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os kystos oYaricos
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HENRIQUE NAVARRO
Da torsão do pediculo DOS
KYSTOS OVARICOS Dissertação inaugural
Apresentada á
ESCOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO
P O R T O TYPOGRAPHIA OCCIDENTAL
8o, Rua da Fabrica, 8o
1899
^ílH e
ESCOLA MEDICO-CIRURGICi DO PORTO DIRECTO R-INTERINO
DR. AGOSTINHO ANTONIO DO SOUTO SECRETARIO
RICARDO D'ALMEIDA JORGE
CORPO DOCENTE Lentes cathedrat icos
OS ILl.""» E EX."10* SRB.
i.» Cadeira-Anatomia descriptiva . ' e „ e r a i JoSo Pereira Dias Lebre.
3..« Cadeira-Physiologia . . . Antonio Placido da Costa. 3.» Cadeira—Historia natural dos
medicamentos e materia me- . d i c a lllydio Ayres Pereira do Valle,
4.» Cadeira'-Pathologia externa e r . i J » . therapeutica externa. . . Antonio Joaquim de Moraes Caldas.
5 / Cadeira-Medicina operatória. Dr. Agostinho Antonio do Souto. 6.a Cadeira-Partos, doenças das
mulheres de parto e dos re- - _. , cem-nascidos . . . . . Cândido Augusto Corre.a de Pinho.
7.» Cadeira- Pathologia interna e . . therapeutica interna . . . Antonio d Oliveira Monteiro.
8.» Cadeira-Clinica medica . . Antonio d Azevedo Maia. o.» Cadeira-Clinica cirúrgica . Roberto B. do Ruzario frias. t o . ' Cadeira-Anatomia patholo- ^ ^ ^ . ^ ^ ^ ^ ^ It.* Cadeira-Medicina legal, hy
giene privada e publica e to-xicologia Ricardo d'Almeida Jorge.
13.» Cadeira —Pathologiageral.se- . . meiologia e historia medica. Maximiano A. d Oliveira Lemos.
Pharmacia. Nuno Freire Dias Salgueiro.
Lentes jubilados
Í Dr. José Carlos Lopes. José d'Andrade Gramaxo.
Secção cirúrgica . . . . . . P ^ r o Augusto Dias.
Lentes substitutos j Jo3o Lopes da Silva Martins Junior.
SeccSo medica j Alberto Pereira P. d'Aguiar. t Clemente Joaquim dos Santos Pinto.
Secção cirúrgica j Carlos Alberto de Lima.
Lente demonstrador Secção cirúrgica Luiz Freitas Viegas.
A Escola nSo responde pelas doutrinas expendidas na dissertação e en-nunciadas nas proposições.
(Regulamento da Escola de 23 d'abril de 1840, art. 155.0)
A MEUS PAES E
.A. x n i n b . a IraaciêL
HOS ffî€U8 HffîltëOS
AO ILL."0 E EX. SNR.
Dr. Cândido Augusto Correia fle Pinho
Da torsão do pedículo dos kistos ovaricos
« Cette connaissance de l'étranglement du pédicule, regardée d'abord comme une simple curiosité anatomi-que, permit, lorsque l'ovariotomie entra dans la pratique, d'expliquer et d'attribuer à la torsion du pédicule certains accidents qui avaient nécessité l'intervention chirurgicale.»
(TERRILLON).
A torsão brusca ou lenta dos kystos ova-ricos em volta do seu pedículo, como causa differencial dos accidentes graves ou benignos d'esta complicação mecânica, é bem menos exacta que o grau do mesmo estrangulamento pedicular, não sendo elles a exclusiva funcção do tempo,
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Assim, á laparotomia, seu único tratamento, se vê na torsão elementar, ou nas mais ou menos apertadas, uma correspondência de lesões.
Elle são as paredes kysticas sãs, mas já violáceas por congestão, contendo o liquido inalterado, citrino, ou pouco hemorrhagico ; os grandes derrames parenchymatosos, pela ruptura da tensão vascular exagerada, principiando por leves ecchymoses da parede; o conteúdo liquido côr de chocolate, augmen-tado de volume e de tensão; a circulação, já difficil, por completo interrompida, e o es-phacelo a começar nos pontos menos vascu-larisados; até um kysto gangrenado e roto em pleno abdomen, e uma péritonite mortal favorecida quasi sempre por péritonite adhe-siva, benigna e mais antiga.
E tudo leva á laparotomia. Mas nada d'isto sem um pedículo, de di
mensões e estructura variáveis, com os seus grossos nervos, artérias centraes, e veias pe-riphericas. Ha-os curtos, longos, estreitos e
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largos. Não é raro que a trompa n'elle tome parte e na torsão.
