MMINISTÉRIO PÚBLICOINISTÉRIO PÚBLICOESTADO DO RIO GRANDE DO NORTEESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
32ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE NATAL(CONTROLE DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA RELATIVOS A CONCURSOS PÚBLICOS, SERVIÇOS PÚBLICOS NÃO REMUNERADOS
POR TARIFA E DEMAIS MATÉRIAS NÃO ABRANGIDAS PELAS ATRIBUIÇÕES DAS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA ESPECIALIZADAS)Av. Floriano Peixoto, 550, Centro, Natal (RN)–CEP 59020-500 – fone/fax: (84)3232-7179
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS VARAS DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL-RN, A QUEM COUBER POR DISTRIBUIÇÃO LEGAL:
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
NORTE, pela 32ª Promotora de Justiça de Natal/RN, em substituição legal, no uso de suas
atribuições, com arrimo no que prescreve o art. 129, inc. III, da Constituição Federal; art. 84,
inc. III, da Constituição Estadual; art. 25, inc. IV, alínea “b”, da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público); e art. 1º, inc. IV da Lei nº 7.347/85; vem perante Vossa
Excelência, com base nos elementos contidos no Inquérito Civil nº 002/2011, ajuizar a
presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
em desfavor do MUNICÍPIO DO NATAL/RN, pessoa jurídica de direito público interno,
representado por sua Prefeita, Excelentíssima Senhora Micarla Araújo de Sousa Weber, com
domicílio funcional na Prefeitura Municipal do Natal/RN, situada na Rua Ulisses Caldas, 81,
Centro, nesta Capital, e pelo Procurador-Geral do Município, com domicílio funcional no
mesmo endereço, pelos fundamentos de fato e de direito que a seguir expõe.
1
I – DOS FATOS. DO INQUÉRITO CIVIL Nº 002/2011 DA 13.ª
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE NATAL E DA EXISTÊNCIA DE
VAGAS PARA O PROVIMENTO DE DIVERSOS CARGOS PREVISTOS NO
CONCURSO PÚBLICO REGIDO PELO EDITAL N.º 001/2006-SEMAD.
O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por intermédio da 13ª Promotoria
de Justiça da Comarca de Natal, instaurou o Inquérito Civil nº 002/2011, com vistas a apurar
possíveis irregularidades na contratação de serviço temporário para vários cargos da
Prefeitura Municipal do Natal.
Referido inquérito civil foi iniciado a partir de declarações feitas pelas Sras.
Bruna Fabiana Rodrigues da Cunha e Letícia Ramalho Soares que relataram, em síntese, o
temor de serem preteridas por candidatos aprovados em processo seletivo para contratação
temporária de profissionais de diversas áreas, quando ainda se encontrava em validade o
concurso público do ano de 2006, no qual foram aprovadas, e que visava prover vários cargos
que coincidiam com aqueles que se objetivava agora contratar temporária e precariamente
através de processo seletivo simplificado.
Juntou-se ao procedimento investigativo cópia de denúncia do Sindicato dos
Servidores Públicos Municipais de Natal – SINSENAT informando que aquele órgão havia
tomado conhecimento da “tentativa da Administração Pública Municipal de burlar a
nomeação dos aprovados no concurso público realizado no ano de 2006”, cujo edital n.º
001/2006 – SEMAD (publicado no DOM de 21 de julho de 2006), disponibilizou vagas em
vários cargos, dentre eles cargos igualmente previstos no Edital n.º 002/2010 (publicado no
DOM, de 16 de abril de 2010), que trata do processo seletivo para contratação temporária.
O SINSENAT destacou que o processo seletivo para contratação temporária
mencionado foi aberto quando o concurso regido pelo Edital n.º 001/2006 – SEMAD ainda
estava em validade, pois prorrogado por mais dois anos através da Portaria n.º 2301/2008, de
11 de agosto de 2008 (publicada no DOM de 12 de agosto de 2008). Sustentou ainda que
“Embora utilizem a expressão 'temporária' para a contratação, percebe-se facilmente
tratar-se de cargos cujas atribuições previstas não possuem caráter sazonal, mas,
sim, denotam uma necessidade constante da Administração Pública, pois, tal seleção
2
é voltada à contratação de pessoal para tocar serviço essencialmente público –
atividade-fim do órgão contratante – e assim, não pode ser equiparado a um contrato
de prestação de serviços temporário, razão pela qual não assiste razão a SEMTAS –
Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social promover uma nova seleção,
quando em vigor concurso cujos aprovados, estejam eles dentre os números de vagas
do edital...”1
Ora, analisando as reclamações apresentadas e os editais mencionados,
percebe-se que foram abertos dois concursos públicos.
O primeiro certame, deflagrado pelo Edital de n.º 001/2006-SEMAD (DOM de
21 de julho de 2006), posteriormente complementado pelos Editais de n.º 002/2006-SEMAD
e 003/2006-SEMAD (DOM de 05 de agosto de 2006), visava a realização de concurso
público para provimento de vagas em diversos cargos de nível superior, de nível médio e de
nível elementar, pertencentes à Administração Pública municipal de Natal. A seguir, lista-se
os cargos existentes e a quantidade de vagas previstas nesses editais:
CARGO NÚMERO DE VAGASANALISTA DE SISTEMAS 4
CONTADOR 5
ESTATÍSTICO 5
OUTROS PROFISSIONAIS DE NÍVEL SUPERIOR – ÁREA: ARTE-EDUCADOR
13
OUTROS PROFISSIONAIS DE NÍVEL SUPERIOR – ÁREA: EDUCAÇÃO FÍSICA
10
OUTROS PROFISSIONAIS DE NÍVEL SUPERIOR – ÁREA: ASSISTENTE SOCIAL
46
OUTROS PROFISSIONAIS DE NÍVEL SUPERIOR – ÁREA: NUTRICIONISTA
3
OUTROS PROFISSIONAIS DE NÍVEL SUPERIOR – ÁREA: PSICÓLOGO
35
OUTROS PROFISSIONAIS DE NÍVEL SUPERIOR – ÁREA: TERAPEUTA OCUPACIONAL
2
PEDAGOGO 38
SOCIÓLOGO 3
TÉCNICO DE NÍVEL SUPERIOR – ÁREA: INFORMÁTICA 2
TÉCNICO DE NÍVEL SUPERIOR – ÁREA: TÉCNICO EM LAZER E RECREAÇÃO
1
TÉCNICO DE NÍVEL SUPERIOR – ÁREA: SANITARISTA 7
ENFERMEIRO – ÁREA: GERAL 48
FARMACEUTICO – ÁREA: FARMÁCIA INDUSTRIAL 3
MÉDICO – ÁREA: GERAL 104
MÉDICO – ÁREA: ANESTESIOLOGISTA 6
MÉDICO – ÁREA: GINECOLOGIA 3
1 Ver IC n.º 002/11, fl. 046.
3
MÉDICO – ÁREA: NEONATOLOGIA 4
MÉDICO – ÁREA: NEUROLOGIA 1
MÉDICO – ÁREA: PEDIATRIA 16
MÉDICO – ÁREA: PSIQUIATRIA 6
AGENTE ADMINISTRATIVO 77
ASSISTENTE ADMINISTRATIVO 128
TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO – ÁREA: AUXILIAR DE FARMÁCIA
20
TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO – ÁREA: EDUCADOR SOCIAL
43
TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO – ÁREA: LACTARISTA 2
TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO – ÁREA: ADMINISRAÇÃO DE REDE
2
TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO – ÁREA: MONTAGEM E MANUTRENÇÃO DE MICROCOMPUTADORES E IMPRESSORAS
14
TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO – ÁREA: NUTRIÇÃO 3
TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO – ÁREA: CULINARISTA 2
AUXILIAR DE PATOLOGIA CLÍNICA 8
TÉCNICO EM SANEAMENTO 6
AUXILIAR DE CAMPO 131
AUXILIAR DE SERVIÇOS GERAIS 220
COVEIRO 15
ELETRICISTA 4
FISCAL DE TRANSPORTE COLETIVO 200
GUARDA MUNICIPAL 40
VIGIA 73
MOTORISTA CNH B 41
MOTORISTA NH D 18
COZINHEIRO 16
ASSESSOR JURÍDICO (advogado) 10
O segundo processo seletivo mencionado, regido pelo Edital de n.º 002/2010
(DOM de 16 de abril de 2010), objetivando promover o desenvolvimento de ações sócio
assistenciais continuadas de Proteção Social Básica e Especial do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) para o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e para
o Centro de Referência Específica de Assistência Social (CREAS), no Município de
Natal/RN, tinha por fim a contração temporária dos cargos elencados abaixo, no quantitativo a
seguir exposto:
CARGO NÚMERO DE VAGASASSITENTE SOCIAL 26
PSICÓLOGO 18
PEDAGOGO 14
TERAPEUTA OCUPACIONAL 3
ADVOGADO 1
4
EDUCADOR SOCIAL 7
ARTE -EDUCADOR-ARTES CÊNICAS/TEATRO 3
ARTE-EDUCADOR-MESTRE EM CAPOEIRA 3
ARTE-EDUCADOR-DANÇA-VÁRIOS TIPOS (DANÇA DE SALÃO, FOLCLÓRICA, DANÇA CONTEMPORANEA, STREET DANCE)
4
ARTE-EDUCADOR-MÚSICA-PRECUSSÃO-FLAUTA DOCE 3
ARTE-EDUCADOR-MÚSICA-CORAL 3
Como se vê, os cargos destacados em negrito tanto foram previstos no
primeiro concurso, que se destinou ao provimento de cargos de forma “definitiva”, quanto no
segundo, que pretendeu, através de contratos temporários, estabelecer vínculos precários entre
os contratados e a Administração, o que enseja a preterição dos aprovados no certame
anterior.
