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MUSICA
Ag93m
11605/BC
POPULAR E ' INDUSTRIA
POR
CULTURAL
JOAQUIM AlVES DE AGUIAR
UNICAMP
BlRLIOi~;CA CENTRH
Dissertaao apresentada ao Departamento de Teor la literria do Instituto de Estudos da linguagem da Universidade Estadual de Campinas, sob a orientao da Profa OrA MARIA LUCIA DAL FARRA, como requisito parcial para a obtoollo do titulo de Mestre em letras~
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Este trabalho dedicado a trs am~eos:
ao ~11SON, com quem troque1 alegremente
os primeiros passos de rocktn roll?
ao JOaGE e VALRIA, qu.e t: anos ' vem acom!?a.nha.ndo este e outros passos da
minha. vida ..
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AGRA.DEClNBN110S
-Aos meus professores do Departamento de Teoria Lite-
rria da UNlCAN.P, em especLd h1ARlA LUCIA l.lAL PAR RA, orientadora, com quem sen1pre pude contar; e ao
dbt;H'fO SCHWt\RZ e MAH:lJA LAJ0l~O, leitores e crti-
cos deste trabalho.
Aos meus colegas de curso, em especial Slvia, Re~ . ni, Fernando, Vincius e .oete: minha grata amizade,.
CA.P~S, que ofereceu-me bolsa de estudos para fazer ' ~ os cursos de Pos-Grhduaao, entre 1983 e 1986.
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RESUMO
Esta Dissertao trata de questes relaciona-
tias com a indstria cultural, o horizonte no qual inacr!.
vi a trajetria da moderna cano brasileira. Ela contm
por itiae bsicas:
-l .. A implantaao de uma sociedade de consumo relaclona-se com a implantao da indstria
cultural no Brasil. ' nesse contexto que se
forma a moderna msica popular brasile:i:r-a, / - ' -atraves de gravaoes em discos e em~ssoes
radiofnicas.
2. Um importante momento econm~co, politico e
cultural relaciona-se com as mais estimul~ ~
tes manifestaoes em termos de li;PB~ a Bossa
Nova, a Cano de Protestot o Tropicalismo
e, em. tom menor, a Jovem Guarda .. a poca ' em que a MPB se torna importante ve.:1culo C!:,
talisador das questes culturais e polti-. , ' . cas que an1J:lU1.ram o perJ.odot s<.ando a v~a-
ta o debate entre o nacional" e o "estran-
geirado".
3. O esvaziamento das questes do perodo ant~ rior, mais o esgotamento de toda U..'!la gera-
o abrem caminho para o salto de interna-
-cionalizaao Qacto pela l~PB .. O ponto culmi-nante desse processo tem sido o rock, confi
gurado como gra,nde tendencia .musical dos a--
nos 80. Modernizando-se (sem contudo perder
a marca perif~rica), a l4Ph deixa de ocupar
o frurQ de debates oue ocupava h duze dca
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das, gerando o vazio e o ~al-estar, visi-
veis no ~eio dos novos artistas e no seio
da prpria mensagem muscal. Bata situa-~
ao acaba por refletir o slntoma geral do
' pa~s, nwn momento de crise e de ctesencan-' ' to quanto as promessas ~e um Brasil me-
lhor.
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nA mais ou menos verdade que em arte todo
progresso, ou telhor" toda evolu:;;o, no
se realiza tecnicamente e idealmente da
mesma forma.. A evoluo tcnica se d pe
lo desenvolvimento, ao passo que a evolu
o eat~tica se d pela reao. Se aa formas vivem e crescem por constante so
ma e ajuntamento, o esprito se desenvol ' v e .na perpetua revolta}'
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' Pa.g,. DffROJJUO 2
CAPTULO PRHtElRO - Indstria cultural: la premesse
d.u bonheu.r ..... " ....... ., .. .. .. .. .. .. .. 11
1. Estandardiza.o e conformismo. 12 2 .. Conformismo e resistencia........ 22
3. La e ea., ..................... ~......... 31
CAPTUlO SEGUNDO Nos tempos do rdio: a construo
da celebridade................... 51
1~ A empresa ~ ~. 52
2. O C . ' "O precon e~ \,O., .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. u
3. Ufanismo ...................... ~............. 71
4. Autoria e idolatria........... 79
CAPTUlO :rERCll!O - O apogeu: novas bossas, novos
lllB1IOrzRAFIA
ido los, novo pblico ~................ 99
1. Antes e depois ..... ,. ..................... 100
2, Internacionaliza:o da revolta 112
120 3 .. Comercio e mod1smo ... ~~*
4. Sinal fechado., ............ - 127
lndustria cultural, agora e pra valer: o rock dos anos 30................ 139
1.. l?rimi ti vo e tecnol~gico............ 140
2 .. ~\;al-estar: o sucesso da c.pia. 162
- ...................... ,. ....... * ............. .. 181
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I N T R O D U O
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Este trabalho busca refletir sobre a moderna . ' . trad~ao da rous1ca popular brasileira. Gomo se poder
~ ' observar. nao ha nele proprlamente um corte gue analise
com profundidade determ1nado perodo, fase ou tendncia.
~nha perspectiva generalizante e por isso passi~el de muitos equ!vocos. A idia sondar como a cano veio se comportandoJ. a partir da era do rdio, enquanto fenme-
~
no de expressao CQltural. Esta sondagem feita com base na bibliografia j existente sobre o assunto, e com base na minha experincia de ouvinte razoavelmente informado,
mas nada versado sobre a. linguagem musical propriamente
dita.
' Como se vera, busquei em Adorno elementos para
discutir certos aspectos tericos lJ;:~sicos do trabalho.Ea -tretanto, contrariando suas recomendaes segundo as
quais fundamental o con.hecitnento de teoria musical pa-
ra a sociologia da msica1 , :meti-me neis anlises na con-
di;o de lel.go no assunto, munido das informaes de que
dJ.spunha. Evidentemente, no posso afirmar se a formao
musical mudaria os rumos que tomei. h:.as preciso dizer -que o trajeto aqui cumprido nao constitui uma sociologia da m'.sica, qu.a naturalmente exigiria no s aquele pr~
requiai to, mas tambm um ~~molde cientfico11 de aborda-
geln. As idias de ncom.entrio", de "i!rrpress"esu, de ttnar-' rativan comb1nam melhor com o texto que se ler::.\ em segui-
da (sobretudo a partir do Capftulo II) Reprodu.zindo as grandes tendenci~).s da itPB, ex-
' clu.o as partlcularidades de au.torea e obras. O comenta-
rio cte muitos deles serviria par~ melhor fundamentar o
que ser. di to neste percurso. i~as
U!.ua questo de econoeia, e tambm
poupei-me d& tarefa,por
que
' ' ~ tem al.dO feito mais auuu.de.. Da~ seren; ts,o poucoe os nomes
das msicas e artistas citados, tendo em vista um panora-
3
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rama to abr&ngente, Sendo assim, peo ao leitor que re-' ' . corra permanentemente a memor1-a para localizar a fisiono
' mia e a e poca de um sa~-cano, de N um samba-exaltaao, ~
de uma eanao ' tl.pica da Bossa Nova, da jovem guarda, da tropiclia etc. Exceo seja feita ~ltima parte, onde detalho melhor, pel:,;.,a temticas,_ a expresso do rock nos
anos 80, coisa ainda muito dispersa em jornais e revis-
tas, e pouco sistematizada pela cr!tica.
Ao tra~ar da cano popular, optei pelas suas
vertentes j consagradas pelos estudiosos mais recentes no assunto, ou seja, aquelas que representam, grosso mo-
do, a tradio da ''linha evolutiva" do gnero, descarta:1_
do outras tantas igualmente merecedoras de c,:msiderar;o,
ta:Ls como as manifesta
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necendo com elee o rtu.lo de "msicos para poucosn2., Na
aruflise que empreendo, procurei o "m.edianou, aquilo que,
mesmo comercibl:izado com furor, deu o tom das pocas.,
Antes de dar in.!cio propriamente 8.s questes,
convm introduzir a perspectiva que aoui se; seguida.
d:sica e poesis. nasceram ligadas. A evoluo
das formas marcou os limites entre Q~~ e outra expresso.
Autores vo t..uscar no passado arcaico ou .:Itesnco no _pri.n,i-
t t 4 't' 1 -1. vo con emporaneo as 111 lru&s re ;:;:u;oes entre a0 dut1.s es-
feras da arte .. Para George Thoruson, por
Jtsica quanto a poesia ' ' advern dos r~tJtoe
exernplo, tanto a
do trabalho3. "" . "... ... Preocupaao ~dentica a -' de tlario de Andt'ade, conforme se
v~: "a msica pO)Ular se orit.:.ina em grande parte da prec!_ ~
sao de organizar num movimento coletivo as festas e tru-
balhos em. comum. ,
DaJ.. as danas, as rrH-:~.rcha.s, e os cantos
de trabalho, nue nem as c.::nti.ga.s ;,e ceifa, ca.ntigas de
fiendeiraa, buncetrolas, acalantos etc .. ~ 4 .. Como se sabe, na ldude Antiga, a poes.t.;;t ertt c~
tada e quando no f e i ta para esta finalidade o era !)G..r
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ca popular, no pura n em oposio outra, "pura". W~rio de Andr~de constata que a cano, no se!!.
tido de como a podemos compreender hoje, nasceu no scu-
lo XVI, depois do perodo trovadoresco. Seu tema preferi
do sempre foi o !ltor, "o a.m.or corts, cheio de delicade-
zas e gr-finismos de expresson. Para t~:rio, a expres--sao sentimental, de forte sabor individualista, opunha-
se ao coletivismo da pollfonia do cantocho medieval:
ucriado o conceito de harmonia e manifestado ele na melo
dia acompanhada, logo se definem com facilidade os ele-
mentos gerais da expresso sentimental". Sendo assim,
"a necessidade da palavra na msica surL:iu paru dar-lhe
sentido, de modo a ser compreendidau .. Ainda segundo ttirio
a distino entre msica erudita. (em geral prescinde da
palavra) e msica popular (eu. geral reclama a palavra)
tal como ' a concebemos hoje, firma-se no seculo XVIII,
quando ua rnsica no tem outra ju.st~fica-o mr1-is do que ~ . - .
ser mual.ca" .. Ela entao se estabelece como "musica puraY,
sendo caracterizada. por compreender urru1. a ti vida. . e entre
as elites6
6
~ . Tratar da canao popular e esbarrar na conheci-
da querela msica-letra. Adorno subest~ma as letras das
canes. Para ele, estudioso da estrutura musical, "na
rus~ca popular a correlago letra e u:sica similar correlao entre image:n e palavra na propaf_:'_andau ~ Assim,
' o "poema" musical no passaria de um slogan. Adorno esta
preocupado com a pooreza estrutural da cano e com a po-
breza auditiva dos ouvintes na sociedade moderna .. ?ara
ele, a ;r.ensagem dt Jllsl.Ca po:;.ula.r no passa de mercadoria
posta pelo ~ndstr1a cultural. Letra e mJsica constituem ' "" .. ~ . ~
uma totalidade d.esr,u.alificada, em opos1ao a mus.1ca se-
7 r1. ..
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N
este veja na canao momentos de r~utura, de fUlgurao
criativa, mesruo dentro do campo massificado da indstria
eultu.ral8
Para Jos il:igu.el WisniJr, o conc01tual (ale-)
N ' tra. d.a ca.nao ne apenas um dos seus movimentos, o da b ' ' f{ 9 .... su J.da. a super l.Cie" Cutro que estudou a canao, Char-
les Perrone. afirma que "a avaliao literria do texto
no implica uma completa apreciho esttica da cano",
embora nos ltimos anos as letras das msicas tenham ad-
quirido pertinncia literria, podendo, muitas vezes, .. 10
ser avaliadas COffiO tal
J Luiz 1'atit chBJXta a ateno para o nerfil confuso da msica popular. A partir dos anos 20 ela se
con.f\mde com a prpria .histria do r
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~ \0 I I tural propostos pela canao nos ar1fs b -, e uma espec~e de tnica entre os da minha era~o. Bsta gerao que,
passada dos trinta, pode-se diz;(, foi a primeira a cre~ cer nd.e,fato" co:n a indstria /ltural .. k nes~e campo que a musica popular assume u' papel consideravel.
