadas e podem ser violadas de

modo suportável ou fatal. Nesse último caso, o candidato será eliminado da

avaliação por formar enunciados agramaticais. No ranking que se estabelece

entre essas restrições, aquelas cuja violação for mais suportável estarão num

nível inferior àquelas que não podem ser violadas. Dessa maneira, uma

49

determinada forma de superfície (output) pode falhar em satisfazer todas as

restrições de uma língua e, mesmo assim continuar sendo gramatical e

preferível em relação a outros candidatos que violam restrições mais altas no

ranking e que, por isso, são eliminados dessa competição para a emergência

do Candidato ótimo. Em outras palavras, candidatos que violam restrições mais

altas hierarquicamente são eliminados dessa competição para emergência da

forma gramatical no nível de superfície da língua, no nível do uso. Para maior

aprofundamento em relação aos tipos de restrições existentes, podemos

encontrar, em Cagliari (2002), uma série delas, tais como restrições de

fidelidade, de alinhamento, fonotáticas, segmentais, métricas, prosódicas e

lexicais.

A seguir, apresentamos três formalizações para análise de dados, em

que exemplificamos como se realizam as avaliações dos Candidatos em

relação a um determinado input:

(01)

Input RESTRIÇÃO 1 RESTRIÇÃO 2

Candidato a output 1 **

Candidato a output 2 *!

(02)

Input RESTRIÇÃO 1 RESTRIÇÃO 2

candidato a output 1 *

candidato a output 2 * *!*

50

(03)

Input RESTRIÇÃO 1 RESTRIÇÃO 2 RESTRIÇÃO 3

candidato a output 1 *

candidato a output 2 * *!

Antes de realizarmos nossa análise, vamos apresentar as convenções

utilizadas em TO e seus significados. A leitura de uma tabela7 deve, dessa

maneira, considerar as seguintes formalizações:

1. A forma subjacente (input) é dada na célula da primeira linha à esquerda.

2. Nas demais células da linha superior, estão as restrições ordenadas da

esquerda para a direita, de acordo com a hierarquização, também chamada

ranqueamento, de cada língua. À esquerda ficam as mais relevantes

lingüisticamente – aquelas que, quando violadas, geram candidatos

agramaticais.

3. A primeira coluna contém as formas potenciais de output, apresentadas

como Candidatos a serem avaliados.

4. As outras colunas contêm os resultados das avaliações.

5. marca o candidato gramatical ou ótimo, isto é, aquele que representa

a correta forma de superfície da língua.

6. * marca cada violação de restrições.

7. *! indica o ponto em que uma dada violação é fatal para o candidato,

eliminando-o da disputa.

7 A tabela de análise em TO é denominada convencionalmente de tableau, tendo o seu plural tableaux.

51

8. As partes sombreadas das tabelas indicam que, no momento em que os

candidatos estão sendo avaliados pelas restrições acima, esses já

violaram fatalmente alguma restrição anterior. Isso faz com que essas

avaliações sejam irrelevantes para a seleção do candidato ótimo.

9. Restrições separadas por uma linha sólida, como vemos no tableau em

(01), são estritamente ordenadas, ou seja, a restrição à esquerda

domina a restrição à direita. Caso o tableau apresente restrições

separadas por uma linha pontilhada, como em (03), essas não

apresentam uma dominância entre si e, portanto, não há um

ranqueamento crucial entre elas. Isso significa que não há evidências de

que uma restrição é mais altamente hierarquizada do que a outra e,

dessa forma, os candidatos são avaliados em conjunto por elas.

Feitas essas observações, verificamos, em (01), que o Candidato 2 viola

uma vez a RESTRIÇÃO 1 mais altamente hierarquizada e, portanto, comete

uma violação fatal (marcada por *!). Isso o retira da disputa e faz com que o

Candidato 1 seja o candidato ótimo, gramatical. Vemos que mesmo infringindo

duas vezes a RESTRIÇÃO 2, esse candidato é gramatical, uma vez que essas

violações são menos graves para a língua do que a violação da RESTRIÇÃO

1. Nesse ponto, como a avaliação não é mais relevante, a coluna encontra-se

sombreada.

Em (02), apresentamos uma outra situação, em que os dois Candidatos

infringem a RESTRIÇÃO 1 mais altamente hierarquizada. Dessa maneira, a

decisão sobre o Candidato ótimo passa para a seguinte, a RESTRIÇÃO 2. No

caso, o Candidato 2 a viola duas vezes, sendo que já na primeira violação é

52

eliminado da disputa, como evidenciado pela marca *!. Não há sombreamento,

uma vez que a avaliação de todas as restrições foi relevante para a escolha do

Candidato ótimo.

Já no tableau em (03), a linha pontilhada evidencia que a dominância

entre essas restrições não pôde ser estabelecida e a posição entre elas na

hierarquia é irrelevante. No caso, a violação do Candidato 1 à RESTRIÇÃO 1 e

a do Candidato 2 à RESTRIÇÃO 2 têm a mesma relevância e a decisão recai

na avaliação feita pela RESTRIÇÃO 3. Como o Candidato 2 a viola, é

eliminado da disputa nesse ponto da avaliação.

A fim de melhor ilustrar o funcionamento da TO, apresentamos, a seguir,

um esquema (cf. ARCHANGELI, 1997)8 que reproduz a estrutura gramatical da

teoria:

(04)

Entrada (input) /absorb-to/

GEN

Candidatos: ab.sor.to ab.sorb.to ab.sor.be.to ab.sor.b.to

EVAL

CON (restrições)

Saída (output) ótima [absorto]

8 Exemplo adaptado de Silva (1998).

53

O exemplo apresentado em (04) refere-se a um termo espanhol

constituído de base verbal + morfema de particípio. Prefere-se, nessa língua, o

apagamento da sonora em coda. Verifica-se que é melhor um apagamento do

que um acréscimo, como ocorre com *absorbeto.

Se, para outros modelos formais, a desobediência a regras ou princípios

leva à agramaticalidade de formas, para a TO a violação pode implicar um

resultado gramatical, como afirmamos anteriormente. Nesse sentido, a TO

trabalha com seleção de formas e não com transformações e/ou regras. Isso

quer dizer que a análise da forma subjacente para chegar à respectiva forma

de superfície é realizada num único estrato, não passando por estágios

intermediários até chegar a essa forma final.

Uma vez evidenciados a metodologia de análise e o mecanismo de

funcionamento da Teoria a Otimalidade, passaremos à apresentação das suas

premissas (GONÇALVES, 2004; HOLT, 1997). São elas:

3.1.1. Universalidade

Segundo essa premissa, as restrições estão presentes em todas as

línguas, uma vez que refletem tendências universais.

Para a TO, o que é de conhecimento inato e compartilhado, dividido por

nós, seres humanos, caracterizando as propriedades universais da linguagem

e a variação tolerada entre determinadas línguas específicas, compõe a

gramática universal (GU). Aos lingüistas, cabe encontrar evidências para

postular a existência de um certo padrão a ser estudado e formular a natureza

54

de tal padrão. Em outras palavras, a premissa da Universalidade afirma que a

GU é formada por um conjunto de restrições presente universalmente em toda

e qualquer gramática. Segundo Holt (1997:15), os componentes da GU são:

(a) CON: o conjunto de restrições a partir do qual as gramáticas

são constituídas;

(b) GEN: a função que define, para cada input, um conjunto de

candidatos lingüisticamente relevantes para a análise e;

(c) EVAL: a função que avalia comparativamente o conjunto de

formas em relação à dada hierarquia de restrições ou ranking.

3.1.2. Ranqueamento e Violabilidade

A partir de tais premissas, formaliza-se a idéia (i) de que restrições violáveis

são ordenadas hierarquicamente e (ii) de que o grau de violação deve ser

necessariamente mínimo para, nas palavras de Colina (1996: 1202),

“assegurar a aquiescência com restrições de nível mais alto”;

O conjunto de restrições, como vimos, está presente em todas as

gramáticas das línguas, respeitando, dessa forma, a premissa da

Universalidade. No entanto, o que diferencia uma língua da outra é justamente

a atuação de tais restrições contidas dentro de uma hierarquia, de um

ranqueamento. Isso equivale a dizer que uma língua se diferencia da outra

devido ao diferente ranqueamento de restrições. Esse, por sua vez, justifica

uma diferenciação no modo como se encara a violação de restrições. Ou seja,

violar restrições mais altamente hierarquizadas (ou ranqueadas) numa língua é

55

mais relevante (e, portanto, fatal) do que violar outras menos importantes.

Dessa maneira, justifica-se a premissa da Violabilidade.

Em TO, violar uma restrição não implica tornar um candidato

agramatical. Restrições são violáveis e a avaliação em relação à otimalidade

dos candidatos se faz em paralelo, ou seja, considerando todas as violações

ocorridas ou não em relação a todas as restrições presentes na hierarquia. O

Candidato gramatical ou ótimo será aquele que violar minimamente as

restrições.

3.1.3. Inclusividade

Segundo a Inclusividade, a hierarquia de restrições avalia um conjunto

de expressões candidatas proporcionadas por GEN, que constrói formas

possíveis que a seqüência input poderia apresentar. Essa premissa refere-se,

especificamente, aos tipos de candidatos que podem ser gerados para

avaliação. Expressões lingüísticas que não respeitem condições de boa-

formação não podem figurar entre os Candidatos à otimalidade. Em outras

palavras, apenas expressões aceitáveis do ponto-de-vista lingüístico podem

ser geradas. Isso faz com que o número de expressões a serem analisadas

não seja infinito, o que torna a análise certamente mais econômica.

56

3.1.4. Paralelismo

O paralelismo é um princípio a partir do qual a melhor satisfação é

considerada levando-se em conta, lado a lado, toda a hierarquia de restrições e

o total de candidatos a output, sem derivação serial, isto é, o conjunto de

candidatos é confrontado com o conjunto de restrições da hierarquia.

Isso equivale a dizer que a TO é um modelo teórico paralelista, em que

não há níveis intermediários de representação, como ocorre nos Modelos da

Fonologia não-linear. Nesses casos, a saída de uma regra pode ser analisada

e se tornar a entrada para a aplicação de uma nova regra. Há uma possível

aplicação cíclica de regras e, portanto, o resultado final pode ser obtido através

do estabelecimento de diferentes estratos. Em TO, cada restrição (inserida

numa hierarquia) avalia os candidatos de modo independente e paralelo, uma

única vez.

3.2. Outras questões relevantes

Vimos até o momento os princípios fundamentais e o modo como devem

ser apresentadas e analisadas as informações lingüísticas, segundo o modelo

otimalista. Iremos agora ampliar esses dados, verificando, mais

especificamente, a relevância das restrições de Fidelidade e Marcação, o

conflito entre restrições, o Princípio de Riqueza da Base e a Otimização do

Léxico.

57

3.2.1. Conflito de restrições: Fidelidade e Marcação

Abaurre (1999:75) afirma que “toda gramática pode ser vista como um

sistema no interior do qual atuam forças em permanente conflito”. Essa tensão

é representada na TO pelas restrições, que se dividem em dois grupos

principais: Fidelidade e Marcação. Sabemos que um candidato pode violar

restrições para que outras possam ser atendidas e isso, por si só, já caracteriza

a existência do conflito no modelo otimalista. É por intermédio do conflito

existente entre essas restrições hierarquizadas que é possível a seleção do

candidato ótimo. Passaremos a apresentar as principais famílias de restrições

responsáveis, na maioria dos casos, pela definição de um output ótimo.

A família de restrições de Marcação atua sobre os outputs no sentido de

manter os padrões estruturais gerais, não-marcados da língua. Dessa maneira,

temos restrições, como as formuladas a seguir, em que são apresentados

aspectos relevantes para a configuração de determinada estrutura silábica:

A - ONSET: sílabas contêm ataques (onsets).

B - PEAK: sílabas contêm uma vogal no núcleo.

C - NOCODA: sílabas não contêm codas.

D - NOCOMPLEXonset: sílabas não podem ter onsets complexos.

Podemos perceber que essas restrições de marcação atuam no sentido

de manter um padrão silábico geral; porém, isso não irá impedir que existam

outros padrões silábicos além do obtido pela total satisfação a essas demandas

– o padrão CV. Mais detalhadamente, verificamos que a restrição A atua no

sentido de gerar sílabas com posição de ataque preenchido, evitando-se,

assim, estruturas do tipo (V) ou (VC). A restrição B atua no sentido de gerar

58

sílabas constituídas por núcleo vocálico, impedindo formações como (C) ou

(CC). A restrição C procura impedir que haja travamento silábico, rejeitando

formações como (VC) e (CVC). Já o restritor D atua no sentido de impedir que

haja ramificação no onset silábico, atuando, portanto, contra formações do tipo

(CCV). Notemos, por exemplo, que muitas dessas restrições atuam no

português, mas isso não impede que se formem estruturas silábicas mais

complexas do que o padrão não-marcado (CV).

Propomos, no tableau em (05), analisar a formação silábica de uma

língua hipotética, que proíbe estruturas (CVC) e possui o padrão não-marcado

(CV), utilizando somente as restrições de Marcação. Consideraremos apenas a

forma de input (CVC) com o objetivo de ilustrar a atuação das restrições de

Marcação e Fidelidade, bem como o conflito entre as mesmas. Não é objetivo

realizar uma análise exaustiva e completa e, portanto, iremos focalizar nosso

estudo apenas nos aspectos mais relevantes para o presente propósito:

(05)

{CVC} PEAK ONSET NOCODA

☞ a. {CV.CV}

b. {CVC.V} *! *

c. {CVC} *!

d. {CVCC} *!*

☞ e. {CV∅}

59

As seguintes formalizações foram utilizadas nos tableaux (05) e (07),

referentes a essa análise:

a) As chaves delimitam a palavra fonológica;

b) O núcleo silábico encontra-se em negrito;

c) O ponto delimita as silabas;

d) ∅ representa um segmento que foi apagado;

Podemos notar que as restrições mais bem cotadas são PEAK e ONSET

uma vez que é importante para a língua estabelecer um padrão silábico que

contenha um núcleo vocálico e um onset. Como codas são proibidas,

NOCODA vem imediatamente após na hierarquia. Contudo, notamos que a

existência dessas restrições não impede a emergência de mais de um

candidato, no caso a e e emergem como candidatos ótimos. Isso ocorre porque

essas restrições não atuam no sentido de estabelecer uma relação de

identidade entre input e output e, com isso, inserções e apagamentos são

aceitos na constituição dos candidatos, que passam sem problemas pela

hierarquia de restrições de marcação. Há, então, a necessidade de se

adicionarem restrições que dêem visibilidade a apagamentos e acréscimos nos

candidatos e que permitam a emergência à superfície do candidato adequado.

Antes, contudo, de incluí-las em nossa análise, vamos verificar suas

características e como atuam tais restrições.

A família de restrições de fidelidade formaliza uma necessária identidade

entre as formas de input e output. Se o foco das atenções das restrições de

marcação está voltado para o output, como vimos, as restrições de fidelidade

estão voltadas para a manutenção da identidade entre as formas subjacentes

60

(input) e as formas de superfície (output). Tais restritores buscam, desse modo,

manter as propriedades presentes no léxico da língua. Isso não quer dizer que

formações que não correspondam fielmente ao input sejam eliminadas de

qualquer disputa. Isso porque restrições de fidelidade podem dominar

restrições de marcação e, com isso, fazer emergir candidatos mais marcados.

A respeito da dominância entre esses grupos de restritores, utilizamos o

seguinte esquema, retirado de Gonçalves (2005):

(06)

FIDELIDADE >> MARCAÇÃO: padrões lexicalmente especificados.

MARCAÇÃO >> FIDELIDADE: padrões menos marcados

estruturalmente.

Em outras palavras, quando restrições de fidelidade dominam restrições

de marcação, os outputs que emergem tendem a ser formas menos gerais,

menos usuais, mais específicas da língua. Por outro lado, quando as restrições

de marcação dominam fidelidade, ocorre a emergência de elementos mais

gerais, menos marcados. É por esse motivo que crianças em fase de aquisição

apresentam esse último tipo de dominância (SMOLENSKY, 1996), uma vez

que tendem a repetir os padrões informados pelos pais e que vêm a constituir

os seus próprios inputs. Com o tempo, a relação de dominância entre as

restrições vai se flexibilizando, havendo a emergência de elementos mais

marcados e também uma modificação nos respectivos inputs.

61

Como exemplo de restrições de fidelidade, temos:

MAX-IO: traços/segmentos do input devem ser mantidos no output.

DEP-IO: traços/segmentos do output devem ter correspondentes no input.

Mais especificamente, MAX-IO atua impedindo apagamentos de traços

ou segmentos presentes no input, sendo considerada um restrição anti-

apagamento, e DEP-IO atua contra acréscimos de traços ou segmentos às

informações já contidas no input, sendo considerada uma restrição anti-

epêntese. Podemos observar de que forma essas restrições atuam, analisando

a nossa língua hipotética. O input dos tableaux em (05) e (07) apresenta a

estrutura (CVC). A restrição MAX-IO atua contra qualquer apagamento de

elementos de tal input e, dessa forma, candidatos como (C∅C), (CV∅) e (∅VC)

violarão uma vez essa restrição por apresentarem um apagamento de

elemento contido no input. Cada elemento apagado representa uma violação a

essa restrição.

Já DEP-IO atua contra candidatos a output do tipo (CCVC) ou (CVCC)

em que ocorre a epêntese de segmentos nas formas candidatas. Para cada

acréscimo, há uma violação a essa restrição. Desse modo, a seguinte

hierarquia estaria atuando em nosso caso hipotético. Lembramos que o padrão

silábico não-marcado em nossa língua é o CV, porém, a fim de ilustrar a

atuação das restrições de fidelidade, o input apresentará o padrão CVC:

62

(07)

{CVC} PEAK ONSET NOCODA DEP-IO MAX-IO

☞ a. {CV} *

b. {CVC} *!

c. {CCC} *! * * *

d. {CVCC} *!* *

e. {VC} *! * *

f. {CV.CV} *!

Em (07), verificamos que a restrição DEP-IO atua no sentido de evitar

epênteses e, dessa forma, o candidato f é eliminado por apresentar um

segmento vocálico acrescido à seqüência CVC original, formando,

obrigatoriamente, uma segunda sílaba. Já os candidatos b, c, d e e são

eliminados pela atuação das restrições de marcação. Temos o candidato a,

emergindo como ótimo, uma vez que apresenta a constituição silábica mais

geral da língua.

Vimos, assim, o conflito existente entre as restrições de marcação e

fidelidade, uma vez que as restrições de fidelidade foram necessárias para a

seleção do candidato ótimo. Devido ao caráter de generalidade da formação

silábica de nossa língua hipotética, Marcação dominou Fidelidade, com a

emergência do padrão silábico não-marcado (CV) para um input hipotético

(CVC). Mais especificamente, os restritores de Marcação PEAK, ONSET e

NOCODA dominam as restrições de Fidelidade MAX-IO e DEP-IO e garantem,

63

com isso, a escolha de formações não-marcadas, mais gerais e usuais na

língua em questão. No caso específico, nossa língua tende a formar sílabas CV

por apagamento, em lugar de gerar uma sílaba extra pelo acréscimo da vogal.

3.2.2. Riqueza de Base e Otimização do Léxico

Um outro aspecto que diferencia a TO dos modelos teóricos baseados

em regras refere-se à escolha do tipo de material contido nas representações

subjacentes (inputs). Nos modelos anteriores, as representações subjacentes

somente podiam conter fonemas da língua. Informações relativas à atribuição

do acento ou à divisão silábica, por exemplo, jamais poderiam estar nesse nível

representacional. Somente por meio de regras é que tais informações poderiam

ser atribuídas.

Como, na abordagem otimalista, a atuação do conjunto de restrições é o

mecanismo responsável pela seleção da forma de superfície, o input pode

conter uma série de informações antes não admissíveis. Aquilo que não for

adequado e que não respeite as características gramaticais será eliminado por

infringir as restrições. Não há, segundo Collishonn &Schwindt (2003: 35),

proibição quanto à presença de segmentos ou propriedades prosódicas no

input. A essa ampla possibilidade de informações contidas no nível subjacente

– e que vai além da mera informação fonemática – é o que se denomina

Riqueza da Base. Nesse caso, Riqueza da Base é expressão sinônima de

Riqueza do Input.

Ao analisarmos as conseqüências de se admitir o princípio de Riqueza

da Base, identificamos a existência um número muito grande de possíveis

64

inputs para uma determinada forma de output. Como o falante, então, faz a

seleção do input adequado, se não há limites quanto ao tipo de informações

por ele portadas?

Há um último princípio que devemos considerar dentro do modelo

teórico da TO, nos moldes de Prince & Smolensky (1993), que se denomina

Otimização do Léxico e que serve para regular a escolha de inputs adequados.

Esse princípio nos diz que “diante da existência de formas subjacentes

alternativas para um mesmo output, os falantes pressupõem como input aquela

forma que é mais semelhante ao output” (COLLISCHONN & SCHWINDT,

2003:35). Em outras palavras, a Otimização do Léxico visa a regular, de certa

forma, a Riqueza da Base a fim de não gerar um elevado número de inputs

para um determinado output.

