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CATEDRAL METROPOLITANA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO DE SÃO PAULO - CATEDRAL DA SÉ
Endereço: Praça da Sé, Centro,
São Paulo, SP.
Classificação: Espaço Religioso.
Identificação numérica: 132-10.001
No centro da Capital de São Paulo, desde o início do século XX, a Catedral
Metropolitana Nossa Senhora da Assunção de São Paulo, popularmente conhecida
como Catedral da Sé tornou-se pólo aglutinador de manifestações de massa, que
encontraram ali espaço de reunião e protesto. Ao assumir a Arquidiocese em 1970,
Dom Paulo Evaristo Arns transformou a Catedral em tribuna de denúncias dos
crimes cometidos pelo regime ditatorial, mas também local de apoio aos
perseguidos políticos e seus familiares.
Ao mesmo tempo, multidões passaram a se reunir na praça, em frente à
catedral, reivindicando anistia, melhores condições de vida e eleições diretas para
presidente. A praça passou a ser uma extensão da igreja, e quando os militares
chegavam ao espaço público para reprimir a população que protestava, os
religiosos abriam as portas da igreja para proteger a população.
ATUAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA DURANTE A DITADURA CIVIL-MILITAR
A instabilidade política do governo de João Goulart (1961-1964) favoreceu o
cenário para o golpe civil-militar, e a Igreja Católica teve grande destaque,
Memorial da Resistência de São Paulo
PROGRAMA
LUGARES DA MEMÓRIA
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sobretudo na promoção de manifestações públicas, a exemplo das Marchas da
Família com Deus pela Liberdade. O movimento surgiu em meados de 1962,
organizado por mulheres, com apoio do clero, de alguns governos estaduais e dos
militares.
Nos primeiros meses de 1964 mulheres de diversas capitais e de importantes
cidades do interior, apoiadas e organizadas pelo clero, promoveram debates,
organizaram comícios e irromperam em estações de jornais e TV levando
manifestos anticomunistas e demonstrando enfaticamente sua decisão de se
organizarem para combater a ‘infiltração vermelha’ (SIMÕES, 1985, 67).
“A religiosidade, segundo Simões foi fundamental para a articulação do movimento, posto que as mulheres detinham pouco conhecimento sobre os projetos políticos e econômicos. A atenção dessas era contra a suposta “ameaça comunista” e seus danos à moralidade, aos costumes e a religião. A compreensão que se tinha do comunismo e socialismo, dentro destes grupos, era a concepção de “doutrina”, a qual tinha por objetivo subverter a moral, eliminar a religião e separar os pais dos filhos (SIMÕES, 1985, 85)1”.
A Igreja Católica teve dois momentos e posicionamentos quanto ao governo
militar: de apoio à intervenção militar, sobretudo nos primeiros anos do golpe; e de
repúdio e combate as violações aos direitos humanos cometidos pelos militares.
“Antes de mais nada, é preciso lembrar que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) deu apoio oficial ao golpe militar de 1964, em declaração de 29 de maio, na qual os bispos brasileiros afirmam que, vendo “a marcha acelerada do comunismo para a conquista do poder, as forças armadas acudiram em tempo, e evitaram que se consumasse a implantação do regime bolchevista em nossa terra” ”. (COMPARATO, 2013, pg. 109)2.
Havia setores conservadores que apoiaram o regime militar, mas também
alguns segmentos e membros do clero que combateram a ditadura denunciando os
1 BRITO, Ana Paula. O tempo da Memória Política: (Re) significando os usos sobre a memória do período militar no Brasil. (Dissertação de Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural). Universidade Federal de Pelotas, 2013.
2 O texto “A Cúria como Centro de Resistência” de Fábio Konder Comparato na íntegra poderá ser consultado no livro “O Cardeal da Resistência: as muitas vidas de Dom Paulo Evaristo Arns” de Ricardo Carvalho.
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crimes. Diversas ordens da Igreja Católica (franciscanos, dominicanos, beneditinos,
entre outros) atuaram ajudando os perseguidos políticos e seus familiares. Em São
Paulo, o Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns teve grande destaque na denuncia
dos crimes da ditadura, e no apoio a seus familiares.