8
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NO'fAS
(VER GITA\IAO COll?LEfA JJicS OBRAS Mlliul;..tr, p. 8.
9
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10
lO. Letras e letras da MPB p. 16.
11. A cano, p. 1.
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CAPTcLO PlU~ElRO
INDt"TRIA CVL'EUllAL: la promesse du bonheur
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l. E~TANDARDIZAO E CONFORMISMO
Como linguagem, como expresso, a cano muito anterior ao disco, ao rdio, televiso. Porm,
nos tempos em que vivemos, e a afirmao de Edgar Mo-rin, esta grande corrente de inspirao humana entrou
no circu~to de uma maneira tal que a cano moderna, co o cinema., ' 1 mo e um fenomeno da industria cultural ti l!s
' ..
te eera o nosso ponto de partida..
Houve sempre msica em diferentes estgios de
evoluo. Das manifestaes mais pr~mitivss (ritmo-mim-
ticas), o folclore, as canonetae, as baladas etc. ao
' surgimento da musica de Bach, Haendel, Mozart etc, A pa~
tir do Romantismo comeam a ser distinguidos dois planos
para a msica; a msica e'rudita (sria) e a msica popu-
lar (leve). &ates dois planos da msicR foram neutraliza ~ dos, segundo Adorno, pelo processo de estandardizaao,
' desde o advento da industria cultural, que acabou por a-. . tingir ambas as esferas do genero, embora de forma mais .. , 2
evidente, e com maior fora, na musica popular A enfaee que oa estudos de Theodor Adorno da-
~ ' ..... ..I
rao a composiao de Arnold Schoenberg deve-se justamen-' te ao fato de que, para Adorno, o moderno vienenae con-
~
seguiu escapar aos esquemas de estandardizaao impostos
pela indstria cultural. De acordo com Adorno, o proble-
ma da distinqo dos nveis j no est nas melodias, po-is o jazz muitas vezes apresentou frmulas meldicas ma-
is complicadas do que as de Haydn, por exemplo. Assim
tambm nas harmonias, j ~ .
do mesmo jazz sao copias
que muitas frmulas harmnicas
de Debussy e Rave13
A indstria cultural teria investido com sucesso na
diluio dos planos distintivos da msica, por isso a
12
-
anlise de Adorno considera que o problema est na inte-
riorizao dos processos
to de criao da msica, estandardizantes, no prprio a-
erudita ou popular, feita pa-
dis-ra divertir, agradar e, logo, conswnir. Portanto, a
tino outrora ntida entre msica popular e msica eru-pelo grau de estandardizao das e~ dita foi eubstitu{da
feras musicais.
A m~sica estandardizada descarta a necessidade
da compreenso musical exigida pela msica sria. A sen-
sao de espont-aneidade qu.e ela provoca resulta numa
pseu.do-eapontaneidade, pois ela torna desnecessrio o en
tendimento do ouvinte quanto aos processos musicais da
composio. A crtica trocada pela passividade, pela ~ ' evasao, e pelos reflexos condicionados. A musica trocou
o ouvinte pelo consumidor, convertendo-se em .mercadoria.
Ao converter-se em mercadoria, o trao 'bsico "' , - , , da "musica. leve .. e a repetiao propria da serie de merc!_
dorias industriais, perdendo a sua fora de originalida-' de. Nessa medida, indiferente as formas estruturais d~
J ~ ' criaao, ''qua.lquer ca.nao pode ser promovida e transfor-
mada em sucesso, se houver uma adequada conexo ent 1; e
gravadoras, bandas famosas, estaes de rdio e flmee" 4 ' Para Adorno a industria cultural, anulando a
distino entre os planos tradicionais da msica, que de
algum modo refletiam a velha dicotomia entre os modos de
representao superior e inferior, colocados para as Ar-
' tes desde a Idade Clasaica, acabou fracassando no que p~
deria ser um projeto democratizante. Convertendo tudo em
mercadoria para consumo e lazer organizado, a indstria
cultural forou a unio entre os n!veis das artes. com prejuzo para ambos: "a arte superior se ve frustrada de
~
eua seriedade pela eapeculaao sobre o efeito; a inferi-' N or perde, atraves da sua domesticaao civilizadora', o
13
-
elemento de natureza resistente e rude, que lhe era
rente enquanto o controle social no era total"' .. in e-
o ca so da "cUltura popular", ora regu~amentada para o consu-
mo da moda nos grandes mercados urbanos. t o caso da "cultura erudita", ora reificada para consumo e ostenta-~
ao das classes privilegiadas. A ind~stria cultural p~-
de capitalizar ambas as esferas para a elaborao doe
seus produtos.
Ao se assumirem como mercadorias, as produes
culturais visam o consumo. Ao visarem o consumo, elas
perdem qualquer valor adiante do conform1smo. Enquanto
integralmente mercadorias, os produtos cul tura.is geram,
na expresso de Lucien Goldmann, uma pseudo-cultura com
aparncia cultural. Esta pseudo-cultura fruto daqueles que se tornaram os elementos culturais constitutivos da
vida moderna: o rdio, o cinema, o disco, a TV, o livro
de Lolso, a literatura sentir~;ental, os condensados, os 6 quadrinhos etc
De um modo geral, a arte moderna se insurgiu
contra essas variantes de sucesso no mundo cultural, cu-
ja caracterstica vem sendo a transposio facilitada,
ou quase imediata, do referente, gerando um rebaixamen-
to de n!vel das formas art!sticas para atender ao rebai-
xamento de n{vel no goeto e na capaciuade irr.aginativa do
espectador-leitor-ouvinte, em nome da maxinza.o dos 1!!, #
cros. A arte moderna tornar-se-a, contra o conformismo, ' uma arte da recusa. Ao contrario, por exemplo, da exal-
tao do individuo, na qual prdiga a indstria cultu-
ral, a arte sria nse interroga sobre a. existencia do tjo
14
mem no mundo contemporneo, sendo por isso obrigada a si tuar-se no mundo abstrato, isto , a no expressar-se au xiliada pela h.1at6ria do indivduo nem mesmo pela de um
acontecimento vivido, j que o prprio indivduo no . e
um elemento essencial nH tJocied~Jde contemnoranea, como o
-
era na poca de Stendhal, de Ba1zac ou de Flaubert7,
Para Goldmann, as obras desses autores esto
inseridas na fase do capitalismo liberal, desde a ascen-
so burguesa at 1910, quando, a ttuJ.o de exemplo, o r2.
mance de personagem problemtico, e a qualificao de ' Lukace, refletia, desde a
a coneoiencia db perda da sua estrutura e configurao,
totalidade ante a falncia da
ideologia burguesa, assentada na cletre generalizao
da liberdade, da icua1dade e da fraternidade. ' ' . Voltando a mus1ca, Adorno constata que o enor-
me prestigio da melodia na msicR tonal significou um ' . contrato social feito as vesperas da sociedade burguesa
propriamente dita. Para ele, a tonalidade teve como fun
o estabelecer certo equilbrio entre o particular e o
' ' universal na musica, Este equih brio acabava por demons-
trar, segundo Adorno, o desejo de totalidade purggesa,
Entretanto, convertida ferozmente em mercadoria, a msi-
-ca tonal provou ser essd totalidade mera ideologia.
A tonalidade, diz Adorno, embala os ouvintes
desde h sculos, com o objetivo de entret-los, em pre-
juzo da compreenso.
tisfao, relacionada
Ela
com
. . pode eerar uma momentanea sa-
o alvio ante a competitivida-
15
de da moderna vida social. Por:Ql, na realidade, a msica
do descanso acata escamoteando uma pseudo-felicidade,
porque no capaz de retirar o indivduo da letargia., do desejo de aliena.o, uma vez que no refora no ouvi!!.
te a atividade critica desaliena.nte que a atonalidade
veio proporcionar.
O a.tonalismo rompeu, segundo Adorno, com o co~ . . trato social do conformismo musical burgues, ~ncomvdando
o ouvinte: " preciso tornar-se consciente de um parado-xo: exatamente uquilo que vem a ser xingado como 'inte-
lectual' designa algo que ainda no foi manipulado pela
empresa racionalmente ore;aniz~lda., aquilo que nl:io tn.~:r. es
-
impresses digitais da comunicao universal"8 Dessa
forma, a tonalidade foi a linguagem musical da era bur-
guesa, enquanto que o atonalismo significou ao mesmo te~ po um modo de resistencia, e um passo adiante, a esse es
tado de coisas. ' o A rnus~ca. tonal esteve sempre ligada ao senti-
~entalismo. A ideologia do sentimentalismo , para Ador-no, um complemento do racionalismo burgus. o sentimenta
liemo adocicado "mobiliza o antiintelectualismo, que a
sociedade fez brotar por toda a parte e que hoje festeja
um alegre para!so"9 ' o A estrutura mental forada pela mus2ca popular
~ ~
pende para a distraao e para a desatenao. Por seu. lado
a necessidade constante de distrao est ligada ao modo ~
de produao, ao racionalizado e mecanizado processo de
trabalho no mundo contem~orneo. A distrao liga-se ao ""' "' lazer: reposiao ativa d,; capacidade de trabalho. O tra-
balho repetitivo tanto quanto o lazer, cujas formas g~ rais so marcadas pela rotina.
' Ius1ca popular e lazer se associam ao emitir o
sempre idntico. Aqui, a cano sentiment~l assume um
papel decisivo na vida dos indivduos. Ela, como o lazer, ~
programa o temporrio alvio, e chama
ma possibilidade de realizao.;o intima
a atenao para u-< -que o mundo ja nao
pode oferecer. Com ela, os ouvintes emocionais escutam
qualquer coisa em termos de romantismo tardio e dos pro-
dutos culturais da derivados. Adorno vai ainda mais lo~
ge nessa histria da infelicidade humana: '1 eles consomem
m~aica para terem a permisso de chorar" .. ~o contedo
frustrante, a catarae para as massas, a falsa
olO.
liber~
' O sentimentalismo arraigado e assim uma carac-
teristica da msica popular do phmeta. De todas as va-
riantes temticas e mel~dicas da cano a mensagem se!!_
16
-
t~mental que mais vigora no que diz respeito ~ produo
de discos e de dolos, e ao aproveitamento musical nos modernos meios de comunicao como o rdio, o cinema, a
T.:V e o vdeo .. A temtica amorosa ser assim o apelo pri-
mordial no mercado dos bens simblicos trazidos pela in-' dustria cultural.
A mercadoria sentimental aponta para a felici-
ade que o indivduo j no pode obter no mundo moderno.
Ela faz a aeologia do privado e exalta a esfera da feli ' cidHde domestica sob a grande meta do amor a dois. Para
este plano de rea.lizao convergem aa mais profun.daa ex-
pectativas de felicidade individual na ~poca da competi-~
:;:ao alucinada e das mercadorias aca. badas.
A harmonia outrora to nitida entre a esfera
pblica (pessoas privadas em pblico) e a esfera priva-
da (o mundo da intimidade, a casa, a famlia) foi queb~ ,
da, misturando-se os planos: a esfera publica invadiu a
esfera privada de modo a no ll . outra As mercador1as e os
mais se distinguir uma da
estmulos emitidos por elas
na conscincia dos indiv:duos talvez sejam o exemplo m-
ximo dessa invaso. Entretanto o sentimentalismo re~nan
te escamoteia essa realidade, mostrando ao indivduo que
se para ele perdeu-se a ntima relao entre a vida pri-
vada e pblica (a atividade, o tratalho), a nfelicidade 11
poder ser reencontrada no mundo domstico; felicdade
que, deformada pela vida pblica, acaba por inexistir.
Adorno afirma. qu.e na arte considera negativa
' precisamente aquela possibilidade de felicidade, a qual '
se contrape noje a antecipao apenas -parcial e positi-
va da fel:i.cid:ide. Toda arte ligeira e agradvel tornou-
se mera aparncia e iluso .. A *premesse du bonheurt ' ~ fol assim que Wtia vez ae definiu a arte - Ja nao se en-
contra em lugar algum, a no ser onde a pessoa tira a I '.Jdllle,' mascara da fel~cl-ua e ."