No numero de voltas, a mesma variedade.
Parecerá que a gravidade do prognostico deve estar na sua rasão directa; mas nem sempre, que a constricção é maior num pedículo grosso, em egual numero de espiras.
O sentido da torsão também nada tem de fixo, como alguém o pretendeu : observa-se indifíerentemente dextrorsum esinistrorsum.
Num pedículo torcido, as veias detêm-se sempre primeiro na irrigação que as artérias, pela sua estructura e posição relativa. Depois ella é supprimida e o pediculo esphacela-se-
Então pôde assistir-se ao curioso pheno-meno da ruptura d'esté, e do kysto livre, solto em pleno abdomen.
A par d'estes desastrosos accidentes, ha torsões pediculares de constricção tão favorável, que a nutricção diminuindo gradualmente, acaba de curar-se o tumor por um processo regressivo. Mas este caso é infeliz-
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mente muito raro. O mesmo acontece á tor-são retrogradar.
Os kystos ovaricos, de forma quasi es-pherica, pediculados, em meio de órgãos sujeitos a variações de posição e de volume, giram facilmente.
As causas da torsão não são conhecidas suficientemente. São diversas e por vezes associadas.
A edade não parece exercer-lhe senão uma influencia minima; também os kystos ovaricos não são exclusivos da actividade sexual, sem todavia contestar-se-lhe a maior eleição d'esté período.
Esta mesma actividade pouco importa: deparam-se aífectadas virgens, nulliparas, pri-miparas e multiparas.
O comprimento do pediculo favorece a torsão, permittindo maior mobilidade ao tumor; mas tem-se visto em pediculos pequeníssimos, mesmo depois de destorcidos, porque assim sorTrem encurtamento considerável.
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O volume do kysto nada faz: apparecem de todos os tamanhos.
Mencionam-se ainda na etiologia, o relaxamento abdominal pelos partos repetidos, e a ascite concomitante, fazendo esta o attrito mais doce, e adjuvante a estática abdominal.
Vejamos agora as variações mais ou menos rápidas d'esté equilibrio physiologico.
Os abalos do abdomen pelos movimentos do corpo, marcha, dansa, carruagem, pressões, palpação, exploração medica, os deslocamentos frequentes do kysto movei no ventre, o que ás vezes antes é efTeito do que causa, um tumor da visinhança, um kysto do outro ovário, prenhez, tudo é apontado.
A prenhez é causa de torsão em todos os períodos : primeiro, é o utero que se desenvolve, impellindo o kysto; depois, no trabalho, exerce-lhe pressões consideráveis ; até o vacuo brusco do post-partum favorece as suas funestas evoluções.
Por um idêntico mecanismo, levam á torsão a distensão e a vacuidade da bexiga e
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do recto. As experiências em cadáveres, provocando artificialmente essa repleção e depleção alternativas, são concludentes.
Pelo que respeita á natureza do tumor, «a torsão sobrevem com tumores de qualquer espécie; volumosos, pequenos, lisos, globulares, multi-kysticos, irregulares, paraovarian, ovaricos, dermoides, emfim com tumores fibrosos sólidos. Para que ella se faça, basta que os tumores sejam moveis, e tenham um pedículo susceptível de se torcer. » (Lawson Tait).
A desegualdade do crescimento do tumor, provocando frequentes mudanças no centro de gravidade, acarreta também a rotação em volta do eixo.
As adherencias aos différentes órgãos do abdomen, podem favorecer a torsão do pedículo, immobilisando uma parte do kysto, emquanto que outras porções ficam submet-tidas aos movimentos diversos intra-abdo-minaes.
Uma multiplicidade de adherencias, im-
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pedil-a-hiam talvez. Mas ellas são difficeis de distinguir, no momento da laparotomia, das consecutivas á torsão.
Uma puncção do kysto modifica egual-mente o tumor, de sorte a elle torcer por mecanismo idêntico ao d'um desenvolvimento irregular. Com eífeito, uma porção mais pesada pôde ir successivamente cahindo, e torcer o tumor'em volta do pedículo. Esta causa não existe actualmente, porque a puncção é desusada.
Em meio d'esta múltipla etiologia, nada de exclusivismo, é a nossa opinião modesta. Em casos obscuros, melhor é ser-se ecléctico.
De resto, a disposição para girar esten-de-se aos demais órgãos abdominaes, como consta de estudos recentes, por exemplo, ao mesenterio produzindo occlusão intestinal.
