*Universidade Anhembi Morumbi, SP. Mestranda do PPG em Hospitalidade: A Hospitalidade Simbólica Da Casa Das Rosas: O Acolhimento Pelas Palavras.
A Hospitalidade da Casa das Rosas sob o olhar dos contadores de histórias.
DINÁ VIVIANE DUARTE LOURENÇON
Este estudo consiste em apresentar a análise das características da hospitalidade
inseridas no ambiente da Casa das Rosas, localizada na Avenida Paulista da cidade de São
Paulo, compreendendo também seu aspecto patrimonial, e as sociabilidades envolvidas nesse
processo.
A priori retomou-se o contexto da inauguração da Avenida Paulista, seguida da
mudança do eixo da moradia da cidade pós crise de 1929.
O estudo da Casa das Rosas se justifica pelo seu tombamento como patrimônio
histórico, além do aproveitamento de seu antigo terreno para instalações modernas de
negócios, próprias desta avenida na atualidade.
Buscar-se, também, entender a oferta no que se refere aos domínios hospitalidade, em
sua dimensão aqui definida como museal apontado e compreendendo aos atos de recepcionar,
hospedar, alimentar e entreter os visitantes em um espaço público.
Identificar a Casa das Rosas, sua memória e o que a torna o que é, se fará pela análise
de contadores de histórias (storytelling), observando se essa ação pode ser um meio de as
palavras gerarem uma possibilidade de acolhimento, em um espaço público.
Além desse fato, o ambiente organizado e estruturado no local, contribuem para
minimizar possível desconforto de seus visitantes. Seus “jardins floridos” ajudam a formar
uma espécie de “cenário” de pertencimento ao frequentador.
Para tanto, optou-se nesse estudo pela abordagem qualitativa, realizando a pesquisa de
campo, com observações diretas e participantes, por meio de um diário de bordo, e roteiro de
entrevista semiestruturada, para a posteriori transcrições e análises.
A Avenida Paulista e a presença da Casa das Rosas como Patrimônio Histórico e
Cultural.
O Patrimônio pode ser classificado em Histórico, Cultural, Ambiental e Público. O
patrimônio histórico e cultural de um povo são todos aqueles bens materiais e imateriais
importantes para a sua cultura e história, formadores da memória nacional, e, portanto, de
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suma importância sua conservação, pois, assim, preservamos as características de uma
sociedade, garantindo a sobrevivência de sua identidade cultural.
Segundo o artigo 216.º da Constituição, o Patrimônio Cultural representa os bens: “(...)
de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira”. Exemplo disso, os materiais como: casas, praças, fazendas, igrejas e outros, e os
imateriais são esculturas, pinturas, doces, queijos, comidas e outros.
Ou seja, Patrimônio Cultural é o conjunto de todos os bens, manifestações populares,
cultos, tradições tanto materiais quanto imateriais, que reconhecidos de acordo com sua
ancestralidade, importância histórica e cultural de uma região adquirem um valor único e de
durabilidade representativa simbólica/material.
Acerca do DECRETO-LEI Nº 25, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1937, Capítulo I,
Artigo 1º, Artigo 180 da Constituição, que organiza a proteção do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, a referida norma estabelece que o Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional são o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação é de
interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por
seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
A saber, no CAPÍTULO II, DO TOMBAMENTO, Art. 4º O Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas as
obras a que se refere o art. 1º desta lei: Seguindo o CAPÍTULO III DOS EFEITOS DO
TOMBAMENTO, CAPÍTULO IV DO DIREITO DE PREFERÊNCIA e CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES GERAIS, Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1937, 116º da Independência e
49º da República. GETULIO VARGAS. Gustavo Capanema. (Este texto não substitui o
publicado no DOU de 6.12.1937). Segundo o portal do governo do Estado de São Paulo, “os
equipamentos do Estado que preservam bens de valor histórico, cultural, arquitetônico,
ambiental e até afetivo podem ser tombados.” O órgão responsável por esse processo de
tombamento aqui em são Paulo é o CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico). Formado por representantes de diversas
entidades, como: secretarias estaduais, entidades de classe e universidades, que se reúnem
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periodicamente para deliberar sobre os pedidos relativos ao patrimônio cultural do Estado de
São Paulo.
