Download - Morfossintaxe Moderna
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Sumrio
1. Sincronia e diacronia ___________________ 7 2. O problema da palavra __________________ io
Palavra e unidade acentuai _______ ____ ______________________ 10
Palavra e homonmia ______ __ _____ __ _________________ . 11
Palavra e lexia _________________________ 11
3. A segmentao morfemtica __ _______ __13 As unidades mnimas significativas _ ________ 13 A dupla articulao da linguagem _________ 15 A importncia do sentido _________ __J ___ 16
4. Alomorfes e morfema zero _______________ 18 Alofones e alomorfes ....... ........... ..... . . .. .. ..
18 A forma bsica _________________________ 20 Alomorfe ou morfema ___________________ 22 Morfema zero (0) e alomorfe zero (0) ______ 23
5. Classificao dos morfemas (1) ___________ 26 Radical _____________________ ________
26 Afixos: prefixos e sufixos _________ __ __
____________________ 27
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Desinncias ____________________________ 28 Desinncias de gnero ___________________ 29
Desinncias de nmero Desinncias verbais
Vogais temticas Vogais temticas nominais Vogais temticas verbais
Vogais e consoantes de ligao
Classificao dos morfemas (2) Morfemas aditivos
Morfemas subtrativos Morfemas alternativos
Morfemas reduplicativos Morfema de posio
Morfema zero (0) _______ _______:
Concluso
Exerccios de aplicao
Vocabulrio crtico
Bibliografia comentada
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1 Sincronia e diacronia
Considerando-se que uma lngua o resultado de evolues ocorridas ao longo dos sculos,
podemos enfoc-la de dois pontos de vista diferentes: ou fixamo-nos no estado atual, com
preocupaes marcadamente descritivas (enfoque sincrnico), ou procuramos compreender-lhe o
processo evolutivo, acompanhando-a desde as mais antigas fases at hoje, o que se torna tanto mais
realizvel quanto mais dispusermos de documentos escritos da lngua em questo (enfoque
diacrnico).
No julguemos, todavia, que a utilizao de uma ou de outra postura seja uma mera questo de
escolha; sincronia e diacronia podem contrapor-se quanto a mtodos e resultados.
Tomemos, a ttulo de ilustrao, o verbo pr. Nossas gramticas consideram-no como uma
anomalia da segunda conjugao. Realmente, a evoluo histrica da lngua portuguesa confirma essa
observao.
O verbo ponere, em latim, evolui normalmente para pr, em portugus, conforme se pode
observar na cadeia evolutiva:
ponere > ponere > poner > per > poer > pr Essas diferentes formas so decorrentes de transformaes fonticas bem caracterizadas atravs dos
sculos e suficien- temente explicitadas em nossas gramticas histricas. No nosso objetivo, aqui,
especificar os detalhes esclarecedores das etapas apontadas; interessa-nos, sim, mostrar que poer, da
segunda conjugao, evolui para pr, e que vestgios da antiga forma poer encontramos em adjetivos
como poente e poedeira.
Podemos, entretanto, chegar mesma concluso se dispensarmos a explicao histrica e
fixarmo-nos no funcionamento do portugus atual.
Observemos, p.ex., que algumas das formas conjugadas do verbo pr apresentam a vogal
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temtica -e-, da segunda conjugao: pusEmos, pusEra, pusEsse.
Acrescente-se, tambm, que as trs conjugaes do portugus constituem paradigmas
caracterizados pelo fato de serem representados por vrios verbos: pertencem primeira conjugao
verbos como amar, cantar, falar etc.; beber, comer, correr etc. ilustram a segunda conjugao; a
terceira conjugao representada por verbos como existir, partir, sumir etc.
Ora, verbo em -or s temos um: pr, que d origem a derivados como contrapor, decompor,
repor etc. Portanto, o verbo pr no constitui paradigma como os demais verbos acima mencionados.
Essas observaes podem levar-nos a crer que, afinal, a escolha de uma posio sincrnica ou
diacrnica indiferente, visto que ambas conduzem ao mesmo resultado.
Notemos, contudo, que nem sempre o resultado o mesmo. Sirva-nos de exemplo o verbo
comer.
Em latim, o verbo correspondente a comer edere, com radical ed-. No presente do indicativo,
algumas formas desse verbo se confundiam com o verbo esse: ao lado de edo, edis, edit, havia as
variantes edo, es, est.
Com o objetivo de diferenar mais esses dois verbos, o latim vulgar da pennsula Ibrica
anteceder o primeiro de um prefixo, cum- (que exprime companhia), e o resultado, cum edere /
cumedere, em virtude de uma srie de transformaes fonticas, produzir a forma comer. O cotejo de
comer com comida, comilana, comilo conduz- nos concluso de que o radical comum a essa srie
com- (diferentemente do radical latino ed-).
Esse exemplo permite-nos constatar que nem sempre os enfoques sincrnico e diacrnico levam
s mesmas concluses.
De um ponto de vista metodolgico, aconselhvel, portanto, que se separem as duas posies.
Adotaremos, ao longo de nossa exposio, uma postura sincrnica com relao a alguns aspectos da
morfologia portuguesa, porque acreditamos que o conhecimento dos mecanismos de funcionamento
de um idioma no seu aqui e agora deve anteceder as explicaes de carter histrico, indiscutivel-
mente necessrias e esclarecedoras, mas que devem ser invocadas num segundo momento.
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2 O problema da palavra
De acordo com a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), a
morfologia deve ocupar-se das palavras quanto sua estrutura e
formao, bem como quanto s suas flexes e classificao.
Concentrando-se a morfologia na palavra, necessrio,
inicialmente, que levantemos e discutamos algumas propostas de
caracterizao desse elemento.
Ainda segundo a NGB, a palavra, considerada, do ponto de vista
fontico, como constituda de fonemas e slabas e provida ou no de
tonicidade, recebe a designao de vocbulo-, palavra a denominao
mais adequada se enfocarmos o ponto de vista semntico. No
levaremos em conta, aqui, essa distino, e os dois termos sero
utilizados como sinnimos.
Apresentamos, em seguida, alguns critrios com vistas
caracterizao da palavra, assinalando as dificuldades correspondentes.
Palavra e unidade acentuai
Tomemos, por exemplo, um critrio fontico: a palavra seria uma
unidade acentuai, um conjunto marcado por um s acento tnico.
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No h dvida de que mrmore, xcara, caf correspondem ao critrio proposto; contudo,
uma expresso como com o chinelo tambm satisfaz exigncia acima
a preposio com e o artigo definido o so tonos e o substantivo chinelo paroxtono; o grupo
apresenta; um s acento tnico, mas no constitui uma palavra do ponto de vista grfico. Em
resumo, existem unidades acentuais que no so palavras; esse critrio fontico revela-se parcial e,
portanto, insuficiente.
Palavra e homonmia
Se procurarmos caracterizar a palavra sob o aspecto semntico, os casos de homonmia
revelar-se-o problemticos. Consideram-se homnimas as formas lingsticas de mesma
estrutura fonolgica, porm inteiramente distintas quanto ao ponto de vista significativo.
Poderamos afirmar que manga, nos seus diferentes significados, uma s palavra; ou
haveria tantas palavras manga quanto os diversos significados correspondentes? A resposta
menos simples do que parece; basta levar em conta as divergncias dos dicionrios, relativamente
soluo do problema.
Acrescente-se, ainda, que o fato de a palavra ter um sentido atualizado dentro de um contexto
especfico (frasal/ textual), o que gera o fenmeno da polissemia (possibilidade de variaes de
sentido em funo dos diferentes contextos), impede o estabelecimento de limites claros entre esta
ltima e a homonmia.
Palavra e lexia
Vejamos se o conceito de lexia, proposto por Bernard Pottier, pode ser-nos de alguma
utilidade para a caracterizao do vocbulo.
Segundo o autor, entende-se por lexia a unidade lexical memorizada. Dentre os diferentes
tipos de lexia, destaquemos, aqui, as lexias simples e as compostas.
B. Pottier prope alguns testes formais para a determinao das lexias, dos quais um dos
mais operatrios o da no-separabilidade dos elementos componentes. Apli- cando-o ao
substantivo composto guarda-chuva, p.ex., notemos que qualquer modificador acrescentado a esse
substantivo no pode romper o grupo em questo:
guarda-chuva novo / novo guarda-chuva * guarda-ovo-chuva (construo inaceitvel)
No o que se observa com um vocbulo como obedecerei. O acrscimo de um pronome
pessoal oblquo a essa forma verbal acarreta a separao de seus elementos constitutivos:
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obedecer-te-ei. Assim sendo, obedecerei no seria uma lexia, embora possa ser reconhecido como
uma palavra.
Assinalemos, contudo, que, se no podemos estabelecer correspondncia automtica entre
palavra e lexia simples (como o ilustrou o exemplo acima), o teste da no-sepa- rabilidade permite-
nos levantar um grande nmero de compostos no-dicionarizados. Sirva-nos de exemplo a expres-
so casa de deteno. Qualquer adjetivo a ela acrescentado no pode ocupar posio interna
relativamente ao grupo:
casa d deteno abandonada * casa abandonada de deteno (construo inaceitvel)
Ora, o comportamento de casa de deteno o mesmo do grupo guarda-chuva, acima
apontado. So, portanto, dois exemplos de substantivos compostos.
Os critrios apresentados neste captulo no so os nicos possveis. Revelam, todavia, a
complexidade que caracteriza a palavra e, por conseguinte, as dificuldades da elaborao de uma
morfologia baseada nesse elemento.
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3 A segmentao morfemtica
As unidades mnimas significativas
Expusemos, no captulo anterior, algumas dificuldades associadas
caracterizao do vocbulo. Partiremos, aqui, da hiptese de que a
palavra um elemento de constituio complexa, cuja anlise poder
conduzir a uma base mais rigorosa para os estudos morfolgicos.
Tomemos, a ttulo de ilustrao, a forma verbal falvamos. Como
a conjugao verbal portuguesa caracterizada por uma riqueza de
flexes, possvel comparar a forma proposta com as demais que a ela
se associam. Estabeleceremos, como princpio, que as comparaes
devem ser feitas por pares; cada par deve apresentar uma s relao de
semelhana e uma s relo de diferena. Comparemos, inicialmente,
falvamos falava
O elemento comum (relao de semelhana) falava; o elemento
diferencial -mos, que s ocorre na primeira forma.
Consideraremos, tambm, que os elementos destacados devem ter
um valor significativo. No par acima, -mos indica que a ao expressa no
passado realizada por um grupo de pessoas, entre as quais se inclui o
falante.
A forma comum falava igualmente decompon- vel, como o
mostra a comparao seguinte: falava fala
O segmento destacado --------- va indica que a ao expressa
pelo verbo se desenrola num passado que se prolonga (pretrito
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imperfeito do indicativo).
