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  • MOOCAENTRE PASSADO E FUTUROAlex Sartori | Trabalho Final de Graduao

  • MOOCAENTRE PASSADO E FUTUROAlex Sartori | Trabalho Final de GraduaoMaria de Lourdes Zuquim | OrientadoraFaculdade de Arquitetura e UrbanismoUniversidade de So Paulo

    Dezembro 2012

  • A todos os autores deste projeto.

  • AgrAdecimentos

    A meus pais, minha irm e minha madrinha, Silvio, Cida, Renata

    e Salete.

    A Gabriela Schn, Srgio Lazarini e Evanice Lazarini.

    A Gabriele Rodrigues, Thas Maio, Ariel Macena, Mariana Mar-

    tins, Max Heringer, Bruna Bertuccelli, Thais Viyuela, Carmem Aires, Rena-

    to Buti, Fernando Laurentino, e Ligia Mininel

    A Denise Antonucci e Rosana Miranda

    A Maria de Lourdes Zuquim, minha orientadora, por toda a

    pacincia, pela companhia nos ltimos 4 anos, e por toda a liberdade que

    me deu para pensar.

    FAUUSP, 4 de dezembro de 2012

  • APresentAo

    Este trabalho pretende-se a sntese de um perodo de 6 anos de estudos e de experincia de cidade e arquitetura; a

    formalizao de uma srie de posturas e olhares sobre a cidade que nascem da crtica, embasada pela teoria e pela vivncia urbana.

    O projeto que se apresentar um estudo preliminar de uma alternativa de conduzir o processo de transformao de uma rea a

    um objetivo definido, sntese e aplicao prtica de todas as questes que sero discutidas a seguir; ilustrao de uma postura crtica

    e de afirmaes sobre a cidade.

    Para isso decidimos por realizar uma interveno sobre uma rea industrial na divisa dos distritos da Mooca, Ipiranga e Vila

    Prudente, a que chamaremos de Barroca para distingu-la dos bairros vizinhos. Este nome uma referncia histrica que encontra-

    mos no trabalho de Laurentino:

    A Barroca era uma rea muito grande de propriedade da Companhia de Terrenos Parques da Mooca. Essa rea pegava toda a

    parte direita de quem sobe a Avenida Paes de Barros e ia at os Armazns Gerais no bairro do Ipiranga. Os armazns ladeavam

    a Estrada de Ferro Santos a Jundia (...) A Barroca avanava tambm de um lado em direo Vila Prudente e terminava no lado

    oposto, exatamente na Vrzea do Glicrio, tambm conhecida por Ilha dos Sapos (depoimento de Alcides Barroso, in SESSO

    JUNIOR, 1995. P 79, apud LAURENTINO, 2002, p. 79).

    Esta rea tem acesso privilegiado, pois se conecta s marginais e ao Anel Virio, portanto ao ABC, a Santos, ao interior do

    estado e ao Rio de Janeiro, assim como a diversos bairros dentro da prpria RMSP Regio Metropolitana de So Paulo. Tambm

    favorecida pelo transporte metro-ferrovirio pela presena da linha 10 da CPTM que se conecta s linhas 2 e 3 do metr e 11 e

    12 da CPTM.

    Sua ocupao aconteceu na maior parte entre as dcadas de 1940 e 1970, quando as margens da Estrada de Ferro

    Santos-Jundia j estavam saturadas, portanto, para que se pudessem estender as indstrias para alm da faixa lindeira ferrovia foi

    necessrio criar um desvio que garantisse o acesso. Este sistema operou por algumas dcadas at quando os caminhes assumiram

    quase todo o transporte de carga, que resultou em mudanas fsicas nas fbricas inclusive no deslocamento de uma srie delas para

    outras reas.

    Os bairros vizinhos, que se industrializaram algumas dcadas antes, esto em claro processo de desindustrializao com

    substituio de usos e edifcios, semelhante a toda a orla ferroviria, do Ipiranga Lapa, assim como s margens do Rio Pinheiros, nos

    bairros Santo Amaro, Socorro, Vila Leopoldina e Jaguar que apresentam diversas semelhanas entre si, a comear pelo uso industrial

    e pela formao ligada ferrovia, mas principalmente porque a indstria vem sendo substituda por diversos empreendimentos do

    Acima: metrple, virio estrutural e hidroanel, com indicao da rea de estudo. Abaixo: delimitao do permetro da Barroca

    Fonte das imagens: Google Earth

  • mercado imobilirio, notadamente com o padro de condomnios verticais fechados, resultando em grandes prejuzos socioculturais,

    e nos alerta sobre cenrios futuros para a rea de estudo, apesar das diferenas nos processos como se ver adiante, desindustria-

    lizao no um termo que se possa utilizar para o nosso caso.

    Este caderno foi dividido em trs partes, a primeira de fundamentao terica que se constituir da anlise da formao da

    metrpole de So Paulo e sua industrializao, assim como de aspectos sociais e morfolgicos da cidade; na segunda Em seguida tra-

    taremos sobre os processos de ocupao e industrializao dos bairros Bras e Ipiranga enquanto exemplares sobre a transformao

    funcional; sobre o processo de desconcentrao industrial. Da ento faremos a anlise formal da Barroca; de projetos existentes e da

    Operao Urbana Mooca-Vila Carioca, e por fim a construo de cenrios possveis de transformao.

    Constituem a segunda parte os fundamentos do projeto: apresentam-se os objetivos e diretrizes do projeto, dados sobre

    os aspectos demogrficos envolvidos, para da ento adentrarmos em consideraes sobre projetos de mobilidade e o impacto direto

    ou indireto na Barroca e no programa, como tambm faremos com uma breve discusso sobre patrimnio histrico.

    Por fim, numa terceira parte, viro as imagens de apresentao do projeto e o memorial descritivo em si, acompanhado

    de uma sntese.

    A fim de compreender a insero histrica e espacial da Barroca na metrpole de So Paulo vamos discorrer sobre a

    formao da cidade, o processo de ocupao da Barroca - em paralelo com os bairros Brs e Ipiranga - e, em especial, sobre a indus-

    trializao. Este ponto nos permitir entender que a Barroca guarda semelhanas e diferenas em relao a seus vizinhos, assim como

    suas particularidades que devem ser levadas em conta quando pensarmos em intervir. Escritrios de arquitetura, poder pblico e

    imprensa consideraram todo o eixo entre a Mooca e a Vila Prudente como homogneo, portanto em desindustrializao, vazio, e

    veremos que isso no verdadeiro. H processos correntes de transformao da indstria, em escala local e macrometropolitana que

    devem ser contemplados pra que construamos cenrios mais precisos.

    J a partir do estudo sobre a formao do territrio da metrpole vamos fundamentar uma crtica cidade em termos

    morfolgicos e sociais, baseando-nos no padro de edificao recente do mercado imobilirio (uma vez que este o modelo em-

    pregado nas transformaes da Mooca e Ipiranga) e tomando-o como a permanncia de uma postura secular e reproduo de uma

    cidade socialmente fragmentada e com problemas na organizao das diversas atividades. Esta crtica nos permite ver como e como

    poderia ser a cidade, quais foram as oportunidades no aproveitadas, os elementos desconsiderados, assim como os acertos e as

    caractersticas em que devemos nos basear.

    J caminhando para a organizao das propostas do projeto vamos construir cenrios a partir da anlise de dois projetos

    existentes, do escritrio Una Arquitetos e Foster+partners e tambm da Operao Urbana Mooca-Vila Carioca, bem como dos

    estudos sobre a desconcentrao industrial e dos planos de transporte. Sero trs cenrios: um primeiro de nenhuma transforma-

    o, que tudo continuar como est; um segundo de transformao completa, com manuteno de poucos edifcios e caractersticas

    existentes; e um terceiro de preservao de parte dos edifcios e das atividades acrescidos de habitao, comrcio, servios, equipa-

    mentos pblicos, etc. que fundamentou o projeto que desenvolvemos. Este cenrio ser aprofundado na segunda parte do estudo,

    quando descreveremos quais os objetivos, diretrizes e o programa que nortearam o projeto.

  • Tambm vamos discutir quais as condies que devem ser construdas para que o cenrio imaginado seja possvel e se

    justifique, com enfoque sobre a mobilidade, no s de pessoas, mas tambm de cargas a partir de projetos e planos existentes e de

    propostas nossas, alm de consideraes sobre a reduo do uso do automvel.

    Outro ponto de extrema importncia o debate sobre a preservao de edifcios histricos e qual a postura que teremos

    sobre, uma vez que h centenas de galpes construdos nos ltimos 80 anos que acumularam grande testemunho das relaes sociais

    e de trabalho, da evoluo da indstria e do lugar e das tcnicas construtivas e produtivas.

    Ao longo de todo o estudo sero apresentados textos, fotografias, croquis, msicas, pessoais ou de pessoas que acom-

    panharam de alguma fora este trabalho ou a formao acadmica. Isto nasce da vontade de fazer com que este trabalho no fosse

    expresso de desejos e observaes individuais sobre a cidade seno coletivos, que se no se manifestaram diretamente com a

    produo coletiva do projeto tal como se planejava, se manifestar em adendos oportunamente. Estes adendos completam o texto,

    e so, sobretudo, referncias de projeto.

  • contedo

    ASPECTOS DA FORMAO DO TERRITRIO 19INDSTRIA 20

    SUBURBANIZAO 22

    PADRO PERIFRICO DE URBANIZAO: 26

    ASPECTOS SOCIAIS E MORFOLGICOS O RELEVO 29

    LOGRADOURO E CONDOMNIOS VERTICAIS FECHADOS 30

    ESPAOS LIVRES PBLICOS 34

    EDIFCIOS, FORMA URBANA E CLIMA 38

    DISTRIBUIO DE ATIVIDADES 39

    OCUPAO E INDUSTRIALIZAO 46BRS 46

    IPIRANGA 47

    BARROCA 48

    DESCONCENTRAO INDUSTRIAL 52

    A BARROCA 58

    PROJETOS E OPERAO URBANA 66

    CENRIOS 69

    OBJETIVOS E DIRETRIZES 75

    ASPECTOS DEMOGRFICOS 76

    MOBILIDADE 78PDDT 78

    RODOANEL, FERROANEL E CLI 80

    HIDROANEL 81

    SEGREGAO DE VIAS 82

    A CIRCULAO DE SERVIOS 82

    TREM DE ALTA VELOCIDADE 85

    METR 86

    REDUO DO USO DO AUTOMVEL 87

    PATRIMNIO HISTRICO 88EDIFICIOS PRESERVADOS: 92

    PLANTAS E CORTES 101

    MEMORIAL DESCRITIVO. 124

    SNTESE 130

    REFERNCIAS DE PROJETO 134

    POSFCIO 136

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 138

    PARTE 1 PARTE 2 PARTE 3

  • 1

  • Foto: vista da orla ferroviria a partir do viaduto So CarlosCrditos: Alex Sartori

  • 19

    AsPectos dA FormA-o do territrio

    A formao da metrpole de So Paulo, de forma geral, acon-

    teceu a partir de meados do sculo XIX, principalmente com a transfe-

    rncia da cafeicultura do Vale do Paraba para o interior do estado. A

    partir da o territrio se formou, em cada poca, basicamente, a partir

    de uma estrutura pr-existente somada a novos elementos, como vere-

    mos adiante. Partindo desse princpio, o territrio que abrigou a expan-

    so da cafeicultura sobre o oeste e a concentrao de capital na cidade

    de So Paulo o colonial.

