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vitrinecultura e variedades44JORNAL VALE DO AÇO l Sábado, 25 de setembro de 2010 55 JORNAL VALE DO AÇO l Sábado, 25 de setembro de 2010

Zico, o último oleiro de Ipatinga, mantém viva uma profissão difundida desde os tempos bíblicosdaí é mais jeito. Se usar muitaforça acaba quebrando, ouficando muito fino. Você temque aplicar a força certa e irmoldando aos poucos, até ficarcomo você imaginou. Se vocêpraticar e dominar o jeito, comum minuto você faz um vaso",explica o oleiro, que lembra:"este é o trabalho mais rápido".

SECAGEM E QUEIMADO BARRO

Após o minuto para fazer ovaso, começa a terceira etapada produção. A primeira é opreparo do barro, depois se dá

forma ao tarugo, aí começa aparte mais demorada: a seca-gem. "Gasto um minuto parafazer um vaso pequeno, algunsdemoram mais. Depois deixo ovaso nas prateleiras e esperoele secar. São duas semanasnesta etapa. Se eles não seca-rem bem, podem se quebrarquando forem ao forno", afir-ma. Após a secagem, a peçafica firme, mas sem o aspectode cerâmica, que só vem apósa queima. Nos fundos de seuateliê, Zico tem um grandeforno de tijolos à lenha no qualele faz esta parte do processo

todo final de mês. "O processode queima é feito em três eta-pas. A primeira é chamada deencharque. Os vasos são colo-cados no forno e vão receben-do aumento de temperaturapor dois dias. Vamos subindoaté chegar a 1200 ºC, que é atemperatura ideal para a quei-ma da cerâmica. Então osvasos ficam um dia inteironesta temperatura. Depoisdisto são mais 48 horasesfriando, que é a terceiraetapa. Temos então o vasopronto pra comercialização. Àsvezes fazemos pinturas nos

vasos ou outro trabalho paraagregar valor, mas trabalho deolaria mesmo termina depoisdo resfriamento", conta Zico.

Cronograma de produçãoComo em todo trabalho, é

necessário uma programaçãopara melhorar a eficiência, eisto não é diferente na olaria doZico. "Seguimos sempre omesmo cronograma. No come-ço do mês compro um cami-nhão de argila. Costuma vir deCaratinga ou das cidades pró-ximas. É, mais ou menos, meiatonelada de barro, o que dá

para trabalhar até o final domês. São 2 mil vasos que dápara moldar com esta quanti-dade de matéria-prima. Depoisdisto é um tempo de produção,até o dia 30. Faço os vasos edeixo secando, e vou produzin-do até ocupar o galpão inteiro,ou dependendo dos pedidos edos projetos em mente para omês. No dia 30 é que eu come-ço o processo de encharque.Coloco todos os vasos dentro,fecho o forno com tijolos edeixo eles lá nos próximoscinco dias. Só vou alterando atemperatura e pintando alguns

outros vasos que ainda nãosaíram. No dia 5, quando jácomprei mais barro, é quetenho os depósitos cheios paravender", contava Zico enquan-to mostrava um de seus depó-sitos, com 25% das prateleirascheias. "No dia 5 fica até difícilde andar aqui dentro", afirma.

O filho de Zico, João Vitor, deapenas 7 anos, fica o dia todo naolaria observando o trabalho dopai e brincando com barro. Eleainda não está sendo ensinadopelo pai, mas já demonstra inte-resse e jeito. "Ele fica a manhãinteira na escola. Ele poderiaestar em casa assistindo TV, masprefere estar aqui, tentando criaralguns vasos e brincando com obarro. Não reclamo, é bom ter eleperto, só quem não gosta muito éa mãe dele. Não pelo trabalho,mas sim pela sujeira", conta ooleiro. Ele afirma que sua espo-sa, Gilcilene das Graças, de 30anos, aprova a arte que ele cria,mas com uma advertência: "Aminha esposa gosta da minhaprofissão, só reclama quandonão tem uma coisa: máquina delavar. Aminha ficou quebrada porum mês e ela reclamou muito. Setiver a máquina, ai ela fica maistranqüila", brincou o oleiro.

EXPOSIÇÃOO oleiro terá seus vasos e

outras obras expostas naEstação Memória, em Ipatinga, apartir do dia 03 de outubro, próxi-mo domingo, mesmo dia daseleições majoritárias. A EstaçãoMemória fica localizada na RuaBelo Horizonte, 272, no Centro,que fica aberto à visitação desegunda à sexta-feira, das 7h às19h, e também aos sábados edomingos, entre 7h e 15h. Outrasinformações podem ser obtidaspelo telefone (31) 3829-8349. Nodia 02, sábado, haverá uma pré-via da exposição na praça 1º demaio, também no Centro.