Convm assinalar que nem sempre um nico par nos permite
depreender o segmento correto. Outros pares devem ser estabelecidos
para confirmar ou infirmar certos resultados. Se tivssemos comparado
falava com falara, teramos isolado o - V - . O recurso a outras
comparaes falava / fala; falava / falasse permite-nos corrigir
esse resultado para -va.
Podemos ainda prosseguir com um novo par, fala falo
que nos fornece os segmentos -a e -o. Como a forma proposta
falvamos, interessa-nos o -a. Baseados exclusivamente nesse par,
deveramos interpretar -a como ndice de terceira pessoa do singular do
presente do indicativo (em oposio ao -o, marc de primeira pessoa do
singular do mesmo tempo).
Mais uma vez, a comparao com as outras formas do mesmo
verbo vai conduzir-nos interpretao correta; falAva, falAremos,
falAriam, embora correspondam a tempos e pessoas diferentes,
apresentam a mesma vogal -a-, que , na verdade, marca da primeira
conjugao.
Finalmente, comparando fala
chora
destacamos os elementos fal- e chor-, que indicam aes diferentes.
Portanto, a forma verbal apresentada constituda de quatro
elementos: fal + + va + mos.
Com relao a esses segmentos, convm ressaltar os seguintes
aspectos:
1) so unidades portadoras de sentido;
2) so elementos recorrentes, de grande produtividade na lngua;
fal- figura em toda a conjugao do verbo falar, bem como em
derivados, como falador, -a- marca de todos os verbos da primeira
conjugao (falar, cantar, chorar)', -va- caracteriza o pretrito
imperfeito do indicativo de qualquer verbo da mesma conjugao
{falava, cantava, chorava); -mos ndice de primeira pessoa do plural,
independentemente de tempo, modo e conjugao (falamos,
falssemos, temamos)',
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3) a ordem desses segmentos rgida; qualquer alterao resulta
em formas inaceitveis na lngua (p.ex.: * falmosva).
Como so elementos contguos, podem ocorrer alteraes
fonolgicas em alguns deles. Em portugus, so freqentes os casos de
crase e de eliso. Se compararmos gosto com gostoso, destacamos
apenas -so, como elemento diferencial; contudo, os pares creme /
cremoso, sabor / saboroso permitem-nos depreender -oso. Trata-se do
mesmo segmento, visto que o segundo membro de cada par apresenta
um trao significativo comum. A vogal final de gosto e a inicial de -oso,
por serem idnticas, fundiram-se, de acordo com a regra fonolgica da
crase. Com relao ao par creme / cremoso, notamos que o -e, tono, de
creme se elide diante do o- de -oso; trata-se, agora, de um caso de
eliso.
Essas unidades mnimas significativas recebem o nome especfico
de morfemas.
A dupla articulao da linguagem
Baseando-nos, agora, no par
fala
mala
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destacamos /- e m-, que j no so elementos providos de sentido. A
substituio de /- por m- contribui, entretanto, para distinguir os
vocbulos fala e mala.
Essas unidades distintivas, desprovidas de sentido, recebem a
designao de fonemas. Convenciona-se representar os fonemas entre
barras oblquas: /f/ e /m/.
Os pares caracterizados por apresentarem formas que se
distinguem por um s trao diferencial so designados como pares
mnimos. Quando, na comparao das formas, a substituio de um
trao por outro acarreta uma mudana de sentido, realizamos o que se
denomina uma comutao.
Entre os morfemas e os fonemas, h uma diferena qualitativa:
enquanto aqueles so significativos, estes so distintivos. Com base
nessa oposio, Andr Martinet estabelece a teoria da dupla articulao
da linguagem: a uma primeira articulao, representada por unidades
significativas (que A. Martinet designa como monemas), acrescenta- se
uma segunda articulao, de unidades distintivas (os fonemas).
Convm esclarecer que, ao contrrio do que nossa exposio
poderia levar a crer, as tcnicas de anlise fonol- gica se desenvolveram
primeiro; posteriormente, foram transpostas para o terreno da
morfologia.
Embora o termo monema, segundo A. Martinet, no seja
exatamente sinnimo de morfema, esta ltima designao que se vem
generalizando cada vez mais e que manteremos ao longo deste trabalho. 1
A importncia do sentido
O valor significativo dos morfemas tem algumas implicaes, que
passamos a expor a seguir.
Os pares canta / cantas e mesa / mesas permitem-nos depreender
-5. Ocorre que, no primeiro, o elemento destacado indica segunda
pessoa do singular, ao passo que, no segundo, marca de nmero plural.
Como os valores significativos so diferentes, devemos reconhecer, a,
1 Remetemos o leitor interessado ao vocabulrio crtico, para os devidos
esclarecimentos de detalhes terminolgicos.
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dois morfemas homnimos.
Alm da diferena de significado entre os dois, h tambm
diferenas de carter formal. O -s2 de cantas ope-se s terminaes de
outras formas {canta, cantamos, cantais, cantam); com relao a
mesas, a nica oposio que podemos estabelecer entre mesa e mesas.
Ao operarmos com determinados pares, devemos evitar as falsas
comutaes, que podem levar-nos a destacar elementos desprovidos de
sentido. Assim, a comparao entre os membros do par lei / legal pode
sugerir-nos que -i e -gal so morfemas, o que falso, visto que no so,
em portugus, segmentos portadores de significado. Temos, aqui, um
elemento indecomponvel lei e uma forma variante leg-.
Cumpre, ainda, esclarecer que os segmentos comuns ao par devem
ter o mesmo valor semntico. Para determinar os morfemas de
capacidade, no poderamos compar- lo com capa ou com cidade, que,
embora existentes em portugus, no tm nenhuma relao significativa
com o vocbulo proposto. A nica comparao possvel, no caso, com
capaz; como resultado, obtemos a forma capac-, variante.
4 Alomorfes e morfema zero
J assinalamos que as tcnicas da anlise fonolgica foram
transpostas para a anlise morfolgica. Aqui, ressaltaremos alguns
paralelismos resultantes dessa transposio.
2 Representa-se entre colchetes a realizao fontica, em oposio representao
fonolgica (entre barras oblquas).
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Alofones e alomorfes
Alguns fonemas podem realizar-se atravs de variantes. Assim, o
fonema /!/ (depreendido de um par como lia / ria) apresenta, em
portugus, as realizaes [1] (/ alveolar) quando antecede uma vogal:
lama-, e [w] (u semivoclico, como em mau), quando se pospe a uma
vogal: alma [aw- ma], no portugus do Brasil. (Em Portugal, o / ps-
voclico realiza-se como um [i] (/ velar). Para a exposio que se segue,
escolhemos a variante brasileira.)
Essas variantes recebem a designao de alofones e, com
freqncia, encontram-se em contextos exclusivos, como o ilustra o
quadro seguinte:
Fazendo a leitura do quadro com base nas colunas verticais, temos que
[1] s aparece em posio pr-voclica, diferentemente de [w], que s
ocorre em posio ps-voclica; onde utilizmos uma variante, no
podemos utilizar a outra. Neste caso, dizemos que as variantes so
combinatrias e esto em distribuio complementar.
Existem alofones que no ocorrem em distribuio complementar.
Por exemplo, o fonema /r/, em posio inicial, pode realizar-se, em
nossa lngua, como [r] (alveolar) ou como [K] (velar), indiferentemente:
rua [rua / Kua]. Aqui, dizemos que as variantes so livres.
O mesmo pode observar-se com relao aos morfemas, que nem
sempre so caracterizados por uma nica forma, como a maioria dos
exemplos apresentados 110 captulo anterior poderia levar a crer.
No adjetivo infeliz, a comparao com feliz permite- nos
depreender o morfema in-. Esse mesmo morfema realiza- se como i-
antes de radicais iniciados por /-, m- e r-: ilegal, imoral, irreal. Essas
diferentes realizaes so designadas como alomorfes, em paralelismo
com alofones.
De modo geral, os alomorfes apresentam-se em distribuio
complementar, a exemplo do que ocorre com os alofones. Em portugus,
0 pronome pessoal oblquo mim realiza-se como /mim/ aps qualquer
preposio diferente de com {de mim, em mim, sem mim)', seguindo-se
preposio com, temos a variante /migo/ (comigo), conforme o ilustra
/I/ pr-voclico ps-voclico
[1] + -
[W] - +
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o quadro abaixo:
mim aps prep. com
aps prep. com
/mim/ + _
/migo/ - +
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As colunas verticais do quadro mostram que /mim/ s ocorre em
seguida s preposies diferentes de com, ao passo que /migo/ s figura
aps a preposio com. Dizemos, aqui tambm, que os alomorfes esto
em distribuio complementar, visto que ocorrem em contextos
exclusivos 3.
importante notar que nem sempre os alomorfes resultam de um
contexto fonolgico, como pode sugerir o exemplo do morfema in-,
acima: a variante i- s encontrada antes de determinadas consoantes.
Com relao ao segundo exemplo, poderamos pensar que a
variante /migo/ ocorre aps nasal; as seqncias em mim, sem mim, em
que as preposies tambm terminam por nasal, negam a validade dessa
afirmao. O condicionamento, aqui, , portanto, morfolgico, e no
fonolgico.
Mesmo no exemplo anterior, o condicionamento fonolgico no
representa uma restrio absoluta na lngua. Obser vemos que, se uma
forma como irreal poderia induzir-nos a crer que a nasal no ocorre
antes de /F/ (dada a inexistncia de inreal na lngua culta), o verbo
enrolar mostra que, em portugus, o fonema /r/ pode figurar aps -n-.
Embora mais raros, tambm se encontram em portugus exemplos
de variantes alomrficas livres: ao lado de ouo' temos a variante oio, e
o falante livre na escolha de uma ou de outra forma, diferentemente do
que se observou com relao s variantes /mim/ e /migo/, dependentes
do contexto.
A forma bsica
A existncia de diferentes alomorfes para um mesmo morfema
remete-nos ao problema da escolha de um deles
para representar o conjunto. O alomorfe selecionado recebe a
designao de forma bsica; nem sempre fcil estabelecer essa
forma, mas alguns critrios podem ser apontados.
O primeiro deles, o critrio estatstico, o que especifica que,
dentre as variantes existentes, escolhida como forma bsica a mais
3 No devemos falar em variante nos casos de crase e eliso. Por exemplo, em
gostoso houve crase de -o de gosto com o- de -oso, mas o morfema , indiscutivelmente, -oso (cf., aqui, p. 15).