    At esta poca a cidade era muito pequena, e baseada princi-

    palmente na subsistncia, apesar disso j era o principal foco irradiador

    de estradas da provncia, a ela convergindo as mais importantes (LAN-

    GENBUCH, 1971, p. 31) e ainda se concentrava no chamado Triangulo

    Histrico, formado pelas igrejas de So Bento, So Francisco e do Car-

    mo. Apesar disso outros vrios ncleos perifricos j existiam desde o

    sculo XVI, quando da montagem de um sistema de proteo contra os

    ataques indgenas; muitos desses ncleos deram origem a bairros ou at

    mesmo a municpios posteriormente, como Penha, So Miguel, Itaquera,

    Mogi das Cruzes, Po, Suzano (ligados ao caminho para o Rio de Janeiro),

    Lapa, Pinheiros, Barueri, Santana do Parnaba (nos caminhos ao oeste),

    Freguesia do , Santana, Jaragu, Guarulhos; Embu, MBoi Mirim. Tam-

    bm j existiam as vilas de Jeribatiba (hoje Santo Amaro, e que chegou a

    ser municpio) e de So Bernardo da Borda do Campo.

    O deslocamento da cafeicultura para o oeste passou a de-

    mandar o porto de Santos e com isso o fluxo de exportao que ia do

    Vale do Paraba ao Rio de Janeiro veio a ser interior paulista santos,

    Mapa de So Paulo em 1810. Fonte: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

  • 20

    passando obrigatoriamente por So Paulo e neste momento que o crescimento da capital da ento Provncia se acelera. Os rios

    que serviam de proteo e davam acesso vila passavam agora a ser entraves ao crescimento da cidade. Sobre o Anhangaba, de vale

    estreito e profundo, foram construdas as pontes do Acu, no eixo da atual Avenida So Joo, e do Piques (substituda pelo viaduto do

    Ch) e permitiram a expanso a oeste. A leste a cidade ainda estava presa pela presena do Tamanduate. Ao norte a cidade ocupava

    timidamente o caminho para Santana, e esbarrava na vrzea do rio Tiet. A sul o relevo acidentado ainda continha a ocupao.

    A construo da ferrovia entre Santos e Jundia, chamada, ento, de So Paulo Railway SPR veio a consolidar esse pro-

    cesso, porque detinha o monoplio sobre o caminho para o litoral. As ferrovias construdas posteriormente, Sorocabana (para oeste)

    e Central do Brasil (inclusive a variante de Po; a leste) tiveram So Paulo como destino antes de descer a Serra do Mar, reiterando-a

    como irradiadora de caminhos; foi somente com o fim do monoplio que se construiu o ramal de Mairinque da Sorocabana que

    atingia o litoral sem passar pela capital.

    Nesta poca a expanso a oeste j estava consolidada: as elites assumiram a frente pioneira e ocuparam o eixo da Avenida

    So Joo, por onde, inclusive, se loteou o Campos Elseos. Tambm j aparecem as primeiras ruas do Brs, a leste, para alm do

    Tamanduate, depois de executados os aterros e pontes. Neste momento as novas ocupaes surgiam em funo e aglutinadas quele

    que hoje chamado Centro Histrico, dando origem ao que Langenbuch (1971) chama de bloco contnuo central

    IndstrIa

    Um grande volume de capital acumulou-se na provncia de So Paulo em funo da cultura de caf, responsvel direto pela

    dinamizao e monetarizao da economia paulista sem caf as outras atividades todas seriam amplamente prejudicadas, fato que

    se consumou durante as crises que baixaram os preos do gro. A existncia de grandes capitais e de um pensamento progressista

    fez surgir um grupo de dissidentes, pessoas que ao invs de apostarem na agricultura, investiram na indstria, aproveitando as

    possibilidades de atender s demandas cada vez maiores (DEAN, 1971). Cabe considerar que a industrializao apoiou-se no s na

    existncia de capitais, mas tambm na infraestrutura instalada na segunda metade do sculo XIX.

    As primeiras indstrias estavam intimamente ligadas produo do campo. Baseavam-se no processamento de alimentos e

    tambm na criao de embalagens. Junto a isso criou-se uma indstria de pequena tecnologia, comparada europeia e dos Estados

    Unidos, capaz de realizar operaes em territrio Brasileiro sobre produtos importados, quando seu embarque no era convenien-

    te, seja por peso e volume, quanto pela periculosidade da mercadoria, por ser perecvel ou ainda porque a matria prima nacional

    era mais em conta. Os importadores tiveram grande destaque nesse processo: detentores de capital, de contatos no exterior e

    do comrcio ultramarino, foram os principais responsveis pela criao da indstria nacional; que davam acabamento aos materiais

    importados e posteriormente, com maquinrio e tcnicos (estrangeiros trazidos para o pas) puderam deter todo o processo produ-

    tivo (DEAN, 1971). Produzia-se pregos, cerveja, caldeiras, acetileno, biscoito e pasta, ferragens, tijolos, serraria, vidros e tecidos. Essa

    industrializao localizou-se em diversas cidades da provncia paulista, mas concentrou-se enormemente em So Paulo, sobretudo

    aps o Encilhamento e comandou a urbanizao.

  • 21

    Para Langenbuch (1971), a indstria encontrou ao longo da SPR o seu trinmio para desenvolver-se: ferrovia, terrenos

    planos e o rio. Atravs da ferrovia tem-se acesso direto e rpido ao porto de Santos, o que era importante no s para o comrcio

    com os demais pases, mas tambm para com outras regies do prprio Brasil, uma vez que no existia uma malha de transporte

    rpido entre as diversas regies do pas, e a ocupao concentrava-se quase totalmente sobre a faixa litornea. J os terrenos planos

    barateavam o custo de implantao por dispensar movimentao de terra, e o rio garantia o abastecimento de gua.

    Portanto, no por acaso, as primeiras indstrias paulistanas localizaram-se entre a Lapa e o Ipiranga, s margens da SPR,

    onde havia capacidade de transporte de matria prima e dos produtos de e para outras regies do estado e tambm do pas, alm

    de terrenos vagos e amplos e gua.

    Em um segundo momento a indstria passou a ocupar os trechos entre estaes, outrora vazios, principalmente com a

    construo de desvios ferrovirios, dada a escassez de terrenos prprios nas reas consolidadas e aproveitando-se ainda do trem

    como modal de transporte. Durante a I Guerra, a indstria nacional teve algum impulso, para abastecer o exterior, com produtos que

    no estavam sendo fabricados l, e tambm o mercado interno com produtos que no podiam ser importados, entretanto sem um

    aumento significativo da instalao de indstrias novas, apenas com um melhor aproveitamento da capacidade instalada, o que, ainda

    assim, teve grande importncia para que o produto nacional ganhasse espao.

    Entre 1920 e 1940 a indstria paulista teve crescimento lento, em torno de 4% ao ano, contra 8% nas duas dcadas anterio-

    res. Mas algumas mudanas foram de extrema importncia, como uma nova estrutura e aumento da tecnologia. Passou-se a produzir

    ferrogusa, material eltrico, equipamentos para industrializao da cana-de-acar, peas de automveis, acessrios, ferramentas,

    implementos agrcolas, aparelhos de gs, relgios, balanas e tecidos de rayon. Tambm houve uma forte tendncia de retirada dos

    capitais estrangeiros nos setores mais antigos, com tecnologia estabilizada. Junto a isso a baixa nos preos do caf gerou uma retrao

    econmica, uma vez que esta cultura ainda era de extrema importncia, tanto que o governo Vargas repetiria a medida de compra,

    estoque e queima de caf para manter um valor mnimo para a saca. Este governo, conhecido pela poltica de substituio de im-

    portaes e por realizaes como a CSN, at o golpe de 37 ainda se mantinha ctico quanto indstria, tanto que suas medidas de

    incentivo a esta atividade se concentraram em fins da dcada de 1930 at o fim do governo, em 1945.

    A esta transformao tecnolgica da indstria correspondeu a uma mudana fsica, em sua planta. A produo passou a

    demandar reas cada vez maiores, de tal forma que houve deslocamento das indstrias dentro da capital, e orientadas pela SPR. Por

    exemplo, a Antarctica, que produzia cerveja na gua Branca, transferiu-se para a Mooca em 1920; a GM transferiu-se do Ipiranga para

    So Caetano em 1927. Convm adiantar que o processo de deslocamento da indstria, por diversos motivos, em pocas diferentes

    fator de extrema importncia para a condio de transformao atual de bairros como o Brs e a Mooca.

    J no perodo entre 1940 e 1960 a ferrovia ainda comandava a industrializao, apesar do desenvolvimento rodovirio.

    Dada a saturao do eixo da So Paulo Railway, as novas instalaes localizaram-se sobre a Sorocabana e a Central do Brasil, con-

    duzindo o processo no sentido leste-oeste. Isso aconteceu tambm pela reduo da necessidade de ligao direta com o porto de

    Santos: diferente das primeiras fbricas, as novas no dependiam da importao de matrias prima. Em Osasco, por exemplo, alm de

    material eltrico, passou-se a produzir cimento e outros materiais para construo com matria prima local; o mesmo se aplica para

    Principais ferrovias

    1

    23

    4

    So Paulo RailwayE. F. Central do Brasil (E. F. do Norte)

    E. F. SorocabanaRamal de Po (E. F. Central do Brasil)

    23

    1

    4

  • 22

    as indstrias de papel e celulose e nitro-qumica em Po, Suzano e Jundiapeba. Muitas buscaram localizar-se em reas periurbanas por

    no serem boas vizinhas, pelo odor e dos resduos gerados, ainda assim acabaram sendo absorvidas pela cidade.

    A partir de ento, dado o abandono do sistema ferrovirio, o crescimento do rodovirio com a construo de uma malha

    que atingia o interior do estado e do pas, sobretudo com o Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitschek e a abertura econ-

    mica, muitas industrias multinacionais se instalaram na cidade, com destaque prpria automobilstica. Esses fatores levaram a uma

    transformao da lgica de localizao da indstria; como no existe uma indstria isolada, mas sim uma cadeia produtiva que abrange

    a fabricao ou importao de todas as peas, todo um grupo de fbricas passou a se instalar beira das rodovias, principalmente

    Anchieta, com destaque ao municpio de So Bernardo, Anhanguera e Dutra esta ltima mais recentemente abrigou a industria

    de ponta: guerra, espacial, eletrnica e aeronutica (VILLAA, 1998). Ao processo de ocupao das rodovias em outros municpios,

    inclusive fora da metrpole de So Paulo, que vem se consolidando desde a dcada de 1980 d-se o nome de desconcentrao

    industrial, que discutiremos em particular mais adiante.

    suburbanIzao

    Durante o ltimo decnio dos anos 1800 uma leva de novos loteamentos imprimiu cidade novas caractersticas. Trata-se

    de arruamentos isolados completamente separados, at onde o bonde ou os trens garantiam acessibilidade; modelo que foi repetido

    e consolidado nas dcadas seguintes, de tal forma que, combinado com outros processos, a cidade passava a ocupar uma rea muito

    mais ampla do que seria necessrio e funcionalmente conveniente (LANGENBUCH, 1971, p. 83) gerando descontinuidade tanto

    do tecido quanto da ocupao, com imensos vazios interpolados s reas urbanizadas, e baixssimas densidades de construo e de

    populao. Estes loteamentos sem nenhum plano de conjunto viriam a causar srios problemas urbanos futuros (1971, p. 137).