3.3. Mudança na Teoria da Otimalidade

É consenso entre os autores que a mudança lingüística se dá em TO

através da modificação da hierarquia de restrições, ou seja, ocorre pelo re-

ranqueamento dessas restrições (JACOBS, 1994 e 1995; HUTTON, 1996;

GESS,1996; HOLT, 1997). Já a variação é entendida como a coexistência de

ranqueamentos (rankings) parciais devido a restrições que ainda não

estabilizaram sua posição na hierarquia (ZUBRITSKAYA, 1994; ANTILLA,

1995). É justamente no momento em que essas restrições estabilizam sua

posição na hierarquia que ocorre a mudança. Em outras palavras, no momento

da variação, diversos candidatos emergem ao mesmo tempo devido à

maleabilidade no ranqueamento, a qual permite que hierarquias diferentes

65

coexistam sincronicamente. Com a predominância de uma dessas hierarquias

(ranking total) sobre as outras em coexistência (ranqueamento parcial),

teremos, obrigatoriamente, apenas um candidato vencedor emergindo.

Passaremos, a seguir, a uma breve apresentação de algumas dessas

propostas e veremos, mais detidamente, a abordagem teórica de Hutton

(1996), na qual o autor explicita os diferentes mecanismos relacionados à

mudança na hierarquia de restrições.

Jacobs (1994) caracteriza a lenição no Francês antigo como resultado

de um reordenamento da restrição PARSE com a família MARCAÇÃO, da

mesma forma que o faz em (1995), em que realiza um estudo sobre a mudança

na estrutura silábica e a ênclise fonológica, considerando haver um

reordenamento de restrições de PARSE e ALINHAMENTO. Gess (1996)

analisa certas mudanças no desenvolvimento da estrutura silábica do Francês

antigo e também adota o re-ranqueamento de restrições para o estudo de

mudança histórica. O autor demonstra que o que determina a perda da

consoante em sílaba final é o re-ranqueamento de uma restrição distribucional

de soantes em relação a restrições do tipo PARSE. Já Hutton (1996) apresenta

um estudo sobre a mudança numa perspectiva mais geral. Não busca explicar

mudanças internas um uma língua particular, mas avaliar questões teóricas

acerca do tema.

O autor apresenta a Hipótese de Base Sincrônica, na qual afirma que

todos os candidatos gerados por GEN são baseados em uma forma de output

corrente. Desse modo, formas mais antigas da língua não são avaliáveis como

representações subjacentes sobre as quais GEN opera. A assunção de tal

hipótese nos leva a considerar que formas historicamente antigas, não

66

podendo fazer parte do input, são eliminadas do léxico. A mudança, portanto,

não seria um fenômeno derivacional, mas sim um fenômeno baseado na

substituição de um input por outro mais atual e corrente. Formas correntes com

etimologia conhecida não teriam em seu input a correspondente forma

etimológica, uma vez que essa já estaria muito distante (já teria sido removida)

da representação moderna.

Holt (1997) adota essa hipótese em seu estudo, afirmando que ela é

necessária para uma compreensão satisfatória sobre vários processos de

mudança (op cit.: 33). Hutton (1996) afirma, ainda, que o estado de equilíbrio

da hierarquia de restrições não impede que possa ocorrer o re-ranqueamento

das mesmas. Esse re-ranqueamento, para o autor, não dirige a mudança

histórica, mas resulta dela e sugere, ainda, que os fatores externos, ligados às

condições do output, estão na base das alterações da hierarquia. As possíveis

alterações da hierarquia de restrições, que conduzem a uma mudança histórica

em determinada língua, são as seguintes:

3.3.1. Promoção de restrições

Uma restrição é promovida, quando fatores lingüísticos a tornam mais

relevante do que outra(s) restrição(ões) anteriormente mais bem cotada(s) na

hierarquia. Isso pode ocorrer no sentido de manter a tendência de emergência

do não-marcado, quando a língua passa a valorizar mais determinada condição

em relação a outra(s). Holt (1997), ao estudar a elisão de consoante em sílaba

final, evidencia que restrições de marcação são promovidas sobre restrições de

fidelidade.

67

3.3.2. Demoção de restrições

Um restrição é demovida de sua posição hierárquica quando não

apresenta mais papel decisivo na seleção do candidato ótimo. Em outras

palavras, sua relevância lingüística não é mais atestada como antes e passa a

ter um papel secundário. Hutton acrescenta que restrições individuais podem

ser demovidas se as condições fonéticas no output deixarem de ser relevantes.

Quando isso ocorre, tais restrições são relegadas à posição mais baixa da

hierarquia e são denominadas de “unranked occulted constraints” (restrições

ocultas não-ranqueadas). Holt (1997) exemplifica a demoção no estudo do

desenvolvimento da inicial ch- no Galego-português, em que argumenta sobre

a demoção de uma restrição que atua contra complexidade. Além disso, esse

autor não concorda com Hutton (op. cit.) sobre a existência de restrições não-

ranqueadas (op. cit.:35).

As próximas três alterações de hierarquia podem ser consideradas

subtipos das duas anteriores, desde que envolvam processos de promoção ou

demoção de restrições.

68

3.3.3. Criação de novas conexões entre restrições

O mecanismo de criação de novas conexões pode ser ilustrado como

em (08) abaixo:

(08) A , B A >> B

Em (08), A e B são restrições não-dominadas entre si e que passam a

apresentar uma relação de dominância, em que A se encontra ranqueada em

posição mais relevante na hierarquia do que B, ou seja, as restrições que

atuavam em conjunto passam a não mais fazê-lo, sendo mais relevante para a

língua respeitar a condição expressa pela restrição A do que a exigida por B. A

interpretação dos resultados que podem ser obtidos com esse tipo de alteração

será ilustrada nos tableaux a seguir:

(09)

Input RESTRIÇÃO A RESTRIÇÃO B RESTRIÇÃO C

Candidato 1 *

Candidato 2 * *!

(10)

Input RESTRIÇÃO A RESTRIÇÃO B RESTRIÇÃO C

Candidato 1 *!

Candidato 2 * *

69

Em (09), verificamos que a não-dominância entre as restrições A e B fez

com que a decisão sobre o candidato ótimo recaísse sobre a restrição

seguinte, C, já que ambos os candidatos violaram uma vez as restrições A e B,

que devem ser analisadas em conjunto. Como o candidato 2 violou uma vez a

restrição C, o candidato 1 foi selecionado como ótimo. Já com o re-

ranqueamento em (10), a restrição A passou a dominar a restrição B, criando-

se uma relação de dominância entre ambas. Isso faz com que qualquer

violação àquela elimine o competidor da disputa. Isso ocorre, como vimos, com

o candidato 1, emergindo, portanto, o competidor 2 como vitorioso da disputa.

Vimos, dessa forma, como o estabelecimento de uma relação de dominância

entre restrições pode impedir a emergência de determinado Candidato

anteriormente considerado ótimo por outro menos relevante em momentos

anteriores da língua. Isso fica ilustrado pela emergência do Candidato 1 no

tableau em (09) e pela emergência do Candidato 2 em(10).

3.3.4. Dissolução de conexão entre restrições

Podemos representar esse tipo de alteração de hierarquia com o

seguinte esquema:

(11) A >> B A , B

Verificamos que esse caso é o inverso do anterior. Agora, A e B são

restrições que possuíam uma relação de dominância (A >> B), em que era

mais importante lingüisticamente respeitar a condição de A do que respeitar a

70

condição de B. Desse modo, A dominava B. No entanto, essa relação de

dominância, em algum momento passa a não mais existir (A , B), fazendo com

que venha à superfície um outro Candidato. Essas restrições passam, então, a

ser analisadas em conjunto, evidenciando que a violação de uma ou outra

restrição tem o mesmo peso, a mesma importância para a língua em questão.

Ilustramos essas afirmações com os tableaux a seguir:

(12)

Input RESTRIÇÃO A RESTRIÇÃO B RESTRIÇÃO C

Candidato 1 * *

Candidato 2 *!

(13)

Input RESTRIÇÃO A RESTRIÇÃO B RESTRIÇÃO C

Candidato 1 * *!

Candidato 2 *

Em (12), o Candidato 2 viola fatalmente a restrição A, mais relevante na

análise que a restrição B, fazendo emergir o candidato ótimo 1. Com a

dissolução da dominância existente entre essas restrições, ilustrada em (13), e

a conseqüente atuação conjunta das mesmas, torna-se irrelevante a violação

do candidato 2, uma vez que o candidato 1 também viola a restrição B. Dessa

maneira, empatados em número de violações e na relevância das mesmas, a

decisão recai sobre a violação à restrição C. Do mesmo modo que no

71

mecanismo anterior, agora temos um re-ranqueamento que leva à escolha de

diferentes candidatos ótimos.

3.3.5. Alteração da relação de dominância entre duas restrições

Como fizemos anteriormente, ilustramos o mecanismo de alteração da

relação de dominância entre duas restrições da seguinte forma:

(14) A >> B B >> A

No esquema em (14), percebemos que duas restrições que

apresentavam uma relação de dominância em que A tinha precedência sobre B

(A >> B), em um segundo momento, têm essa relação invertida e B passa a

dominar A (B >> A), como vemos em (15) e (16) abaixo:

(15)

Input RESTRIÇÃO A RESTRIÇÃO B RESTRIÇÃO C

Candidato 1 * *

Candidato 2 *!

(16)

Input RESTRIÇÃO B RESTRIÇÃO A RESTRIÇÃO C

Candidato 1 *! *

Candidato 2 *

72

Nos tableaux apresentados em (15) e (16), ambos os rivais violam uma

vez um dos restritores que se encontram em relação de dominância. A

alteração dessa relação de dominância leva à uma mudança na emergência do

Candidato ótimo: 1 em (15) e 2 em (16), ou seja, num segundo momento, não é

mais relevante para a língua respeitar a restrição A em relação à restrição B,

levando a uma alteração no resultado da avaliação dos candidatos.

3.4. Resumo do capítulo

Verificamos que a Hipótese de Base Sincrônica proposta por Hutton

(1996) nos leva a uma compreensão da mudança sob um enfoque não-

derivacional. A mudança em TO é vista como a atualização do inventário lexical

que vem a se manifestar por intermédio do re-ordenamento e do re-equilíbrio

da hierarquia de restrições atuantes. Disso resulta que a mudança não é

analisada como uma seqüência de estágios historicamente encadeados e

dependentes. Lembremos que a TO trata da relação input/output e dos

mecanismos que medeiam esses níveis representacionais. O foco, no entanto,

está no output e é esse que alimenta e determina a constituição do inventário

lexical que vem a constituir o input de uma dada língua. Conseqüentemente, as

representações subjacentes serão aquelas formas contemporâneas dos

falantes e não farão parte do inventario lexical formações antigas, já em

desuso, e que, etimologicamente, deram origem a novas representações

fonéticas. Elas vão gradativamente deixando de existir e a mudança vai se

consolidando até que o re-ranqueamento de restrições se estabilize e o input

73

se modifique. É justamente essa modificação do input que vai caracterizar a

mudança.

Vimos, desse modo, que a TO considera o uso pontual da língua em

diversos momentos históricos para caracterizar a mudança, capta as

modificações lingüísticas mais relevantes que ocorreram e as explicita por meio

da atuação (reordenamento) das restrições.

Terminamos, assim, o presente capítulo, no qual buscamos evidenciar

os principais aspectos da abordagem teórica que elegemos para fundamentar

nossa análise da mudança do acento primário em não-verbos. Vimos que a TO

apresenta avanços em relação às Fonologias Derivacionais, como a utilização

de restrições universais em lugar de regras, proporcionando uma análise

paralela pela ação conjunta de todas as restrições. Com isso, a proposta

otimalista diminui o grau de abstração das análises, evitando recorrer a

expedientes sem qualquer motivação empírica, utilizados para descrever casos

específicos. No capítulo seguinte, trataremos de aspectos gerais da história da

língua latina e, em seguida, analisaremos o acento em latim na variedade dita

“culta” (clássica), iniciando, então, as nossas análises segundo a TO.

74

4. AS ORIGENS DO LATIM

Neste capítulo, abordaremos questões relativas à constituição do latim

ao longo dos séculos, com o objetivo de definir e compreender as suas

variedades. Não nos aprofundaremos em aspectos controversos sobre a

denominação de tais variedades e suas características, uma vez que nosso

objetivo é evidenciar e justificar o referencial adotado por nós em relação ao

tema. Para tanto, fundamentaremos nossa posição em vários estudiosos do

assunto, tais como Bunse (1943), Silva Neto (1976 e 1977), Nunes (1975),

Maurer Jr. (1959) e Ilari (2006).

Em linhas gerais, verificaremos (a) como se processou a formação e

expansão do Império Romano e da língua latina, (b) as influências de outras

línguas sobre o latim, (c) aspectos relevantes sobre as variedades latinas e (d)

a cronologia da língua.

4.1. Um pouco de história

O Latim é considerado uma língua indo-européia do sub-ramo itálico do

ramo europeu (BUNSE, 1943: 1; SILVA NETO, 1977:126). Tal sub-ramo divide-

se, ainda, em dois grupos: o osco-umbro e o latino-falisco e é justamente a

esse último que pertencem os povos que habitavam a região do Lácio, território

situado na margem esquerda do rio Tibre. Nessa pequena região, delimitada

pelo mar, rios e montes, têm origem o latim e a cidade de Roma, capital do

Estado romano, fundada em 753 a.C.

75

Inicialmente habitada por lavradores, a cidade cresce em influência e se

torna, aos poucos, o centro da Itália, vindo a constituir o Império Romano. Entre

os séculos V a.C e II d.C ocorreram as conquistas desse Império e a sua

história é usualmente dividida em três fases, correspondentes às três formas

de governo (cf. ILARI, 2006: 41): Realeza (das origens a 509 a.C.), República

(de 509 a.C. a 27 a.C.) e Império (de 27 a.C. a 476 d.C).

Segundo Ilari (2006: 41 - 47), em pouco mais de 50 anos, os povos

vizinhos ao Lácio foram assimilados e a Itália peninsular foi dominada. Tal

conquista projetou politicamente o Império Romano, que se tornou um

importante rival de Cartago, colônia fenícia que explorava o comércio marítimo

no Mediterrâneo. Essa rivalidade levou Roma a três guerras contra Cartago,

denominadas guerras púnicas, e que se estenderam por mais de um século: a

primeira entre 264 a.C. e 241 a.C.; a segunda entre 219 a.C. e 201 a.C. e a

terceira guerra, que culminou com a derrocada de Cartago, em 146 a.C. Trinta

anos após a queda de Cartago, os romanos já dominavam toda a Europa

mediterrânea e alguns territórios da África do Norte e da Ásia Menor.

Suas conquistas ainda avançaram em direção à Gália e à Europa

Central e se expandiram na Ásia Menor e na África. Em seu apogeu, o Império

Romano foi da Britânia, ao Norte, até o Egito, ao Sul, da Lusitânia, ao

Ocidente, à Síria e Palestina, ao Oriente, constituindo um vasto e complexo

Império. O seu processo de decadência se iniciou a partir do século II d.C.,

com Trajano, e teve sua queda final em 476 d.C. com a invasão da Itália pelos

visigodos e a deposição do Imperador Rômulo Augusto.

76

4.2. Variedades do Latim

A política adotada por Roma em relação aos povos conquistados era

“bastante aberta para a época” (ILARI, 2006:48). Havia respeito à religião e à

língua materna dos povos, mas o direito romano era imposto e os territórios

eram explorados economicamente. O latim era utilizado pelo serviço público e

comunicações oficiais, mas no contato entre os habitantes era permitido o uso

dos falares locais. Certamente, a língua levada pelos conquistadores entrou em

contato com uma infinidade de línguas de diferentes famílias lingüísticas e essa

interação enriqueceu a língua latina ao longo do tempo. Segundo Ilari

(2006:49), esse latim apresentava duas variedades: uma popular e outra

erudita. A primeira era a falada pelo exército, pelos comerciantes e, em alguns

casos, por colonos assentados; já a segunda era a variedade escrita dos

magistrados, da jurisdição e da escola.

O conhecimento do latim abria melhores perspectivas de vida aos povos

dominados e muitos enviavam seus filhos para estudar na Itália, a fim de que

tivessem uma educação latina. Por volta do século III d.C., o latim já havia

suplantado os falares locais na Europa continental e no Mediterrâneo ocidental,

apesar de o bilingüismo ter perdurado por séculos em muitas regiões (ILARI,

2006; BUNSE, 1943; SILVA NETO, 1976). Na parte oriental do Mediterrâneo e

na Anatólia, o latim não suplantou o grego, língua falada nessas regiões e que

já havia suplantado as línguas indígenas locais quando os romanos lá

chegaram.

77

Antes de avançarmos em nossos estudos, nos determos nos aspectos

relacionados à variedade arcaica, pré-histórica, do latim e que serviu como

ponto de partida para a formação tanto do latim clássico quanto do vulgar.

4.2.1. O Latim Arcaico

Bunse (1943:19-26) afirma que diversos dialetos rurais influenciaram o

vocabulário latino arcaico, desde línguas pertencentes ao ramo itálico indo-

europeu até outras de origem desconhecida ou duvidosa, como é o caso do

veneziano, do líguro e do messápio, línguas faladas na Itália superior e no

sudeste da Itália inferior. Silva Neto (1977: 126 - 130) também nos fala sobre

as diversas influências dos dialetos locais, como o falisco e o prenestino, e

sobre a não uniformidade do latim falado por volta do séc. VII a.C. Será apenas

no III séc. a. C. que o latim dito clássico inicia a sua formação, com base no

latim falado à época em Roma, ou seja, no já referido latim arcaico.

Uma importante influência sobre esse latim arcaico ou pré-clássico9 foi

exercida pela língua e pelo povo etruscos, principalmente na onomástica latina,

com mais de 900 nomes próprios registrados. Influenciou, também, na

pronúncia aspirada de nomes latinos e teria sido, ainda, responsável pela

mediação na entrada de grande número de termos gregos (cf. BUNSE, 1943 e

SILVA NETO, 1977). Além da importante influência etrusca, nesse período,

9 Adotamos a denominação de Bunse (1943:38) que considera o latim pré-clássico ou arcaico como aquele falado por volta do 4º ao 2º séculos a.C., “período da evolução do latim, em que a língua, de século em século, apresenta modificações até chegar ao estado em que nós conhecemos como latim da época clássica”. Ilari (2006:64) data a existência do latim arcaico por volta do 6º ao 3º séc a.C. Consideramos as datações apenas como marcos históricos e destacamos que o fator principal para a denominação arcaica do latim é a existência de uma língua primitiva, multifacetada, que serviu de base para o surgimento das variedades culta e vulgar.

78

houve, também, influência gaulesa e grega, sendo, essa última,

indiscutivelmente, a mais relevante de todas.

Os gauleses foram um povo que se firmou no norte da Itália, em torno do

séc. VII a.C., tendo se espalhado pelo centro da península e tomado, em

épocas remotas, a própria cidade de Roma. Há indícios de termos de origem

gaulesa em nomes de armas, veículos e animais. No entanto, como já

afirmamos, dentre todas as influências sobre o latim por parte de línguas

estrangeiras, foi o grego a que mais se fez presente.

Os gregos fundaram, desde tempos remotos, ricas e prósperas colônias

na costa sul da Itália, como Nápoles e Siracusa. Essas colônias

representavam, segundo Bunse (1943:28), verdadeiros focos de civilização, e a

língua grega falada por esses povos teve considerável influência sobre as

outras línguas da antiga Itália, acentuando-se nos séculos IV e III a.C. Também

foi com os gregos que os romanos tiveram conhecimento da escrita, o que

explica os incontáveis termos latinos tomados do grego desde os primórdios da

formação da língua.

Na sub-seção seguinte, apresentaremos de modo breve, alguns

aspectos relevantes sobre o acento no latim arcaico, com o objetivo de ampliar

o nosso quadro de análise e tentar delimitar diferenças e semelhanças entre

essa variedade e as variedades culta e popular do latim.

79

4.2.1.1. O acento no latim arcaico

Consideramos, na presente pesquisa, o acento latino arcaico como

sendo de intensidade, recaindo sempre energicamente na primeira sílaba dos

vocábulos (BUNSE, 1943; LLORENTE, 1971; COUTINHO, 2005). Em outras

palavras, o acento era determinado pela intensidade do ar expelido na

pronúncia das palavras e recaia sempre sobre a sílaba inicial, diferentemente

do que acontecia no indo-europeu, que era musical e livre. Tal modificação

pode ser creditada à influência etrusca ocorrida no período pré-histórico sobre

a língua latina em formação.

Bunse (1943:49) apresenta, ainda, como principal característica desse

acento expiratório, a perda ou enfraquecimento das vogais postônicas como

acontece com tégmen (envoltório) ao lado de tégumen; válde (muito) ao lado

de válide.

4.2.1.2. Provável causa da mudança

Esse tipo de acentuação expiratória perdurou até o começo da literatura

latina, conforme acredita Bunse (op. cit. p. 57), quando a acentuação passou a

ser determinada pelo peso silábico. Desse modo, o acento recairá na penúltima

sílaba se essa for pesada (ou longa) e recairá na antepenúltima sílaba quando

a penúltima for leve (ou breve). Essa modificação na acentuação do latim

arcaico para o clássico também pode ter sido influência do grego, uma vez que

a métrica grega, adotada e adaptada para o latim, era fundamentada na

quantidade silábica e não na presença de um acento intensivo. Os versos

80

saturninos registrados em algumas inscrições do séc. II a.C. foram substituídos

pelo verso hexâmetro, uma forma métrica constituída sobre base rítmico-

musical, pela alternância de sílabas longas e breves.

Outro aspecto que diferencia a variedade arcaica do latim é o fato de o

acento intensivo ser fixo na primeira sílaba dos vocábulos. Tal fato não mais

existe no latim clássico nem no vulgar e, como acontece com o Grego, uma

das três últimas sílabas dos vocábulos passa a receber o acento tônico – a

denominada lei de três sílabas ou janela de três sílabas. Essa constitui outra

evidência da influência grega sobre o latim daquela época.

