Transcript
Page 1: Novos registros sobre deformidades de bicos em aves ... · de bicos em aves brasileiras Thiago de Oliveira Souza1, Luciano de Faria Silva2, ... que não apresentava dificuldades na

Atualidades Ornitológicas, 192, julho e agosto de 2016 - www.ao.com.br50

Novos registros sobre deformidades de bicos em aves brasileiras

Thiago de Oliveira Souza1, Luciano de Faria Silva2, Christian Regis da Silva3

Deformidades em bicos já foram registradas em várias espé-cies de aves de todo o mundo (Vasconcelos & Rodrigues 2006, Ortiz 2011). Entretanto, raramente são relatadas (Sogge & Pax-ton 2000), uma vez que menos de 0,5% das aves apresentam essa alteração (Pomeroy 1962). Tal anomalia geralmente é re-presentada pelo alongamento ou encurtamento da maxila ou mandíbula, que também podem se cruzar lateralmente ou ver-ticalmente, impedindo uma disposição correta (Pomeroy 1962, Sogge & Paxton 2000). Caso alinhadas, maxila e mandíbula po-dem ainda se enrolar, juntas, para cima ou para baixo (Craves 1994). A maior parte dos artigos sobre deformidades de bicos são provenientes de estudos ocorridos em regiões temperadas (Johnson 1929, Hodges 1952, Batts 1954, Morton 1963, Parkes 1969, Sharp & Neill 1979, Fiala 1981, Thompson & Terkanian 1991, Blanco & Tella 1992), sendo raros na região Neotropical (Verea & Verea 2010). Para o Brasil, aparentemente, são encon-trados apenas quatro casos isolados sobre o tema (Vasconcelos & Rodrigues 2006, Ortiz 2011, Rezende 2013, Vitorino & Souza 2013). Sendo assim, este trabalho tem por objetivo apresentar novos registros de indivíduos de aves silvestres brasileiras com deformação no bico.

No dia 17 de julho de 2010, um indivíduo de Tangara sayaca (Linnaeus, 1766) (Passeriformes: Thraupidae) foi fotografado no município de Piraju/SP (23°11’43”S, 49°23’12”W). A ave apresentava a maxila alongada e virada para o alto (Figura 1). Apesar da má formação, esta conseguia se alimentar normal-mente de uma banana depositada em um comedouro para tal finalidade (D. Sanches 2016, com. pess.).

Dia 16 de dezembro de 2010, dois indivíduos de Tangara or-nata (Sparrman, 1789) (Passeriformes: Thraupidae) foram regis-trados em Ubatuba/SP (23°29’38”S, 45°04’06”W). Entre esses, um apresentava o cruzamento da maxila para o lado esquerdo, em relação à mandíbula (Figura 2). A ave, aparentemente saudá-vel, foi visualizada frequentando comedouros com frutas, sendo que não apresentava dificuldades na alimentação, em compara-ção ao exemplar com o bico normal (E. Laura 2016, com. pess.).

Em 27 de dezembro de 2010, um bando de aproximadamente 20 Coragyps atratus (Bechstein, 1793) (Cathartiformes: Cathar-tidae) foi registrado no Aterro Sanitário da cidade de Colinas do Tocantins/TO (08°02’05”S, 48°29’43W). Entre as aves presen-tes, uma exibia tanto a maxila quanto a mandíbula totalmente descaracterizadas (Figura 3). Esta não foi presenciada se alimen-tando, sendo que, com a aproximação do observador, a ave alçou voo, não permitindo observações mais detalhadas (W. Pascoal 2016, com. pess.).

Figura 1. Tangara sayaca (Foto: Dario Sanches)

Figura 2. Tangara ornata (Foto: Elsie Laura).

Figura 3. Coragyps atratus (Foto: Wanieulli Pascoal).