Diante disso, a fim de instruir o procedimento inquisitorial, o Parquet
requisitou informações ao Secretário da SEMTAS e da SEGELM acerca das alegações
prestadas pelas reclamantes e da denúncia apresentada pelo SINSENAT.
Através do Ofício n.º 0880/2011-GS/SEMTAS, o Secretário Municipal de
Trabalho e Assistência Social – SEMTAS apresentou resposta, merecendo destaque os
seguintes trechos:
“As informações pretendidas dizem respeito ao Processo Seletivo
Simplificado regulamentado pelo Edital 002/2010, esclarecemos, inicialmente,
que o referido instrumento foi objeto de publicação no Diário Oficial do Município
de Natal/RN na data de 21 de abril de 2010, apresentando como objetivo maior a
execução das ações sócio assistenciais continuadas de Proteção Social Básica e
Especial do Sistema Único de Assistência Social – SUAS.
A necessidade de contratações, em caráter complementar, de técnicos
(assistente social, psicólogo, pedagogo, terapeuta ocupacional, advogado,
educador social e arte educador) para compor o quadro funcional dos CRAS e
CREAS, objetivam garantir a continuidade das ações de Proteção Social Básica
e Especial, em conformidade com a Tipificação Nacional dos Serviços Sócio
assistenciais, conforme disposto na Resolução n.º 109 de 11 de novembro de
2009.
…
Isto posto, vários são os fatores relevantes para que a Prefeitura do Natal
convocasse os técnicos já citados, dos quais destacamos:
5
a) os profissionais aprovados no processo seletivo regulado pelo Edital 002/2010,
apesar de convocados através de publicação no DOM (ver anexo 01), não
compareceram ou pediram prorrogação para apresentação inerente;
b) quando foram contratados os profissionais acima citados através do Processo
Seletivo regulamentado pelo Edital 002/2010 ainda estava em trâmite na
Câmara Municipal de Natal a discussão sobre o concurso de 2006;
c) os CRAS (ver anexo 02) e CREAS no período da realização do Processo
Seletivo, funcionavam de maneira precária com um quadro reduzido de
pessoal; e
d) outro fato relevante para a realização do Processo Seletivo, foi o recebimento
do Ofício nº 007/2009 do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome – MDS (ver anexos 03 e 04), e Resolução da Comissão Intergestores
Tripartite – CIT nº 10/2009, assegurando a implantação de mais três novos
CRAS até o dia 30/06/2010, devendo estas unidades estarem em pleno
funcionamento, caso contrário o município perderia os recursos destinados a
estes serviços não podendo mais concorrer ao financiamento destes e a
população usuária destas localidades de vulnerabilidade seriam penalizadas
pelo fato de não poderem usufruírem de seus direitos sócio assistenciais e ainda
a implantação do CREAS III na Região Administrativa Norte.
Assim, o informativo enviado pelo Setor de Recrutamento e Seleção –
SETRUS da Secretaria Municipal de Gestão de Pessoas, Logística e Modernização
Organizacional – SEGELM em abril de 2010, com a informação do número de
cargos vagos (vide anexo 05), gerou o Memorando nº 568/2010, originário
Departamentos de Proteção Social Básica e Especial, que de posse dessas
informações solicitaram a chamada dos concursados dentro do número de cargos
vagos, gerando o Processo nº 046231/2010-51, aberto em 24/08/2010 (vide anexo
05).
Quanto ao número de vagas oferecidas no Edital 001/2006, deverá ser
consultado o Setor de Recrutamento e Seleção – SETRUS da Secretaria Municipal
de Gestão de Pessoas, Logística e Modernização Organizacional – SEGELM, o qual
é responsável pela matéria.” 2
Por sua vez, o Chefe de Gabinete da SEGELM, por meio do Ofício n.º
218/2011-GS- CG/SEGELM, prestou informações aduzindo, em síntese, que:
“a) de acordo com o Edital nº 3/2006 – SEMAD, de 04 de agosto de 2006,
publicado no Diário Oficial do Município de 05 de agosto de 2006, foram
estabelecidas 02 (duas) vagas para o cargo de Outros Profissionais de Nível
Superior – Área Geral: Terapeuta Ocupacional;
2 Ver IC n.º 002/2010; fls. 201/203; destaques em negrito acrescidos.
6
b) conforme o Edital n.º 23/2006 – SEMAD, de 13 de novembro de 2006, publicado
no Diário Oficial do Município de 14 de novembro de 2006, foram classificados 94
(noventa e quatro) candidatos, onde as interessadas Bruna Fabiana Rodrigues da
Cunha, Maria das Vitórias Moreira da Silva, Letícia Ramalho Soares, Raissa
Cristiany Braz Galvão e Maria da Penha de Souza, obtiveram a 9ª (nona), 12ª
(décima segunda) e 13ª (décima terceira), 16ª (décima sexta) e 17ª (décima sétima)
classificações respectivamente;
c) até a presente data foram convocados/nomeados 05 (cinco) candidatos para o
cargo em questão, sendo que, uma destas obteve o ato de nomeação tornado sem
efeito, uma vez que esta não se apresentou para o ato de posse do cargo pleiteado,
mas, contudo houve preenchimento de todas as vagas disponíveis no edital de
abertura do concurso;
d) informamos ainda, que o concurso para o cargo em questão foi prorrogado
através da Portaria nº 2301/2008-AP, de 11 de agosto de 2008, publicada no
Diário Oficial do Município em 11 de agosto de 2008, a validade do concurso foi
expirada em novembro de 2010 (dia 01 de novembro para os cargos de Nível
Elementar e Nível Médio, e dia 13 para os cargos de Nível Superior);”3
Em vista dessas respostas, a 13ª Promotoria de Justiça solicitou documentos e
informações complementares aos Secretários da SEGELM e da SEMTAS (IC n.º 002/2011,
fls. 214), notadamente quanto:
a) a relação de candidatos aprovados no concurso iniciado pelo edital n.º 001/2006,
que foram devidamente nomeados para os cargos a que concorreram;
b) esclarecimentos sobre a data de deflagração do processo seletivo para contratação
de temporários, se dentro do prazo de validade do certame anteriormente
mencionado ou não;
c) caso afirmativa a resposta ao quesito anterior, esclarecimento sobre a existência
de candidatos aprovados no concurso iniciado em 2006, aguardando convocação
para os cargos de assistente social, psicologo, pedagogo, terapeuta ocupacional,
advogado, educador social e arte-educador;
d) esclarecimentos sobre o motivo da contratação por processo seletivo para seleção
de temporários em relação aos mesmos cargos para os quais existiam candidatos
aprovados em concurso anterior ainda válido;
e) a relação de candidatos aprovados no processo seletivo de contratação temporária
iniciado pelo Edital n.º 001/2010-SEMTAS, que já foram nomeados e tomaram
posse para os cargos a que concorreram.
3 IC n.º 002/2010; fl. ____; destaques em negrito acrescidos.
7
Diante disso, o Secretário da SEMTAS encaminhou novo ofício à 13ª PJ (ver.
fls. 220 do IC 002/2011) anexando diversos documentos, dentre eles “Despacho” da
Assessoria Jurídica (AJUR) daquela Secretaria, que informou:
“Em atenção a solicitação de informações constante no Of. n.º 016/2011-13ª
PJ, passamos a informar o que segue:
− A relação dos candidatos aprovados, que tomaram posse, no Processo
Seletivo de contratação temporária do Projovem Adolescente, referente ao
Edital n.º 001/2010, segue em anexo (Anexo I);
− Existe Lei Municipal específica para a contratação temporária de pessoal, a
qual foi publicada no Diário Oficial do Município do Natal – DOM, no dia 03 de
junho de 2010, nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal e art. 55, XII, da
Lei Orgânica do Município (Anexo II);
− O Processo Seletivo Simplificado para a contratação temporária,
regulamentado pelo Edital n.º 002/2010 – SEMTAS, publicado no Diário Oficial
do Município – DOM no dia 23/04/2010, teve início quando estava em vigor o
prazo de validade do concurso Público para o provimento de vagas em cargos
do Município do Natal;
− No que se refere a existência de candidatos aprovados no concurso de
2006 aguardando convocação, a competência para tal informação e para as
vagas oferecidas pelo Edital n.º 001/2006, é do Setor de Recrutamento e Seleção
– SETRUS da Secretaria Municipal de Gestão de Pessoas, Logística e
Modernização Organizacional – SEGELM.
− Com base no informativo enviado em abril de 2010 pela Secretaria
Municipal de Gestão de Pessoas, Logística e Modernização Organizacional –
SEGELM., com a informação do número de cargos vagos (Anexo III), gerou o
Memorando nº 568/2010.” (destaques acrescidos)
Analisando o documento enviado pela SEMTAS que contem “a relação dos
candidatos aprovados, que tomaram posse, no Processo Seletivo de contratação temporária
do Projovem Adolescente, referente ao Edital n.º 001/2010”, percebe-se que tal relação não
se refere ao processo seletivo para contratação de temporários discutido no inquérito
mencionado, uma vez que a mesma não abrange o universo de cargos e vagas previstos pelo
Edital n.º 002/2010. A relação enviada refere-se a outro certame.