4.2.2. Breves questões acerca da natureza do acento latino

Llorente (1972:43-46) apresenta uma série de argumentos a favor e

contra a intensidade inicial do acento do latim arcaico. Isso porque, entre os

séculos XIX e XX, uma série de pesquisadores dividiu-se em dois grandes

grupos de pensadores, denominados escola “francesa” e escola “alemã”. A

escola francesa defendia um acento latino musical que teria mantido sua

característica desde o indo-europeu até os séculos II a.C a IV d.C. Portanto,

não teria havido nenhuma alteração na qualidade do acento desde a formação

do latim pré-histórico até a decadência do latim clássico.

Já a escola alemã defendia um acento latino apenas intensivo e

fundamentava sua opinião na teoria da centralização (hipótese desenvolvida

por A. Schmitt), segundo a qual o acento tem como função “centralizar” a

palavra, ou seja, pôr em relevo uma sílaba em relação às outras. Nas línguas

de acento forte, a sílaba acentuada se converte no centro da palavra, podendo,

81

inclusive, se converter em centro da frase. Por outro lado, o acento musical não

poderia ter esse efeito centralizador. Se o tom se unisse a um acento de

intensidade, seria a intensidade e não o tom que serviria para centralizar a

palavra. Segundo essa teoria, o acento musical não existe e, além disso, o

latim seria uma língua mais centralizada do que o próprio grego, o que equivale

a qualificá-lo de intensivo (LLORENTE, 1972:41).

Há, ainda, aqueles pertencentes à escola alemã que acreditam ter

havido a entrada, no século II a.C., de um acento tonal, além do já existente

acento intensivo no latim. Isso se explicaria devido a um forte movimento

helenizante cultivado pelas minorias romanas e à conservação, por parte das

camadas populares, do acento intensivo.

Independentemente da postura que se admita em relação à natureza do

acento latino, parece unânime entre os pesquisadores a relevância dada ao

peso silábico na determinação do acento no latim clássico e a perda da

distinção de quantidade silábica no latim vulgar. Essa questão, parece, para

nós, de maior relevância, uma vez que será determinante no processo de

aplicação do acento em ambas as variedades. Buscamos, no entanto, adotar

as posturas teóricas mais atuais em relação ao tema e nos basearemos,

principalmente, nos pesquisadores brasileiros que se dedicaram ao assunto e

que representam as fontes básicas sobre o tema, tais como Maurer Jr. (1959,

1962), Nunes (1975), Silva Neto (1976, 1977), Faria (1970), Coutinho (2005) e

Ilari (2006).

82

4.2.3. Latim clássico e latim vulgar

Coutinho (2005:29) afirma que a princípio existia apenas um latim, que,

posteriormente, sofreu uma série de modificações, transformando-se numa

língua literária. A língua latina passa, a partir desse momento, a apresentar

dois aspectos que se tornam cada vez mais distintos com o passar dos

séculos. São eles: o latim clássico e o latim vulgar, que receberam dos

romanos as denominações sermo urbanus e sermo vulgaris.

Coutinho define o latim clássico como a língua escrita, caracterizada

pelo apuro formal, pela correção gramatical e pela elegância no estilo. Criada

para a expressão literária latina, era uma língua artificial e rígida e permaneceu,

por isso mesmo, relativamente estável por longo tempo. Surgiu em Roma no

século III a.C. com o aparecimento dos primeiros escritores: Lívio Andronico,

Cneu Névio e Enio.

O latim vulgar, segundo Coutinho (2005:30), é o latim falado inicialmente

apenas pelas classes inferiores da sociedade e posteriormente passou a ser o

latim falado por todo o Império Romano. Quanto à utilização da palavra vulgar,

Silva Neto (1977:24) afirma ser inadequada, uma vez que “evoca noções

erradas, tais como vagabundo, ordinário, reles”. Para ele, o termo mais

apropriado em língua portuguesa para denominar o latim vulgar seria “latim

usual, corrente, cotidiano, de conversação” (op. cit. p.33). Ainda no que se

refere ao latim vulgar, o autor admite a existência de quatro matizes da língua

corrente: familiar (latim das classes médias); vulgar (latim dos escravos); gírias

(dos militares, gladiadores, marinheiros) e provincial (op. cit. p. 27).

83

Nunes (1975:5) entende o latim vulgar como sendo o latim falado pelas

camadas mais populares, também denominado de sermo vulgaris em oposição

a um latim falado pelas classes letradas, sermo urbanus ou sermo cotidianus.

Já Coutinho (2005:30) define o latim vulgar como a língua falada pela

população em geral, representando a soma de todos os falares das camadas

sociais mais humildes.

Ilari (2006:61) destaca que o latim vulgar e o clássico se constituíram ao

mesmo tempo, não tendo aquele surgido a partir da corrupção deste. Outro

ponto polêmico em relação a essas variedades se refere à correspondência

entre o latim vulgar com a língua falada e o latim clássico com a língua escrita.

Segundo Ilari, de fato, o latim vulgar faz raras aparições nos textos escritos,

mas é uma afirmação falsa em relação ao latim clássico, uma vez que o latim

literário também foi uma língua falada e teve “um suporte direto na expressão

coloquial da aristocracia romana”. A grande diferença entre essas duas

variedades do latim, ainda segundo Ilari (op. cit), não é cronológica, nem ligada

à escrita, é uma diferença social. Isso porque refletem “duas culturas que

conviveram em Roma: de um lado a de uma sociedade fechada, conservadora

e aristocrática” (patriciado) e, de outro, “uma classe social aberta a todas as

influências, sempre acrescida de elementos alienígenas, a partir do primitivo

núcleo da plebe”.

Outra diferença está na relativa estabilidade da língua clássica por ser

essa escrita e falada apenas em situações mais formais. O latim vulgar, por

sua vez, foi derivando ao longo dos séculos “para variedades regionais que, no

fim do primeiro milênio, já prefiguravam as atuais línguas românicas”. Por fim,

Ilari (op. cit) destaca que o latim vulgar exerceu alguma influência no latim

84

clássico pelo aparecimento de um número cada vez maior de vulgarismos na

língua literária.

Estabelecidas essas observações acerca das variedades arcaica,

clássica e vulgar do latim, reproduziremos em (01), com adaptações, a linha

cronológica apresentada por Ilari (2006:64) e que julgamos adequada para

nossa pesquisa:

(01) Cronologia do Latim

O quadro em (01) mostra a cronologia do latim e evidencia alguns

aspectos de seu desenvolvimento. Verificamos que todas as variedades do

latim são faladas em algum momento por alguma camada da população. O

latim arcaico tem suas origens por volta do século VI a.C. e vai até o século III

a.C. com o surgimento do latim clássico. Essa variedade latina, utilizada pelas

camadas mais escolarizadas, conviveu com o latim vulgar, utilizado pelas

camadas mais populares. O latim clássico escrito perdurou até o século V d.C.,

passando a ser denominado latim medieval, já muito distante do latim clássico

85

original desconhecido pelos escritores da época. O sermo urbanus e o sermo

vulgaris10 sobreviveram por mais alguns séculos até o surgimento do proto-

romance, que dará origem às línguas românicas entre os séculos VIII e XV d.C.

4.3. Resumo do capítulo

A partir do entendimento dos aspectos históricos relacionados à

formação do Império Romano, estudamos o latim no período denominado pré-

clássico, em que a língua ainda estava em seus estágios iniciais, sofrendo

grandes influências de dialetos locais e de diferentes povos e culturas,

principalmente a grega. Parece consenso entre os estudiosos (BUNSE, 1943;

NUNES, 1977, ILARI, 2006) que o latim falado nesse período era “rude e

grosseiro”, refletindo um povo constituído em sua base por lavradores muito

pouco ou não-escolarizados. Com o avanço do Império Romano, esse latim vai

se modificando e se aprimorando até culminar com a criação do latim literário,

que, mesmo artificial, representou um avanço em relação à língua em seu

estágio anterior.

Verificamos que o acento no latim arcaico apresentava caráter fixo na

primeira sílaba das palavras e vimos, ainda, que o peso silábico não era

relevante para o estabelecimento da sua posição nos vocábulos, fato esse

10 É pertinente esclarecer que a denominação sermo vulgaris pode ser utilizada como sinônima de latim vulgar sem gerar dúvidas, uma vez que a única forma de expressão dessa variedade é a falada. No entanto, ao nos referirmos ao sermo urbanus, não descuidamos, no decorrer de nosso trabalho, de que o termo se refere à forma falada do latim culto da época e que sua contrapartida escrita é denominada latim clássico. Identificamos essas diferenças e esclarecemos que, ao nos referirmos ao latim clássico, de modo geral, estamos considerando uma sincronia em que tais formas de expressão (falada e escrita) mantinham idênticas características no que se refere à aplicação do acento. Isso pode ser explicado pelo seu caráter pouco maleável e resistente às mudanças como atestam diversos autores estudados.

86

relevante no latim clássico, mas irrelevante no latim vulgar, conforme veremos

no próximo capítulo.

Julgamos adequado definir nossa posição em relação ao que

denominamos latim clássico e latim vulgar com o objetivo de evitar dúvidas a

respeito do material lingüístico que efetivamente é considerado em nossa

análise. Isso porque o latim vulgar, por trazer consigo a noção de variedade

falada, pode ser confundido, de certo modo, com o latim arcaico, também

variedade somente falada. Verificamos, no entanto, que em relação ao tema

estudado, o acento, tal possibilidade não existe, uma vez que os aspectos

envolvidos na aplicação do acento primário no latim arcaico em muito diferem

dos envolvidos na aplicação do acento no latim vulgar, como verificaremos no

capítulo 6.

Ampliando a visão sobre esse ponto, poderíamos supor, inclusive, que o

latim vulgar sofre maior influência do latim clássico no que se refere à aplicação

do acento nos vocábulos. Nos capítulos referentes ao estudo do acento,

verificaremos que o acento no latim vulgar tende a manter a mesma posição do

acento no latim clássico. Há, dessa forma, um distanciamento do latim vulgar

em relação ao também falado latim arcaico de onde ambas as variedades,

clássica e vulgar, surgiram.

Ao realizarmos nossa análise otimalista, consideramos as variedades

culta e popular do latim como duas sincronias, dois momentos históricos

distintos, embora reconheçamos que ambas foram contemporâneas.

87

Consideramos, em nossa pesquisa, o latim clássico como sendo aquela

variedade do latim utilizada nos meios literários e falada pelas classes

escolarizadas e cultas. Supomos que a própria consideração da existência de

um padrão de aplicação de acento primário na língua nos indica a possibilidade

de que essa tenha sido utilizada para fins de comunicação oral.

Compreendemos, no entanto, que o padrão acentual musical poderia ter sido

criado apenas para permitir a utilização da métrica nos poemas latinos

conforme os padrões gregos. Entendemos, desse modo, que a variedade

clássica do latim possui duas modalidades: a escrita e a falada, essa última

denominada, em termos mais específicos, sermo urbanus.

Como latim vulgar, entendemos a variedade latina falada, de modo

geral, pelas camadas menos favorecidas da população e menos escolarizadas,

além de ser essa a língua levada pelos “romanos” às populações dos territórios

ocupados. A coexistência das variedades clássica e vulgar e sua formação

concomitante também são aspectos relevantes que consideramos em nossa

pesquisa.

Uma vez esclarecidos esses diversos pontos, passaremos, nos capítulos

seguintes, ao estudo em separado do acento primário em não-verbos do latim

clássico e do latim vulgar, respectivamente. Verificaremos todos os aspectos

relevantes para a aplicação do acento em cada variedade e retomaremos,

quando necessário para clareza da exposição, alguns aspectos já abordados.

88

5. O ACENTO NO LATIM CLÁSSICO

No presente capítulo, abordaremos as questões relativas ao acento

primário no latim clássico. Primeiramente, retomaremos e ampliaremos a

caracterização dos aspectos fonéticos do acento latino, tanto em sua

modalidade clássica quanto na vulgar, para, em seguida, estabelecermos as

generalizações acerca da aplicação do acento primário em sua modalidade

clássica. Feito isso, demonstraremos uma análise do fenômeno segundo a

Fonologia Métrica para, finalmente, realizarmos a análise nos moldes

otimalistas. Pretendemos, dessa maneira, apresentar um quadro sobre o

acento lexical primário em não-verbos latinos com ênfase na Teoria da

Otimalidade, que terá prosseguimento com estudos da modalidade vulgar do

latim, no capítulo 6.

5.1. Natureza do Acento no Latim

Diversos estudiosos tentam definir quais seriam os correlatos físicos do

acento tanto para o latim clássico quanto para o vulgar. Apresentaremos, a

seguir, as principais idéias sobre o tema segundo Maurer Jr. (1959) e Nunes

(1975).

Não há consenso entre os autores, como já vimos no capítulo anterior,

no que se refere à natureza do acento no latim clássico. Em relação ao latim

vulgar, entretanto, a maioria concorda quanto à sua qualidade intensiva, em

que a sílaba tônica das palavras era pronunciada com maior energia, maior

força articulatória, do que as demais. Uma forte evidência em favor dessa

89

posição é o fato de todas as línguas românicas apresentarem acento de

intensidade.

Maurer Jr. (1959: 65) acredita que o acento no latim clássico

apresentava predominantemente a característica de altura (musicalidade)11

associada a elementos de intensidade. Em favor de tal posição, o autor

apresenta os seguintes argumentos:

(a) A métrica latina possuía ritmo quantitativo. Não havia tratamento

diferenciado para sílabas tônicas e átonas;

(b) Os autores do período clássico aplicavam com correção o sistema

quantitativo de vogais latinas;

(c) A própria descrição do acento feita por autores da época o caracteriza

como predominantemente musical.

Cícero (apud MAURER JR., 1959: 66) afirma em Orator, 58: “Ipsa enim

natura, quase modularetur hominum orationem in omni verbo possuit acutam

vocem nec uma plus nec a postrema syllabacitra tertiam”12. Notemos que a

referência feita à “voz aguda” se refere à altura musical e não à intensidade,

como mostram outros comentários do mesmo autor (cf. Orator, 57 e De

oratore, 3, 216) em que relaciona ao canto o tom agudo e o grave, além de voz

aguda e forte.

11 No acento musical, todas as sílabas são pronunciadas com igual intensidade, sendo apenas uma delas emitida num tom mais alto. 12 “De fato, a própria natureza, como se pusesse em cadência a linguagem humana, colocou um acento agudo em cada palavra, mas só um, e este nunca além da 3ª sílaba a partir da última” (trad. do autor).

90

Ainda segundo Maurer Jr. (1959: 66 e 67), é difícil obter uma data

precisa que marque o surgimento do acento de intensidade no latim vulgar; ele

sugere que o mesmo tenha aparecido numa época em que predominava ainda

o acento musical. A respeito da coexistência dessas diferentes qualidades

acentuais, o autor nos apresenta evidências de que o acento no latim clássico,

quando falado, era entonado da mesma forma que o fazia o grego, cujo acento

era musical. Destaca, ainda, que isso ocorria em oposição à fala rústica

(vulgar) do entorno da cidade de Roma.13 Essa é uma evidência de que uma

diferenciação da fala urbana (culta) para a fala rústica (vulgar) se situava na

qualidade do acento: musical na primeira e intensiva na segunda.

Sobre o mesmo assunto, Nunes (1975: 32 e 33) afirma que todas as

palavras dissílabas ou polissílabas no latim apresentavam um acento de altura

ou tom, proferido com maior elevação da voz, em nota mais aguda ou alta em

relação às demais sílabas. Havia, ainda, outro tipo de acento, chamado de

intensidade, que representava um maior esforço na emissão da sílaba inicial

das palavras (CAMARA JR., 1970; COUTINHO, 2005: 102). Esse último veio a

cair no período literário, havendo indícios de sua existência no período pré-

literário latino.

Acreditamos, em consonância com a posição adotada por Maurer Jr.

(1959) e Nunes (1975), dentre outros autores já estudados, que o acento latino

clássico apresentava uma natureza predominantemente musical. Entendemos,

também, que o latim, em seu período pré-literário, possuía um acento fixo, de

natureza intensiva, na primeira sílaba dos vocábulos devido a prováveis

influências da língua etrusca ou mesmo pela própria evolução do latim desde a

13 A esse respeito, Maurer cita Cícero em De oratore, 3, 42, além de comentários de Devoto. G. (1944). Storia della Lingua di Roma. Bolonha.

91

sua origem no indo-europeu (BUNSE, 1943; LLORENTE, 1971). É fato que tais

pontos de vista são controversos, mas não comprometem a análise que

realizamos sobre a aplicação do acento primário, uma vez que não há

divergências, na literatura, sobre o modo como esse operava.

5.2. O Acento no Latim Clássico

Faria (1970: 134-161) aponta diversas referências de gramáticos latinos

que tratam da posição do acento; elas serão apresentadas ao longo de nossa

explanação. A tradução dos trechos selecionados também é do autor.

A atribuição do acento no latim clássico14 está estreitamente ligada ao

peso da penúltima sílaba dos vocábulos. É uma língua de acento semifixo, em

que não há palavras oxítonas. Podemos definir a posição do acento,

considerando os seguintes aspectos:

(a) em palavras de mais de duas sílabas, o acento recai na penúltima

sílaba, se essa for pesada. Se for leve, o acento recai sobre a antepenúltima

sílaba. Apresentamos, como exemplo, pepérci15 (parco) e gémitu (gemido),

respectivamente. Sobre as proparoxítonas, assim se pronuncia Donato (4º séc

d. C.): “in trisyllabis et tetrasyllabis et deinceps, si paenultima correpta fuerit,

acuemus antepaenultimam, ut Tullius, Hostilius; si paenultima...longa fuerit,

ipsa acuetur (4, 371)”.16

14 Destacamos que a nossa análise do acento no latim clássico está totalmente apoiada nos gramáticos latinos que se baseiam na análise métrica da poesia latina. 15 Ao longo do texto, as sílabas tônicas das palavras serão indicadas pelo acento ortográfico, ou seja, serão marcadas como o sinal ‘ sobre a vogal proeminente. 16 “Nos trissílabos, tetrassílabos e palavras de mais sílabas, se a penúltima for breve, acentuaremos a antepenúltima, como em Tullius, Hostilius; se a penúltima for longa, ela própria será acentuada”.

92

(b) em palavras dissílabas, a primeira sílaba é acentuada,

independentemente do peso silábico, como ocorre em: fáctu (fato) e lúpu

(lobo). A esse respeito afirma ainda Donato: “in dissyllabis...acuemos priorem

(sc. Syllabam) siue illa correpta fuerit, siue producta, ut nepos, leges (4,

371)”.17

Já no que se refere a vocábulos oxítonos, Quintiliano (1º séc d. C.)

afirma que “ultima syllaba nec acuta unquam excitatur nec flexa circumducitur

(12, 10, 33)”18, confirmando o fato de que a última sílaba latina nunca devia ser

acentuada.

No latim dito clássico ou literário, as vogais podiam ser pronunciadas

com duração breve ou longa. Havia um caráter distintivo na duração das vogais

(cf. ILARI, 2006: 72), o que possibilitava a distinção de palavras e morfemas.

Dessa forma, temos: ŏs (breve) – osso, ōs (longo) – rosto. A pronúncia em

ambas as palavras era exatamente a mesma em termos de timbre, ponto de

articulação, altura, arredondamento, etc; o que diferenciava os dois vocábulos

era justamente a duração da vogal. A quantidade também era responsável pela

expressão do caso, tendo, portanto, função morfológica, já que distinguia, por

exemplo, o nominativo do ablativo (cf. rosă (nom.) vs. rosa (abl.)).

Cabe destacar que a noção de peso silábico, na análise que realizamos,

está relacionada à quantidade silábica. Consideramos sílabas leves aquelas

que possuem uma vogal breve. Já as sílabas pesadas são aquelas que

17 “Nos dissílabos devemos acentuar a primeira sílaba, seja ela breve ou longa, como nepos, leges”. 18 “A última sílaba nunca é acentuada como aguda, nem terminada como tendo um acento circunflexo”.

possuem uma vogal longa, um ditongo ou uma consoante em posição de coda.

Dessa maneira, temos os exemplos apresentados em (01):

94

(01)

σ σ σ σ

O R O R O R O R

N N C N N

C V V C V C C V C V V

m a a g i s m e p o e

ămātŭm măgĭstĕr cŭmĕră pœnă

A partir dos exemplos em (01), podemos notar que, em cúmera (cesto

de junco), a vogal breve na penúltima sílaba faz com que essa se torne leve e o

acento, automaticamente, recaia sobre a sílaba anterior. Temos somente as

posições de onset (O) e núcleo (N) da rima (R) preenchidas.19

Em amátum (amado, querido, caro), o <a> é longo e,

conseqüentemente, o núcleo da penúltima sílaba encontra-se ramificado,

tornando-a pesada. Isso faz com que o acento recaia sobre ela. Em magíster

(diretor), temos também a penúltima sílaba pesada, mas, nesse caso, a rima é

que se ramifica, pois estão preenchidas as posições de núcleo e coda.

Também o acento recai sobre essa sílaba, conforme apresentamos

anteriormente. Já em pœnă temos um ditongo com núcleo (N) ramificado e,

19 Destacamos que a posição preenchida de onset não conta para a definição do peso silábico. Temos sílabas pesadas somente quando há núcleo ramificado ou rima ramificada. (cf. BISOL, 2005. p. 104)

95

conseqüentemente, uma sílaba igualmente pesada. Como se vê, todos os

casos de sílaba pesada apresentam rima com mais de uma mora, estejam

essas duas moras concentradas no núcleo (ămātŭm, pœnă) ou distribuídas

pelos dois constituintes da rima (núcleo e coda).