Page 2: Novos registros sobre deformidades de bicos em aves ... · de bicos em aves brasileiras Thiago de Oliveira Souza1, Luciano de Faria Silva2, ... que não apresentava dificuldades na

Atualidades Ornitológicas, 192, julho e agosto de 2016 - www.ao.com.br 51

Dia 23 de maio de 2011, um bando composto por cinco indiví-duos de Myiopsitta monachus (Boddaert, 1783) (Psittaciformes: Psittacidae) foi registrado em um bairro rural do município de São Roque/SP (23º31’45”S, 47º08’07”W). Entre as aves presen-ciadas, uma exibia o prolongamento da maxila (Figura 4), sendo diferente dos outros exemplares do grupo. Apesar da dificuldade em se alimentar, aparentava estar forte e saudável (F. Patto 2016, com. pess.).

No dia 07 de julho de 2011, outro indivíduo de M. monachus com prolongamento da maxila (Figura 5) foi registrado no entor-no da Pousada Araras Ecolodge, em Poconé/MT (16º30’42”S, 56º42’39”W). A ave estava acompanhada de outros indivíduos, entretanto, apenas ela apresentava tal deformação. Não foi ob-servada se alimentando, mas aparentemente estava saudável (E. Endrigo 2016, com. pess.).

Em 15 de junho de 2011, um bando de aproximadamente seis indivíduos de Mimus saturninus (Lichtenstein, 1823) (Passeri-formes: Mimidae) foi registrado no campus do Centro Univer-sitário Adventista de São Paulo, no município de Engenheiro Coelho/SP (22°30’16”S, 47°09’53”W). Entre os espécimes, um apresentava a mandíbula totalmente desviada para o lado es-querdo e região dorsal do crânio (Figura 6). A ave, de certa for-ma, tinha dificuldades na alimentação, sendo que usava a língua para a ingestão de alguns insetos (R. Sorvilho 2016, com. pess.).

No dia 06 de novembro de 2011, um indivíduo de Ram-phastos tucanos Linnaeus, 1758 (Piciformes: Ramphastidae) foi fotografado no município de Comodoro/MT (13°43’33”S, 60°21’09”W). Tal exemplar apresentava encurtamento da man-díbula (Figura 7). Esse foi presenciado solitário em uma área de mata com indivíduos arbóreos superiores a 10 m. Não foi obser-vado se alimentando, mas demonstrava estar saudável (T.O.S., obs. pess.).

No dia 22 de fevereiro de 2012, um indivíduo macho de Perc-nostola rufifrons (Gmelin, 1789) (Passeriformes: Thamnophili-dae) foi capturado através da metodologia de redes de neblina em uma área de Floresta Ombrófila Aberta no município de Curuá/PA (01º31’52”S, 55º12’12”W). O indivíduo, aparentemente sau-dável, apresentava a maxila encurtada, sem a extremidade, além da mandíbula presumivelmente alongada e levemente curvada para a direita e para baixo (Figura 8) (L.F.S., obs. pess.).

Em 26 de maio de 2012, uma fêmea de Thamnophilus torqua-tus Swainson, 1825 (Passeriformes: Thamnophilidae) foi foto-grafada em uma área alagada, próxima de campo rupestre, no município de Santo Antônio do Monte/MG. A ave apresentava a maxila com uma pequena curvatura para o lado esquerdo, em

Figura 4. Myiopsitta monachus (Foto: Felipe Patto).

Figura 5. Myiopsitta monachus (Foto: Edson Endrigo).

Figura 6. Mimus saturninus (Foto: Rogério Sorvillo).

Figura 7. Ramphastos tucanos (Foto: Thiago Souza).

Figura 8. Percnostola rufifrons (Foto: Luciano Faria).

Page 3: Novos registros sobre deformidades de bicos em aves ... · de bicos em aves brasileiras Thiago de Oliveira Souza1, Luciano de Faria Silva2, ... que não apresentava dificuldades na

Atualidades Ornitológicas, 192, julho e agosto de 2016 - www.ao.com.br52

relação à mandíbula (Figura 9). Esta, aparentemente saudável, foi observada juntamente com um indivíduo macho, que apre-sentava o bico em formato normal (P. Couto 2016, com. pess.).

