Referência: PIOVEZANA, Leonel; CECCHETTI, Elcio; OLIARI, Gilberto; OLDIGES, Monica M. T. Anais II Seminário Internacional de Culturas e Desenvolvimento; II Congresso Sul-Brasileiro de Promoção dos Direitos Indígenas; V Colóquio Catarinense do Ensino Religioso. Chapecó: Argos, 2015, 1995p. [ISBN: 978-85-7897-148-9]
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MOVIMENTO DAS MULHERES CAMPONESAS (MMC): 30 anos de história e conquista, reafirmando a luta camponesa e feminista
Ediana Maria Marcarello Finatto10
Monica Maria Tourinho Oldiges11
Leonel Piovezana12
Resumo
O Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) possui uma trajetória histórica com vários momentos marcantes e de grande envolvimento das mulheres que se fazem militantes. Nos dias 30 de abril e 01 de maio de 2013 foi comemorado o trigésimo aniversário do Movimento das Mulheres Camponesas de Santa Catarina. Desta forma, o presente trabalho traz o relato deste evento bem como referenciais estudados e discutidos durante as aulas do Mestrado em Educação da Unochapecó. No decorrer do trabalho refletimos sobre a gênese e a organização do MMC e do evento, enfatizando suas lutas, movimentos e ações diante da sociedade. Contudo, a nossa participação no evento nos oportunizou conhecer de forma aprofundada a organização, a mística e o envolvimento das mulheres num processo de construção e firmação de uma política específica de liberdade e de luta pela vida saudável.
Palavras chave: Movimentos Sociais; Mulheres, Camponesas; Mística.
1 Introdução
No decorrer deste estudo, nosso olhar centrou-se especificamente no evento em
comemoração aos 30 anos do MMC em Santa Catarina. Diante da organização do espaço
físico e dos momentos culturais desenvolvidos neste evento o que mais nos impressionou
foi o aspecto místico contido em cada uma das atividades realizadas. As reflexões
apresentadas são oriundas de nossa vivência no evento, assim como da observação
participante, dos registros e da contribuição de estudo de referenciais teóricos.
No substrato de cada movimento encontram-se os mais diferentes mecanismos
10
Graduada em História e Ciências da Religião pela Unochapecó; Mestranda do Programa de Pós-graduação
Stricto-Sensu em Educação da Unochapecó. E-mail: [email protected].
11 Graduada em Pedagogia pela Unochapecó. Mestranda do Programa de Pós-graduação Stricto-Sensu em
Educação da Unochapecó. Bolsista integral Capes. E-mail: [email protected]
12 Doutor e Mestre em Desenvolvimento Regional (UNISC). Professor do curso de Mestrado em
Educação (Unochapecó). Participa dos grupos de pesquisa: Desenvolvimento regional, política pública e governança e Desigualdades sociais, diversidades socioculturais e práticas educativas. E-mail: [email protected]
Referência: PIOVEZANA, Leonel; CECCHETTI, Elcio; OLIARI, Gilberto; OLDIGES, Monica M. T. Anais II Seminário Internacional de Culturas e Desenvolvimento; II Congresso Sul-Brasileiro de Promoção dos Direitos Indígenas; V Colóquio Catarinense do Ensino Religioso. Chapecó: Argos, 2015, 1995p. [ISBN: 978-85-7897-148-9]
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para manter as convicções, ideais e utopias sempre alimentados pela chama da
esperança da construção de uma nova sociedade. Diante disso, os movimentos sociais
presentes no desenvolvimento da história da humanidade, projetam ações para incluir
seus participantes/militantes em segmentos antes excluídos, proporcionando assim a
autonomia dos sujeitos.
Ao buscarmos a centralidade de um conceito para movimento social
compreendemos que não existe uma teoria que contemple toda a complexidade que
envolve este conceito (GHON, 2012). De acordo com Ghon (2012), parte desta lacuna
existe devido ao fato das múltiplas interpretações e enfoques sobre o que são
movimentos sociais:
Primeiro: mudança nas ações coletivas da sociedade civil, no que se refere a seu conteúdo, suas práticas, formas de organização e bases sociais; segundo: mudanças nos paradigmas de análise dos pesquisadores; terceiro: mudanças na estrutura econômica e nas políticas estatais. Resulta dessas alterações que um conjunto díspar de fenômenos sociais tem sido designado como movimentos sociais. (GHON, 2012, p. 243)
Questionando os conceitos do senso comum, tomamos como base os
desenvolvidos por Ghon (2012) e Scherer-Warrer (2012) que nos proporcionaram
reflexões para a reelaboração, na compreensão de que os movimentos sociais são teias
de significados que aparecem numa miríade de formas, as quais buscam construir uma
identidade coletiva perpassada pelos interesses e valores comuns na tentativa de uma
transformação social.