Por outro lado, a SEGELM dirigiu ofício à 13ªPJ juntando despacho subscrito
pelo Secretário Adjunto de Gestão de Processos e Modernização, noticiando:
8
“o Processo Seletivo Simplificado para Contratação Temporária
regulamentado pelo Edital n.º 002/2010-SEMTAS teve inicio quando ainda
estava em vigor o prazo de validade do concurso público para provimento de
vagas em cargos de Nível Superior, Nível Médio e de Nível Elementar
instaurado pelo Edital nº. 3/2006-SEMAD, de 04 de agosto de 2006, publicado no
Diário Oficial do Município de 05 de agosto de 2006 que expirou em novembro do
ano passado (dia 1º para os cargos Nível Elementar e Nível Médio, e dia 13, para os
cargos de Nível Superior) por ter sido prorrogado através da Portaria n.º 2301/2008-
AP, de 11 de agosto de 2008, publicada no Diário Oficial do Município em 12 de
agosto de 2008.
Conforme as informações supracitadas, afirmamos que existiam candidatos
aprovados no Concurso Público iniciado em 2006 que aguardavam
convocação/nomeação para todos os cargos, exceto Advogado.
Informamos ainda que qualquer dúvida quanto ao Processo Seletivo
Simplificado para Contratação Temporária regulamentado pelo Edital n.º
002/2010-SEMTAS cabe à própria Secretaria Municipal de Trabalho e
Assistência Social – SEMTAS prestar informações, uma vez que a mesma
organizou o evento em questão.
Tendo em vista os fatos, sugere-se o encaminhamento dos autos à
SEMTAS para pronunciamento em relação ao item “c” do documento
expedido pela 13ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal (Ofício n.º
015/2011, fls. 01) sobre os motivos de contratação de serviços temporários ao
invés de nomear candidatos já aprovados anteriormente para cargos públicos
efetivos que aguardavam convocação/nomeação.” (Destaques em negrito
acrescidos).
Em razão da apresentação de documentos e informações incoerentes com o
objeto do inquérito civil em trâmite, aprazou-se audiência, visando dirimir dúvidas e
notificou-se a SEGELM e a SEMTAS para esclarecer os pontos controvertidos (ver. Fls. 268
do IC 002/2011).
Na audiência de fl. 272 do IC 002/2011, ficou esclarecido:
“que a relação dos candidatos candidatos aprovados constante do Inquérito Civil
refere-se a outro certame, de modo que foi entregue cópia do Diário Oficial, do
Edital n.º 002/2010 e da listagem dos candidatos aprovados no procedimento
simplificado. Todos os candidatos aprovados no concurso público regido pelo Edital
n.º 001/2006-SEMAD, de acordo com o Secretário da SEMTAS, foram chamados
antes de expirado o prazo de validade. Tendo inclusive realizado reuniões com
sindicatos, Gabinete Civil e SEGELM. Ademais, este esclareceu que as verbas
9
usadas para custeio das contratações do procedimento simplificado 002/2010 são
destinadas exclusivamente a temporários não podendo ser utilizadas para custeio de
servidor público conforme a normatização aplicável, a qual será enviada a esta
Promotoria de Justiça, bem como a comprovação da solicitação dos aprovados no
concurso 01/2006-SEMAD, no prazo de 10 dias. ...”
Foram, assim, juntados aos autos os seguintes documentos:
a) cópia do Edital n.º 002/2010 (fls. 273/276; 230/290) que deflagrou o
processo seletivo para contratação de temporários e do resultado
homologado deste certame, publicado no DOM de 15 de julho de 2010 (fls.
277/279);
b) Ofício n.º 714 de 2011 – SEGELM que informa, em síntese, estar a
validade do concurso que visava a contratação de pessoal para diversos
cargos expirada desde 01 de novembro de 2010 para os cargos de nível
elementar e médio e 13 de dezembro para os cargos de nível superior (fl.
295), anexando ainda lista dos aprovados (fls. 296/819), e noticiando não
existir mais candidatos aprovados aguardando convocação em relação aos
cargos de assistente social, psicologo, pedagogo, terapeuta ocupacional e
educador social.
Anexou-se, também, aos autos do inquérito civil, o Ofício n.º 3436/2011-GS-AJur,
que enviou documentação probatória acerca das justificativas para realização do processo seletivo que
visava a contratação temporária que consistia, em síntese, em:
a) ofício 3155/2011 solicitando a criação de cargos públicos;
b) ofício 3156/2011 solicitando a abertura de concurso público;
c) ofício 3181/2011 solicitando autorização para abertura de processo seletivo para
equipes de referência CRAS e CREAS;
d) orientações referentes à aplicação de reprogramação dos recursos financeiros do
FINAS – os recursos destinados do Governo Federal (fonte 184) não podem ser
utilizados para pagamento de salário ou complementação a funcionários;
e) demonstrativo do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome –
equivalente ao TERMO DE ADESÃO – informa:
− Portaria n.º 442 – informações sobre o piso básico variável;
− Portaria n.º 288 – anexo do demonstrativo do Governo Federal;
− Portaria n.º 404 – anexo do demonstrativo do Governo Federal.
10
f) cópia do DOM de junho de 2010 – mostrando as chamadas dos concursados –
Protaria n.º 182/2010, Portaria n.º 784/2010 e Portaria n.º 786/2010 de 31 de maio de
2010;
g) Parecer n.º 075/2011/DENACOR/;CGU/AGU – alteração da Lei n.º 8.742 –
transferências obrigatórias. Despesas com pessoal do ente recebedor. CRAS e
CREAS. Previsão Legal. Constitucionalidade do Projeto.
h) Lei n.º 12.435 de 06 de julho de 2010 – altera a Lei 8.742 de 7 de dezembro de
1993;
i) Lei Municipal n.º 6.107 de 02 de junho de 2010 – regulamenta a contratação
temporária.
de 7 de dezembro de 1993.
Diante dessas informações, entendo que o processo seletivo simplificado para a
contratação temporária de diversos cargos, deflagrado pelo Edital n.º 002/2010 – apesar de
pretender viabilizar a implantação imediata de CRAS e CREAS, permitindo que a
Administração Pública recebesse recursos federais especialmente destinados a esses serviços,
o que, de certo forma, propiciaria à população usuária o exercício de diversos direitos sócio
-assistenciais de forma imediata – encontra-se maculado, pois a contratação de assistentes
sociais, terapeutas ocupacionais, advogados, educadores sociais e arte-educadores para
desenvolver “ações sócio assistenciais continuadas de proteção básica e especial do SUAS”
não se encaixa na hipótese constitucional que admite o recrutamento de servidores
temporários, dispensando o concurso público (art. 37, IX, da CF/88).
Refletindo sobre o tema, José dos Santos Carvalho Filho assevera:
“Por fim, tem-se admitido que o concurso público também é inexigível para o
recrutamento de servidores temporários. Aqui a dispensa se baseia em razões
lógicas, sobretudo as que levam em conta a determinabilidade do prazo de
contratação, a temporariedade da carência e a excepcionalidade da situação de
interesse público, pressupostos, aliás, expressos no art. 37, IX, da CF.”4
Segundo o consagrado administrativista, a Constituição Federal só admite a
contratação temporária em excepcionais situações de interesse público. Mas o que é isso?
Pondera a doutrina que só através da análise do caso concreto será possível se
vislumbrar se há ou não necessidade temporária de excepcional interesse público a demandar
4 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2010. Pág. 685
11
contratação temporária de pessoal, porém, eventual recrutamento para suprir tal necessidade
obrigatoriamente deve ocorrer apenas em casos realmente excepcionais, em que eventual
demora na contratação cause danos ao interesse público ou, mais especificamente, ao
princípio da continuidade do serviço público.
Por outro lado, é preciso ressaltar que a necessidade excepcional e urgente de
contratação temporária não pode ter sido ocasionada por conduta omissiva do administrador
público que, deixando de se planejar, não deflagrou o concurso para seleção dos mais aptos no
tempo oportuno, atendendo às necessidades de contratação de pessoal e observando a
disponibilidade financeira do ente administrativo municipal.
Ora, a ação sócio assistencial não pode ser entendida como excepcional
situação de interesse público. Em verdade, a assistência social é atividade administrativa
permanente do Estado, prevista inclusive na Constituição Cidadã em seus arts. 203 e 204,
razão pela qual se impõe a anulação do processo seletivo simplificado para a contratação
temporária de pessoal regido pelo Edital n.º 002/2010, uma vez que este objetivava atender à
necessidade de contratação de pessoal para desenvolver atividades sócio assistenciais
continuadas de proteção social básica e especial, que já deveriam ser previstas pela
Administração Pública municipal de Natal, situação que inclusive poderia ter sido resolvida
através da nomeação de candidatos já aprovados no concurso instaurado pelo Edital n.º
001/2006-SEMAD que, à época, ainda estava dentro do prazo de validade.
Destarte, com a abertura do irregular processo seletivo de recrutamento de
temporários realizado com publicação do Edital do processo seletivo simplificado em 16 de
abril de 2010, constata-se a existência incontroversa de necessidade da Administração
Municipal de preencher as vagas existentes, o que é corroborado pelo Ofício 3155/2011 que
solicita a criação de mais cargos públicos (ver fls. 326/333 do IC).
Assim, em vista da preterição ocasionada pela contratação dos temporários,
cujas vagas estão previstas no Edital n.º 002/2010 (panorama do concurso explícito em
quadro elaborado acima), tem-se que a mera expectativa de direito dos candidatos aprovados,
classificados fora do número de vagas, mas no quantitativo de cargos elencados no processo
seletivo para contratação precária, transmuda-se em direito subjetivo à nomeação, pois a
necessidade do preenchimento dos cargos foi declarada pela Administração Pública
Municipal quando ainda estava em validade o concurso público inaugurado pelo Edital n.º 12
001/2006-SEMAD (conforme documentos juntados este concurso era válido até o dia 01 de
novembro de 2010 para os cargos de Nível Elementar e Nível Médio, e 13 de novembro
de 2010 para os cargos de Nível Superior).