PROFISSÃO FOI REGULAMENTADA SOMENTE EM JULHO DESTE ANOA regulamentação da profissão de oleiro, ou ceramista, foi

regulamentada pela Comissão de Constituição e Justiça ede Cidadania (CCJ) somente no dia 1º de junho deste ano.De acordo com a proposta aprovada, só poderão exercer oofício os profissionais em olaria e cerâmica formados porestabelecimento de ensino reconhecido ou aqueles quecomprovarem realizar tais atividades por, no mínimo, trêsanos. O relator do projeto na CCJ, deputado José Maia Filho(DEM-PI), votou pela constitucionalidade do texto. O substi-tutivo exclui da proposta original o dispositivo que estabele-ce aos oleiros ou ceramistas a aplicação da Consolidaçãoda Leis do Trabalho (CLT - Decreto-lei 5.452/43) e das leisda Previdência Social.

O texto aprovado especifica as tarefas que constituem oofício desses profissionais. São classificados como oleirosou ceramistas os trabalhadores que preparam a massacerâmica, desenvolvem modelos e projetos, modelam e for-matam peças, queimam a argila, preparam tintas, esmaltese vernizes para as peças artesanais e os que executamacabamentos.

POR

VINÍCIUS FERREIRA

A história bíblica relata queDeus, de uma porção de barro,criou o homem. Manualmente,ele deu forma àquela peça debarro e, ao final, soprou a vida.Tirando a parte de dar a vida, ébasicamente este o trabalho deum oleiro, profissão milenar naqual são criados, a partir dobarro e da criatividade de umapessoa, vasos e diversosoutros objetos. Mesmo em2010, o processo de fabricação"primitivo", imortalizado nastelas do cinema por PatrickSwayze e Demi Moore, em"Ghost - Do outro lado da vida",sofreu poucas alterações. Anão ser pelo uso da eletricida-de em alguns dos equipamen-tos, antes funcionando porpedais, o processo é basica-mente o mesmo. Há 30 anostransformando barro em belosvasos e outras peças,Sebastião Ferreira Fernandes,40 anos, conhecido tambémcomo "Zico", afirma ser o últimooleiro em Ipatinga, mas prome-te que a profissão não termina-rá nele. Seu filho, João Vitor,de apenas 7 anos, já estácomeçando a aprender a pro-fissão, ou pelo menos a brincarcom o barro.

Zico aprendeu a arte comMoisés, professor e sócio deleaté 2003, ano em que faleceu.Desde então, Zico toca o negó-cio sozinho. "Aprendi com elequando ainda era garoto epeguei gosto. Trabalhava paraele no começo e depois vireisócio. Há sete anos ele faleceue 'herdei' o ponto. Sempre tra-balhei com isto e adoro o quefaço. Agora estou expandindomais o trabalho, participandode exposições, deixando algu-mas peças à mostra, para

melhorar as vendas", conta ooleiro. De Moisés, Zico apren-deu toda a arte, todo o proces-so de produção, e hoje elerepassa para um aprendiz aospoucos. "Estou ensinandocomo aprendi, por partes.Primeiro, ele tem que aprendera pegar o barro do piqueiro(local onde a argila fica arma-zenada), passar a massa pelamaromba (máquina que trans-forma o barro em blocos cilín-dricos de argila, chamados detarugos) e pegar os tarugos debarro. Se não souber fazer istonão tem como ser um oleiro.Não se pode começar apren-dendo a moldar o barro, semao menos saber deixar o barrono ponto de ser moldado",explica Zico.

COM AS MÃOS NO BARROPara explicar o processo de

produção dos vasos, Zico fezum aos olhos de nossa reporta-gem. A máquina que fica giran-do, na qual o profissional dáforma ao barro, chama-se"torno", e Zico tem dois, amboselétricos. "Antigamente eramais trabalhoso, tinha que ficarpressionando o pedal para obarro girar. Hoje é só ligar uminterruptor e escolher a veloci-dade. A diferença está nopreço. Este torno pequeno queeu comprei há pouco tempocustou quase R$ 5 mil", contou.Zico começou então a produ-ção do vaso, e com menos deum minuto, uma bola de barrohavia se transformado em umvaso de dez centímetros dealtura com bordas onduladas elinhas decorativas. "Para fazeristo tem que saber quando usarforça e quando usar o jeito, ena maioria dos casos, comomesclar os dois. No começovocê usa a força para darforma ao barro, para fazer asparedes subirem, mas a partir

Zico aprendeu a "moldar o barro" ainda adolescente. Hoje, dominando a arte, faz um acabamento especial em alguns deles

Zico produz, com meia tonelada de barro, cerca de dois mil objetos mensalmente, entre vasos, anjos de cerâmica e outros

João Vitor, de apenas sete anos, já começa a brincar com o barro, mas o pai pretende ensinar a profissão para ele daqui a um tempo

Moldando o barro

Fotos: Vinícius Ferreira

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