Esta é uma das complicações mais graves da torsão do pediculo dos kystos ovaricos, mas pouco frequente. E' quando á torsão existem adherencias entre o intestino e o tumor, quer fixas, quer sob a forma de bridas
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que o prendem á parede abdominal ou ao mesenterio. No primeiro caso, o intestino seguirá fatalmente o movimento de torsão. No segundo, a torsão diminue o comprimento da brida, e se esta não fôr suficientemente frouxa e longa, estrangula o intestino. Mas este accidente pôde produzir-se mesmo sem adherencias nem bridas.
Sabemos que no principio, o kysto occupa a pequena bacia; com o progresso do desenvolvimento, elle sobe mais ou menos, e está em relação immediata ou mediata com o abdomen, n'esta ultima interpondo-se o epiploon ou as ansas intestinaes. Se este kysto soffrer uma rotação interna, pequena ou grande, approximar-se-ha da linha media ou passará além. No primeiro caso, pelo encurtamento do pedículo á torsão, e ainda pela acção da gravidade e pelos movimentos da doente, o tumor tende a cahir na excavação. Que o phenomeno se produza: o recto ficará comprimido entre elle e o promontório. No segundo caso, quando ultrapassa a linha
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branca, descança na fossa iliaca, e comprime o intestino delgado e o cecum, se fôr esquerdo, ou o intestino delgado e o S iliaco, se fôr direito. Quando a torsão se faz de dentro para fora, é ainda possivel a occlusão intestinal. Aqui, sendo menor o deslocamento, a torsão deve ser mais completa para que o tumor perca toda a mobilidade e comprima a fossa iliaca.
Então, ainda é a laparotomia a única sal-• vação.
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Quando n'um kysto torcido, o estrangulamento é completo, supprimindo simultaneamente a circulação arterial e venosa, sobrevêm accidentes fulminantes como intensidade e rapidez: d'ahi o nome de torsão brusca. Se, pelo contrario, o estrangulamento é incompleto, a circulação kystica somente se difficultá, sem ser interrompida, os acci-
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dentes são menos intensos, e a evolução ulterior do kysto simplesmente modificada: n'este caso, diz-se que a torsão é lenta.
Estas designações não são rigorosas. E' diíficil, impossível, de precisar o começo da torsão. Os accidentes apparecem subitamente, mesmo que a torsão seja lenta; e a sua gravidade mais depende do grau de estrangulamento, que do tempo maior ou menor era que se faz.
Os symptomas são geralmente bruscos nos dois casos. A mulher é surprehendida pela torsão do seu kysto, como dissemos, a qualquer hora, em qualquer posição; de pé, assentada, deitada, trabalhando, levantando um fardo, até urinando ou defecando. Tem-se notado coincidir a crise com a menstruação ou provocar metrorrhagias.
Esta crise dolorosa com a reacção peritoneal concomitante, resume quasi a sympto-matologia toda, e vale muito ao diagnostico porque não falta nunca. Descrevamol-a pois, tal como se apresenta habitualmente, e mais
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tarde veremos os casos anómalos de pequena acuidade ou exagerada violência.
Antes da crise, a mulher soffre uns tempos do seu kysto, provavelmente devido a phenomenos de compressão. Isto nem sempre. A' torsão a dôr é muito viva, começa bruscamente, com sede em geral do lado do kysto, e irradiações para os lombos e coxa correspondente. A dôr intensa obriga a doente a deitàr-se, e a reacção peritoneal começa, como habitualmente, por abaulamento de ventre, nauseas, vómitos, pulso accelerado e elevação de temperatura. A péritonite confir-ma-se ainda mais pela presença de adheren-cias. O meteorismo que raramente falta, obsta ao exame rigoroso do abdomen. Os vómitos persistem durante muito tempo; são alimentares primeiro, depois mucosos e biliosos. Em seguida ás dores atrozes dos dois dias da crise, a doente entra a melhorar; o abdomen baixa, a alimentação é possível, e depois de repousar um mez, retoma as occupações ha-bituaes. O kysto mantem-se doloroso ao to-
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que. Tal é a forma commum do estrangulamento por torsão, podendo a crise ser mais ou menos grave.
N'esta ultima, a mulher quasi se não queixa, tão pouca é a dôr ; á laparotomia vê-se a torsão sem estrangulamento, e apenas lesões elementares.
Na forma grave, fulminante, tem-se uma péritonite aguda. A dôr é syncopal, perde-se o conhecimento, o pulso é pequeno e frequentíssimo, fácies abdominal, olhos fundos, vómitos continuamente, meteorismo considerável, a morte é imminente sem a intervenção cirúrgica, a laparotomia. Ha casos raros de hemorrhagia interna: então ha des-coração rápida dos tegumentos, suores frios, oppressão, nauseas, pulso pequeno e incontável; a doente succumbe em collapso. E' evidente que a intervenção é d'uma urgência extrema; só ella pôde salvar; sem ella, a morte em poucas horas.