Dia 03 de outubro de 2012, um espécime de Tangara pal-marum (Wied, 1821) (Passeriformes: Thraupidae) foi captura-do através de redes de neblina em uma área de Floresta Om-brófila Aberta com grande abundância de babaçus, na margem esquerda do Rio Madeira, no município de Porto Velho/RO (08°50’25”S, 64°03’48”W). Tal indivíduo, aparentemente sau-dável, apresentava uma fissura na parte central da mandíbula (Figura 10) (T.O.S. obs. pess., L.M., A.P., E.G com.pess.).

No dia 13 de fevereiro de 2013, um indivíduo macho adulto de Galbula ruficauda Cuvier, 1816 (Galbuliformes: Galbulidae) foi capturado através da metodologia de redes de neblina em uma área de Cerrado próxima ao Rio Itiquira, no município de Itiquira/MT (17º05’11”S, 54º49’53”W). O indivíduo, aparente-mente saudável, apresentava a mandíbula acentuadamente cur-vada para a esquerda e a maxila levemente curvada para a direita e ainda nitidamente curvada para baixo (Figura 11AB). Pelos hábitos de alimentação (captura de insetos no ar) que a espécie apresenta, presume-se que este indivíduo possua dificuldades de alimentação bem superiores a um indivíduo com bico normal (L.F.S., obs. pess.).

Dia 16 de março de 2013, um espécime solitário de Ardea alba Linnaeus, 1758 (Pelecaniformes: Ardeidae) foi fotografado na margem do Lago Norte, no Complexo do Barreiro, em Ara-xá/MG (19°38’16”S, 46°57’02”W). A ave apresentava encurta-mento de aproximadamente metade da mandíbula e maxila (Fi-gura 12). Apesar de ser sido registrada forrageando na margem do reservatório, não foi visualizada obtendo sucesso alimentar (P. Nolli 2016, com. pess.).

No dia 21 de junho de 2013, um bando de quatro Pteroglossus aracari (Linnaeus, 1758) (Piciformes: Ramphastidae) foi avis-tado sobrevoando um fragmento florestal no município de Por-ciúncula/RJ (20°59’24”S, 42°01’33”W). Ao pousarem, foi pos-sível notar que um dos indivíduos apresentava na porção distal do bico, um desencontro entre a maxila e mandíbula, de modo a se intercruzarem (Figura 13). O indivíduo, que aparentava estar saudável, vocalizava e seguia acompanhando o bando para outro fragmento adjacente (C.R.S., obs. pess.).

Figura 12. Ardea alba (Foto: Paulo Nolli).

Figura 9. Thamnophilus torquatus (Foto: Paulo Couto).

Figura 10. Tangara palmarum (Foto: Thiago Souza).

Figura 11AB. Galbula ruficauda (Fotos: Luciano Faria).

A

B

Page 4: Novos registros sobre deformidades de bicos em aves ... · de bicos em aves brasileiras Thiago de Oliveira Souza1, Luciano de Faria Silva2, ... que não apresentava dificuldades na

Atualidades Ornitológicas, 192, julho e agosto de 2016 - www.ao.com.br 53

No dia 24 de novembro de 2013, um macho adulto de Sporo-phila nigricollis (Vieillot, 1823) (Passeriformes: Thraupidae) foi capturado pelo método de rede de neblina em um ambiente de borda florestal no município de Conceição do Mato Dentro/MG (18°57’53”S, 43°27’22”W). O espécime evidenciava deforma-ção na rinoteca (revestimento córneo da maxila), como se ambas as narinas se prolongassem até a ponta do bico (Figura 17). A deformidade não o impedia de se alimentar (C.R.S., obs. pess.).

Dia 23 de fevereiro de 2014, uma fêmea de Chrysomus rufica-pillus (Vieillot, 1819) (Passeriformes: Icteridae) foi fotografada em Santo Antônio do Monte/MG (20°00’55”S, 45°16’15”W).

Figura 15. Caccicus haemorrous (Foto: Aureo Guaitolini).

Em 25 de agosto de 2013, um indivíduo solitário de Falco fe-moralis Temminck, 1822 (Falconiformes: Falconidae) foi obser-vado pousado por aproximadamente 30 min no alto de um edi-fício no município de Goiânia/GO (16º40’09”S, 49º14’55”W). Esse apresentava a mandíbula virada para o lado direito e para o alto em relação à maxila, que também era maior se comparado a uma ave com o bico normal (Figura 14). O exemplar apresen-tava mau arranjo da plumagem, o que pode ser julgado, de certa forma, devido a alteração do bico, dificultando na organização da mesma. A ave não foi presenciada se alimentando (A. Men-donça 2016, com. pess.).