Em razão dessas informações, esta Promotoria de Justiça ajuíza a presente ação
civil pública para buscar a nomeação dos candidatos aprovados no concurso público regido
pelo Edital n.º 001/2006-SEMAD, no quantitativo de cargos e vagas previstas pelo Edital n.º
002/2010, que foram preteridos pela contratação dos temporários já efetivada ou em vias de
efetivação. Busca-se, ainda, a anulação de todo o procedimento seletivo deflagrado pelo
Edital n.º 002/2010, bem como das contratações dele derivadas, pois, cotejando a natureza das
funções prestadas, percebe-se claramente que não se trata de exercício de cargo ou função que
se encaixe no permissivo constitucional que autoriza a excepcional contratação temporária,
afastando o princípio constitucional de acesso aos cargos por meio de concurso público.
II - DIREITOS COLETIVOS. ARTIGO 1º E 5º DA LEI FEDERAL Nº
7.347/85. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E
INFRACONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. POSSIBILIDADE
DE CUMULAÇÃO DE INTERESSES DIFUSOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
COM RELEVÂNCIA SOCIAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA
AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA QUE BUSQUE A PROTEÇÃO DE TAIS
INTERESSES OU DIREITOS.
Em primeiro lugar, cumpre distinguir precisamente os interesses meta
individuais em suas subespécies e demonstrar como as atenções se voltaram para a sua tutela.
Na doutrina pátria, Ada Pellegrini Grinover5, antes mesmo da definição legal
advinda com o Código de Defesa do Consumidor, já reconhecia nos interesses difusos o
caráter de indeterminabilidade dos sujeitos, que se encontram unidos não por um vínculo
jurídico, mas por circunstâncias fáticas comuns, como morar na mesma região, consumir o
mesmo produto e viver sob determinadas circunstâncias sócio-econômicas.
5 As garantias constitucionais do processo nas ações coletivas. Revista de Processo. São Paulo: n. 43, p. 21-30, jul-set de 1986. p. 22.
13
Do ponto de vista objetivo, enfatiza a autora que este será sempre indivisível,
na medida em que “a satisfação de um dos titulares importaria necessariamente na
satisfação de todo o grupo, ao mesmo tempo em que a lesão de um deles significaria
contemporaneamente ofensa a todos os membros da coletividade”6.
No tocante aos interesses coletivos em sentido estrito, estes abarcam os
interesses comuns a um número determinável de pessoas, que estão envolvidas entre si ou
com a parte contrária através de uma relação jurídica base. Convém lembrar que a
determinabilidade dos sujeitos não se confunde com o objeto do interesse, razão pela qual não
se pode olvidar da indivisibilidade do objeto nos interesses coletivos. Este é o ponto de
contato entre os interesses difusos e coletivos.
Por fim, os interesses individuais homogêneos, os quais albergam interesses
individuais divisíveis e disponíveis, cuja defesa é realizada de forma coletiva. É justamente a
homogeneidade e a origem comum que autorizam o tratamento coletivo dos interesses
individuais. Nesse caso, os titulares são determináveis, havendo aqui um ponto de ligação
entre os interesses coletivos e individuais homogêneos, mas seu objeto é, ao contrário dos
demais, divisível.
A Constituição Federal de 1988 faz alusão aos interesses difusos e coletivos,
todavia foi o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 81, que trouxe a previsão expressa
dos interesses acima elucidados, ao dispor, no inciso I, que são interesses difusos os
transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstâncias de fato. No inciso II, estabelece que os interesses coletivos são
aqueles também de natureza indivisível cujos titulares correspondem a grupo, categoria ou
classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. E, no
inciso III, determina que os direitos ou interesses individuais homogêneos são os decorrentes
de origem comum.
Ora, como já dito, seguindo o movimento voltado para a superação dos
obstáculos que se opunham à tutela jurisdicional coletiva, a Constituição Federal de 1988
trouxe disposições tendentes a concretizar a proteção dos interesses meta-individuais.
6 Idem. p. 22.
14
Foi nesse contexto que a Carta Magna ratificou a legitimidade do Ministério
Público para o ajuizamento da ação civil pública, reconhecendo sua relevância no cenário
jurídico nacional como instituição que tem por finalidade agir em nome da justiça7.
A Constituição Federal, no art. 127, estabelece que o Ministério Público é
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Além disso, seu art. 129, ao tratar das funções institucionais do Ministério Público, dispõe no
inciso III, ser esta instituição parte legítima para promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos.
Essa mesma atribuição é consagrada no inciso IV, do art. 25, da Lei nº
8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), ao impor a incumbência de
promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção, prevenção e reparação dos
danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico,
estético, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais
indisponíveis e homogêneos.
Por fim, a Lei Federal n.º 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil
Pública), por sua vez, recepcionada pela Lex Mater de 1988, também confere ao Parquet a
legitimidade para a proposição da ação civil pública de responsabilidade por danos causados
ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, e por infração da ordem
econômica e da economia popular.
Corroborando os argumentos acima expendidos, trazemos a lume posição
jurisprudencial, nestes termos:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONCURSO PÚBLICO - LEGITIMIDADE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A SUA PROPOSITURA - IMPUGNAÇÃO DE
EDITAL - ESTABILIDADE CONSTITUCIONAL - POSSIBILIDADE DE
CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO COMO TÍTULO DO CANDIDATO -
NÃO EXTENSÃO DA MESMA FACULDADE AOS CRITÉRIOS DE
ESCOLARIDADE E RESIDÊNCIA. Tem o Parquet legitimidade para ajuizar
ação civil pública, que não tenha por objetivo a defesa de direitos subjetivos de
7 Acerca da importância da atuação do Ministério Público e sua busca de realizar a justiça, ver: Antônio Cláudio da Costa Machado. A intervenção do Ministério Público no Processo Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 24-25.
15
candidatos, mas, sim, o de buscar a observância dos princípios da isonomia e da
razoabilidade, consagrados pela Constituição Federal de 1988. A Promotoria
age, assim, não em defesa dos concursados prejudicados pelo sistema de
pontuação adotado, mas em prol da salvaguarda do patrimônio público
municipal e em nome de toda a comunidade, ou de qualquer pessoa que possa
inscrever-se no certame, visto que eventual ilegalidade afeta não apenas um
grupo de candidatos, mas interesses mais amplos e difusos. (...)”8.
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. LE-
SÃO À MORALIDADE PÚBLICA.
1. O Ministério público, por força do art. 129, III, da CF/88, é legitimado a promo-
ver qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social, não se limitan-
do à ação de reparação de danos. Destarte, nas hipóteses em que não atua na condi-
ção de autor, deve intervir como custos legis (LACP, art. 5º, § 1º; CDC, art. 92;
ECA, art. 202 e LAP, art. 9º).
2. A carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da
administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis
judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos
interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de interesses difusos re-
ferentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a
Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concor-
rentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.
3. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer deman-
da que vise à defesa do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e da-
nos) ou imaterial (lesão à moralidade).
4. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os ins-
trumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministé-
rio Público para o manejo dos mesmos.
5. A lógica jurídica sugere que legitimar-se o Ministério Público como o mais per -
feito órgão intermediário entre o Estado e a sociedade para todas as demandas tran-
sindividuais e interditar-lhe a iniciativa da Ação Popular, revela contraditio in ter-
minis.
6. Interpretação histórica justifica a posição do MP como legitimado subsidiário do
autor na Ação Popular quando desistente o cidadão, porquanto à época de sua edi-
ção, valorizava-se o parquet como guardião da lei, entrevendo-se conflitante a posi-
ção de parte e de custos legis.
7. Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legiti-
mação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam
8 Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Processo n.º 1.000.00.346967-3. Rel. Des. Wander Marotta. Data do acórdão: 23/09/2003. Data de publicação: 07/11/2003. Destaques acrescidos.
16
do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o Mandado de Segurança cole-
tivo.
8. Os interesses mencionados na LACP acaso se encontrem sob iminência de lesão
por ato abusivo da autoridade podem ser tutelados pelo mandamus coletivo.
9. No mesmo sentido, se a lesividade ou a ilegalidade do ato administrativo atin-
gem o interesse difuso, passível é a propositura da Ação Civil Pública fazendo
as vezes de uma Ação Popular multilegitimária.
10. As modernas leis de tutela dos interesses difusos completam a definição dos in-
teresses que protegem. Assim é que a LACP define o patrimônio e a LACP dilar-
gou-o, abarcando áreas antes deixadas ao desabrigo, como o patrimônio histórico,
estético, moral, etc.
11. A moralidade administrativa e seus desvios, com conseqüências patrimo-
niais para o erário público enquadram-se na categoria dos interesses difusos,
habilitando o Ministério Público a demandar em juízo acerca dos mesmos.
12. Recurso especial desprovido”9.
Em sendo assim, verifica-se que a causa aqui ventilada trata da necessidade da
Administração Pública, em observância aos princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade, eficiência, obedecer ao princípio constitucional que dá acesso aos cargos públicos
por meio do concurso público e nomear os candidatos aprovados no certame regido pelo
Edital n.º 001/2006-SEMAD que, conforme razões aduzidas no primeiro capítulo desta
petição, foram preteridos pela contratação temporária, efetivada ou em vias de se efetivar,
decorrente da seleção simplificada deflagrada pelo Edital n.º 002/2010, o que constitui ato
irregular de burla ao concurso público.