Cardeal da Esperança (dito por Clarice Herzog), Cardeal da Resistência
(Ricardo Carvalho), Cardeal da Coragem (José Carlos Dias), Profeta da Resistência
(José Gregório) são alguns dos adjetivos que antecediam o nome do religioso, dito
por quem conheceu Dom Paulo. Nomeado Cardeal do estado de São Paulo em
1970, ele se destacou na defesa pelos direitos humanos nos anos mais violentos do
país, durante um regime militar, que não respeitava o direito de nenhum civil, nem
mesmo dos religiosos.
DO SAGRADO AO SOCIAL: USOS DA CATEDRAL EM DEFESA DOS DIREITOS
HUMANOS
A primitiva igreja do Páteo do Colégio, erguida no século XVI, e por vezes
reconstruída, foi a Catedral de São Paulo até 1911, quando foi novamente
demolida. Em 1913 se inicia a construção de uma nova igreja para se tornar a
Catedral de São Paulo, nas imediações da antiga edificação, concluída apenas em
1954.
A nova igreja foi projetada pelo alemão Maximilian Emil Hehl (1861-1916),
em estilo eclético, predominantemente neogótico, inspirada nas grandes catedrais
medievais europeias:
A catedral foi por muito tempo a maior igreja da cidade de São Paulo, com 111 metros de comprimento, 46 de largura, duas torres de 92 metros e a cúpula atinge 70 metros de altura. A Catedral paulistana tem dimensões semelhantes à Abadia de Saint-Denis, da França e capacidade para abrigar 8.000 pessoas. Possui cinco naves cobertas por abóbadas ogivais, quase todas quatripartidas. O ponto de intercessão entre elas é uma abóbada alicerçada por doze colunas de três metros de diâmetro e trinta metros de altura (SANTOS, 2014, pg. 09).
A catedral tornou-se o principal espaço religioso da cidade, instituído no
centro da capital. Na história contemporânea, o lugar passou a servir a população
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não apenas para assuntos espirituais, passando a comtemplar um serviço social. O
jurista Fábio Comparato (2013, pg. 109) sobre a atuação de Dom Paulo Evaristo
Arns afirma que: “Ao tomar posse do cargo de arcebispo metropolitano de São
Paulo, em 1º de novembro de 1970, ele fez da Cúria Metropolitana o centro de
resistência à política de sequestros, assassínios e tortura de presos políticos. Dom
Paulo foi o primeiro a organizar, na Cúria Metropolitana de São Paulo, a lista dos
desaparecidos políticos”. No livro “Brasil Nunca Mais” (resultado de um projeto que
analisou mais de 1.000.000 de páginas contidas em 707 processos do Superior
Tribunal Militar, que relevou a sociedade a extensão da repressão política no Brasil
entre os anos de 1961 a 1979), publicado em 19853, o próprio arcebispo relata a
importância do trabalho realizado na Catedral da Sé na defesa dos direitos
humanos.
As angústias e esperanças do Povo devem ser compartilhadas pela Igreja. (...) Durante os tempos da mais intensa busca dos assim chamados “subversivos”, atendia eu na Cúria Metropolitana, semanalmente, a mais de vinte senão cinquenta pessoas. Todas em busca do paradeiro de seus parentes. (...) A senhora mais idosa me fez a pergunta que já vinha repetindo há meses: “O senhor tem alguma notícia do paradeiro de meu filho?” Logo após o sequestro, ela vinha todas as semanas. Depois reaparecia de mês em mês. Sua figura se parecia sempre mais com a de todas as mães de desaparecidos. Durante mais de cinco anos, acompanhei a busca de seu filho, através da Comissão Justiça e Paz e mesmo do Chefe da Casa Civil da Presidência da República. O corpo da mãe parecia diminuir, de visita em visita. Um dia também ela desapareceu. Mas seu olhar suplicante de mãe jamais se apagará de minha retina (ARNS, 1985, p. 12)4.
Dom Paulo representou uma série de religiosos e civis, vinculados a
Catedral da Sé, que enfrentaram o regime militar com atos de solidariedade aos
perseguidos políticos. Entre as principais ações realizadas durante o arcebispado
de Dom Paulo Evaristo Arns, destacamos algumas ações na linha do tempo abaixo.
3 A versão digital da publicação poderá ser consultada em: <http://bnmdigital.mpf.mp.br/#!/bnm-digital>, acessado em 15/09/2014.