O processo de tombamento tem inicio com a solicitação do interessado, que por sua
vez deverá ser bem justificada e documentada. Após reunir documentos e justificativa, a
proposta é encaminhada ao corpo técnico, o qual dará um parecer sobre o assunto. Após o
processo ser analisado por um Conselheiro Relator e pelo Conselho, fica estabelecida a
abertura ou não do processo de estudo de tombamento. Sendo favorável, o objeto de
tombamento será submetido ao seu estudo, assegurando a preservação do bem até o final com
a decisão, sendo assim, notificado o dono. E por fim, a etapa de tombamento que acontece por
meio de uma resolução do Secretário da Cultura, publicada no Diário Oficial do Estado, para
que a posteriori, o bem seja inscrito no respectivo livro do tombo. Como um exemplo de
museu desta capital e objeto desta pesquisa, tem-se a Casa das Rosas: Espaço Haroldo de
Campos de Poesia e Literatura, que ocupa um dos últimos casarões remanescentes da época
de ouro do café.
Naquela época, a cidade de São Paulo “havia rompido as fronteiras da vila colonial”
(PROCESSO, p. 18), pois os lucros com as lavouras de café, a oeste, expandindo-se pelas
ferrovias criou-se o momento propício ligando os cafeicultores à cidade, tornando-se
burguesia emergente e pelo desejo de alguns paulistas de criar espaço habitável (boulevard)
longe dos movimentos centrais da época, tais como Praça da República, Higienópolis e
Campos Elísios, as quais já estavam habitadas e caras, foi criada entre outros projetos de ruas,
a avenida que antes fora pensada em Avenida das Acácias ou Prado de São Paulo e que no
ato da inauguração foi nomeada de Avenida Paulista em homenagem aos paulistas, por um
dos idealistas, o uruguaio de Montevidéu e diplomado na Alemanha em engenheiro agrônomo
Joaquim Eugênio de Lima e outro, Dr. Clementino de Souza e Castro (na época Presidente do
conselho de intendências da cidade de São Paulo, atual cargo de prefeito), que associando-se a
João Borges de Figueiredo e João Augusto Garcia, iniciaram a compra de glebas e terrenos no
espigão entre os rios Tietê e Pinheiros, no alto do Caaguaçu, hoje da Consolação ao Paraíso,
totalizando 3 Km. A escolha do alto do espigão se deu por causa do próprio relevo, mais
apropriado do que as várzeas do Tamanduateí, além das belezas naturais das matas virgens,
como atestou o naturalista alemão Adolf Usteri, no final do século. E além da já consagrada
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percepção turística em 1893 por A. de Almeida Prado, a Avenida Paulista já era assunto no
exterior, após 3 anos de inauguração. (PROCESSO 22104-82, p. 60)
A princípio, em 1890 haviam adquirido na rua Real Grandeza (depois Avenida
Paulista) dois terrenos de José Coelho Pamplona e de sua mulher Maria Vieira Paim
Pamplona e no mesmo ano mais dois lotes de Mariano Antonio Vieira e de sua mulher Maria
Izabel Paim Vieira. Depois adquiriram a Chácara Bela Cintra de Candido de Morais Bueno.
Toda a região local servia na época de passagem de boiadas a caminho do matadouro. O plano
da avenida foi elaborado pelo agrimensor Tarquinio Antonio Tarant e, como deveria ser
plana, exigiu o aterro do lugar, o vale na atual avenida 9 de julho. No final da década de 20, a
intenção de alterar o nome da Avenida Paulista para Avenida Carlos de Campos,
homenageando o ex-presidente do Estado, não ganhou as graças da sociedade fazendo com
que a Avenida voltasse a ter o nome com o qual foi criada e é conhecida até os dias de hoje.
A Avenida foi aberta seguindo padrões urbanísticos relativamente novos para a época: seus
palacetes possuíam regras de implantação que, como conjunto, caracterizaram uma ruptura
com os tecidos urbanos tradicionais. Os novos palacetes incorporavam os elementos da
arquitetura eclética.