A exploração clinica durante a crise, é muito difEcil, pelo meteorismo que deforma
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o abdomen, e pela dôr que se exacerba ás palpações profundas. Quando se ignora que existe um kysto, são frequentes os falsos diagnósticos: suspeita-se uma simples péritonite, um hematocele, uma cólica hepática ou nephretica, etc.
Depois da crise, ha symptomas valiosos. O kysto é doloroso, quando normalmente é absolutamente insensivel á pressão, e um exame prolongado não causa dôr alguma. Depois de se lhe torcer o pediculo, pelo contrario, ao menor toque a doente dá gritos e furta-se á exploração contrahindo os músculos do abdomen. Este signal é constante, mesmo que falhe a crise dolorosa da torsão. Além d'isto o tumor augmenta de volume por duas causas: o derrame de sangue, e o edema perikystico devido á compressão e á péritonite. Mas ha dois symptomas capitães : a immobilisação e o deslocamento do kysto.
A doente que conhece o seu kysto como muito movei e indolente desde algum tempo, deslocando-se facilmente sem a fazer sof-
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frer, agora fixa-se na fossa iliaca. Emquanto ao deslocamento do tumor, elle dá-se sempre, e é mais o effeito do que causa de torsão. Este deslocamento é consecutivo ás dores e concebe-se bem que o kysto obedece ao seu pedículo; quando este mudou de relações, áquelle succède outro tanto. Quando um kysto passa d'um lado ao outro bruscamente, se o deslocamento se acompanha de dores e de vómitos, devemos pensar h'uma torsão de pedículo.
A theoria inversa, que dá o deslocamento como causa da torsão, não se confirma. Ella diz: com pequenos kystos, muito moveis, pôde admittir-se que n'um deslocamento se torça o seu pedículo. Com um tumor volumoso, a mudança de posição, faz-se quando elle era novo, pequeno, movei e se desenvolve depois in loco, já de pedículo torcido. Isto é falso, pois que o deslocamento se faz no momento da torsão.
Não se deve esquecer de fazer o toque vaginal; elle mostrará as relações do tumor com
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o utero e os desvios d'esté; tem-se cahido até sobre o pedículo torcido; de resto, os caracteres d'um kysto ovarico.
Q.uando a torsão do pediculo se complica de occlusão intestinal, a doente começa por experimentar uma sensação de mal-estar, de peso no baixo ventre, depois apparecem as dores vivas. Estas dores, cuja sede primitiva é na parte inferior do abdomen, irradiam para os rins, pelas coxas e generalisam-se a todo o ventre, produzindo-se por accessos. Fora d'elles a doente queixa-se de grande sensibilidade abdominal e d'uma constipação tenaz. Passam-se alguns dias e esta situação aggravate : apparecem os vómitos e o abaulamento do ventre, depois todos os symptomas da occlusão intestinal. A constipação é absoluta, não sae nada, sólidos, liquidos ou gazes; o ventre distendido, dá á percussão um som tympanico; as ansas intestinaes dese-nham-se-lhe á superficie; os vómitos são frequentes, provocados pelas cólicas e contracções intestinaes; a principio alimentares e
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biliosos tornam-se fecaloides. O aspecto da doente é característico: fácies abdominal, olhos excavados, nariz afilado, orelhas frias, face cavada, lábios descorados ou violáceos, suor frio e viscoso, lingua cyanosada e fria, ponteaguda e saburrosa, pulso frequente e pequeno, urinas raras, espessas, mesmo anuria, só as dores vivas arrancam a doente ao seu torpor.
Assente o diagnostico de occlusão intestinal, resta determinar-lhe a causa. Apresentam-se dois casos: o medico conhece, ou não conhece a doente.
No primeiro, em presença dos largos sym-ptomas, pensará na torsão do pediculo, e para confirmar o diagnostico, valé-se dos signaes que foram ditos: immobilidade do tumor, augmento de volume, etc. Um ultimo ensinamento é o sopro ao nivel do pediculo, e o choque systolico que se communica ao tumor inteiro e lhe imprime ondulações.
Quando se vê pela primeira vez a doente, é diírlcil de determinar a causa da occlusão,
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Se o kysto ofïerece grande volume, bem vae, não é difficil : os signaes de exploração phy-sica, os commemorativos, a marcha dos accidentes, bastarão. Mas quando o tumor é pequeno, perdido na excavação pélvica, inac-cessivel aos meios de exploração, tanto mais difficeis quanto impossíveis pela extrema sensibilidade do ventre que produz dores ao menor toque, diagnosticar torna-se impossível directamente. Procede-se por exclusão ou faz-se uma incisão exploradora do ventre, muitas vezes seguida da cura radical. Está plenamente auctorisada.