A divisão silábica no latim era realizada da mesma maneira que no

português atual. Assim sendo, apresentaremos a seguir exemplos de divisões

silábicas, a fim de permitir uma melhor visualização do peso das sílabas e

compreender o mecanismo de aplicação do acento latino (cf. FARIA, 1970:136

e 137):

a) A consoante entre duas vogais pertence à sílaba seguinte:

a-la, cau-as

b) Quando duas ou mais consoantes aparecem contíguas, a última pertence à

sílaba seguinte:

caus-ti-cus, cons-ta-re

c) Nas consoantes “dobradas” (geminadas), cada uma pertence a uma sílaba:

stel- la, car-rus

d) Oclusivas ou fricativas + líquidas acompanham a vogal seguinte:

dex-tra, re-pli-co

96

Reafirmamos que esta análise considera a atribuição do acento em

elementos lexicais plenos. Melhor dizendo, nosso corpus é constituído por

vocábulos nominais que apresentam conteúdo semântico, além do gramatical,

não envolvendo, assim, a presença de proclíticos e enclíticos. Também não

são analisadas as formas verbais. Os exemplos foram tirados do dicionário

latino-português de Saraiva (2006), dos gramáticos latinos e históricos, como

Coutinho (2005), Faria (1970), Maurer Jr, (1959), Nunes (1975), Silva Neto

(1976, 1977), além do Appendix Probi.

Cabe destacar que as principais palavras latinas átonas são as

proclíticas: preposições simples, advérbios monossilábicos, advérbios

interrogativos e relativos, pronomes relativos e interrogativos e algumas

conjunções, como demonstramos nos exemplos abaixo, todos retirados de

Furlan (1978):

(02) per angústa

ad augústa

non amát

tam Félix

et páter

dum tímeant

quem ámas

quale sít

cur ábes

97

Verificamos, dessa forma, que proclíticos não se caracterizam como

elementos lexicais plenos na língua e são em sua maioria monossilábicos e

átonos, não portando acento lexical. Isso justifica o fato de não contemplamos

tais partículas em nossa análise.

Há de se considerar, ainda, o caso dos monossílabos latinos e de como

se opera a acentuação nesse tipo de palavra. Uma vez que a acentuação latina

se baseia no peso silábico da penúltima sílaba, as palavras monossilábicas,

por natureza, não teriam a condição básica que permitiria a aplicação do

acento.

Quednau (2000) afirma que os monossílabos lexicais latinos sempre

apresentam sílabas pesadas e são acentuados, uma vez que vogais longas e

ditongos ocorrem sempre na posição final. Já as vogais leves somente ocupam

tal posição se estiverem seguidas de pelo menos uma consoante. Abaixo

listamos alguns exemplos retirados da mesma autora (op. cit, p.153):

(03)

a) spē (esperança)

b) bōs (boi), mās (macho), ōs (rosto), pēs (pé), sāl (sal), sōl (sol)

c) vĭr (varão, homem), mĕl (mel), fĕl (fel, amargor), cŏr (coração),ŏs

(osso)

No caso dos monossílabos lexicais, verificamos que a aplicação do

acento se dá pela presença ou ausência de sílaba pesada. Se essa única

sílaba for pesada, o termo é acentuado (tônico); se for leve, o monossílabo não

recebe acento, sendo, portanto, átono. No exemplo em (03) a), verificamos que

spē apresenta vogal longa, constituindo, portanto, uma sílaba pesada. Nos

98

casos em (03) b) e c), todos os exemplos terminam em consoante, o que torna

a sílaba igualmente pesada. Esses fatos autorizam afirmar que a palavra

mínima, em latim clássico, corresponde sempre a um pé trocaico.

De fato, os monossílabos lexicais latinos são sempre tônicos por jamais

apresentarem sílaba leve. Por outro lado, há os monossílabos leves, partículas

clíticas que não são portadoras de acento, átonas, portanto, que sempre

terminam em sílaba leve, em vogal breve. Desse modo, tais formas são inertes

prosodicamente e, por isso, agregam-se a outras formas da língua, levando a

uma categoria de nível mais alto, o grupo clítico (C). É o caso, por exemplo,

de:

(04) -quĕ (conjunção aditiva)

-nĕ (partícula interrogativa)

-vĕ (conjunção alternativa)

Na próxima sessão, apresentaremos uma proposta de análise do acento

segundo a Fonologia Métrica (MASSINI-CAGLIARI, 1999), modelo teórico que

utiliza a concepção hierárquica das estruturas lingüísticas, com uma inovadora

representação da sílaba, que permite uma análise do acento mais adequada

que a realizada em modelos como o Gerativo Padrão e a Fonologia

Autossegmental (MATZENAUER, 2005:68).

99

5.3. Análise do Acento no Latim Clássico segundo a Fonologia Métrica

A apresentação de uma análise segundo a Fonologia Métrica objetiva

formar um quadro mais amplo sobre o tema estudado, ao mesmo tempo em

que servirá de instrumental para nossa posterior análise nos moldes da Teoria

da Otimalidade, uma vez que consideraremos os seus avanços, principalmente

os apresentados por Hayes (1995), na formulação de restrições universais.

Dessa maneira, seguimos com Massini-Cagliari (1999), que expõe uma análise

para o acento latino, baseada no referido modelo. Afirma a autora (op. cit. :115)

que a regra de atribuição do acento pode ser formulada da seguinte maneira:

"marcando a sílaba final de palavra como extramétrica, forme um troqueu

moraico, da direita para a esquerda"20. Em (05), exemplificamos a aplicação de

tal regra:

(05) a) (x) (x)

se crē <tu> ve he men <tur>

b) (x .) (x .)

le po <re> fa ci <lis>

20 Para maiores informações sobre os constituintes da hierarquia prosódica (sílaba, pé métrico, palavra fonológica, etc), sugerimos a leitura de Bisol (2005: 243 – 254).

100

Dos exemplos em (05), podemos destacar que a última sílaba

(extramétrica)21 é invisível para a aplicação do acento, não importando seu

peso silábico, como vemos em a) e b). Porém, a regra é sensível ao peso da

penúltima sílaba, como percebemos na atribuição do acento nos vocábulos

com vogal longa ou consoante em coda naquela posição. Em b), temos

também a aplicação da regra sem nenhuma restrição, em que duas sílabas

leves constituem o troqueu moraico e servem de contexto para a aplicação da

regra.

Há casos, porém, em que haverá pés degenerados22, como evidenciado

em (06):

(06) (x) (x)

pū li <ca> pul ve <ris>

Nesses casos, feita a escansão da palavra, a sílaba postônica sobra,

havendo a necessidade de se admitir a presença de pés degenerados. Admite-

se, dessa forma, a proibição fraca de pés degenerados, na qual esses são

permitidos em algumas circunstâncias. Nos casos apresentados em (06), após

a ação da extrametricalidade e da formação do pé troqueu moraico, não há

21 A extrametricalidade é um recurso utilizado para explicar porque em determinadas línguas, como no latim, no holandês e no polonês, o acento não cai na última sílaba. Quando aplicada, a extrametricalidade é marcada pela adição de colchetes angulados (<silaba>) na sílaba que se deseja marcar como extramétrica e, dessa forma, ela se torna invisível para a aplicação do acento. A fim de restringir o poder de tal recurso, a extrametricalidade só pode ser utilizada na margem dos domínios de aplicação do acento. Esse conceito foi introduzido em 1977 por Liberman e Prince, mas foi a partir de 1980, com Hayes, que passou a ter importância na teoria métrica. 22 Segundo Hayes, pés são necessariamente binários, ou seja, precisam ser bimoraicos ou dissilábicos. Quando, após a segmentação da palavra, há alguma sílaba restante, essa não recebe estrutura, não se formando um pé sobre ela. Há línguas, porém, que aceitam pés constituídos fora desse padrão binário e, assim sendo, se tem pés formados por apenas um elemento métrico, ou seja, pés degenerados.

101

como formar um pé canônico e, conseqüentemente, há de se admitir a

formação de um pé degenerado.

Tal fato também é observado em vocábulos monossílabos e dissílabos.

Ao observarmos os exemplos listados em (07), verificaremos que a aplicação

da regra em monossílabos impede a existência do acento, devido ao fato de a

extrametricalidade eliminar a única sílaba passível de atribuição do acento.

Esse é o segundo caso em que a existência de pés degenerados será

admitida, ou seja, quando a aplicação da extrametricalidade impedir a

atribuição do acento.

(07) <vīs> <ŏs> <is>

Em dissílabos, após a aplicação da extrametricalidade, não há como

formar troqueus se a penúltima sílaba for leve e, conseqüentemente, temos a

formação de mais pés degenerados, como vemos em (08):

(08) (x)

rŏ<sa>

Destacamos, nessa abordagem baseada em regras, o fato de existirem

elementos que não se enquadram no modelo proposto e que necessitam,

portanto, de artifícios, como a aplicação de filtros, extrametricalidade ou

formação de pés degenerados. Numa abordagem fundamentada na Teoria da

Otimalidade, nos moldes de Prince & Smolensky (1993), esse tipo de problema

é solucionado através da substituição de regras por restrições (a) que analisam

102

formas em paralelo, não havendo, portanto, níveis intermediários de análise e

(b) que podem ser violadas, ou seja, um candidato pode violar restrições e,

mesmo assim, ser considerado gramatical, como vimos no capítulo anterior,

fato impossível numa análise baseada em regras, em que uma forma

lingüística, ao violá-las, torna-se agramatical. Ilustraremos tais afirmações na

seção seguinte, em que abordaremos o acento primário sob a ótica da TO.

5.4. Análise do Acento no Latim Clássico segundo a Teoria da

Otimalidade

A partir da definição dos elementos essenciais para a atribuição do

acento no latim clássico, da delimitação de suas regularidades e da análise

prévia feita conforme o modelo da fonologia métrica, levantamos as seguintes

restrições que atuam no processo:

(a) ROOTING – todas as palavras de conteúdo lexical recebem acento.

Tal restrição focaliza os termos de conteúdo lexical, uma vez que termos

de conteúdo somente gramatical não portam acento (são clíticos). Em

realidade, a língua nunca viola essa restrição, uma vez que todos os termos de

conteúdo lexical recebem acentuação e todas as palavras gramaticais a

respeitam.

Reconhecemos a importância de tal restrição, além da sua posição no

topo da hierarquia, mas devido à condição de não-violabilidade por parte dos

vocábulos da língua, não a listaremos no ranking final de restrições de nossa

análise. Como está posicionada no topo da hierarquia, ROOTING impede que

103

monossílabos como bōs (boi), mās (macho), ōs (rosto), vĭr (varão, homem) e

mĕl (mel), entre outros, deixem de portar acento, já que são palavras de

conteúdo lexical, diferentemente de -quĕ (conjunção aditiva), -nĕ (partícula

interrogativa) ou –vĕ (conjunção alternativa), que são palavras de conteúdo

gramatical. Se toda palavra de conteúdo lexical tem de portar acento,

ROOTING, por ser a condição mais importante, faz com que outras demandas

sejam violadas, como veremos a seguir. Os efeitos de ROOTING podem ser

observados na avaliação a seguir, em que utilizamos as seguintes

convenções23:

1. Nos candidatos, a sílaba portadora do acento lexical sempre

estará em negrito;

2. Parênteses indicam a formação de um pé métrico;

3. No interior do pé métrico, a sílaba em itálico representa a

cabeça, ou seja, a sílaba proeminente no pé;

4. Chaves indicam a palavra prosódica.

23 As convenções aqui adotadas serão utilizadas nos tableaux ao longo de todo o trabalho.

104

(09) Vĭr - varão

Vĭr ROOTING

☞ a. {(vĭr)}

b. {(vĭr)} *!

No tableau em (09), verificamos que o candidato a atende à restrição

ROOTING, já que a palavra é acentuada. Já o candidato b viola fatalmente a

restrição, uma vez que não possui proeminência acentual. ROOTING é

importante porque garante a aplicação do acento primário e,

conseqüentemente, a existência do mesmo em palavras de conteúdo lexical,

como é o caso de ‘vĭr’. Porém, como é necessário que haja a presença do

fenômeno nos candidatos gerados pelo componente gramatical GEN, não

levaremos em conta sua atuação nos tableaux posteriores. Em outras palavras,

todos os itens lexicais gerados por GEN terão obrigatoriamente uma sílaba

tônica marcada e jamais violarão essa restrição. Assim sendo, outras

restrições, apesar de dominadas por ROOTING, são mais relevantes na

escolha do output. São elas:

(b) TROCHEE (TROQUEU) – Todo pé tem duas moras, estejam elas

localizadas na mesma sílaba ou em sílabas diferentes. Nessa última situação,

a sílaba proeminente está à esquerda.

105

TROCHEE é uma restrição de marcação em que todos os pés

dissilábicos devem ter proeminência (cabeça) à esquerda. Hayes (1995)

estabelece que três tipos de pés equacionam a atribuição do acento em todas

as línguas, sendo eles (a) o troqueu moraico, (b) o troqueu silábico e (c) o

iâmbico. É consenso entre os autores que o padrão acentual latino é

caracterizado pelo pé trocaico (cf. QUEDNAU, 2000). Em nossa análise,

verificamos, para o latim clássico, que a restrição TROCHEE compreende o

troqueu moraico. Essa restrição será violada sempre que um pé dissilábico não

apresentar cabeça na sílaba inicial ou houver formação de um pé constituído

apenas de uma sílaba leve. A necessidade de constituição de um pé canônico

troqueu torna essa restrição a mais elevada no ranking que propomos. Outra

restrição importante é definida em (c), a seguir:

(c) PARSE-σ (ANALISE SÍLABA) – todas as sílabas devem pertencer a pés

métricos.

Para garantir a alternância binária de sílabas fortes e fracas e,

conseqüentemente, o ritmo binário, essa restrição é utilizada, em geral,

juntamente com FTBIN (Foot Binarity – Pé Binário) e exige que todas as

sílabas sejam analisadas em pés. Esse restritor será violado por sílabas que

não estejam incluídas em um pé métrico. Em nossa análise, utilizaremos a

restrição TROCHEE (Troqueu), em lugar de FTBIN, a fim de garantir a

formação do ritmo adequado para a formação do acento primário latino. A

proposição de TROCHEE em nossa análise torna a restrição FTBIN irrelevante,

uma vez que o pé trocaico já é binário (em nível moraico ou silábico) e o latim

lê as moras; melhor dizendo, ele analisa o peso da penúltima sílaba e – caso

106

haja a presença de uma sílaba pesada, constituída por duas moras, e,

portanto, com a formação de um troqueu moraico – a torna acentuada. Caso

contrário, ocorre a formação de um pé constituído por duas sílabas leves,

também bimoraico.

Concluímos, portanto, que a necessidade da existência de um pé

canônico trocaico para aplicação do acento no latim clássico é vital para a

correta seleção do candidato ótimo e, portanto, todos os pés formados deverão

ser binários em nível moraico ou silábico; caso contrário, serão eliminados

imediatamente da disputa. Essa constituição de pés métricos, necessária para

a constituição do ritmo da língua e, conseqüentemente, para se analisar o

acento primário, é inicialmente satisfeita pela restrição PARSE-σ, que exige,

como já dissemos, que as sílabas sejam escandidas em pés. Outra restrição

relevante é definida a seguir:

(d) WEIGHT-TO-STRESS ou WTS (Peso ao acento) – toda sílaba pesada deve

ser acentuada. Nessa restrição, o peso da sílaba determina o acento,

enquanto, na restrição em espelho, SLW, STRESS LEADS WEIGHT (Acento

leva ao peso), o acento faz com que a sílaba se torne pesada (cf.

RODRIGUES, 2007).

A já evidenciada relação do acento com o peso da penúltima sílaba em

vocábulos trissilábicos e polissilábicos latinos justifica a presença dessa

restrição em nossa análise. Enfatizamos que WTS atua a partir da

característica silábica (peso) para a aplicação do acento, contrariamente à

restrição SLW, que justifica a existência do peso silábico pela presença do

acento.

107

Nos tableaux abaixo, verificaremos a atuação de tais restrições em

nossa análise, utilizando um input dissilábico:

(10) Rŏsă – Rosa (flor)24

Rŏsă TROCHEE PARSE-σ WTS

☞ a. {(rŏsă)}

b. {(rŏsă)} *!

c. {(rŏ)să} *! *

d. {rŏ(să)} *! *

e. {rŏsă} *!*

Ao analisar os efeitos dessas três restrições para um vocábulo dissílabo

constituído por sílabas leves, podemos verificar, logo de imediato, que a

restrição WTS não atua para a seleção do candidato ótimo, uma vez que não

existem sílabas pesadas para receber acento. Ocorre, então, a atuação

conjunta de TROCHEE e PARSE-σ a fim de garantir o estabelecimento do

padrão trocaico. Verificamos que, nesse caso, é indiferente a posição desses

24 Em dissílabos, há, obviamente, apenas duas realizações possíveis quanto ao acento: na primeira ou na última. Um número maior de candidatos é proposto para checar o efeito das restrições que regulam a estrutura métrica da palavra. Assim, (a), (c) e (e) são idênticos em termos segmentais e suprassegmentais, mas diferentes em termos de estruturação métrica. O mesmo irá acontecer nos demais tableaux, nos quais o número máximo de realizações fonéticas é 3: com acento na última, penúltima e antepenúltima sílaba.

108

restritores na hierarquia, uma vez que o candidato a será selecionado nos dois

casos possíveis de dominância, como ilustrado no tableau em (11), a seguir:

(11) Rŏsă – Rosa (flor)

Rŏsă PARSE-σ TROCHEE

☞ a. {(rŏsă)}

b. {(rŏsă)} *!

c. {(rŏ)să} *! *

d. {rŏ(să)} *! *

e. {rŏsă} *!*

Nos Tableaux em (10) e (11), apresentamos duas possibilidades de

hierarquização entre as restrições analisadas. O candidato a será selecionado

em qualquer uma delas, o que sugere a não dominância entre essas restrições.

Os candidatos c, d e e violam PARSE-σ por apresentarem sílabas não

escandidas em pés, sendo que o candidato e apresenta duas violações, por ter

duas sílabas não analisadas. Já os candidatos b, c e d violam TROCHEE

porque b apresenta pé iâmbico, com cabeça à direita, e os candidatos c e d

possuem pés constituídos por apenas uma mora.

109

Ao analisarmos, porém, um dissílabo constituído de sílaba pesada,

poderemos verificar a atuação das três restrições, como se vê em (12) e (13) a

seguir, tableaux em que deixamos PARSE e TROCHEE no mesmo nível

hierárquico (linha pontilhada entre elas):

(12) Nūptă – esposa, mulher casada.

Nūptă TROCHEE PARSE- σ WTS

☞ a. {(nūp)tă} *

☞b. {(nūp)(tă)} *

c. {nūp(tă)} * *! *

d. {(nūp)(tă)} * *!

No tableau (12), representamos a não-dominância entre as restrições

TROCHEE e PARSE e acrescentamos WTS ao final da hierarquia, entendendo

que seria mais relevante para a língua construir pés métricos trocaicos do que

acentuar a sílaba pesada. Isso, no entanto, nos levou à seleção de dois

candidatos ótimos (a e b). Ao analisarmos um dissílabo com sílaba final

pesada, o candidato com sílaba final acentuada foi eleito o candidato ótimo,

como vemos em (13):

110

(13) Rŭbŏr – rubro.

Rŭbŏr TROCHEE PARSE- σ WTS

a.{Rŭ(bŏr)} * *!

☞b. {Rŭ(bŏr)} *

c. {(Rŭ)(bŏr)} * *!

d. {(Rŭ)bŏr} * *!

A partir dos resultados obtidos em (12) e (13), verificamos a necessidade

de se estabelecer uma dominância entre as restrições TROCHEE e PARSE, a

fim de que emerja apenas um candidato ótimo. Nesse caso, como já

explicamos anteriormente, a marcação do ritmo trocaico da língua é mais

importante do que a análise exaustiva das sílabas e, desse modo, TROCHEE

deve dominar PARSE. Considerando também o tableau (13), verificamos que

apenas essas restrições não conseguem selecionar candidatos adequados

quando há sílabas pesadas finais, havendo necessidade de uma nova restrição

que delimite o local de aplicação do acento. Assim sendo, apresentamos a

restrição a seguir:

(e) *EDGEMOST (σstr , R) – a sílaba final não pode ser acentuada.

A restrição do tipo EDGEMOST foi primeiramente proposta por Prince &

Smolensky (1993) e posteriormente desenvolvida por McCarthy & Prince

(1993). No estudo do latim clássico, percebemos a ausência de oxítonas, ou

seja, o latim não enxerga a última sílaba como domínio para aplicação do

111

acento (NUNES, 1975; FARIA, 1970); a formação do pé troqueu somente se dá

a partir da penúltima sílaba da palavra, o que justifica a existência de uma

restrição de marcação como *EDGEMOST (σstr , R). Verifiquemos, então, os

efeitos das mudanças propostas até o momento, utilizando o mesmo input do

tableau anterior (Rŭbŏr - rubro). Em outras palavras, testaremos a dominância

entre TROCHEE e PARSE e a utilização da nova restrição com seu

conseqüente ranqueamento.

(14) Rŭbŏr – rubro.

Rŭbŏr TROCHEE PARSE- σ *EDGEMOST (σstr , R) WTS

☞a.{Rŭ(bŏr)} * *

b. {Rŭ(bŏr)} * *!

c. {(Rŭ)(bŏr)} *! *

d. {(Rŭ)bŏr} *! * *

Observamos em (14) que o latim não prioriza a escansão exaustiva das

sílabas em pés, uma vez que o posicionamento elevado de PARSE na

hierarquia levou a decisão sobre o candidato ótimo para a restrição

*EDGEMOST. O candidato escolhido ao final da análise não teve todas suas

sílabas escandidas; porém, sua última sílaba não pôde ser acentuada,

constituindo esse um fator essencial para a aplicação do acento primário latino.

Dessa forma, é mais relevante para a língua (a) a formação do pé troqueu e,

assim sendo, a restrição correspondente se mantém no topo da hierarquia, e

112

(b) que sílabas pesadas sejam acentuadas quando não estão em posição de

final de palavra. Isso nos levou a hierarquizar as restrições da seguinte

maneira:

(15) TROCHEE >> *EDGEMOST (σstr , R) >> WTS >> PARSE-σ

Tal hierarquia consegue equacionar os dois principais requisitos para a

aplicação do acento lexical: (a) através da interação entre TROCHEE e PARSE

temos o estabelecimento do ritmo trocaico e (b) pela interação entre

*EDGEMOST e WTS temos a sensibilização da língua latina ao peso silábico

da penúltima sílaba das palavras. A interação do conjunto de restrições assim

hierarquizado mostrou-se satisfatória devido à emergência de formas de

superfície adequadas para a língua latina em sua modalidade clássica, como

vemos em (16), que, diferentemente de (14), hierarquiza *EDGEMOST e WST

acima de PARSE:

(16) Rĭgŏr – rigor.

Rĭgŏr TROCHEE *EDGEMOST (σstr , R) WTS PARSE- σ

☞a.{Rĭ(gŏr)} * *

b. {Rĭ(gŏr)} *! *

c. {(Rĭ)(gŏr)} *! *

d. {(Rĭ)gŏr} *! * *

113

Em (16), o candidato b foi eliminado por violar fatalmente *EDGEMOST

(σ, R) que proíbe a existência de oxítonas na língua. Os candidatos c e d

violam TROCHEE devido à formação do pé em sílaba monomoraica (rĭ). Resta,

então o candidato a emergindo na superfície. WTS é violada não-fatalmente

por a e c porque essas formas não apresentam a sílaba pesada (gŏr)

acentuada; PARSE é violada por a, b e d, que apresentam sílabas não

integradas a pés.

A seleção de a evidencia que é muito importante para a língua que os

pés que se formem sejam trocaicos. Caso não sejam, é preferível que as

sílabas não estejam integradas a pés. O acento lexical pode estar em sílabas

não escandidas, mas não pode pertencer a pés que estabeleçam ritmos

diferentes do trocaico. Testemos a hierarquia proposta com vocábulos latinos

com diferentes estruturações de sílabas, em função do peso. Comecemos com

um dissílabo com sílaba inicial pesada:

(17) Dissílabo com Penúltima Sílaba Pesada.

Nūptă - esposa, mulher casada.

Nūptă TROCHEE *EDGEMOST (σ, R) WTS PARSE- σ

☞ a. {(nūp)tă} *

b. {(nūp)(tă)} *!

c. {nūp(tă)} *! * * *

d. {(nūp)(tă)} *! * *

114

Nesse tableau, fica evidente que o latim não tolera pés degenerados.

Apesar de os candidatos a e b apresentarem acento lexical na penúltima

sílaba, como o esperado, a presença do pé monossilábico e monomoraico (tă),

portanto degenerado, eliminou o candidato b da disputa. É melhor deixar uma

sílaba não integrada a pés do que formar um pé atípico (degenerado) não

trocaico. Se utilizássemos a restrição FT-BIN (PÉ BINÁRIO), que exige a

formação de pés binários, o candidato b seria eliminado da mesma forma por

apresentar o pé constituído por apenas uma sílaba leve. Seria, como já

dissemos, redundante a sua utilização em nossa análise, uma vez que

TROCHEE, altamente hierarquizado, já garante a característica binária nos pés

métricos. Nesse tableau, observamos que o candidato vencedor (output real)

passa ileso por todas as restrições, exceto PARSE, já que (a) forma troqueu

moraico, (b) a sílaba pesada porta acento e (c) o acento não se manifesta na

borda direita da palavra. Portanto, há relaxamento apenas quanto à integração

das sílabas em pés.

No tableau (17), os candidatos b, c e d são eliminados logo na primeira

restrição, que exige justamente a formação de pés trocaicos, emergindo o

candidato a como ótimo. Destacamos que o candidato a é selecionado mesmo

violando uma restrição, o que exemplifica o princípio da Violabilidade, no qual

se afirma que um candidato pode violar restrições e continuar sendo

gramatical. Nesse caso, o que determina a gramaticalidade do candidato a são

as violações cometidas pelos outros candidatos – bem mais graves que as

suas.

115

Vejamos, agora, como se comportam candidatos gerados a partir de

inputs dissilábicos com duas sílabas pesadas. O exemplo selecionado para

análise é ‘curvor’:

(18) Dissílabo com duas sílabas pesadas Cūrvŏr – curvatura

Cūrvŏr TROCHEE *EDGEMOST (σ, R) WTS PARSE- σ

☞a. {(cūr)(vŏr)} *

b. {(cūr)vŏr} * *!

c. {cūr(vŏr)} *! * *

d. {(cūr)(vŏr)} *! *

e. {cūrvŏr} * *!*

Em (18), o candidato a, quando comparado aos candidatos b e e, nos

mostra que é relevante as sílabas estarem integradas a pés, melhor dizendo,

caso as sílabas possam formar pés trocaicos, elas devem, prioritariamente,

estar integradas. Isso se vê pela eliminação dos candidatos b e e pela restrição

PARSE. A escolha do candidato ótimo ocorre nessa restrição, uma vez que a,

b e e não violam nenhuma restrição mais alta da hierarquia, somente WTS, já

que as duas sílabas da forma de base são pesadas e somente uma delas,

obviamente, pode receber acento. Como todos os candidatos a violam, os que

ainda estão no páreo seguem na disputa, ficando para PARSE a decisão final.

O candidato b viola uma vez PARSE por não escandir uma sílaba, sendo

eliminado, e o candidato e a viola duas vezes, sendo eliminado já na primeira

116

violação, como demonstrado no tableau em (18). Nesse momento, o candidato

a emerge como forma de superfície para o input ‘cūrvŏr’. Vejamos, a seguir, a

situação de trissílabos. Comecemos com os que apresentam apenas uma

sílaba pesada, a penúltima:

(19) Trissílabo com penúltima sílaba pesada

Sĕcrētŭ – segredo.

Sĕcrētŭ TROCHEE *EDGEMOST (σ, R) WTS PARSE- σ

☞ a. {sĕ(crē)tŭ} **

b. {(sĕ)(crē)(tŭ)} *!*

c. {(sĕcrē)tŭ} *! *

d. {sĕ(crētŭ)} *! *

Em (19), candidatos são eliminados por TROCHEE devido à construção

de dois pés monomoraicos em b e um pé constituído de três moras em c e d.

Resta apenas o candidato a, que viola duas vezes PARSE de maneira não-

fatal devido ao fato de as sílabas leves <sĕ> e <tŭ>25 não estarem analisadas

em pés. Os candidatos c e d também violam essa restrição pelo mesmo motivo

e também não-fatalmente. Como se vê, a obediência a TROCHEE faz com que

emerja, de imediato, um paroxítono com duas sílabas não integradas. As

25 Esclarecemos que a representação com colchetes angulados, embora seja idêntica à utilizada para indicar sílabas extramétricas na análise métrica, serve, nas demais seções do trabalho, apenas para destacar determinados segmentos dos vocábulos. Temos, portanto, duas interpretações diferentes para essa convenção.

117

demais restrições não têm qualquer efeito nessa avaliação. Vejamos, a seguir,

um trissílabo com penúltima sílaba leve e a primeira pesada:

(20) Trissílabo com penúltima sílaba leve.

Pūblĭcă – pública.

Pūblĭcă TROCHEE *EDGEMOST (σ, R) WTS PARSE- σ

☞a.{(pū)(blĭcă)}

b. {(pū)(blĭcă)} *!

c. {(pū)(blĭ)(că)} *!* *

d. {(pū)blĭcă} *!*

e. {(pū)(blĭ)(că)} *!*

f. {(pū)(blĭcă)} *!

No tableau em (20), TROCHEE elimina os candidatos c e e devido à

formação de pés monomoraicos e b devido à formação de pé iambo.

Continuam na disputa a,d e f. Este último não acentua a única sílaba pesada

<pū> e é elminado por violar WTS, que determina que toda sílaba pesada seja

acentuada. O candidato d viola PARSE duas vezes, uma vez que apresenta

duas sílabas não escandidas em pés, sendo eliminado. Resta, então, o

candidato vencedor a. Concluindo: o tableau em (18) é bastante elucidativo

porque mostra a total obediência a todas as demandas da língua, pois, em

latim, na variedade dita clássica, é extremamente importante formar troqueus

118

moraicos, condição assegurada por TROCHEE, e não acentuar a sílaba final

(condição levada a cabo pela satisfação a EDGEMOST). Em menor grau de

importância, sílabas pesadas requerem acento, imposição feita por WTS, e,

sempre que possível, sílabas devem ser integradas. Desse modo, satisfazem

plenamente as demandas os trissílabos com a primeira pesada, pois essas

palavras formam dois troqueus moraicos e recebem acento na sílaba inicial

pesada, como se vê nos dados a seguir:

(21) (σ) (σ.σ)

Mētrĭcă – métrica

Cāpsŭlă – cápsula

Īntĭmă – íntimo

Já os trissílabos com duas leves e uma pesada final formam dois

troqueus moraicos e, com isso, satisfazem bem a restrição TROCHEE. A

perfeita formação de pés troqueus e o acento na sílaba inicial, no entanto, têm

um custo: violar a restrição WTS, já que a sílaba pesada final não portará

acento.

119

(22) Făcĭlĭs – fácil.

Făcĭlĭs TROCHEE *EDGEMOST (σ, R) WTS PARSE- σ

☞a. {(făcĭ)(lĭs)} *

b. {(făcĭ)lĭs} * *!

c. {(făcĭ)lĭs} *! * *

d. {(făcĭ)(lĭs)} *! *

e. {(făcĭ)(lĭs)} *! **

Quando trissílabos apresentam as três sílabas leves, a forma que melhor

atende às restrições da hierarquia é a que forma um troqueu moraico na borda

esquerda da palavra, deixando a última sílaba sem integração, como

demonstramos a seguir:

(23) (σ.σ) σ

lĕpĭdă – lépida

lĕpŏrĕ – lebre

cŏlŭbră – cobra

Considerando o conjunto de restrições relevantes até o momento,

teríamos a seleção de mais de um candidato para trissílabos com sílabas

leves. Nesse caso, a formação do pé trocaico pode se realizar tanto na borda

direita quanto na borda esquerda da palavra prosódica, levando à seleção de

120

candidatos com as seguintes estruturas: (σ.σ)σ; σ(σ.σ) e σ(σ.σ). A fim de

solucionar tal impasse, nossa hierarquia passa a contar com a seguinte

restrição de alinhamento:26

(f) ALLFOOT– LEFT (TODO PÉ À ESQUERDA) – Essa restrição determina

que todo pé deve ser alinhado na borda esquerda da palavra prosódica. Assim

sendo, os candidatos que apresentam pés trocaicos não alinhados com a

borda esquerda da palavra violarão essa restrição. No caso em questão, será

selecionada a forma ótima (σ.σ)σ, como demonstramos no tableau abaixo, em

que o candidato vencedor viola apenas a restrição PARSE, já que a sílaba final

não forma pé. Em realidade, todos os três candidatos que continuam na

disputa chegam a PARSE e a violam, ficando para a restrição de alinhamento

ALLFT-LEFT a decisão sobre o candidato ótimo, como vemos no tableau a

seguir:

26 A família ALIGN (alinhamento) foi amplamente discutida no trabalho de McCarthy & Prince (1995) e faz referência a uma complexa e extensa relação entre margens de categorias lingüísticas (morfológicas e prosódicas). Elas dizem respeito ao que os autores referenciam como “Hipótese do Alinhamento Generalizado”. No caso em questão, preconiza-se o alinhamento entre duas categorias prosódicas: a palavra prosódica e o pé. Em Gonçalves (2009), encontra-se uma completa descrição da família ALIGN, sobretudo na relação entre morfologia e prosódia.

121

(23) lĕpŏrĕ – lebre

Lĕpŏrĕ TROCHEE *EDGEMOST (σ, R) WTS PARSE- σ ALLFT – LEFT

☞a.{(lĕpŏ)rĕ} *

b. {lĕ(pŏrĕ)} * *!

c. {(lĕ)(pŏrĕ)} *! *

d. {(lĕpŏ)rĕ} *!

e. {lĕ(pŏrĕ)} * *!

f. {lê(pŏrĕ)} *! * * *

Como vimos, se considerássemos a hierarquia anterior (sem ALLFOOT-

LEF), os candidatos a, b e e seriam selecionados como candidatos ótimos, o

que não seria adequado. No entanto, ao acrescentarmos a restrição que

orienta a posição de formação do pé, o candidato a emerge como sendo o

melhor, uma vez que os demais a violarão fatalmente. Devido à atuação

específica dessa restrição, ela se encontra na posição menos privilegiada na

hierarquia.

Numa avaliação mais cuidadosa, percebemos que o conjunto de

restrições hierarquizadas não dava visibilidade específica ao peso da penúltima

sílaba nos casos em que todas as sílabas da palavra fossem pesadas. Para

resolver o caso de trissílabos com as três sílabas pesadas, em que era

necessária a visibilidade do peso apenas na penúltima sílaba, acrescentamos a

seguinte restrição, obtendo, desse modo, a constituição final de nossa

hierarquia de restrições:

122

(g) *EDGEMOST (σstr, L) – A sílaba inicial da palavra não pode ser acentuada.

Essa restrição tornou-se relevante em trissílabos que apresentam silabas

iniciais pesadas. Uma vez que o latim, “enxerga” o peso silábico da penúltima

sílaba para a aplicação do acento, a primeira, nesse caso, não pode portar

acento.

A hierarquia que se mostrou relevante foi a seguinte, portanto:

(25) ROOTING >> TROQUEU >> *EDGEMOST (σstr , R) >> WTS >> PARSE-

σ >> ALLFOOT-LEFT >> *EDGEMOST (σstr , L)

Notemos dois fatos que levam *EDGEMOST (σstr , L) a estar em

posição não privilegiada em nosso ranking: (a) atua apenas em candidatos

trissílabos, a fim de dar visibilidade apenas ao peso da penúltima sílaba e (b)

não pode estar ranqueado em posição elevada, a fim de não eliminar

candidatos dissílabos paroxítonos. Em outras palavras, a restrição tem atuação

mais limitada (restrita) que as demais, tendendo a uma menor relevância em

termos hierárquicos. Lingüisticamente, é mais relevante que tenhamos as

sílabas analisadas e, portanto, PARSE deve estar em posição superior na

hierarquia. Apresentamos o tableau seguinte em sua versão final para o latim

clássico:

123

(26) Trissílabo com as três sílabas pesadas

Plūmbātŭm – feito de chumbo.

Plūmbātŭm TROCHEE *EDGEMOST

(σ, R)

WTS PARSE-

σ

ALLFT -

LEFT

*EDGEMOST

(σ, L)

☞a.{(plūm)(bā)(tŭm)} ** **

b. {(plūm)(bā)tŭm} ** *! *

c. {plūm(bā)tŭm} ** *!* *

d. {plūm(bā)(tŭm)} ** *! **

e. {(plūm)(bā)(tŭm)} ** ** *!

f. {(plūm)(bā)(tŭm)} *! ** **

Nesse tableau, como todas as sílabas da palavra são pesadas, os pés

formados nos candidatos sempre respeitam a restrição de formação do pé

trocaico. O candidato f é eliminado da disputa por apresentar sílaba final

acentuada, violando, portanto, *EDGEMOST (σ, R). Como WTS é violada duas

vezes por cada candidato, a disputa continua. PARSE é violada por b, c e d,

eliminando tais candidatos. Finalmente, o candidato e é eliminado da disputa

por apresentar acento proparoxítono, o que, nesse caso, leva a uma violação

fatal a *EDGEMOST (σ, L). O candidato a emerge, dessa maneira, como forma

ótima, mesmo violando WTS duas vezes. Vemos que a restrição *EDGEMOST

(σ, L) será relevante apenas em vocábulos com penúltima e antepenúltima

sílabas pesadas.

124

Finalizada a apresentação das restrições e a análise dos tableaux para a

determinação da posição do acento primário em não-verbos do latim clássico,

objetivo do presente capítulo, gostaríamos de tecer algumas considerações a

respeito de características, tanto das restrições quanto das formas dos

candidatos a output, que não foram contempladas no decorrer da nossa

explanação.

Verificamos, ao realizar os estudos sobre o acento, que, além das

condições materiais para a aplicação do mesmo, foi necessário que houvesse

condições abstratas decorrentes da estrutura prosódica dos vocábulos. Tais

condições, portanto, devem estar presentes em nossa análise otimalista e,

nesse caso, são as restrições sugeridas que representam esse papel.

Dessa maneira, encontramos, em nossa hierarquia proposta, restrições

como *EDGEMOST, ROOTING e WTS que focalizam sua ação na

materialidade da língua. Em termos mais específicos, podemos afirmar que (a)

ROOTING se foca na existência da marca acentual, na necessária existência

física do acento em todos os vocábulos; (b) as restrições do tipo EDGEMOST

atuam no sentido de evitar a aplicação do acento nas bordas esquerda e direita

dos vocábulos fonológicos e, desse modo, também trabalham no nível da

materialidade, evitando que a marca acentual se manifeste em posições

inadequadas; e (c) WTS atua no sentido de dar visibilidade ao peso da

penúltima sílaba dos vocábulos, quando atua em conjunto com as restrições

acima descritas, o que significa dizer que atua no sentido de dar visibilidade a

determinadas conformações silábicas, tais como sílabas com coda preenchida

e/ou núcleo ramificado, por exemplo.

125

Por outro lado, restritores do tipo PARSE, TROCHEE e ALLFT-LEFT

trabalham num nível diferente das anteriores, uma vez que atuam no sentido

de garantir o estabelecimento do padrão trocaico, típico da língua latina. Em

outras palavras, tais restritores atuam sobre a estrutura prosódica das palavras,

num nível abstrato de análise. Como vimos, TROCHEE busca o

estabelecimento do pé métrico trocaico; PARSE objetiva levar as sílabas dos

vocábulos a serem integradas a pés e ALLFT-LEFT direciona a formação dos

pés métricos para a borda esquerda dos vocábulos. Desse modo, tais

restrições atuam em conjunto no sentido de estabelecer um padrão prosódico

abstrato, adequado para a aplicação do acento primário em não verbos.

Um outro aspecto, também relacionado à materialidade da língua, está

relacionado com os candidatos a output propostos em nossos tableaux. Parece

lógico que um vocábulo dissílabo apresente somente duas possibilidades para

a colocação do acento, na primeira ou na última sílaba. No entanto, podemos

observar que diversos candidatos são apresentados como possíveis outputs,

isso porque, como já explicamos, agregam-se às condições de materialidade

lingüística, condições abstratas referentes à estrutura prosódica dos termos

envolvidos. Por isso mesmo, uma mesma saída fonética (realização acentual)

esteve presente em diferentes formas candidatas propostas, já que procuramos

dar conta tanto dos padrões rítmicos envolvidos quanto da natureza estrutural

das sílabas portadoras de acento.

126

5.5. Resumo do capítulo

Apresentamos, neste capítulo, a análise de dados para a aplicação do

acento lexical primário em não-verbos na modalidade clássica do latim,

fundamentando-nos na Teoria da Otimalidade. Selecionamos os exemplos com

vistas a verificar a pertinência da hierarquia de restrições inicialmente proposta.

Desse modo, nos tableaux (16) e (20) apresentamos, respectivamente, um

dissílabo e um trissílabo com a penúltima sílaba leve, e nos tableaux (17), (18)

e (19), termos com penúltima sílaba pesada. Ampliamos a análise checando o

comportamento de formas trissilábicas com diferentes arranjos de sílabas leves

e pesadas. Tal fato se deve à sensibilidade ao peso da penúltima sílaba para a

aplicação do acento primário na referida língua.

Verificamos que a hierarquia de restrições mostrou-se pertinente,

havendo a emergência de um output ótimo adequado em todas as análises

realizadas. No capítulo seguinte, analisaremos o latim vulgar e, com isso,

traçaremos um painel comparativo entre as modalidades clássica e vulgar da

língua no que se refere às modificações no tratamento do acento primário.

Evidenciaremos, dessa forma, as estratégias utilizadas pela TO para dar conta

da mudança na aplicação do acento latino.

127

6. O ACENTO NO LATIM VULGAR

Como já vimos, o latim vulgar, ou sermo vulgaris, era a língua falada nas

camadas mais populares de Roma e em suas cercanias. Era considerado um

latim rústico, em oposição ao latim utilizado pelas camadas mais altas da

sociedade urbana, que falavam o sermo urbanus.

Por representar o latim falado pelo povo, há poucos registros escritos do

mesmo. Coutinho (2005) nos fala sobre a precariedade de fontes do latim

vulgar e destaca que essas são representadas (a) pelo trabalho de gramáticos,

ao corrigirem formas errôneas; (b) pelas comédias, em que se representavam

personagens do povo; (c) pelas inscrições de artistas; (d) por falhas de copistas

e (e) por “erros” ocasionais dos grandes escritores latinos.

