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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – PUBLICIDADE E PROPAGANDA
Mariana Gasparetto Feistauer
O FEMVERTISING NO ROTEIRO PUBLICITÁRIO: ESTUDO E PRÁTICA
Santa Maria, RS 2016
Mariana Gasparetto Feistauer
O FEMVERTISING NO ROTEIRO PUBLICITÁRIO: ESTUDO E PRÁTICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS) como requisito parcial para a obtensão do título de Barachel em Publicidade e Propaganda.
Orientador: Prof. Luciano Mattana
Santa Maria, RS 2016
Mariana Gasparetto Feistauer
O FEMVERTISING NO ROTEIRO PUBLICITÁRIO: ESTUDO E PRÁTICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS) como requisito parcial para a obtensão do título de Barachel em Publicidade e Propaganda.
Aprovado em ____ de dezembro de 2016.
_______________________________ Prof. Luciano Mattana
(Orientador)
_______________________________ Prof. Leandro Stevens (UFSM)
_______________________________ Prof.ª Dr.ª Milena Freire (UFSM)
Santa Maria, RS 2016
À vovó Tetê, que me ensinou a torcer para o Grêmio, a nunca parar de viajar e que as cobras só morrem quando o golpe é dado na cabeça. Isso sempre me pareceu uma metáfora sobre acertá-las em seus argumentos. Este trabalho é uma tentativa de atacar o machismo em sua cabeça.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Guto, que não só me impediu de desistir de tudo, como sempre acreditou em mim, mesmo que nem eu acreditasse. Agradeço às cinco mulheres que vieram antes, Therezinha, Marta, Marizete, Maira e Carolina, obrigada por me inspirarem e me incentivarem a ser livre. Muito antes que eu pudesse ler qualquer coisa de Beauvoir.
“Toda palavra é um equívoco” (autor desconhecido)
RESUMO
O FEMVERTISING NO ROTEIRO PUBLICITÁRIO: ESTUDO E PRÁTICA
AUTORA: MARIANA GASPARETTO FEISTAUER ORIENTADOR: Prof. LUCIANO MATTANA
Este projeto experimental tem como foco a criação de um roteiro para filme publicitário para a web, que aplique como estratégia criativa o femvertising. Anterior a prática, há uma reflexão teórico-metodológica sobre desigualdade de gênero na sociedade e na propaganda, o femvertising e o reconhecimento dos elementos necessários à escrita de um roteiro publicitário. Com base no conhecimento apreendido, uso um briefing hipotético e aplico o femvertising na criação do roteiro de um filme publicitário, que visa sensibilizar criativos, anunciantes e agências a repensar a representação da mulher na propaganda. Palavras-chaves: Publicidade; Propaganda; Femvertising; Roteiro; Filme Publicitário; Gênero; Web;
ABSTRACT
THE FEMVERTISING IN THE ADVERTISING SCRIPT: STUDY AND PRACTICE
AUTHOR: MARIANA GASPARETTO FEISTAUER ADVISOR: Prof. LUCIANO MATTANA
This experimental Project focuses in the development of a web advertising filmscript, which applies the femvertising as creative strategy. Before the practice itself, there is a theoric and methodological observation about inequality of gender in society and in advertising, the presentation of the femvertising concept and also the recognition of the necessary elements for film script writing. And then, based on what was learnt, using a hypothetical briefing, I apply the femvertising on the creation of a film script, that aims sensitize professionals of creativity, brands and advertising agencies to rethink the representation of women on advertising. Keywords: Advertising; Femvertising; Scriptwriting; Film, Gender; Feminism; Web;
LISTA DE FIGURAS Figura 01 - Diagrama da estrutura ideal de um roteiro publicitário ........................... 37 Figura 02 - Exemplo da formatação de um roteiro publicitário .................................. 39
SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................................10
1 FEMVERTISING..................................................................................................141.1 RELAÇÕESDEPODEREDESIGUALDADEDEGÊNERO..........................................................151.2 RELAÇÕESDEPODEREDESIGUALDADEDEGÊNERONAPUBLICIDADE..............................191.3 FEMVERTISING:FEMINISMOEPUBLICIDADE......................................................................231.3.1 DadosdepesquisassobreFemversting.........................................................................27