17
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18
com essa mscara que a indstria cultural embala seus produtos. Para Adorno, conseqncia de um processo de infantilizao (regresso) o ato" de compra alucinada
essas iluses. E a felicidade ser4 a grande mercadoria ' vendida na epoca da sociedade de consumo. A propsito
do rock nos anos 50, afirnt.'l Little Ri~hard , um dos pi2, . , neiros do tJenero: "comecei gravando musica religiosa,
depois rythm'n blues A tendenci~ era claramente no
sentido de produzir uma msica .. maia bsica e simples,
em que o sentimento era a coisa mais importante As
pessoas estavam comprando aentimentos 13.
De acordo com Edgar .M'orin, a "felicidade mo-' derna e partilhada pela alternativa entre a prioridade
doa valores afetivos e a prioridade dos valores materi-
ais, a prioridade do ser e a prioridade do ter" 14 Lo-
go, a felicidade ~ recalcada no mundo contemporneo, e
s pode ser realizada parcialmente, em meio a renncias
fundamentais. A idia de recalque est presente nas que~
tes ligadas ao processo civilizatrio: a fase mgica -
o mimetisrno fundado nos rituais de imitao da natureza
substituida pela fase histrica, fundada nos rituais do trabalho15 Ao longo do tempo ocorreu a passagem da
~
mimese refletora para a reflexao controlada. Conforme
Adorno e HorkheiLo.er, "a m~mese incontrolada proscrita. O anjo com a espada de fogo, que expulsou os homens do
para!so e os colocou no caminho do progresso tcnico~ 16 o smbolo desse progresson ..
A felicidade sub~raida ao mundo foi constante-,
mente evocada pelas artes, mu1tas vezes nostalgicas do
tempo em que indivduo e natureza no se distineuiam
pelo domnio daquele sobre esta. Assim como as formas
artsticas tm a vantagem de repor alegoricamente aque-
le passado, ~ indstria cultural tem a desvantagem de
-
querer presentific-lo, aqui e agora, a cada produto
vendido. I Quatro ou cinco horas de radio ou televiso
~
sao suficientes para levar a nocaute o indivduo mais
19
reflexivo. A promessa da felicidade aparece a cada ins-
tante, amontoando-se em filmes e slo~ans publicitrios, l 1 ' ' nas canoes, nas te enove as, nas mini-series e ate me~
mo nos telejornais. Sua presena redundante e opressi va, o oastante para deixar o sujeito enjoado, entediado
e, revertendo as propostas das mensagens, infeliz. . , A sensaao e sufocante para uma minoria, mas
talvez igualmente para a maioria, merc do lazer do-. . ms tico e tara. to trazido pelos meios de c'omunicao.
' ~ Adorno refere-se a sensaao de claustrofobia: npode-se
falar de uma claustrofobia da humanidade no mundo admi-N
nistrado, uma senaaao de clausura em urr. contexto cadc-t
vez mais socializado, densamente estruturadou17 o pre-sente enraizado na secular tradio que acabou impondo
o sistema capitalista na vida dos homens separa continu~
-mente una dos outros, prevalecendo o interesse de cada
um contra os interesses de todos os demais. O isolamento
tornou-se brutal.
No plano das artes srias, a idia de felici-
dade foi sendo secularmente enterrada. A ironia tem sido ~
desde Homero o motor das composioes. A partir sobretu-
do do Romantismo, a tenso irnica reagiu ao falso con-
forto espiritual prometido pela socieaade burguesa. No
plano d~ vida do esprito, a ironia tornou-se algo im-
prescindvel para que o indivduo sobrev1~ com dose m-
nima de lucidez e criatividade na era moderna .. O concei-
to de her61 degradado est intimamente relacionado com
ela. O neri, tal como na vida
po contemplado e subtrado nas
dos homens, e a um so tem a,:;es que pratica. A so-
cieddde administrada, planejada, burguesa, obriga, segu.n
-
20
"' do Adorno, a uma J.ntegra,;ao cada vez malor do indivi-duo, forjando uma falsa totalidade (felicidade) e, lo-
go, a~entanno progressivamente aa tendncias desagre-
gadoras- Ironia: a individualidade massacrada para que se venda a felicidade, Ela a grande ilusao da vida moderna, onde ocorreu a ciso do individuo com os
outros individuas, da parte com o todo, do particular
com o geral. A pessoa foi jogada num abismo. Este abie-' mo e preenchido pelas ideologias das quais a indtistria
cultural e um poderoso agente, . ~ ~ Ate o Romantismo a noao de felicidade nao
se confundia com a noo de prazer. Segundo Renato Jani
ne :rbeirot durante o Antigo Regime o prazer se sobrep!:!_ nha felicidade. Esta, tttal concebemos hoje como a e
' -uma noao l:urguesa: ela vai exigir, a partir de ento, uma ruptura com os planos externos, com as regras soei-
ais, ela ae fUndamentara numa exaltaao da intimidade
.... "18
Assim como no existiria indstria. cultural sem.
o moderno ca.:ei talismo,, ela seria impensvel sem esta
exaltao da intimidade. No plano lite-rrio, a exalta-
ao da intimidade, que refora "o senso de contraste e~
tre o subjetivo e o objetivo, o estado mental e a condi - . ~ . . -ao exterior, o individual e as ex~genc~as soc1a1s ou
naturais", acaba constituindo aqu.ilo que No:rtbrop Frye ,, p ~ -
chamou de nmodo imita ti v o baixo1t. Este modo sera defln.!:_
tivo nas representaes art!sticas da poca moderna. Na
fico, o heri., em permanente desceno, passar do pl~
no mitolgico (elewdo) para a altvra de ns mesmos (r.t.,
ooixado). O que untig&mente foi confint'ldo aos gneros
menores conto a. s~tira e a con:dia, agora vem fundar c > > l9 t " d > t t > 1 modernismo l1.terar1o Sem es e mo o ~ml. a l.VO , e~
do a alto grau de simplismo, a indstria cultural no
sobreviveria.
-
21
~ ~ . :~xpreesoee como "publico" e "privado", tais
como as entendemos hoje, so mais ou menos fixaUae no . ' seculo XVIII. Pul!lico: aquilo que encontra-se aberto observao de qualquer um; privado: a regio protegida
da Via.20
Nessa poca, j o centro da vida pblica e-ra.m as capitais, onde se aguavam os contrastes entre a vida pubbca e a vida ori vada. A fa.adlia paseou a ser um doe escudos para se proteger da ordem pblica, cada
vez maia complexa, competitiva e agressiva. Trata-se
de um refgio i
-
22
se-ia ser mais feliz. Calvino acreditava na vantagem
da cidade pequena por esta ser "o instrumento polti-
co mais seguro para reprimir a natural baixeza humana",.
Assim, "devassido, isolamento e sorte: eis os novos es t1mulos das grandes capitais; estes eram os temas de
Balzac: o empresariado o modo b~sico das relaes h~-21 manas"
Por ter desde sempre encontrado a razo por
obstculo e por ter se tornado ainda. mais proble~nti
ca para a vida dentro da esfera do moderno capitalismo, . ~
a fell.cidade nao passou sempre de uma promessa. Neste
sentido, os temas da sentimentaldade derramada que a
indstria cultural empurra no imaginrio mediano, apos-
tando nas idealizaes das j nem to nitidas esferas da intimidade e da privacidade, tornam-se menos que u-
ma promessa, uma mentira.
2. CONFORfulSIW E RE.'SlSTfJlCIA
As .formas musicais implicam seu.pre em origina
lidade e repetibilidade. No perodo anterior era bur-guesa, a originalidade tinha maior }H:so. A situao foi
,t ... .... ' " invertida na epoca contempora.nea, sob Drez,sao da 1ndus-~
tria cultural .. A evoluao mostrou que o plano individu-
al, onde pode atuar com maior fora a originalidade,
no mais se reoliza no plane coletivo, onde esto as
originalidades sedimentadas eru convenes. As nostalgi-
as de reconciliao entre oa doia planos so prova da
totalidade perdida na. era moderna.
A indstria cultural, assim como busca fundir
os n!veis das artes, tenta recom9or aquela totalidade,
mas de forma enganosa ... Ela acaba desprivilegiEondo a ori
-
2.3
ginalidade em troca da repetibilidade, 0ue est na
essencia tia merca.do:x-ia de consumo., Adorno considera
que, ainda assim, as formas musicais resistiram por
mais tempo que a literatura e as artes plsticas ao
processo de
tural. Isto
-
~
masslficaao colocado pela indstria cul-
devido ao seu uprocesso no conceitual e
nao concreto", que dificultou a apropriao, uma vez.
que a burguesia toma pr1mei:ro os contedos., eviden-t ddFrf ' ,, e que o pensa or e ank urt esta se referindo a rnu
eica-m&.aica, ttm.sica. para 1' .. No sculo XIX, na poca das printeirBs gra.n-~ ..
des produoes e reproduoes em massa, o romance reage ' \ , ' ,. ' ao folhetim, a pintura a fotografia, e a mus:tca a mu-
sica do salo e do teatro ligeiro. Estas novas formas
faziam enorme sucesso entre oe escales da burguesia
' recentemente endinheirada, e em meio a decadente aris-
tocracia. Entretanto, interessa a Adorno frisar que ' foi com o radio, com o cinema, e com as formas da nro
' -paganda, que a msica tornou-se "inteiramente seques-
trada pela ratio* comercial", virando mero artigo de 22 consumo
A poca dos novos meios de comunicao coin-
cide com a entrada det'in:t.tiva da cano ropular nos e!_
qu.emas comerciais .. O advento da tecnologia, pr:tmeiro o
disco, depois o rdio, ''internacionaliza" a comerciali ~ zaao musical. De acordo com Roberto !Luggiati, 1:112
foi o ano em que pela pr:tmeira vez a palavra ntuestt
apareceu nUJLa partitura, enquanto que "The Jelly Roll
blues", composta por Jelly Roll Morton, considerada a
primeira partitura de jazz foi -pUblicada em 1915. No
~rasil, o primeiro samba gravada (ainda somente com
msica) d~::.ta de 1911, enquanto que npelo telefone" (co!!!,
bl.nao letra-msica) ap[treceu. em 191623
Roberto Itug-
-
giati afirma ainda que "Crazy blues, com a lendria
~&mie Smith, foi gravado em 1920, sendo este o pri-
meiro registro fonogr~fico de urr, blues24 , Na Argen-
tina data de 1918 o pr~meiro tango-cano, "Mi noche tr1ete25
24
Vemos assim que h uma espcie de coincidn-cia histrica na evoluo da msica popular nas Amri-
~ <
cas. As datas estao relac1onadas com o surgimento das primeiras
sociedade
~
gravaoes, do
de consumo, t
' . radio e da emergencia de uma ~ , <
a explosao da musica popular
urbana: o jazz, o tango, a rumba, a samba: primeiras
manifes taqes na histbria da meica de uma 1' cultura de 26
ma.ssasn
Constatado o n histrico onde se entrela-
am formas musicais diferenciadas, como num ponto de
partia em uma espcie de igualdade de condies (a
tcnica pioneira para todos os lados), rumo evolu.-, .
o pu.ra o mbito da recem-criada indstria do disco,
o que parecia igualdade se diferencia novamente. Os n~
vos produtos acabam refletindo os processos da fora
tconmica dife-rencit
-
25
tetdo do disco, apreendendo-o de modo distanciado da ~ ~ sua eondiao de manufatura. npor consequencia, o valor
- de troca so se concretiza no conskmo, o que f!Uer dizer que o valor de ' uso e a base material onde se assenta uma relao determinda: o valor de troca.. o preo a expresso monetria deste valor e o fundamento de prod~
o de mercadorie-diseo"27. Para Adorno, o valor de uso aparncia ilus~ . ,
ria na mercadoria, aparencia necessaria 9ara a conser~ a.o dos bens culturais na sooied~1-de capitalista. 'Valor
de uso e valor de troca formam a total~dade da mercado-~
ria. Separados eles nao passam de abstraes. Assim, o , mero valor de uso e substitudo pelo mero valor de tro-
ca., '*o qual, precisamente, enouanto valor de troca, as-
sume ficticiamente a funo de valor de uso" 28 Final-~
mente, pode-se dizer, o valor de uso nao passa de um si
mulacro do va.lor de troca.