Dia 31 de agosto de 2013, um exemplar de Caccicus haemor-rous (Linnaeus, 1766) (Passeriformes: Icteridae), com a ma-xila e mandíbula cruzadas para lados opostos, foi fotografado (Figura 15) em Aracruz/ES (19°55’58”S, 40°07’49”W). Nesta ocasião, apesar da deformidade, foi presenciado que tal ave con-seguia se alimentar sem maiores dificuldades, juntamente dos outros exemplares que compunham o bando (4-5 indivíduos), sendo esses com o bico normal (A. Guaitolini 2016, com. pess.).

Em 14 de setembro de 2013, um espécime de Turdus rufi-ventris Vieillot, 1818 (Passeriformes: Turdidae) foi fotografado no condomínio Chácara Flora, em São Paulo/SP (23°38’50”S, 46°41’21”W). A ave apresentava alongamento da maxila (Fi-gura 16). Entretanto, mesmo com essa deformação, forrageava normalmente, sem maiores dificuldades, aparentando estar sau-dável (E. Laura 2016, com. pess.).

Figura 13. Pteroglossus aracari (Foto: Christian Regis).

Figura 14. Falco femoralis (Foto: André Mendonça).

Figura 16. Turdus rufiventris (Foto: Elsie Laura).

Figura 17. Sporophila nigricollis (Foto: Christian Regis).

Page 5: Novos registros sobre deformidades de bicos em aves ... · de bicos em aves brasileiras Thiago de Oliveira Souza1, Luciano de Faria Silva2, ... que não apresentava dificuldades na

Atualidades Ornitológicas, 192, julho e agosto de 2016 - www.ao.com.br54

Esta apresentava a maxila torcida para o lado esquerdo, em rela-ção à mandíbula, além de curta e virada para baixo (Figura 18). Apesar da anormalidade, a ave não apresentava dificuldades na alimentação (T. Oliveira 2016, com. pess.).

Dia 31 de maio de 2014, um indivíduo de Melanerpes can-didus (Otto, 1796) (Piciformes: Picidae) com encurtamento da mandíbula (Figura 19), foi fotografado na fazenda “Chico Cassiano”, localizada no entorno do Parque Nacional da Ser-ra da Canastra, município de Sacramento/MG (20°12’06”S, 47°07’18”W). Na ocasião, foi presenciado que o exemplar se alimentava com certa dificuldade de abacates colocados em um comedouro no pomar da propriedade. A ave apresentava a plumagem suja e mal organizada, o que poderia ser oriundo do formato do bico, que dificultava na manutenção das penas. Em-bora estivesse sozinha, durante o período em que foi observada, pôde-se ouvir um bando de indivíduos da mesma espécie voca-lizando nas proximidades. De quando em quando, a ave emitia uma vocalização, como que se comunicasse com o restante do grupo (A. Abdala 2016, com. pess.).

Em 03 de outubro de 2015 um indivíduo de Galbula ruficau-da Cuvier, 1816 (Galbuliformes: Galbulidae), com cruzamento lateral de maxila e mandíbula (Figura 20), foi fotografado no município de Goiânia/GO (16°44’10”S, 49°17’33”W). A ave, aparentemente saudável, estava forrageando e não apresentava maiores dificuldades na alimentação (D. Faria 2016, com. pess.).

Dia 15 de outubro de 2015, uma fêmea solitária de Ilicura militaris (Shaw & Nodder, 1809) (Passeriformes: Pipridae) foi registrada no Condomínio Residencial Veredas das Gerais, no município de Nova Lima/MG (20º00’33”S, 43º51’58”W). A ave apresentava a mandíbula com desvio para o lado direito e supe-rior, em relação à maxila (Figura 21). A mesma não foi presen-ciada se alimentando (A. Pimenta 2016, com. pess.).