4 ARNS, Paulo. Prefácio do livro: Brasil Nunca Mais. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.
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Comissão Justiça e Paz - 1972
No contexto de resistência ao terrorismo de estado implantado pelos militares,
Dom Paulo Evaristo Arns organiza na Catedral grupos de pessoas para lhe
ajudarem na defesa dos direitos humanos. Nesse cenário é criada a Comissão
Justiça e Paz em 1972 com o objetivo de auxiliar, na esfera jurídica, os perseguidos
militares e seus familiares. Composta majoritariamente por juristas dispondo ainda
de um estudante, uma mulher e um operário (em cumprimento ao estatuto de
criação da Comissão). A Comissão ajudou muitos presos políticos, familiares de
desaparecidos políticos e militantes estrangeiros que buscavam exílio no Brasil5.
Panfletos e Distribuição de livretos com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos - 1973
Em março de 1973, quando os militares celebravam o 14º aniversário do
Golpe de 1964, a Arquidiocese distribuiu uma quantidade de 500 panfletos sobre a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada em 1948 pela Organização
das Nações Unidas – ONU, e assinada pelo Brasil em 1973. Depois do domingo de
páscoa, a igreja então distribuiu cerca de 500 mil livretos de uma versão ecumênica
da Declaração.
Em cada um dos 30 artigos da Declaração existem trechos com recentes pronunciamentos tanto das Igrejas Evangélicas como da Igreja Católica. Cada artigo é seguido das seguintes partes: todas alusivas ao artigo: um versículo do Antigo Testamento; um versículo do Novo Testamento; um pronunciamento oficial da Igreja Católica; um pronunciamento oficial de Igrejas Evangélicas; e outros textos bíblicos6.
Carvalho (2014, pg. 36) afirma que neste ano, chegaram a ser rodados um
milhão e quinhentos mil exemplares da Declaração, que foram bastante utilizadas
nas reuniões das comunidades de base.
5 Para maiores informações sobre a Comissão, recomenda-se a leitura do livro de Antônio Carlos Ribeiro Fester. “Justiça e Paz. Memórias da Comissão de São Paulo. São Paulo: Loyola, 2005”.
6 Trecho do jornal “O São Paulo” de março de 1973. Transcrito no livro “O Cardeal da Resistência: as muitas vidas de Dom Paulo Evaristo Arns” de Ricardo Carvalho, pg. 306.
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A Rádio Nove de Julho e o Jornal “O São Paulo” - 1973
A igreja católica dispunha de outras formas de se aproximar da comunidade,
para além das celebrações religiosas. Um de seus canais era a Rádio Nove de
Julho. “Criada em 1953, um ano antes das comemorações do 4º centenário da
cidade de São Paulo, a emissora só passou a operar oficialmente a 2 de março de
1956, através de concessão autorizada pelo presidente Juscelino Kubitschek”
(ABREU, 2007, PG. 02). Sua transmissão cobria o Estado de São Paulo, grande
parte dos estados brasileiros e alguns países vizinhos.
A rádio divulgava os eventos da igreja e transmitia as missas dominicais, e
evidentemente os sermões de Dom Paulo Evaristo Arns, que eram sermões de
denúncias e defesa dos direitos humanos para presos políticos. Este aspecto
motivou os militares a fecharem a rádio em 05 de novembro de 1973, durante o
governo de Emílio Garrastazu Médici. Somente na democracia, na década de 90,
durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso a rádio é devolvida a
Cúria Metropolitana, com permissão para a atividade.
Outro meio de comunicação da igreja era o jornal “O São Paulo”7. Tratava-se
de um semanário arquidiocesano “dedicado a refletir os acontecimentos à luz da
doutrina da Igreja e das linhas de pastoral da CNBB e, particularmente, da Igreja
que está em São Paulo” 8.
“Com a instauração do regime militar no Brasil em 1964 e sendo testemunha dos desaparecimentos, torturas e mortes emplacados em 20 anos de ditadura, o jornal O São Paulo nunca fora tão incisivo cumprindo o papel de consciência crítica, de voz dos sem voz e de defensor dos direitos humanos” (BRAGA, 2010, pg. 61).
Por seu apoio aos direitos humanos que eram infringidos durante a ditadura.
O jornal passou a sofrer advertências dos militares, sobretudo a partir de 1966,
quando o semanário completava dez anos de fundação. As advertências ao jornal
tiveram continuidade nos anos seguinte, até que em 1973 os militares censuram
sua publicação.
7 O primeiro numero do semanário foi publicado em 25 de janeiro de 1956.
8 PEREIRA, Antônio Aparecido. A Igreja e a censura política à imprensa no Brasil 1968-1978. Tese de diploma de Jornalismo. Centro Internazionale per gli Studi Sull’ Opinione Pubblica. Roma, 1982. p. 36.
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Culto Ecumênico pela morte do jornalista Vladimir Herzog - 1975
O assassinato do jornalista Vladimir Herzog em 25 de outubro provocou uma
onda de indignação nos setores sociais que estavam adormecidos frente a
truculência instaurada pelo regime. O ato ecumênico reuniu cerca de oito mil
pessoas em um ato de protesto silencioso.
A tentativa de repressão ao ato, onde a força policial cercou a catedral
filmando e fotografando quem compareceu a missa não impediu essa grande
mobilização. Sendo, portanto primeira manifestação aberta contra a ditadura desde
o final dos anos 60.
Imagem 01: Multidão em frente a Catedral da Sé, no dia da realização do Culto Ecumênico pela morte de Vladimir Herzog em 31 de outubro de 1975. Fonte: Acervo do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo
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Imagem 02: Ato Ecumênico na Catedral da Sé, pela morte do jornalista Vladirmir Herzog em 31 de outubro de 1975. Fonte: Arquivo Agência do Estado. Imagem 03: Dom Paulo e o rabino Henry Sobel no culto ecumênico pela morte de Vladimir Herzog. Foto: Alvaro Costa. Fonte: FolhaPress.
CLAMOR - 1978
Outra importante organização criada por Dom Paulo na Catedral da Sé foi o
Comitê de Defesa dos Direitos Humanos para os Países do Cone Sul – CLAMOR
em 1978. A Arquidiocese, representada por Dom Paulo, passou a ser muito
buscada por cidadãos latino-americanos que procuravam abrigo, proteção e ajuda
financeira, sobretudo após o golpe militar na Argentina em 1976. “Foi para resolver
essa necessidade que refugiados argentinos procuraram Jan Rocha e Luiz Eduardo
Greenhalgh, fato que deu origem à formação do grupo”. (FRAGA, 2012, p. 45).
“O CLAMOR passou a distribuir em toda a América Latina e Europa boletins com relatos de violações aos direitos humanos e fotografias de bebês levados pelos militares. O primeiro, produzido em português, inglês e espanhol, chegou à Argentina, anfitriã da Copa do Mundo de 1978, na semana do primeiro jogo” (CARVALHO, 2013, pg. 209).
Além dos boletins com as denúncias e dados dos desaparecidos políticos dos
países do Cone Sul, o grupo publicou um dossiê com uma extensa pesquisa sobre
os desaparecidos. “A ideia básica era mostrar que os desaparecidos não eram uma
massa sem rosto, simplesmente números, mas que cada um existiu sim, como uma
pessoa, um indivíduo, um pai e uma mãe, com nome e profissão” (FRAGA, 2012,
pg. 47). O dossiê foi muito importante, anos depois, quando da elaboração do
relatório da Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas na Argentina.
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Repressão aos Religiosos
Por todas essas ações de enfrentamento ao regime militar, com atos de
resistência e solidariedade aos ditos “subversivos” Dom Paulo e os principais
integrantes das organizações criadas por ele, passaram a ser vigiados e
ameaçados pelos militares. Especificamente com Dom Paulo Evaristo Arns, os
militares abriram 46 fichas na Delegacia de Ordem Política e Social de São Paulo –
Deops, para registrar as ações do religioso. Reunidos em um prontuário do mesmo
órgão, de numeração 5053, os documentos demonstram análises de agentes do
Deops sobre o padre considerado “subversivo da cúpula da Ala Progressista do
clero católico”. Dom Paulo passou a conviver com ameaças, e com os olhares
atentos e ameaçadores de militares que passaram a vigiá-lo.
Imagem 04: Lateral da Catedral da Sé com pichações de ameaça aos religiosos. Fonte: Ricardo Carvalho, 2013, pg. 243.
A Catedral também foi alvo dessa repressão militar. Na foto acima, frases
como: “Morte aos padres comunas”; “Padres chamando o povo para a luta armada”;
“Comunistas traidores, Padres comunistas Fora!” foram pichadas na lateral da
igreja.
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Missa de Sepultamento do operário Santo Dias
Santo Dias participava de um piquete em frente à fábrica Sylvânia em que
dialogava com os operários que entravam no turno da tarde. Viaturas foram até o
local prendendo alguns trabalhadores, na tentativa de conversar com os policiais
para a libertação dos companheiros presos, ele foi atingido pelas costas sendo
levado pelos policiais ao Pronto Socorro de Santo Amaro, chegando morto. Seu
corpo só não desapareceu, devido a postura firme de esposa que mesmo
pressionada pelos policiais manteve ao lado do corpo durante o transporte até o
IML.
Com a divulgação da notícia da morte de Santo Dias seu corpo foi velado na
Igreja da Consolação no dia 31 de outubro comparecendo 30 mil pessoas que
acompanharam a condução do corpo até a Catedral da Sé, protestando contra a
morte do operário e pelo direito de livre associação sindical e de greve contra a
ditadura.
Missa em Homenagem ao Frei Tito - 1983
Os religiosos foram muito perseguidos pelos militares durante a ditadura, na
ordem dos dominicanos, por exemplo, houve casos emblemáticos sobre as
consequências das torturas infringidas pelos militares. Um dos casos de maior
notoriedade pública foi o do Frei Dominicano Tito de Alencar, preso em novembro
de 1969 no Convento de Perdizes, encaminhado para o Deops/SP onde foi
barbaramente torturado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury.
Frei Tito é banido do país em 1970, quando é incluído na lista de presos políticos a
serem trocados pelo embaixador suíço Giovanni Bucher. Exilado na França, o frei
não conseguiu suportar as consequências psicológicas que as torturas físicas lhe
causaram e comete o suicídio.
Em março de 1983 os restos mortais do Frei retornam ao Brasil, sendo acolhido na
Catedral da Sé para uma missa solene, celebrada pelo cardeal D. Paulo Evaristo
Arns.
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RELAÇÃO DA PRAÇA COM A IGREJA E AS MANIFESTAÇÕES CONTRA A
CARESTIA
A Praça da Sé ao longo de sua história assume o caráter de espaço
aglutinador das manifestações e protestos das mais diversas correntes ideológicas.
Ora abrigando movimentos conservadores como a Ação Integralista e a Marcha da
Família com Deus pela Liberdade (que apoiou o golpe civil-militar de 1964), ora
abrigando manifestações como o do 1º de maio com a luta dos trabalhadores
contra a opressão e promovendo cultos ecumênicos àqueles que foram reprimidos
pelos militares.
A praça nesse contexto de reivindicações, atos de solidariedade e de
denúncias aos crimes da ditadura, tornou-se uma extensão da Catedral, e vice-
versa. Uma relação intrínseca se formou, de modo que a Catedral e a Praça da Sé
passaram a ser o principal espaço para reivindicações pela liberdade democrática
na cidade durante os anos de chumbo. Dentre inúmeras manifestações que
integram a Praça e a Catedral, podemos citar o movimento popular condensado no
“Movimento contra a Carestia”.
No dia 27 de agosto de 1978 um ato na Praça da Sé, organizado por donas
de casa que, apoiadas pela Igreja Católica, manifestavam-se contra o alto custo de
vida refletido nos baixos salários e no aumento do gênero alimentício. Cerca de
20.000 pessoas foram reprimidas, pelo aparato policial, com bombas e cães
treinados. O refúgio encontrado pela multidão foi a Catedral, que abrigou todos os
manifestantes. O movimento havia recolhido 1,3 milhões de assinaturas contra a
carestia, que seriam entregues ao Presidente da República. O presidente Geisel
desconsiderou o documento, que representava os anseios da sociedade. Mas a
organização do movimento foi crucial para o fortalecimento das lutas pela abertura
política.
Ao longo de todo processo de lutas sociais pela liberdade democrática, cabe
destacar a ousadia e coragem do Arcebispo da Catedral da Sé, Dom Paulo Evaristo
Arns, e de outros religiosos e civis que arriscaram suas vidas pela defesa dos
direitos humanos e o combate à repressão política. Nesse sentido, a Catedral da
Sé, além de ser um patrimônio de beleza arquitetônica ímpar, é um lugar de
memórias de resistência à ditadura civil-militar, e também de repressão política.
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Nela, diversos grupos sociais lutaram pelo direito a verdade num período onde
a informação tinha o poder sobre a vida ou a morte das pessoas, pois muitos civis
foram presos em órgãos de segurança sem nenhum tipo de registro oficial. O
trabalho desenvolvido na Catedral, em parceria com advogados e familiares, era
crucial para a localização de desaparecidos políticos e em alguns casos, para a
garantia de sua sobrevivência.
Muitos familiares ainda procuram parentes desaparecidos durante o regime
militar, outros clamam por justiça aos crimes cometidos contra seus entes queridos.
Neste aspecto, o arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns foi de uma ousadia singular
ao denunciar no púlpito da catedral, os crimes cometidos durante a ditadura pelos
militares. Este lugar reuniu lutas por verdade, justiça e memória, bandeiras
fundamentais na defesa dos direitos humanos em uma sociedade que viveu uma
ditadura militar por 24 anos.
ATUALMENTE E/OU ACONTECIMENTOS RECENTES
O Arcebispo Arns recebeu inúmeras homenagens por sua atuação na defesa dos
direitos humanos. Sua imagem, associada à Catedral da Sé, serão sempre
sinônimos de refúgio e ousadia na luta pela democracia.
O Arcebispo atual da Catedral da Sé é o Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer. Os
meios de comunicação da catedral que foram censurados na ditadura (Rádio 9 de
julho e o Jornal O São Paulo), na democracia voltam a existir, e seguem como um
elo de comunicação entre a igreja e o povo.
FILMES E/OU DOCUMENTARIOS
Documentário: Dom Paulo Coragem e Fé. Direção de Renato Levi. Ano: 2002.
Duração: 27 minutos. Produção da TV PUC em parceria com a TV Cultura de São
Paulo. Sinopse: Realizado para comemorar os 80 anos do Arcebispo Emérito de
São Paulo, o documentário apresenta dos principais acontecimentos da vida de
Dom Paulo. No vídeo o Arcebispo relembra suas origens no interior de Santa
Catarina e como ingressou na igreja. Os principais acontecimentos históricos
recentes e suas consequências para o país são analisados pelos principais
personagens que viveram a resistência contra a ditadura militar. Eles relatam as
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dificuldades de organização da sociedade civil e a participação de Dom Paulo na
luta pelo fim da tortura e pelo restabelecimento da democracia no Brasil.
Documentário: Comissão de Justiça e Paz e a ditadura militar no Brasil. Direção
de Mario Dallari Bucci. Trabalho de conclusão de curso orientado por Renato Levi.
Curso de Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ano: 2009.
Duração: 46 minutos. Sinopse: O documentário “Comissão Justiça e Paz e a
ditadura militar no Brasil” procura abordar a atuação do grupo no período entre
1972 e 1985, contado a história a partir do ponto de vista de três de seus mais
importantes membros no período9.
ENTREVISTAS RELACIONADAS AO TEMA
O Memorial da Resistência possui um programa especialmente dedicado a
registrar, por meio de entrevistas, os testemunhos de ex-presos e perseguidos
políticos, familiares de mortos e desaparecidos e de outros cidadãos que
trabalharam/frequentaram o antigo Deops/SP. O Programa Coleta Regular de
Testemunhos tem a finalidade de formar um acervo cujo objetivo principal é ampliar
o conhecimento sobre o Deops/SP e outros lugares de memória do estado de São
Paulo, divulgando desta forma o tema da resistência e repressão política no período
da ditadura civil-militar.
- Produzidas pelo Programa Coleta Regular de Testemunhos do Memorial da
Resistência
DIAS, Ana. Entrevista sobre militância, resistência e repressão durante a
ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de São Paulo, entrevista concedida
a Ana Paula Brito, Paula Salles e Karina Teixeira em 30/09/2014.
9 Para acesso ao vídeo do Documentário, consultar site Agência Maurício Tragtenberg. Disponível em: <http://agemt.org/?p=2937>, acessado em 15/09/2014.
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- Outras entrevistas
Jornal Gazeta. Dom Paulo, o cardeal da resistência, em livro. Entrevista com
Ricardo Carvalho. São Paulo, 23/10/2013. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=eeZ4P11QLVE, acessado em 12/09/2014.
REMISSIVAS
Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade - TFP;
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - Centro Acadêmico XI de
Agosto; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC; Cidade Universitária
Armando Salles de Oliveira - USP; Porta da Fábrica Sylvânia; Instituto Médico Legal
- IML/SP; Igreja da Consolação; Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.
REFERENCIAS
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COMO CITAR ESTE DOCUMENTO:
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