A rnercadoriu ~ fetichizada.. A fetichizao e!_ ' ' ~ ta liguda a iluaao do valor de usot que impulsiona o va
lor de tro~a& A fetichizao uma condio da inds-tria cultural .. Quaisquer tentativas de demov-la impli-
cam, segundo Adorno, no d10 dos homens expo~tos ela .. A conscinciR r~if~cada escamoteia as reais contradies
sociais, gerando a falsa conscincia ensaiada pela inds
tria da cultura. Es ii'i deixa pl-\r'l,lisada e "conf,eL:i" " b "29 entorpecida imaget~ca urguesa
As 1magens se sobrepem a
-
26
"QUanto menos se pode agarrar o conLedo, quanto menos ele coincide com a experiencia habitualu, diz Adorno.
O esvaziamento dos contedos anestesia o individuo, a~ oeneficio
duto30
do involucro, da imagem que erupacota o pro-
A ess~ncia da indStria cultural o negcio. ~ A ~ t E dele que advem a produao em serie, que, por sua vez,
converte tudo e todos em semelhantes~ Vigora para os
individuos, indiferenci~dos, a categoria nica
mid.oree: a necessidades iguais (a satiafaco)
de consu
corres-
pondem os -produtos estandardizados, cuja caractersti-, ' ca ~asica e, segundo Adorno, a atrofia da imaginao e
da espontaneidade .. Para Adorno e Horkheimer, na inds-
tria. caltural perfidamente realizou o homem como ser
genrico. Cuda ' u.m e apenas aquilo qu.e qualquer outro p.2_
de substituir: coisa fung!vel, u..m exemplaru31
A cultura burguesa tradlcional viveu seus po~ tos culm~nantes ate 1914, quando prepara-se par~ entrar
num per!odo de trdnsio (entre Guerras) e chegar mo-derna '*socieda.de de massasn ps-45. assim QUe Lucien
Goldma.nn periodiza a ;noderna cultura. De acordo com ele,
depois da II Gaerra, ocorreu uma interveno cada vez H
maior dos organismos dirigentes da produao c-...::..ltural,
atravs de polticas de regulamenta~o e de alto consu-
mo, na vida dos indivduos .. Isto se deu nao mesmo tem-
po em que se desenvolve entro estes lt1mos a tendn-
cia a ace1.tar passivamente, e, inclusive saudar, esta
interven:;o". ' C co na elmo desenfreado de bens sin:bolicos
leva, segundo Goldmann. deeculturizao da socieda-de moderna .. Junto com ela a desqualificao, on(ie o ori
m.ado da quantidade se sobrepe ao da qualidade. A quan-
tidade parece roingar a reflexo .. A recep:;o ativa da
c\lltura cede lut?;ar recep
-
27
~ ~
unidimensional .. Se a evolu,ao social nao muda, o ho-
mem, de acordo com Goldmann, viver e agir cada vez , ~ to# \
mais numa unica dimensao, a da adaptaao a realidade,
descartando a possibilidade da outra, a da ultrapassa-32 gem "
A adaptao satisfeita real1dadet a febre ~ -pela a.scensao a padroea de consumo cada vez mais elev!
dos acaba se relacionando
excelncia: o da formao
com um fenomeno moderno por
de tcn~co~ analfabetos. sua alta especializao corresponde um baixo nvel de
reflexo individual. Eles tomam parte de um nivel de
vida elevado numa sociedade cada vez mais tecnizada e
tecnocrtica. Eles refletem a crise da razo na 9oca contemporanea, sendo esta pautada pela completa irra-
cionalidade sob a aparncia de absoluta racionalidade~
O deapreatlgio da reflexo corresponde ao prestgio do
imediato, do veloz, do pragmtico e do consumo, geran-
do na contrtiparte os sintomas de m.el&ncolia e infelic:t
' t. t d 33 dade numa epoca que prome 1.a u o ..
Os yrocessos de racionalizao evoluem com o
capitalismo. Nas relaes de com9ra e venda, a figura ' do fregu.s foi trocada pela do cor ... e.:nr.idor. E a livre
negoclao, homem a homem, foi interposta a tabuleta ' . com o preo da .mercadoria. O consu .. ;ru .. dor e, >:>egundo H!ax
weber, o efmbOi.O da Luta amarga e coropetitiVd do novo
esp{rito34 A presen.st do consu.nudor liquida com a exi!
tncia oblica do individuo', outrora livre negociador
A ~ .
experiencl.a
-
28
-zaao possibilitou a venda de mercadorias feitas m-quina e vendidas a preo fixo .. Os grnndes magazines
passaram a f"...mcionar como extenso e vitrine dao rt1ri
ca.s produtoras de mercadorias em srie .. Eles se espe- _.
ciali;:-aram na venda de produtos medianos para atender ' . sobretudo a classe me
-
29
de massas e cultura. Aquela msca adquirir cultura pa-
ra fins de educar-se, ter status e tornar-se superior; H H
esta apenas para diversao. Su&. grande escola nao a erudio, mas a indstria de entretenimentos. As artes
do sculo XlX procuraram reagir indstria cultural, . mantendo-se por caminhos prprios. Elas s no conse-
guir~m evitar o seu grande inimigo: o filiste!smo nos
seus prprios meios. O filistesmo designou uma menta-
lidade que julgava tudo em termos de utilidade imedia-
ta. Ele sie7!1f1cou um ato de infiltra:o da mentalida-
de consumista imposta pela indstria da cultura: "sem-
pre foi caracterstica do filisteu educado desprezar o
entretenimento e a diverso, pois tal como as finalida ~ des nao necessariamente imediatas da arte nenhum. 'va-
lor' poderia provir deles" 37 N
Neste sentido, as artes modernss sao dupla-
mente saqueadas. Os filisteue juntam-os aos produtores
da indstria cultural. Aqueles ca9italizam a arte para
uso prprio, estes "esgaravatam toda a gama da cultu~ ~
passada e presente na a:-sia de encontrar material apr2.
veitvel1'. As artes esto condenadas. Ora para servir
de exposi-o do status do filisteu, ora para serem
transformads em diverso e consumo fcil.,
Para Adorno, a msica deSc.hoen'berg, resistin-
do ~s garras do filisteemo, e no sendo propensa ~ di-~ # .... ~ .
verso e ao consumo facil, opoe-se a esfera mus1cal da
vida turgu~~sa. Adorno afirma que em_ termos musicais as
di.f1culti0des posths pela obra de Schoen oorg esto menos
lit;ad.s composio do que ao pblico acostumado pela
Lndatria cultural ao conforto auditivo. A msica de
.Schoenberg descurta esse conforto, exigindo colabora:o
ativa e concentzada por parte do ouvinte: "a m;;ns agu-- ' ... ~ . " da atenao a ruultiplicid&de do simultaneo, renunc1.a as
-
30
ne.bituais muletas de Ulll&. auio que sabe de antemo
o que vir depoie~ 38 1fl"ata-se da prxis ao invs da contemplao.
Comchoenberg termina, segundo Adorno, a co-
modidade (felicidade controlada) do ouvinte. Sua msi-
ca "peca contra a div1so da vida em trabalho e tempo
livre, e impe ao tempo livre uma espcie de trabalho
que poderia desconcertar ante o trabalho propriamente
dito 39 A idia de prxis significa energia espiri-4 ,
tual em extrema tensao, no lugar do carater simplorio e prazeroso - a musica como pausa, como lazer - da au-
dio burguesa. 5cboenberg, como se v, teria uma fUn-
o revolucionria para Adorno .. A sua o'bra ressucita.-
ria o indivlduo da pseudo-felicidade que o aniquila.
Resgatando o ato de compreenso, Schoenberg contribui-
ria para resgatar o individuo massacrado pela socieda-
de burguesa.
A msica popular tornou-se largamente consu-
mida porque ela descarta a necessidade da iniciao. O
mesmo vem acontecendo com a rus~ca erudita: "na reali-
dade, na concepo que o pblico tem da msica tradi-
cional, permanece im:>ortante apenas o aspecto mais
grosseiro, as id~ias mus~cais fceis de discernir, as
passagens tr~gicamente belas, atmosferas e - 40 . 1 oes" Para Adorno, a estrutura mus~ca que
associa ....
d senti:,
do a tudo isto desconhecida pelo ouvinte educado pe-lo rdio, no menos desconhecida ''numa sonata juvenil
de Beethoven quanto num quarteto de Schoencerg, que, . -contudo, pelo menos adverte que seu ceu nao vinh& chei
o de violinos, cujos doces sons o embelezamn 41 ..
Para finalizar, Adorno prope a audio res-
ponsvel num momento em que a esfera da individualida-
de foi tomada pela indstria cultural. ~ate tipo de
-
31
~
audiao~ reflexiva, :funciona como resistncia ao anti-
intelectua1l.smo em voga na era mode-rna. Schoent:erg ' \ ' e o passo a fr-ente e a sa1da apontada oor Adorno para
os dilemas do o-uvinte na ''sociedade de massas 11 ..
3. L E C
kta.rio de Andrade, conforme citao j refe-rida, tocou em dois pontos fu.nctamentaie para a discu~
so que aqui se vem levando .. A ntima combinao do
prestgio da melodia a partir de um dado momento, com
a valorao de dois planos para a rnsica: msica sria , ' ., ,
e mus~ca popular. U~r1o e um verdadeiro precursor en-
' -tre .rws daquelas ouestoes que an:unnriam todo o deLate em torno da msi-ca no sculo XX.. Tanto a melodia,o.ue
carrega o sentimentalismo, quanto essa divJ.so musical,
vo dar, com.o j vimos 11 nos problemas das tr..eica com a l.ndstria cultural,..
~
relaoes da
.Para ~~irio de AndrB.de, a melod~a uma con-quis ta do cristian~smo ..tna responsvel pelo senti-mentallSliO romnt:tco que tornou-se urna CEraeterlstica
fu.ndaroent:otl nos terw::tS e nos ape1m3 dH cano. lsto- por.
qUe:"a melodia nasce pl:'sa cuJ..tivo do.e: at"'etrJs e das e-.... , . t' ' r.nooes",. Wa.rio afl.rmou que a .tJus~c.a, com o pres l.E .... O
J.i&l.ctico, o.eixou d.e ser sensor1a.l para se tornar sensi . 42 lf
t~--_,a .. A ELUHica Hnterior cto cristlJJXll.E\JJO ora notada-
mente- r trr.:t.ca. ~i'endo a .rnelodia se sobre r::.osto ao ritmo,
~'~a ILs1.ca se sutLLiza e vai de~.xar de ser J:::n:!.-d{ttivamen-
te sensa:;:&o ~,,ara se torna-r sent2mental 11 .. Foi nessa me-
dida que, .segundo J.;:rio de t-'l.ndra.de, os cristoe. torna-
-
32
duou43.
No plano da maica brasileira, somente no s-
culo XIX fixa-se nela uma flaionomia mais prpria, em N
meio a uma certa cont"us
-
33
r1to sent~mental, e por vezes malicioso, prprio para
atender aos enleios: do goato mdio, mas 'tamb~m por ter
se f~rmado e evoludo com os meios urbanos. Ela percor-
re , como forma musical altamente aQreciada, todo o Im-
prio (Carlos Gomes e outros compositores de msica e-
rudita praticaram a modinha) , av~ando para os primei . . , . '
ros deoenios deste seculo, prl.ncJ.:palmente com Catulo da
Paixo Cearense. Da modinha serenata (esta mantm ca-ractersticas daQuela}, os p;imrdios da moderna can-
'" , ao baseiam-se nessas du'~ls vertentes: musica praticada
nas (ou em torno das) cidades e senhmentalismo derra-
mado, em direo a um pbl1co dom~stico, em que as mo-. I il . 4b as canstltulam uma especle de alvo
Como j foi apontado, esta configura~o refe-" ... ' " . " rente a. modinha t1:anscende ao ambJ. to da iLUSl.Ca,. Ela e a.
tnJ.ca do comportamento geral da cultura brasileira. s~
6undo Antouio Candido nossa literatura do
em gra..nde medida, condlciona.da por esta
secto XL
-
34
ra, foram tidos como prprios do brasileiro; foram con_
siderados nacionais a seu modo, de valor quase c!vico,
e freq.entemente inseparveis o patriotisruoa 48 .. Numa
cultura de oralidade e sentimentalismo to marcantes, e d.e se esperar QUe a cano v.iria ser a forma cultural mais popularizada, e depois prestigiada, entre os tm-
sileiros, a partir aa era do rdio.