No dia 06 de abril de 2016 um par de Thectocercus acuticau-datus (Vieillot, 1818) (Psittaciformes: Psittacidae) foi fotogra-fado sobrevoando as áreas da Reserva Biológica de Canudos/BA (09°57’33”S, 39°01’05”W). Entre essas, uma apresentava ausência quase que total da maxila (Figura 22). Por estarem se deslocando, não foi possível obter registros comportamentais mais precisos sobre a ave com deformação (J. Souza 2016, com. pess.).

Em 02 de maio de 2016, um bando com quatro indivíduos de Euphonia violacea (Linnaeus, 1758) (Passeriformes: Fringilli-dae) foi registrado em Ubatuba/SP (23°29’38”S, 45°04’06”W). Entre as aves, uma apresentava o prolongamento da maxila (Fi-gura 23). Apesar da deformação, a ave se alimentava de forma normal, e aparentemente estava saudável (E. Laura 2016, com. pess.).

Dia 25 de maio de 2016 um espécime solitário de Ramphas-tos dicolorus Linnaeus, 1766 (Piciformes: Ramphastidae) foi fotografado em Mairinque/SP (23°36’54”S, 47°14’33”W). Esse

Figura 18. Chrysomus ruficapillus (Foto: Tiago Oliveira).

Figura 19. Melanerpes candidus (Foto: Alessandro Abdala).

Figura 20. Galbula ruficauda (Foto: Daniel Faria).

Figura 21. Ilicura militaris (Foto: Amaury Pimenta).

Figura 22. Thectocercus acuticaudatus (Foto: João Souza).

Page 6: Novos registros sobre deformidades de bicos em aves ... · de bicos em aves brasileiras Thiago de Oliveira Souza1, Luciano de Faria Silva2, ... que não apresentava dificuldades na

Atualidades Ornitológicas, 192, julho e agosto de 2016 - www.ao.com.br 55

apresentava ausência da ponta da maxila (Figura 24) e tinha cer-ta dificuldade em se alimentar, quase que engolindo por inteiro uma banana (J. Adalto 2016, com. pess.).

Ramphastos toco Statius Muller, 1776 (Piciformes: Ramphas-tidae) é uma das espécies mais comuns com ocorrência de de-formidades no bico, sendo que no site WikiAves (http://www.wikiaves.com.br) foram encontrados 20 registros de indivíduos com as mais distintas variações, sendo elas: ausência da ponta da mandíbula (Guedes 2011, Garcia 2010); ausência da ponta da maxila (Cavalheiro 2015, Lima 2011, Faria 2015, Pina 2014, Morante 2011); ausência de aproximadamente metade da man-díbula (Zwarg 2013); ausência de aproximadamente metade da maxila (Formaggio 2015) (Figura 25); ausência de parte da pon-

ta da mandíbula (Batista 2010); ausência de parte superior da maxila (Thomas 2014); deformidade em parte da maxila (Ve-ronese 2014); fissura na ponta da maxila (Santos 2012); furo na maxila (Igual 2016); má formação da ponta da maxila (Diniz 2013, Vampré 2016); maxila e mandíbula viradas para lados opostos (superior e inferior) (Trachta 2010); maxila virada para

o lado esquerdo em relação a mandíbula (Ramos 2009, Badari 2013) (Figura 26) e prolongamento da mandíbula (Vale 2012).

Vale ressaltar que a morfologia do bico atua como forte aspecto de seleção natural (Verea & Verea 2010), sendo que sua deformi-dade pode atuar diretamente na redução do período de vida da ave (Casaux 2004, Marti et al. 2008), comprometendo-a na realização de comportamentos rotineiros, como a manutenção das penas, limpeza e alimentação, que, de certa forma, pode afetar sua saúde e estado nutricional (Clayton et al. 2010, Van Hemert & Handel 2010). Seguindo essa afirmativa, pode-se observar que os indi-víduos aqui relatados, embora apresentem essa anomalia, apa-rentemente estavam saudáveis e, de alguma forma, conseguiam se alimentar. Além disso, por serem indivíduos adultos, pode-se afirmar que obtiveram sucesso alimentar durante a fase crítica de desenvolvimento (Ortiz 2011) e provavelmente conseguirão se reproduzir (Ver Vitorino & Souza 2013). Em compensação, tais aves podem apresentar uma elevada carga de ectoparasitas, uma vez que estudos já comprovaram a maior abundância de ectopa-rasitas em aves com deformidades, se comparado a exemplares normais (Pomeroy 1962, Thompson & Terkanian 1991, Clayton et al 1999). Para os indivíduos aqui apresentados, tal caracterís-tica não foi observada.