2 OROTEIROPUBLICITÁRIO.................................................................................292.1 ATEORIADOROTEIRO.........................................................................................................312.2 TRATAMENTOSDOROTEIRO...............................................................................................362.3 ELEMENTOSDOTRATAMENTOROTEIRO............................................................................382.4 ELEMENTOSSECUNDÁRIOSNOROTEIRO............................................................................452.5 ELEMENTOSTERCIÁRIOSNOROTEIRO................................................................................49
3 OFEMVERTISINGAPLICADOAOMEUROTEIROPUBLICITÁRIO..........................513.1 OBRIEFING...........................................................................................................................513.2TRATAMENTOSEROTEIROFINAL...................................................................................................533.3EXPLICANDOASESCOLHASDEFEMVERTISINGNASCENAS............................................................62
4CONSIDERAÇÕESFINAIS................................................................................................67
APÊNDICEA–LIBRESSE–BLOOD.....................................................................................72
APÊNDICEB–SKOL–DIADOORGULHOLGBT..................................................................74
APÊNDICEC–HELLOFLO–FIRSTMOONPARTY...............................................................76
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INTRODUÇÃO
Uma breve consulta a algumas das narrativas míticas que geraram as bases
morais, éticas e filosóficas da sociedade ocidental revela que, desde os primórdios,
se reservou um lugar de opressão às mulheres. Isso porque, quando a sociedade se
elevou as bases escritas, os homens eram quem estavam no domínio da história e,
então, se colocaram em lugar de soberania frente ao que estabeleceram como
sendo mulher. A esse pensamento do macho soberano, dá-se o nome de machismo.
Através dele, a desigualdade de gênero foi justificada, fazendo uso de ideias
estapafúrdias, repressão social e política, e se alastrou nas mais diversas esferas de
reprodução simbólicas do social, uma delas, a publicidade.
As mulheres, até hoje, ainda vivenciam diariamente as violências derivadas
do machismo, na publicidade. Isso se torna explícito quando a mulher é objetificada,
ou seja, representada como um mero objeto de uso e prazer de outros os dos
próprios produtos e marcas. Se dentro do espaço sócio-político a resposta a essas
opressões veio da criação do movimento feminista, que luta pela igualdade de
gênero, na publicidade, esfera simbólica que atende aos abarcados pelo consumo, a
reação foi o Femvertising. O termo vem da união entre Feminism (Feminismo em
inglês) e Advertsing (Propaganda em inglês), e prega o uso de representações
empoderadas de mulheres e meninas nas propagandas. A diferença é que essa
reação é mercadológica, surge dentro do próprio mercado de publicidade e
marketing, quando pesquisas começam a apontar forte rejeição das mulheres aos
estereótipos objetificados do machismo.
Afinal, as mulheres conseguiram algumas conquistas: apesar de ainda
receberem salários mais baixos que os dos homens, aumentaram sua participação
nos espaços de trabalho e sociedade e, consequentemente, sua renda e seu poder
de consumo. Com o advento de novos espaços de representação como a internet,
principalmente as redes sociais, conseguiram negociar lugares onde fazem valer as
suas vozes e a reivindicação dos seus direitos.
A publicidade desenvolve o Femvertising em prol de não perder esse público
consumidor, obedecendo à lógica de sempre acompanhar as mudanças sociais para
atender os desejos dos consumidores e continuar a vender. Mesmo com a face
completamente voltada ao consumo, o Femvertising tem pontos positivos, não
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reforça estereótipos nocivos à sociedade e acaba abrindo o debate sobre igualdade
de gênero dentro das esferas sociais que participam dessa lógica.