Antes Uo rdio, as salas de espera uns cine-
mas funcionavam como lugar de divulgao e frulo da
:nsica popular. Nelas_ as execues do c11oro ocupavam
lugar de destaque~ Neste contexto apareceu o maior m-
Slco brasileiro do gSnero: Pixinguinha~ O choro se con~
ti tuiu enquanto "msica dos aubr.bio:s, dos pequenos
fu.ncionrios, dos operrios, dos msicos soldadost da
gente hUlllilde do Rio de Janeiro" 49 ~
Esta citaao faz .notar dois aspectos importa!!,
tes. Em primeiro lugar, a configurao de um pblico (e
de um espao) diferente daquele aprechtctor da modin.ha
(a. domeaticidade, os sales e a corte; aa intimidades
com a literu.tura e- com a msica erudita) .. luear agora
pblico, a diverso mediana, e a platia aQuela q1.1e est formando a 11 massa~~ consum:i.dora .. Em segundo lu-
gar, nota-se aind':t uma in tensa e oll.dariedade { proximi-
dade) entre os msicos e o pbl:ico, nurn esquema de ola-
tia restrita, onde ainda no se formou u. celebr1-dade ..
No contato dire-to das s~i.las do c::..J".-ema, r:.~{ucos e plat-
la enc .mtru.m-se ainda em frl-:tt'l.CFL integra~o~ A cuJ.tur&
da oralJ.d.acie vigora ainda em tod.o o seu 0splendor .. Al-
. ' guns anos depo1s e a eapetaculo seria outro ..
llill'.rio de Andrade percebeu, na esteira mesmo dos
acontecimf_lnt;;_)s (ar:os trintt.,), o p-roceeso de desqualii'i-
~ ' . 1 + 1 ~-~ ca-.;uo dtt ,;;u~-;l.ct popu sr no momethO ~tm qun e a mergu . . lut
de fttto nu esfera du me:rc~.HJOrl& . .A fPvSe pioneira do r-
dio tuvid :se t..se::otacto nos anos vinte, depois que o :novo
-
35
veiculo deixou suas primeiras finalidades educativas pa-
ra transformar-se em empresa capitalista .. E neste momen-to que cresce a demanda da msica popular comercializa-
da. ~itoe ictolos foram chamadost cantanQo e compondo pa
ra formar a primeira galeria do 11 shO'VI>'-bUzinerssu nacio-
nal, Referindo-se ao livro de Marisa Lira sobre Ch~qui
n.ha Gonzapt ~rio queixava-se dos novos tempos: "a in-- ' venao de Chiquinha Gonzaga e discreta e raramente banal.
Ela pertence a um tempo em que mesmo a composio popul~ ' resca, ,mesmo a musica de dana e das revistas de ano ain
da no degradaram cinicamente, procu:r-ando favorecer ape-
nas oa inetintoe e sensualidades mais reles do pblico
urbano, como hoje. Basta comparar uma cano, uma modi-
nha, uma polca. a.e Francisca Gonzaga com a infinita maio-' ~ .
r1a das canoes de radio, os sambas, as marchinhae de
carnaval deste sculo, para reconhecer o que bfirmoe
( ).Trata-se de um verdadeiro rebaixmento de nvel,
' num interesse degra.dado em servir o publico com o que lhe
for mais fc11, mais imediatamente gostoso para vencer
mais rpido numa concorrncia ruaJ.s numerosa e brutal1150 .. Nesta passagem, como se ve, nota-se o problema
da facilitao do gosto, posto pela indstria. cultural en
to nascente no pais. Com ela o mau gosto, as apelaes,
dando no rebaixamento de n:!vel e no interesse degradado
afirmados na citao melanclica do grande artista. Agora
vale sobretudo o aspecto competitivo da produo em srie
para o mercado consumidor.
Embora .-.;.rio de Andrade seja um pioneiro ao de-
tectar os primeiros e:fei tos da massificao tre.zida. pelo
rdio ao mbito da msica popular, no bra.sil anterior ao
golpe de ~4, a indstria cultural ainda incipiente. Na dcada de trinta, quando o pa!s passa por um verdadeiro
surto de a1odernizao, ela atinge aind.a wn nmero rela.ti-
-
36
vamente reuzido de pessoas. Em nosso pais, a indstria
da cultura se implanta segundo um esquema de desenvolvi-
mento e industrializao recentes. Ela a-ponta para um ti
po de sociedade que outros paises conheceram em pocas
anteriores51 ~ ,
No ambito nacional e somente em 1966 que sur-,. gem as reflexoes de Ferreira Gullar sobre a produo cul
tursl na sociedade de massa. Nesse trabalho, o escritor
j dizia que "a arte popular de nossa poca essa. a.! est expressando- -~e preponderantemente, atravs
que
do r
dio, da TV e dos Jornais *'. Ferreira Gullar apontava. a
estereotipia das formas e os temas convencionais, anali-
sando o conservadorismo das mensagens, a servio das ca-
madas superiores d.a sociedade, assim como a pobreza fios
contedos, dado o desprestgio da improvisao nos pro-
cessos de criao e fabricao doa produtos da indstria 52 cultural
Segundo Renato Ortiz, os Estados Unidos conhe-
ceram j nos anos trinta estudos de idntico processo~ A Europa, com a Bsoola de Frankfurt, analisou o confronto
da cultura com a indstria cultura~, finda a Il Guerra~ ,
Salvo o pioneiro ensaio de Gullar. nos historicos deba-
tes do Teatro Casa Grande53 , no meio da dcada passada,
intelectuais de expresso discutiram os problemas da cri.o.
se do nacional e da censura nas artes 'brasileiras, sem
que estas questes, de fundo poltico, se filtrassem ain-. . ' da pela iru.inencia de uma "cultura de massa" entre nos. Pa~a Ortiz ~ somente nos anos oitenta que os
anall.stas vm percebendo que ''o popularn se identifica
ao que mais consum~do* ?ara este autor, a lgica do me~
cn.do acaba despolitizando a discusso, diferentemente da
poca anterior, quando "a relao entre cultura e _polti-
ca se expressava como complementariedade ( ..... ) poroue vi-
-
37
v!amos no interior le uma sociedade de mercado incipien-
te", de zr..odo que ndoravante se acentua uma dicotomia en-
tre trabalho cultural e expresso po1tica 54 , A afirma-~ ' ao, se por um lado e um tanto perigosa, porque generali
za a tonica do presente e reduz a situao do passado;
por outro aponta para um esvaziamento que, no limite, po -de trazer a completa alienao, e logo a perda de senti-
N
do de toda prodt>ao cultural.
Mas voltando aos anos trinta, ' nessa epoca o consumo de livros aumentou no Brasil. Est surgindo o f e
nomeno dos ttbest sellers". De acordo com Srgio Miceli,
"os livros e aventuras, os romances policiais, os id!-
l~os de amor improvvel ( ), as blagrafias romanceadas,
eram os gneros d.e maior vendagem1155 Quer dizer, quem
est consumindo livros "em massa" , no geral, um pbli-co mediano, para
Esta denominao
quem se moldam estas formas literrias.
' de publico lembra o fato de que nem sem
pre a cultura erudita liga-se ao gosto da classe dominan -te, assim como a "cultura de n:mssan ao d!as cla3ses suba!
ternas .Ue wr. modo geral, a "cultu.ra de massau liga-se
-sobretudo aos grupos em processo de ascensao, cujo status ainda necessita de legi~imao cultura156 - . Sendo assim, o gosto da clrctsse dominante nao e
I -necessariamente um gosto elevado. Da~ a penetraao do
kitsch, cultivado tanto nos estratos mdios como nos su-
periores, muito embora a esttica kitach esteja em prin-
cfp~o ligada ao gosto mediano, de fundamento pequ.eno bur-
gu.es. O ki.tsch est voltado para o entreteniutento, para
o modelo de descanso e* como tal, tanto pode se aprovei-
tar dos estmulos emitidos pela ttcultura _popular", quan-
to pelos consagrados efeitos da "cultura erudita"57
A comercializao du idia de fel~cidade encon-
trtJ-ria no kitsch seu estilo mais acat:ado .. Ele correspon-
-
38
' ~ " d.e a negaao do autentico, logo, trata-se de uma falsa
promessa, de uma iluso atenuada pela aparncia concre-
ta da mercadoria. De acordo com Abruham Moles, o termo
""kitsch" est ligado ao alemo ukitschen11 que significa ' . fazer move1.s novos coro velhos; e a "verki tschen~~ que siB:.
' nlfica trapacear. O kitsch e a arte da sociedade burgue-' . sa. ltle se vincula a epoca do consumo. Ele atinge o seu
momento culminante ~ps o triunfo da burguesia e, depois. ' entre a sociedade afluente. Ao contrrio da gr~~de arte,
' "o kitsch encontra-se a altura do nomem comum, por ter
sido criado pelo e para o homem mdio, o cidado da pros-
perid.adeu .. Assim, a marca do kitsch relacionar o origi-nal c-om o banal, com prejuzo bvio para aquele. "O . ~ ~ kistsch e a aceituao soclal do prazer pela comunhao se-
creta com um mau gosto repousante e moderadon .. Ble cone ti tu! do a partir de um perfume do ron;antisrno diludo num
e!:l'tllo de vida" 58 ..
O kitsch smbolo da peeudo-aofl.sticao est-' w ' t~ca~ Para ?ierre tiourdieu a recusa a sofisticaao este-'
t1.ca marca da cultura de classe mdia, Exclusividade da cultura erudita, a sofistica.o exige distanci.aruento e i-
nl.ciao. Assim, somente uma uan-oria nos estn:;.tos mdios
artistas, professores e certos lntermedirios culturais < .... ,... ,.. '
tem esta uc1aao. Parte dos que nao tem acesso a cul-'
tura erudita, dela se distanciam por falta de competnc.ia
tcn~ca para compreend-la e avali-la. O mesmo pode acon-
tecer entre aqueles que mesmo tendo acesso a ela (no que-
rem ou) no esto preparados para fru-la. Bourdieu argu-
sentido de que separa os apreciadores e::r: .. grupos de inicia-
dos e no iniciados. As artes sritts r-ecusa:r. o belo fcil - . ?9 ' prefer~do pela maJ.orl.a .. O ponto de v1..sta e elJ..tizante,
, , 1/' ' porem utJ..l, como se vert.J.. au1nnte 1 pt:H"IJ .. -qmpreender;tl.Os cer-
-
39
toa proced1mentos numa sociedade ainda afluente como a nossa.
t Antes disso, convem relativ~zar estas id~ias de
Bourdieu com outra perspectiva, mais dialtica, poeta
por Antonio Candio. Ele se vale de- categorias como ar--t d t -e e agregaao e ar e de segre~aao para delimitar o campo de apreenso do fenmeno esttico. De acordo com Antonio Candido, a prixeira est relacionada com as exp~
rincias do coletivo e basca atingir um pblico amplo
por meios comunicativos acessveis. Este tipo de arte
procura adequar-se a determinado sistema simblico vige~
te. O segundo tipo se preocupa em renovar o sistema sim-
blico, criando recursos expressivos novos para se auto-
' exprilllir e, logo, dirige-se ao numero reduzido dos recen_
teres quo se destacam do geral de uma comun:i.d,;de. Se a
primeira leva integrao d-,J indi v{duo nos valores co-' -muna, a &egund'3. leva-o a difer-enc:taao .. Para Antonio C8.!!,
-dido, ambos sao processos complementares e a arte sobrevi , ' t t ~- i 60 ve num Jogo dialetico en re essas ~.~.uua en
-
40
vendida em qualquer esquJ.na, foi deatlnada aos espaos
privativos drt casa pequeno-burguesa (na cozinha, nos
banheiros, nos objetos de manejo pessoal, no campo do
lazer domstico etc.), discretamente escondida da visita
o. O novo burgas no quer ser imediatamente identifi-
cado com o moderno. moderno, para ele, significa recen-
te, como recente sua pr~pria chegada ao paraso. Os mveis antigos viram espectro de um passado inexistente.