Justificar a causa dessas deformidades não é tarefa fácil (Craves 1994, Vitorino & Souza 2013), uma vez que agentes multifatoriais podem favorecer o surgimento dessas más-formações, tais como: doenças, incubação inapropriada, conflitos, ferimentos a tiro, má nu-trição, infecções bacterianas, fúngicas e parasitárias, poluentes am-bientais (químico-radioativos), fatores genéticos ou de desenvolvi-mento, parasitas e acidentes (Pomeroy 1962, Craves 1994, Ritchie et al. 1994, Rupley 1999, Rintoul 2005, Allgayer 2006, Verea & Verea 2010). Além disso, a maior parte das aves que apresentam essas afec-ções vai a óbito prematuramente (Flammer & Clubb 1994, Sogge & Paxton 2000), o que contribui para o desconhecimento dos eventos e/ou descaso sobre o assunto (Srbek-Araujo & Albergaria 2014). A carência de informações sobre o assunto na literatura científica tam-bém é um importante fator que nos impede de esclarecer tal causa. Essa deficiência de relatos científicos evita a compreensão do tema, uma vez que essa lacuna de informações impede a realização de aná-lises comparativas (Barreiro et al. 2002). Portanto, além de relatar tais deformidades em aves brasileiras, a presente comunicação tem por objetivo colaborar para o desenvolvimento de novos estudos re-lacionados ao tema. Recomenda-se, nesse sentido, que em trabalhos futuros seja realizada a coleta e depósito em coleções científicas dos indivíduos portadores dessa deficiência, a fim de que seja possível a realização de análises anatômicas e genéticas, visando o esclareci-mento das causas dessas anormalidades registradas.

Figura 23. Euphonia violacea (Foto: Elsie Laura).

Figura 24. Ramphastos dicolorus (Foto: José Adalto).

Figura 25. Ramphastos toco (Foto: Gabriel Formaggio).

Figura 26. Ramphastos toco (Foto: Beto Ramos).

Page 7: Novos registros sobre deformidades de bicos em aves ... · de bicos em aves brasileiras Thiago de Oliveira Souza1, Luciano de Faria Silva2, ... que não apresentava dificuldades na

Atualidades Ornitológicas, 192, julho e agosto de 2016 - www.ao.com.br56

AgradecimentosSomos gratos aos colaboradores que cederam e permitiram o

uso das imagens que ilustram este trabalho, além de nos reporta-rem seus registros: Dario Sanches, Elsie Laura, Wanieulli Pasco-al, Felipe Patto, Edson Endrigo, Rogério Sorvillo, Paulo Couto, Paulo Nolli, André Mendonça, Aureo Guaitolini, Tiago Oliveira, Alessandro Abdala, Daniel Faria, Amaury Pimenta, João Souza, José Adalto, Gabriel Formaggio e Beto Ramos. Agradecemos também a Luiz Mazzoni, Alyne Perillo, Eduardo Gazzinelli, Thiago Almeida e Breno Vitorino pela companhia em algumas expedições em campo, além dos revisores anônimos da AO pe-las correções e sugestões ao manuscrito.

Referências bibliográficasAllgayer, M.C. (2006) Neonatologia de aves, p. 1128-1141. In: Cubas, Z.S., J.C.R.

Silva & J.L. Catão-Dias (eds). Tratado de Animais Selvagens-Medicina Veterinária. São Paulo: Roca.

Badari, D (2013) [947984, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiA-ves. Disponível em: <www.wikiaves.com/ 947984>. Acesso em: 29 de mar-ço de 2016.

Barreiro A., F.P. Troconiz, M. Vila, A.M. Lopez-Beceiro & J.L Pereira (2002) Congenital Skeletal Abnormalities in a Tawny Owl Chick (Strix aluco). Avian Diseases 47: 774−776.