2 O Movimento das Mulheres Camponesas
O MMC se constituiu como um movimento social que objetiva defender questões
feministas e questões ligadas a agricultura familiar. Em razão das particularidades do
MMC apresentamos o histórico deste movimento que se consolidou no oeste do Estado
de Santa Catarina.
As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas pelas crises sociais e políticas que
fizeram emergir no Oeste Catarinense os primeiros sinais na busca da construção de um
mundo mais justo, digno e igualitário. Os “efeitos do processo de modernização da
agricultura” (POLLI, 1999 p. 15), o desejo de emancipação humana e social e a luta pela
Referência: PIOVEZANA, Leonel; CECCHETTI, Elcio; OLIARI, Gilberto; OLDIGES, Monica M. T. Anais II Seminário Internacional de Culturas e Desenvolvimento; II Congresso Sul-Brasileiro de Promoção dos Direitos Indígenas; V Colóquio Catarinense do Ensino Religioso. Chapecó: Argos, 2015, 1995p. [ISBN: 978-85-7897-148-9]
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transformação da sociedade patriarcal, fizeram com que se consolidassem diferentes
movimentos sociais na região, entre eles o Movimento de Mulheres Agriculturas (MMA).
Este tem início no dia 25 de julho de 1981, no atual município de Nova Itaberaba (SC),
que na ocasião pertencia ao município de Chapecó.
Para melhor se articularem, as mulheres sentiram a necessidade de remodelar a
organização do movimento. Desta forma, em 2004, o MMA de Santa Catarina e outros
movimentos autônomos de mulheres existentes em diferentes regiões brasileiras, se
unificaram, formando o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), articulado
nacionalmente (SALVARO; LAGO, 2008).
O resultado desta articulação e mobilização conjunta reafirmou a luta das mulheres
camponesas por dois principais eixos: igualdade de gênero e de classe. Nessa trajetória
de luta e de organização, as mulheres foram se constituindo como numa mágica mística,
feminista e libertadora, cujo conteúdo foi se expressando e se articulando na
transformação das relações sociais de classe, suscitando mudanças nas relações com a
natureza e na construção de novas relações sociais de gênero. Essa mística se expressa
em símbolos do movimento e ao mesmo tempo na práxis coletiva.
3 O Evento
Para fortalecer o sentido de identidade e pertencimento, os mais diversos grupos
humanos buscam através de organizações oportunizar debates que os contemplem. Não
foi diferente com o MMC quando em decorrência dos trinta anos de sua existência em
Santa Catarina organizam um movimento de tamanha expressão para comemorar e
socializar sua trajetória, contextualizada por lutas, embates e conquistas.
O evento ocorreu nos dias 30 de abril e 01 de maio de 2013, no Parque de eventos
Rovilho Bortoluzzi (FEMI) - Feira Estadual do Milho em Xanxerê Santa Catarina, com a
participação de aproximadamente cinco mil pessoas. A programação contemplou
momentos de interação e de místicas, formação, lazer, memória histórica e de
apresentações culturais.
Foram dois dias de debates, conversas, trocas de informações, de experiências, e
de conhecimentos. Conhecimentos construídos através das constantes lutas e momentos
de formação e organização das mulheres camponesas.
Um movimento dessa amplitude não ocorreria se não houvesse no decorrer da
Referência: PIOVEZANA, Leonel; CECCHETTI, Elcio; OLIARI, Gilberto; OLDIGES, Monica M. T. Anais II Seminário Internacional de Culturas e Desenvolvimento; II Congresso Sul-Brasileiro de Promoção dos Direitos Indígenas; V Colóquio Catarinense do Ensino Religioso. Chapecó: Argos, 2015, 1995p. [ISBN: 978-85-7897-148-9]
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história mulheres ousadas, guerreiras, heroínas, trabalhadoras, movidas pela essência da
liberdade. Liberdade, desejo no sentido de libertar-se do estigma de mulher frágil,
construído durante séculos.