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freqente. Com relao ao exemplo acima, mim / migo, vimos que
mim figura aps todas as. preposies, com exceo da preposio
com; por ser estatisticamente mais freqente, selecionada como a
forma bsica. Convenciona-se representar a forma bsica entre
chaves:
./mim/
'/migo/
A indicao acima deve ser lida da seguinte forma: o morfema [mim]
realiza-se fonologicamente como /mim/ e /migo/, em contextos a
serem especificados.
Quando os alomorfes apresentam a mesma freqncia,
escolhe-se a forma bsica em funo do critrio da regularidade de
formao.
Explicitemos, atravs de um exemplo, o que se deve entender
pelo critrio acima. O futuro do presente do indicativo, em
portugus, expresso pelos morfemas -r- e -re-, que ocorrem trs
vezes cada um: -r-, na segunda e terceira pessoas do singular e na
terceira pessoa do plural (amars, amar, amaro); -re-, na
primeira pessoa do singular e na primeira e segunda pessoas do
plural (amarei, amaremos, amareis). Considerando que os
morfemas indicativos de tempo e modo, em nossa lngua,
apresentam todos formas bsicas em -a e variantes em -e (de acordo
com o critrio estatstico), selecionamos, por paralelismo, -r- como
forma bsica e -re- como variante (cf. quadro desses morfemas, s p.
32 e 33).
Nos casos em que uma das variantes ocorre isoladamente,
enquanto a outra s aparece atrelada a um novo morfema, a primeira
que deve ser tomada como forma bsica. Em portugus, o substantivo
chapu possui a variante chapei-, s utilizada quando seguida de um
morfema iniciado por vogal: chapelaria, chapeleiro. Como s a forma
chapu pode ser empregada isoladamente (Vi um homem de chapu ),
ela a forma bsica. Observemos, ainda, que mais econmico partir de
chapu para prever chapei--. basta estabelecer a regra segundo a qual o -
u passa a -/- diante de morfema iniciado por vogal. Se partssemos de
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chapei-, como forma bsica, precisaramos de duas regras para chegar
outra variante: o -/ passa a -u: 1) diante de pausa; 2) antes de morfema
iniciado por consoante (p.ex., chapeuzinho).
Para certos morfemas, conveniente postular uma forma bsica
terica, no-documentada em sincronia. Em portugus, para
explicarmos o plural do substantivo mar, poderamos partir de uma
forma terica *mare (sincronica- mente, inexistente); o -e eliminado
no singular e mantido no plural {mares). s vantagens dessa descrio
so especificadas no captulo 5 (cf. p. 31-2).
Alomorfe ou morfema
Nos exemplos acima apontados, encontramos alomor- fes que se
assemelham do ponto de vista fonolgico: in- / i-, chapu / chapei-.
Observemos, contudo, que esse trao no condio para
postularmos a existncia de variantes. No adjetivo amvel,
depreendemos o morfema -vel, que se realiza como -bil- quando
antecede morfemas iniciados por vogal: ama- bil-idade, ama-bil-ssimo.
Os alomorfes -vel e -bil- esto fonologicamente muito mais distanciados
do que as variantes dos outros exemplos apresentados.
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Essas consideraes remetem-nos a um novo problema: diante de
formas semanticamente aparentadas, preciso especificar os critrios
que nos permitam estabelecer se se trata de morfemas diferentes ou de
variantes de um mesmo morfema.
Para elucidar a questo, devemos basear-nos no aspecto
semntico. Em amvel / amabilidade, -vel e -bil- apresentam o mesmo
sentido, o que nos leva a concluir que so alomorfes.
Comparando, agora, os membros do par: altura / altitude,
depreendemos os segmentos -ura e -itude, ambos formadores de
substantivos abstratos a partir de radicais adjetivos. Em altitude, h
aluso elevao acima do nvel do mar, o que no se verifica em
altura-, acrescentemos, ainda, que s podemos falar na altura de um
indivduo, e no em sua altitude. Por conseguinte, -ura e -itude so
morfemas distintos, e no alomorfes.
As observaes aqui apresentadas confirmam um aspecto que
ressaltamos no captulo anterior: a depreenso dos morfemas no se
reduz a um mero exerccio formal; fundamental que se leve em conta o
elemento semntico.
Morfema zero (0) e alomorfe zero (0)
Ao tratarmos das tcnicas de segmentao morfem- tica,
utilizamos um par que retomaremos aqui:
falvamos falava
Comparando as duas formas, destacamos 0 morfema -mos,
indicativo de primeira pessoa do plural.
Relativamente a falava, sabemos que representa a primeira ou a
terceira pessoa do singular; no entanto, no se destacou nenhum
segmento que exprima essas noes, a ausncia de marca que, aqui,
indica a pessoa e o nmero. Nesse caso, falamos em morfema zero
(representado por 0).
S podemos postular um morfema 0 se trs condies forem
satisfeitas:
1) preciso que o morfema 0 corresponda a um espao vazio;
2) esse espao vazio deve opor-se a um ou mais segmentos (no par
-
utilizado, o 0 de falava contrape-se ao -mos de falvamos);
3) a noo expressa pelo morfema 0 deve ser inerente classe
gramatical do vocbulo examinado. Em nosso exemplo, as noes de
nmero e pessoa existem obrigatoriamente em qualquer forma verbal
portuguesa.
No par:
fiel fielmente
que nos conduz depreenso de -mente, no possvel postular um
morfema 0 para fiel, porque, em portugus, morfemas como -mente
(formador de advrbios de modo) no so extensivos a todos os
adjetivos; no temos formas como triangularmente, vermelhamente
etc. Assinalemos, tambm, que, mesmo em fielmente, o uso do segmento
final no obrigatrio e automtico para exprimir a idia de modo; nada
nos impediria de substitu-lo pela expresso de modo fiel.
No o que se observa no par: casa
casas
em que destacamos -s, indicativo de nmero plural; o que nos permite
afirmar que casa singular a ausncia de segmento destacvel. Temos,
aqui, um exemplo de morfema 0 (de singular), porque a noo de
nmero inerente a qualquer substantivo de nossa lngua.
Quando, numa srie de alomorfes, houver a ausncia de um trao
formal significativo num determinado ponto
da srie, podemos designar como alomorfe 0 essa ausncia. o que
se pode verificar no substantivo pires, que apresenta a mesma forma
para o singular e para o plural; impossvel depreender, neste caso,
qualquer segmento indicativo dessas noes. A idia de nmero
aflora do contexto:
o pires novo (sing.) os
pires novos (pl.) 4
Como, em portugus, os alomorfes de plural so -s, -es, -is, podemos
dizer que pires constitudo do radical pires mais o alomorfe 0 de
v 3 Q qUe se d,'tambm, com os demais substantivos; comparem-se:
0 livro novo (sing.) os livros novos (pl.)
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nmero (singular/plural).
Em resumo, o morfema 0 ocorre numa srie de morfemas, ao
passo que 0 alomorfe 0 ocorre numa srie de alomorfes.
Classificao dos morfemas (1)
Apresentaremos, aqui, a classificao dos morfemas, de cuja
depreenso j se tratou nos captulos anteriores.
De acordo com a doutrina de L. Bloomfield, as formas so
classificadas em livres (conforme possam funcionar como enunciaes
isoladas; p.ex.: mar, sol) e presas (quando s aparecem atreladas, como
o -5 do plural em mesas).
A fim de evitar a estreiteza de um critrio meramente formal,
levaremos tambm em conta a funo dos elementos apresentdos, isto
, o papel que representam dentro do vocbulo em que figuram.
Feitos esses esclarecimentos, arrolamos, abaixo, os diferentes
tipos de morfemas do portugus, tambm comuns a outros idiomas.
Radical
O radical corresponde ao elemento irredutvel e comum s
palavras de uma mesma famlia. Considerando-se a srie: ferro /
ferreiro / ferradura / ferramenta, o segmento fp" que, por satisfazer
s exigncias especificadas, representa o radical.
Devemos evitar a designao de raiz, vinculada perspectiva
diacrnica. Como assinalamos no primeiro captulo, nem sempre h
coincidncia entre os enfoques sincrnico e diacrnico: em comer, o
radical com- (cp. comida, comilo), ao passo que a raiz ed-.
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Afixos: prefixos e sufixos
Designam-se afixos os morfemas que se anexam ao radical para
mudar-lhe o sentido (p.ex.: fazer / des-fazer) ou acrescentar-lhe uma
idia secundria (livro / livr-eco). Podem contribuir, ainda, para a
mudana da classe do vocbulo: leal, adjetivo, com o acrscimo do afixo
-dade, passa a substantivo: lealdade.
Os afixos antepostos ao radical denomnam-se prefixos (des-leal,
in-feliz, re-por); quando pospostos, recebem a designao de sufixos
(cruel-dade, firme-mente).
Assinale-se, contudo, que a diferena entre prefixos e sufixos no
meramente distribucional. O acrscimo de um prefixo no contribui
para a mudana de classe do radical a que se atrela, diferentemente do
que ocorre com os sufixos, conforme se pode observar nos exemplos
acima apontados
Os prefixos agregam-se normalmente a verbos (re-fazer) e a
adjetivos (in-quieto). Lembremos alguns traos de correspondncia
entre verbos e adjetivos: o particpio passado fle- xiona-se em gnero e
nmero (comprado(s), comprada(s)), semelhana dos adjetivos;
certos verbos so substituveis por expresses constitudas de verbo de
ligao seguido de um adjetivo (envelhecer / ficar velho; hesitar / estar
hesitante).
1 O sufixo pode, tambm, no alterar a classe gramatical do radical a que se junta;
observe-se o exemplo ferreiro (subst.), derivado s ferro (subst.).
-
27
So raros os exemplos de prefixo preso a substantivo; geralmente isso se
verifica com deverbais (des-respeito, re-torno).
Acrescente-se, ainda, que os verbos formados por prefixao
podem vir seguidos de complemento encabeado por preposio
correspondente ao prefixo: concorrer com ..., depender de ..., embeber
em ...
Os sufixos, por sua vez, podem ser nominais, quando contribuem
para a formao de nomes (substantivos e adjetivos), e verbais. Como
exemplos dos primeiros, temos -mento e -al (armamento e mortal)', em
portugus, h um nmero considervel de sufixos verbais: -ejar, -ear, -
izar, -e(s)cer, -itar (purpurejar, galantear, civilizar, florescer, saltitar).
Temos
um s sufixo adverbial --------- mente , que se prende forma
feminina do adjetivo: lindamente, firmemente.
Certas lnguas apresentam, alm dos prefixos e sufixos, os infixos,
que se inserem no radical. No existem infixos em nossa lngua; o -z- de
cafezal, classificado como infixo em gramticas anteriores NGB, , na
verdade, uma consoante de ligao: no est inserido no radical, nem
imprime a este um sentido especfico (a idia de coletivo est em -al\ cp.
laranjal). Dedicamos, adiante, um pargrafo ao estudo desses^fonemas
de ligao em portugus.