Batista, E (2010) [184387, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiA-ves. Disponível em: <www.wikiaves.com/ 184387>. Acesso em: 29 de mar-ço de 2016.

Batts, H.L. (1954) An American Bittern with a deformed bill. Wilson Bull 66: 142.

Blanco, G & J.L. Tella (1992). Bill abnormalities in a pair of Black Wheatears Oenanthe leucura. Butlleti del Grup Catala d’Anellament 9: 43-46.

Casaux, R (2004) Beak deformation in an antarctic cormorant phalacrocorax [atri-ceps] bransfieldensis chick. Marine Ornithology 32: 109-110

Cavalheiro, M.A (2015) [1681592, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. Wi-kiAves. Disponível em: <www.wikiaves.com/ 1681592>. Acesso em: 29 de março de 2016.

Clayton, D.H., J.A.H Koop, C.W Harbinson, B.R Moyer & S.E Bush (2010) How birds combat ectoparasites. Open Ornithology Journal 3: 41-71.

Clayton, D.H., P.L.M. Lee., D.M Tompkins & E.D Brodie (1999) Reciprocal nat-ural selection on host-parasite phenotypes. The American Naturalist 154: 261-270

Craves, J.A. (1994) Passerines with deformed bills. North American Bird Band-er 19 (1): 14-18.

Diniz, P (2013) [962969, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiAves. Dis-ponível em: <www.wikiaves.com/962969>. Acesso em: 29 de março de 2016.

Faria, D (2015) [1752446, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiA-ves. Disponível em: <www.wikiaves.com/ 1752446>. Acesso em: 29 de março de 2016.

Fiala, K.L. (1981) Survival of a demaxillate Red-winged Blackbird. Wilson Bul-letin 93: 563-565

Flammer K & S.L Clubb (1994) Neonatology. p. 805–838. In: Ritchie B.W., G.J Harrison & L.R Harrison (eds.) Avian Medicine: principles and applica-tion. Lake Worth, Wingers Publishing.

Formaggio, G (2015) [1618170, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiA-ves. Disponível em: <www.wikiaves.com/ 1618170>. Acesso em: 29 de março de 2016.

Garcia, A (2010) [128551, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiA-ves. Disponível em: <www.wikiaves.com/ 128551>. Acesso em: 29 de mar-ço de 2016.

Guedes, M (2011) [369740, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiA-ves. Disponível em: <www.wikiaves.com/ 369740>. Acesso em: 29 de mar-ço de 2016.

Hodges, J. (1952) Two nestling Robins with abnormal beaks. Condor 54:359.Igual, E.C (2016) [2050053, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiA-

ves. Disponível em: <www.wikiaves.com/ 2050053>. Acesso em: 29 de março de 2016.

Johnson, C.E. (1929) Bill deformity in a Blue Jay. Auk 46: 241-242Lima, B (2011) [342479, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiAves. Dispo-

nível em: <www.wikiaves.com/ 342479>. Acesso em: 29 de março de 2016.Marti, L.J., P.J Bellagamba & N.R Coria (2008) Beak deformation in a southern

giant petrel macronectes giganteus chick. Marine Ornithology 36: 195-196

Morante, J.C (2011) [323522, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiA-ves. Disponível em: <www.wikiaves.com/ 323522>. Acesso em: 29 de mar-ço de 2016.

Morton, E.S. (1963). A partial albino Red-winged Blackbird with a deformed bill. Wilson Bulletin 75: 281.

Ortiz, G.G (2011). Deformidade de bico em um indivíduo de papa-taoca-do-sul, Pyriglena leucoptera (Passeriformes: Thamnophilidae), na Mata Atlântica do Estado de São Paulo, Brasil. Atualidades Ornitológicas 164: 20-21.

Parkes, K.C. (1969) On abnormally crossed mandibles in birds. Wilson Bulletin 81:342.

Pina, F.R (2014) [1563487, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiAves. Dis-ponível em: <www.wikiaves.com/1563487>. Acesso em: 29 de março de 2016.