Levando em conta que esse movimento é composto por mulheres de várias
gerações, etnias, e de diferentes culturas pertencentes à classe trabalhadora, moradoras
de diversos municípios de Santa Catarina, percebemos que são mulheres na diversidade:
na igualdade de ser mulher, ser de uma infinita beleza e dinamismo e com
posicionamento firme na proposta de uma sociedade mais justa e fraterna.
A expressão disso tudo foi visível na organização do ambiente comemorativo aos
30 anos do movimento. Tudo foi articulado com as artimanhas do dia-a-dia vivenciado
pelas camponesas, ou seja, através dos murais expostos ao redor do pavilhão, foi
possível compreender a rotina e os fazeres dessas mulheres. Além da ornamentação
relacionada ao cotidiano, havia um mural recriando a trajetória histórica do MMC,
possibilitando aos visitantes a compreensão da gênese do movimento.
Figura 1 – Painel contendo a História do Movimento
Fonte: Finatto; Oldiges, 2013
No primeiro dia ocorreu um seminário de debate em torno de temas relevantes
para o fortalecimento da luta e dos ideais do movimento. “Projeto de Agricultura
Camponesa: Agroecologia, patriarcado e feminismo”, foi o tema que conduziu o debate.
Este contou com a participação de líderes do MMC, de outros movimentos sociais como
Movimento dos Sem Terra (MST), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Movimento dos
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Atingidos por Barragens (MAB), Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da
Região Sul (FETRAF-SUL) e alguns representantes de entidades públicas. Além das
militantes camponesas do Estado, estavam presentes também representantes do Rio
Grande do Sul, Acre, Mato Grosso, Espírito Santo, Distrito Federal, Goiás e Paraná.
Concomitante com a discussão do seminário ocorria no pavilhão ao lado, uma feira
onde eram comercializados produtos agroecológicos, roupas usadas, livros e artesanatos
produzidos pelas mulheres. Em meio a este comércio oportunizado pelo evento
percebemos que ocorria entre as participantes a troca de experiências, elemento básico
para a construção do conhecimento e a formação pessoal de cada militante.
Espaços lúdicos com uma variedade de atividades foram organizados com o
objetivo de manter as crianças ocupadas para que as mulheres/mães pudessem realizar
as atividades propostas pelo movimento. Desta maneira organizaram-se dois grupos
levando em consideração a diferença de idade. Num ambiente preparado com colchões,
brinquedos, peças para montar e fraldário ficavam crianças de 0 a 3 anos sob a
responsabilidade de duas monitoras. Em outro espaço preparado para as crianças
maiores de 3 anos havia uma cama elástica e uma variedade de brinquedos
disponibilizados pelo Serviço Social do Comércio (SESC) de Xanxerê.
Mesmo que o cuidado não seja compromisso único da mulher, percebe-se que as
militantes estão acostumadas a sair e levar seus filhos junto, como se fosse natural que o
cuidar dos filhos seja obrigação e responsabilidade feminina, segundo Durhan (1983)
apud Heilborn (1992, p.112)
[...] é próprio do senso comum conceber instituições estáveis da sociedade antes como “formas naturais” de organização da vida coletiva do que como produtos mutáveis da atividade social. No caso da família, entretanto, a naturalização é extremamente reforçada pelo fato de se tratar de uma instituição que diz respeito, privilegiadamente à regulamentação social de atividades de base nitidamente biológica: o sexo e a reprodução.
Neste sentido, as relações entre homem e mulher e a divisão sexual do trabalho
acabam sendo naturalizadas, contribuindo assim para reforçar a posição de inferioridade
da mulher na sociedade. Estas relações tidas como naturais contribuem para a
permanência das diferenças, que na construção de um olhar crítico é a continuação da
dominação machista e das relações patriarcais como representações poderosas.