Desinncias
So os morfemas terminais das palavras variveis. Servem para
indicar as flexes de gnero e nmero (desinncias nominais), e de
modo-tempo e nmero-pessoa (desinncias verbais).
Embora se coloquem direita do radical, como os sufixos,
apresentam duas diferenas importantes com relao a estes. As
desinncias, atravs da concordncia a elas associada, colocam a palavra
na frase: em
Os alunos estudiosos progridem
-
28
os e estudiosos, como elementos subordinados a alunos, concordam
com esse substantivo em gnero e nmero; o sujeito alunos e o verbo
progridem concordam em nmero e pessoa. O sufixo, por sua vez,
possibilita a criao de uma nova palavra, que se acrescenta ao lxico da
lngua: anexando ao substantivo ferro o sufixo -eiro, obtemos um novo
substantivo, ferreiro.
Outra diferena importante a levar em conta que as desinncias
so morfemas que no se podem dispensar; p.ex., toda forma verbal
portuguesa est associada s noes de modo e tempo e de nmero e
pessoa.
Essas consideraes permitem-nos rever o problema do grau,
interpretado em nossas gramticas como flexo.
Observemos que a expresso do grau no implica concordncia:
um carrinho novo 5. Notemos, ainda, que, em vez de carrinho,
poderamos dizer carro pequeno, ou seja, -inho no elemento de
emprego obrigatrio.
No havendo concordncia nem obrigatoriedade de uso desse
elemento, o grau no constitui um caso de flexo; -inho sufixo, e
estamos diante de um exemplo de derivao sufixai.
O substantivo, em portugus, flexiona-se apenas em gnero e
nmero, e dos morfemas correspondentes a essas flexes que nos
ocuparemos a seguir.
Desinncias de gnero
O gnero, em portugus, pode exprimir-se atravs de flexo (p.ex.:
garoto / garota), de derivao (quando uma das formas, masculina ou
feminina, formada pelo acrscimo de um sufixo ao radical: p.ex.: conde
/ condessa) ou
5 Embora seja possvel dizer um carrinho novinho, no se trata de uma construo
obrigatria.
-
29
de heteronmia (caso de masculino e feminino representados por dois
vocbulos completamente diferentes: p.ex.: bode / cabra).
Enfocaremos, aqui, apenas o primeiro recurso mencionado, ou
seja, a flexo.
Ao contrrio do que vinha afirmando a tradio gramatical
portuguesa, segundo a qual a uma forma masculina em -o se ope uma
forma feminina em -a, Mattoso Cmara prope uma descrio original,
de masculino em 0 oposto a um feminino em -a.
O argumento do autor que no podemos considerar -o como
marca de masculino por opor-se a -a (como no par garoto / garota,
acima), porque esse mesmo raciocnio nos obrigaria a considerar como
masculino o -e de mestre (que tambm, se ope a -a\ cf. mestre /
mestra). Se fcil associar -o a masculino, o mesmo no se d com -e,
que pode estar ligado a um ou outro gnero (comparem-se, p.ex., ponte
(fem.) e monte (masc.)). No caso, a soluo mais plausvel considerar o
masculino como uma forma desprovida de flexo especfica, em
oposio ao feminino, caracterizado pela flexo em -a. A vogal final das
formas masculinas seria, ento, uma vogal temtica (de que falaremos
mais adiante).
Entretanto, a observao de alguns fatos leva-nos a rever essa
posio. Note-se, p.ex., que, quando se acrescenta a uma palavra
feminina uma terminao que contenha -o, essa palavra passa a
masculina:
mulher (fem.) / mulherao (masc.) cabea (fem.) / cabealho (masc.)
Lembremos, ainda, que o povo, em sua linguagem espontnea, cria
formas masculinas sempre em -0; p.ex., faz-se corresponder ao feminino
coisa o masculino coiso, inexistente na lngua culta. So tambm dignas
de nota formas como corujo, criano, madrasto.
Essas observaes conduzem-nos concluso de que -o est
intimamente associado noo de masculino: a fie-
-
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xo de gnero no se reduz a uma oposio 0 / -a, e, sim, a uma
oposio -o / -a.
A desinncia -o apresenta as variantes 0 (peru / perua, autor /
autora) e u semivoclico (europeu / europia', mau / mo).
Desinncias de nmero
Comparando os membros do par mesa /
mesas
verificamos que, enquanto o plural caracterizado pelo -s, o singular
no apresenta nenhuma desinncia especfica.
A ausncia de desinncia para o singular permite-nos afirmar que,
no que se refere ao nmero, o singular caracterizado pelo morfema 0,
ao passo que o plural marado pela desinncia -s.
Com relao aos nomes paroxtonos terminados em -s, como lpis,
simples, que permanecem invariveis no singular e no plural, podemos
considerar um alomorfe 0. Nesses casos, a identificao do nmero d-
se atravs da concordncia:
lpis preto / lpis pretos
Quanto aos nomes terminados em consoante, destacaremos, a
ttulo de ilustrao, os que apresentam as terminaes -r e -z. A
formao do plural de nomes como mar e cruz pode ser explicada de
duas maneiras.
Podemos considerar que, em mares e cruzes, foi acrescentado o
alomorfe -es (da desinncia -s) aos radicais mar e cruz: mar-es; cruz-es.
Outra possibilidade de explicao partir das formas tericas
/mares * cruze 6. Poderamos, ento, afirmar que, no singular, 0 -e
desaparece e se mantm apenas no plural:
6 A forma terica (cf, aqui, p. 22) corresponde a uma realizao que, embora no encontrvel em sincronia, postulada como ponto de partida para estabelecer relaes entre formas aparentadas fonolgica e morfologicamente. Convenciona-se indic-la antecedida de um asterisco.
-
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0
mar (sing.)
mares (pi.) cruz
(sing.)
cruzes (pi.)
A primeira soluo conduz-nos a uma descrio em que, ao lado da
forma bsica da desinncia, devemos apresentar uma srie de variantes,
com a especificao dos respectivos contextos. No o que ocorre com a
segunda soluo, que nos possibilita a apresentao de um quadro mais
econmico: a desinncia do plural sempre -s, sem que seja necessrio
falar em variantes; a vogal que, eventualmente, antecede o -s
incorporada forma terica.
Saliente-se, todavia, que a escolha de uma o de outra
possibilidade se pauta exclusivamente pela considerao do aspecto
econmico; no se trata de contrapor uma descrio correta a outra,
incorreta.
Desinncias verbais
H dois tipos de desinncias verbais: as que exprimem modo e
tempo (modo-temporais) e as que indicam nmero e pessoa (nmero-
pessoais). Nas formas verbais portuguesas, semelhana do que ocorre
com outros idiomas, as desinncias modo-temporais precedem as
nmero-pessoais.
Apresentamos, abaixo, o quadro dessas desinncias,
acompanhadas das respectivas variantes.
Desinncias modo-temporais
Indicativo
presente:
mare
cruze
-
32
-e- (1 ? conj.)
-a- (2? e 3? conj.) :
s se-
-r- . (var.: -re-)
(var.: -re-)
-ndo-
-do .
prt, imperf.: -i/a- (1? conj.) : (var.: -ve-)
ia- (2? e 3? conj.) (var.: -ie-)
prt, perf.: 0 (para as cinco primeiras
'pessoas)-.
-ra- (para a 3? pess. do pl.) prt, mais-
que-perf.: -ra- (tono) (var.: -re-)
fut. do pres.: -r- (tnico) ; (var.: -re-, tnico)
fut. do prt.: -ria- (var.: -rie-)
Subjuntivo
. pres.:
imperf fut.:
Formas verbo-nominais
inf.: ger.: part, pass
Desinncias
nmero-
pessoais : Singular 1? pess.: 0 (var.: -0 (prs, indic.)
-[ 7 (prt. perf. e fut. do prs.)) 2?
pess.: -s . (var.: -ste (prt, perf.))
3? pess.: 0 (var.: -y 4 (prt, perf.))
Plural
1? pess.: -mos
2? pess.: - j s4 (var.: -stes (prt, perf.)
des (fut. do subj. e inf. fle-
xionado)). 3? pess.: -m
7 O sinal sob 0 i e 0 11 indica que sc trata do / e do u semivoclicos (p.
ex.,.em amei c amou). :
-
Os quadros acima correspondem ao levantamento das desinncias
verbais, segundo M. Cmara (cf. bibliografia) e merecem alguns
comentrios.
Observemos, inicialmente, que o critrio estatstico que nos
permite distinguir as formas bsicas dos alomorfes: p.ex., no pretrito
imperfeito-do indicativo (primeira conjugao), a desinncia -va- (que
ocorre na primeira, segunda e terceira pessoas do singular, bem como
primeira e terceira pessoas do plural); -ve-, por figurar apenas na
segunda pessoa do plural {amveis), o alomorfe.
As desinncias acima ilustram, tambm, o fenmeno da
cumulao: exprimem tempo e modo, simultaneamente, bem como
nmero e pessoa. Algumas acumulam outros Valores gramaticais: o
caso da desinncia nmero-pessoal -o, que, por figurar apenas no
presente do indicativo, passa tambm a ser marca desse tempo e modo.
Vogais temticas
As vogais temticas acrescentam-se, normalmente, ao radical
para'constituir uma base, qual so anexadas as desinncias. Sua
posio , pois, entre o radical e a desinncia.
Tm por funo marcar classes de nomes e verbos.
Distinguiremos vogais temticas nominais e verbais, a exemplo do que
vimos com as desinncias.
Vogais temticas nominais
As vogais temticas nominais, em portugus, so -a, -e e -o,
respectivamente.
Considerando-se que -a e -o tambm podem ser desinncias de
gnero, como vimos acima, surge a necessidade de explicitar o critrio
que nos permite classificar essas terminaes como vogais temticas.
-
34
L
Enquanto -o e -a desinenciais comutam com -a e -o,
respectivamente, para exprimir mudana de gnero
comparem-se:
menin I o garot a : inenin I a garot o
, o mesmo no ocorre com as vogais temticas: no
existe uma forma livra feminino de livro, como no h uma
forma carto como masculino de carta. Acrescente-se,
ainda, que -o e -a temticos no se associam necessariamente s noes
de masculino e feminino, como os exemplos livro e carta poderiam
levar-nos a crer; lembrem-se os vocbulos libido (fem.) e mapa (rnasc.).
A vogal temtica -o apresenta, em alguns vocbulos, a variante -
u; p.ex., no adjetivo lutuoso, o -u- est no lugar do -o temtico (cf. luto).