Eles so prova de uma falsa consci~ncia e tentam resga-
tar, na intimidade, um humanismo que, l fora, o mWldO
vem liquidundo h tempos. Em seu meio original, o mvel
envelhecia com o uso das geraes; ele tinha funes con
eretas: um guarda-louas, wn toucador, uma mesa. Ele ag~ , . , , '
ra e imped1.do de envelhecer; e preservado ao ma.xuno e,
mu.wJ.ficado em. sua falta de funo, tornou-se m.ero objeto
ornamental, de especulao e ostentao. A pequena burgu!
sia compra os esplios de um passado morto - o mu:ndo ru-
ral decadente - para afirmar sua superioridade. A inici!_
o tornou-se uma questo de compra e venda ..
JJ.ir~o de Andr~de, corno vimos, foi quern primei-
ro percebeu o processo de massificao cultural trazido
pela ind~stria cultural .. Jlrio contemporneo de Adorno .. Suas constataes se a-proximam .. Porm, ao contrrio de
Adorno, que rechaa a msica. popular, Yir1o tem uma gene-
rosa abertura para com o gnero no Brasil. Seu contexto . . ' e outro. A mercadoria moderna e a1nda aqui embalada em.
papel caseiro .&:rio no tem diante de si nem urna cultura
e-rudita suficientemente guarnecida_. nem uma modernidade
pLenamente configurada. 1llesmo assim., ele como que "ad~ vi-
' nha todo o processot detectando a condicionante mercadol~
gica da. c.:anho nos primeiros te::1pos do rdio: n(,~.) nada
-
41
existe de mais transitrio em me~ca do ~ue esta esp-
- ' c1e de compoeiao.. Compor musica de dcm:;a para revistas de ano e coisas assim uma espcie de arte de consumo, - ' tao necessaria e to consu.mivel corno o leite, os legu-mes e sapatos .. O sapato gasta-as, o perfume se evola, o
alimento digerido .. E o samba, o maxixe, a ru.mba, de-pois de cumprido o seu destino rpido de provocar vri-
~ . . I as e metaforcas calor1as. e esq~ecido e substitudo
por outro .. E como o artista s vive na fUno da obra
que ele mesmo cr-1ou, o compos1tor de
de r.dio, de revistas de ano, tambm ,
e em seguida esquecido e su.bstitu~do
dana, de canes ' e usado, gastado,
61 por outro'' .. , ~ . A
f.Jl.rJ.o~ conforme se ve 1 aponta pioneiramente
para a vola tilidsde do produto e do artista rll:~ era da
nascente indstria cv.l tural brasileira 62 e Entretanto, o
qQe parmetro para Adorno (a alida tradio musical europia) ... parn. Jdir o processo de desqualificao rr.usi
cal il:nposto na era do capi t.alismo avanado, no se a_pl!_
ca d.~retarnente ao pensamento de wrio de Andr?J.de, no ' ' . que se refere a :!' .. Usica popular. A dependencic. dos :node- -
los J..rr..porta.dos \at Villa-Lobos praticz.roente} e, logo,
a falta. de uma curV'd. histri.ca berrl delineada no campo ' da nossa mus~ca erudi ta, faz; C:JW ue, no brasil se pen-
se a msica popular con1 um status que se assemelf';.a aqui
uo preat!r;io du r.r1:1.nde r::aica na h\.lropa. Se correta a
observuo, a LJPB 1 ao wenos em seus inst:::X1tes de maior
inte:ns~dCcde criativa, se configura coruo um. 11 Substl tuti-
vo" ao par::uet:roo da vel.f..a cultura numa ~cultura recente~~.
Dito de outra lli&nein-t, cert;;:cuLnte as melnores manifesta-~ . - " ' . 63 oes daqui, para t~dorno e.parece:r:u:\m como l.fiu2t,enc::ut ..
Completano, a evocao de C:;iquinha Gonzaga (e pode-riamos enfileirar Ernesto Na.zareth, Pix:tnguinha., Sinh,
Zequinha de Abreu, e ou:tros mais) que- afirma o parme-
-
42
tro da "boa msica1' brasileira, em oposio msica . banalizada pelos mecanismos da alta comercializao~
Observam.oa que, aqui, popular e erudito no
se d1Stlnguirall! claramente como na tradio que Adorno
tem e.w vista. Logo, a mistura de planos no ae esta-bele-
ce, modernamente, com a estandardizao .. I; para a valo-~ A
rizaao do mais ttautenticolf, de raizes vis i velrr,ente po-- -pulares, que se deslocam as preocupaoes de ~rio de ~
clrade. Elas contr&stam com a "agressividade'' cosmopoli-
ta de Adorno. Resumindo, as colocaes de ambos esto
de fato emparelhadas (salta ~ vista o poder de antecipa-o e modernidade de Mrio), 'embor-a, nu.turalmente, cons-
trudas segundo prismas diferentes, No obstante, as
garras da 1ndstria cultural atingem tanto os slidos
monumentos culturais quanto aqueles que no esto ainda.
ben. encorpados. A devorao das "formas autnticas" no
mede as condies particul&res de cada cultura, mesmo
que de .Bach a Schoenberg .haja uma diferena considervel
em relao ao percurso que se atende de Ca.ldas Barbosa
a Chiquinha Gonzaga.
No plano europeu, Umberto Eco, :mais flexvel ' #lo /' w
que Adorno, ve uma sa1da para a canao popular, mesmo
seno.o esta es~ravizada pelos esquemas da fria de comer-
cializ,a.o. Trata-se da "cano dif'eren.teu, em oposio , ~ b4 - flruusica gastronomica11 " E:la pr-opoe novos ayelos a.o
~uvinte, ela tem ~omo parmetro, aind que em tom menor,
o nvel culto dns artes (~ literaturf-1 e a tLsica). Creio ser possvel enfiltn.rar aqui muitos instantes de artl.s-
tas de notvel talento na moderna can;~o: Cole ..t'orter,
Duke Ellington, :beatles, Jacques .3rel, bo-b :Jylan, entre
tantos ou.tros~ No lado brasileiro a lista seria bem mai-
or em fun-o ctos interesses deste trabalho .. llias adverte
o autor: dado o ca.rJter da ind:stria cultural, esses - ~ . ''desvios" da tn:"d:tao eao log_o abaorvldoe, torr;..aaos repe-
-
43
ti ti vos e vulgarizados para o consumo ttde massa'', refa-. .
zendo-se o ciclo 1.n.exoravel da banalidade,. Tal como Um-
Certo Eco, Edgar l1lorin v na trajetria do gnero-cano
a. possib1lid
-
44
mindo das regras da estandardizao, a liiPB "passa perio-
dicamente por verdu.deiros saltos produtivos, verdadeiras
' '+ - d - 1 "66 ~-s~nteses cr~vcast ver aueiras rec~c agens.~. ~ao os ' saltos produtivos, as a1nteses criticas e as reciclagens
que mais interessam a este trabalho. Sobretudo quando
comparamos o momento em que eles foram mais numerosos e
evidentes (anos 60) com aquele em que eles parecem ter
sumido no horizonte {os anos 80)~ cvnfirmruldo-se em mui-
tos aspectos as teorias da arte nos sistemas da l.nds-
tria cultural.
-
NO T A S
( VEll CITAO COIIJPLETA DAS
lillAl'lA JJESTJ:! rRAbALHO)
OBRAS GNSlJLl'All!l.S N'' "l 'I IO ~ 'j/i. -' lj, -
N ~
1 .. ttNao se conhece a canaotj, in AbRAHAM N.LES et ali i ..
Linguageltl da cultura de massa, p .. 146 ..
2 .. "Sobre msica popular't, in rHZ:O:OOR w. ADOID\0 (Org. (iabriel Cohn), pp. 115-122
.) .. Lderu, p .. 120.
4. Idem, p. 126.
' 5. "A industria cultural", in op. cit., p .. 93 ..
45
6. A criao cultural na socieds.de moderna, p .. lSL. ALRAHAi1i
1\'l.OLE:S chamou essas modernas formas culturais de
ncultura mosaica'*. Ver to rdio e a televiso a servio da promoo scl.o-cultural'', in op. cit.,,
pp. 8-12.
7. Conf. LLClEN llOLJJNANN, op. c i t., p. 4o.
6 .. "Por que difcil a nova msl.ca", in op. cl.t., p .. 152.
9. Idem, p. 160.
' 11. Conf. JURGEN HAlJERli:.AS, aiudana estrutural da esfera pu
bl.lca, esp~ o ca9* 52, pp. 163-212 ..
-
46
12. uo fetichismo na msica e a regresso da auctio'', in Q! eensHdOres, P lti-8.
13. In GrlARLJ::S iliil'rt:. A vida e .a poca de Litlle Hichard,
pp.54-55.
. . 14. Cultura de massas no secul.o .x.x .. Neurose, p~ 127 ..
~
15. Ver HER.6BHT l/,A3_CUSE, ~ros e civilizaao, esp~ a Parte
II: "Para alm do princpio de realidade" ..
lo. nt:lementos do anti-semi-tismo: limites do esclarecimen
' to", in Dialetica do esclareci:nento, pp~ lt:8-l{J9.
17. "Eu.cao aps Auc.hv.itz!', in 'rheodor v~ .. Adorno.- op.
Clt., P 35.
18. "A glria", in VR10S. Oa sentidos da paixo, pp .. 114-
115.
1~. Anatomia da crtica, pp. o4, o5 e 70.
20. Conf .. RlCdARD St;NN.ttrT. O decl!nio do homem obl~co, pp.
J0-31 e seguintes.
21. ldem, pp. 120, 149 e 1~5.
23 .. Conf- WALDENYli CALDAS,. Iniciao m~sica _popular bra-sileira, P~ 32.
-
25. Oonf. r;;rl110 vE lPOLA, "O tanga em suas margens", in
Novos Estudos 0EBRAP, nQ 16, pp. 2-6 ..
26. Ver GILBERTO llENDES, "A msica", in AJ?FOI\SO VILA
(Org.), O modernismo, p, 129,
27, JHAN-PIERRE SARTON, P, DAOFOOY, Pop ~usic-Rock, pp.
128-129.
2.3 .. no fetichisruo .... n, op~ cit .. , P 173.
29. "?or que 4 difcil ~, op .. cit .. , p. 156 ..
30. ldem, p. 1~7.
47
Jl .. ''A indstrua cultural: o iluminismo como misti:f~cao
de massa", in LLJ.S GOS'LA LL.Y.A (Org.) ~ 'l'eoria da
cultura de massa, p .. 183.,
32. A criao cultural ~, ap. cit., pp~ 25-31 ..
34. A,tica protestante e o esprito do caG:i.:tallsmo, pp.,
44-45.
35 .. declfnlO .. ,.,., Op. C i t.,, o";p~ 20j-204 ..
Jb .. Citado por \11AL'l'ER .-:,E?JJA?f.:IN,. A modernidade e os moder-
~, :? 14.
J7 .. Entre o passaci_o e o fUturo, 9 25'9.
-
48
)8 "Arnold Schoenberg", in Prismas, p, 158.
39. Idem.
40. Filosofia da nova msica, p. 18.
41. Idem.
42. JJ.l Sl.Ca, doce ' mu.sica, pp. 25-2 6.
43. Pequena histria da ' musica, p. 34.
44. ~v~sica 1 doce ' musica, pp. 321.