As ideias semeadas na base do movimento oportunizaram as guerreiras se
organizarem e lutarem por novas posições na sociedade. Os comentários ouvidos durante
Referência: PIOVEZANA, Leonel; CECCHETTI, Elcio; OLIARI, Gilberto; OLDIGES, Monica M. T. Anais II Seminário Internacional de Culturas e Desenvolvimento; II Congresso Sul-Brasileiro de Promoção dos Direitos Indígenas; V Colóquio Catarinense do Ensino Religioso. Chapecó: Argos, 2015, 1995p. [ISBN: 978-85-7897-148-9]
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o evento evidenciam os resultados da luta: “Através do movimento aprendi a me olhar no
espelho e dizer, - eu sou mulher e tenho direitos. Aprendi que temos direito a sair para a
rua, sair do anonimato e fazer movimento. Se não tivéssemos o movimento, ainda
seriamos a sombra de nossos maridos e não teríamos a possibilidade de ver que o mundo
é muito grande, vai além dos limites das nossas propriedades”.
Falas semelhantes a esta eram ouvidas constantemente nas rodas de conversas
que se estabeleceram durante o evento. Dessa maneira compreendemos que no percurso
do movimento, as mulheres tem a oportunidade de construir novos conhecimentos e
assim modificar concepções naturalizadas. Sendo a luta um instrumento de mobilização
das militantes, que encoraja e empodera para a conquista de novos espaços na
sociedade, as envolvidas demonstraram durante o evento que não são mais apenas
“esposas dos maridos”, submissas. Construíram junto ao movimento uma identidade que
lhes oportunizou desfazer-se do anonimato, manter novas relações e serem protagonistas
de suas histórias.
O evento se estruturou nos grupos de base, equipes organizadas planejaram as
atividades que foram desenvolvidas no decorrer dos dois dias. Dessa maneira durante o
encontro as equipes num processo de colaboração foram desempenhando suas funções
e moldando o evento. Foi possível perceber essa organização durante o almoço do
primeiro dia de encontro, quando mulheres e homens com ingredientes doados pelos
grupos regionais prepararam risoto no tacho, pão e salada. O espaço reservado para a
alimentação estava organizado de maneira que todas as militantes pudessem se servir e
se acomodar, a paciência e o cuidado para com o outro eram percebidos nas atitudes dos
organizadores e consequentemente dos presentes.
Figura 2 – Almoço partilhado
Fonte: Finatto; Oldiges, 2013
Referência: PIOVEZANA, Leonel; CECCHETTI, Elcio; OLIARI, Gilberto; OLDIGES, Monica M. T. Anais II Seminário Internacional de Culturas e Desenvolvimento; II Congresso Sul-Brasileiro de Promoção dos Direitos Indígenas; V Colóquio Catarinense do Ensino Religioso. Chapecó: Argos, 2015, 1995p. [ISBN: 978-85-7897-148-9]
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Conforme programação no final do dia uma grande parcela de militantes
permaneceu no local, estas haviam se organizado para passarem a noite dando
continuidade as atividades. A noite, oportunizou-se um café colonial partilhado constituído
com uma grande quantidade de saborosos produtos coloniais.
No segundo dia, as militantes que permaneceram no local recepcionaram as
companheiras que aos poucos chegavam de diferentes regiões do estado. Entre risos,
abraços e beijos foram se integrando e moldando o espaço, de maneira que percebia-se
na espontaneidade dos gestos a militância como pratica de liberdade de forma
apaixonada (BOGO, 2012).
As reações às presenças dos diferentes momentos foram se construindo através
da participação de cada uma. Assim tem início o momento celebrativo de comemoração
aos 30 anos do movimento, no qual as mulheres fizeram memória, através do teatro e da
música de momentos históricos que marcaram a luta feminista inspiradora das militantes
do movimento.
O evento esteve perpassado pela música, em cada momento que delineava o
espaço, esta contribuía efetivamente para dar significado as místicas, as falas utilizadas
no seminário e na recepção dos grupos. As músicas utilizadas continham letras que
evidenciavam diferentes momentos que marcaram a história da humanidade. Dessa
maneira no momento em que cantavam as mulheres colocavam toda a sua força de
militante, e deixavam transparecer em seus olhares a paixão que move a participação e a
luta enquanto movimento.
4 Mística
Durante o evento com a intenção de fortalecer os ideais do movimento através da
história tecida pelas mãos de muitas mulheres que ousaram e romperam fronteiras
contemplou-se uma série de momentos que possibilitaram a transfiguração da luta pela
transformação das relações sociais.