A uma análise perfunctória pode parecer que o direito envolvido em litígio é de
natureza individual, todavia não é isso o que acontece.
O concurso público – erigido ao patamar de princípio constitucional pelo
inciso II, do art. 37, da CF/88 – é o mais idôneo meio de recrutamento de servidores públicos
e consiste em um “procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e
selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas”10.
Assim, através da realização de uma seleção impessoal entre os candidatos
inscritos, pautada em critérios objetivos, o concurso público destina-se à boa administração e
à preservação do princípio democrático e republicano.9 STJ. RESP 427140/RO. Rel. Min. José Delgado. Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux. Data da decisão:
20/05/2003. DJ: 25/08/2003. Pág. 00263. Destaques acrescidos.10 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 29ª ed. Rio de Janeiro: Lumen
Iuris, 2010. Pág. 679)
17
Todavia, quando o Administrador Público, em virtude do erro ou até mesmo de
razões escusas, burla o princípio do concurso público através da contratação irregular de
servidores temporários, como no caso ora retratado, resta ferido não só o direito singular do
candidato inscrito no certame, mas o direito de toda a sociedade em ver recrutados de forma
impessoal e objetiva os candidatos mais aptos a integrar os quadros da Administração,
preservado-se com isso os princípios democrático e republicano, bem como os princípios
administrativos específicos da impessoalidade, da moralidade, da legalidade e da eficiência,
aplicados no âmbito do Direito Administrativo. Vejamos.
O princípio da impessoalidade deixa de ser atendido quando a Administração
Pública privilegia determinadas pessoas ao contratá-las precariamente através de processo
seletivo simplificado, em detrimento dos candidatos já aprovados em concurso público regular
e ainda válido, que ainda não tiveram sua nomeação efetivada, o que caracteriza preterição e
transmuda expectativa de direito em direito subjetivo à nomeação.
Outrossim, o princípio da moralidade, norteador de toda a atividade
administrativa, encontra-se amplamente lesionado, uma vez que não encontra amparo moral a
atitude dos administradores de não convocar os aprovados, e ainda assim possibilitar a
contratação temporária e precária de outrem para o exercício de função que não possui
natureza sazonal, preterindo os candidatos que realmente deveriam ser chamados para integrar
os quadros da Administração Pública, pois, constatou-se, que são mais aptos a tal mister.
Fere-se também a legalidade porque a contratação temporária ultimada pela
administração, apesar de supostamente amparada por lei municipal que a possibilitou, não se
encaixa na hipótese prevista pela Constituição Federal que só a admite em situações de
excepcional interesse público. Portanto, fere-se até mesmo a supralegalidade, fere-se a
Constituição.
Por outro lado, a eficiência do serviço público fica comprometida, pois
presumivelmente são mais aptos ao desempenho da função administrativa os candidatos
aprovados em concurso público selecionados após realização de concorrência pública
impessoal e mais rigorosa.
Também merece nota, a importância que os referidos cargos possuem para a
melhora da prestação do serviço público de assistência social, de tamanha relevância para a
população de Natal.
18
A prestação do serviço de assistência social – que encontra proteção e
diretrizes traçadas pela Constituição de 1988 (arts. 203 e 204) – não se compatibiliza com o
instituto da contratação temporária, pois deve ser permanente, ininterrupta, sob pena de
prejudicar os hipossuficientes usuários do sistema.
Conclui-se, então, que a lide aqui apresentada reflete uma atuação do
Administrador Público Municipal que, notadamente, atenta contra a moralidade administrativa
e diversos princípios constitucionais e infraconstitucionais, o que constitui direito difuso cuja
proteção pode e deve ser buscada pelo Ministério Público através da presente ação civil
pública, pois legitimado para a causa.
Trata-se, por um lado, de interesses difusos, sim. Entendidos estes como os
transindividuais (que ultrapassam a individualidade de uma única pessoa), de natureza
indivisível (demandam uma solução para a coletividade), de sujeitos indeterminados (tamanho
é o seu alcance, sendo impossível identificar todos aqueles que estão sendo lesados ou estão
na iminência de serem) e onde está ausente uma relação jurídica entre tais sujeitos, pois os
benefícios com a regularização da situação, anulando o processo seletivo para contratação
temporária e determinando a nomeação dos candidatos aprovados no concurso público
anterior, alcançarão a sociedade como um todo e não apenas os candidatos que conseguirão
sua vaga na Administração Pública, haja vista que, com isso, será preservada a moralidade
administrativa e garantido o recrutamento adequado dos candidatos mais qualificados para
integrar os quadros do ente público, executando um serviço público de assistência social de
qualidade em favor de toda a coletividade.
Examinando-se a questão por outro ângulo, tem-se que o Ministério Público,
ao ingressar com a presente ação, substitui os candidatos aprovados que, em razão da
preterição ocasionada pela contratação temporária decorrente do famigerado processo seletivo
deflagrado pelo Edital n.º 002/2010, encontram-se impossibilitados de ver efetivada sua
nomeação para o tão almejado cargo público.
Diante deste raciocínio, estamos em face de interesses individuais homogêneos
com grande expressão coletiva, isto é, "direitos cujo respeito seja de grande relevo para a
coletividade globalmente considerada"11.
11 Nos dizeres de Rosana Grinberg, no artigo “O Judiciário e a Ação Civil Pública”, publicado na Revista Direito do Consumidor, nº 27, p. 51.
19
É a relevância social desses direitos difusos e/ou individuais homogêneos que
está a demandar a tutela do Ministério Público, vez que a população desta Capital será
beneficiada com a nomeação dos candidatos mais capacitados, selecionados por concurso
público regular que promoveu ampla concorrência entre os inscritos, pautando-se na rigorosa
observância de critérios objetivos.
No tocante à legitimidade do Ministério Público na defesa de direitos
individuais homogêneos, cumpre esclarecer que essa matéria já resta assente em nossa
jurisprudência12, consoante se pode aferir dos julgados colacionados abaixo, mormente
quando se trate de candidatos hipossuficientes diante do princípio da ampla acessibilidade aos
cargos públicos:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL. CONCURSO PÚBLICO. ESCOLA PREPARATÓRIA DE CADETES
DO EXÉRCITO. TAXA DE INSCRIÇÃO. ISENÇÃO. HIPOSSUFICIÊNCIA.
COMPROVADA. POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
1. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a cobrança de
taxa de inscrição ao concurso público para admissão à Escola Preparatória de
Cadetes do Exército (EsPCEx) pelos candidatos comprovadamente hipossuficientes.
2. Ao Ministério Público se confere o dever de salvaguarda, não apenas dos direitos
ditos indisponíveis, mas também dos interesses socialmente relevantes,
independentemente da indisponibilidade que os grave ou não, ou seja, das
pretensões que se reconheçam com repercussão ou reflexão na coletividade
considerada em conjunto, para cujo mister entre outros remédios processuais se
insere a ação civil pública. 3. Não é de se olvidar que dentre as funções
institucionais do Ministério Público da União, se inclui o zelo pelo efetivo respeito
dos Poderes Públicos da União, a observância dos princípios da isonomia, da
legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade e a defesa dos
interesses da juventude. 4. O caput do art. 5º e o art. 37, I, II, da Constituição,
garantem a todos os que preencham os requisitos legais a igualdade na assunção de
funções públicas ou ingresso em cursos preparatórios de carreiras públicas, através
de concursos. Esses três dispositivos revelam, ainda, que o concurso público visa a
12 O STJ já admitiu que o Ministério Público interpusesse recurso com relação à matéria em comento, senão vejamos a seguinte ementa: “DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROFESSOR DA REDE DE ENSINO DO DISTRITO FEDERAL. NOMEAÇÃO. CANDIDATO CLASSIFICADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTO NO EDITAL. RECURSO PROVIDO. 1. O candidato aprovado dentro do número de vagas previsto no edital possui direito subjetivo à nomeação para o cargo que concorreu. Precedentes do STJ. 2. Hipótese em que o impetrante foi aprovado dentro das vagas previstas no concurso público para cargo de professor de História, Regional Gama, turno diurno, da rede de ensino do Distrito Federal. 3. Recurso ordinário provido” (RMS 27.508/DF, rel. Min. ARNALDO ESTAVES LIMA, 5ª Turma, DJE 18/05/2009).
20
selecionar os servidores ou alunos, em razão de apenas um critério - o mérito
científico, aferível em provas de conhecimento. Ou seja, será considerado aprovado
no concurso quem se demonstrar objetivamente melhor preparado, não indicando,
portanto, como pressuposto da seleção, a situação econômica do candidato. 5.
Depreende-se dos mencionados dispositivos constitucionais que aqueles que não
dispõem de dinheiro para pagar suas inscrições no concurso estão,
constitucionalmente, isentos de fazê-lo, para se submeter aos exames públicos. Caso
contrário, estar-se-ia a tolerar o emprego de critério diverso da aptidão para o cargo
como pressuposto da seleção, no caso, a situação econômica do interessado. 6. A
hipossuficiência do candidato a ser comprovada mediante declaração efetuada nos
termos da Lei nº 7.155/83. 7. No caso dos autos, observa-se, ainda, ilegalidade e
inconstitucionalidade maior no que tange à concessão de isenção a filhos menores
de ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial falecidos ou incapacitados em ação,
em conseqüência de sua participação efetiva em operações bélicas, em flagrante
violação ao princípio da isonomia constitucionalmente resguardado. 8. Preliminar de
ilegitimidade ativa do MPF rejeitada. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça. 9. Recurso de apelação e remessa oficial
improvidos.”13.