Localizada na Avenida Paulista, número 37, Bairro Paraíso, o CONDEPHAAT cita
como um dos bens protegidos:
Antiga residência de Ernesto Dias de Castro, genro de Ramos de Azevedo, o edifício
de dois pavimentos, porão e sótão foi construído na década de 1930. Possui, entre
as suas dependências, oito quartos, escritório, salas, cozinha, copa, mansarda e
lavanderia. Quanto ao seu estilo, o projeto de Felisberto Ranzini insere-se no
padrão eclético das construções do início deste século. O sobrado, avarandado no
pavimento térreo e com terraços descobertos, guarnecidos de guarda-corpos com
elementos vazados, no superior, possui telhado em ardósia, com águas
acentuadamente inclinadas, de inspiração européia. Restaurada recentemente, a
Casa das Rosas, abriga um museu da Secretaria Estadual de Cultura. Nos fundos
do lote foi construído um edifício de grandes proporções cujo projeto teve a
preocupação de respeitar os visuais do bem tombado.(Fonte: Maria Luiza Tucci
Carneiro; Número do Processo: 22104/82; Resolução de Tombamento: Resolução
57 de 22/10/85; Livro do Tombo Histórico: inscrição nº 241, p. 65, 21/01/1987;
Publicação do Diário Oficial; Poder Executivo, 24/10/85, pg. 14. Área Envoltória;
Resolução SC 101, de 01/11/2013 (DOE 13/11/2013, pg. 59).
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O arquivo de estudo de tombamento do Edifício situado na Avenida Paulista, nº 37,
Processo Nº 22104 de 09 de junho de 1982, responsável técnico Sheila Schvarzmar, tendo
como interessado o CONDEPHAAT, é parte integrante do Projeto FAPESP nº 2009/51394-3
(www.arquicultura.fau.usp.br). (p. 01-03)
No contexto, os donos da Casa das Rosas, entre outros imóveis, foram autuados dando
início ao pedido de tombamento, constante na página 07: Comunicado a família Azevedo
sobre o Processo de Tombamento, 1982.
Cópias do mesmo documento e com o mesmo teor foram enviadas para: Espólio de
Lúcia Azevedo Dias de Castro; Administrador Regional da Vila Mariana, Dr. Armando de
Oliveira Borges e Delegado Titular do 5º Distrito Policial, Dr. Douglas Sochaia, o Ofício de
número SE-489/82, Processo CONDEPHAAT nº 22104/82, além enviou-se para à sua
Excelência o senhor Desembargador Dr. Octávio Gonzaga Júnior, Secretário de Estado dos
Negócios da Segurança Pública.
A página 15 do processo, de folha 13 dos autos originais, trás a descrição do imóvel,
usando-se do argumento de que o projeto da casa havia sido desenhado por Ramos de
Azevedo (Francisco de Paula Ramos de Azevedo (São Paulo SP 1851 - Guarujá SP 1928).
Engenheiro, arquiteto, administrador, empreendedor e professor.
Assim, mesmo que a Avenida Paulista, seguisse sua trajetória própria a que foi criada,
síntese dos padrões da elite paulistana, a casa permanecia um belo exemplar com qualidades
arquitetônicas intrínsecas, diferente das demais que mesmo sendo pós crise, não conseguiram
manter sua estrutura original. A casa nº 37 manteve, assim, o elo com a primitiva situação,
antes da crise de 29, onde a Avenida começou a ganhar uma nova infra-estrutura urbana.
Hospitalidade pelo acolhimento.
Citada em Odisséia de Homero, do latim “hospitalitas” O’Gorman (2007), argumenta
que, por dedução dos estudiosos linguísticos, as palavras hospitalidade e hostilidade, são
provenientes da mesma trajetória raíz proto-indo-européia *ghos-ti: desconhecido, estranho,
hóspede, anfitrião – “alguém com quem se tem deveres recíprocos de hospitalidade”, a
Hospitalidade, analisa a relação interpessoal como resgate, como compreensão do mundo
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contemporâneo, a troca do calor humano num ambiente social cada vez mais inóspito, pois
segundo Norbert Elias (1994) a inospitabilidade resultante da predominância do anonimato é
uma sequela do processo civilizador. A hospitalidade envolve comunicação.
Isabel Batista (2002, p. 161) escreve que “A hospitalidade pode dizer-se e manifestar-
se por meio de muitas maneiras: pelas palavras, pelos gestos, pelas leis e pela pluralidade
imensa de formas de gerir os tempos e os espaços que nos coube viver.” Tanto pelo
pensamento do Camargo, como pelo pensamento da Batista, tempo aqui, se refere aos
encontros, as partidas, etc e não cronológica.