As experiências de vida e os testemunhos referenciados em muitos momentos
durante o evento servem como fontes de inspiração e energia para as mulheres
camponesas avançarem na caminhada. Quando estas dispostas a lutar para alterar os
modelos e projetos construídos socialmente se engajam no movimento engrossam a base
dos que sonham com uma nova realidade.
Referência: PIOVEZANA, Leonel; CECCHETTI, Elcio; OLIARI, Gilberto; OLDIGES, Monica M. T. Anais II Seminário Internacional de Culturas e Desenvolvimento; II Congresso Sul-Brasileiro de Promoção dos Direitos Indígenas; V Colóquio Catarinense do Ensino Religioso. Chapecó: Argos, 2015, 1995p. [ISBN: 978-85-7897-148-9]
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O aspecto religioso e místico são elementos importantes no desenvolvimento das
diferentes culturas, estas diante da necessidade buscam experimentar o Mistério como
forma de interiorizar um sentido que transcenda o mundo físico e introduza a arte de tecer
esperanças no seio de todos os grupos. Foi nesse sentido que o grupo organizador do
MMC planejou o aspecto decorativo do encontro em comemoração aos 30 anos de luta
das mulheres camponesas em Santa Catarina.
O pavilhão preparado para receber as guerreiras, militantes que através de suas
bravuras buscam responder à sociedade a necessidade de saciar suas convicções, foi
decorado de forma que se vivêssemos no contexto das sociedades renascentistas seria
possível compreender o processo do desenvolvimento da luta do movimento e as
conquistas realizadas sem precisarmos desenvolver habilidades para a leitura.
Situação semelhante evidencia-se nas catedrais, onde as pinturas decorativas das
paredes e vitrais transmitem histórias vivenciadas por diferentes grupos em diferentes
contextos, estas são compreendidas sem precisar ter desenvolvido a habilidade de leitura,
pois, como salienta Betto, (2010, p. 18) “[...] o que move o humano são as utopias, que
não cabem no apertado gargalo de uma racionalidade que reduz as relações sociais à
esfera econômica” a mola propulsora da luta do movimento transcende esse limite e por
isso pode ser compreendida através daquilo que o cenário objetiva apresentar.
As relações contidas e transmitidas pelo cenário dos 30 anos do Movimento leva-
nos a refletir sobre as utopias dessas mulheres heroínas como bem nos diz a letra do hino
“Mulher agricultora heroína da terra/herói sem medalha que luta sem guerra/queremos
manter a ordem e o progresso, mas também queremos mais justiça nesta terra” (Hino do
Movimento – MMA), as quais já não aceitam apenas aquilo que a sociedade machista tem
determinado como princípio de desenvolvimento, querem elas saciar o apetite que suas
utopias tem despertado e transgredir os limites que as asfixiam, no sentido de consolidar
suas convicções diante das imposições sociais.
Na luta e consciência de reagir em relação aos obstáculos criados pela sociedade
estas mulheres organizam-se e demonstram que há possibilidade de viver a igualdade
desejada em todos os âmbitos, sejam eles familiar, social, econômico, afetivo, etc.
Portanto diante de todas as conquistas que o grupo foi construindo nessa
caminhada que chega agora aos 30 anos, percebemos na decoração do evento o místico
como ingrediente importante para explicar as abordagens relacionadas às novas
construções feministas, pois, segundo Betto, (2010, p. 9) “O místico se traduz por
convicções poderosas que fazem mover a história pela mola propulsora da caminhada
Referência: PIOVEZANA, Leonel; CECCHETTI, Elcio; OLIARI, Gilberto; OLDIGES, Monica M. T. Anais II Seminário Internacional de Culturas e Desenvolvimento; II Congresso Sul-Brasileiro de Promoção dos Direitos Indígenas; V Colóquio Catarinense do Ensino Religioso. Chapecó: Argos, 2015, 1995p. [ISBN: 978-85-7897-148-9]
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das pessoas e das sociedades”.
A ideia de divulgar a mola propulsora do movimento e trazer para a história
agentes sociais antes relegados do processo é visível quando observando a continuidade
da ideia na sequência da decoração encontramos os afazeres da labuta diária. Na
sequência das ideias percebe-se que as mulheres concebem o dia-a-dia de forma que, a
vida de mãe, esposa, mulher, agricultora, vizinha, avó, religiosa, etc, enfim, em todos os
seus momentos pode ser conciliada e desenvolvida de maneira prazerosa e possível.