Isso ocorre com relativa freqncia, quando ao -o temtico se anexa
uma desinncia ou um sufixo iniciado por vogal (comparem-se:
conceito / conceituai / conceituar / conceituoso. Observe-se, contudo,
que a passagem de -o a -u- no automtica, no contexto especificado.
Se a conceito correspondem conceituar / conceituoso, & respeito
correspondem respeitar / respeitoso (com eliso e crase,
respectivamente, do -o)).
Existem, tambm, nomes atemticos, desprovidos da referida
vogal. o caso dos substantivos terminados em vogal tnica: cip, caf.
O acrscimo de sufixo a esses vocbulos no implica a queda da vogal
tnica final
cipoal, cafezinho , o que mostra que essa vogal no destacvel e
faz parte integrante do radical.
Com relao aos substantivos terminados em consoante, podemos
consider-los como atemticos ou no. Num quadro descritivo em que
mar apresentado como um substantivo cujo plural se obtm atravs
do alomorfe -es mar-es , podemos afirmar que os nomes
terminados em consoante so atemticos; se, para explicar o plural do
substantivo em questo, postularmos a forma terica *mare, somos
obri
-
35
gados a reconhecer no -e a vogal temtica. Em resumo, para os nomes
terminados em consoante, a vogal temtica ser ou no postulada,
conforme o quadro descritivo escolhido.
Vogais temticas verbais
Em nossa lngua, so trs as vogais temticas verbais: -a-
(primeira conj.), -e- (segunda conj.) e -/- (terceira conj.). praxe
identific-las pelo infinitivo; so as vogais que antecedem o -r
desinencial: cim-a-r, vend-e-r, part-i-r.
Das trs vogais temticas verbais, a mais produtiva a que
caracteriza a primeira conjugao, visto que todos os verbos novos so
a ela incorporados: discar, tricotar.
A vogal temtica da primeira conjugao apresenta as variantes -
e- e -o-, respectivamente (na primeira e na terceira pessoas do singular
do pretrito perfeito do indicativo: amei, amou); a nica variante da
vogal temtica da segunda conjugao que ocorre no pretrito
imperfeito do indicativo, na primeira pessoa do singular do pretrito
perfeito do indicativo e no particpio passado (vendia, vendi, vendido).
falso interpretar a ausncia de vogal temtica numa
formaverbal como um caso de alomorfe 0. Em formas como amo e
ame, p.ex., no figura a vogal temtica em virtude da regra fonolgica
da eliso: uma vogal tona que cai em contato com a vogal da
desinncia:
ama + o - amo; ama + e = ame
No caso de vendia, deu-se a crase do alomorfe (da vogal temtica) com
a vogal inicial da desinncia -ia:
vend + i + ia - vendia
Como possvel recuperar a vogal temtica, devemos sempre
postul-la; sua ausncia fica facilmente explicada pela aplicao de
regras fonolgicas gerais em portugus.
Lembremos, ainda, que o morfema (e o alomorfe) 0 no pode(m)
ser recuperado(s): quando afirmamos que a
-
36 -
desinncia do singular 0, em oposio ao -5 do plural, no h
nenhum elemento que possamos pr no lugar de 0.
A vogal temtica verbal aparece, tambm, em adjetivos
formados a partir de um tema verbal: am--vel. Esse fato refora a
afirmao que fizemos acima (no pargrafo relativo aos afixos),
com relao ao parentesco entre verbos e adjetivos.
Em alguns substantivos deverbais, freqente a ocorrncia de
duas vogais temticas, uma verbal e outra nominal, como se pode
observar em um exemplo como armamentov em que 0 segundo -a-
a vogal temtica da primeira conjugao, e o -o vogal temtica
nominal.
Vogais e consoantes de ligao
J fizemos referncia aos fonemas de ligao em portugus
quando tratamos dos afixos. Vamos enfoc-los, agora, mais
detidamente.
Os fonemas de ligao so os que ocorrem no interior do
vocbulo, normalmente entre 0 radical e o sufixo (ou entre dois
radicais, no caso de alguns compostos). Sua utilizao est,
geralmente, ligada eufonia, 0 que no impede que possam surgir
por razes analgicas, como veremos mais adiante.
Quanto s vogais de ligao, em portugus, a rigor existem
apenas duas: /// e / o / . A vogal /// figura na composio de
elementos latinos; / o / , na composio de elementos gregos.
O /// de ligao ocorre em vrios contextos, mas vamos fixar-
nos nos exemplos em que essa vogal antecede o sufixo -dade:
dignidade, facilidade.
A existncia do adjetivo digno e do sufixo -dade no
antecedido de /// (como em lealdade, ruindade) mostra-nos que esse
/// deve ser interpretado como uma vogal de ligao. Poderamos,
tambm, imaginar que se trata de uma' variante da desinncia -0 do
adjetivo digno, em contato
com o sufixo; todavia, essa interpretao inaceitvel, se levarmos em
conta o outro exemplo proposto facilidade , para o qual o /// no
pode ser analisado como variante de desinncia.
Com relao aos pares
srio / seriedade [sbrio / sobriedade]
-
37
[prprio / propriedade]
observamos que, com os adjetivos terminados em -io, o -o passa a -e-
quando se lhe anexa o sufixo. Nesses casos, podemos afirmar que o /e/
uma variante (fonologica- mente condicionada) da vogal ///.
Quanto vogal /
-
38
!
A integrao da consoante ao sufixo, e no ao radical, resulta da
observao de certos paralelismos: -zinho (var. de -inho) (cf.
cafezinho, menininho); por conseguinte, -zal (var. de -al), j que se
trata da mesma consoante de ligao.
A segunda segmentao parece mais econmica e coerente:
divide o vocbulo em apenas dois elementos e elimina o fonema de
ligao, que no tem carter mrfemtico.
Ressaltemos, entretanto, que a escolha da soluo mais simples ditada
exclusivamente pela preocupao com . a economia descritiva. Se
reconhecermos a produtividade dos fonemas de ligao em portugus,
nada nos impede d dar a eles o devido destaque.
-
6
Classificao dos morfemas (2)
Apresentamos, no captulo precedente, uma classificao dos
morfemas do ponto de vista funcional.
Levando em conta a face significante (o material fnico)
desses segmentos, podemos propor outro tipo de classificao, que
privilegie o aspecto formal. Esse enfoque no se contrape ao que
j apresentamos; pelo contrrio, permite destacar novos aspectos
dos morfemas examinados.
Basear-nos-emos no que diz J. Mattoso Cmara Jr., em seu
Dicionrio de lingstica e gramtica (verbete morfema). Segundo o
autor, os morfemas, do ponto de vista do significante, podem; ser:
aditivos, subtrativos, alternativos, reduplicativos, de posio e zero.
Passamos a especificar, abaixo, os traos caractersticos de
cada um desses diferentes tipos.
Morfemas aditivos
Como o nome o indica, os morfemas aditivos.so segmentos
que se anexam a um ncleo (geralmente, o radical). Apontmos
como exemplos os afixos (prefixos e sufixos),
as vogais temticas (nominais e verbais) e as desinncias (nominais e
verbais). So os que predominam em portugus, bem como em outros
idiomas.
Quando dois ou mais morfemas se agregam a um ncleo, sua
-
42
combinatria rgida e a ordem dos segmentos determinada de
forma bem especfica. A ttulo de ilustrao, examinemos a seqncia
dos elementos constitutivos da forma verbal portuguesa; em
marchvamos, aps as comutaes necessrias, destacamos os
morfemas march- (Rd) + -- (VT) + -v- (DMT) + -mos (DNP)
(em que Rd = radical; VT = vogal temtica; DMT = desinncia modo-
temporal; DNP = desinncia nmero-pessoal).
Como o radical e a vogal temtica constituem uma base o
tema , e os elementos seguintes so desinenciais, podemos dividir a
forma apresentada em dois blocos: T (Rd + VT) + D (DMT + DNP)
(em que T = tema), salientando, contudo, que essa ordem no pode ser
alterada.
Em vocbulos em que figuram mais de um prefixo ou sufixo, a
seqncia tambm rgida: recompor (*conre- por), amavelmente.
Com relao a recompor, o prefixo re-, que exprime repetio, est
semanticamente menos integrado a pr do que o prefixo com-; da, a
sua posio mais perifrica. O mesmo pode notar-se nas construes
sintticas: quando dois adjetivos modificam um mesmo substantivo, o
adjetivo semanticamente menos coeso o que mais se distancia com
relao ao ncleo substantivai: cu azul maravilhoso .
A seqncia exemplificada em amavelmente explicada por
fatores de ordem estrutural: o sufixo -vel formador de adjetivos, e -
mente forma advrbios de modo, atre- lando-se direita da forma
feminina do adjetivo. Portanto, preciso que, inicialmente, se agregue
-vel para obter o adjetivo; em seguida, anexa-se o sufixo adverbial.
Essas consideraes mostram que os morfemas apresentam
diferentes graus de coeso relativamente ao ncleo, o que explica a
existncia de determinadas combinatrias.
Observemos, ainda, que determinados morfemas aditivos so
bloqueadores, isto , uma vez acrescentados ao ncleo, impedem a
anexao de qualquer outro morfema: o caso do -s de nmero plural.
Em um vocbulo como armamento, no podemos afirmar que o sufixo
bloquea- dor, porque podemos ainda acrescentar-lhe outro sufixo, -
ista: armamentista; contudo, o acrscimo de -s bloqueia a forma:
-
43
armamentos, em que no possvel anexar nenhum outro elemento.
Diferentemente do -s8 do plural, as vogais temticas e os sufixos no
so morfemas bloqueadores (comparem-se: amA / amAr,
amssemos; respeitOSa / respeitOSamente).
Morfemas subi rati vos
puando se d a supresso de um fonema do radical para
exprimir alguma diferena de sentido, tem-se o morfema subtrativo.
Embora bem mais raro que os morfemas aditivos, h um exemplo
interessante em portugus.
Examinando os pares
ano / an irmo / irm rfo / rf
podemos afirmar que o feminino obtido atravs da eliminao do -o
do masculino. Na descrio da flexo desses pares, mais econmico
partir da coluna correspondente ao feminino, o que nos permite
formular a regra segundo a qual o masculino formado pelo
acrscimo de -o forma do feminino. Se partssemos dos masculinos,
no poderia- mos afirmar que o feminino resulta da queda do -o, por-
que os substantivos em -o apresentam vrios tipos de femininos: ano
/ an ; leo / leoa ; sulto / sultana. Em outras palavras, quando o
feminino em -, o masculino automaticamente em -o; se o
masculino termina em -o, h possibilidades variadas de feminino, o
que nos obrigaria a estabelecer listagens.