45 .. A_pud OLAVO hlLAC, GUliiiARLS PASSOS. ~.era ta do de versi-
ficao. 9. ed~ Rio de Janeiro, Francisco Alves,
1~49, PP lJ-14.
46 .. Sobre a modinha ver- JOS RAMOS 'J.l1NHORO .. Peouena his-
tria da msica popufar, pp. 11-46,..
47. Literatura e sociedade, pp. 77-88.
48. Idem, PP 80-81.
49. Conf,. b:DIGAR DE ALENCAR. O fabuloso e harrnonioso Pi-
xine,UJ..{l.ha, p. 39.
' ' 50,. Ju.slca. doce n,usica, p. 331.
51. Ver R.h:NA'iO OH'l'I., Gul tun.t trra:;;;ileire. e identidade na-
cional, p. 82.
-
52. "Problexnas estticos na sciedade de massa", in
Revista Civilizao .Br(.l.si1eira, nY 7, pp$ 2.3J-250.
53. Ver Ciclo d.e debates d.o 1I'eatro Casa Grande. Rio de
Janeiro, Inbia, l97o.
49
54. RENATO ORTlZ, A moderna tr. Conf. JURGEN HABilRlUS, op, c i t., p, 205.
57 .. Conf .. U.!tl:ERTO ECO, Apocaliptico~ e intesrad.os, pp-
69-88.
?B. O kltach, pp. 9-30 e d?-89.
59. "Gostos de classe e estilos de vida", in Pier:re i:iour-
~ (Org. RE11A'l'0 ORHZ), pp. 82-121.
bO. Literatura e socied8de, p .. 23 ..
_I I ' bl. ~tusica, doce muslca, p .. 329.
62. A reflexo de ElJtXAR MOR IN, n
-
50
64. Apocalieticoa e inte~rado~, p. 302.
65. "No se conhe-ce a cano", pp. 1)0-1)5 ..
66. 11 0 minuto e o milnio", in JOS~ ~lGUEL 1.'iiSNIK. et
alii, Anos . '
70, liusica popular, pp. 14-15.
-
CAPTULO SEGUNDO
;~os TEM'OS DO RDIO: a construo da celebridade
-
1
A EJ:PRESA
' O radio surgiu nos Estados Unidos entre 1916 e 1921, pondo n disposi~o de milhares de ouvintes 'Uni
t ' i . ' ' reper or o ao qual, ate bem pouco tempo, so se pod.ia
ter acesso em determinadas ocasies. Daf a expanso da
cultura musical nas classes wctias e populares (fenme-
no que se pode apreciar melhor recordando como a m~iea
aetecentista foi toda dedicada e dirigida a um p~blico
de corte,. enquanto qu
-
ocupando todo o sexto andar onde dispunha de sala de
le1tura, biblioteca, lBboratrio etc.u3.
53
Na poca, o "cast ainda era formado amadoris-
ticamente, e por pessoas ude bem" t que 'cuiddosamente
disfarados sob pseudonimos, exibiam seus pendores suas qualidades a.rt:fsticas sem outras pretenses profis
sionaisu 4 .. A citao sugere wu jogo de enconcte-esconde, . . I
em que a bur);uesla parece Ja esLar ciente do potencial
popularesco do novo veiculo.. Para al.~rn do d~letantismo,
Roquette Pinto tornou-se o mal.s :famoso pioneiro do ' r a-
dio .. Ele pretendia levar sduca-:;o s :nassas .. .Nuar pas ' de poucas letras, Roc;uette :1"'1into press~nt:La no rdio um
poderoso veiculo de interv~no cultural; ele r~lo cont~
va amda com a entrada do esquema empresarial, cue iria
vlgorar pouco tempo depois.
Qtl.urge taJbm, :'Jor volta ue l9j3, a rr.o
-
54
da da crnica no rdio; ela fariEt sucesso durante trs
dtcadas. -Levando ur~>Rdose liter:ria. ao novo meio de com~ nicao, Orestes 13arbosa (compositor de fortnao acadmi
ca), ~onteiro Lobato e Alcntara I~chado. entre outros
intelectuais, trabalhara.:n paru o rdio .. O veiculo conso-
lidava-se a partir do grande impulso dado pela entrada
do esauema empresarial, que empurrou o rdio para a cat!_
goria de veiculo de massa, rompendo com o pioneirismo do ' ~ ~ i.tucio, e modificando a prot.Sramaao. Aeora vao longe as
''antigas" finalidades educativas.
Em maro Qe 193~, Getlio Vargaa lana o ctecre . ' ' to-lei n~ 21 .. 111 que abrira aa portas das em1.ssoras a P!:!, . .. ' blicidade. o cenario se mod~fica. Rapidamente o diletan-
tismo cede l~ga.r aoe ~nteresses comerciais. Os QUe antes
procuravam apenas recrear-se tornam-se agora os empreen-
dedores que ocuparo os al tos postos da empresa radiof-
nica~ A esfera do mando, assumida por eles, deixa as po-~ ( t 't' ' sioes secundarias se ores programa ~co, tecnico e admi
nistrativo) aoertas entrada das camadas medianas e po-bres da populao, p~ra quern o rdio tornou-se um meio de vida
6
Com a diviso dCJ trabalho em moldes de empre-
sa, as elites nos postos d.e ::nando e sob elas os assala-
riados, o ruio prepnra-se para entrar na fase do seu a- I pogeu, que se estenderia por quase tree decadas, ate que
a televiso o empurrasse para. um plano su.halterno .. Cont!:_
do 1 no inicio dos anos 30, no Rio de Janeiro dispu.:1ha a-
penas de meia dzia de emissoras que mal transpunham. a . / ~erra do Mar, alguns teatros, duus ou tres fabricas de
-discos em. rLaos de estrangeiros e a div:;.lgao era lenta, dific1l e penosa 7 .. A tcnica inc1 pente :res i)Ondir;t a um
apHrelhado.
-
55
" Msta aitua9ao iria se- reverter com impressio-nante rapidez. O rriio constribuiu decisivamente para a
A forrnaao de urna socieda,de de consumo no pa!s .(:;vidente-
mente essa contribuio est relacionada com a prpria
mudana do brasil, a partir de 1930. A indstria cultu-
ral aqui se estabelece com a modernizao trazida pelas ~
reformas economicas e sociais do regime Vargas; e com
aqu.110 que Antonio l!ar~dido Ch.:tmou de '1atmosfera de fer-
vor", que caracter:tzou. o plano da cu1tura no uerlodon 8
' Paru que se ter:.ha uma ideia do impulso dado pelo rdio menta.l:td;-:.de de consumo, o nmero de ae;n-. cias publ::t.citrias no n:ras1l era de 3 ew 1'.:125 1 crescen-
do para 220 na dcada de 30, o que d a dimenso d~ for
a dos a.'1unci8.ntee ante as demanias captadas pelo rdio.
G-raas a isso, o novo veculo roaaparelhado, tendo-se . ~ em vista. su.a ~mportancia nu.rr. esquema de moderniza:;:ao
cs. pl tt'lista ~. O rdio, ao se constituir como eJpX'f.H5a, posei-
o bilitou tambm, como j foi apontado, a existencia de u.m novo mercado de trabalho,. Ele indicou aog estr0..tos infe-
r~ores e mdl.os da socied~.:.de u.Jn meio de ascensi:io, no s2.
mente pelo trabalho, rous tambm :pelo reconhe:ci:nento p- blico dos talentos anon1.mos.. En; muitos casos a dem.ons tra
.. ao do talento atraiu muita gente para uma . " ., espec:J.e ae s2_. nho ( ta."'1t--H3 vezes frustrado) de vida fcil e glr,Lrtourosa,
assemelhando-se a uma pequen~:i. Bolly;rmod tropical. Um be-
lo exeu.plo literrio doe mecan;:r.os de a~;cens2.o e degra-~ /' . 'li l' . d ct dGl.ao do indivl.duo nos JLelOS dO ra :to _ol a o por lar-
ques .debelo .no romance A estrel~?~ sobe, ae 1339 .. ' . " " i f- d Lern.,-:.:a N;a.l.a e moa de sub'...trbio, o r- .a e pai,
vive de en;pregotJ cJ.odestos, com a rte, nUD cort~o .. Ela
::::onh.a et::: ser cantor13, de r~dio e no mede esforos para
tornar-se uma estrela da caw:;o. s vs9erae, do prirr.ei-
-
56
:ro contrato no r~dio, arranjado pelo am~go bo::r:io, Leniza
projeta o futuro: "vestidos, sapatos, chapus, perfUmes -
a vida% A vida tal como ela queria, coJTio ela com0reendia ..
A vida e a glria! rtetrato nos jornais, nas revistas, fa-
lada, comentada, apontada .. :f.\ucto o que 4 br:nn, tudo que en- che o coraao, tudo que ela vinha amarga e secretamente
deae~iando .... ;t. Mas o consumo de reoa fina aliado aos l:en!_
fcios da fama tem muitos preos. A primeira conta a -pa-
gar com Wrio Alves, o amigo tramb:i.queiro.. Ela se tor-na, contra a vontade, sua aEante. A virgindro,de- da moa p2_
bre ~ a primel.ra perda, e os sonhos comeam a paesar pe-
lo teste da realidade. A primeira perda fW1ciona tambm
como metfora do sacrifcio dd ~ndividualidade (Leniza es ' ta vinculada afetivamente a outro rapaz) no ;nomento da eE:,
trada no esquema da empresa radiofnica.. Quando
-
57
da a sua. f&JJta. Oe programas bem cuid.n.dos., como no se ha
via visto antes. Neles nasceu a msica popular brasilei-
ra bem mais arranjada, mais rica em instrurr:entar;o!t F:ae.
tros como Lo Peracchi, l.~rio Panica1li e .:ia.dams Gnatab,.
li, eram os responsveis por esse no'.O estgio que a rr;-' ~ N sica popular alcanava. O disco ate entao nao apresenta-
va esse grau de aperfeioamento. A-s gravaoes eram muito
siw.ples, sem. sofieticaes orquestrais, sem os arranjos
que o rdio oferecia aos seus o-uvintes .... "11
D d ,, I . " ld~ d d e a cor o com 11.lrlam ;,r o r e e r, a progn.1maao ~ .
radiofonica evolui p:_lra a .decada de 50 c8racteri?-!l.a por
uma viso romntica e idealizad~> do :Jilmdo,. com :mui ta re-
du.ndnciH no tratamento d!:>~:3 tem.ticas. rdio produzi do pC!.ra as classes eJdias e extenses: classes rw3die.s
baixas, classe operria. e mesmo setores marginais e ex-' d t. ~ / . . 12 cluld.os a par 1c1 paao soc~o-econonllca ~
O coroamento d.eose iderio romrtntizado~ pe.rme \. '""' f ~ vel as caLoes, aos ::tdolos COitO !lJodeloe de ascer1eao, aos
' . ' a..'1uncios publicitrios de produtos e tens dorr;esticos, N
exaltaao, enfim, da pequena mo:cal fa.tailiFtr, talvez te-
nha sido a progr;.:..mao de radionovelas. Estas, como se
sabe, alc8nuram enorme sucesso os dcvdas de 4C e 50.
lfnero intrmeduirio entre o velho foletim e af.' recen-' tes telenovelas, a radionovela trouxe ::tenos a ro:mance as
:uul tides e 1Lais umt.>.. herftH'& ~i liouidada antes mesrr;o /
que findassem os ul.till10S acordes do ul tra-romuntismo ns.s
artes li texo,~rias. h''ontuda em velhos clichs: o ::tlfi.nic;ue:e ' ' -mo do;:;, sentimentos opt-"racios a tabula r::lst1 das eF.Ooes ba
rateadas, a radtonovela fez chorar a massa .. De ori[e.:t es
p:anholada a Cuba de Batista era o viveiro exportador
do novo ;;nero -, talvez se possa dizer cue a r&dionove-
la foi o priiLeiro t:,retnde _produto no mercado cultural la-
tJ..no-americano, feito pr:-tr consumo intramuros de caltu-
-
raa ate recentemente agrafas e, no geral, ainda hoje mal alfabetizadas.
k desse modo que as elites no aparecem no tor de programao, assim como uma ideologia tpica de
um setor (rr::.dio) imuregnava outras ca.rrv::tdas abaixo dele.