Exatamente o que a mística propõe como nos lembra Betto, (2010, p. 162):
A mística só existe para nos ensinar a lidar com o conflito e para fazer com que, dentro dele, não sejamos esmagados, mas estejamos sempre acima ou numa relação que não nos quebre a harmonia interior da relação com os outros.
Figura 3- Mosaico do ambiente comemorativo do MMC.
Fonte: Finatto; Oldiges, 2013.
Referência: PIOVEZANA, Leonel; CECCHETTI, Elcio; OLIARI, Gilberto; OLDIGES, Monica M. T. Anais II Seminário Internacional de Culturas e Desenvolvimento; II Congresso Sul-Brasileiro de Promoção dos Direitos Indígenas; V Colóquio Catarinense do Ensino Religioso. Chapecó: Argos, 2015, 1995p. [ISBN: 978-85-7897-148-9]
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Quando, além de comprometer-se com uma infinidade de atividades diárias ela
procura cuidar para que o necessário não falte no dia-a-dia, prepara o local para dar
continuidade a garantia de alimentação e sobrevivência de sua família. Desta maneira
percebe-se no cenário, nos detalhes, nos sonhos, no encontro a mensagem que o
movimento realmente quer tornar visível. Muitos outros aspectos da decoração nos
remetem à reflexão da grandiosidade da generosidade interiorizada pelas defensoras e
heroínas da terra.
A arte de saber viver transmitida durante o evento nos leva a compreender que o
desejo do grupo durante toda a caminhada foi no sentido de produzir novas identificações,
onde a participação popular, prática que tende a substituir as antigas ordens sequenciais
instauradas contribua para eliminar os mecanismos de dominação vivenciados durante a
história humana.
O que o movimento tem deixado transparecer é que essa luta não surge nas
bibliotecas das universidades ou no mundo científico/acadêmico, mas nas resistências,
nas lutas travadas por milhares de oprimidas que desejam realçar sua participação na
construção da história social.
Em cada espaço do cenário, pensado e organizado para o encontro a fé é sentida
e percebida nos detalhes e nos ingredientes utilizados, estes nos deixam a certeza de que
o amor proporciona condições para práticas libertadoras. No entanto, a mística do
engajamento e da luta refletem aquilo que as integrantes do movimento através de suas
convicções, utopias e paixões demonstram à sociedade durante as mobilizações que
organizam. Desse modo, Betto, (2010, p. 67) esclarece:
Mística significa, então o conjunto de convicções profundas, as visões grandiosas e as paixões fortes que mobilizam pessoas e movimentos na vontade de mudanças, inspiram práticas capazes de afrontar quaisquer dificuldades ou sustentam a esperança face aos fracassos históricos.
A experiência do mistério durante o evento personalizou-se nos mais diferentes
momentos, em especial quando recordam com muita emoção a luta de mulheres ousadas
e desafiadoras, que fizeram um enfrentamento no intuito de se empoderar, entre elas
“Olga Benário” mulher que desafiou os grandes líderes da época do nazismo.
Outro momento do encontro que nos evidencia a mística foi a construção da
memória de mulheres que lutaram pelas mais diferentes causas no decorrer do processo
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histórico de suas vidas. Esse momento foi representado através da construção do mapa
do Brasil, onde copos de vinho foram utilizados para delinear as fronteiras territoriais,
velas, flores e cartazes com imagens também contribuíram para a compreensão da luta e
vida das mártires lembradas durante esse momento.
Figura 4 - Simbologia Mística
Fonte: Finatto; Oldiges, 2013.
O que manteve o fio de discussões e debates durante os dois dias do movimento
foi justamente a mística, como bem nos lembra Betto (2010, p. 69), “Não há militância
sem paixões e mística” elementos que sensibilizaram as centenas de participantes, as
quais através de depoimentos e apresentações deixam transparecer o mistério contido
durante o evento. A presença mística é percebida nos olhares, nas expressões, nos
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movimentos que cada guerreira e heroína realizam.
Figura 5 – Momento da expressão da paixão militante
Fonte: Finatto; Oldiges, 2013.