O estudo do acento no latim vulgar traz consigo essa precariedade de

fontes primárias para obtenção do corpus. Em nosso trabalho, utilizamos o

Appendix Probi, que representa uma coletânea de dados do tipo “diga isto, não

aquilo” ou “use isto, não aquilo”, em uma clara referência ao uso variado que se

fazia de formas do latim clássico, como vemos nas seguintes glosas:

1. porphireticum marmor non purpureticum marmur.

2. tolonium non toloneum.

3. speculum non speclum

4. masculus non masclus.

5. vetulus non veclus.

128

Se o registro dessa variedade já é de difícil obtenção, mais difícil ainda

se torna a análise da posição e da natureza do acento. Por esse motivo,

buscamos, além do estudo da referida fonte primária, outros autores –

gramáticos e estudiosos da língua latina – que nos pudessem fornecer o maior

número possível de dados, servindo-nos, assim, de fontes secundárias. Dentre

eles, destacamos Faria (1970) e Maurer Jr. (1959), que nos apresentam

variada gama de exemplos, além de citações diretas de gramáticos e

estudiosos latinos sobre o tema em questão, que igualmente utilizamos ao

longo de nossa pesquisa.

Vale comentar o trabalho desenvolvido por Maurer Jr. (1959), baseado

não só no estudo e coleta de dados de fontes primárias, mas também, e

sobretudo, no método comparativo de análise, em que os dados de fontes

primárias foram confrontados com os dados das línguas românicas (Romeno,

Sardo, Português e Espanhol, dentre outras). A respeito da importância do

Appendix Probi como fonte primária de coleta de dados e informações sobre o

latim vulgar, o autor afirma que “é a impressionante concordância da lista de

erros do Appendix Probi com as inovações postuladas pelo conjunto das

línguas românicas que nos dá a certeza de termos nesse glossário uma das

mais preciosas fontes do latim vulgar.” (MAURER JR., 1959. p. 6)

No presente estudo, consideramos o latim vulgar como uma variedade

da língua que provavelmente sofreu forte influência do latim clássico no que se

refere à aplicação do acento primário. Apresentamos como evidência de tal

influência dois fatores que julgamos relevantes: o primeiro é o fato de todos os

gramáticos consultados afirmarem que os vocábulos no latim vulgar são

portadores do acento na mesma posição que os vocábulos no latino clássico.

129

Como há fortes evidências de que o latim arcaico apresentava uma acentuação

fixa na primeira sílaba dos vocábulos, essa modificação no posicionamento do

acento primário nos termos do latim vulgar não poderia ser facilmente

explicada pela sua origem no latim arcaico, modalidade também falada pela

população romana em geral e que antecedeu à formação tanto do latim vulgar

quanto do latim clássico.

O segundo fato relevante consiste nas próprias informações contidas no

Appendix Probi, que nos fornecem um padrão de correção entre formas

consideradas corretas ou adequadas e formas incorretas ou que deveriam ser

evitadas. A análise das glosas nos permite verificar que os termos vulgares

apresentam modificações e simplificações de formas oriundas do latim

clássico, além de tentar estabelecer parâmetros de manutenção do status

“original” da língua latina culta.

Em termos de mudança na aplicação do acento primário, nosso modelo

teórico, a Teoria da Otimalidade, baseia-se na análise de duas sincronias

presentes em momentos diferentes da evolução da língua latina e é dessa

forma que compreendemos e analisamos os dados de ambas as variedades.

Isso, contudo, não impede nem contradiz o fato de que essas se

desenvolveram ao mesmo tempo, a partir do século III a.C.

O acento no latim vulgar é reconhecidamente intensivo. Ilari (2006: 74)

afirma que o acento de intensidade do latim vulgar cai normalmente na mesma

sílaba que era portadora do acento lexical no latim clássico, como já

apresentamos. Destacaremos, a seguir, as três principais diferenças de

acentuação entre o latim vulgar e o latim clássico ( cf. MASSINI-CAGLIARI,

1999. pp.109-111).

130

O acento em palavras como íntegrum, ténebras, cólubra e álacrem, em

que a vogal da penúltima sílaba é seguida de uma consoante oclusiva mais R,

vai deslocar-se da antepenúltima para a penúltima sílaba. Dessa forma, temos

intégrum, tenébras, colóbra e alécrem no latim vulgar. Segundo Ilari (2006,

p.74), a vogal inicial encontra-se em posição fraca (positio debilis) e originará,

no português contemporâneo, intéiro, trévas, cóbra e alégre.

Faria (1970, 136) afirma que na poesia do latim clássico, quando havia

uma seqüência de oclusiva + R, a vogal que a precedia poderia ser longa ou

breve. Sendo assim, poderíamos considerar, já no latim clássico, elementos

referenciais que justificariam a acentuação desses termos no latim vulgar, uma

vez que poderíamos, conforme o caso, acentuar cólubra ou colúbra.

Outra diferença está no fato de que o i e e breves na primeira posição de

hiato não mais são acentuados no latim vulgar, passando o acento para a vogal

seguinte. Dessa maneira, temos, para o latim clássico, mulíerem, lintéolum e

filíolus e, para o vulgar, nesta ordem, muliérem, linteólum e filiólus,

correspondendo, no português contemporâneo, respectivamente, mulhér,

lencínho e filhínho.

Essa tendência do latim vulgar em valorizar as palavras com acento

paroxítono encontra várias evidências no Appedix Probi. Verificamos, nas

glosas abaixo, a tendência de queda de segmentos na sílaba postônica, com a

manutenção do acento na posição já existente no latim clássico:

131

(01)

3. speculum non speclum

4. masculus non masclus.

5. vetulus non veclus.

6. vitulus non viclus.

7. vernaculus non vernaclus.

8. articulus non articlus.

9. baculus non vaclus.

10. angulus non anglus.

11. iugulus non iuglus.

26. musiuum non museum.

53. calida non calda.

54. frigida non fricda.

111. oculus non oclus.

130. tabula non tabla.

142. stabulum non stablum.

A terceira e última diferença está relacionada a palavras compostas. No

latim clássico, os compostos eram acentuados seguindo a mesma regra para

palavras simples, podendo cair em qualquer um dos elementos que

compunham a palavra. Já no latim vulgar, quando há a consciência da

composição, o acento recai sobre a segunda forma do composto, havendo

mudança na posição do acento. Quando não há consciência da composição do

vocábulo, a regra aplicada continua a mesma do latim clássico. Dessa maneira,

132

temos cóntinet e récipit no latim clássico e contínet e recípit no latim vulgar. No

português contemporâneo, temos as formas verbais contém e recebe.

Segundo Maurer Jr. (1959), a composição não era um recurso usual no

latim. Esse autor afirma que os numerosos casos de compostos na obra de

alguns autores latinos devem-se à imitação do grego ou à utilização como

recurso cômico. Os compostos que efetivamente existiam no latim são

originários de antigos processos de composição de origem indo-européia e

assumem valor artificial no latim do período clássico.

Temos, como exemplos de compostos representativos de justaposições

sintáticas obsoletas, tibi-cen, parti-ceps, coni-ger, fructi-fer, nau-fragus, homi-

cida. Há, ainda, outros compostos formados pela cristalização lenta de

expressões sintáticas regulares do latim, tais como res publica, juris consultus,

legis lator, plebi-scitum, veri-similis, acquae ductus.

Ainda segundo Maurer Jr. (1959, 240), o vocabulário vulgar mostra que

“o latim do povo não conservou nenhum resquício da composição por

justaposição direta de dois semantemas, conquanto o latim literário ainda o

fizesse até certo ponto”. Além disso, ressalta que os compostos que poderiam

ter sua origem no latim vulgar são duvidosos. O que há, em verdade, são

expressões normais da língua que acabaram por petrificar-se em um todo

léxico, como sanguisuga e ossifraga, de cujos elementos componentes já não

se tinha mais consciência. Destacamos, ainda, que os casos de prefixação do

latim vulgar ocorriam com número limitado de prefixos ligando-se a verbos.

Maurer Jr.(1959) afirma ser insignificante a documentação referente a prefixos

formadores de termos nominais.

133

O fenômeno de recomposição, que no latim vulgar era usual em termos

verbais, ocorria rarissimamente em termos nominais. Isso se explica pelo fato

de a prefixação nominal não ser produtiva na língua falada, além da existência

de muito poucos compostos nominais no latim vulgar. Como vestígio desse tipo

de recomposição, temos *dimedius por dimidius (op cit, 247)

Tais considerações são relevantes, uma vez que os termos compostos

nominais no latim vulgar não eram reconhecidos como tais e, portanto, nos

levam a considerá-los proparoxítonos ou paroxítonos, como já ocorria no latim

clássico.

No que se refere aos empréstimos, Maurer Jr. (1959) afirma que o latim

vulgar tende a conservar a acentuação da língua de origem. Destaca, ainda,

que nos empréstimos gregos, quando um termo entrava pela via erudita,

literária, utilizava-se a acentuação culta, respeitando-se o peso silábico da

penúltima sílaba, independentemente da acentuação grega. Dessa maneira,

palavras como Sócrates e Parábola eram originariamente acentuadas na

penúltima e na última sílaba na língua grega, respectivamente. A esse respeito,

Faria (1970) cita Diomedes (Keil 1, 433, 4): “sane graeca uerba graecis

accentibus efferimus, si isdem litteris pronuntiauerimus”27. Já no que se refere

aos termos gregos que tiveram sua entrada no latim vulgar por via popular,

conserva-se a acentuação original dos vocábulos.

27 “Acentuaremos à grega as palavras gregas se as pronunciarmos à grega”.

134

As observações anteriores nos levam a duas conclusões relevantes:

a) O acento lexical em palavras compostas no latim clássico

deve ser considerado como informação já presente no

nível subjacente da língua, uma vez que não mais havia

consciência da composição no latim vulgar e a

acentuação desses termos permaneceu a mesma do latim

clássico, ou seja, as tendências mais gerais do latim

vulgar não se manifestavam sobre esses termos;

b) Da mesma forma, o acento vai atuar nos termos oriundos

de empréstimos, que também mantiveram a acentuação

original, exceção feita aos casos em que a palavra se

latinizava na pronúncia.

Outra questão polêmica em relação ao latim vulgar está na existência de

oxítonas. Nunes (1975) apresenta os seguintes termos que se enquadrariam

nesse grupo:

(02) illíc, illúc, illác, istíc, istínc, adhúc, tantón, audín, addúc, addíc, nostrás,

cuiás, audít (perf. de audire), fumát (perf. de fumare)

Todos esses termos receberiam o acento na última sílaba. Isso pode ser

explicado por todas terem sido originadas de paroxítonas que sofreram

processos segmentais. Um grupo sofreu a queda da vogal [e] posterior a [k] e

[n] em sílaba final e outro sofreu a queda da sílaba ou vogal anteriores a [s] e [t]

135

finais. Dessa forma, teríamos o seguinte quadro comparativo entre latim

clássico e vulgar:

(03)

Latim Vulgar Latim Clássico

Illíc Illice

Illúc Illuce

Illác Illace

Istíc Istice

Istínc Istince

Adhúc Adhuce

Tantón Tantone

Audín Audisne

Addúc Adduce

Addíc Addice

Nostrás Nostratis

Cuiás Cuiatis

Audít Audiuit

Fumát Fumauit

Tais dados nos remetem à possibilidade da existência, já no latim vulgar,

de vocábulos oxítonos. Embora tais formações sejam advérbios ou formas

verbais, não contemplados em nossa análise, achamos oportuno apresentá-

las, uma vez que as línguas românicas, como o português, têm vocábulos

136

oxítonos constituídos por sílaba final pesada. Isso nos faz supor a possibilidade

de o latim vulgar já apresentar palavras oxítonas em sua constituição, já que os

estudos em lingüística comparada nos informam da origem de nossa língua

nas formas do acusativo do latim vulgar.

Dos casos apresentados em (02), percebemos que o acento tenderá a

recair sobre o vocábulo cuja consoante final seja uma coronal [t, s, n, l, r] ou [k].

Como vimos, as oxítonas em latim são, segundo as informações existentes,

extremamente raras e somente ocorrem em casos específicos devido: (a) à

apócope da vogal média [e] ou (b) à síncope de sílabas, ambas ocorrendo em

contextos específicos.

Em nossa análise otimalista, consideraremos duas possibilidades em

relação às palavras oxítonas: uma em que se considera a existência de tais

termos, uma vez que as línguas românicas também as apresentam, e outra em

que tais vocábulos ainda não existiam no latim vulgar.

6.1. Análise do Latim Vulgar segundo a Teoria Métrica

Magalhães (2004) apresenta uma análise métrica do latim vulgar,

baseado em Hayes (1995), em que não considera as palavras proparoxítonas

existentes na língua, como o fez também Quednau (2000). Tal atitude está em

consonância com nossa posição teórica, uma vez que consideramos os

vocábulos proparoxítonos oriundos de empréstimos ou formações cristalizadas

no léxico, como esclarecido anteriormente, sendo, portanto, informação

fornecida em nível subjacente.

137

Dessa maneira, as duas últimas sílabas dos vocábulos são

consideradas, mais especificamente, o domínio de aplicação do acento no latim

vulgar. As estruturas existentes, considerando-se os processos já evidenciados

que buscam manter o acento no domínio da penúltima sílaba, são as

seguintes28:

(04) a) (C)V. (C)CV: colóbra, pariéte, catédra, linteólu, bányu, pálya

b) (C)(C)V. (C)CVC: muliérem, spéclum, vernáclus, tenébras

A partir da análise de tais estruturas silábicas, Magalhães (2004)

apresenta o troqueu como o pé básico do latim vulgar, não importando se esse

é moraico ou silábico. Sob a ótica do troqueu moraico, o autor apresenta a

seguinte regra para aplicação do acento:

(05) “Construir um pé não-iterativo da direita para a esquerda, valendo-se do

instrumento da extrametricalidade para a consoante final das palavras em (b)”

(MAGALHÃES, op. cit.:168).

28 Os exemplos em (04) foram adaptados da representação proposta em Magalhães (2004).

138

Em (06), exemplificamos a aplicação de tal regra:

(06) ( x .) ( x .) ( x .) ( x .) (x .)

a) co.ló.bra pa.ri.é.te ca.té.dra lin.te.ó.lu bá.nyu

( x .) ( x .) ( x .) ( x .)

b) mu.li.é.re<m> spé.clu<m> ver.ná.clu<s> te.né.bra<s>

Ao considerar o troqueu silábico na análise, a regra para aplicação do

acento passa a ser a seguinte, ainda na proposta de Magalhães (2004: 168):

(07) “Construir um pé não-iterativo da direita para a esquerda, sem qualquer

referência à extrametricalidade”.

Os exemplos são os seguintes:

(08) ( x .) ( x .) ( x .) ( x .) (x .)

a) co.ló.bra pa.ri.é.te ca.té.dra lin.te.ó.lu bá.nyu

( x .) ( x .) ( x .) ( x .)

b) mu.li.é.rem spé.clum ver.ná.clus te.né.bras

139

6.2. Análise do Acento no Latim Vulgar segundo a Teoria da Otimalidade

Certamente a determinação da posição da sílaba tônica em latim vulgar

difere de sua aplicação em latim clássico, como observamos pelas diferentes

características referenciadas até o momento. A partir das informações

coletadas e analisadas, propomos basicamente as mesmas restrições atuantes

no acento latino clássico e, sempre que necessário, remeteremos nossas

observações à análise otimalista apresentada no capítulo anterior. As seguintes

restrições foram, então, consideradas:

(a) ROOTING – todas as palavras de conteúdo lexical recebem acento29.

(b) STRESSFAITHFULNESS – (FIDELIDADE ACENTUAL) – todo acento

proveniente do input deve ser conservado na mesma posição no output.

A restrição de fidelidade STRESSFAITH, altamente ranqueada na

hierarquia, possibilita dar conta das eventuais proparoxítonas no latim vulgar

que, como demonstramos, são oriundas de empréstimos ou de cristalizações

lexicais que já trazem, como informação subjacente, o acento na antepenúltima

sílaba. Violam fatalmente STRESSFAITH as palavras que contenham a

informação acentual no nível subjacente não preservada na representação de

29 Da mesma forma que em nossa análise anterior, ROOTING estará presente no topo de nossa hierarquia por atuar no sentido de que todas as palavras de conteúdo lexical apresentem acento primário. Esse padrão é categórico no latim, todas as formações lexicais e gramaticais a respeitam e, com isso, não a ranquearemos em nossos tableaux, embora saibamos de sua presença e atuação.

140

superfície correspondente30. Como também é um caso categórico e restrito às

proparoxítonas, apresentaremos o efeito dessa restrição no tableau a seguir31

e a retiraremos das análises seguintes.

(09) lacrima – lágrima

Lacrima STRESSFAITH

☞ a. {lacrima}

b. {lacrima} *!

c. {lacrima} *!

O Tableau em (09) demonstra a análise de um termo que traz o acento

como informação lexical. Os candidatos b e c, por não respeitarem a condição

de manutenção da relação de identidade acentual entre input e output, violam

fatalmente o restritor STRESSFAITH e são eliminados da disputa, emergindo o

candidato a como ótimo. Esse mantém a informação de acento na

antepenúltima sílaba enquanto o candidato b porta acento na penúltima sílaba

e o candidato c, na última.

30 A restrição de fidelidade acentual, STRESSFAITHFULLNES (FID-AC), mostra-se relevante em vários estudos sobre o português, como o de Gonçalves (2004), sobre a formação do plural, o de Mendes (2006), sobre a adaptação de empréstimos do inglês, e o de Magalhães (2004), sobre o acento. 31 As mesmas convenções adotadas no capítulo 4 serão utilizadas para todos os tableaux.

141

A fim de manter nossa análise em consonância com o provável padrão

silábico utilizado na época em que o latim vulgar era língua vernácula,

adotamos as modificações sugeridas pelo Appendix Probi, além de considerar

os avanços e as sugestões obtidos dos estudos em lingüística histórica e

comparada, principalmente de autores como Coutinho (2005), Nunes (1975),

Faria (1970) e Maurer Jr. (1959), a respeito do tema em questão.

A primeira alteração feita na presente análise, e que considera tais

contribuições, se refere à perda da quantidade vocálica. O latim vulgar não

apresenta mais distinção entre vogais longas e breves e, conseqüentemente,

essas não mais interferem no peso silábico. A informação da quantidade

vocálica, que anteriormente era dada em nível subjacente, não será mais

computada no input, visto que deixou de existir32.

Uma das mais relevantes modificações que percebemos nos exemplos

do Appendix Probi, e já evidenciada em (01), é o apagamento de elementos no

interior dos vocábulos. Desse fato, depreendemos que o acento continua a

recair sobre a mesma sílaba, porém em posição penúltima no vocábulo.

Verificamos, dessa forma, a clara tendência de se promover o padrão

paroxítono, havendo, como conseqüência, algumas modificações estruturais

(silábicas) que emergem na representação de superfície – no caso, o

apagamento das vogais postônicas, como verificamos nos diversos exemplos

em (10):

32 Em consonância com a abordagem que sustenta a análise (Hutton, 1996; Holt, 1997), a mudança no quadro vocálico, implementada pela perda da quantidade, leva a uma reestruturação do input, que não contém qualquer referência quanto à quantidade.

142

(10)

3. speculum non speclum

4. masculus non masclus.

7. vernaculus non vernaclus.

8. articulus non articlus.

10. angulus non anglus.

11. iugulus non iuglus.

53. calida non calda.

111. oculus non oclus.

130. tabula non tabla.

142. stabulum non stablum.

Nos exemplos em (10), verificamos que, a fim de manter o padrão

rítmico trocaico margeado à direita da palavra prosódica e, com isso, gerar

formas paroxítonas na língua, o latim vulgar “optou” por formar sílabas mais

complexas. Vemos que em speculum non speclum, ocorre a síncope da vogal

<u> postônica e a conseqüente formação de um padrão silábico mais complexo

no vocábulo: de <lum> para <clum>, houve a transformação de uma sílaba

CVC em CCVC. Com a síncope da vogal precedente, a consoante /k/ é

anexada à sílaba seguinte, tornando-a mais complexa pela ramificação do seu

onset.

Mais uma evidência que milita a favor dessa idéia encontra-se na glosa

53, calida non calda, em que também verificamos a síncope da vogal postônica

143

<i>. Nesse caso, ao contrário, a consoante que anteriormente ocupava a

posição de onset passa a ocupar a posição de coda, em função da queda do

núcleo ao qual estava vinculada, resultando em <cal>.

Em termos otimalistas, verificamos que, quando a língua passa a

valorizar de modo mais ostensivo o estabelecimento de um ritmo trocaico,

torna-se necessário violar restrições de fidelidade que impedem apagamentos

entre as informações de input e output. Melhor dizendo, o preço pago pela

língua para otimizar a estruturação dos pés métricos, e o conseqüente respeito

às restrições rítmicas TROCHEE e PARSE, é a formação de sílabas mais

marcadas, com a conseqüente violação da restrição anti-apagamento MAX-IO.

Evidenciamos, nesse momento, um conflito entre as restrições TROCHEE e

PARSE com a restrição de Fidelidade MAX-IO.

No latim clássico, as restrições de fidelidade estavam altamente

hierarquizadas, isso sendo verificado pelo total respeito às informações

segmentais estabelecidas nos inputs. Com a valorização do parseamento em

pés troqueus moraicos e com a conseqüente priorização de vocábulos

paroxítonos, as restrições métricas passam a dominar a restrição de fidelidade

MAX-IO e, com isso, apagamentos são permitidos na língua, tornando sílabas

mais complexas no latim vulgar.