No cabe, aqui, a interpretao das formas femininas. an, irm
e rf como casos de morfema 0. J vimos que a desinncia de gnero
feminino em portugus -a; a vogal - do radical funde-se com o -a
desinencial, segundo a regra fonolgica da crase. Assim, temos: irma
irm.
Como possvel recuperar a desinncia, no podemos postular
um morfema 0, de acordo com o que observamos s pginas 36 e 37.
8 Note-se, tambm, que o nico que pode permutar com relao ao substantivo:
maravilhoso cu azul "azul' cu maravilhoso
-
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Morfemas alternativos
Consistem na substituio de fonemas do radical, que passa a
apresentar duas ou mais formas alternantes; dessa alternncia resulta
o morfema.
Examinaremos, aqui, os casos de alternncia voclica, muito
freqentes em portugus. Podemos distinguir trs tipos de
alternncia de timbre da vogal tnica:
1) / / - / / ; / / - / /
, Essas alternncias aparecem em alguns nomes e pronomes, na
oposio entre singular e plural, ou entre masculino e feminino: olho /
olhos; esse / essa.
Tambm ocorrem em alguns verbos da segunda conjugao,
opondo, no presente do indicativo, a primeira pessoa do singular s
demais pessoas que apresentam acento tnico no radical: bebo / bebes
; corro / corres.
2) / / - / i / ; / / - / 11/
Estabelecem distino, nos pronomes, entre o animado e 0
neutro: aquele / aquilo ; todo / tudo.
Designamos como verbos fortes um pequeno grupo de verbos
irregulares em que a primeira e a terceira pessoas do singular do
pretrito perfeito do indicativo tm acento tnico no radical, sem
desinncia especfica. Alguns deles apresentam a alternncia
especificada neste item: fez / fiz ; ps / pus.
3) /i/-//; /U/-//
Ocorre em alguns verbos da terceira conjugao, onde
diferencia, no presente do indicativo,.a primeira pessoa das demais,
que tambm apresentam acento tnico no radical: firo / feres ; acudo /
acodes.
Os trs tipos acima propostos exigem alguns comentrios.
Notemos, inicialmente, que so extensivos s flexes nominal e verbal,
com exceo do terceiro, que jjaracters- tico apenas dos verbos.
Percebemos, assim, um paralelismo entre nomes e verbos no que se
refere a alguns traos de flexo, o que simplifica e facilita o estudo
desse aspecto.
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45
Observemos, ainda, que a alternncia voclica se constitui num
trao redundante. Nos exemplos apresentados, as flexes de gnero,
nmero e pessoa so expressas por desinncias, ou seja, por morfemas
aditivos. excepcional, em nossa lngua, que a simples alternncia
sirva para distinguir formas: nos nomes, s h um exemplo de
oposio masculino/feminino baseada exclusivamente na alternncia:
av/av.
Tambm nos verbos fortes, acima mencionados, a alternncia
basicamente distintiva. Afora esses casos, sempre um trao paralelo
s desinncias flexionais, e, portanto, redundante.
Salientamos, ao tratar dos morfemas subtrativos, que era mais
econmico descrever os pares apresentados partindo das formas
femininas. Com relao s formas que apresentam alternncia
voclica, conveniente, por razes de economia descritiva, estabelecer
como formas bsicas as de vogal mais aberta. Utilizaremos, a ttulo de
exemplificao, apenas dois exemplos extrados do primeiro tipo.
No caso do plural dos nomes, basta formular uma regra segundo
a qual a vogal tnica se fecha no singular: olhos -> olho. O fechamento
da vogal no singular automtico. Se partssemos do singular para
explicar o plural, teramos que proceder listagem de excees, pois
h exemplos de pares em que a vogal tnica igualmente fechada no
singular e no plural: bolso / bolsos.
Com os verbos da segunda conjugao, a forma bsica a
segunda pessoa do singular, cuja vogal tnica se fecha
automaticamente na primeira pessoa: bebes bebo. Nem sempre a vogal
tnica da primeira pessoa se abre nas demais: comparem-se temo /
temes, o que, mais uma vez, nos obrigaria a elaborar listas.
Apontemos, finalmente, o caso da alternncia pros- dica, que
corresponde s diferenas de posio do acento para marcar o
contraste entre nomes e verbos:
dvida / duvida
fbrica / fabrica
Nesses pares, os proparoxtonos so substantivos, ao passo que os
paroxtonos so verbos.
-
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Morfemas reduplicativos
Em alguns idiomas, a repetio da parte inicial do radical
(especificamente, a primeira consoante seguida da primeira vogal que,
em alguns casos, toma o timbre e) tem valor morfolgico. o que se
verifica em latim, em que certos verbos apresentam, no pretrito
perfeito do indicativo, uma forma caracterizada pela reduplicao ou
redobro: cano, canto / cecini; do, dou / dedi.
Ao lado desse tipo de reduplicao, havia, tambm, em latim, o
chamado redobro expressivo ou intensivo, com repetio da consoante
inicial do radical acompanhada de uma vogal acrescida da vibrante
/r/: murmur, murmrio ; tur- tur, rol (ave). Diferentemente da
reduplicao anterior,
o redobro expressivo tinha por funo dar mais realce ao vocbulo;
seu emprego, portanto, era mais estilstico. Observe- se o carter
onomatopico dos exemplos apresentados.
Esses morfemas tambm so, de certa forma, aditivos;
diferenciam-se, contudo, destes ltimos pelo fato de que no o
elemento acrescido que tem valor morfolgico, e sim sua repetio.
A lngua portuguesa no apresenta morfemas redupli-
cativos. Em nossa lngua, o fenmeno da reduplicao comum na
linguagem infantil e nos hipocrsticos: papai, mame, vov, Zez,
Fifv, ocorre, tambm, em alguns compostos : pingue-pongue, reco-
reco, tique-taque. Saliente-se, porm, que esses exemplos no se
revestem de valor morfolgico: ilustram, na verdade, o chamado
redobro expressivo, de que falamos acima.
sVIorfema de posio
A disposio dos morfemas na frase pode ter valor
gramatical. Comparem-se: Joo v Jos (Joo: sujeito; Jos:
objeto) e Jos v Joo (Jos: sujeito; Joo: objeto).
morfema de posio distingue-se dos outros tipos aqui
apresentados por no se constituir nem em acrscimo, nem em
subtrao de segmentos.
Convm ressaltar que, ao lado das combinaes que'
-
47
implicam mudana de funo, como ilustrou o exemplo acima,
temos seqncias de ordem livre, como, p.ex., em: Hoje, vou sair /
Vou, hoje, sair / Vou sair, hoje, em que a posio varivel do
advrbio no lhe altera a funo. Acrescente-s, ainda, que h
combinatrias que no podem ocorrer: * homem o (diferentemente
do que se passa em romeno, em que o artigo posposto: omut).
Como, para os lingistas de orientao distribuciona- lista, as
combinaes de segmentos internos ao vocbulo so estudadas na
morfologia, cabendo sintaxe o estudo
das combinaes ao nvel da frase, o morfema de posio ocuparia, a
rigor, um captulo importante da sintaxe.
No entanto, a impossibilidade de formar seqncias como *
homem o no , fundamentalmente, diferente da impossibilidade de
formar *falmosva (por falvamos). Isso nos leva a ver, no morfema
de posio, um tipo limtrofe entre a morfologia e a sintaxe, o que
dificulta o estabelecimento de uma rgida linha divisria entre os dois
campos.
Morfema zero (0)
J fizemos, ao longo deste livro, algumas referncias ao morfema
e ao alomorfe 0.
So comuns, em portugus, os exemplos de morfema 0 na flexo
verbal: com freqncia, as desinncias modo- temporais e nmero-
pessoais so representadas por esse tipo de morfema. Lembremos,
contudo, que no se deve postular um morfema 0 quando estamos
diante de um elemento recupervel: em ame, no se deve falar em
vogal temtica 0, visto que, no tema amA-, a vogal temtica se elide
antes da desinncia modo-temporal -e: am(a)e.
Essa observao deve, portanto, prevenir-nos contra um uso
indiscriminado do morfema 0, que s deve ser postulado em casos de
real necessidade.
Os diferentes tipos de morfema apresentados neste captulo
agrupam-se em trs blocos, caracterizados, respectivamente, pelo
acrscimo, pela subtrao e pela alternncia de segmentos. =
-
48
>
Em portugus, predominam, como j se observou, os morfemas
aditivos; so freqentes, tambm, os alternativos (normalmente,
redundantes com relao aos morfemas segmentais), no terreno das
flexes nominal e verbal. Raros so os casos de morfemas subtrativos
em nossa lngua.
-
7 Concluso
O exame da complexidade do vocbulo conduziu-nos anlise de
seus elementos constitutivos. Partindo de pares mnimos, cujos
membros devem apresentar uma relao de semelhana e uma relao
de diferena, depreendemos, atravs das tcnicas explicitadas, os
morfemas, unidades mnimas portadoras de sentido.
O interesse da depreenso dos morfemas resulta de seu carter
produtivo: so elementos recorrentes, reutilizados em centenas de
vocbulos, e, portanto, vivos na lngua. Eis por que as tcnicas
propostas adquirem particular importncia.
Por razes metodolgicas, privilegiamos o ponto de vista
sincrnico, o que no significa que subestimemos o enfoque
diacrnico. O prvio conhecimento sincrnico ajuda a entender
determinados fatos de evoluo: a maior resistncia de morfemas mais
produtivos e mais freqentes; relativamente aos morfemas
semanticamente aparentados, a tendncia ao maior emprego de um
deles em detrimento do(s) outro(s) ou o desenvolvimento de uma nova
diferena entre eles. Em portugus, com relao aos sufixos verbais -
ejar e -ear, de valor freqentativo, nota-se a tendncia ao uso mais
constante da primeira forma; observem-se os verbos: branquejar (ao
lado de branquear), purpurejar (ao lado de purpurear). Os sufixos
formadores de substantivos dever- bais, -mento e -o, quando se
anexam ao mesmo tema, formam um par cujos membros se
-
50
diferenciam semanticamente: armamento / armao ; coroamento /
coroao.
Devem ser ressaltados, tambm, certos paralelismos que
caracterizam a morfologia portuguesa. No pargrafo relativo aos
morfemas alternativos, mostramos como os mesmos tipos de
alternncia ocorrem nas flexes nominal e verbal.