    A Planta Geral da Capital de So Paulo, elaborada por Gomes Cardim em 1897, d uma dimenso do crescimento

    especulado para a cidade. Por no se tratar de um levantamento, inclui junto ao existente, diversos arruamentos que viriam a ser

    executados somente nas dcadas seguintes, fato que se confirma pela anlise de mapas mais precisos realizados no comeo do sculo

    XX, e principalmente pelo levantamento Sara Brasil, de 1930.

    Para Langenbuch (1971) j se constitui um modelo de expanso centrfuga, pois na dcada de 1890 So Paulo concentrou

    o crescimento populacional, atingindo taxa de 445% no perodo enquanto os vizinhos cresceram apenas 22% e alguns aglomerados

    inclusive perderam populao, e logo em seguida, de 1900 a 1920, esse panorama se inverteria, o crescimento foi modesto em So

    Paulo, acelerado nos vizinhos e repovoamento de alguns aglomerados, dada a industrializao. Assim, num primeiro momento houve

    concentrao para depois povoar, de forma dispersa, os arredores da cidade.

    Esta lgica de ocupao do territrio gerou uma forte tendncia de suburbanizao, cristalizada nas dcadas seguintes.

    Neste momento relacionava-se principalmente ao longo das ferrovias, como o caso do Ipiranga, Vila Gomes Cardim, Lapa e gua

    Branca. A presena de estaes ferrovirias fez surgir um conjunto de edificaes ao seu redor, envolvendo indstrias, comrcio e

    residncias os subrbios-estao (LANGENBUCH, 1971). Todavia, cabe neste ponto a observao de que a localizao das resi-

  • 23

    dncias no intimamente ligada das indstrias: o eixo da Central do

    Brasil, eminentemente residencial, no concentrava indstrias, enquanto

    o da So Paulo Railway, altamente industrializado, at 1940 viria a con-

    centrar quase 35% da populao de So Paulo e arredores, de onde se

    conclui que a localizao da residncia est relacionada acessibilidade e

    mobilidade, capacidade de chegar ao trabalho, no caso indstria, e de

    forma a dinamizar os deslocamentos. (VILLAA, 1998)

    Os subrbios-estao j extrapolavam o limite do municpio

    de So Paulo: Santo Andr, por exemplo, se desenvolveu ao redor da

    estao de trem da SPR j com algumas indstrias no incio dos anos

    20 e com grande expanso a partir da dcada de 1940, principalmente

    pelas limitaes espaciais que a indstria j encontrava em So Paulo.

    A prpria So Bernardo passava a crescer margem e graas a Santo

    Andr dado um elemento que se tornou caracterstico poca: o com-

    plemento da viagem de trem por outro modal (LANGENBUCH, 1971).

    O desenvolvimento de vrios subrbios-estao ao longo da So Paulo

    Railway fez com que houvesse uma troca bastante intensa entre eles.

    Enquanto So Caetano, por exemplo, no abrigava um parque industrial

    expressivo, muitos de seus moradores trabalhavam em fbricas prxi-

    mas, aonde se podia chegar pela ferrovia.

    Entre 1921 e 1932 operou entre a estao de Santo Andr e

    o ncleo de So Bernardo propriamente dito uma linha de bondes em

    sentido transversal ferrovia. Prximo dali, numa extenso quase direta

    do Ipiranga, desenvolveu-se So Caetano, que para se ter idia, recebeu

    em 1927 a primeira fbrica da GM (a anterior no Ipiranga apenas mon-

    tava os automveis). Vale considerar que o trio So Bernardo Santo

    Andr So Caetano fazia parte do antigo Ncleo Colnial, o mais bem

    sucedido entre os quatro que existiram, e viria a formar o chamado

    ABC.

    A comparao direta entre a Planta da Cidade de So Paulo,

    elaborada em 1924 e a de 1943 resumem a expanso da cidade entre os

    dois anos. possvel ver a intensificao da ocupao da margem direita

    do rio Pinheiros, com alguns pontos isolados em sua margem esquerda.

    Ao sul o crescimento a partir de Vila Mariana e Vila Clementino ao Ja-

    Planta Geral da Capital de So Paulo, de 1897, elaborada por Gomes Cardim.Fonte: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

  • 24

    baquara, assim como daqueles por Indianpolis e Campo Belo at Santo

    Amaro, ao mesmo tempo em que grandes vazios entre os loteamentos

    foram preenchidos. A leste a mais expressiva expanso; nota-se que o

    primeiro mapa faz registro apenas at a Penha, o que demonstra a pouca

    importncia do que existia para alm. J o de 1943 inclui at o municpio

    de Mogi das Cruzes, enquanto no meio do caminho foram criados uma

    srie de loteamentos isolados.

    Os loteamentos eram de tal forma excessivos que apenas a

    afirmao de uma cidade de baixa densidade foi capaz de ocup-los; o

    que tambm gerou uma cidade cada vez mais dependente do seu cen-

    tro: a expanso horizontal foi tamanha que no pde ser acompanhada

    pelo comrcio e servio e demais atividades. A gravitao em torno do

    centro, e seu contraste com os arredores, fez com que o paulistano

    passasse a se referir a ele como a cidade, e assim para compras, paga-

    mentos de contas e diversas outras atividades, se dizia Vou cidade.

    resconstituio da malha de bondes de 1924 sobre o Mapa de 1943

    mostra o quanto as linhas frreas foram fatores importantes no rumo

    da expanso: ao norte seguiu a Estrada de Ferro da Cantareira e ramais,

    ao sul o Tramway de Santo Amaro, a oeste a Sorocabana, a leste se con-

    centrou no intervalo entre o tronco da Central do Brasil e a Variante de

    Po, a noroeste e a sudeste manteve-se o caminho sobre a SPR.

    Em 1937 a Light manifestou publicamente seu desinteresse

    em continuar a operar os bondes da capital, mantendo-os at 1941 sem

    nenhum investimento novo. Entretanto, j anteriormente os nibus, no

    regulados pela municipalidade (RIBEIRO, 1946), ganhavam espao, num

    primeiro momento completando o servio com sobreposio de traje-

    tos, e depois competindo com o servio da companhia canadense. Ainda

    assim as rodovias no tinham qualidade suficiente para permitir rpidas

    viagens entre o litoral e o planalto, portanto a ferrovia ainda mantinha-se

    como condutora da industrializao, apesar de tambm j no receber

    grandes investimentos na ampliao da malha.

    A abertura de novas estradas e o uso cada vez mais intenso de

    automveis nos deslocamentos deu origem aos chamados subrbios-

    -rodovirios (LANGENBUCH, 1971). Estes podem, ainda, ser subdivi-

    Mapa de So Paulo em 1924Fonte: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

  • 25

    didos em outras categorias, como os subrbios:

    - ex-vilarejo: onde existia alguma ocupao pequena e foi esti-

    mulada pelo uso do automvel

    - entroncamento: oriundos dos antigos povoados-entronca-

    mento que j se localizavam junto a entroncamentos virios e foram

    privilegiados com a sua melhoria e insero no sistema de circulao

    principal

    - loteamento: fora dos eixos de circulao viria principal, liga-

    dos a um polo de atrao; demandavam deslocamentos a p para que se

    chegasse a uma via onde houvesse nibus ou bondes.

    - nibus: loteamentos abertos em funo da circulao de ni-

    bus, s margens das estradas

    - criados: conjuntos residenciais criados isolados onde ainda

    no havia sequer vocao suburbana. (LANGENBUCH, 1971)

    Estes novos subrbios diferem-se bastante dos demais ligados

    ferrovia e do bonde pois no geram polos e por isso aqueles no atin-

    gem o mesmo desenvolvimento destes: as estaes ferrovirias eram

    poucas, afastadas umas das outras e nicas paradas dos trens, logo se

    dispunham como pontos para onde convergia todo o subrbio; j os

    pontos de nibus so numerosos e dispersos.

    Conforme os subrbios aumentavam e sobre eles expandia-

    -se o bloco contnuo central dois novos processos semelhantes toma-

    ram forma. conexo realizada pelo preenchimento de vazios entre o

    bloco e os subrbios Langenbuch (1971) da o nome de aglutinaes

    enquanto chama de fuses as anexaes de um subrbio ao outro,

    atravs da formao de conglomerados, ferrovirios ou rodovirios da-

    das as causas de crescimento, com a diferena de que, os ligados ao

    trem geraram polos ao contrrio dos ligados ao nibus e o carro como

    j explicado.

    Mapa de So Paulo em 1943 com sobreposio das linhas de bonde e trem existentes em1924Fontes

    Mapa: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e UrbanismoLinhas de bonde: Relatrio da Light, in PORTELA, 2006, p. 130

  • 26

    Padro PerIfrIco de urbanIzao:

    Alguns autores referem-se a um padro perifrico de urbanizao pois acreditam que seja um termo mais preciso para

    descrever esse processo centrfugo de urbanizao. Este processo teria sua origem em 1942 quando Vargas promulgou o decreto-

    -lei do Inquilinato, cuja principal medida era congelar o preo dos alugueis que teve imenso impacto sobre as reas urbanas porque

    havia uma produo bastante rentvel de cortios, logo os investimentos deixaram de ser feitos e a crescente demanda deixou de

    ser atendida. A populao que at ento encontrava, apesar das deficincias, habitaes a custos acessveis no centro, passou a ser

    impelida para reas onde o preo da terra fosse mais baixo, na periferia, urbanizada com base no loteamento ilegal e a casa autocons-

    truda (Bonduki, 1998), que, mais uma vez, demonstrava a negligncia do Estado, em suas diferentes instncias, com a construo

    das cidades e a formulao de uma poltica de desenvolvimento urbano; a ilegalidade como fator estrutural na dinmica de expanso

    urbana das metrpoles brasileiras; o lote urbano precrio (GROSTEIN, 2001)

    Apesar de o termo, em geral, descrever as dcadas de 1940 a 1960, o crescimento perifrico no cessou. Nas dcadas de

    1970 e 1980 foi o Estado que promoveu este crescimento, a partir da construo de diversos conjuntos habitacionais, com nfase

    no extremo leste da cidade. Ao mesmo tempo as estradas de Parelheiros, MBoi Mirim e Alvarenga conduziram a expanso ao sul,

    sobre as reas de proteo aos mananciais. Alm das grandes distncias que essas novas ocupaes mantinham do centro, e da baixa

    densidade, outra caracterstica comum a urbanizao sem cidade (MEYER, GROSTEIN, & Biderman, 2004), ou seja, a ausncia de

    equipamentos e infraestrutura e descontrole do parcelamento.

    Para Meyer et al. (2004, p. 25) desde a dcada de 1970 a cidade vem sendo marcada por uma intensa fragmentao e

    disperso de novos ncleos, descritos como desagregados do ponto de vista urbano e difusos do ponto de vista funcional (MEYER,

    GROSTEIN, & Biderman, 2004, p. 25) que se instalam beira de rodovias na periferia da cidade. Porm os prprios autores apontam

    que esta descrio pode estar equivocada a partir do momento que os meios de transporte e comunicao modificaram a idia de

    continuidade espacial, que pode estar desvinculada do suporte material. Apesar disso, estes novos ncleos constituem um problema

    1881 1930 1952 1972 1995 2001Evoluo da mancha urbana:Fonte: CESAD FAU-USP

  • 27

    urbano medida que aumentam ainda mais a mancha urbana porque provocam o prolongamento de infraestruturas ao mesmo

    tempo que mantm subutilizadas as j existentes; alm disso nascem de um iderio de fuga da cidade, contraditrio porque parcial

    uma vez que instala-se nos arredores da cidade de forma a poder alcana-la de rapidamente para usufruir de seus equipamentos,

    bens e servios.