“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TAXA DE INSCRIÇÃO.
ISENÇÃO. CANDIDATO CARENTE. RELEVANTE INTERESSE SOCIAL.
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE.
1. A ação civil pública pode ser ajuizada para a defesa de interesses difusos ou
coletivos, ou ainda para a defesa de interesses individuais homogêneos, desde que se
refiram a direito do consumidor, a teor do artigo 81, do Código de Defesa do
Consumidor, ou quando relevante o interesse social. Inteligência do art. 127, da
Constituição da República.
2. No caso em comento, busca-se garantir, aos candidatos economicamente carentes,
a isenção da taxa de inscrição do concurso para provimento dos cargos de Analista
do Banco Central, regulado pelo Edital nº 1/2000 – A/BACEN, de 31 de janeiro de
2000, fixada em R$ 65,00 (sessenta e cinco reais).
3. A isenção de taxa de inscrição aos candidatos carentes é assegurada pelo princípio
do amplo acesso aos cargos públicos. Precedentes jurisprudenciais deste Tribunal.
4. Por ser o ato atacado (o Edital nº 1/2000, de 31 de janeiro de 2000) de exclusiva
lavra do Banco Central do Brasil, não há que se falar na citação da Fundação
Universidade de Brasília – Centro de Promoções de Eventos - FUB/CESPE, como
litisconsorte passivo necessário.
5. Por cuidar a demanda de ofensa a um interesse público, de relevância social - o
princípio constitucional ao amplo acesso aos cargos públicos -, não há que se falar na
violação da ordem pública.13 TRF 5.ª Região. Apelação Civel n.º 419487/CE. Órgão Julgador: Primeira Turma. Data da decisão:
30/08/2007.
21
6. Muito embora se afirme a constitucionalidade e a legalidade do art. 3º, do Decreto
nº 86.364/81, e do art. 11, da Lei nº 8.112/90, que alicerçaram a cobrança do valor da
inscrição em comento, cumpre ressaltar que a presente demanda intenta proteger o
princípio constitucional do amplo acesso aos cargos públicos, pelo qual, como a todo
princípio da Lei Maior, a legislação infraconstitucional deve se pautar.
7. Apelação e Remessa Oficial improvidas.”14.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. ISENÇÃO. TAXA DE
INSCRIÇÃO. CANDIDATOS HIPOSSUFICIENTES. PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DO AMPLO ACESSO AOS CARGOS, EMPREGOS E
FUNÇÕES PÚBLICAS.
A irreversibilidade dos efeitos da medida prevista no § 2º do art. 273 do CPC não se
pode erigir em impedimento inafastável ao deferimento de provimento antecipatório
em casos como o dos autos. O princípio da proporcionalidade deve inspirar a
prestação jurisdicional, de jeito que, na colisão de interesses, deve o julgador
precatar aquele de maior valor. Devido ao amplo acesso aos cargos e empregos
públicos, devem ser consideradas, no edital, as situações de candidatos
hipossuficientes, na medida em que a exigência irrestrita da taxa de inscrição a todos
os candidatos não é razoável, pois trata da mesma maneira os candidatos que não
possuem condições econômicas de arcar com os custos da inscrição.”15.
“E M E N T A: DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS - SEGURADOS DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL CERTIDÃO PARCIAL DE TEMPO DE SERVIÇO -
RECUSA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA - DIREITO DE PETIÇÃO E
DIREITO DE OBTENÇÃO DE CERTIDÃO EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS -
PRERROGATIVAS JURÍDICAS DE ÍNDOLE EMINENTEMENTE
CONSTITUCIONAL - EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL -
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
- A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO
"DEFENSOR DO POVO" (CF, ART, 129, II) - DOUTRINA - PRECEDENTES -
RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - O direito à certidão traduz prerrogativa
jurídica, de extração constitucional, destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou
de uma determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência
social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o esclarecimento de situações.
- A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os
pressupostos legitimadores dessa pretensão, autorizará a utilização de instrumentos
processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil
pública. - O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos
14 TRF 5.ª Região. Apelação Civel n.º 340461/CE. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data da decisão: 27/04/2006.
15 TRF 4.ª Região. Agravo de Instrumento n.º 200704000035203/RS. Órgão Julgador: Terceira Turma . Data da decisão: 03/07/2007.
22
direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante
natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de
certidão em repartições públicas. Doutrina. Precedentes.”16.
“EMENTA: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE
ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DANOS CAUSADOS AOS
TRABALHADORES NAS MINAS DE "MORRO VELHO". INTERESSE SOCIAL
RELEVANTE. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
1. O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação civil publica em
defesa de direitos individuais homogêneos, desde que esteja configurado interesse
social relevante.
2. A situação dos trabalhadores submetidos a condições insalubres, acarretando
danos à saúde, configura direito individual homogêneo revestido de interesse social
relevante a justificar o ajuizamento da ação civil pública pelo Ministério Público. 3.
Recurso Especial conhecido e provido.”17.
Por oportuno, colaciona-se aresto que admite também a legitimidade do
Ministério Público para ajuizar ação civil pública que vise anular concurso público ou até
mesmo processo seletivo para contratação temporária que atente contra os princípios da
legalidade, impessoalidade e moralidade, que guarda enorme similitude fática e jurídica com
o caso dos presentes autos:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO.
LEGITIMIDADE. INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS. CONCURSO
PÚBLICO. 1. A legitimação do Ministério Público para propositura da ação
civil pública está na dependência de que haja interesses transindividuais a
serem defendidos, sejam eles coletivos, difusos ou, ainda, os tidos por direitos
ou interesses individuais homogêneos tratados coletivamente. 2. Em se tratando
de concurso público cuja realização, em tese, fugiu aos princípios da legalidade,
impessoalidade (acessibilidade) e moralidade, ocorre o interesse do Ministério
Público na propositura de ação civil pública tendente a decretar a nulidade do
certame. 3. Propugnando-se, na ação civil pública, a anulação de concurso público
ante a inobservância de princípios atinentes à administração pública, o interesse em
tutela é metaindividual difuso. Em sentido inverso, houvesse a intenção de
assegurar eventuais direitos dos candidatos inscritos no certame, presente estariam
interesses individuais homogêneos. 4. Recurso especial conhecido e provido.”18. 16 STF. Agravo regimental em recurso extraordinário nº 472489 AgR/RS. Órgão Julgador: Segunda Turma.
Rel. Ministro Celso de Mello. Dj. 29.04.2008. Grifos acrescidos.17 STJ. REsp 58682/MG. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Órgão Julgador: 3ª Turma. Unanimidade.
DJ 16/12/1996. Pág. 50864. Destaques acrescidos.18 STJ. REsp 191751 / MG. Relator(a) Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Órgão Julgador: Segunda
Turma. Data do Julgamento: 05/04/2005. Data da Publicação/Fonte: DJ 06/06/2005. Pág. 240. Destaques
23
III - DO DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. DA PREVISÃO DE
VAGAS NO EDITAL. DA REALIZAÇÃO DO REFERIDO SERVIÇO PÚBLICO POR
TERCEIROS OCUPANTES DE CARGOS PRECÁRIOS CONTRATADOS
TEMPORARIAMENTE DE FORMA IRREGULAR OU POR COMISSIONADOS OU
OUTROS EM DESVIO DE FUNÇÃO.
Como é sabido, ao prever um determinado número de vagas no edital que rege
o concurso público, a Administração Pública fica, de regra, vinculada a tal estipulação e,
assim, obrigada a convocar os candidatos aprovados dentro desse limite, no prazo de validade
do certame, restando aos demais candidatos aprovados uma mera expectativa de direito.
Contudo, até mesmo os candidatos que são aprovados em classificação
posterior ao número de vagas contidas no edital, podem ter sua mera expectativa de direito
transformada em direito subjetivo, caso surjam novas vagas, seja através da criação de novos
cargos ou do não comparecimento dos convocados.
Ao elaborar um edital que regulará determinado concurso, a Administração
Pública possui o poder discricionário para estabelecer todas as regras. No entanto, uma vez
publicado o edital, todas as suas normas devem ser cumpridas regulamente, sob pena de se
ferir o princípio da legalidade e moralidade administrativa.
No tocante ao concurso em comento, o Edital nº 001/2006 - SEMAD, de 20 de
julho de 2006 – com as posteriores alterações e complementações realizadas pelos Editais n.º
002/2006-SEMAD e 003/2006-SEMAD – previu a existência de diversos cargos elencados no
quadro exposto no primeiro capítulo deste petitório, nos quantitativos também indicados.
Todavia, considerando os fatos apurados no IC n.º 002/2011 (cuja cópia segue
anexa a esta petição) destacados naquele capítulo, as autoridades oficiadas informaram que
foram convocados todos os aprovados dentro do número de vagas, todavia não juntaram aos
autos documentos que comprovem inequivocamente tal fato, de forma que não se pode
precisar quantos foram os candidatos nomeados (não foram indicados os instrumentos de
nomeação e posse) e quantos ainda estão em exercício, informação que deverá ser colhida
pelo juízo, dirimindo as dúvidas existentes.
acrescidos.
24
Outrossim, não se pode deixar de dar relevo ao fato de que o serviço que
deveria ser prestado pelos aprovados está sendo realizado por pessoas contratadas
precariamente através do processo seletivo de contratação de temporários, ou até mesmo por
servidores ocupantes de cargos comissionados ou em desvio de função.