Outro fato importante a destacar a integrao que se
estabelece entre algumas noes: mostramos, no captulo 5, que os
nomes terminados em consoante so temticos ou no, em funo do
quadro descritivo escolhido para explicar o plural. Se optarmos por
uma descrio que privilegie as variantes, diremos que o plural de
mar (mares) formado pelo acrscimo do alomorfe -es ao radical; se
preferirmos economizar as variantes, partiremos da forma terica
*mare, cuja vogal temtica desaparece no singular e se mantm no
plural. Vemos, assim, que a flexo de nmero e as vogais temticas
nominais so tpicos que no se dissociam. Tambm esto associadas
s vogais temticas e s desinncias de gnero as vogais de ligao:
num primeiro momento, preciso esclarecer que, em dignidade, o
destacado no variante da desinncia de gnero masculino -o,
levando-se em conta uma forma como facilidade, para a qual no
seria cabvel essa interpretao.
Convm, ainda, salientar que o estudo dos processos de
formao de palavras pressupe o conhecimento das tcnicas de
segmentao morfemtica e da classificao dos morfemas (tanto do
ponto de vista funcional, quanto do ponto de vista significante). O
prprio conceito de derivao vocabular o acrscimo de afixos a
um radical
implica o conhecimento dos elementos mencionados.
Os estudos de J. Mattoso Cmara Jr., relativos s flexes
nominal (de gnero e nmero) e verbal, representam um avano- com
relao s descries propostas em nossas gramticas tradicionais e
tambm pressupem o conhecimento de algumas informaes tericas
e o domnio de tcnicas implcitas na obra do autor, mas cuja
explicitao detalhada se faz necessria para muitos leitores que tero
um primeiro contato com os textos mattosianos. Esperamos que as
tcnicas de segmentao e a classificao dos morfemas depreendidos,
-
51
que desenvolvemos ao longo deste livro, possam contribuir para o
preenchimento dessas lacunas.
8 Exerccios de aplicao
Levando em conta as dificuldades de segmentao morfemtica
de certos vocbulos mais complexos, apresentamos, neste captulo,
alguns exerccios comentados. Propomos, tambm, algumas questes,
para cuja soluo o estudante pode basear-se no(s) exerccio(s)-modelo.
Embora fosse mais interessante utilizar a transcrio fonolgica,
preferimos, a ttulo de simplificao, exemplificar com a forma escrita
dos vocbulos.
O objetivo desses exerccios , tambm, acrescentar algumas
observaes relativas aos morfemas do portugus.
1) Depreender, pela tcnica da comutao, os morfemas constitutivos
do vocbulo deslealdade.
Como observamos no captulo 3, levaremos em conta que o vocbulo
proposto se relaciona com outros, com os quais apresenta relaes de
semelhana e de diferena. Esse trao permite-nos estabelecer pares,
que podem ser comparados. Inicialmente, comparemos deslealdade
com desleal:
deslealdade desleal
o que nos leva a depreender -dade, sufixo.
-
52
Prosseguindo, cotejemos desleal com leal. praxe (embora no
seja obrigatrio) estabelecer o novo par a partir do segundo elemento
do par inicialmente apresentado
desleal leal
o que nos conduz depreenso de des-, prefixo.
O adjetivo leal indecomponvel e representa o radical do
vocbulo em questo.
O vocbulo proposto apresenta, portanto, os seguintes morfemas:
des- : prefixo leal : radical
-dade : sufixo
2) Destacar os morfemas constitutivos do vocbulo desres-
peitosamente.
Estabeleamos, inicialmente, o par
desrespeitosamente desrespeitosa
que nos permite destacar -mente, sufixo.. Considerando o novo par,
desrespeitosa respeitosa
depreendemos des-, prefixo. Prosseguindo, temos
respeitosa respeito
o que nos leva depreenso de -sa. Aqui, o verdadeiro segmento a ser
destacado s pode ser corretamente estabelecido se levarmos em conta
outros pares, freqentes na lngua portuguesa:
creme / cremosa fervor /
fervorosa etc.
que nos mostram que o morfema destacvel -osa, sufixo.
Como o substantivo respeito termina em -o e o sufixo -osa inicia-
se pela mesma vogal, deu-se o fenmeno da crase (cf., acima, p. 15):
respeito + osa = respeitosa
Encontramos aqui a interferncia de uma regra fonolgica,
diferentemente do exerccio anterior, que nos conduziu ao destaque de
morfemas nitidamente diferenciados no corpo do prprio vocbulo.
-
53
Comparando respeitosa com respeitoso
respeitosa respeitoso
depreendemos -a (e -o). Como o vocbulo proposto des-
respeitosamente, o -a, desinncia de gnero feminino, que deve reter
nossa ateno. Por outro lado, vemos que -osa , na verdade,
constitudo de dois elementos: -os-, o sufixo propriamente dito, e -a,
desinncia.
Sincronicamente, no possvel decompor respeit-, radical.
Em resumo, os morfemas destacados so:
des- : prefixo respeit-
. radical -os- :
sufixo
-a- : desinncia de gnero feminino
-mente : sufixo
3) Segmentar os morfemas constitutivos do vocbulo insen- satez.
Comparando as formas
insensatez insensato
destacamos -ez, sufixo. O -o de insensato, em contato com a
vogaTnicial do sufixo -ez, sofre eliso (cf., acima, p. 15):
insensat(o) + ez = insensatez A partir de insensato, estabelecemos um novo par,
insensato ' sensato
que nos permite depreender in-, prefixo. O cotejo de sensato com senso
sensato senso
possibilita-nos o destaque de -ato, sufixo (cf. cordato). Os morfemas depreendidos so:
in- : prefixo sens- : radical -at(o) : sufixo -ez sufixo
4) Depreender os morfemas constitutivos do vocbulo confiabilidade.
-
54
A segmentao deste vocbulo apresenta problemas especficos,
que discutiremos a seguir. Relativamente ao par inicial
confiabilidade confivel
preciso, previamente, levar em conta os grupos aceitvel / aceitabilidade amvel / amabilidade durvel / durabilidade etc.
Nesses pares, observamos que os elementos da segunda coluna so os
substantivos abstratos correspondentes aos adjetivos da primeira
coluna. Assinale-se, tambm, que a terminao -vel dos adjetivos passa
regularmente a -bil- nos substantivos derivados da segunda coluna.
Essas observaes permitem-nos concluir que -bil- uma forma
variante de -vel, o que nos possibilita voltar ao par
confiabilidade confivel
considerando, agora, que confivel e confiabil- so formas
correspondentes Sendo assim, o segmento diferencial, destacvel, -
idade, sufixo. A ocorrncia de -dade (sem -/-), em vocbulos como
bondade, lealdade, ruindade, leva- nos a interpretar o -i- como vogal
de ligao; se optarmos por uma anlise mais econmica, podemos
considerar -idade como alomorfe de -dade. Qualquer uma das duas
solues igualmente aceitvel.
Procedendo comparao de
confivel 'JveT depreendemos con-, prefixo.
Prosseguindo, estabeleamos um novo par,
fivel fia
que nos leva a destacar -ve/, sufixo. (Esse sufixo apresenta- se, em
confiabilidade, sob a forma do alomorfe -bil-.) Comparando, agora, fia
com outra forma, fia fio
segmentamos -a (e, tambm, -o, que no nos interessa no caso). O par
fia / fio leva-nos a interpretar -a como ndice de terceira pessoa do
singular do presente do indicativo. Contudo, podemos corrigir essa
classificao, levantando formas como fiava / firamos / fiassem
-
55
em que a ocorrncia de -a- constante, independentemente de
modo/tempo e nmero/pessoa; trata-se, na verdade, da vogal temtica
da primeira conjugao.
Retomando os morfemas destacados, temos:
con- : prefixo fi- :
radical
1 A variante -bil- ocorre tambm no superlativo: aceitabilssimo, amabils- simo,
confiabilssimo, durabilssimo.
-a- : vogal temtica (1? conjug.)
-bilr : alomorfe do sufixo -vel -idade :
alomorfe do sufixo -dade (ou: -/ : vogal de
ligao; -dade\ sufixo)
Observemos, tambm, que os adjetivos terminados em -z, quando
seguidos dos sufixos -dade ou -ssimo, alteram o -z em -c-, conforme o
ilustram os exemplos:
capaz / capacidade / capacssimo feliz /
felicidade / felicssimo veloz / velocidade /
velocssimo
5) Destacar os morfemas constitutivos do vocbulo desprezvel.
Partamos da comparao
desprezvel desprezo
que nos conduz depreenso de -vel, sufixo.
A existncia da forma desprezvel permite-nos estabelecer outro
par:
desprezvel desprezvel
do qiral destacamos o elemento -i- (e --).
Deveramos classificar esse elemento como variante da vogal
temtica. Contudo, entre os adjetivos desprezvel e desprezvel h uma
ligeira diferena de sentido ( semelhana do que ocorre com os
adjetivos vendvel e vendvel). Como o nico trao diferenciador entre
esses adjetivos a oposio / -a-, somos obrigados a associar a ele a
diferena de sentido. Considerando que as vogais temticas so
-
56
meramente classificatrias (cf., acima, p. 34), no podemos atribuir a
elas um valor significativo. Essas observaes levam-nos a no separar
a vogal do sufixo propriamente dito, analisando -vel como um t-odo.
Notemos que essa a posio da maioria de nossos dicionrios, quando
indicam o sufixo -vel sempre antecedido de uma vogal: -vel, -vel, -
vel9.
Prosseguindo com as comutaes, temos
desprezo prezo
o que nos permite destacar des-, prefixo. Portanto, os morfemas depreendidos so:
des- : prefixo, prez- :
radical vel : sufixo
Exerccio: Depreenda e classifique os morfemas constitutivos dos
vocbulos: inegavelmente impetuosamente
desgracioso legalidade aceitabilidade.
Passemos, agora, a alguns exerccios de segmentao de formas
verbais, destacando as dificuldades especficas.
6) Segmentar os morfemas componentes da forma verbal
descongelavam.
Estabeleamos, inicialmente, o par descongelavam
congelavam
que nos fornece o morfema des-, prefixo. Prosseguindo, temos
congelavam gelavam
que nos possibilita a depreenso de con-, prefixo. Isolados os prefixos, podemos ainda continuar:
gelavam gelava
com destaque de -m, desinncia nmero-pessoal. Partindo, agora, de gelava, temos
gelava gela
9 No exerccio anterior, poderamos, portanto, ter ligado a vogal temtica -a- ao
alomorfe -bit-, representando a variante por -abil-.
-
57
o que nos leva a destacar -va, desinncia modo-temporal (pretrito
imperfeito do indicativo da primeira conjugao). Podemos, ainda,
levantar um novo par,
gela gelo
com destaque de -a. Como j foi observado acima, o par leva-nos a
classificar esse -a como desinncia de terceira pessoa do singular (em
oposio ao -o); o confronto com outras formas:
gelava / gelaremos / gelando
em que o -a- constante, que nos permite classific-lo como vogal
temtica da primeira conjugao.