Depois de fallarmos na crise de torsão, vejamos as suas terminações.
Se a crise foi leve, as dores diminuem rapidamente e alguns dias depois a doente pôde trabalhar. Comtudo a cura espontânea é rarissima.
Nas crises graves a mulher succumbe se não se intervém rapidamente.
Nas de media intensidade, as mais frequentes, ha duas categorias de phenomenos,
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conforme o estrangulamento é mais ou menos completo. Se é apertado, o kysto não pôde alimentar-se, o esphacelo declara-se e com elle uma péritonite sub-aguda que leva a doente ao marasmo e á cachexia. O meteo-rismo e os vómitos persistem, não permit-tindo uma alimentação completa, á noite 39o, o emmagrecimento accentua-se, e a morte é imminente sem uma laparotomia salvadora, o mais cedo possível. Se o estrangulamento não é serrado, a convalescença é aos quinze dias, e as funcções estabelecem-se; formam-se adherencias em volta do kysto. Mas a mulher está exposta a recidivas numerosas, ás vezes de gravidade crescente, em cada época menstrual, ou então a crises affastadas de interval-los irregulares. Tem-se provado que doentes que se deixaram operar immediatamente a uma primeira crise, estavam em imminencia de recidiva sem a intervenção.
Para se explicar as recidivas, suppõe-se, ou que a torsão pedicular desapparece depois da crise para se produzir na seguinte, ou que
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ella augmenta successivamente em cada período de accidentes, acostumando-se de cada vez o tumor á circulação que diminue ; isto é, os phenomenos mecânicos que a primeira vez o obrigaram a girar, reproduzem-se, e a torsão exagera-se; se ha adherencias, estas são frouxas ou presas a órgãos movediços. A destorsão do pedículo é raríssima.
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O diagnostico dá torsão do pedículo de-ve-se fazer em duas épocas différentes : fora da crise e durante a crise. O conhecimento prévio da presença d'um kysto, é de grande alcance.
O diagnostico do kysto, sabemos que é fácil fora da crise, mas o da torsão pôde escapar, sobre tudo se ellas têm sido benignas, que facilmente se confundem.
Durante a crise, será feito com outros accidentes do kysto, com outros tumores abdo-
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minaes, e com certas aífecções parecidas co'a torsão.
Os kystos intraligamentosos do ovário estão sujeitos a hemorrhagias com reacção peritoneal semelhante á torsão. Aqui o diagnostico é impossível, mas não ha inconveniência, pois que o tratamento é o mesmo. E o mesmo succède com uma brida fibrosa que estrangule o kysto.
Os accidentes da torsão são geralmente parecidos com a ruptura do kysto no abdomen. Uma reacção peritoneal se lhe segue, ainda que menos intensa, desapparece a tensão do kysto e é este o verdadeiro signal differencial; tem grande valor se poder ser percebido. Na torsão simples mantem-se a tensão do kysto. Estes dois accidentes podem ser simultâneos.
A salpingite kystica purulenta, pôde ter volume considerável e conter i, 2 litros de liquido ou mais, é dolorosa e acompanha-se de crises de pelvi-peritonites, febre, cachexia; pôde coníundir-se. O passado genital da mu-
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lher, a evolução différente, o empastamento dos órgãos visinhos, as relações com o utero, servem para differençal-a.
Os fibromas do ovário são muito mais raros que os kystos. Os pediculados, são susceptíveis de se torcer também ; então a analogia é completa e por vezes se confundem. Só as suas relações exactas com o utero e a consistência do tumor, permittem differen-çar-se.
A confusão é possível ainda com outros tumores dolorosos: a hydronephrose, tumores retro-peritoneaes do fígado e do baço, kystos hydaticos; porém o diagnostico differencial é mais fácil.
A prenhez extra-uterina, quando o ovo fecundado se desenvolve fora do utero, pôde dar signaes objectivos e accidentes análogos. Aqui ha signaes de gravidez, as perturbações menstruaes são mais accentuadas, é différente a consistência do tumor fetal. Se este se rompe, ainda ha analogia d'esté grave accidente, acompanhado de hemorrhagia interna e rea-
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cção peritoneal, com uma torsão do pedículo. Evitar-se-ha o erro com um toque bem attento.
Quando o clinico desconhece a presença do kysto ovarico, os accidentes da torsão podem confundir-se com certas afíecções muito diversas.
As cólicas hepáticas e nephreticas incri-minam-se frequentemente, em vez da dôr da torsão. Em geral, ellas não se acompanham de meteorismo abdominal, e por isso é fácil de perceber a ausência de tumor.