Pomeroy, D.E (1962) Birds with abnormal bills. British Birds 55: 49-72.Ramos, B (2009) [76829, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiAves. Dis-

ponível em: <www.wikiaves.com/ 76829>. Acesso em: 29 de março de 2016.Rezende, M.A (2013) Um caso de deformidade de bico em tucanuçu Ramphastos

toco em Minas Gerais, Sudeste do Brasil. Atualidades Ornitológicas 174: 22-23.

Rintoul, D.A (2005). Beak deformity in a Brown-headed cowbird, with notes on causes of beak deformities in birds. Kansas Ornithological Society Bul-letin 53 (6): 29-32.

Ritchie B.W., G.J Harrison & L.R Harisson (1994). Avian Medicine: Principles and application. Wingers Publishing, Inc, Lake Worth, Florida.

Rupley A.E (1999) Manual de Clínica Aviária. Roca, São Paulo. Santos, D (2012) [572532, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiA-

ves. Disponível em: <www.wikiaves.com/ 572532>. Acesso em: 29 de mar-ço de 2016.

Sharp, M.S. & R.L Neill (1979). Physical deformities in a population of wintering black birds. Condor 81: 427-430

Sogge, M.K. & E.H Paxton (2000) A summary of observed physical deformi-ties in the Willow Flycatcher: 1996-2000. Geological Survey, Forest and Rangeland Ecosystem Science Center, Colorado Plateau Field Station, Flagstaff, AZ.

Srbek-Araujo, A.C. & V.D.G Albergaria (2014). Atrofia em membros torácicos de Araçari-de-bico-branco (Pteroglossus aracari) em vida livre: relato de caso. Natureza on line 12 (1): 38-40

Thomas, E (2014) [1369254, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiA-ves. Disponível em: <www.wikiaves.com/ 1369254>. Acesso em: 29 de março de 2016.

Thompson, C.W. & B.A Terkanian (1991) Abnormally long bill in a young Curve-billed Thrasher. Journal of Field Ornithology 62: 157-161.

Trachta, D (2010) [101901, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiA-ves. Disponível em: <www.wikiaves.com/101901>. Acesso em: 29 de março de 2016.

Vale, H (2012) [612739, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiAves. Dispo-nível em: <www.wikiaves.com/ 612739>. Acesso em: 29 de março de 2016.

Vampré, P (2016) [2056477, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiA-ves. Disponível em: <www.wikiaves.com/ 2056477>. Acesso em: 29 de março de 2016.

Van-Hemert, C.R. & C.M. Handel (2010) Beak deformities in Northwestern Crows: Evidence of a multispecies epizootic. Auk 127(4): 746-751.

Vasconcelos, M. & Rodrigues, M. (2006). Bill deformity in a Whitewinged Becard (Aves: Suboscines: Tityridae) from Minas Gerais, Brazil. Revista. Brasilei-ra de Ornitologia 14: 165-166.

Verea. C & J.M Verea (2010) Deformidad del pico en el azulejo de jardín Thraupis episcopus (Passeriformes: Thraupidae) de Venezuela. Revista Brasileira de Ornitologia 18(1): 64-67.

Veronese, C (2014) [1282927, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiA-ves. Disponível em: <www.wikiaves.com/ 1282927>. Acesso em: 29 de março de 2016.

Vitorino, B.D & Souza, T.O (2013) Comportamento reprodutivo de um indivíduo de Patagioenas picazuro (Columbidae) com deformidade no bico. Atualida-des Ornitológicas 175: 22

Zwarg, T (2013) [1195493, Ramphastos toco Statius Muller, 1776]. WikiA-ves. Disponível em: <www.wikiaves.com/ 1195493>. Acesso em: 29 de março de 2016.

1 Rua Maria Rita, 425, Santa Maria. CEP 32240-640. Contagem, MG, Brasil. E-mail: [email protected].

² Rua Antônio Santana Costa, 210, apto 201, Jardim América. CEP 35660-476. Pará de Minas, MG, Brasil.3 Rua Cleusa Maria da Silva, 125, Novo Santa Cecília.

CEP 30626-505. Belo Horizonte, MG, Brasil.


Top Related