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Causas, ConsequênCias e diCas preventivas
A adolescência é uma invenção recente. Na Idade Média não existia a consciência da especificidade das crianças e dos adolescentes; o crescimento era interpretado como um aumento quantitativo dos aspectos físicos e mentais e a infância era entendida como um período de passagem, rapidamente ultrapassado e cuja lembrança caía no esquecimento.
por Lúcia soares *
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EDuCAR pARA CRESCER
(*) Psicóloga Clínica,psicoterapeuta,
terapeuta transpessoalalegoriadacaverna2@
gmail.com
Delinquência juvenil
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génese da deLinquênCia juveniL: diferentes greLhas
de Leituraa soCioLogia aponta para a infLuênCia
nefasta do meio na génese do Comportamento deLinquente,
tendo em conta a definição de delinquente como um ser individual, com uma hereditariedade e uma educação, e que vive num meio cujas condições o orientam para o agir de tendências hereditárias
ou adquiridas e onde as circunstâncias possibilitam a ocasião de ‘passagem ao acto’.
a psiCoLogia baseia-se em faCtores reLaCionados Com a quaLidade da reLaÇÃo
maternaL estabeLeCida na primeira infânCia. Os estudos psicanalíticos demonstram a importância do papel da mãe (ou substituta) junto do recém-nascido e valorizam as
consequências, muitas vezes longínquas, de uma privação maternal durante a primeira infância. A ausência ou carência materna é
tida como causa remota das perturbações de comportamento do adolescente, existindo um vínculo entre privação (ausência de
certas características essenciais da vida em família) e delinquência (Donald Winnicott). Os pais (ou substitutos) são os principais
agentes da saúde mental dos filhos. A evidência empírica deixa res-saltar que a impulsividade é um dos factores mais importantes no
desenvolvimento de comportamentos disruptivos na adolescência, de origem bidimensional, ou seja, por um lado existe um factor comportamental (desinibição e instabilidade psico-motora) e, por outro, um factor cognitivo (que implica a falta de previsão e planificação da conduta). Outros factores de importância nesta
complicada equação são a baixa auto-estima, a falta de esperança e a ausência de um projecto de vida estruturado. Os trabalhos de David Elkind, psicólogo, sobre a imaturidade cognitiva e o ego-
centrismo próprios desta fase de vida, permitiram concluir ainda que o adolescente tem tendência a considerar-se invulnerável e a pensar que a sua vida e as suas experiências pessoais são únicas e
não se regem pelas regras que governam a vida das demais pessoas (conceito de ‘fábula pessoal’), evidência que poderá explicar a
temeridade do adolescente.
a perspeCtiva jurídiCa realça que só é considerado delinquente o indivíduo que infringiu a lei, isto é, que cometeu um delito. As leis que definem a delinquên-cia, bem como a apreciação do delito, são específicas de cada país e o modo como se rege o seu sistema judiciário reflecte-se não só na avaliação das infracções, como na sua penalização. Em Portugal, a
legislação tutelar de menores é feita sob a égide da Lei Tutelar Edu-cativa. Neste âmbito diz a lei que «a prática, por menor com idade
compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime, dá lugar à aplicação de medida tutelar educativa
em conformidade com as disposições da presente lei» (art.º 1º da LTE), acrescentando que: «As medidas tutelares educativas (…)
visam a educação do menor para o direito e a sua inserção de forma digna e responsável na vida em comunidade» (art.º 2º, 1. da LTE). A mais gravosa das medidas tutelares é a medida de internamento
num Centro Educativo.
Curiosamente as pinturas me-dievais traduzem essas cren-ças e sentimentos pois, se nos
debruçarmos sobre as diferentes telas, verificamos que as crianças eram representadas como adul-tos em miniatura, sem nenhuma diferença de traços ou expres-sões. No séc. XIX, a adoles-cência já era demarcada como um período particular e, ao longo do século, eviden-ciada como fase de potenciais riscos. O séc. XX con-solidou a ideia da adolescência como uma etapa da vida dotada de características próprias, detentora de um estatuto legal e social. De salientar, como curio-
sidade, que o primeiro livro re-ferido no Index Medicus que aborda o tema da adolescência, data de 1904, uma obra de Stan-ley Hall intitulada, Adolescência: A sua psicologia e relação com a fisiologia, antropologia, sociolo-gia, sexo, crime, religião e edu-cação. Por esta altura, a delin-quência também começou por ser estudada, datando de 1909
o livro: Criminalidade na Adolescência. Causas e
remédios de um mal social actual, obra na qual os adoles-centes eram iden-tificados como ‘va-gabundos naturais,
profundamente ins-táveis e com absoluto
desprezo por quaisquer obstáculos e perigos’.