Uma hernia estrangulada tem dado lugar a erros. Concebe-se a facilidade de semelhante confusão em uma portadora de hernia: não se vae, ordinariamente, buscar mais longe a causa dos accidentes que ella pôde explicar.
A occlusão intestinal distingue-se pela ausência total dos gazes e matérias fecaes, e presença do vomito fecaloide. Ella pôde ser, como vimos, devida a uma torsão pedicular.
A appendicite em muito se lhe asseme-
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lha. A distincção será feita pela palpação, lo-calisaçâo da dôr e evolução da doença.
Com a péritonite por perfuração, o diagnostico faz-se pela presença ou ausência do tumor.
O hematocele retro-uterino, confunde-se tanto mais que uma torsão se dê durante as regras ou acompanhada de perdas sanguíneas. N'elle, o toque dá-nos um tumor mais molle e diffuso, mal limitado, que a mão abdominal encontra a custo, Todavia, a confusão é frequente.
Pelo quadro que fica exposto, pôde vér-se que difEculdades não offerece um diagnostico preciso, e que de vezes elle se torna impossível.
O prognostico, pela descripção que fizemos dos accidentes consecutivos á torsão do pedículo dos kystos ovaricos e das terminações variadas que ella pôde ter, é também variável e sempre reservado: ás vezes favorável, outras vezes grave, depende da natureza d'esses accidentes, e confunde-se com o da
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doença nova que segue á torsão : peritonis-mo, hemorrhagia, péritonite, occlusão intestinal, etc. Quando ha occlusão, o prognostico é gravissimo, mesmo que se intervenha desde principio, porque ha numerosas adherencias, que trazem grandes difficuldades ao cirurgião que faz a laparotomia. Novas, são ricas em vasos e sangram abundantemente; velhas, exigem dissecação minuciosa porque são fibrosas e muito resistentes.
Ha ainda um accidente, sempre para temer; é a ruptura do kysto. Com efieito, elle torna-se friável á torsão, e assim se rompe facilmente, o que enche o prognostico de sombras.
Comtudo, elle de muito se allivia, pela eíficacia do tratamento em numerosos casos virgens de mortalidade.
* *
E chegados que somos ao tratamento
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d'esta grave complicação dos kystos ovaricos, a laparotomia seguida da excisão, bastarão as estatisticas a encarecer-lhe o valor.
Fixo o diagnostico, intervir-se-ha, sem delongas que mais complicam, com êxito seguro pela infallibilidade que offerecem a ase-psia e antisepsia, a maior conquista da cirurgia moderna, que faz d'ella uma operação corrente, relativamente fácil co'as commodí-dades cirúrgicas d'um meio hospitalar.
Costuma-se avisar a doente de que essa é a única salvação, não isenta de perigos hoje muito reduzidos, e sabedora de casos favoráveis, entrega-se por vezes com admirável coragem.
A salla de operações deve ser espaçosa, com muita luz, temperatura de 20 a 25 graus, para que a paciente não soífra o menor resfriamento, sobre tudo se os órgãos abdomi-naes devem estar largo tempo expostos ao prolongar-se o acto. Egualmente se deve manter uma temperatura favorável de 15 a 20 graus, na salla em que ficar a doente depois
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da operação, temendo um resfriamento subito. E' conveniente evitar grandes mudanças que são causa de accidentes. O isolamento é indispensável, as visitas prohibidas, uma enfermeira velará de continuo.
Quando a doente é de constricção fraca ou muito enfraquecida pelo progresso do mal, deve cuidar-se quanto possivel do estado geral, o que fornecerá maior meio de resistência ao traumatismo operatório.
Costuma operar-se no intervallo das regras para evitar a congestão dos órgãos geni-taes. Um ou dois dias antes, ministra-se um purgante á doente, para obviar a movimentos ulteriores, e ainda um banho geral para facilitar as funcções da pelle. Depois, fica com a dieta de caldos e leite, até ao dia da operação em que se conservará em jejum, como tem de ser chloroformisada.
O cirurgião precisa de três ajudantes pelo menos.
O arsenal cirúrgico comprehenderá, além d'uma cama ou mesa convenientemente pre-
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parada : très bisturis dos quaes um botonado, pinça de dissecção, pinça de dente de rato, pinças hemostaticas de pressão continua, tesouras recta e curva, sonda canelada, tenacu-los, afïastadores, pinças de garras, clam pes elásticos, trocart, agulha de Reverdin, agulhas de sutura, thermo cautério, sonda de mulher, irrigadores, esponjas, fios de seda, crina de Florença, gaze e algodão antisepti-cos, etc., tudo previamente esterilizado na estufa. Além d'isto, mil outras coisas se deve ter presentes, n'estas operações, como : ether, cafeína, óleo camphorado, champagne, soro artificial em tubos fechados, seringas de Pra-vaz e de Roux, gelo, opiáceos, etc.