A relação interpessoal é o componente básico da cena hospitaleira, onde a
reciprocidade nas relações humanas, como argumenta Mauss (2001) suscita: dar-receber-
retribuir, o que se faz necessário até mesmo na área comercial, posto que somos seres de uma
complexidade biopsicossocial. Buber (1979) formula a diferença entre o “eu-tu, de
relacionamento genuíno, do eu-isso, de relacionamento instrumental”, e estas relações se dão
em âmbito social e “[...] não existe vínculo social nem cultura sem um princípio de
hospitalidade” (Derrida, 1997, apud Camargo, 2015, p. 47).
Assim, a relação interpessoal é o componente básico da cena hospitaleira, sejam elas,
primárias (intimidade) ou secundárias (etiqueta). Camargo (2015) categoriza dois domínios da
hospitalidade: Tempo (recepção, a hospedagem, a alimentação, tendo o cuidado de
acrescentar o entretenimento) e o Espaço (doméstico, público e comercial, acrescido do
virtual, de importância cada vez maior na vida social atual).
Camargo (2015, p. 44) argumenta que, “[...] a hospitalidade mais que um fato
observável, é uma virtude que se espera quando nos defrontamos com o estranho [...] a regra
da cidade é o anonimato travestido de regras da urbanidade, que, no fundo, é a hospitalidade
ensaiada”.
Camargo (2003, p.28), alega que a “hospitalidade pode ser definida como o ato
humano, exercido em contexto doméstico, público e profissional, de recepcionar, hospedar,
alimentar e entreter as pessoas temporariamente deslocadas de seu habitat natural.”
A semiótica peirceana, por exemplo, explicada por (PEIRCE 1839 – 1914), determina
que ‘tudo significa’, isto é, o próprio ser humano é um ser simbólico. Assim, não só a
interação entre os humanos, como o uso dos signos (representações), tanto icônicos, quanto
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indiciais, somam às relações do ser simbólico na sociedade. Essas simbologias foram se
transformando ao longo da história, nascendo os usos e costumes, linguagens, religiões,
ciências, pensamentos, tecnologias e etc, primordialmente as narrativas provenientes das
combinações simbólicas.
Nessa questão, Arab (et al) explicam que:
O homem foi, assim, o único ser vivo a questionar o meio em que vivia e deseja um
significado para seu entorno e, ao mesmo tempo, para sua própria existência. Essa
necessidade de expor pensamentos, sentidos e percepções do mundo ao redor fez do
homem um ser narrativo. (ARAB et al, 2011, p.4)
Desde os tempos mais remotos em torno das fogueiras, que o homem faz uso das
histórias para explicar fenômenos ainda não desvendados, mas também como meio de se
comunicar e se relacionar, através da fala e da escuta, explorando a emoção e a razão e assim
o entendimento inter-relacional.
Em torno das fogueiras [...] as tribos se reuniam para compartilhar experiências.
[...] eram os meios de Comunicação pelas quais as mensagens e o saber acumulado
eram transmitidos de geração para geração. Era um momento de descobertas, de
aproximação entre os indivíduos do grupo, que consolidava a estrutura social e os
valores culturais. (GONTIJO, 2004, p. 28)
Estes momentos narrativos, através do contador de histórias, foi o elo integrador
identitário, que serviu como principal meio de transmissão de costumes, valores, cultura e
conhecimento, com o porvir da escrita para registrar tais oralidades.
Barthes (1976, p. 57) afirma que “a narrativa está presente em todos os tempos, [...]
lugares, [...] sociedades”, Arab (2012) argumenta ainda que “narrar e ser narrado é um meio
de se conhecer, não só a si mesmo, quanto ao seu meio”, que “pela narrativa [...] o homem é
persuadido [...] como vencedor ou [...] como perdedor”. Assim, as palavras, se bem escolhidas
ou não, servem tanto para o acolhimento, quanto para o distanciamento, podendo dar sentido
antagônico num mesmo espaço e tempo. “Por isso, entendemos aqui storytelling não como
um produto de uma ação humana, mas como sendo o próprio pannarrans.” Domingos (2009, p.