A exist~ncia do auditrio de rdio sienificou a presen-~ I A. ~
a, no propr1o an;bJ.to da produ:;-ao, do consuridor. em
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geral oriundo da classe mdia baixa e operriB.; sendo
este um p~blico iminentemente feminino. Da o preconce,i
'tuoso epteto: macacas de auditrio .. Nesse esquema, o
dolo funcionou como modelo comnensatrio .. A realizao
mxima num esqutmia estrei"to de ascenso soc. ~\;o obs tante isso, o rdio se constituia num modo de preenchi-
mento do vazio cultural desses setortls urbanos despriv!,
legiadoa economicn e ooc-wente. Ele oferec1a a esse 1" t "" 1 ., i . pub l.CO 'uma 1ntegr8ao :1 ... usor a na OC.l.edade de cor.eu-
> \ .r -mo". Ll~zla.-se a epoca que o radio era a dive:rse.o dos - 13 que nao tinham fortuna .. O tema foi tratado por Clari-
ce Lispector no romance A hora da estrela, de 19'77 ..
As audies d.e ;l[acabta do-lhe a sensa-;o de
contato cotL as coi0as .l
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cia de ngr(,j,ndes massas ainda fora do alcance da litera-
tura erudita, mert,Ulhando numa etapa folclrica da lite
ratura oral. Qutmdo alfaoetlzadas e absorvidas pelo pro . -
cesso de urta.niza.i:io, passam para o do~;;.it,.ia do rdio,da ~
televisao, da constituindo a ba se da cultura
Neste sentido, a s1.tu.ao desses pa{ses ba!!_ tante diferente da dos pases desenvolvidos, onue os
problemas do analf'abetisrr:o e da m~t-rglnalid;~ll:le social
foram melhor resolv:Ldos em etapas a..'1teriores ao ad.vento
macio da l.ndstri&- cultural. Para exemplo fic;uemos com
o fato de que no final do sculo XVIII, em muitos luga-
res d..a h'uropa, pequenos comerciantes fUndaran.l associa-
es de profissionais, que ~nantinham entre suas atlvidz._ ' ~ des a pratict:t da leitura .. A direao dessas er;tidades,
assim como a prot~rarnao dus leituras, cabia a dignat-" rios formados na 1lustraao., Era seu projeto formar as
classes inferiores para a gra.nde cultura .. :r-;esse tempo a
dissem.inaqo da cultura no erh ainda rebaixada a uma 15 Hcultura de massa" ..
..., ., I . ~ Ro caso brasileiro, a uet2...pa TO.LClorlca 11 e
tr:::.nsformada, segundo Antor~io Candido, e1:-. folcore urba-
' no, desenvolvendo-se assim wrJ::t. 1'cateu.ese as avessas". . I .
O autor refere-se ao te,_;po em oue oe- ~r.~st:non~.lrl.os educ:::_
vam os :f.ndios para a cultura du metrpole, e:t1 conforn_i-
d.iide com. as formas consagradas desna cul tvra ~ O :r:o vi
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cujo conteUdo "dlrigido s classes baixas e s demais
" c a teerorias si tuudhs n.:1 C;~. se da pir-arnlde social exaltava
& v1da do:ustica, a realizao materna, a possibilidade
de felicidade oermanente, o espao da realiza;o oriva-
2 (grifos meus), romntico- burcuesa ... Segundo f:riam , Golfeder, es'te semanaro "vendeu para a mulher exclui-
da uma imagem real de classe mdia, como padro univer-
sal de :f'elicida.de"17
A doutrina do rdio seria aasimi-
la da posterior e logicamente corr, !tiUi to maior fora, pe-N
la televisao. 1Je acordo com Acraharn h:Joles, esta doutri-
' - ' na se pauta pela demdgoe;ia.: o conteudo nao tem a mJ.nima import~cia, desde que seja f~cil atineir o Osto do
' m.a1or nu:mero de ouvintes/espectadores; pBlo dogwat1smo:
emisso de v.:=ores determinados a 9riori: poli ti c os, r!_
lle;losos, rul turais etc.; e pelo cu1 tu:rulismo que visa a
adequao do homem ao seu meio natura118 Qu seja, os
interesses coruerc~ais e sob eles a espoliaqao e a ideo-
lo6 1a do conformismo, constituem a doutrina do rdio e . N aa televl.sao ..
z.
O PHv;C0NGll 'l'D
l\o in:.cio da.qu::tlo que vir-ia a ser cf.tamado de uma "cultura radiofonica,., cujo alicerce seria, senr dUVl,;_
da, a canqo po pula; e seus dolos, o rdio te ris. que eu. ' frentar diretamente a concorrenc"': do gostD mais requin-
tado, merecendo uma sria dea~onfiana. A msie~'~ se en-' ~ consun;::uiores, poren:; r:ao
s-e:n ardidas reaes da esfera elltizada d& soc:ied:ade. A
interveno de .'/,&rio de Andrade a pro p si to de Chl.ouinha
-
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Gonzaga I (ver ' e Ulll exemplo cap~tulo anterior). A mesma po-~
siao, posta sob um outro A
angulo, ressurge no romance Abdias, de Cyro dos Anjos, publicado em 1945. A ao ~ lo e calizada na Belo Horizonte dos anos trinta:
I# . t ' bs"avamos numa segunda-feira de carnaval, eu-
ma camioneta com auto-falante rodava peltt rua.,
derramando no ar sambas f..am mais .. Do contr.tO de lo
S(:hupre constar uma ' clausula segun-4 caao fa.r.;o do a qlal o " / . """ locatB.rl.O nao pode utJ..liza.r-oe do
< ' N radJ..O senao du.a;:: horas por dia .. E ser::tpre as ho
ras q_ue no estou eu:. casa"19 ..
A pH.ssagem, se por um lado mostr-il o des:tjo do
professor secundrio (Abdias) cte isualR..r-se pelo rosto ao
burgus trariicional (l>r~ Azevedo), atacand0 aquela cultu-
ra que vem "de baixon e quB explode nos O\l.vidao JLai;-) edu
cados, rLostra tamb:u a a~o poderosa do doutor, oue eli-
I:.tina o ncal pe-la raiz: ele compra a casa ao ls.do, torna
~nquilinos seus vizinhos, e auusa da lei
que ouam n{d~o o quanto qu .. iserem. A cena,
" de su,r~estao, faz len bl::'ttr .x.ncl-J.':tdo a e AGsJ.S,
por SW;~. fora a propoEn to
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do funcionamento da engrenagem soc~al brasile~rat de ba-
se patriarcal .. Engrenagem esta da qual nunca nos li,vra-
ruos plenamente.
Os emi?reeB.rios do veculo obviamente no 0 apa-. ~ reciam" na cultura. r::.tdJ.of'onica. Sao os eetr::ttos mdias e
baixos que, empregados no rdio, vo npor s. ::::~o na mas-
sa". Mesmo os mecanismos de cooptao do veculo durem te
-o i:!:stado Novo, e a crescente ampl1-aao das faixas consu-rejei-
es demonstradas pelo costo elitizante com relao ao
rdio .. Em parte a rru~rca poyularesca - mau.- gosto e redun-" . d.anout - pode explic~1r esse di e tar~ciamento; em parte,
porm, ele reflete a prpria dinmica ct,;:;,g relaes entre
sociedo.de e cultura no hras1l~ No caso, estamos nos refe . N
r1-ndo ao desvrezo pelas ruanl.festaqoes popUlfires da cultu
ra, 'cti ' , ' ' Antes mesmo do r.a o, us 0.r1.mrnra;:; ::oan.s ae
samba eram trat'-;das como caso de pol:fc:ta. A letra de wp!:. . ' ' lo telefone" faz referencia ao delegado simpatico as fo-lias: dos negros. Dur-.mie o scttlo XIX, por ocaslo .do
carnaval. os escravos nse.urn em correrias pelas ruus, SE_
Jando-se uns aos outros com farinha de 'trie;o e polvilho.
enquanto as famlias bnmcas, refUgiadas en: suas casas, ~
divert1am-se derramando pelas janelas tinas de agu.a suja 20
s.o bre os passantes 11 .. l'e;:rpos dey.1ois ficou famoso o e pi-
sdio de Nair de '1.1eff quando, etrJ 1912, est~ resolveu lf!
va.r o maxixe para S-S festas do Pal~cio do Catete, causan,
do escndalo na imprensa C;?J,.ri-oca .. IJ.Iam.bm Chiquinha Gonz~ -
ga foi perseguida ao a9resentar seus tangos e polcas ' as
platias de salo~ Mas com oa negros a coisa era ainda
p~or .. Havia "cerceamento e dlzcrin:in:;v.;o exercid0~3 pela
s.::;.cied~;J.de dominante solre todo e qu'tlquer tir;o de
o do grupo net;;ro do Hio de .raneiro21 ~ A .a:tuaq:io
reur..i-' . so e
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atenuada quando ocorre a abaor8o das folias pelos bran-
cos, que tratam de regularuent-1
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O sentimento esy\irituRlizado cede lugar pro-.xlroid~,.,de sensual quando se trata da mulher pobre. Aqui 0
' poeta vai por um ''a vont~,\de" qu
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interventor. Outros exewplos: , ela e a mulher de todos: 6 - -u mulata tao faceirajnao fBZ nada o dia inteiro/passei
a con1 casado ou solteiro". 8ua pobreza
a vadiagem junta-se s dificuldades de
, e carnav~lizada;
p-3-rtici par de u-. ma. sociedctde de consumo: "ve:m c mul,?..ta/nG:o vou l no;
vou j vestir/o :ueu casaco a prestao". Ela converte-se em mercadoria tipo exportao: "salve a mulata/cor
do caf/a nossa grande produo''. Sua sexualidade car nava.lizada: nrnulata ningum te agenta". Ela exaltada segundo uma falsa superioridade: tttrnnca , . e oranca/:preta preta/mas a mula-ta ~ a taln. E por fim, ela se torna
' ~ depositaria do maior preconceito de cor, a cor oue nao
pega, conforme a marchinha de Lama:rtine ?.abo24 ..
As razes do prf:;co.ncei to das elites para C()l'!l
os meios do rdio enlaam o desprezo pelos negros e o
des:Jrezo pelos pobres. Ambos te:n ra1.zes pro undas na so-A ' f cied.s.de brai:nleirt:J de base patriarcal e escravocrata .. Ao
desprezo por negros e po 'bres lif,s.-se o' .
tarr.be:n o enoriLe des
prestigio do trabalho man.ual {servll e no servil) no
pa{s dos bacharis .. A atividade musical, por exemplo,
sempre foi identi.ficr1da C-'};;1o atividfide artes;:mal e, lo-
eo, suoalterna. De acordo com Enio Squeff, o tr~:Jt-alho n:u :;>ical no Brasil resultou de uma combina.:io de e.tivid,_>de
desprestigiada (seu l;;odo manual) CO!l! ativldrJ.de ldica e
( l d t ' t )25 y - ' Luprodutiva seu a o ar ~s lCO 1\0 caso cta. m.us~ca po
pular, esta viso seria aindn Jr:B.is radical, uma. vez que
a atlvidade emerge do cultivo e da recuperao dos rit-
mos e das melodias do po~ulacho (negros, mulatos e ou-
tros desclassificados, bom1os de segt.nda classe}, ger~
do o .forte preconceito que anirnou o envolvimento das N
"pessoa~' de tem" con'l os me1os ria ru,ao populn.:r,.
Vm volho rad.lict~~ f!!'("Stou ir>teressarfte de;:,oi-
-
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a um cliente que queria lanar um novo tipo de calado
popular, para indi viduos de lirr,i tada cu pacidede de acui
sio. Ele estava dis['osto a gastar bastante com puLlici
dade. Sugeri-lhe ofitrocinar a vinda dum sarz;:-ir>;:ta romnti
co ca::-ioca que na ;;oca lotava os auditrios de r,dio
provocava delirioa nas multides, principalmente entre
e