A doente no decúbito dorsal, começa-se a operação pela anesthesia chloroformica, ou vulgarmente de chloroformio e ether, até á resolução muscular, e pelo catheterismo vesical.
Faz-se a incisão da parede abdominal na linha branca, entre o umbigo e o pubis, camada por camada, até ao peritoneo, la-
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queando os vasos que sangrem. Fende-se o peritoneo sobre a sonda canelada em toda a extensão da ferida, que dependerá do volume do tumor, com precaução para não romper o kysto e derramar-se o liquido no abdomen.
A incisão na linha media dá uma ferida menos profunda, menos sangue, e sutura-se mais facilmente do que as lateraes. Estas não se praticam pelos seus inconvenientes: dificuldade no exame da cavidade abdominal, no romper das adherencias, e ligadura do pedículo.
A incisão larga entre o esterno e o pubis, a major operation, só raramente se pratica. A minor operation, de poucos centímetros, dá muitas dificuldades : não se podem romper as adherencias nem fazer a hémostase, custa a extrahir o tumor, não se pôde examinar o outro ovário nem ligar o pedículo doente, a lavagem do peritoneo não pôde ser rigorosa por elle ser quasi inaccessivel, em-fim se se der uma hemorrhagia em qualquer ponto poderá passar despercebida.
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A incisão será de io centímetros, em media, podendo augmentar-se no decorrer da operação, poupando-se depois quanto possível o peritoneo.
O kysto acha-se pois descoberto e apre-senta-se aos lábios da ferida. Então introduz-se a mão no ventre e nota-se o volume do tumor, suas relações e adherencias, etc. Estas vão-se rompendo com precaução, docemente, esperando-se para destruir as mais profundas que o kysto seja punccionado e em parte ex-trahido, para melhor vêr as inserções, e impedir as hemorrhagias fazendo a hémostase preventiva.
Depois d'esta exploração do kysto, faz-se a puncção. Para isso, o ajudante faz uma compressão moderada e uniforme de cada lado do ventre, cujo fim é a saliência do kysto entre a ferida e a applicação exacta dos seus bordos sobre o tumor, para que o liquido não penetre no abdomen. A puncção, ou pun-cções se o kysto é multilocular, desembara-çando-o do seu conteúdo, facilita a extracção.
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Se o liquido é muito espesso, gelatinoso, correndo lentamente, faz-se uma incisão com o bisturi, e esvasia-se o tumor com as mãos ou comprimindo-lhe a parede.
Quando as adherencias são resistentes, é necessário proceder com precaução para não romper o peritoneo ou os órgãos a que se inserem, o que é uma complicação grave da laparotomia. Nunca cortar as que não é possível descollar, a menos que seja, entre duas ligaduras.
Depois de libertar o tumor, pôde ver-se nitidamente a torsão do pedículo, causa de todos os accidentes. Em seguida faz-se a ligadura a seda, a secção, e a extracção do sac-co. Feito isto, procede-se ao exame do outro ovário, e extrahe-se estando doente.
O penúltimo tempo da operação, muito importante, é a toilette e lavagem do peritoneo.
Examina-se cuidadosamente a cavidade abdominal, afastando os lábios da ferida, que não haja hemorrhagia dos vasos cortados e
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rotos ao nível das adherencias, fazendo a hémostase, e seccando o peritoneo dos líquidos derramados, sangue, liquido ascitico e kystico. Segue-se a lavagem do peritoneo com agua fervida.
E' de grande importância não se fechar o ventre com o menor corrimento de sangue, pelas alterações que elle soífre ao ar que são causa de péritonite.
O ultimo tempo operatório consiste na sutura e penso antiseptico da ferida abdominal.
Se o intestino tenta sahir fazendo hernia, deve-se introduzir no ventre, docemente e sem attritos, com o auxilio das mãos, e esponjas quentes. A sutura compõe-se de pontos superficiaes e profundos sendo estes, alguns dias depois, os primeiros a ser cortados. O penso antiseptico é commum, feito com iodoformio ou salol.
E' conveniente conservar a doente na mesma salla e impedir os resfriamentos; para isso manter a uma temperatura ambiente de
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18 a 20 graus, e o leito sempre quente por meio de botijas de agua, por exemplo.
Immediatamente depois da operação, pôde ministrar-se um pouco de vinho, rhum, ou champagne. Para beber dá-se agua assucarada ou levemente acidulada. Nos primeiros dias prescreve-se a dieta de caldos e leite, depois uma alimentação leve.