    Segundo Meyer et al. (2004) foi o dinamismo do setor privado da economia, segundo seus interesses, que orientou e

    organizou o desenvolvimento da metrpole, isso significa a reproduo de um padro predatrio de crescimento urbano, baseado

    no uso extensivo do solo, inclusive sobre reas de preservao, mal aproveitamento da infraestrutura instalada, livre e individual

    iniciativa e desagregao social.

    Recentemente o crescimento da periferia est acompanhado de uma reduo populacional do centro. Os bairros com

    melhor infra-estrutura instalada e mais prximos aos locais de trabalho tem registrado taxas negativas de crescimento demogrfico,

    apesar dos crescentes investimentos pblicos e privados e da intensificao da construo de novos edifcios. Isto se explica pelo mo-

    delo errneo de uso e ocupao do solo, grande parte das vezes monofuncional, pela extenso de reas vazias (recuos dos edifcios),

    e pelo aumento do preo da terra que tem forado parte da populao a procurar novas residncias.

    Ao mesmo tempo a crescente participao do automvel como meio de transporte demandou uma estrutura que o su-

    portasse, que foi criada sem um plano de conjunto, resultando em grandes falhas de conexes. Muitas foram construdas nos fundos

    de vale, aproveitando recursos federais para saneamento bsico e o resultado bastante contraditrio, pois gera dezenas de pontos

    de alagamento e trafego parado. Alm disso a necessidade de adaptar os espaos urbanos de uma cidade que cresceu em parte

    baseada no bonde/trem fez com que uma srie de espaos livres da cidade, como a praa da Bandeira, o parque Dom Pedro, entre

    tantos outros, fossem destrudos. Ainda assim, a construo de grandes avenidas criou novas localizaes para o mercado imobilirio,

    com destaque ao quadrante sudeste, onde surgiram dezenas de empreendimentos voltados ao setor tercirio (MEYER et al. 2004)

    e que concentra grande parte dos empregos da capital.

    1881 1930 1952 1972 1995 2001Evoluo da mancha urbana:Fonte: CESAD FAU-USP

  • Praa da Bandeira e Parque Dom Pedro, comparando as imagens de 1950 (superior) e 2011 (inferior) possvel ver como as estruturas de transporteinterferiram no espao.

    Fontes:Imagens de 1958: www.geoportal.com.brImagens de 2011: Google Earth

    200m1000

  • 29

    AsPectos sociAis e morFoLgicos dA cidAde

    A atuao recente do mercado imobilirio tem produzido uma srie de edifcios com uma linha de raciocnio muito clara.

    Trata-se de condomnios verticais fechados, com uma torre ou um conjunto delas, que no respeitam o relevo da cidade nem tiram

    proveito dele assim como do prprio clima; no se inserem em projetos de conjuntos a nvel de bairro, muito menos de cidade e se

    enclausuram cada vez mais. A bem da verdade isto no nenhuma novidade, muito mais a inrcia de uma postura sobre a cidade

    que vem de dcadas seguidas e que o prprio Estado adota, como se pode observar em diversas praas e parques. Disso resulta a

    reproduo de um modelo de cidade baseado na segregao social e espacial, e que tem diversas consequncias tanto para o suporte

    fsico quanto o humano da cidade.

    o relevo

    O relevo do territrio das colinas de Piratininga foi decisivo tanto para o assentamento da cidade como tambm para a sua

    polarizao. Dada a sua situao privilegiada com relao ao entorno pela altitude e por estar circundada por rios, a chamada Colina

    Histrica garantiu a proteo dos primeiros portugueses que aqui se instalaram.

    Rio

    Pin

    hei

    ros

    Avenida Paulista

    Rio

    Anh

    anga

    ba

    Rio

    Tam

    andu

    ate

    725

    750

    775

    800

    825

    850

    1km 2km 3km 4km 5km 6km 7km 8km

  • 30

    A cidade tem uma condio geolgica muito favorvel paisagisticamente, pois a vrzea do Rio Pinheiros se encontra pr-

    ximo cota 720m, a Avenida Paulista a 840m (120m de desnvel, o equivalente a um edifcio de 40 pavimentos) o Rio Tamanduate

    prximo aos 730m e o Tiet 725m. Ao norte a serra da Cantareira chega a ultrapassar os 1000m de altitude, assim como o Pico do

    Jaragu atinge a cota 1.135m e est isolado na paisagem sendo facilmente reconhecvel. Todavia nenhum desses elementos, nenhum

    desses desnveis foi aproveitado devidamente.

    O trabalho com o relevo de grande importncia para a legibilidade da imagem da cidade, que vai desde poder ver ao

    longe a partir de um ponto alto ou de reconhecer um vale de um rio, por exemplo. Isso est diretamente relacionado forma como

    ocupa-se o territrio: hoje no h distino entre os edifcios construdos nos vales ou nos divisores de guas, a legislao no prev

    isso e assim se tem construdo torres por todas as partes indistintamente. Dessa forma deturpa-se o relevo: no h condies de

    compreender que se est no vale de um rio ou no topo de um morro.

    Poderamos ter, ento, um sistema de mirantes espalhados pela cidade, que fossem pontos cruciais de onde o paulistano ou

    o visitante pudessem visulmbrar a cidade e compreender o relevo como o fizeram os primeiros portugueses que aqui se instalaram;

    tambm poderamos nos orientar pelas subidas e descidas, pelos vales, ou ter elementos como o Pico do Jaragu como smbolos da

    cidade assim como o Corcovado est para o Rio de Janeiro.

    Outra questo diz respeito acessibilidade. Temos um relevo com altas declividades e desnveis muito grandes. Assim os

    edifcios, se bem implantados ao stio podem cumprir com a funo de vencer esses desnveis e garantir a acessibilidade universal; isto

    poderia ser como um jogo de plats, que de edifcio em edifcio iria superando as barreiras sucessivamente.

    logradouro e condomnIos vertIcaIs fechados

    O Logradouro o espao livre privado do lote ou quadra e representam uma grande parcela de solo nos condomnios

    verticais fechados. A ocupao da quadra ou do lote, nesse caso, no pensada atravs de seus cheios e vazios simultaneamente,

    apenas pelos seus cheios, por isso os espaos livres so residuais, resultado de uma simples operao geomtrica da subtrao da rea

    total pela rea ocupada pelas torres.

    Como espaos que sobram, este logradouro torna-se uma incgnita no projeto. Pois carece de uma destinao, de apro-

    priao, e logo se torna um vazio. Cabe aqui estabelecer a diferena entre vazio e espao livre: ambos se caracterizam pela inexistn-

    cia de uma edificao, mas se distinguem quanto ao carter: aquilo que no tiver simbolismo, no tiver uso ou for sub-aproveitado,

    como corredores laterais e terrenos baldios, chamaremos de vazio; por oposio, o que tiver uso e/ou simbologia ser simplesmente

    espao livre, como uma praa ou a prpria rua.

    Estes espaos, por mais que se construa algo para dar-lhe uso, acabam como vazios semnticos: cria-se um plano de fundo,

    um cenrio, e tenta-se , sem eficcia, dar-lhe usos e sentido com os mais variados elementos, desde as tradicionais quadra de esporte

    e piscina at meias quadras (com as dimenses que couberem, para o simples registro de que h uma quadra), pseudo-praas (j que

    Pico do Jaragu visto da Rua Cerro CorDesenho pessoal.

  • 31

    no tem carter simblico para a cidade), pet-walk, espaos dos mais variados (gourmet, luau), etc. Isto ganha espao medida que

    a cidade no provm os devidos equipamentos pblicos de lazer e mesmo os existentes acabam sendo negados por uma falncia

    da convivncia entre grupos socialmente distintos. Isto, somado sensao de insegurana exacerbada, conduz ao enclausuramento

    dos condomnios.

    A busca exagerada pela segurana origina-se de um aumento assolador do crime violento nas ltimas dcadas que marca

    no s o cotidiano de So Paulo mas tambm o imaginrio coletivo. O medo transformou as relaes sociais, das pessoas com o

    edifcio e com a cidade e por fim as relaes do edifcio e da cidade. Hoje assistimos ao que se tem chamado de feudalizao, em

    comparao com o movimento de cercamento das cidades ao fim do Imprio Romano, o que guarda uma falha substancial: enquanto

    naquele tempo se fechava uma cidade inteira por conta das invases brbaras, hoje a cidade se v despedaada em pequenos feu-

    dos, ou seja, os dois movimentos so completamente diferentes. Enquanto na Idade Mdia se procurava a defesa coletiva, hoje

    uma defesa individual.

    Este processo tem vrias origens, alm do medo e da falta de projeto para o logradouro. Tambm se relaciona segregao

    espacial e decadncia de vrias reas da cidade. Para Teresa Caldeira

    A segregao tanto social quanto espacial uma caracterstica importante das cidades. As regras que organizam o espao

    urbano so basicamente padres de diferenciao social e de separao. Essas regras variam cultural e historicamente, revelam os

    princpios que estruturam a vida pblica e indicam como os grupos sociais se inter-relacionam no espao da cidade. (CALDEIRA,

    2000, p. 211).

    De acordo com Villaa (1998, p. 45) a fora mais poderosa (mas no nica) agindo sobre a estruturao do espao intra-

    -urbano tem origem na luta de classes pela apropriao diferenciada das vantagens e das desvantagens do espao construdo Ou seja,

    na construo desigual de localidades, na oferta diferenciada de servios, infra-estrutura, etc. que a tenso de classes se materializa,

    j que o espao urbano produzido, porque fruto de trabalho social, e gera valor de uso - capacidade criada no espao de rela-

    cionar elementos - e cada localizao da cidade possui um valor de uso diferente (VILLAA, 1998).

    Segundo Caldeira (2000) tivemos em So Paulo dois modelos de segregao espacial e agora estamos construindo um

    terceiro: enquanto a cidade era compacta, o que diferenciava os grupos sociais na cidade era a residncia; logo depois consolidou-se o

    padro centro-periferia que diferenciava ricos e pobres pela distncia absoluta ao centro. Hoje esse modelo no corresponde a uma

    distncia entre os grupos, mas sim o seu enclausuramento.

    Sobrepostas ao padro centro-periferia, as transformaes recentes esto gerando espaos nos quais os diferentes grupos sociais

    esto muitas vezes prximos, mas esto separados por muros e tecnologias de segurana, e tendem a no circular ou interagir em

    reas comuns. O principal instrumento desse novo padro de segregao espacial o que chamo de enclaves fortificados. Trata-se

    de espaos privatizados, fechados e monitorados para residncia, consumo, lazer e trabalho. A sua principal justificao o medo

    do crime violento. Esses novos espaos atraem aqueles que esto abandonando a esfera pblica tradicional das ruas para os pobres,

    os marginalizados e os sem-teto. (CALDEIRA, 2000, p. 211)

    Estes novos espaos no s reconfiguram a diviso social da cidade, mas se tornam problemticos do ponto de vista de

    Por que caminhos voc vai e volta?Aonde voc nunca vai?Em que esquinas voc nunca pra?A que horas voc nunca sai?H quanto tempo voc sente medo?Quantos amigos voc j perdeu?Entrincheirado, vivendo em segredoE ainda diz que no problema seu

    (O Calibre - Os Paralamas do Sucesso)

  • 32

    uso do espao urbano, circulao e de cidadania. Os enclaves fortificados vendem cada vez mais a falsa ideia de autossuficincia: en-

    fatizam at no poder mais a incontvel quantidade de equipamentos que possuem, passando at por salas de reunies, que criam

    uma imagem de que se pode resolver toda a vida naquele pequeno espao. O cmulo desse modelo o empreendimento Cidade

    Jardim s margens do rio Pinheiros, que conta com espaos de trabalho, moradia e consumo (que nesse caso abrange at o cosumir

    o lazer). falso porque no consegue, nem verdadeiramente pretende, recriar a complexidade da vida urbana e assim as relaes

    com o espao exterior so obrigatrias, apesar de rechaadas e portanto devem ser mnimas, o que se consegue por meio de outros

    dois elementos.

    Combinados, o estacionamento e o automvel permitem que se transite entre dois enclaves com o menor contato possvel

    com o espao pblico alm de tambm transmitir sensao de segurana em dois comerciais de um carro S.U.V h depoimentos

    que dizem: Eu me senti muito mais segura em t num carro mais alto; e no outro: Alm de ser um carro lindo, eu me sinto segura

    nele; ele um carro alto, tem uma viso maravilhosa!. Podemos nos basear em comerciais porque se falham em articular imagens

    que as pessoas possam entender e reconhecer como suas, eles falham em seduzir. Portanto, anncios [...] constituem uma boa fonte

    de informao sobre os estilos de vida e os valores das pessoas cujos desejos eles elaboram e ajudam a moldar (CALDEIRA, 2000,

    p. 264)

    O isolamento tambm cria problemas de cidadania, de regulao das relaes pessoais dentro do condomnio e de cunho

    poltico pblico pois destri a imagem da cidade como um espao coletivo. Para Caldeira (2000, p. 275)

    O problema central dos condomnios e edifcios parece ser como funcionar como uma sociedade com algum tipo de vida pblica.

    Muitos moradores parecem tratar todo o complexo como casas particulares onde podem fazer o que lhes der na cabea. Eles

    interpretam liberdade como sendo uma ausncia de regras e responsabilidades em relao aos vizinhos.

    Tem-se notado diversos e crescentes casos de violncia dentro dos condomnios, provocados no por pessoas de fora e

    pobres como seus moradores haveriam de esperar, mas por eles prprios:

    Os delitos praticados [pelos jovens moradores dos condomnios fechados] variam, indo desde pequenos furtos ou de atos de

    vandalismo contra as instalaes coletivas ao consumo de drogas. Um dos problemas mais comuns e provavelmente aquele com

    consequncias mais srias o aumento do nmero de acidentes de automvel causados por adolescentes sem habilitao para

    dirigir. (CALDEIRA, 2000, p. 278).

    Na verdade quando as pessoas tm noes frgeis de interesse pblico, responsabilidade pblica e respeito pelos direitos de ou-

    tras pessoas, improvvel que venham a adquirir essas noes dentro dos condomnios. Pelo contrrio, a vida dentro dos universos

    privados s contribui para enfraquecer ainda mais suas noes de responsabilidade pblica (CALDEIRA, 2000, p. 279)

    A grande cicatriz da sociedade exatamente a segregao, a falta de viso coletiva, que durante o sculo XX foi estimulada

    pelo individualismo pujante e associada ao ideal de self-made man, aquele que conquista tudo com seu prprio esforo e portanto

    merecedor do que tem. A disputa pelas melhores localizaes na cidade tornou-se, assim como todo o resto, questo de mrito,

    de esforo prprio e conquista, e para isso h a supresso do entendimento da sociedade enquanto conjunto, das suas diversas arti-

    Comerciais do automvel Tucson veiculado na televiso e disponvel em: http://www.youtube.com/watch?v=LtgY-77NiWw e http://www.youtube.com/watch?v=kXliuix55Mg&feature=related, visualizados em 14/09/2012

    Condomnio Cidade JardimFoto retirada de http://www.each.usp.br/petsi/epetusp2012/wp-content/uploads/2012/03/Conheca_shopping7.jpg

  • 33

    culaes. Pr-conceitos e separao espacial s tendem a reforar essa viso de mundo medida que esconde as diferenas e torna o

    outro um completo desconhecido. A realidade das favelas no conhecida por uma grande parcela da populao, e ainda mitificada

    pelos meios de comunicao e pelas conversas cotidianas, um artifcio bastante complexo que cria argumentos para justificar a segre-

    gao e que reproduz preconceitos. Quando concidados se tornam completos desconhecidos quanto sua realidade e o pouco que

    sabem um do outro um conjunto de ideias falsas a nica possibilidade que se repudiem mutuamente, num ciclo vicioso, em uma

    tenso social que se demonstra por intolerncia e desrespeito, muitas vezes estimulada at pelo poder pblico na medida em que

    trata questes sociais como policiais, condena cidados e cria sobre eles estigmas dos mais diversos, como o caso da Cracolndia,

    das ocupaes de edifcios abandonados e das favelas. O que encaminha para um problema de cunho poltico, de desarticulao

    democrtica, entendida aqui como o interesse coletivo, porque

    Entre as condies necessrias para a democracia est a de que as pessoas reconheam aqueles de grupos sociais diferentes como

    concidados, com direitos equivalentes apesar de suas diferenas. No entanto cidades segregadas por muros e enclaves alimentam

    o sentimento de que grupos diferentes pertencem a universos separados e tem reivindicaes irreconciliveis. Alm disso, esse

    efeito no depende diretamente nem do tipo de regime poltico nem das intenes daquele no poder, j que o desenho dos en-

    claves e muros traz em si mesmo uma certa lgica social. As novas morfologias urbanas do medo do formas novas desigualdade,

    mantm os grupos separados e inscrevem uma nova sociabilidade que contradiz os ideais do pblico moderno e suas liberdades

    democrticas. (CALDEIRA, 2000, p. 340)

    Montagem sobre o enclausuramento da cidade. Elaborao prpria.

    As grades do condomnioso para trazer proteoMas tambm trazem a dvidase voc que esta nestaPRISO

    (Minha Alma - O Rappa)

  • esPaos lIvres PblIcos

    O mesmo raciocnio empregado ao fechamento de condomnios se aplica s praas e parques, que se veem murados e

    cercados devido a uma correspondente perda semntica e de uso dos espaos pblicos em So Paulo do qual a Praa da S parece

    ser um caso bastante exemplificador porque

    ela representa a deteriorao do espao pblico, perigo, crime, ansiedades em relao ao declnio social e o empobrecimento dos

    trabalhadores, que continuam a us-la nas idas e vindas do trabalho, e que trabalham no mercado informal ou consomem seus pro-

    dutos baratos. Ela simboliza tanto a fora como a deteriorao do espao pblico e , consequentemente, um smbolo do carter

    disjuntivo da democracia brasileira. (CALDEIRA, 2000, p. 326)

    Basta olhar as nossas praas para ver o quo sintomtico isso: o estado de conservao de grande parte delas, a vulgariza-

    o na classificao da prefeitura (at os vazios nas alas de acessos aos viadutos so chamados de praas), a posio no tecido e a im-

    portncia dada s existentes so exemplos concretos de como esses espaos no foram valorizados. A praa Buenos Aires, apesar de

    ter uso intenso, foi cercada e agora chama-se parque e tem horrio de abrir e fechar; a praa pan-americana atravessada e rodeada

    por avenidas de fluxo intenso; a praa do por-do-sol, assim como tantas outras, apenas o cumprimento de legislao que destina

    ao pblico uma parcela da gleba e que em geral a de pior declividade, aquela que no pode ser urbanizada (neste caso em especfico,

    por acaso se criou um espao contemplativo raro na cidade, mas no por inteno de desenho). O parque Dom Pedro foi mutilado

    pela predileo dada s infraestruturas de transporte, viadutos e terminais de nibus assim como a praa da Bandeira e tantas outras.

    s praas que se atribui o estar das cidades, a convergncia de pessoas e por tanto o encontro e as trocas, no s ma-

    teriais mas tambm imateriais. A heterogeneidade da cidade s pode ser aproveitada quando h essas trocas pois assim que se

    transmitem, compartilham, somam e combinam ideias, experincias, tcnicas etc. A importncia da troca to grande que o que

    explica, por exemplo, as semelhanas e divergncias lingusticas. O portugus de Portugal sofreu tantas influncias por trocas com

    as lnguas indgenas e estrangeiras que nos programas de informtica j se usa o termo portugus brasileiro para distingui-lo do

    lusitano. Se pensarmos nos avanos tecnolgicos eles tambm se deram a partir de troca entre grupos diferentes, no s hoje, mas

    historicamente: grupos com estgios de desenvolvimento tcnico e necessidades diferentes criaram solues que foram compartilha-

    das quando se estabeleceram contatos. A prpria msica fruto das constantes trocas, que faz com que os diversos estilos musicais

    sofram transformaes ao longo do tempo, s vezes fazendo surgir novos ritmos e danas. Por tanto, os isolamentos, cercamentos e

    enclausuramentos que se tm produzido na cidade so contrrios ideia de ampliao do conhecimento. Outro fator importante

    que o contato direto com o diferente permite conhec-lo. Juntar em um mesmo lugar pessoas diferentes, tanto em nveis de renda

    como de crenas, culturas, etc, proporciona a oportunidade de desmistificar, quebrar barreiras e preconceitos e assim construir

    tolerncia e respeito.

    J os parques, que tambm so reas pblicas livres, se inserem dentro da mesma lgica de cercamentos. So, em geral,

    reas que se isolam fisicamente e se afastam em outros aspectos do resto do tecido, tanto que so muito pouco utilizados durante a

    semana, em comparao aos finais de semana; dado o afastamento, preciso uma programao, muitas vezes de famlias ou grupos

    do tipo: No fim de semana vamos ao parque por que isso geralmente demanda algum deslocamento motorizado e tempo. Como

    Foto: Festa no Elevado Costa e Silva - So Paulo

    Crditos: Alex Sartori

  • no est junto cidade no local de passagem e estar do cotidiano como so as praas. Cria-se assim uma distino entre estar

    junto ou estar no meio e estar fora ou afastado/separado

    Isso tambm est relacionado com o prprio modelo de cidade, dispersa e pouco densa: os arredores do Parque do Ibira-

    puera, por exemplo, so de baixssima densidade e ao seu redor temos na poro norte e leste as avenidas, respectivamente, Pedro

    lvares Cabral e 23 de Maio, de intenso e rpido fluxo de veculos de travessia extremamente complexa para os pedestres: h

    apenas uma passarela sobre a 23 de Maio e duas faixas de pedestre na av. Pedro lvares Cabral, numa extenso de 1700m. Tam-

    bm neste setor, ao longo das referidas avenidas encontram-se uma rea Militar, a Assemblia Legislativa com amplo estacionamento,

    Clube do Crculo Militar, o Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, rea esportiva de propriedade do Centro Acadmico XI de

    Agosto (Faculdade de Direito da USP), o Museu de Arte Moderna da USP, extensas reas de estacionamento e o Complexo Virio

    Joo Jorge Saad, o Cebolinha. Desta forma, cria-se uma margem de 500m que afasta residncia, comrcio e servios do parque

    em geral, esta a distncia considerada de maior influncia de um equipamento, onde a relao de vizinhana maior. Alm disso,

    em um permetro de aproximadamente 5 quilmetros h apenas 10 portes. Podemos dizer, ento, que o parque est afastado da

    cidade. Diferentemente, espaos como o Vale do Anhangaba, que transita entre praa e parque, completamente permevel e bem

    conectado ao entorno, assim como o Parque Barigui em Curitiba, que no cercado, e se coloca como uma extenso da calada.

    Estes espaos podemos dizer que esto no meio, junto cidade.

    No h em So Paulo um sistema de espaos livres, capaz de induzir o pedestre a caminhar descompromissadamente como

    o flanur de Charles Boudelaire, aquele que gostava de perambular pelas ruas pelo simples prazer de observar ao seu redor; que

    no devia satisfaes ao tempo e tinha a rua como matria prima e fonte de inspirao. (PASSOS, Fernanda et al. O novo flneur.

    In Revista Ecltica, n 17, PUC-Rio, julho/dezembro 2003).

    No Rio de Janeiro, por exemplo, desde o aeroporto Santos Dummond at o Leblon se construiu um sistema de espaos

    livres. So aproximadamente 16Km contnuos por onde se sucedem o Museu de Arte Moderna MAM, a Marina da Glria, os ater-

    ros do Flamengo e Botafogo, Urca, Praia Vermelha, Leme, Copacabana, Arpoador, Ipanema e Leblon. Trata-se de uma sequncia de

    aterros contnuos onde instalaram-se diversos equipamentos como quadras de esportes, vestirios pblicos e quiosques de servios

    e comrcio de alimentos e bebidas, alm do espao amplo reservado ao pedestre e das ciclovias. Assim, mais do que o convite ao

    estar, ao caminhar, toda essa extenso oferece lazer e atividades esportivas.

    Esta condio reforada pelo prprio traado urbano: em Copacabana, Ipanema e Leblon, a retcula favorece o ir

    praia, que est muito prxima s residncias, comrcio, escritrios, etc, com alta densidade colocando-a, como referido anterior-

    mente, no meio da cidade, apesar de efetivamente estar na periferia, ser limite da cidade. Assim, torna este espao independente

    de que se programe para ir praia, ela faz parte da cidade, do cotidiano, tanto que muitas pessoas a frequentam pela manh, antes

    de ir ao trabalho ou estudar e tambm no final da tarde e noite. Em lugares onde isso no possvel, a atividade pela manh antes

    de sair de casa, ou no regresso, torna-se improvvel, ou condicionada a espaos fechados, como as academias, mas que tambm no

    est no meio.

    So Paulo no aproveitou nenhuma das oportunidades que teve para isso. Os seus 3 principais rios, Tiet, Pinheiros e

    0 250 500m

    1000

    Avenida 23 de MaioAvenida Pedro lvares CabralTravessias de pedestresPortes para pedestres

    1 Assemblia Legislativa2 rea Militar3 Complexo Esportivo4 Crculo Militar5 Instituto Dante Pazzanese6 rea Esportiva - C.A. XI de Agosto7 Museu de Arte Contempornea

    Vale do anhangaba: conexo com entorno

    12

    4

    3

    5

    6

    7

  • 36

    Tamanduate, poderiam compor um grande sistema de reas livres, que

    inclusive atingiria seus dois grandes lagos artificiais: as represas Billings e

    Guarapiranga. Poderamos ter um correspondente paulistano das orlas

    martimas, algo como uma imensa orla fluvial de mais de 100km, fora as

    prprias margens das represas. Ao invs disso a cidade se afastou das

    represas, e as margens dos rios tornaram-se vias de circulao rpida,

    para onde ao invs de a cidade se voltar, deu as costas, e o prprio rio

    tornou-se escoadouro de esgotos. Isso dentro de um raciocnio perver-

    so, de viso limitada que pretendia dar solues rpidas aos problemas

    de circulao urgentes que se acumulavam sobre a cidade.

    Na verdade o grande espao livre pblico de So Paulo as

    ruas, de tal forma que se tornaram metonmia de espao livre pblico.

    Todavia no foi, salvo rarssimos casos, pensada para o homem, e sim

    para a mquina o automvel.

    As nossas ruas foram desenhadas com pouco ou nenhum es-

    pao para o pedestre, logo nem para o estar, para muito menos para o

    encontro. Muitas vezes se relaciona isso ao tamanho das caladas, mas

    podemos dizer que isso mais relativo ao contato do edifcio com o

    cho que propriamente as dimenses da calada. Vejamos: H muitas

    ruas espalhadas pela cidade qu se transformam aps o horrio comer-

    cial. A sada do trabalho despeja na rua milhes de trabalhadores dos

    quais grande parte no volta imediatamente para casa, geralmente vo

    a algum bar. Muitos desses bares no tem sequer espao para oferecer

    dentro de suas dependncias e, at por uma demanda dos prprios

    clientes, disponibilizam mesas nas caladas, mas em geral estar na rua

    mais agradvel que dentro do bar. Muitas ruas se enchem de gente e

    se tornam uma extenso desses bares independente das dimenses das

    suas caladas, como o caso da rua Rego Freitas, no centro, onde est

    o centro cultural Matilha, que tem exposies, apresentaes musicais,

    etc, e alguns dias o chamado happy-hour quando a calada da rua se

    torna insuficiente para o volume de pessoas conversando porta de

    entrada. importante ressaltar que o fluxo de veculos no grande e

    rpido como em avenidas expressas, o que de extrema importncia

    para permitir a convivncia de carros e pessoas. 0 500 1000metros

    Orla do Rio de Janeiro: sistema de espaos livres com praas, praia e equipamentos conectados entre si.Imagem: Google Earth

  • 37

    J na avenida Paulista por exemplo, h pontos em que as pes-

    soas se aglomeram nas caladas (aqui sim a largura tem sua importncia

    porque no seria compatvel a velocidade e o volume de automveis

    com as pessoas nas ruas). Geralmente esses pontos de aglomerao es-

    to associados a algum bar, mas podem ser um acesso do metr, o vo

    do Masp ou a entrada do Shopping Center 3 (que efetivamente est

    mais para galeria do que propriamente shopping). Esses quatro pontos

    tem algo de comum: a permeabilidade; possvel ir alm do espao da

    calada, entrar no edifcio ou na estao, ou at mesmo estar sob ele, o

    espao do edifcio avana sobre a calada ao mesmo tempo que a cala-

    da adentra o edifcio. Podemos falar, por oposio, em opacidade, aque-

    les edifcios que tem seu trreo fechado, que restringem sua interao

    com a cidade atravs portas reduzidas e limitam ao mnimo ou a zero

    a confuso de exterior e interior. A galeria do Conjunto Nacional um

    exemplo que deveria ser padro na cidade: ao avanar sobre a calada, o

    edifcio no apenas lhe d cobertura, mas tambm cria um espao que

    efetivamente exterior, mas na prtica gera uma confuso, no sentido

    positivo da palavra, e se torna um abrigo, uma recepo, como uma gen-

    tileza de um anfitrio.

    Apenas as consideraes tecidas at aqui no bastariam para

    gerar vitalidade nas ruas. A este respeito Jane Jacobs dedicou grande

    parte de seu livro Morte e vida de grandes cidades; para ela necess-

    rio atender a mais de uma funo principal; quadras curtas; combinao

    de edifcios com idades e estados de conservao variados; densidade

    suficientemente alta de pessoas e isso inclui alta concentrao de pes-

    soas cujo propsito morar l ( JACOBS, 2007, p. 165)

    Gente na rua tambm resultado de uma operao compa-

    rativa entre o espao interno e o externo, entre o pblico e o privado.

    Nas situaes onde o pblico/externo sobressai ao privado/interno as

    pessoas esto nas ruas. o que podemos observar nas favelas, onde

    o espao da rua ou a viela apresenta-se melhor que o da casa (muitas

    vezes no por mrito da rua, mas por demrito da casa) e as pesso-

    as sentam-se porta de casa, as crianas brincam nas ruas. Tambm

    o caso de bairros a beira mar, que em sentido contrrio, apenas pela 0 1.5 2.0quilmetros

    Possibilidade de construo da orla uvial em So Paulo.Imagem area: Google Earth.Elaborao prpria.

  • prpria proximidade da praia o espao pblico/externo prefervel. O

    desafio da arquitetura passa a ser construir espaos pblicos mais atra-

    entes que os privados, e isso significa concorrer com a individualizao, a

    insegurana, o entretenimento (computadores e televisores).

    edIfcIos, forma urbana e clIma

    Do enclausuramento dos condomnios l-se uma repudia

    cada vez maior dos edifcios para com a rua, medida em que os edi-

    fcios se isolam no lote e aumenta o medo e a segregao, a rua perde

    os seus planos laterais. A este isolamento corresponde uma perda social

    que j foi demonstrada durante os ltimos CIAM, e que tem em Jane

    Jacobs o expoente da crtica. Para a jornalista preciso ver e ser visto,

    preciso ter olhos sobre as ruas, para que elas sejam seguras e transmi-

    tam essa segurana, alm de outros vrios requisitos.

    Na cidade colonial os edifcios conformavam o volume da rua.

    Definiam-lhe dois de seus 3 planos, inclusive com frequentes avanos

    sobre o espao pblico: a varanda. frente de janelas-porta, o espao

    privado estendia-se para o pblico e criava uma espcie de plateia, onde

    os moradores podiam ficar observando o grande palco da vida pblica:

    a rua. Aquele plano lateral deixava de ser plano, liso, e assumia uma srie

    de rugosidades, de detalhes que enriqueciam a cidade. Mas isso foi se

    perdendo. H diversos edifcios construdos no sculo XX que ainda

    fazem uso deste elemento, mas a regra passou a ser o plano liso, muitas

    vezes vedado e cego. Os edifcios mais atuais, quando oferecem uma

    varanda geralmente no tem aquele carter de outrora, como o edifcio

    no est mais junto rua a varanda no tem o mesmo significado. Ain-

    da assim as grandes varandas viraram mais um dos grandes chamarizes

    nos anncios publicitrios, mas justamente por estarem longe das ruas,

    acabam sendo muito mais uma forma de ampliar as minsculas salas e

    de burlar a lei, j que at uma certa rea no so contabilizadas como

    rea construda. Ainda mais em edifcios altos que o vento rpido nas

    varadas inviabiliza o estar. E comum ver por ai essas varandas fechadas

    com vidros.

    Foto: Feppa Rodruiges

  • 39

    Assim no h como se esperar que os edifcios conformem o espao vazio. No h, salvo excees, locais que o edifcio

    defina o espao livre como faz no Centro, conferindo volume praa, ao largo, rua diga-se de passagem que muitas vezes essa

    funo ficou a cargo de altos muros e portes. A partir de uma fotografia area de So Paulo no possvel definir onde esto os

    espaos pblicos, as ruas e praas, como se faz em Copacabana, Barcelona e Paris dos planos de Cerd e Haussmann, respectivamen-

    te; ou em Curitiba (onde a verticalizao segue os corredores de nibus), isso porque no existe nenhuma lgica de desenho, no

    existe nenhuma expresso de um desgnio.

    Ao mesmo tempo o edifcio afastado da rua, alm de no lhe conferir uma imagem direta e uma geometria regular, deixa

    de prestar uma gentileza cidade. Terra da garoa parece um apelido bastante explicativo para o clima da cidade, mas no se trata

    apenas de chuvas finas, mas muitas vezes torrenciais, e o oposto tambm verdadeiro, o sol forte com temperaturas a cima de 30

    inclusive no inverno. Em suma, quando no caminha sob tempo nublado, o paulistano est sujeito a chuvas ou a sol forte. A calada

    frente do Conjunto Nacional nos faz imaginar que seria possvel que todas as caladas da cidade fossem, pelo menos em parte,

    cobertas.

    Da mesma forma a ocupao errnea das vrzeas, o tamponamento dos canais e a extensa rea impermevel resultam em

    alagamentos quando h chuvas fortes. O engenheiro Saturnino de Brito, que realizou o projeto dos canais de Santos j havia advertido

    sobre a necessidade de se criar lagos artificiais que mitigariam os efeitos das chuvas, mas jamais foram construdos. Hoje o sistema de

    drenagem da cidade conta apenas com os antigos rios, agora canalizados e fechados, a tubulao de guas pluviais, alguns pequenos

    reservatrios prediais, e um conjunto de piscines, que do ponto de vista urbano so um grave erro pois resumem-se a enormes

    buracos no meio da cidade, sujeito a alagamento e que passam sem uso grande parte do tempo, no tem sequer valor paisagstico e

    tornam-se pontos de acmulo de sedimentos e lixo.

    dIstrIbuIo de atIvIdades

    O modelo de edificao empregado pelo mercado imobilirio, tanto para empreendimentos comerciais quanto residen-

    ciais, tem seguido uma lgica de reproduo da cidade, baseado no baixo aproveitamento das reas com infra-estrutura instalada

    e separao de atividades. Durante as dcadas de 80 e 90 as reas centrais sofreram grandes perdas populacionais, chegaram a ter

    taxas de crescimento de -3,95% ao ano nos ltimos anos do sculo passado. O Censo de 2010 registra uma leve reverso desse

    processo: coincidentemente as reas que registraram as menores taxas de crescimento entre 1990 e 2000 tiveram entre 1 e 3% de

    crescimento ao ano, ainda inferior s perdas anteriores.

    Enquanto este processo de ocupao do centro no for massivo e sistemtico continuaremos tendo uma cidade com

    graves problemas de circulao porque dadas as grandes distncias entre locais de trabalho, moradia e equipamentos, alm da falta

    de planejamento conjunto de todo o sistema virio (inclusive ferrovias e metrovias), os fluxos se concentram em direo ao centro

    sob um sistema incapaz de suportar a demanda, logo h congesto do transito e deslocamentos longos e demorados. Tambm h

    problemas de segregao scio-espacial, pois as camadas de renda mais baixa so empurradas cada vez mais para a periferia onde h

    falta de equipamentos e infraestrutura. Isto decorre, principalmente da falta de viso de conjunto e de coeso social.

    A porta a janela, como elementos arquitetnicos, concretizam essas interpenetraes dos espaos. A porta cuida da passagem fsica, permite que se transite de um ao outro, pressupondo o movimento dos corpos, enquanto a janela cuida da passagem sensorial. No momento em que se constri o peito-ril, a janela opera como o diminutivo da porta, diminui o transitar fsico. Ela seduz o olhar, convida o observador, e ento para ir de um lugar ao outro, sem deix-lo, explora a janela, e por isso explora seus sentidos. Direta ou indi-retamente, na dissoluo dos muros da arquitetura reside a tnue relao entre interior e exterior, relao de proximi-dade e distncia simultneas.

    (Julia Paccola)

  • 40

    preciso reverter este processo. Uma cidade segregada torna-se desconhecedora de si mesma e intolerante, portanto

    violenta. Ao mesmo tempo os problemas de transporte s podero ser solucionados quando houver uma distribuio de atividades

    mais homognea e para isso o plano e o projeto urbanos so ferramentas indispensveis, pois conseguem compreender os movimen-

    tos e transformaes da cidade e apontar os rumos a seguir para a construo de uma cidade mais compacta e densa

    As altas densidades demogrficas foram rechaadas durante o sculo XIX porque se confundiam com a cidade industrial e

    toda sua sorte de doenas e problemas. Todos os projetos executados desde ento at a crise dos CIAM Congresso Internacional

    de Arquitetos Modernos privilegiaram o espao verde e livre e a implantao do edifcio forma isolada.

    Surgem como elementos da cidade pouco densa o conjunto parque-shopping-supermercado (e hipermercado). Como

    no h densidade suficiente que justifique a instalao de um conjunto de equipamentos, seja de lazer ou de consumo, a alternativa

    foi concentr-los em poucos pontos, acessveis por meios motorizados, preferencialmente o automvel. Vejamos, por exemplo o

    caso do Shopping Morumbi, localizado em rea de fcil acesso para os carros, no entroncamento da Avenida Chucri Zaidan e Ro-

    PREDOMINNCIA DE USO

    Residencial horizontal

    Residencial vertical

    Comrcio e servios

    Misto

    Equipamentos pblicos

    Escolas

    Terrenos vagos

    Outros

    Sem predominncia

    Permetros concntricos a cada 500m a partir do Shopping Morumbi

    0 100 200metros

  • 41

    que Petroni Junior, a 200 metros da Marginal Pinheiros, mesma distncia

    que guarda at a estao de trens. Ao seu redor encontra-se um mar

    de baixas densidades: a oeste est o bairro do Morumbi, predominan-

    temente residencial, com muitos poucos pontos de comrcio, e raros

    equipamentos; em todos os outros setores o panorama semelhante,

    embora haja mais residncias porque os lotes so menores e h alguma

    verticalizao. Apesar da existncia da Chucri Zaidan (continuao da

    av. Engenheiro Luis Carlos Berrini, com torres de escritrio, o padro

    edificado monofuncional e raras vezes os trreos so ocupados com

    comrcio ou servios. Assim, a uma distncia de 1,5km a leste, mais de

    3 km a oeste e da mesma ordem a norte e sul, predomina uma rea

    com deficincia de equipamentos, comrcio e servios, e fica a cargo do

    shopping sana-la, de forma dependente do transporte motorizado, que

    assim pode ter um raio de abrangncia com mais de 5km.

    O mesmo raciocnio pode ser aplicado ao supermercado e

    ao parque. O super, ou hipermercado, ainda se liga a outras ideias como

    a de compras mensais: como necessita de um deslocamento longo, ge-

    ralmente feito de carro, torna-se conveniente concentrar as compras

    de todo um ms em um nico dia, que foi possibilitado pelo par carro-

    -geladeira (ASCHER, 2010) e tambm fez com que aparecesse nas re-

    sidncias um espao destinado ao armazm dessas compras grandes.

    O parque tambm, dada a falncia da rua como espao pblico e da

    pouca disponibilidade de espaos livres qualificados e verdes, se torna o

    ponto de concentrao desses espaos e tambm alcanado por vias

    motorizadas.

    Em oposio a este modelo de cidade, recentemente as pro-

    postas passaram a defender o adensamento populacional. De fato, con-

    jugar habitao com outros usos e alta capacidade de transporte pode

    reduzir os tempos e distncias de deslocamento, em aspectos diferentes.

    Vamos avaliar o que dissemos por alguns clculos rpidos so-

    bre demanda e alcance de um equipamento especfico: a escola. Segun-

    do recomendaes do FDE uma escola deve ter entre 10 e 12 salas de

    aula com no mximo 35 alunos, por questes de administrao e de pe-

    dagogia. Isso significa que funcionando em dois turnos ela pode abrigar

    DENSIDADE DE POPULAAO (HAB./HA)

    At 2525 a 5050 a 7575 a 100

    100 a 150mais de 150Limite de Municpios

    1980 a 1991 1991 a 2000 2000 a 2010

    At -3,95De -1,99 a -1,00De -0,99 a -0,50De -0,49 a 0,00De 0,01 a 1,00De 1,01 a 3,00De 3,01 a 8,008,01 ou mais

    Distritos

    Taxas (%)

    CRESCIMENTO DEMOGRFICO

    Fonte: SEMPLA

    Fonte: Pesquisa Origem-Destino 2007

  • 42

    840 alunos. Vamos considerar que seja uma escola do 6 ao 9 ano (11 a 14

    anos de idade). Essa populao da ordem de 705.835 pessoas, o que significa

    6,2% da populao total do Municpio de So Paulo estimada para 2011 pelo

    SEADE. Vamos tambm considerar para cada caso adiante um pai ou me

    acompanhando o filho at a escola, a p, o que implica num raio mximo de

    500m a partir da casa.

    Para um primeiro caso, se esta escola estivesse no distrito com a

    densidade bruta do Morumbi, 28 habitantes por hectare (hab/ha) segundo

    o CENSO 2010, os 840 alunos estariam espalhados por uma rea de 483 ha,

    ou um raio de 1,2Km. Nesta situao s haveria uma nica opo para os pais

    que levam seus filhos escola em um raio de 1,2km a partir de suas casas, e

    ainda assim muitos teriam que fazer uso de algum meio de transporte mo-

    torizado. Evidentemente que poderia haver mais escolas, mas isso significaria

    um excesso.

    Para um segundo caso, se esta escola estivesse em um distrito com

    a densidade bruta como a de Copacabana, 576 hab/ha (Prefeitura do Rio de

    Janeiro), os mesmos 840 alunos morariam em uma rea de 23,5 ha, ou seja,

    um raio de 273,5m, e os pais teriam 3 opes distintas de escolas no raio de

    500m.

    Uma escola deste porte tem um raio mximo de abrangncia de

    1500m (GDF/IPDF Prefeitura de Goinia). Com isso no primeiro caso ape-

    nas uma bastaria, enquanto no segundo caso, dentro deste raio ns teramos

    na verdade 30 escolas para suprir a demanda, o que significa diversidade.

    Alm das escolas para ensino infantil, e mdio, teramos agncias

    dos correios, hospitais e Unidades Bsicas de Sade (UBS), centros culturais,

    bibliotecas, teatros, etc. Assim uma regio densa requer uma concentrao

    de escolas e dos demais equipamentos, de comrcio, de servios, oferecendo

    diversas opes e por isso atende a demandas variadas.

    Pela dinmica urbana, surgiria junto a esses equipamentos uma srie

    de estabelecimentos comerciais, como por exemplo papelarias, bares, lancho-

    netes, restaurantes, etc. Secundariamente surgiriam outros estabelecimentos

    que tirariam proveito do vai e vem de pessoas nas ruas, como comrcio de

    roupas, eletrnicos, etc.