comportamentos frequentes
A delinquência juvenil tem vindo a ser conceptualizada como um processo de ruptura das estruturas relacionais do jovem com o meio envolvente. Inicialmente no contexto familiar e, posteriormente, no âmbito escolar e no tecido social, o jovem começa a dar provas das suas tendências anti-sociais, as quais parecem ter como único objectivo, nesta fase, chamar a atenção dos pais e dos professores ou descarregar uma tensão interior e, como tal, são o sinal de uma perturbação profunda da afectividade. Inicialmente os comportamentos mais fre-quentes são as mentiras, pequenos roubos, fugas de casa, ausência à escola ou destruição de objectos. Nesta fase é importante distinguir entre experimentações benignas e actos auto-destrutivos mais graves, uma vez que são de esperar no processo de crescimento do adolescente algumas perturba-ções e desadaptações transitórias, que fazem parte do seu pro-cesso de desenvolvimento. A distinção entre comportamentos adaptativos e desviantes irá depender do grau, da persistência, da frequência e da intensidade dos mesmos. Na dinâmica da delinquência juvenil, como em todas as perturbações do comportamento, está subjacente uma ansiedade, um so-frimento profundo resultante de um conflito afectivo, não só do jovem consigo próprio como também com o meio familiar e social envolvente. A análise psicossocial da de-linquência juvenil deverá, assim, orientar-se para a leitura das diferentes realidades e ambientes que a envolvem, sem esque-cer o afecto depressivo que normalmente lhe subjaz e do qual estas condutas podem ser a expressão visível (exteriorizada), condutas estas que revelam ainda uma profunda perturbação das identificações e uma distorção grave dos laços familiares e sociais que dificultam os processos de aprendizagem.
Nesta fase é importante
distinguir entre experimentações benignas e actos auto-destrutivos
mais graves
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1. educar para a auto-estima.É melhor ser um mau original que uma boa fotocópia, por isso, é necessário incentivar o jovem a ser ele mesmo.
2. educar para os valores.O importante não é a fachada, e sim o que existe no interior de cada um, pelo que é fundamental reforçar nos jovens o que eles são e não o que eles têm. Valores como a solidariedade, o compromisso, a honra, a tolerância, estão acima de uns ténis ou de um automóvel de marca, sendo essencial aprender a distinguir entre essencial e acessório.
3. educar para superar a frustração. Deveria ser possível aos jovens serem vacinados contra a frustração, através do estabelecimento de limites aos seus desejos e da pos-sibilidade de ouvirem a palavra «não» quando necessário, evitando protegê-los em demasia. Um «não» pode frustrar, mas também pode ser um excelente organizador ao permitir traçar as coordena-das através das quais o jovem saberá por onde se pode movimentar, dentro de limites não autoritários, mas razoáveis. Esta postura será
possível num ambiente familiar tolerante, flexível e presente, no qual o adolescente se sinta querido e valorizado, e onde as regras sejam claras e exequíveis. A superprotecção dá lugar a jovens frus-trados e incontroláveis, tendo em conta que não puderam aprender a colocar limites aos seus desejos.
4. educar para a aceitação das limitações pessoais. Evitar exigir mais do que aquilo que o jovem pode dar, seja ao nível académico, seja ao nível da responsabilidade pessoal, do desporto, etc. O jovem deve poder ir aceitando as suas próprias limitações, não como um defeito, e sim como uma realidade que faz parte da sua ‘humanidade’ e do seu projecto de ‘ser pessoa’.
5. educar para o afecto. A não ser que o jovem sinta que os adultos de que depende com-preendem de facto a sua realidade emocional, ele não se sentir em segurança, pelo que devemos ter em consideração que muitos com-portamentos delinquentes têm a sua raiz em estados de alma com os quais o adolescente não conseguiu lidar.
EDuCAR pARA CRESCER
uma família dita ‘saudável’Uma família dita ‘saudável’ é caracterizada pelo facto de os seus membros terem uma auto-estima adequada, comunicação directa, especifica e cla-ra, normas flexíveis que se acomodam à própria evolução familiar e que mantêm um vínculo aberto e confiante ao nível social. Apesar de tudo, a família por si só não é determinante no desenvolvimento da criança, sendo esta a protagonista da sua própria biografia. Na verdade, e ape-sar de ter vivido numa ‘família disfuncional’, o jovem pode realizar um desenvolvimento adequado, tendo em conta a sua capacidade de resili-ência, ou seja, tendo em conta capacidades inatas de resistência a adver-sidades. Por outro lado, também existem jovens que, tendo vivido numa ‘família funcional’ podem apresentar desenvolvimento anómalo.
Muitos CoMPortaMeNtos
delinquentes têm a sua raiz em estados de alma com os quais
o adolescente não conseguiu lidar
prevenÇÃo primária preCoCeTendo em conta a complexidade da problemática delinquencial, a solução não é fácil, mas ocorrem-me algumas pistas que podem ajudar em termos preventivos: