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Ciência in Foco

Alinne Pereira de CastroUniversidade de Brasília – UnB

Samuel Dias Araújo JúniorUniversidade Católica de Brasília – UCB

Alessandra Maria Moreira ReisUniversidade Católica de Brasília – UCB

Carolina Del Lama Marques

Universidade de Brasília – UnB

Rodrigo Leão de MouraUniversidade Estadual de Santa Cruz, BA – UESC

Ronaldo B. Francini-FilhoUniversidade Federal da Paraíba, PB - UFPB

Fabiano ThompsonUniversidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

Ricardo Henrique Krüger

Universidade de Brasília – UnB, Instituto Central de Ciências Sul – Dept. de Biologia Celular, Laboratório de Enzimologia, Cep. 700910-900 Brasília, DF, Brazil. E-mail:

[email protected] - Phone: +55+61+3107-2977 - FAX: +55+61+ 3273-4608

RECIfES CORALÍNEOS: DA DIvERSIDADE MICROBIANA À EXPLORAÇÃO BIOTECNOLóGICA

1. recifes corAlíneos

Os recifes coralíneos são ecossis-temas marinhos diversos e altamente produtivos, com uma longa história evo-lutiva de cerca de 500 milhões de anos. Esses ecossistemas podem suportar mi-lhões de espécies diferentes de plantas e animais, com estimativas globais va-

riando entre 600 mil e 9 milhões de es-pécies (4). Todas essas espécies com-põem uma complexa rede de interações trófi cas, competitivas e cooperativas, as quais não são completamente conheci-das. Os recifes coralíneos ocorrem em várias partes dos oceanos, inclusive em águas profundas, mas seu desenvolvi-mento é mais acentuado em áreas ra-

sas tropicais, oligotrófi cas (com poucos nutrientes) e com alta salinidade e baixa turbidez.

O interesse em relação aos recifes coralíneos é crescente, uma vez que estes ecossistemas são bastante sus-cetíveis às perturbações ambientais que os oceanos tropicais vêm sofrendo, em especial a sobrepesca, a ocupação

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descontrolada da costa (aumentando a descarga de sedimentos e nutrientes) e as mudanças globais (anomalias tér-micas e acidificação da água do mar). A importância dos ambientes coralíneos estende-se desde a formação de barrei-ras físicas que protegem regiões costei-ras até a formação de berçários para a reprodução e crescimento de diferentes espécies de peixes. Não se deve esque-cer ainda que os recifes coralíneos sus-tentam atividades econômicas expressi-vas como a pesca e o turismo.

A maioria dos corais é colonial, sendo as colônias formadas por póli-pos (indivíduos) pequenos, com alguns milímetros ou poucos centímetros de diâmetro. Toda a colônia é coberta por uma camada de muco superficial e, no caso dos corais construtores (herma-típicos), a colônia possui um grande e esqueleto poroso de carbonato de cál-cio (CaCO3). Os recifes são construídos por corais e por vários outros organis-mos biomineralizadores, especialmente as algas coralináceas, que podem ter um papel tão ou mais importante que os corais na construção dos recifes. A deposição de CaCO3 e o crescimento variam em múltiplas escalas espaciais e temporais, em função da dinâmica oceanográfica, da profundidade, da dis-ponibilidade de luz e alimento e de uma série de outras variáveis, resultando em uma enorme diversidade de formas de crescimento das colônias e arranjo de seus pólipos (5) .

2. DiversiDADe MicroBiAnA AssociADA Ao corAl.

Por terem co-evoluido em íntima associação com micro-organismos de diversos grupos, os corais são especial-mente interessantes do ponto de vista ecológico e evolutivo. Juntos, o cnidário e os micro-organismos compõem o que os cientistas têm denominado de holo-bionte (Box 1).

Os corais fornecem três micro-habi-tats (Figura 1) que são colonizados por micro-organismos: o muco, os tecidos e o esqueleto de carbonato de cálcio (6, 7). Os micro-organismos residentes no tecido e no muco de uma mesma es-

pécie de coral podem ser quantitativa e/ou qualitativamente diferentes, com-pondo comunidades microbianas únicas (7). O esqueleto do coral caracteriza-se como uma estrutura porosa na qual se insere a comunidade microbiana endo-lítica, responsável por grande parte do suprimento de nitrogênio e pela produ-ção de compostos orgânicos a partir da fotossíntese de cianobactérias (8). Vale ressaltar também a presença de micro-organismos eucariontes, especialmente protozoários dinoflagelados do gênero Symbiodinium, conhecidos como zoo-xantelas. Esses dinoflagelados são os elementos fotossintetizantes mais signi-ficativos no holobionte coral, recebendo metabólitos do cnidário e fornecendo, em contrapartida, nutrientes orgânicos usados como substratos respiratórios. Muitos micro-organismos marinhos são importantes participantes no ciclo global de bioelementos como o nitrogênio, car-bono, oxigênio, fósforo, enxofre, ferro e oligoelementos (9), mas a parcela exata das contribuições microbianas ainda são mal conhecidas.

Apesar dessas lacunas no conheci-mento acredita-se que os micro-organis-mos são os principais responsáveis pela manutenção dos ciclos biogeoquímicos marinhos, devido a versatilidade do seu metabolismo e a enorme biomassa mi-crobiana presente nos oceanos (10).

A partir de estudos microbiológicos em corais, Reshef e colaboradores (2006) propuseram a “hipótese probióti-ca do coral”, explorando a dinâmica da relação simbiótica entre a comunidade microbiana e o coral hospedeiro (Figura 2) (11). A ampla variedade genética de micro-organismos no holobionte confe-re resistência a diferentes patógenos e permite rápida adaptação a novas condi-ções ambientais.

O pesquisador Forest Rohwer e co-laboradores (2002) foram os primeiros a aplicar técnicas independentes de cultivo para avaliar comunidades microbianas associadas a corais (12), revelando uma grande diversidade de espécies micro-bianas, boa parte completamente des-conhecida, ou seja, ainda não descrita pela comunidade científica. Este estudo pioneiro da ecologia microbiana nos co-rais também contribuiu para demonstrar que os métodos de cultivo (microbiologia

Box 1: Holobionte.O holobionte coral refere-se a

um sistema complexo de interações entre o organismo hospedeiro (o cnidário) e representantes dos três domínios de vida: Eucaria, Bacteria e Archaea, assim como inúmeros vírus. Essa simbiose oferece para cada componente uma série de van-tagens. Por exemplo, as bactérias proporcionam nutrientes para o hos-pedeiro, participando de processos envolvendo resíduos metabólicos e a produção de metabólitos secundá-rios que são importantes nos meca-nismos de defesa do coral (2) .

Figura 1. Estrutura do tecido do coral. O coral é composto de três estruturas que servem de habitat para as bactérias: a camada superficial de muco, os tecidos e o esqueleto de carbonato de cálcio (CaCO3).

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clássica) não conseguem refletir a total estimativa da composição da diversida-de microbiana dos recifes de coral.

Os estudos mais recentes visando analisar comunidades microbianas do coral holobionte têm adotado técnicas moleculares (6, 13). Há uma variedade de técnicas moleculares que podem ser aplicadas, sendo que cada uma possui vantagens e desvantagens de acordo com os objetivos da pesquisa. Por exem-plo, técnicas moleculares que exploram as variações dentro do gene rDNA ou regiões intergênicas (entre genes rDNA) permitiram que o campo da ecologia microbiana em corais progredisse rapi-damente nessa última década (14, 15). Entretanto, essas técnicas limitam-se em analisar apenas a estrutura da comu-nidade microbiana, com pouca ênfase em aspectos funcionais (Figura 3a). Em contrapartida, para acessar a funciona-lidade, ou buscar genes de interesse biotecnológico, a abordagem metagenô-mica (Box 2) tem surgido como principal opção, permitindo o acesso direto aos genomas complexos dos ecossistemas marinhos (Figura 3b) (16, 17).

Neste aspecto, vale ressaltar os avanços nas técnicas de sequenciamen-to de DNA. Por exemplo, técnicas como o pirosequenciamento têm gerado da-dos mais robustos e com melhor custo-benefício (18, 19). É importante ressaltar que a maioria dos estudos realizados atualmente não visa clonagem de DNA e transformação em células hospedei-ras, ou seja, estas etapas podem ser substituídas simplesmente pelo sequen-ciamento direto do DNA metagenômico, diminuindo o tempo de trabalho laborato-rial e em custos adicionais.

Com base nesses avanços recentes, tem sido possível estabelecer quais os di-ferentes grupos de micro-organismos re-sidentes nos diversos corais holobiontes, mesmo quando estes não fazem parte dos grupos dominantes e estão presentes em quantidade diminuta. Por exemplo, diferentes espécies de Cianobactérias e Proteobactérias são tidas como residen-tes permanentes, independentemente da espécie de coral analisado ou de sua localização geográfica, dada a grande similaridade observada nas sequências desse filos. Firmicutes, Bacteroides e Planctomicetos são outros filos que com-

Figura 2. Relações de simbiose entre o coral e seus micro-organismos hospe-deiros. O coral funciona como fonte de carbono e nutrientes para seus hospe-deiros, e estes oferecem produtos metabólicos em troca.

Figura 3. Diferentes abordagens para estudo da comunidade microbiana a partir de amostras de coral. (A) Abordagem ecológica pela amplificação e aná-lise de genes ribossomais. (B) Abordagem biotecnológica com a construção de bibliotecas metagenômicas e seleção dos clones com atividade positiva.

Box 2: Metagenoma.Metagenoma é o conjunto total de genomas da microbiota em uma dada amostra

ambiental. A abordagem metagenômica é baseada na recuperação do DNA, seguida ou não de clonagem e análise de todo o complemento genético de um habitat, conten-do muito mais informação do que aquela alcançada a partir das técnicas de cultivo in vitro (3). Essa metodologia aumenta enormemente nosso entendimento sobre a estru-tura e funcionalidade das comunidades de micro-organismos, assim como o descobri-mento de novos genes e vias metabólicas sem a necessidade de cultivo.

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põem a comunidade bacteriana do ho-lobionte (14, 20, 21). Apesar dessas ge-neralidades, sabe-se que a comunidade microbiana em escalas taxonômicas mais refinadas tende a ser espécie-específica, assim como completamente distintas das comunidades microbianas presentes na água do mar (14). Esses resultados de-monstraram que as diferentes espécies de corais são capazes de fornecer habitat específico para evolução de determina-dos grupos de microrganismos marinhos. Além disso, Littman e colaboradores (2009), ao analisar espécies de coral do gênero Acropora, demonstraram que a di-versidade de bactérias também difere sig-nificativamente em função da localização geográfica das colônias, indicando que fatores ambientais exercem um importan-te papel na determinação da microbiota presente em um dado coral (22), dando suporte à “hipótese probiótica” (11).

Grande parte dos estudos nesta área é exclusivamente focada na diversidade do domínio Bacteria (23-25). Este domí-nio apresenta algumas “facilidades” para análise, tais como genes conservados utilizados como marcadores (16S rRNA, rpoB) e, conseqüentemente, bancos de dados consolidados que possibilitam sua a identificação e classificação funcional.

A diversidade de Archaea (13), fun-gos e protistas (26), assim como dos nu-merosos vírus (27), são outros importan-tes campos que merecem estudos sobre suas respectivas funções no holobionte.

3. DoençAs que AfetAM os corAis.

A mortalidade em massa de corais observada nas últimas quatro décadas destaca a importância de ampliar o nos-so conhecimento sobre as interações antagônicas e mutualísticas existentes no coral holobionte. Entretanto, com o objetivo de se entender as causas e conseqüências de doenças em corais, é necessária a elucidação da composição da microbiota de corais saudáveis, iden-tificando as espécies microbianas e seus respectivos papéis funcionais na manu-tenção da saúde do coral.

Fatores bióticos (predação, cresci-mento excessivo de algas) ou abióticos (estresse de temperatura, sedimenta-ção) podem ser responsáveis pelos da-

nos na saúde do coral. Esses fatores po-dem agir isoladamente ou em sinergia, levando a uma redução da cobertura natural dos recifes de corais em todo o mundo. Os danos causados por doenças podem exterminar o coral por completo (28), ou mesmo acarretar prejuízos em seu crescimento e reprodução (29, 30).

Atualmente, cerca de trinta doenças de corais são reconhecidas em todo o mundo. Entretanto, em apenas cinco dessas doenças foi possível comprovar qual o agente causador através dos pos-tulados de Koch (31) (Tabela 1). O bran-queamento (Box 3) é um dos eventos mais bem documentados em corais em todo o mundo, principalmente no Caribe, local que é considerado um dos hotspots

em mortalidade de corais. Os corais branqueados, além de perder suas zoo-xantelas, também apresentam alteração significativa em sua comunidade micro-biana. Ainda que o branqueamento seja um fenômeno cíclico, e na maioria das vezes relacionado a anomalias térmicas, os eventos muito severos acarretam mortalidade em massa dos corais, espe-cialmente quando as anomalias térmicas são duradouras.

Numerosos trabalhos têm demonstra-do que a comunidade microbiana é altera-da devido às doenças no coral. Por exem-plo, Ritchie, analisando a espécie Acropo-ra palmata, demonstrou que a população de Vibrio aumenta durante o evento de branqueamento, mas que esse número

tABelA 1. cinco DoençAs De corAl coMprovADAs pelos postulADos De KocH. (fonte: HArvell, et al., 2007)

Doenças Coral susceptível Patógeno Coral doente

Praga branca II (White plague II)

Diploria labyrinthiformis Aurantimonas coralicida

Banda Branca II (White band II)

Acropora palmata Vibrio carchariae

Pontos Brancos (White pox)

Acropora palmata Serratia marcescens

Aspergilose (Aspergillosis)

Gorgonia ventalina Aspergillus sydowii

Branqueamento (Bacterial Bleaching)

Oculina patagonica Vibrio coralliilyticus

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diminui novamente durante a recuperação dos corais (20). Castro e colaboradores (2010) demonstraram que corais doentes do gênero Mussismilia apresentam uma comunidade microbiana com baixa riqueza de espécies e uma abundância do fi lo Bac-teroidetes cinco vezes maior em relação a indivíduos saudáveis (24).

Em relação aos fatores abióticos, a comunidade bacteriana do coral Oculina patagonica é alterada conforme as esta-ções do ano, ou seja, essa espécie de co-ral apresenta diferentes abundâncias re-lativas de espécies de micro-organismos no verão e inverno (7). Este trabalho su-gere que a comunidade bacteriana pode ser rapidamente modifi cada, podendo ser considerada como um dos principais me-canismos de defesa do coral.

3.1. situação atual dos corais no Brasil.

Em função do isolamento geográfi co e das condições particulares nas quais nossos recifes se desenvolvem, a diver-sidade de corais na costa brasileira é relativamente baixa, mas o nível de en-demismo é alto. São encontradas cerca de 20 espécies de corais hermatípicos (construtores de recifes) e 5 espécies de hidrocorais. Das 18 espécies princi-pais que formam os recifes brasileiros, 6 são endêmicas, duas delas restritas à costa leste – Favia leptophylla e Mus-sismilia braziliensis (32). Rodrigo Moura (2000) ressaltou que a costa brasileira é uma prioridade global para conservação de corais, em função da pequena área de recifes existente no país (menos de 0,5% dos recifes do mundo), a qual con-centra um alto nível de ameaça e ende-mismo (33). Nesse contexto, a atenção que os recifes brasileiros têm recebido é claramente insufi ciente (Figura 4).

O primeiro branqueamento em mas-sa de corais documentado no Brasil ocorreu no verão de 1993/1994, em São Paulo (34) e na Bahia (35). Desde então, vários outros eventos de branqueamento nos recifes brasileiros foram registrados (32, 36-38). Essas ocorrências afetaram várias espécies de corais, incluindo as 3 espécies de Mussismilia, Madracis de-cactis, Agaricia agaricites, Siderastrea stellata e Porites branneri. Leão e co-laboradores (2010), avaliaram eventos

Box 3: O branqueamento dos corais.Estudos realizados com os corais Oculina patagônica e Pocillopora damicornis

demonstraram que o branqueamento pode se manifestar como uma doença, a partir da infecção por Vibrio shiloi e Vibrio coralliilyticus, respectivamente (1,52). Entretan-to, o branqueamento ocorre apenas em temperaturas acima de 25ºC. O aumento da temperatura pode tornar o patógeno mais virulento ou ocasionar a dissociação e/ou diminuição da capacidade de fotossíntese pelas zooxantelas. Como conseqüência, o tecido dos corais doentes torna-se transparente, realçando a coloração branca do esqueleto carbonático subjacente.

Figura 4. a - Recife coralíneo ainda relativamente bem con-servado, na região de Abrolhos, BA. Foto: R.L. Moura. B - Duas

colônias saudáveis do coral Mussismillia brasiliensis (esquerda e direita), endêmico do Brasil. No centro, um hidrocoral do gênero Millepo-

ra, conhecido como coral-de-fogo. Imagem tomada nos recifes de Abrolhos, BA. Foto: R.L.Moura. c - Colônia saudável de Mussismillia hartii. Foto: R.L.

Moura. D - Colônia de Mussismillia hartii afetada por branqueamento. Foto: R.L. Moura. e - Colônia saudável de Mussismilia hispida coletada no Banco de Abrolhos/BA. Foto: A.M. M. Reis. F Colônia de Mussismilia hispida afetada por necrose coletada no Banco de Abrolhos/BA. Foto: A.M. M. Reis - G - Colônia

de Mussismillia braziliensis afetada por praga branca, uma das doenças com maior prevalência nos recifes brasileiros. Foto: R.L. Moura. h - Professor

Fabiano Thompson, da UFRJ, examina a saúde dos corais no Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, a primeira unidade de conservação

do gênero criada no Brasil. Foto: R.L.Moura

de branqueamento de corais na Bahia, de 1998 a 2005, tendo constatado que, apesar da prevalência (proporção de co-lônias afetadas em uma população) ele-vada, ainda não foi registrada nenhuma mortalidade em massa (32).

O branqueamento dos corais no mundo está associado ao aumento da temperatura dos oceanos (30), e no Bra-sil não tem sido diferente. A prevalência de corais branqueados é consistente-mente maior no verão (32, 38). Francini-

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Filho e colaboradores (2010) também relataram a maior prevalência da doen-ça conhecida como “praga branca” em colônias de Mussismilia braziliensis na região de Abrolhos durante o verão (39). O aumento da temperatura pode ser o gatilho para o aumento do número e/ou a expressão da virulência de bactérias como os Vibrio spp, que levam à lise das zooxantelas (40-42, 52). Determinados Vibrios também podem ter papel positivo na saúde de corais (53,54).

A situação dos recifes no Brasil tor-nou-se preocupante porque outras doen-ças têm sido observadas. Francini-Filho e colaboradores (2008) relataram um nú-mero crescente de áreas com incidência de doenças na região de Abrolhos (Figura 4) (43). Seis tipos de doenças foram re-gistrados e todas apresentam sintomas parecidos com os relatados para doenças descritas em outras regiões do mundo. São elas: praga branca (“White plague”), banda vermelha (“red band”), pontos escuros (“dark spots”), aspergilose (“as-pergillosis”), banda negra (“black band”), além de necrose de tecidos em octorais. Esses autores estimam que se o cenário presente não se alterar, os recifes da costa leste brasileira enfrentarão um de-clínio catastrófico nos próximos 50 anos,

podendo a espécie endêmica Mussismilia braziliensis chegar à beira da extinção.

Dois importantes estudos, com foco em analisar as diferenças entre as co-munidades microbianas associadas ao muco de coral saudável e doente, foram realizados em corais endêmicos do Bra-sil. Apesar desses trabalhos não terem descrito a doença que afetava o coral e consequentemente não terem realizado os postulados de koch para identificar o agente causador da doença, foi possível observar que existe diferenças marcan-tes entre a comunidade microbiana do coral saudável em relação a microbiota associada ao coral doente (23, 24).

As doenças podem se agravar devido às atividades antropogênicas, como a aceleração descontrolada da urbaniza-ção, agricultura em larga escala ou a des-carga de esgoto não tratado próximo aos recifes costeiros. A influência humana na modificação do habitat dos corais é retra-tada de forma esquemática na Figura 5.

4. Bioprospecção De corAis

As condições particulares sob as quais evoluíram os micro-organismos marinhos - pressão, temperatura, sali-

nidade, disponibilidade de nutrientes, competição e predação - levaram os micro-organismos marinhos a desen-volver habilidades bioquímicas e fisioló-gicas únicas, resultando em compostos bioativos potencialmente diferentes da-queles produzidos por micro-organismos terrestres. Neste contexto, o ambiente marinho representa um conjunto de ge-nes de diversidade extraordinária e dinâ-mica (44). Essa diversidade resultou no interesse em estudar micro-organismos marinhos com o objetivo de explorar sua capacidade de produzir enzimas/meta-bólitos para fins biotecnológicos.

Vários estudos recentes tem explorado a diversidade microbiana associada à or-ganismos marinhos. Em estudos metage-nômicos já foram encontrados compostos com atividade antitumoral da microbiota da esponja marinha Theonella swinhoei (45), e da esponja Discodermia dissoluta (46), assim como também foi isolada uma enzima alcano hidroxilase de clones me-tagenômicos dos sedimentos de águas profundas do Pacífico (47). Estudos meta-genômicos sobre a diversidade microbiana marinha resultaram na acumulação, sem precedentes, de dados de seqüenciamen-to de DNA (48-51). No entanto, poucos estudos envolvendo a análise funcional dessas comunidades foram realizados (45-47). Desta forma, a construção de bi-bliotecas metagenômicas com a utilização de vetores com características adequadas e hospedeiros versáteis resultará na com-preensão e investigação sistemática do reservatório genético de produtos bioati-vos de micro-organismos marinhos. Essa abordagem, juntamente com a exploração contínua da diversidade microbiana mari-nha através de sequenciamento massal de DNA, terá potencial para gerar novos compostos químicos e drogas bioativas, assim como acelerar a descoberta de novos genes com atividade de interesse biotecnológico.

Neste aspecto, a exploração biotec-nológica de micro-organismos associa-dos aos corais ainda é incipiente, mas com enorme potencial. Por exemplo, em um estudo recente sobre corais do gê-nero Acropora demonstrou-se que cer-ca de 20% das bactérias destes corais apresentaram atividade antimicrobiana contra patógenos de importância clíni-ca (20). Além de sugerir que o muco de

Figura 5. Diferentes ameaças aos recifes de coral devido atividades antro-pogênicas. A pesca excessiva, a aceleração descontrolada da urbanização, agricultura em larga escala, o descarte de lixo comum e rejeitos industriais nos recifes costeiros e o turismo são alguns exemplos dessas atividades.

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corais desempenha um papel importante na estruturação das comunidades bacte-rianas a ele associadas, esses autores mostram que há contribuição microbia-na para a produção de compostos com atividade antimicrobiana. A pressão mundial para o isolamento e produção destes compostos antimicrobianos para aplicações nas saúde humana e animal vem aumentando rapidamente devido ao aparecimento de micro-organismos resistentes às atuais drogas existentes.

5. perspectivAs

Sabe-se que diversos fatores bióticos e abióticos têm interagido e resultado em um declínio catastrófico dos recifes coralíneos em escala global. Essas ame-aças, principalmente os impactos locais antropogênicos, podem reduzir a resis-tência dos corais às mudanças globais, resultando na diminuição da capacidade desses ecossistemas de manterem suas complexas interações ecológicas e con-tinuarem provendo serviços ambientais de valor inestimável. Apesar dos esforços para entender os tipos de microorganis-mos que se associam com corais, e como estes podem influenciam sua saúde, ainda não está totalmente claro quais interações microbianas e circunstâncias particulares são mutualistas, oportunistas ou patogênicas. Neste sentido, mais pes-quisas devem ser feitas para esclarecer a complexidade das interações existentes no coral holobionte. Novos estudos inte-grando várias abordagens “omas”, tais como metagenoma e metatranscriptoma, aliados às plataformas de sequenciamen-to de 2a geração (ex: Pirosequencamen-to), podem contribuir para avançar a nos-sa compreensão sobre a funcionalidade, resistência e resiliência do holobionte co-ral, com implicações diretas no desenvol-vimento de estratégias de conservação compatíveis com a magnitude do declínio dos recifes coralíneos, os sistemas mari-nhos com maior biodiversidade.

Suporte: CNPq, FAPDF, FAPRJ

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