8 apud MAGALHÃES, 2014)
A hipótese de que somos personagens de várias histórias do dia a dia, é reforçada por
Domingos (2009, p. 8) que traz a noção de que “em um determinado tempo e espaço [...] o ato
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de narrar é inevitavelmente um ato de deslocamento e de negociações entre a consciência e a
inconsciência, gerando significadas formas de ser e estar do mundo”, porque o ser humano
inevitavelmente “[...] sempre será um ser humano que traz em si não só os primórdios de sua
existência, como os adapta às novas maneiras de narrar a vida (DOMINGOS, 2009, p. 8).
Não basta narrar-se para o público de fora, deve-se usar este poder de persuasão para
receber bem as pessoas que constroem a imagem de um determinado lugar.
Será que os lugares fazem e/ou sabem fazer o uso do acolhimento, uma das dimensões
da hospitalidade, mais propriamente, o acolhimento pela palavra, utilizando Storytelling?
Se a palavra é um ato humano. O acolhimento pela palavra, pode ser considerado um ato de
hospitalidade.
Storytelling é um termo em inglês “story” significa história e “telling”, contar, ou
seja, storytelling é a arte de contar histórias usando técnicas inspiradas em roteiristas ou
escritores, e sem deixar de esquecer das tradições orais das nossas ancestralidades, para
transmitir uma mensagem de forma inesquecível, assim como usar as palavras para o
acolhimento das pessoas em qualquer tempo e lugar, mas mais especificamente aqui, no
acolhimento.
Histórias servem para socializar, comunicar, liderar, planejar, pensar, ensinar, motivar,
engajar, enganar, entender, advertir e tantos outros fins possíveis.
A raça humana necessita da comunicação para viver em sociedade e a expressão oral é
a mais valorizada. Como Gimenes et al (2010) lembram, para Vygotsky, diz que a “palavra
falada, vem do pensamento, sobre uma reflexão do mundo exterior”, e que por isso mesmo, as
histórias são essenciais à cultura humana, tornando-se peças-chave em diferentes formas de
organização: familiar, sociedade, escolas e instituições.
Magalhães (2014) cita:
Contar histórias vêm sendo, desde a Antiguidade e numa vasta abrangência de tipos
de público e situações, um dos mais efetivos meios de garantir atratividade,
compreensão e retenção de conteúdos. Em tempo de atenção difusa, a variedade de
fontes emissoras e a própria sobrecarga informativa decorrente, além do próprio
caráter multitarefa dos indivíduos, é importante para as organizações encontrarem
formatos atualizados e geradores de confiança para intercambiar mensagens com
seus interlocutores. Como potencializador desta opção estratégica, postula-se o
emprego do storytelling (COGO; NASSAR, 2011, p. 1 apud MAGALHÃES, 2014).
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Storytelling torna os equipamentos culturais, como o caso do museu A Casa das Rosas
por intermédio de quem faz o acolhimento, mais humanizada, reforçando a identidade
coletiva dos sujeitos, somando a noção de “nós”.
O Espaço e as palavras: o acolhimento pelas histórias.
A essência mais doce da Avenida Paulista, A Casa das Rosas, reside no número 37,
Bairro Paraíso! Espólio de Lúcia Azevedo Dias de Castro, construída na década de 1930 e
habitada por 51 anos, primeiro por Lúcia e Ernesto e segundo por Ernesto Filho e Anna Rosa,
até 1986, quando desapropriada pelo governo pelo interessado CONDEPHAAT.
Em 1991, centenário da avenida, a mansão foi tombada e em 2004, reinaugurada como a Casa
das Rosas: Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura.
O Conselho de defesa do patrimônio histórico, arqueológico, artístico e turístico do
Estado de São Paulo (CONDEPHAAT), cita como bem protegido: Antiga residência (situada
na Avenida Paulista, inaugurada em 8/12/1891, final do século XIX) de Ernesto Dias de
Castro, genro de Ramos de Azevedo (proprietário do terreno), o edifício de dois pavimentos,
porão e sótão, foi construído na década de 1930, pós crise de 1929 (onde o comércio, indústria
surgem com força total e se instaura um novo eixo de moradia da famílias, tanta as
emergentes, quanto as antigas famílias abastadas da época de ouro do café, quanto dos
imigrantes e migrantes).