Ora, é patente a ilegalidade do fato de um candidato aprovado em concurso
público regularmente realizado ser preterido em nome de um terceiro ocupante de cargo
comissionado, em desvio de função ou contrato irregular precário. Há diversas decisões dos
tribunais pátrios, inclusive do STF (além das abaixo transcritas, ver: RE 579.081/SC e RE
474.657/RN, Rel. Min. Cármen Lúcia; AI 454.882/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; RE
411.301/SC, Rel. Min. Cezar Peluso), tratando de situações semelhantes, senão vejamos:
“EMENTA: 1. Concurso público: terceirização da vaga: preterição de
candidatos aprovados: direito à nomeação: uma vez comprovada a existência
da vaga, sendo esta preenchida, ainda que precariamente, fica caracterizada a
preterição do candidato aprovado em concurso. 2. Recurso extraordinário: não se
presta para o reexame das provas e fatos em que se fundamentou o acórdão
recorrido: incidência da Súmula 279.” (STF. AI 440895 AgR/SE. Rel. Min.
Sepúlveda Pertence. Julg.: 26/09/2006. Órgão Julgador: Primeira Turma)
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRETERIÇÃO DE APROVADOS
PARA PROVIMENTO DE CARGO EFETIVO. RENOVAÇÃO DE CONTRATOS
TEMPORÁRIOS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. O Supremo Tribunal
Federal fixou entendimento no sentido de que, comprovada a necessidade de
contratação de pessoal, deve-se nomear os candidatos aprovados no certame em
vigor em detrimento da renovação de contrato temporário. Agravo regimental a que
se nega provimento” (STF. AI 684518 AgR/SP, Rel. Min. Eros Grau).
“Recurso extraordinário. Administrativo. Concurso Público. 2. Acórdão que negou
provimento à apelação, assentando a inexistência de direito subjetivo à nomeação de
candidatos aprovados em concurso para provimento de cargo de Professor
Assistente. 3. Criação de dois cargos de Professor Assistente no Departamento de
Filosofia e Teoria Geral do Direito, quando se encontrava em pleno curso o tempo
de eficácia do concurso público. Ocorrência de contratação de professores e
renovação de contrato. 4. Precedente da Turma no RE 192.569-PI, em que se
assegurou a nomeação de concursados, eis que existentes vagas e necessidade de
pessoal. 5. Constituição, art. 37, IV. Prequestionamento verificado. 6. Recurso
25
extraordinário conhecido e provido” (STF. RE 273.605/SP, Rel. Min. Néri da
Silveira, Segunda Turma).
“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO.
OFICIAL DE JUSTIÇA. PRETERIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA. DIREITO
LÍQUIDO E CERTO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA.
IMPOSSIBILIDADE.
I - A aprovação em concurso público gera mera expectativa de direito à nomeação
competindo à Administração, dentro de seu poder discricionário, nomear os
candidatos aprovados de acordo com a sua conveniência e oportunidade. II -
Entretanto, a mera expectativa se convola em direito de fato a partir do
momento em que, dentro do prazo de validade do concurso há contratação de
pessoal, de forma precária, para o preenchimento de vagas existentes, em
flagrante preterição àqueles que, aprovados em concurso ainda válido, estariam
aptos a ocupar o mesmo cargo ou função. III - No entanto, na via mandamental,
notadamente de cognição sumária, se não houver prova pré-constituída, não há como
acatar dilação probatória em mandado de segurança. Recurso desprovido.” (STJ.
RMS 19515/SP - 2005/0004721-0. Rel. Min. Felix Fischer. Quinta Turma. Julg.:
07/06/2005. pub. DJ 01.07.2005)
“OBRIGAÇÃO DE FAZER. Concurso público para o provimento de emprego de
técnico de nível médio, dos quadros de sociedade de economia mista. Classificação
em posição compatível com a reserva cadastral de vagas: candidato que, no curso do
prazo de validade do certame, exerce, como mão-de-obra terceirizada, a mesma
função do emprego para o qual fora aprovado. Evidência da necessidade do
provimento da vaga. Preterição do direito do habilitado, lesado pela contratação
oblíqua. Contrariedade às normas do art. 37, II, da Constituição da República.
Aplicação do verbete 15, da Súmula do STF, de acordo com a evolução
jurisprudencial, a impor o acolhimento do pedido de nomeação, porém com efeitos
pecuniários somente a partir desta, vinculada ao plano de cargos e salários da
empresa. Provimento parcial do recurso.” Excerto do voto do relator: “Basta que se
releia, com os olhos da principiologia constitucional, o verbete 15, da Súmula do
Supremo Tribunal Federal, para estender a sua incidência segundo os novos
paradigmas (“Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado
tem direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da
classificação”). Vale dizer que o candidato aprovado tem a expectativa de vir a
ser nomeado se e enquanto houver vaga no cargo ou emprego público que se
colocou em disputa no concurso público, desde que observada a ordem de
classificação, expectativa essa que se frustra se se contrata precariamente.
Outra coisa não é a intermediação de mão-de-obra, efetivada
independentemente de concurso.” (TJ/RJ. Segunda Câmara Cível. Apelação n.º
2009.001.27097. Relator: Des. Jessé Torres. Julg.: 03/06/2009.)”
26
Além disso, os concursos públicos se destinam a selecionar, de forma
impessoal, aqueles que se encontram mais aptos a prestar determinado serviço, seja através da
realização somente de provas ou de provas e títulos, consoante prevê o inciso II, do artigo 37,
de nossa Constituição Federal.
Feitas estas considerações, concluo que todos os candidatos aprovados dentro
do número de vagas previsto no Edital n.º 001/2006 (com posteriores alterações) deverão ser
nomeados, assim como os candidatos que se encontrem em posição subsequente a estas vagas,
no quantitativo de cargos e vagas previstos pelo Edital n.º 002/2010, pois, apesar deste
instrumento normativo objetivar preenchimento de claros de forma temporária e precária,
entendo que resta materializada a necessidade de provimento dos cargos, uma vez que a
Administração inequivocamente demonstra essa precisão.
No que atine ao direito subjetivo dos candidatos aprovados dentro do número
de vagas, já há algum tempo jurisprudência vem entendendo dessa forma, conforme se pode
aduzir dos julgados abaixo transcritos:
“EMENTA: DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
NOMEAÇÃO DE APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO. EXISTÊNCIA DE
VAGAS PARA CARGO PÚBLICO COM LISTA DE APROVADOS EM
CONCURSO VIGENTE: DIREITO ADQUIRIDO E EXPECTATIVA DE
DIREITO. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. RECUSA DA
ADMINISTRAÇÃO EM PROVER CARGOS VAGOS: NECESSIDADE DE
MOTIVAÇÃO. ARTIGOS 37, INCISOS II E IV, DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA
PROVIMENTO. 1. Os candidatos aprovados em concurso público têm direito
subjetivo à nomeação para a posse que vier a ser dada nos cargos vagos existentes ou
nos que vierem a vagar no prazo de validade do concurso. 2. A recusa da
Administração Pública em prover cargos vagos quando existentes candidatos
aprovados em concurso público deve ser motivada, e esta motivação é suscetível de
apreciação pelo Poder Judiciário. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega
provimento.”19.
“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
CONCURSO PÚBLICO: CADASTRO DE RESERVA. CANDIDATO
APROVADO: DIREITO À NOMEAÇÃO. ATO OMISSIVO. VALIDADE DO
CONCURSO. PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL. 1. Candidatos
19 STF. RE 227480/RJ. Primeira Turma. Rel. Ministro Menezes Direito. Dj. 16.09.2008.
27
aprovados em concurso público e classificados além do número de vagas
originalmente previsto no edital de convocação. Inclusão no cadastro de reserva
destinado ao preenchimento de cargos que viessem a ficar vagos no prazo de sua
validade. Conseqüência: direito subjetivo à nomeação, durante o lapso assinalado no
respectivo edital, caso se verifiquem as condições legais veiculadas para o ato. 2. Ato
omissivo consistente na não-nomeação de candidatos aprovados em concurso
público. Alegação insubsistente, dado que não se pode reputar omisso o
administrador que, em razão do término da eficácia jurídica do concurso, não mais
detém autorização legal para a efetivação do ato requerido. 3. Mandado de Segurança
impetrado após decorridos cento e vinte dias do ato omisso reputado ilegal.
Decadência (Lei 1533/51, artigo 18). Recurso ordinário em mandado de segurança
não provido.”20.
“EMENTA: - RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO.
CONCURSO PÚBLICO. 2. Acórdão que negou provimento à apelação, assentando a
inexistência de direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados em concurso
para provimento de cargo de Professor Assistente. 3. Criação de dois cargos de
Professor Assistente no Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito, quando
se encontrava em pleno curso o tempo de eficácia do concurso público. Ocorrência
de contratação de professores e renovação de contrato. 4. Precedente da Turma no
RE 192.569-PI, em que se assegurou a nomeação de concursados, eis que existentes
vagas e necessidade de pessoal. 5. Constituição, art. 37, IV. Prequestionamento
verificado. 6. Recurso extraordinário conhecido e provido.”21.
Nesse sentido, também tem se posicionado o Tribunal de Justiça do Estado Rio
Grande do Norte:
“EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE
SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROFESSOR DO ESTADO (PEB II).
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SECRETÁRIO ESTADUAL
DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE.