    DISTRIBUIO DE RENDAAt 3 salrios mnimosde 3 a 5 salrios mnimosde 5 a 7 salrios mnimos8 ou mais salrios mnimosLimite de distritosLimite de Municpios

    DENSIDADE DE EMPREGOS (emp./ha)At 2525 a 5050 a 7575 a 100100 a 150mais de 150Limite de Municpios

    Fonte: Pesquisa Origem-Destino 2007

    Fonte: Pesquisa Origem-Destino 2007

    Salrio mnimo = R$ 622,00

  • 43

    Para Richard Rogers (2001, p. 23)

    As cidades densas, atravs de um planejamento integrado, podem

    ser pensadas tanto em vista do aumento de sua eficincia energtica,

    menor consumo de recursos, menor nvel de poluio e, alm disso,

    evitando sua expanso sobre a rea rural. Por estas razes acredito

    que devemos investir na ideia de cidade compacta uma cidade

    densa e socialmente diversificada onde as atividades econmicas e

    sociais se sobreponham e onde as comunidades sejam concentradas

    em torno das unidades de vizinhana..

    Porm, no h como transformar uma cidade dispersa em densa,

    Secchi (2006, p. 183) j advertia isso dizendo que

    impensvel que tentativas razoveis de aumento das populaes

    relevantes possam, atravs de progressivos adensamentos, provocar

    a transformao, da cidade difusa em sua totalidade, em uma cidade

    compacta, e tambm pouco provvel que ela possa ser marginali-

    zada e transformada em uma imensa periferia produtiva dos centros

    urbanos mais consolidados, reconstruindo, em termos novos, a antiga

    oposio entre cidade e campo.

    Hoje temos, em linhas gerais, habitaes caminhando para a pe-

    riferia, e empregos e servios concentrados no centro, disso decorre uma

    polarizao de fluxos, chamados de pendulares, entre as duas partes da cidade,

    o que, inclusive, sobrecarrega as reas centrais e congestiona o trnsito. Se ao

    invs disso tivermos os empregos e servios melhor distribudos pelo terri-

    trio, as reas com maior disponibilidade de infra-estrutura e equipamentos

    densamente povoadas e as periferias pouco densas, alm de um transporte

    eficiente, vamos aumentar as viagens entre os bairros e reduzir a deles com o

    centro; assim os deslocamentos se tornariam menos congestionados e haveria

    menor sobrecarregamento do sistema na rea central, de tal forma que mes-

    mo os maiores deslocamentos poderiam ser feitos rapidamente. No apenas

    se reduziria os tempos de deslocamento, mas reduziria as diferenas entre as

    diversas partes da cidade, tornando-a socialmente mais justa e com melhor

    aproveitamento do solo urbano e das infras-estruturas que, inclusive teria os

    gastos com ampliao do sistema reduzidos.

    Distrito

    HOSPITAIS

    Fonte: Secretaria Municipal de PlanejamentoCENTROS CULTURAIS E MUSEUS CINEMAS, TEATROS E CASAS DE SHOWS

    EQUIPAMENTOS DE ESPORTEFonte: Secretaria Municipal de Sade/Ceinfo.

    Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento

    Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento

    At 4

    Nmero de equipamentos

    De 11 a 15De 16 a 34

    De 5 a 10

    Distritos semequipamento

    At 4

    Nmero de equipamentos

    De 11 a 15De 16 a 34

    De 5 a 10

    Distritos semequipamento

  • 44

    PRINCIPAIS LINHAS DE DESEJO DE VIAGENS

    de 100 mil a 130 mil viagensde 70 mil a 90 mil viagensde 30 mil a 60 mil viagens

    Mancha urbana

    Diviso Poltico-administrativa(Municpios e Distritos)

    Fonte: Pesquisa Origem Destino 2007

  • 45

    Modelo terico-propositivoPRINCIPAIS LINHAS DE DESEJO DE VIAGENS

  • ocUPAo e indUstriALiZAo no BrAs, iPirAngA e BArrocA

    brs

    O bairro do Brs pioneiro na ocupao da margem direita do Tamanduate; marca o primeiro assentamento contguo

    So Paulo na transposio do rio, quando se estabeleceu ali um grupo de estrangeiros que inicialmente viveu bastante isolado, segre-

    gado do restante da cidade. Sua populao no tinha acesso econmico e social ao centro e essas condies contriburam para que o

    Brs desenvolvesse intensa vida prpria (VILLAA, 1998, p. 297); o relativo isolamento fez com que se desenvolvesse o comrcio,

    lentamente, at tomar corpo por volta de 1930, a partir de quando possvel falar de um subcentro (LANGENBUCH, 1971).

    A instalao das ferrovias So Paulo Railway, 1867, e Central do Brasil, 1875, alm da linha de bonde de trao animal

    com destino Penha, atraiu as indstrias e tambm populao, tanto que em 1836 a contagem que no chegava aos 700 habitantes

    (DIAFRIA, 2002) passou aos 5.998 em 1886 e depois para 32.387 em 1893 (MEYER & GROSTEIN, 2010). A constituio social do

    bairro, com presena macia de estrangeiros, e sobretudo italianos, deu ao bairro um identidade bastante peculiar com relao ao

    resto da cidade. A prpria lngua portuguesa sofreu, ali, grandes influncias que foram registradas nas canes de Adoniran Barbosa.

    Outra herana trazida com os europeus foi a participao poltica ligada ao anarquismo e ao comunismo que marcou o bairro pelas

    diversas manifestaes de operrios, sobretudo a greve geral de 1917. J na dcada de 1940 o bairro entrou num processo de redu-

    o de populao e nas dcadas de 80 e 90 tornou a receber estrangeiros, desta vez com nfase entre os coreanos e bolivianos.

    A coexistncia de residncias (pequenas, destinadas principalmente ao operariado, geminadas e trreas, ou sobrados

    eventualmente), indstrias e poucos vazios intra-lotes (logo com pequena capacidade de expanso), fez surgir no Brs um tecido de

    quadras pequenas entremeadas de quadras grandes, de lotes bastante divididos, e de ruas curtas e em diversas orientaes, o que

    torna a circulao interna bastante imbricada. Tambm a construo do ptio do Pari e o desenvolvimento do comrcio de alimentos,

    transportados pelos trens desde o interior, deu origem a uma grande quantidade de pequenos galpes que at hoje mantm essa

    atividade.

    A dcada de 1950 ficou marcada pela a sada das indstrias e assim deu espao para uma transformao de uso que con-

    solidou o bairro como centro de comrcio popular, principalmente nos arredores da rua Oriente. Diversos antigos galpes foram

    transformados em galerias, armazns, ou subdividos e utilizados como lojas, enquanto muitos outros foram substitudos, descaracte-

    Imagem: viso geral do Brs e imediaesFonte: Google Earth

  • rizados ou simplesmente demolidos para dar espao para estacionamentos.

    Outras intervenes tambm marcaram as transformaes fsicas do bairro, que no incio do sculo XX era perifrico e

    passou a ser o meio do caminho entre a zona leste e o centro. E com crescimento do sistema rodovirio algumas ruas foram alargadas,

    como a Rangel Pestana, e mais ao sul, Mooca, rasgou-se a ligao leste-oeste atravs de diversos quarteires, assim como o tambm

    o fez o Metr, que inclusive aproveitou do espao criado nas suas margens para as obras para prover habitao atravs da CDHU e

    a denominada Zona Metr Leste

    IPIranga

    A expanso da indstria foi polarizada pelas estaes frreas, criando bolses, com intervalos correspondentes aos entre

    estaes, nem sempre coladas ferrovia, mas anexas, o que exigia que se completasse o transporte das mercadorias e matrias-

    -primas por outro modal atravs das ruas, como o caso do Ipiranga, que surgiu ligado construo do monumento, hoje Museu

    Paulista, concludo em 1895.

    Para tal obra foi erguida uma estao junto SPR na margem direita do Tamanduate e ao seu redor surgiram pequenas

    edificaes de comrcio e residncia, aproveitando-se da facilidade de transporte e da polarizao que estabelecia subrbio-

    -estao. Para a transposio do rio foi construda uma pequena estrada, que ligava a vrzea s reas mais altas, tanto a leste, quanto

    para oeste, hoje chamada de rua Capito Pachecho E. Chaves, em sentido transversal ferrovia; em uma de suas pontas surgiu a Vila

    Prudente e na outra o Ipiranga. Tal a importncia desse eixo e do ponto da estao fez com que ele seja ainda hoje o mais diversi-

    ficado dentro da rea industrial da Barroca, com residncias, algum comrcio e servio, e atualmente um shopping, que, ignorando

    qualquer importncia histrica, destruiu uma das maiores fbricas e marco do lugar, a Ford Caminhes, que manteve sua produo

    entre os anos de 1958 e 2001.

    Desde o sculo XIX j existia o projeto de loteamento para a rea. Com o monumento e seu jardim pretendia-se que o

    novo bairro se tornasse uma alternativa a Higienpolis/Paulista para as elites, tanto que foram construdos semelhana dos fran-

    ceses; alguns casares chegaram a ser erigidos, mas o bairro acabou se consolidando como industrial e operrio. Este projeto previa

    uma malha ortogonal de quadras regulares, menores que as do Bras, qual a ocupao industrial se sobreps, ocupando-as individu-

    almente por inteiro, partes, ou at mesmo um conjunto delas.

    As primeiras indstrias comearam a chegar na virada do sculo XIX para o XX, quase simultaneamente ao Brs, das quais

    se tem registro a Fbrica Cia. Fabril de Tecelagem e Estamparia Ipiranga (1906), Linhas Correntes (1907, ainda existente) e Fabrica

    de Ferro Esmaltado Slex (1909) (JOS, 2010). Neste momento a industrializao acontecia de forma lenta e o bairro convivia com

    chcaras de produo agrcola, e assumia vocao institucional: alm do monumento (museu de histria natural) tambm a Com-

    panhia Nossa Senhora Auxiliadora, Orfanato C.R. Colombo, Hospital Alvarenga e Asilo Bom Pastor; vale lembrar que poca era

    comum que os subrbios afastados assumissem tais funes, como a Penha, que se especializou em questes mdicas e de descanso

    aos finais de semana.

    Imagem: Ipiranga e entorno imediato. A linha em amarelo destaca as Ruas Capito Pacheco Chaves e dos Patriotas.

    Fonte: Google Earth.

  • A partir de 1920, com a expanso da indstria ao sudeste pelo eixo da SPR, o processo sofreu forte acelerao at atingir

    seu ponto mximo em meados de 1950, tanto que o cadastro do IBGE de 1965 contabilizou no distrito 943 unidades fabris, entre

    pequenas, mdias e grandes unidades; estas ltimas concentraram-se vrzea do Tamanduate, enquanto habitaes e as outras

    unidades se misturaram pelas partes mais elevadas. Nas dcadas seguintes, resultado das polticas econmicas, da estruturao de

    uma malha rodoviria de alcance nacional em detrimento do transporte ferrovirio, de mudanas no padro industrial, as fbricas co-

    mearam a migrar. Diferente do Brs, a antiga estrutura foi completamente abandonada e rapidamente substituda. Jos (2010), para

    ilustrar o fato ateve seu estudo a quatro ruas do Ipiranga, Agostinho Gomes, Cipriano Barata, Bom Pastor e Silva Bueno, nas quais

    encontrou registros de 157 indstrias em 1965 (IBGE), e durante seus levantamentos feitos em 2009, contou apenas 17 unidades.

    barroca

    A ocupao da Barroca tardia e lenta, quando comparada ao Brs e Ipiranga, pois muitas reas foram ocupadas somente

    na dcada de 1970 . Entretanto sabemos que j havia galpes na faixa lindeira So Paulo Railway antes de 1930 (e que, portanto, se

    aproxima das indstrias do Brs/Mooca e Ipiranga, considerando-se as caracterstic


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