Não se pode projetar novas realidades se não soubermos captar aquilo que não
pode ser expresso, apenas sentido, nesse viés as atividades realizadas durante o
encontro oportunizaram novas perspectivas e novas formas de convivência mantendo
constantemente alimentada as convicções que segundo Betto, (2010, p. 69) são
justamente “estas que mudam as práticas, que transformam as relações sociais”.
O MMC conta com agentes sociais empenhadas, as quais buscam através da
participação manter seus sonhos alimentados e lutar para que a liberdade e a criatividade,
elementos essenciais na formação pessoal e coletiva, não sejam negados.
Nesse contexto a militância “ganha força” (BETTO, 2010, p. 70) e o
empoderamento dessas que a sociedade foi negando e impedindo de serem vistas como
agentes sociais atuantes, demonstram através da dignidade que o curso da história pode
mudar de direção e proporcionar transformações para a libertação.
Referência: PIOVEZANA, Leonel; CECCHETTI, Elcio; OLIARI, Gilberto; OLDIGES, Monica M. T. Anais II Seminário Internacional de Culturas e Desenvolvimento; II Congresso Sul-Brasileiro de Promoção dos Direitos Indígenas; V Colóquio Catarinense do Ensino Religioso. Chapecó: Argos, 2015, 1995p. [ISBN: 978-85-7897-148-9]
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5 Consideração Finais
A nossa participação no evento nos oportunizou conhecer de forma mais
aprofundada a organização, a mística e o envolvimento das mulheres num processo de
construção e firmação de uma política específica de liberdade e de luta pela vida
saudável. A força e a delicadeza de cada uma das participantes foram aspectos que nos
instigaram a querer compreender o que realmente procuravam e se dispunham fazer.
Assim, nossa participação e envolvimento durante o evento levou-nos a perceber a
importância da formação nos grupos de base para a formação social, educacional, política
e mística na vida das mulheres. As discussões a cerca da dominação patriarcal das
mulheres oportuniza mudanças nas percepções e nas maneiras de pensar de cada uma
das militantes.
Nos vários momentos do encontro, ficou nítido que o patriarcado, o imperialismo e
o capitalismo são exemplos de dominação que esmaga e aprisiona quem não se dispõe a
ter tempo para si mesmo e esquece que somente as estratégias e as táticas carregadas
de interesses não darão respostas ao que buscamos. Precisamos evidenciar a
fraternidade, a transparência, as experiências e a capacidade de reflexão dos
acontecimentos que marcam o dia-a-dia dessas militantes para juntas construirmos uma
nova realidade.
Os encontros servem para revitalizar as lutas e dar mais significados aos
momentos que precisam passar por modificações, portanto nas atividades elaboradas e
praticadas nos dois dias do encontro, evidenciou-se a busca de outros caminhos, os quais
são perceptíveis nos elementos que movem o MMC. Um conjunto de representações
fizeram emergir o desejo que permeia o MMC, o qual é construir na sociedade um projeto
alternativo ao sistema vigente e que este possa solidificar-se no universo pensado e
idealizado pelas militantes, onde o conviver, crescer e humanizar-se sejam significativos a
ponto de alterar as estruturas estabelecidas pela sociedade atual.
Que esse projeto venha contribuir para desconstruir as injustiças e opressões que
permeiam a vida de milhares de mulheres da sociedade atual, mas não podemos
esquecer que muitas guerreiras morreram no anonimato, porém, nunca perderam o sonho
e a esperança de construir novas realidades. Mesmo que muitas tenham sido lembradas
durante o evento sabemos que milhares destas não conseguiram deixar seu legado para
servir de inspiração a outras militantes que mesmo assim lutam diariamente para o fim da
dominação.
Referência: PIOVEZANA, Leonel; CECCHETTI, Elcio; OLIARI, Gilberto; OLDIGES, Monica M. T. Anais II Seminário Internacional de Culturas e Desenvolvimento; II Congresso Sul-Brasileiro de Promoção dos Direitos Indígenas; V Colóquio Catarinense do Ensino Religioso. Chapecó: Argos, 2015, 1995p. [ISBN: 978-85-7897-148-9]
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Referências
BETTO, Frei; BOFF, Leonardo. Mística e espiritualidade. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2010.
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