ACOLHIMENTO. MÉRITO. CANDIDATA APROVADA EM PRIMEIRO
LUGAR. EXISTÊNCIA DE VAGA OFERTADA PELO EDITAL. OMISSÃO DA
NOMEAÇÃO. VIOLAÇÃO DE DIREITO SUBJETIVO LÍQUIDO E CERTO.
PRECEDENTES DO TJRN. SEGURANÇA CONCEDIDA.”22.
20 STF. RMS 24119/DF. Segunda Turma. Rel. Ministro Maurício Corrêa. Dj. 30.04.2002.21 STF, RE 273605/SP. Segunda Turma. Rel. Ministro Neri da Silveira. Dj. 23.04.2002.22 TJ/RN. Mandado de Segurança com Liminar nº 2009.007721-1. Rel. Des. Vivaldo Pinheiro. Dj. 13.01.2010.
28
IV - DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA.
O legislador brasileiro, em 1994, mais precisamente através da Lei nº 8.952, de
13.12.94, inovou ao criar, no Código de Processo Civil, a possibilidade de antecipação da
tutela jurisdicional quando, existindo prova inequívoca, se convença o juiz da verossimilhança
da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, nos exatos
termos do artigo 273 do diploma processual civil, in verbis:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo
prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu”
Tal previsão normativa, como outras reformas no bojo do processo civil
brasileiro, como a introdução da sentença mandamental e executiva lato sensu (art. 461 e 461-
A do CPC) e a previsão do direito fundamental à razoável duração do processo23 e aos meios
que o tornem efetivo, objetivou quebrar o paradigma do “procedimento ordinário” até então
vigente, em virtude do qual autor, independentemente da situação de direito material posta
nos autos, deveria esperar todo o desenrolar do procedimento ordinário, até o trânsito em
julgado da sentença ou do acórdão de mérito, para ter direito a uma resposta jurisdicional ao
seu pedido, resposta essa que se limitava às sentenças declaratória, constitutiva ou
condenatória, muitas vezes inaptas para tutelar com efetividade o direito alegado na petição
inicial.
A partir da situação mencionada, percebeu-se que o tempo do processo era um
ônus criado pelo próprio Estado em virtude da proibição, por ele estabelecida (art. 345 do
Código Penal), da vingança privada por parte do cidadão como forma de proteção e
realização de seu direito. E já que o próprio Estado exigia que o autor sempre fizesse prova
do seu direito antes de obter alguma resposta jurisdicional, impondo ao mesmo que
aguardasse todo o desenrolar processual, que poderia chegar a décadas, não se demorou muito
23 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
29
a concluir que, em determinados casos, quando o direito do autor fosse evidente ou em casos
em que a questão de direito material exigisse pronta resposta, sob pena de grave dano,
constituiria extrema injustiça submeter aquele que tivesse um direito com boa probabilidade
de acolhida a aguardar todo o processo para ser protegido, beneficiando-se, assim, o réu que
não tinha qualquer razão.
Daí a motivação do legislador ao instituir a técnica processual da antecipação
dos efeitos da tutela final pretendida. Referida técnica deve, portanto, ser entendida não sob
os olhos das garantias clássicas do procedimento ordinário e patrimonialista, em que todos os
direitos poderiam ser convertidos em pecúnia24, e, portanto, poderiam esperar até o trânsito
em julgado do feito para serem protegidos, mas sim segundo as lentes do direito fundamental
ao acesso à tutela jurisdicional efetiva, garantido no art. 5o, XXXV, da Constituição Federal,
que objetiva, entre outras coisas, dar a cada situação de direito material uma tutela específica
tão rápida quanto mais evidente ele for e quando maior o dano causado pela demora na sua
satisfação.
Neste sentido, preciosa a lição de Luiz Guilherme Marinoni25:
“A tutela antecipatória, agora expressamente prevista no Código de Processo Civil
(art. 273), é fruto da visão da doutrina processual moderníssima, que foi capaz de
enxergar o equívoco de um procedimento destituído de uma técnica de distribuição
do ônus do tempo do processo. A tutela antecipatória constitui instrumento da mais
alta importância para a efetividade do processo, não só porque abre oportunidade
para a realização urgente dos direitos em casos de fundado receio de dano
irreparável ou de difícil reparação mas também porque permite a antecipação da
realização dos direitos no caso de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito
protelatório do réu. Desta forma concretiza-se o princípio de que a demora do
processo não pode prejudicar o autor que tem razão e, mais do que isso, restaura-se
a idéia – que foi apagada pelo cientificismo de uma teoria distante do direito
material – de que o tempo do processo não pode ser um ônus suportado unicamente
pelo autor”.
No caso em exame, objetiva-se, por meio do instrumental da ação civil pública,
a proteção de direitos difusos de interesse de todos os membros da sociedade natalense (ver
preservada a moralidade administrativa e a observância dos princípios constitucionais 24 De se lembrar, aqui, o famoso art. 1.142 do Código Civil de Napoleão, no sentido de que toda obrigação de fazer ou de não fazer inadimplida resolve-se em perdas e danos, ou seja, em pecúnia. 25 A antecipação da tutela. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002,. Pág. 29.
30
democrático e republicano, bem como legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência,
todos desobedecidos com a instauração de um processo seletivo simplificado nulo para
contratação de temporários em situação na qual deveriam ser convocados pessoas para ocupar
em definitivo cargos públicos, ainda mais quando existiam candidatos aprovados em concurso
anterior que almejavam ser nomeados para os mesmos cargos que a Administração
contemporaneamente tentava contratar precariamente), ao lado de interesses individuais
homogêneos dos candidatos, uma vez que foram preteridos pela possibilidade de contratação
dos temporários.
Posto isto, revelada está a verossimilhança da alegação ministerial,
salientando-se que o deferimento deste pleito servirá para resguardar vários interesses e
princípios que se encontram lesionados com a postergação dessa convocação.
Por outro lado, o risco de dano irreparável ou difícil reparação decorre de que,
em se tratando de concurso público regular, a perpetuação da situação de preterição dos
candidatos provados onere desnecessariamente a Administração Pública Municipal, pois, em
tese, a expectativa de direito que possuíam à nomeação transmudou-se em direito subjetivo,
desde o momento em que foram substituídos pelas contratações temporárias irregulares , o
que pode gerar ônus financeiros desnecessários à municipalidade.
Todavia, caso não se entenda presente o periculun in mora necessário a
concessão da antecipação da tutela, observe-se que o provimento jurisdicional poderá ser
concedido initio litis também por restar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o
manifesto propósito protelatório do réu, pois o Parquet, quando da condução do inquérito
civil que serviu de base a propositura desta ação civil, oportunizou diversas vezes ao ente
público demandado que justificasse juridicamente o processo seletivo simplificado para
contratação temporária e a omissão quanto as nomeações dos candidatos aprovados no
certame regular e válido instaurado pelo Edital n.º 001/2006-SEMAD, o que não foi feito de
forma satisfatória até o momento, o que ensejou o ajuizamento desta causa.
Lembra-se, ainda, que a medida pretendida, por outro lado, não é irreversível,
podendo ser revista e tornada sem efeito as nomeações, eis que serão efetivadas em razão de
uma decisão liminar de natureza precária.
31
V – DOS PEDIDOS FINAIS.
Por todo o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL a
Vossa Excelência que:
a) intime o MUNICÍPIO DE NATAL/RN, antes da apreciação do pedido
liminar, para fins do disposto no artigo 2º, da Lei 8.437/92;
b) conceda a antecipação dos efeitos da tutela de mérito, para que se seja
determinado ao MUNICÍPIO DE NATAL/RN que, no prazo de 30 (trinta) dias, nomeie os
candidatos aprovados no concurso publico deflagrado pelo Edital n.º 001/2006-SEMAD no
número de cargos previstos pelo Edital n.º 002/2010-SEMTAS, uma vez que a previsão de
vagas neste último processo seletivo gerou a transmudação de uma expectativa de direito em
um direito subjetivo passível de ser exigido judicialmente, conforme narratiuva apresentada;
c) cite o demandado, para, querendo, apresentar resposta à presente demanda,
sob pena de ter declarada sua revelia;
d) julgue procedente esta ação, confirmando a liminar eventualmente deferida
para condenar, em obrigação de fazer, o MUNICÍPIO DE NATAL/RN a nomear os
candidatos considerados preteridos pela contratação temporária de pessoal para ocupar os
cargos previstos pelo Edital n.º 002/2010-SEMTAS, bem como declare nulo o Processo
Seletivo Simplificado para recrutamento de temporários regido pelo edital já mencionado,
determinando ainda à Administração Municipal que exonere imediatamente os servidores
contratados precariamente, bem como nomeie os candidatos aprovados no concurso de 2006
para ocupar os cargos previstos no Edital n.º 002/2010-SEMTAS, uma vez que resta
constatada a necessidade de preenchimento destes claros, sob pena de multa diária de R$
10.000,00 (dez mil reais);
e) junte aos autos cópia do Inquérito Civil n.º 002/2011-13ªPJ, protestando pela
produção de todas as provas admitidas em direito;
f) e, enfim, a condenação dos réus nas custas processuais.
32
Pretende-se provar o alegado através de todos os meios de prova em direito
admitidos, notadamente através de documentos, oitiva de testemunhas, bem como das demais
provas que no decorrer do processo se demonstrarem indispensáveis para elucidar as questões
debatidas.
Dá-se à causa o valor de R$1.000,00 (um mil reais) para efeitos fiscais.
Pede-se deferimento.
Natal/RN, 05 de outubro de 2011.
MOEMA DE ANDRADE PINHEIRO32ª Promotora de Justiça,
em substituição ao 13º Promotor de Justiça
33