144

Não é objetivo da presente pesquisa analisar a interação entre as

restrições silábicas e as métricas e, dessa maneira, não iremos detalhar o

fenômeno da síncope – nem outros fenômenos, como a ditongação e a

apócope – no latim vulgar, em termos de restrições33. Focalizaremos nossa

análise somente nas restrições relevantes para a aplicação do acento,

considerando, no entanto, as modificações na estrutura silábica das formações.

Mais especificamente, quando necessário para a seleção do candidato ótimo,

apenas mencionaremos os restritores silábicos envolvidos na aplicação do

acento primário.

Disso resulta que a restrição TROCHEE continua sendo a mais

altamente cotada na hierarquia, a fim de garantir o padrão trocaico e a

acentuação paroxítona. Logicamente, essa atua em consonância com outras

restrições, como ALLFT-RIGHT e PARSE-σ, como veremos adiante. No latim

clássico, constatamos a necessária atuação de ALLFT-LEFT para dar conta da

seleção adequada do vencedor para formações de input trissilábicas com

sílabas leves. Tal restrição era, devido ao seu caráter restrito de atuação,

ranqueada abaixo de todas as demais. O que ocorre, no latim vulgar, é a

demoção de mais esse restritor e a promoção da restrição em espelho ALLFT-

RIGHT na hierarquia.

33 Obviamente, o apagamento da vogal, além de levar a uma violação de MAX e tornar o output infiel ao input, faz com que outras restrições de marcação também sejam violadas. Tal é o caso de *COMPLEX, que proíbe complexidade nas margens de sílaba, e NO-CODA, que exige sílabas abertas. Na língua em questão, satisfazer as exigências métricas implica violar as silábicas.

145

Podemos perceber que a restrição TROCHEE reflete a necessidade do

latim em formar pés troqueus moraicos, o que, juntamente com PARSE, leva

as sílabas a serem escandidas e integradas a pés; entretanto, há, ainda, a

necessidade de se estabelecer a posição do pé, de modo que emerjam

formações paroxítonas, não-marcadas e mais gerais na língua. Essa

necessidade de priorizar o padrão paroxítono é plenamente satisfeita pelo

ranking TROCHEE >> ALLFT-RIGHT >> PARSE-σ.

Antes de iniciarmos o estudo a partir de um tableau, cabe destacar que,

na presente pesquisa, não consideramos a contagem de mora de consoantes

finais portadoras de informação morfológica, uma vez que, como registram os

gramáticos históricos (MAURER JR., 1959; COUTINHO, 2005), as consoantes

finais, no latim vulgar, eram débeis, tendendo ao apagamento. A favor desse

posicionamento, está o fato de que elementos finais que portam informação

morfológica tendem a não ser considerados moraicos em português, como

acontece com o <s> formador de plural. No próprio Appendix Probi, aparecem

diversos registros da queda de consoantes finais, como podemos verificar em

(11) abaixo:

(11)

31. sobrius non suber.

32. figulus non figl.

34. lanius non laneo.

43. carcer non car.

127. botruus non butro.

133. fax non facla.

146

134. vico capitis Africae non vico caput Africae.

136. vico castrorum non vico castrae.

143. triclinium non triclinu.

163. passer non passa.

169. nurus non nura.

170. socrus non socra.

171. neptis non nepticla.

172. anus non anucla.

217. passim non passi.

219. numquam non numqua.

223. pridem non pride.

224. olim non oli.

227. idem non ide.

Ainda em relação ao tema, destacamos o seguinte trecho de Maurer Jr.

(1959:85), no qual o autor trata da redução dos casos no latim vulgar e da

desagregação da flexão nominal nessa modalidade:

“A língua vulgar perdeu, em grande parte, o sistema antigo, iniciando um

processo de renovação estrutural profunda da língua, que teve como resultado final

– isto já no período romance – o desaparecimento completo da flexão nominal

latina, com exceção de alguns vestígios insignificantes no rumeno. (...)

O emprego das preposições se tornava uma necessidade quando a

confusão das desinências, pela perda das consoantes finais e pelo

enfraquecimento do timbre vocálico, trazia ainda maior obscuridade à frase. De

fato, muitas formas casuais apresentavam já desde época antiga o incoveniente de

serem inteiramente iguais entre si, apesar das funções diferentes que exerciam,

(...)”

147

Percebemos, por meio dessas evidências, que as formações em latim

vulgar já apresentavam importantes modificações estruturais. Nesse último

caso, o fato para nós relevante é a provável perda de status das consoantes

finais, claramente definida na citação.

Finalmente, um outro fato que corrobora nossa posição em relação à

consoantes finais com status morfológico é a análise métrica apresentada em

6.1., que as considera extramétricas, sendo, pois, invisíveis ao acento. Feitas

essas observações, passemos à análise do tableau em (12), a seguir.

O primeiro caso estudado refere-se às formações em que ocorre a

síncope da vogal postônica, fenômeno recorrente no latim vulgar, como já

demonstramos. A força das restrições métricas fica evidente e verificaremos,

tanto em (12) quanto em (13), que o candidato ótimo já é definido ao passar

pela avaliação das duas primeiras restrições: TROCHEE E ALLFT-RIGHT.

148

(12) Polissílabo que passa a trissílabo por síncope

Vernaculus – vernáculo

Vernaculu[s]34

TROCHEE ALLFT - RIGHT PARSE-σ

☞a. {ver(naclu)} *

b. {(ver)(nacu)lu} *!* *

c. {ver(nacu)lu} *! **

d. {(ver)na(culu)} *! *

e. {(ver)(naclu)} *!

f. {(verna)clu} *! * *

Em (12), percebemos a quase imediata seleção do candidato a devido à

violação por parte dos candidatos b, c, d e e

à restrição que exige que todo pé

esteja alinhado na borda direita da palavra prosódica. Já o candidato f viola

TROCHEE por formar um pé com proeminência à direita. Esse tipo de

resultado nos mostra que, para o latim vulgar, era mais importante garantir a

formação de um pé trocaico na borda direita da palavra do que ter todas as

sílabas escandidas em pés, mesmo que esses sejam trocaicos e respeitem a

restrição em posição mais alta na hierarquia. Notamos que o candidato e

apresenta todas as sílabas escandidas em pés, o que pode ser considerado

ideal em termos lingüísticos, porém, no latim vulgar, a necessidade de

34 Os colchetes indicam o não reconhecimento do segmento como relevante para a aplicação do acento do latim vulgar.

149

manutenção do padrão paroxítono faz com que sílabas possam não ser

integradas a pés. Isso mostra que, da mesma forma que o latim clássico, o

vulgar não exige um parseamento exaustivo das sílabas.

Em outras palavras, o candidato vencedor poderá ter sílabas não

integradas, desde que forme um pé troqueu moraico na borda direita da

palavra e, desse modo, suplante outros candidatos mais bem formados em

termos prosódicos, como vimos em (12) acima. No tableau seguinte,

apresentaremos mais um exemplo de formação oriunda de um processo de

síncope, sendo necessário, todavia, que alguns esclarecimentos sejam dados

em relação à constituição do pé trocaico que adotamos.

Considerando que o latim vulgar formava troqueus moraicos a partir da

borda direita da palavra, situação essa favorecida pela demoção de ALLFOOT-

LEFT e *EDGEMOST-RIGHT e pela atuação de ALLFOOT-RIGHT, adotamos,

em nossa análise, a possibilidade de troqueus apresentarem uma mora

adicional localizada na silaba proeminente, quando em posição não-final. Tal

situação não é um problema porque essa formação estaria em conformidade

com uma restrição do tipo WBP (Weight By Position), que considera a

relevância das duas moras numa única silaba apenas quando essa está

posicionada na borda direita da palavra. Caso haja uma sílaba final leve não

integrada a um pé, essa pode ser incorporada à silaba antecedente, mesmo

que tal possua duas moras.

150

Esse tipo de interpretação já foi feito para os dados do português por

Collischon (2000:303, 304 e 2002:174), que considera a existência de um pé

troqueu trimoraico em palavras como conta, caspa, malta, etc. Como a silaba

final é leve e os pés têm de ser formados à direita, a melhor estratégia para

satisfazer demandas como TROCHEE e PARSE é incorporar mais uma mora

ao troqueu. Com isso, temos masclu[m], formando um único pé métrico

troqueu. Tal fato pode ser interpretado como uma violação a uma restrição do

tipo FOOTBIN, que estabelece que todo pé deve ser binário em algum nível de

análise, em favor da formação do pé troqueu na borda direita da palavra.

(13) Trissílabo que passa a dissílabo por síncope

Masculum - másculo

Masculu[m]

TROCHEE ALLFT – RIGHT PARSE- σ

☞a.{(masclu)}

b. {(mas)(clu)} *! *

c. {(masclu)} *!

d. {(mas)(culu)} *!

e.(mas)(culu) *!

f.( mascu)lu *! * *

Também nesse tableau, vemos a atuação das restrições responsáveis

pela marcação em termos métricos. O candidato b forma um pé monomoraico

e monossilábico; c e f formam um pé iambo, com proeminência à direita, e são,

portanto, eliminados por TROCHEE. Os candidatos d e e são eliminados ao

151

infringirem fatalmente ALLFT-RIGHT, uma vez que apresentam pés não

alinhados com a borda direita da palavra prosódica. Vence, desse modo, o

candidato a, que, nesse caso, apresenta todas as sílabas escandidas em pés,

não violando, portanto, nenhuma restrição da hierarquia.

O último caso de vocábulos formados por síncope é aquele em que o

elemento consonantal remanescente se adjunge à coda da sílaba anterior. É o

caso das seguintes glosas do Appendix Probi: calida > calda; viride > virde e

frigida > fricda e que demonstramos em (14) abaixo:

(14) Trissílabo que passa a dissílabo por síncope

calida - quente

Calida TROCHEE ALLFT – RIGHT PARSE- σ

☞ a. {(calda)}

b. {ca(lida)} *!

c. {(cali)da} *! * *

d. {(cali)da} *! *

e. { (calda)} *!

f.{(cal)da} *! *

Diferentemente dos casos anteriores, a decisão sobre o candidato ótimo

recai sobre PARSE. Tanto o candidato a quanto o candidato b apresentam as

condições ideais de formação métrica e boa estrutura silábica que permitem a

aplicação do acento na penúltima silaba. O candidato a vence a disputa por

apresentar todas as sílabas integradas a um pé trocaico e, com isso, não viola

nenhum restritor. O candidato c viola todas as restrições, uma vez que

152

apresenta um pé iambo não alinhado com a borda direita da palavra e possui

uma sílaba desgarrada, ou seja, não integrada a um pé métrico. Já d e f,

embora formem pés canônicos, violam uma vez as restrições ALLFT-RIGHT e

PARSE por não integrarem a última silaba ao pé e, conseqüentemente, não o

deixarem alinhado à direita da palavra. Finalmente, o candidato e viola

TROCHEE por formar um pé iambo.

Há, ainda, um outra estratégia de que dispõe a língua para promover o

padrão paroxítono como não-marcado: é o caso dos hiatos que passam a

ditongos em um processo denominado ditongação. Listamos, em (15), alguns

exemplos retirados do Appendix:

(15)

55. vinea non vinia.

63. cavea non cavia.

72. lancea non lania.

80. solea non solia.

81. calceus non calcius.

117. tinea non [tinia].

131. puella non poella.

141. faseolus non fasiolus

157. linteum non lintium.

153

Em tais exemplos, supomos, com Rodrigues (2007), que a vogal /e/

passa a glide /i/, principalmente em início de hiato, formando ditongos, que

tendem a regularizar o acento proparoxítono clássico para o paroxítono vulgar.

Em termos métricos, consideraremos que o glide preenche uma posição no

onset da sílaba, tornando-o complexo, mas não conferindo peso à mesma. Em

(16), veremos a atuação das restrições para esses casos:

(16) Trissílabo que passa a dissílabo por ditongação

Solea – sandália

Solea TROCHEE ALLFT – RIGHT PARSE- σ

☞a. {(solya)}

b. {(so)(lea)} *! *

c. {(sole)a} *! *

d. {(sole)a} *! * *

e. {(solya)} *!

f. {so(lea)} *!

Nesse tipo de vocábulo, verificamos que, a fim de satisfazer as

demandas métricas, ocorre o alteamento da vogal média com a conseqüente

formação de um ditongo. É claro que essa alteração é fortemente proibida pelo

restritor de fidelidade IDENT (nesse caso, IDENT[mid] – que requer fidelidade

para as vogais médias do input), mas, como ressaltado, na variedade dita

vulgar, MARCAÇÃO >> FIDELIDADE.

154

Em (16), os candidatos b, d e e são eliminados por não formarem pé

troqueu. Já o candidato c respeita essa restrição, mas o pé não se encontra

alinhado com a borda direita da palavra e esse concorrente é eliminado por

ALLFT-RIGHT, que ainda viola PARSE por não ter uma sílaba integrada a pé.

A decisão fica entre os candidatos a e f, que, até o momento, respeitaram as

restrições mais altas da hierarquia. São, então, analisados pela restrição

PARSE e o candidato f é eliminado por possuir a primeira sílaba desgarrada,

emergindo o candidato a como vencedor da disputa. Passemos, agora, à

análise de um caso apontado pelos gramáticos históricos como de efetiva

mudança acentual: a diástole (deslocamento de acento para a sílaba seguinte).

Exemplifiquemos essa situação com integru.

(17) Proparoxítono que passa a paroxítono

Integru – inteiro

Integru

TROCHEE ALLFT – RIGHT PARSE- σ

☞a. {in(tegru)} *

b. {(inte)gru} *! * *

c. {(in)(tegru))} *!

d. {(inte)gru)} *! * *

e. {(in(tegru)} *! *

f. {(in)(tegru)} *!

155

Esse é o último caso em que ocorre modificação na posição do acento

proparoxítono clássico para o paroxítono vulgar e que é amplamente atestado.

Como integru, temos também colubra e tenebra. Vemos, no tableau em (18), a

seleção do candidato a, que apresenta pé troqueu margeado à direita da

palavra prosódica, violando apenas PARSE por não apresentar a primeira

sílaba integrada a um pé. Os candidatos b, d e e infringem TROCHEE e são

eliminados da disputa; já c e f violam ALLFT-RIGHT e também são eliminados.

Uma vez estabelecido o papel dos principais restritores envolvidos na

aplicação do acento primário no latim vulgar, passaremos ao estudo dos

restritores que não possuem mais relevância e, por esse motivo, foram

demovidos da hierarquia proposta. Em seguida, apresentaremos

considerações acerca do Princípio do Contorno Obrigatório e da conseqüente

atuação do processo de apócope que, possivelmente, levou à existência de

formações oxítonas já no latim vulgar.

Iniciaremos com a restrição *EDGEMOST (σstr , L) que atua rejeitando

termos com acento na borda esquerda da palavra. No latim clássico, essa

restrição evitava a aplicação do acento na borda esquerda de termos

polissilábicos, fora, portanto, dos limites admitidos para a presença da sílaba

tônica e, ainda, impedia o deslocamento do acento paroxítono para

proparoxítono em trissílabos com antepenúltima e penúltima sílabas pesadas,

como exemplificado, no capítulo 5, com o termo Plūmbātŭm.

Isso não é mais relevante no latim vulgar, uma vez que os vocábulos

proparoxítonos, oriundos de empréstimos e cristalizações lexicais, apresentam

essa informação no nível subjacente. Desse modo, a restrição de fidelidade

acentual STRESSFAITH domina todas as demais restrições de marcação

156

consideradas até o momento. Já no que se refere às formações polissilábicas,

as restrições métricas atuarão no sentido de evitar que pés métricos sejam

formados na borda esquerda da palavra e, com isso, não há também contexto

para atuação de *EDGEMOST (σstr , L).

Como demonstramos no capítulo anterior, a sensibilidade ao peso da

penúltima sílaba dos vocábulos representava, no latim clássico, a condição

básica para a aplicação do acento. A perda da quantidade vocálica e a

insensibilidade ao peso da penúltima sílaba, no latim vulgar, resultam na

demoção da restrição WTS. Esse restritor, como já sabemos, requer que toda

sílaba pesada seja acentuada.

Em outras palavras, o que era considerado elemento essencial para o

estabelecimento da posição do acento primário deixa de existir, havendo uma

conseqüente perda de status da restrição atuante para a garantia daquela

condição. Como conseqüência, WTS, além de *EDGEMOST (σstr , L), passa a

atuar como “restrição oculta não-ranqueada”, nos termos de Hutton (1996), e

não participa mais das decisões para a escolha do candidato ótimo. Até o

momento, essa é nossa mais clara evidência do processo de mudança do

acento no latim vulgar. Passemos, então, à próxima restrição de marcação.

A restrição *EDGEMOST(σstr, R) era altamente relevante no latim

clássico devido à ausência categórica de termos oxítonos, sendo ranqueada

logo após TROCHEE e antecedendo WTS. Dessa maneira, essa ordem de

prioridades (a) dava visibilidade ao peso da penúltima sílaba, (b) favorecia a

formação do pé trocaico e (c) impedia que sílabas pesadas finais atraíssem o

acento. Com a possível emergência de oxítonas, criadas a partir da queda de

[e] final após segmento coronal (CUNHA & CARDOSO, 1969), essa restrição

157

perde toda sua força, uma vez que sílabas finais pesadas terão a mesma

visibilidade que sílabas finais leves. Assumimos, em nossa pesquisa, a

possibilidade de tais termos já existirem no latim vulgar e, portanto, propomos

uma hierarquia de restrições que possivelmente já atuava, formando não

somente termos paroxítonos, mas também oxítonos por intermédio da ação de

processos fonológicos como a apócope. Dessa maneira, consideramos a

existência de termos como capitane > capitan; sine > sin; fidele > fidel já no

laitm vulgar, como demonstraremos mais adiante.

Resta, ainda, ALLFOOT-LEFT que atuava em vocábulos trissilábicos

com sílabas leves, como lĕpĭdă, lĕpŏrĕ e cŏlŭbră. Esse restritor conduzia à

formação do pé métrico na borda esquerda da palavra, a fim de garantir o

acento proparoxítono nesses termos – uma vez que tais formas não

apresentam sílabas pesadas, a referência para aplicação do acento se perde,

havendo a necessidade de orientar o posicionamento da formação do pé

métrico, no caso, à esquerda da palavra prosódica. Também esse restritor é

demovido de sua posição na hierarquia, devido ao posicionamento do pé

métrico trocaico ser totalmente voltado para a margem direita da palavra no

latim vulgar.

Disso resulta que as restrições *EDGEMOST (σstr , L), *EDGEMOST

(σstr , R), ALLFOOT-LEFT e WTS foram demovidas com a perda total de sua

atuação na seleção de candidatos ótimos e, portanto, todas estão ranqueadas

na área mais abaixo da hierarquia. Como não há dominância entre tais

restritores devido à sua inatividade, delimitamos as suas fornteiras pelo

pontilhado, indicando que não há relação de dominância entre elas. Assim

sendo, continuam atuando no latim vulgar ROOTING, TROCHEE e PARSE-σ.

158

A fim de ilustrar essas informações, apresentamos, em (18), o

ranqueamento atualizado até o momento, incluindo todas as restrições, além

de um tableau completo, em (19):

(18) ROOTING >> STRESSFAITH >> TROCHEE >> ALLFOOT-RIGHT >>

PARSE-σ >> *EDGEMOST (σstr , L) = *EDGEMOST (σstr , R) = ALLFOOT-

LEFT = WTS

O sinal >> indica a relação de dominância entre as restrições, enquanto

o sinal = indica que as mesmas atuam em conjunto não apresentando

dominância entre si. Uma vez que a ordenação das restrições demovidas não é

mais relevante em nossa análise, optamos por representá-las como não-

dominadas, reforçando o fato de que não mais atuam na língua, conforme já

afirmamos anteriormente. Vejam-se as avaliações feitas no tableau a seguir:

(19)

Vernaculus – vernáculo

Vernaculu[s] ROOTING STRESS FAITH

TROCHEE ALLFT - RIGHT

PARSE-

σ

*EDGEMOST (σstr, L)

*EDGEMOST (σstr, R)

WTS ALLFT - LEFT

☞a. {ver(naclu)} * * *

b. {(ver)(nacu)lu} *!* * * *

c. {ver(nacu)lu} *! ** * *

d. {(ver)na(culu)} *! * * *

e. {(ver)(naclu)} *! * *

f. {(verna)(clu)} *! * * *

159

O tableau acima apresenta os mesmos candidatos avaliados em (12),

além de todas as restrições contidas em nossa hierarquia. Percebemos,

claramente, que as restrições finais não apresentam nenhuma relevância na

decisão do candidato vencedor, mesmo que sejam infringidas. Por outro lado,

as restrições mais altas na hierarquia – ROOTING, que regula a presença do

acento em todas as formações, e STRESSFAITH, que regula o acento apenas

nas proparoxítonas – não são infringidas em momento algum.

Passaremos, agora, a considerar a possibilidade da existência de termos

oxítonos, pelos motivos já expostos anteriormente, e verificaremos quais as

conseqüências dessa medida em nossa hierarquia.

(20) Paroxítono que passou a oxítono por apócope

Fidele – fiel.

Fidele

TROCHEE ALLFT – RIGHT PARSE- σ

☞a.{fi(del)} *

b. {(fi)(del)} *! *

☞c. {fi(dele)} *

d. {(fide)le} *! * *

e. {(fide)le} *! *

f. {fide)(lê)} *! *

Observamos que a aplicação da hierarquia proposta não é eficiente

quando consideramos a presença de oxítonas no latim vulgar. Em (20), os

candidatos a e c emergem como ótimos, uma vez que os demais são

160

eliminados pelas duas restrições ranqueadas mais acima de PARSE. Ambas

as formações selecionadas apresentam pés trocaicos margeados à direita da

palavra prosódica, além de possuírem uma sílaba não integrada a pé métrico.