A mulher conserva-se em repouso absoluto no decúbito dorsal, fazendo-se-lhe o ca-theterismo vesical.
Os demais cuidados post-operatorios, são de pratica corrente e algo variável, segundo as condições individuaes. Combatem-se os vómitos com o gelo e opiáceos ; a constipação com purgantes leves, calomelanos; as dores e insomnias, com picadas de morphi-na; se houve hemorrhagia abundante, as injecções de soro artificial em alta dose, dão excellentes resultados.
Os pensos devem ser raros, e praticar, como na operação, a mais rigorosa antisepsia. Cortam-se primeiro os pontos profundos, de-
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pois os superficiaes. E a doente não abandonará o leito sem plena cicatrisação da ferida operatória.
Os accidentes e complicações n'esta operação, tornaram-se muito raros. A hemorrha-gia é um accidente primitivo e grave, podendo sem nova intervenção produzir a morte, quer pela perda de sangue quer pela sua decomposição a dentro da cavidade abdominal. Ter-se-hia pois de abrir a ferida para ligar os vasos, e proceder a rigorosa lavagem do pe-ritoneo. A péritonite parcial ou generalisada, ainda que mais frequentes, observam-se pouco com a pratica da antisepsia; a segunda é de prognostico sombrio. N'este caso dão bons resultados as bexigas de gello, a antisepsia e immobilisação intestinal, os laxantes, sangria, irrigações vaginaes, antipyreticos, e finalmente uma nova laparotomia de que se pôde esperar tudo, não perdendo um tempo precioso com o tratamento medico, ás vezes inutil.
O choque traumático pôde sobrevir no
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primeiro ou segundo dia depois da operação, e constitue um accidente muito mortal. Pôde ser attribuido á duração da operação, a manobras violentas, á hemorrhagia, resfriamento, e ao traumatismo em geral. Caracterisa-se por anniquilamento orgânico e abalo do sys-tema nervoso, contra o que dificilmente se reage. Estão naturalmente indicados os estimulantes, antispasmodicos, bebidas alcoólicas e quentes, injecções de soro artificial.
Outras complicações estão hoje felizmente quasi banidas.
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A laparotomia sendo já o único tratamento dos kystos ovaricos, é também, Ù fortiori, o da sua torsão. Aqui somente não se deve contemporisar.
Com effeito, a puncção do kysto, adoptada nos casos inoperaveis, não cura, tem um fim palliativo simples: aljivia a doente,
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mas o liquido rapidamente se reproduz. A drenagem, nos mesmos casos, predispõe a accidentes sêpticemicos. A puncção seguida de injecções modificadoras, não é isenta de perigos e foi completamente abandonada. Resta a laparotomia que em resumo foi des-cripta.
Se a torsão do kysto se acompanha da constricção total do seu pediculo, intervir-se-ha immediatamente ao apparato dos accidentes; é operação tão urgente como a da hernia estrangulada. No caso de estrangulamento medio, é inutil esperar que cessem os sym-ptomas agudos; operando logo, evitar-se-ha o perigo de outras crises e a repetição de accidentes graves. Os casos benignos seguem a mesma regra pelas mesmas rasões.
A efïïcacia d'esté tratamento não pôde ne-gar-se em face dos numerosos successos.
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Terminando, nós tiramos do exposto as seguintes conclusões:
I—Para a torsão, as condições primor-diaes são: um kysto movei e pediculado.
II—A symptomatologia e a anatomia pathologica variam com o grau da constri-cção do pedículo.
III—A laparotomia é de todos os casos, graves e benignos, agudos e chronicos. A celeridade operatória impoe-se pela rasão mais forte,—a maior probabilidade das curas.
Proposições
Anatomia.—As articulações condyliana e em sella, têm mecanismo différente e funcções eguaes.
PhysiolOgia.— Não ha alimentos completos.
Mater ia medica. — Proscrevo os vesicatórios na pneumonia.
Pathologia externa. — Na torsão do pediculo dos kystes ovaricos, aguda ou chronica, o único tratamento é a laparotomia.
Operações. — Farei a paracenthese abdominal com um trocart fino sem apparelho aspirador.
Par tos . — Não é preciso ligar o cordão ombilical do re-cem-nascido.
Pathologia interna. — Para a neurasthenia, aproveita mais o tratamento moral.
Anatomia pathologica. — Em geral, é incerto diagnosticar pela lesão.
Hygiene e medicina legal. — A vacuidade arterial é o único signal certo para, de momento, reconhecer qualquer cadaver.
Pathologia geral. —A syphilis é grande fonte da tysica aguda.
VISTO
Cândido de Pinho Presidente.
IMPRIMA-SE
D. Lebre. Director interino.