A casa possui, entre suas dependências, oito quartos (intimidade em cima), escritórios,
salas, cozinha, copa, mansardas e lavanderia. Historiadora em uma palestra no museu em 14
de Junho de 2015, na própria Casa das Rosas, onde se falava sobre o legado de Ramos de
Azevedo, conta que este engenheiro, arquiteto, administrador, empreendedor, professor, que
entre outros prédios históricos opulentos, teria arquitetado o Teatro Municipal de São Paulo,
que nasceu em 1851 e morreu em 1928, seria o responsável por introduzir o banheiro no
espaço interno das moradias.
Quanto ao seu estilo, o projeto de Felisberto Ranzini insere-se no padrão eclético das
construções do início deste século. O sobrado avarandado no pavimento térreo e com terraços
descobertos, guarnecidos de guarda-corpos com elementos vazados, no superior, possui
telhado em ardósia, com águas acentuadamente inclinados, de inspiração europeia. Restaurada
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recentemente, a Casa das Rosas, abriga um museu da Secretaria Estadual de Cultura. Nos
fundos do lote foi construído um edifício de grandes proporções, cujo projeto teve a
preocupação de respeitar os visuais do bem tombado. (Processo: 22/04/82. Tombamento:
resolução 57 de 22/10/85).
Segundo o artigo 216º da Constituição, o patrimônio cultural representa os bens “[...]
de natureza material e imaterial, tomadas individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos deferentes grupos formadores da sociedade
brasileira”. Exemplo: materiais como casas, praças, fazendas, igrejas... e imateriais como
esculturas, pinturas, doces, queijos, festas, poesia, além do patrimônio natural, como reservas,
ou seja, todos os bens, manifestações populares, cultos, tradições materiais, imateriais que
reconhecidas de acordo com sua ancestralidade, de importância histórica e cultural de uma
região adquirem um valor único e de durabilidade representativa simbólica material.
Assim, questiona-se se haveria acolhimento por meio da circularidade da dádiva neste
ambiente museal?
Se “A Dádiva não é uma coisa, mas uma relação social” (GODBOUT, J. “O espírito
da Dádiva”, 1999, p.16) e o homem é um ser social e consequentemente cultural, o contexto
sócio histórico é uma dimensão importante do processo cultural do homem. A Hospitalidade é
um processo de comunicação interpessoal, que se baseia nas relações sociais, “componente
básico da cena hospitaleira”. (CAMARGO, 2015, p. 48).
Assim, estaria a Casa das Rosas predestinada a um ponto de referência de patrimônio
histórico, pela transmutação da circularidade da dádiva simbólica pelos seus tempos e
espaços, ali impregnados?
Godbout (1997) diria que a hospitalidade “[...] é um dom do espaço; espaço a ser lido,
habitado, atravessado ou contemplado”, imperando as “leis superiores da humanidade que
supõe a acolhida” (GRINOVER, 2006, p. 32)
Se pelo trato doméstico ao que os moradores anteriores ao tombamento tinham com a
casa, tanto no recepcionar quanto no hospedar, entreter, alimentar que segundo o próprio
sobrinho-bisneto de Ramos em uma palestra no museu em 14 de Junho de 2015, num bate-
papo sobre o legado de Ramos de Azevedo, lembrou que: "Se você chegasse na casa para uma
visita ao toque da campainha, além de muito bem recebido, já havia um empregado a postos
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para polir a marca do dedo estampada no botão da campainha!”, aqui lembra-se o ato de
transpor a soleira da porta, de fora para dentro. (Casa das Rosas)
Neste mesmo evento do dia 14 de Junho de 2015, o jardineiro da época, seu Zé, como
gosta de ser chamado, lembra-se dos cuidados com os jardins e seus roseirais e sobre outros
depoimentos, que a última moradora, a dona Rosa colhia rosas e de suas pétalas fazia sua
famosa geleia de rosas.
Após o tombamento, transformou-se em um lugar e espaço de acolhimento público, de
certa forma privado e mais do que nunca, segundo nosso contexto onde exige-se o
distanciamento físico, o virtual, conforme Camargo (2015) que propõe de acordo com a
dinâmica da hospitalidade, tempos (recepção, hospedagem, alimentação e entretenimento) e
espaços (doméstico, público, privado e virtual).