Podemos concluir, a partir dessa seleção, que, se o apagamento da

vogal media final não for permitido no latim vulgar para tais vocábulos, uma

restrição de fidelidade estará altamente hierarquizada, dominando as restrições

de marcação. Conseqüentemente, isso impedirá a emergência de candidatos

como a e b, em que ocorre o apagamento do segmento final. O resultado da

análise, portanto, seria a seleção do candidato ótimo c, adequado para essa

hipótese. Isso comprova que nossa hierarquia é funcional para todos os termos

da língua latina que se encontram em conformidade com o padrão não-

marcado paroxítono.

O nosso problema, entretanto, está na possibilidade de admitimos que

formações mais marcadas, como as oxítonas, possam emergir como ótimas,

competindo com as formas menos marcadas na língua. É isso, justamente, o

que está configurado em (20) e, nesse caso, teremos de lançar mão de alguma

restrição de marcação, altamente hierarquizada, que atue no sentido de

permitir deleções de segmentos específicos em posição final e que,

conseqüentemente, gere a emergência do padrão oxítono. Da mesma forma

que nos casos atestados de síncope, com a apócope, a sílaba acentuada

permanece a mesma do latim clássico, havendo, para esse último caso,

apenas uma modificação do padrão acentual de paroxítono para oxítono com a

ressilabificação em coda da lateral que flutua após o apagamento do núcleo ao

que se vinculava.

161

A partir das considerações teóricas já apresentadas e da análise dos

dados desde o latim clássico até o português atual, verificamos que o processo

de apócope se realiza no sentido de eliminar a contigüidade de elementos

adjacentes que possuem traços idênticos. Esse é um princípio inicialmente

utilizado pela Fonologia Autossegmental, denominado OCP (Obligatory

Countor Principle), Princípio do Contorno Obrigatório, para resolver problemas

tonais. Inicialmente proposto por Leben (1973), OCP proibia tons iguais

adjacentes na representação lexical dos morfemas, tendo sido, posteriormente,

estendido, por McCarthy (1986), a qualquer seqüência de dois segmentos ou

traços iguais e contíguos (cf. CAGLIARI, 2002:146 e MATZENAUER, 2005:66).

Esse princípio está representado na TO pela família de restrições denominada

OCP, que definimos da seguinte forma para o caso em questão:

OCPcoronal, +contínuo]PWd – segmentos adjacentes coronais e contínuos são

proibidos no final da palavra prosódica.

Tal restrição atuará no sentido de impedir que elementos com traços

[+coronal] e [+contínuo]35 sejam adjacentes na borda direita da palavra

prosódica. Estão incluídas, nesse caso, as sibilantes e as soantes alveolares

em contexto de vogal anterior, em termos como muliere > mulier, fine > fin,

fidele > fidel, cruce > cruz, etc. Passaremos, então, a analisar, nos tableaux em

(21), (22) e (23), a atuação de tal restritor em nossa hierarquia:

35 Os traços aqui utilizados, embora tenham sido motivados de abordagens ditas “clássicas”, são os encontrados no modelo de Geometria de Traços de Clements & Hume (1995).

162

(21) Trissílabo paroxítono que passa a dissílabo oxítono por apócope

Fidele – fiel.

Fidele

TROCHEE OCP ALLFT – RIGHT PARSE- σ

☞a.{fi(del)} *

b. {(fi)(del)} *! *

c. {fi(dele)} *! *

d. {(fide)le} *! * * *

e. {(fide)le} *! * *

f. {fide)(le)} *! * *

Vemos, por (21), que a restrição OCP atua de modo decisivo na seleção

do candidato vencedor a, uma vez que o candidato oponente c infringiu OCP

por apresentar a soante alveolar [l] seguida da vogal anterior [e] em contexto

de final de palavra, tendo sido, portanto, eliminado da disputa. Testamos,

ainda, a formação polissilábica em (22) e obtivemos os seguintes resultados:

163

(22) Polissílabo paroxítono que passa a trissílabo oxítono por apócope

Capitane – capitão

Capitane

TROCHEE OCP ALLFT – RIGHT PARSE- σ

☞a. {capi(tan)} **

b.{(capi)(tane)} *! * *

c.{(capi)(tan)} *!

d.{(capi)(tan)} *!

e. {(capi)(tane)} *! *

f.{(capi)(tan)} *! *

Verificamos em (22), que, da mesma forma que em todas as nossas

análises, o candidato vencedor é aquele que apresenta um pé à direita da

palavra, independentemente de haver a possibilidade de se formarem outros

pés trocaicos. Os candidatos b e f formam pés iâmbicos e são eliminados logo

no início da disputa por TROCHEE. OCP é violada por b, já eliminado, e por e,

de modo fatal. Continuam os candidatos a, c e d, sendo que a restrição ALLFT-

RIGHT elimina c e d por ambos apresentarem pés não alinhados com a borda

direita da palavra. Finalmente, temos o candidato ótimo a emergindo, mesmo

violando PARSE duas vezes.

Resta, ainda, verificarmos um último caso. Supondo a atuação conjunta

dos processos de ditongação e apócope em termos como muliere > mulyer,

testamos mais uma vez nossa hierarquia e obtivemos os seguintes resultados,

apresentados no tableau (23):

164

(23) Polissílabo proparoxítono que passa a dissílabo oxítono pela ação de dois

processos fonológicos

Muliere – mulher

Muliere

TROCHEE OCP ALLFT – RIGHT PARSE- σ

☞a. mu(lyer) *

b. (mulyer) *!

c. (muli)(ere) *! *

d.(muli)(er) *!

e.muli(er) **!

f.mu(lyere) *!

A hierarquia de restrições proposta levou à seleção do candidato

adequado e, portanto, se mostrou eficiente na análise de formações que

apresentam a atuação de mais de um processo fonológico. Em (23),

verificamos que todas as restrições são relevantes na seleção do candidato

vencedor. A violação à TROCHEE elimina o candidato b, que possui pé

trimoraico com proeminência à direita. Já c e f violam, uma vez cada, a

restrição OCP, devido ao fato de os segmentos finais adjacentes <re>

possuírem os mesmos traços [+coronal] e [+contínuo]. O candidato c também

viola ALLFT-RIGHT juntamente com d, que é eliminado da disputa. Como c já

tinha sido eliminado, essa violação não foi relevante para ele. Restam, então,

dois competidores, a e f, e apenas a restrição PARSE. Ambos os candidatos

apresentam sílabas não integradas a pés, sendo que o candidato a viola

165

apenas uma vez a restrição e o candidato f a viola duas vezes por apresentar

duas sílabas não integradas.

6. Resumo do capítulo e sistematização da proposta

Chegamos ao final do estudo do acento na variedade vulgar do latim e

apresentamos, em (24), a seguir, nossa proposta de hierarquia, que reflete a

atuação de todos os aspectos envolvidos diretamente com o tema:

(24) ROOTING >> STRESSFAITH >> TROCHEE >> OCP >> ALLFOOT-

RIGHT >> PARSE-σ >> *EDGEMOST (σstr , L) = *EDGEMOST (σstr , R) =

ALLFOOT-LEFT = WTS

Ao analisarmos essa hierarquia final, podemos perceber que a restrição

ROOTING é mais altamente cotada, a fim de garantir que o acento primário

seja aplicado a todos os termos de conteúdo lexical. Em nosso caso, os termos

em questão são os não-verbos latinos. Tal fato ocorre, também, na hierarquia

proposta para o latim clássico, conforme podemos verificar em (27) ao final

dessa seção.

Outra restrição extremamente relevante para a língua é STRESSFAITH,

uma vez que tal restritor de fidelidade atua no sentido de evitar que os termos

proparoxítonos, oriundos de empréstimos ou de cristalizações lexicais, se

conformem ao padrão acentual não-marcado paroxítono. Já que tanto

ROOTING quanto STRESSFATH são de aplicação categórica na língua, essas

não foram apresentadas nas análises de nossos tableaux ao longo do capítulo.

166

Como dissemos anteriormente, podemos adotar duas posturas em

relação às palavras oxítonas no latim vulgar; uma é aquela que admite a

existência de tais termos e a outra é aquela que não situa no latim o

aparecimento de tais termos. Procuramos, então, verificar as possíveis

conseqüências para nossa hierarquia em se admitir a existência de oxítonas já

nessa variedade da língua. Desse modo, a restrição OCP, uma restrição de

marcação que atua no sentido de evitar a contigüidade de segmentos

portadores de traços idênticos, passa a figurar em nosso ranking. A partir das

evidências apresentadas ao longo de nossa pesquisa, verificamos que a

presença de segmentos contíguos em final de palavra que compartilham os

traços contínuo e coronal tendem ao apagamento do segmento que ocupa a

última posição, com a conseqüente formação de vocábulos com proeminência

acentual final.

A relevância dessa restrição para nossa analise está no fato de que

todas as modificações segmentais que atestadamente ocorreram no latim

vulgar promoveram o estabelecimento do padrão acentual não-marcado

paroxítono. OCP, ao contrario, atua no sentido de promover a existência de

termos oxítonos na língua, que, obviamente, seriam considerados marcados.

Muito importante, porem, é verificar que, embora atue no referido sentido, essa

restrição continua a privilegiar o estabelecimento do padrão trocaico na língua,

sendo que, nesse caso, o pé trocaico se situa na útlima sílaba pesada dos

vocábulos. Tal fato indica que a possibilidade de existência de oxítonas no

latim vulgar não contraria uma tendência geral dessa variedade, que é,

justamente, a manutenção de um pé trocaico alinhado na borda direita dos

vocábulos. Aliás, é justamente o que OCP, nesses vocábulos, ajuda a

167

promover: desfaz o pé trocaico constituído por duas sílabas e o torna

monossilábico, mas ainda trocaico, mantendo o acento, como ocorreu com os

demais termos que passaram por processos de perdas segmentais, na mesma

posição que anteriormente ocupavam.

Feitas essas observações, passamos a admitir a segunda hipótese de

nosso estudo. Não havendo oxítonas no latim vulgar, a hierarquia que

propomos passa a ser a demonstrada em (25) abaixo:

(25) ROOTING >> STRESSFAITH >> TROCHEE >> ALLFOOT-RIGHT >>

PARSE-σ >> *EDGEMOST (σstr , L) = *EDGEMOST (σstr , R) = ALLFOOT-

LEFT = WTS

Já observamos, entretanto, a relevância das duas primeiras restrições.

Resta-nos agora verificar as demais, o que nos leva a perceber que os quatro

últimos restritores não são atuantes na variedade vulgar. Desse modo,

retirando todos os restritores finais, que foram atuantes na variedade clássica

do latim além daquelas de atuação categórica, ficamos com a hierarquia

apresentada em (26):

(26) TROCHEE >> ALLFOOT-RIGHT >> PARSE-σ

É efetivamente essa hierarquia, extremamente reduzida e econômica, a

responsável pela aplicação do acento primário em não-verbos latinos. Notemos

que a interação entre essas restrições atua promovendo a formação de um

constituinte prosódico, o pé troqueu, posicionado na borda direita da palavra.

168

Tal fato é extremamente relevante, quando lembramos que alguns vocábulos

do latim vulgar se tornaram mais complexos em termos de conformação da

estrutura silábica do que eram no latim clássico, mas mantiveram a posição do

acento inalterada, ou seja, o mantiveram na mesma sílaba. A hierarquia

mostrada em (26) ilustra essa “preocupação” da língua em manter o padrão

acentual não-marcado (paroxítono) mesmo que isso afete a materialidade dos

vocáculos. Isso também explica o fato de que não temos restrições que atuem

nesse nível em nossa hierarquia. Todas foram demovidas, e, dessa maneira,

favoreceram o processo de mudança da acentuação latina.

Das quatro restrições demovidas, as duas restrições da família

EDGEMOST evitam a presença do acento nas bordas da palavra e WTS dá

visibilidade a sílabas pesadas. São todas restrições que atuam no nível

superficial da língua. A única restrição que atua em termos de alinhamento de

um constituinte prosódico é ALLFT-LEFT, mas precisa ser demovido, uma vez

que atua justamente no sentido de favorecer o posicionamento do pé (trocaico)

na borda esquerda do vocábulo e, conseqüentemente, favoreceria a formação

de termos proparoxítonos, não mais produtivos no latim vulgar.

Aproximando as duas hierarquias, temos, em (27) e (28), uma visão do

conjunto de restrições e podemos perceber na “linguagem” da Otimalidade, a

manifestação da mudança lingüística ocorrida no latim vulgar para a aplicação

do acento primário. Fica evidente a demoção de restrições anteriormente ativas

e a atuação de dois novos restritores, conforme já demonstramos ao longo do

capítulo e nessas considerações finais.

169

(27) ROOTING >> TROQUEU >> *EDGEMOST (σstr , R) >> WTS >>

PARSE-σ >> ALLFOOT-LEFT >> *EDGEMOST (σstr , L)

(28) ROOTING >> STRESSFAITH >> TROCHEE >> OCP >> ALLFOOT-

RIGHT >> PARSE-σ >> *EDGEMOST (σstr , L) = *EDGEMOST (σstr , R) =

ALLFOOT-LEFT = WTS

Chegamos, assim, ao final do estudo do acento na variedade vulgar do

latim e apresentamos, em (28), nossa proposta de hierarquia final, que reflete a

atuação de todos os aspectos envolvidos diretamente com o tema. A fim de

estabelecer os mecanismos utilizados na determinação do processo de

mudança, consideramos as restrições relevantes na análise do mesmo

fenômeno no latim clássico e depreendemos que a demoção de restritores é o

mecanismo responsável por tal processo na aplicação do acento do latim

clássico para o latim vulgar, conforme analisamos anteriormente, e conforme

podemos constatar pela comparação final dos ranqueamentos: em (27), para o

latim clássico, e em (28), para o latim vulgar.

170

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa pesquisa teve como principal objetivo analisar a mudança

ocorrida na aplicação do acento primário em não-verbos latinos na perspectiva

da Teoria da Otimalidade. Para que esse objetivo fosse alcançado, buscamos

caracterizar nosso objeto de estudo, já no capítulo inicial do trabalho, de modo

a ir além da definição do termo em seu conceito usualmente adotado nos

compêndios tradicionais e de sua análise sob tal enfoque.

Compreendemos a Teoria da Otimalidade como um desdobramento das

teorias de base gerativa e, com isso, fizemos uma retrospectiva teórica,

partindo da abordagem estruturalista de Camara Jr. (1970) para, em seguida,

estudarmos duas abordagens com fundamentação gerativa, a Fonologia

Métrica, através da proposta de Bisol (1992), e a Fonologia Lexical, através de

proposta de Lee (1995). Ambas utilizam regras para a determinação do acento

primário em não-verbos, diferentemente da TO, como já evidenciamos.

Podemos destacar que a análise otimalista diminui consideravelmente o nível

de abstração existente entre o nível subjacente (input) e o nível de superfície

(output), constituindo mais uma vantagem desse modelo.

Além disso, as Fonologias não-lineares apresentadas lançam mão de

recursos ad hoc, como a extrametricalidade, que torna invisíveis determinados

segmentos, a fim de que filtros e princípios sejam aplicados nos níveis

abstratos intermediários de análise. Isso é eliminado na TO, uma vez que

regras, princípios e filtros têm sua atuação substituída pelas restrições e pela

interação entre as mesmas. Collischonn & Schwindt (2003) denominam de

“uniformidade de análise”.

171

No capítulo teórico, apresentamos as bases que sustentam as

inovadoras propostas da TO: seus princípios, sua concepção gramatical e sua

metodologia de análise. Além disso, complementamos tais informações,

observando o modo como a variação e a mudança são compreendidas e

tratadas no âmbito dessa abordagem teórica.

Definidos o objeto de estudo, em suas características gerais, e o modelo

teórico adotado, passamos a levantar e analisar os aspetos históricos mais

relevantes na constituição do latim, desde a origem mais remota a que temos

acesso, com vistas a definir, de modo mais preciso possível, as variedades

vulgar e clássica do latim com as quais trabalhamos ao longo da pesquisa.

Passamos, então, ao capítulo referente à análise do latim clássico,

variedade escrita e falada pelas classes mais cultas e socialmente dominantes,

no qual analisamos os dados, levantamos as restrições e propusemos um

ranqueamento que se mostrou adequado para a análise do acento nessa

variedade latina.

Consideramos, em nosso último capítulo, a aplicação do acento primário

em não-verbos latinos na língua falada pela plebe nos domínios do Império

Romano. Para tanto, verificamos a pertinência da hierarquia de restrições por

nós proposta frente às principais modificações ocorridas na posição do acento

em sua utilização no latim vulgar, tendo, como contraponto, o latim clássico.

Pressupomos a origem daquele em relação a esse, considerando os

desdobramentos verificados por meio da atuação de processos fonológicos que

agiram no sentido de simplificar e generalizar o padrão trocaico e gerar, como

não-marcadas, formações paroxítonas, em detrimento das proparoxítonas. Tal

movimento, contudo, não levou, necessariamente, a uma simplificação em

172

relação aos segmentos que compõem os vocábulos. É certo que a perda da

duração vocálica atuou nesse sentido, mas, por outro lado, foi substituída por

modificações de timbre.

Percebemos a emergência de sílabas mais complexas, com a formação

de onsets ramificados e codas silábicas, ao analisarmos os termos que

passaram por apócope, síncope ou ditongação – esses dois últimos processos

amplamente atestados como atuantes no latim vulgar pela bibliografia

consultada. Certamente, se o próprio Appendix Probi, considerado uma das

fontes primárias mais confiáveis, registra as modificações segmentais ocorridas

entre as formas do latim clássico, modelo de correção, e as formas do latim

vulgar, supostamente consideradas modificações indesejáveis, não é inviável

supor que uma modalidade tenha se espelhado na outra no que se refere ao

tema por nós estudado.

O espelhamento pressupõe algum grau de antecedência e não

inviabiliza, aliás, preconiza a coexistência de ambas as modalidades, entre as

diversas formas provenientes dessas variedades de língua latina. A metáfora

do espelho nos remete a essa relação de precedência, na medida em que só

se tem a percepção do reflexo de algo, quando esse se antepõe

temporalmente frente ao objeto refletor. Raciocinando em termos otimalistas,

temos dois desdobramentos que se encontram interligados no interior desse

nosso raciocínio e que foram considerados em nossa pesquisa. O primeiro é o

fato de que, provavelmente, as formações do latim clássico levaram ao

estabelecimento do inventário lexical, das formações de input, do latim vulgar.

O segundo está relacionado ao fato de que, se a mudança somente se realiza

plenamente quando o input se modifica, teremos, então, para o latim vulgar, em

173

um dado momento intermediário, a existência de formas de entrada que ainda

se pautam no modelo clássico. Só a partir do momento em que as referências

para a constituição do input não forem mais as formações clássicas é que o

“espelho muda de posição” e o latim vulgar passa a produzir unicamente

“formas a partir de suas formas”, espelhando-se em si próprio na obtenção de

referências que lhe servirão, ou não, para a geração de novas formações de

input e que gerarão, ou não, novas formações no output, só que, dessa vez,

não mais reflexos de um “outro” latim.

Em outras palavras, consideramos, no presente trabalho, as formações

do latim clássico ainda presentes no input, como uma maneira de demarcar

essa relação entre as duas modalidades. Destacamos, no entanto, que a

mudança no latim vulgar se consolida, em termos otimalistas, apenas quando

ocorrer a mudança do input, ou seja, quando as formas de output, que são as

formas fonéticas que alimentam constantemente o inventário lexical, não mais

forem aquelas provenientes do latim clássico.

Demarcamos, nas seções iniciais do capítulo 6, os pontos mais

relevantes no estudo do acento lexical em não-verbos do latim vulgar e

propomos um conjunto de restrições hierarquizadas. Ao longo de nossa

explanação sobre o tema, buscamos destacar os pontos que aproximam e

afastam ambas as variedades latinas. Desse modo, buscamos verificar quais

foram os mecanismos fornecidos pela TO para dar conta da mudança na

aplicação do acento e vimos, de modo claro, que a demoção de restrições,

anteriormente ativas no latim clássico e que não mais atuam no latim vulgar,

indicia o fato de que a mudança na aplicação do acento se processou.

Também a promoção de restrições explica a diferença entre os dois “latins”, no

174

que diz respeito à localização da sílaba tônica. O restritor ALL-FOOT RIGHT,

não atuante na variedade culta, por conta da inatividade da sílaba final para a

formação de pés métricos, passa a ser um dos mais relevantes na variedade

dita “vulgar”. Assim, por força da obediência a essa nova demanda, os pés

passam a se formar da direita para a esquerda e, com isso, sílabas finais,

geralmente monomoraicas, são anexadas como membro fraco de um pé com

proeminência inicial, caracterizando os vocábulos como paroxítonos.

Por conta da demoção de *EDGEMOST-right e da promoção de ALL-

FOOT RIGHT, sílabas finais também podem, quando resultantes de um

processo de apócope da vogal [e] na borda direita da palavra fonológica,

sozinhas, formar um troqueu moraico. Quando atua esse processo segmental,

motivado pela total obediência a um restritor da família OCP (OCPcoronal), a

sílaba final pode se tornar proeminente, o que, acreditamos, deu origem ao

acento oxítono. Esperamos, dessa forma, ter contribuído com o presente

trabalho para os estudos fonológicos de fundamentação otimalista.

175

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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