Finalmente, a comparao
gela canta
fornece-nos o radical, gel-. Em resumo:
des- : prefixo con- : prefixo gel- : radical -a- : vogal temtica (1? conjug.) -va- : desinncia modo-temporal -m : desinncia nmero-pessoal
7) Destacar os morfemas componentes da forma verbal buscveis.
No podemos, aqui, estabelecer o par: buscveis / buscava, sem
antes mostrar que -ve- variante de -va-.
Comparando as formas buscava e buscasse, depreendemos -va,
desinncia mdo-temporal (j especificada no
exerccio anterior). Levantemos todas as formas correspondentes a
esse tempo:
busca va busca va s busca va busc va mos busc ve is busca va
-
58
m
O quadro mostra-nos que -ve- figura uma s vez na coluna em que
ocorre cinco vezes a form -va-; trata-se, portanto, de uma variante da
referida forma.
Feita essa observao, podemos, agora, retomar o par
inicialmente apresentado:
buscveis' buscava
que nos permite destacar -is, desinncia nmero-pessoal. (Se no
tivssemos levado em conta o quadro acima, seramos obrigados a
depreender -eis.)
Finalmente, cotejando:
busca fala
depreendemos busc-, radical.
Os morfemas segmentados so:
busc- : radical -a- : vogal temtica (1 ? conjug.) -ve- : alomorfe da desinncia modo-temporal -va- -is : desinncia nmero-pessoal
8) Depreender os morfemas componentes da forma verbal existia.
Se estabelecssemos, inicialmente, o. par
existia existisse
destacaramos -a como desinncia modo-temporal. Contudo, a utilizao de um novo par
existia exista
possibilita-nos corrigir o resultado acima. As duas formas (iexistia /
exista) passam a distinguir-se pela presena do -i- em existia.
Considerando que -/- a vogal temtica dos verbos da terceira
conjugao e que a funo dessa vogal apenas classificatria, no pode
ser associada a ela a diferena de modo/tempo entre as duas formas
verbais. Essas observaes levam-nos a destacar -ia como desinncia
modo-temporal (pretrito imperfeito do indicativo da segunda e
-
59
terceira conjugaes).
J vimos, pgina 36, que a vogal temtica deve ser sempre
postulada. Quando ela no ocorre, em virtude de regras fonolgicas,
como crase e eliso. No exemplo em questo, houve a crase da vogal
temtica -/- com o i- de -ia: exist + i + ia = existia
possvel, ainda, prosseguir com as comutaes
existia . -.-existamos
o quedos indica que a noo de primeira (ou terceira) pessoa do
singular, em existia, est representada pelo morfema 0 (em
contraposio a existamos, em que -mos representa a primeira pessoa
do plural).
Finalmente, se compararmos existia dormia
depreendemos exist- como radical. Convm observar, aqui, que a
utilizao de um par como existia partia
conduzir a erros de segmentao. De fato, o elemento comum, nesse
par, -tia; os elementos diferenciais so exis- epar-, ou seja, todos
elementos desprovidos de significao e, portanto, sem valor
morfemtico (cf., acima, observao p. 17).
A forma verbal existia composta dos morfemas exist- :
radical
(-/-) : vogal temtica (3? conjug.)
-ia : desinncia modo-temporal 0 :
desinncia nmero-pessoal.
Exerccio'. Depreenda e classifique os morfemas constitutivos das
formas verbais: bailemos bebamos
marcharam (pret. mais-que-perfeito)
Os exerccios acima tm por objetivo ilustrar as tcnicas de
segmentao. Apresentamos, em seguida, alguns tipos de exerccio mais
variados.
9) Separar e classificar as desinncias dos vocbulos: senhores moa
-
60
limpamos chamveis
senhores
A comparao de senhores e senhor conduz ao destaque de -es,
desinncia de nmero plural. Podemos interpretar -es como alomorfe
da desinncia -s; outra soluo consiste em postular a forma terica
''senhore, qual se acrescenta o -5 desinencial (cf., acima, p. 31-2).
moa
A oposio moa / moo permite-nos depreender -a, desinncia
de gnero feminino.
O par moa / moas leva depreenso do morfema 0 de singular.
Temos, assim: mo + a + 0
limpamos
O cotejo com limpvamos possibilita o destaque do morfema 0
modo-temporal (presente do indicativo ou pretrito perfeito do
indicativo, visto que a forma verbal est fora de contexto).
Opondo limpamos a limpa, destaca-se -mos, desinncia nmero-
pes&oal.;:_ : '
Em resumo: limpa (tema) + 0 + mos
chamveis
A comparao com chamava leva depreenso de -is, desinncia
nmero-pessoal (relativamente variante -ve-, de -va-, cf. observao
referente ao exerccio 7, acima).
O par chamava f chamasse permite a segmentao de -va-,
desinncia modo-temporal.
Temos, portanto: chama (tema) + ve (alom.) + is
Exerccio: Destaque e classifique as desinncias de: luzes
damos garota temiam
10) Destaque o sufixo dos vocbulos normal e taquaral e mostre se se
trata do mesmo morfema nos dois casos.
No poderamos comparar, inicialmente, normal com norma e
taquaral com taquara, porque esses pares nos levariam ao destaque de
que no tem valor de morfema. Levando em conta os pares
espectro / espectral-^. , , . ,
-
61
paralelos a norma / normal
morte / mortal ^
bambu / bambual~~^^ 7^: paralelos a taquara / taquaral
tomate / tomatal
depreendemos o sufixo -a . Podemos, assim, afirmar que em normal e
taquaral houve o fenmeno da crase:
norma + al = normal taquara + al = taquaral
Em normal, o sufixo tem valor adjetival de relao, pertinncia;
em taquaral, indica quantidade, conjunto.
-
62
Em virtude da diferena de sentido, podemos afirmar que se trata
de sufixos homnimos.
Como reforo a essa observao, note-se que o mor-, fema -ai
no aceita as mesmas combinatrias nos dois voc- f bulos: de
normal temos normalizar, normalmente & normalidade-, em
taquaral, essas seqncias no so possveis: *ta- quaralizar,
*taquaralmente, *taquaralidade so formas inaceitveis em nossa
lngua.
, portanto, conveniente, de um ponto de vista sincr- nico,
distinguir dois sufixos -al, em portugus.
11) Com base nas construes: sem ns conosco de ns
com ns mesmos, indique em um quadro a distribuio do
pronome ns.
Podemos ilustrar essa distribuio no quadro abaixo:
O quadro mostra que os alomorfes ns e nosco esto em
distribuio complementar.
Exerccio: Indique a distribuio dos pronomes pessoais tnicos
mim, ti e si e estabelea uma comparao com relao
ao quadro acima.
Os exerccios acima apresentados e discutidos no tiveram por
objetivo apenas a aplicao das tcnicas explicitadas ao longo deste
livro. Alguns aspectos da morfologia portuguesa foram tambm
acrescentados. Lembremos, por
exemplo, como a insistncia no carter classificatrio da vogal temtica
permitiu corrigir algumas segmentaes (cf. exerccios 5 e 8); o
10
Este sinal indica pausa.
[ns] prep. * com + (nsj prep. com + [ns) + mesmos
prep. com + (ns) + # 10
/ns/ + -
/nosco/ - +
-
exerccio 11 mostra a complexidade do subsistema dos pronomes
oblquos tnicos em nossa lngua.
Assinalemos, ainda, que foi nossa preocupao chamar a ateno
do leitor para a ordem das comutaes, a fim de evitar que alguns
pares sejam estabelecidos antes da realizao de certas comutaes
prvias, o que pode conduzir a segmentaes ou a classificaes falsas
(cf., p.ex., exerccio 7).
9 Vocabulrio crtico
Alofones: como se denominam as diferentes realizaes de um
fonema. Em portugus, o fonema /l/ apresenta os alofones [1],
alveolar, e [t], velar (substitudo, no portugus do Brasil, por
[w]). Convenciona-se representar os fonemas entre barras
oblquas, e os alofones, entre colchetes. A designao de
alomorfes paralela de alofones (v. alomorfes).
Alomorfes: para os lingistas americanos, de orientao
distribucionalista, a designao que se d s diferentes
realizaes de um mesmo morfema. Assim, em portugus, o
morfema (mim) apresenta, como alomorfes, /mim/ e /migo/,
respectivamente (v. distribuio complementar). H alguns
critrios para estabelecer qual dos alomorfes de um
-
64
determinado morfema representa a forma bsica. Por
conveno, representa-se a forma bsica entre chaves, e os
alomorfes, entre barras oblquas (v. alofones). 1
Comutao: teste que consiste em substituir um fonema de um
signo lingustico por outro, a fim de verificar se a substituio
acarreta uma diferena de sentido. Em caso afirmativo, tem-se
um novo fonema; por exemplo, em /pata/i a substituio de p-
por b- (/bata/) implica uma mudana de sentido. Obtemos,
assim, os fonemas /p/ e /b/. Esse mesmo teste foi aplicado
anlise morfolgica: em amamos (primeira pessoa do plural),
substituindo-se -mos por -is, obtm-se jnais (segunda pessoa do
plural), o que nos d os morfemas /mos/ e /is/. Entre os
linguistas norte-americanos, o termo mais frequente substitui-
o (v. par mnimo).
Cumulao: quando um morfema apresenta dois ou mais valores
gramaticais, sem que seja possvel determinar a que elementos do
segmento correspondem os diferentes sentidos. Em portugus,
p.ex., a desinncia nmero-pes- soal -ste corresponde segunda
pessoa do singular, mas, como s figura no pretrito perfeito do
indicativo, acaba adquirindo tambm o valor modo-temporal. A
cumulao tambm designada como amlgama.
Distribuio complementar, diz-se que as variantes de um fonema
(alofones) ou d um morfema (alomorfes) esto em distribuio
complementar quando aparecem em contextos exclusivos. Por
exemplo, o fonema /l/ realiza-se .coma [1], alveolar, antes de
vogal, e como [1], velar, aps uma vogal; o morfema [ti] realiza-se
como /ti/ aps qualquer preposio diferente de com (de ti, em ti),
e como /tigo/ quando se segue preposio com (contigo). Em
resumo, onde ocorre uma variante, no pode ocorrer a outra.
Dupla articulao (da linguagem): de acordo com a teoria de Andr
Martinet, a cadeia da fala pode ser segmentada em unidades
portadoras de sentido (os monemas, aproximadamente
correspondentes aos morfemas), as quais, por sua vez, se
segmentam em unidades distintivas (os fonemas). Os monemas
representam a primeira articulao da linguagem, e os fonemas
-
representam a segunda articulao (v. morfema).
-
202
Formas dependentes: designao proposta por J. Mattoso Cmara Jr., indica a forma que nunca
aparece isolada, embora apresente uma certa autonomia. Em