A Exchange (troca) da dádiva na Casa das Rosas se dá mais no sentido da direção dos
antropólogos orientados para o ator, segundo alguns pensadores como Barth e Bourdieu, que
veem a troca como uma metáfora da interação em geral, herança teórica de Mauss e que dá
sentido a dádiva neste contexto, porque tudo o que e da forma como se apresenta, vai
depender da interpretação segundo os atores ali envolvidos, seus valores e crenças e suas
interpretações da circularidade da dádiva do dar, receber e retribuir, representada a partir da
arquitetura em si, dos jardins floridos, de todos os espaços agregados contemporâneos
próprios de uma avenida comercial, da sua memória e o que a torna o que é, assim como a
diversidade artística, como exemplo, a dos contadores de histórias (storytelling) e a
possibilidade da ação das palavras gerarem acolhimento, em um espaço público, como o
museu Casa das Rosas.
Appadurai (2008) lembra que Mauss afirmava a existência de uma forte tendência
contemporânea em considerar que as coisas são inertes e mudas. Pelo contrário, são
carregadas de significados. Atualmente, o senso comum ocidental, submetido a diversas
tradições, tende a opor as palavras e as coisas, ou mesmo associando palavra a religião, porém
aqui, queremos usar as palavras dissociadas a religião e perceber não só as palavras, como as
não-palavras nas coisas e o que elas expressam.
A dádiva não é uma coisa inanimada, mas uma relação social, que reflete no eu: dar,
receber e retribuir. Dádiva, não pode ser vista apenas como um ato econômico, dado pelos
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vícios já citados, mas como modalidade de relacionamento humano, fenômeno este que dá
origem a sociabilidade ou “fato social total” (CAMARGO, 2004, p. 17). E este
relacionamento humano se dá por meio de ações de circularidade do que se apresenta na Casa
das Rosas, como manifestações artísticas e culturais, arquitetônicas, paisagísticas, comensais
e pelas palavras, ou seja, uma troca simbólica que se configura na dádiva.
Assim, a dádiva, “Passa a não ser vista apenas como um ato econômico, mas como
modalidade de relacionamento humano, a rigor, como um fenômeno que dá origem à
sociabilidade, ou “fato social total”. (OLIVEIRA, R. C. In: Mauss, Marcel (2004), Orelha
Livro)
A casa das Rosas seria em si um “hau” ou “mana”? Segundo o que Sabourin (2008)
cita em seu artigo que Mauss propõe outra solução, além de uma ontológica: “o hau e o mana
não constituem um valor já instituído como próprio do doador, mas, ao contrário, um valor
produzido pela reciprocidade das dádivas, pelo movimento dos bens materiais ou
simbólicos.”, ou seja, pela circularidade da dádiva que a Casa das Rosas proporciona e “mais
que [...] a dádiva, o que importa é o vínculo social (a ser) criado.” (CAMARGO, 2005, p.717),
por este lugar e espaço de socializações.
Conclusões parciais.
As primeiras conclusões, observadas até aqui, posto que fazem parte das pesquisas
desenvolvidas para o curso do Programa de Pós-Graduação em Hospitalidade, é uma tentativa
de perceber a materialização do deslocamento, que funcionam como processos das
subjetividades coletivas mediante as políticas públicas no que tange o patrimônio e o modo
como os atores o percebem, ou ainda, como a dimensão museal se materializa e acolhe.
Portanto, a cidade como destino de chegada do visitante, precisa oferecer estruturas de
acolhimento; formais (Hospedarias, meios de hospedagem e etc) e informais: Patrimônio de
acolhimento e de inserção do visitante. A Casa das Rosas como Patrimônio Material gera uma
espécie de acolhimento ao visitante (ambiente e ações: contadores de histórias). Por ser um
patrimônio público e sujeito a fazer parte de processos de deslocamentos humanos (visitantes
e turistas), pode ser vista como um elemento de materialização de uma solidariedade urbana,
ou seja, um referencial de identificação para aquele que circula: capitaliza vivências pessoais
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e as transmuta em vivencias coletivas relacionadas ao local visitado, inserido indiretamente,
aquele que chega ao local de sua chegada.
Referências Bibliográficas
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Empresarial: relações públicas contador de histórias. XVI Congresso de Ciências da
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reflexões e perspectivas. São Paulo: Manole.
BARTHES, Roland. Introdução à análise estrutural da narrativa. In: Análise estrutural da
narrativa. Rio de Janeiro: Vozes, 1976.
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