Descobri o termo quando, ao me aproximar do final da graduação,
necessitava desenvolver meu projeto de trabalho de conclusão. Com uma vaga ideia
baseada em preferências pessoais, desejava realizar um roteiro publicitário, que
questionasse a criação de propagandas machistas. Tinha apenas um briefing em
mente, no qual, algum cliente que representasse a insatisfação com a representação
das mulheres na propaganda, após pesquisas decidi pela consultoria 65/101,
empresa, que segundo eles mesmo se definem, tem como missão “mudar o papel
da mulher na publicidade para acompanhar os novos papéis da mulher na
sociedade” Em hipótese a 65/10 desejaria atingir um o público alvo de publicitários e
marcas para que se conscientizassem a não utilizar estereótipos opressivos.
A ideia ainda era rasa para construir um trabalho acadêmico, então, realizei
mais pesquisas para transformar isto em um projeto consistente. Assim, me deparei
com as teorias sobre gênero e objeticação da mulher na propaganda e, dentro deste
escopo, encontrei o femvertising para aplicar no roteiro.
A partir dessa pesquisa, consegui construir, de fato, um projeto sólido para o
projeto experimental, que conta com objetivos específicos: empreender um debate
acerca do tema femvertising, sociedade contemporânea e igualdade de gêneros,
reconhecer os elementos compositivos de roteiros publicitários audiovisuais, redigir
uma série de tratamentos de um roteiro de filme publicitário sob a luz do
femvertising. Esses servem de auxílio para chegar ao meu objetivo geral: compor
um roteiro de filme publicitário sob a luz do femvertising. Dessa forma me sinto satisfeita, em fazer a união de duas coisas que me
acompanham há muito tempo: a escrita criativa, ao trabalhar a teoria sobre roteiro, e
a luta pela igualdade de gênero, quando trato do femvertising. Comecei e finalizo a
faculdade como redatora e, assim, meu objetivo é levar o que foi apreendido para
minha vida profissional. Já os estudos de gênero e a participação no movimento
feminista iniciaram anteriormente à graduação e, como mulher e criativa, sempre me
incomodaram as entrelinhas de muitos anúncios publicitários, dos mais diversos
produtos, por meio dos quais havia um reforço das ideias do machismo. Com este
1Informaçõessobrea65/10–consultoriadecomunicaçãocommulheresdisponívelem<http://meiacincodez.com.br>
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trabalho, não posso mudar a indústria da propaganda, mas tento justificar a
importância da atuação dos profissionais da criação ser feita com responsabilidade
de não advogar por mensagens nocivas às mulheres, e consequentemente, à
sociedade. Também desejo levar esse aprendizado, tanto sobre criação, quanto
estudo de gênero para dentro do mercado onde pretendo atuar como redatora e
roteirista.
Além de um tema consistente, precisava de uma metodologia que casasse
com a ideia do trabalho. Dado a sua natureza de projeto experimental, a
metodologia foi construída para se chegar ao objetivo, reunindo o método de
roteirização às ideias de empoderamento da mulher que compõem a estratégia do
femvertising. Para tanto, realizei um processo que aliou reflexão teórica para adquirir
conhecimento sobre o que, simbolicamente, é este empoderamento através do
femvertising, e sobre a teoria da escrita dos roteiros e seus elementos a serem
trabalhados no texto, para só assim, posterior a este estudo, seguir para a aplicação
prática.
Dentro do escopo da reflexão teórica, dedico um capítulo a empreendender
um debate sobre o tema femvertising, mas para chegar ao entendimento deste
recente conceito, antes, exploro as relações de desigualdade de gênero dentro da
sociedade e da própria publicidade, para compreender e apreender este novo
conceito como um todo e, assim, adquirir propriedade para, posteriormente, aplicá-lo
na prática.
Ainda sobre a dimensão teórica, também dedico um capítulo ao estudo sobre
a estrutura e os elementos do roteiro publicitário. Realizo análise de como podem
ser trabalhados os esses elementos, avaliando alguns roteiros que fazem uso do
femvertising, para apreender e demonstrar opções da construção dessa estratégia
criativa dentro das narrativas.
Após a parte teórico-reflexiva, me dedico a criação da ideia que atenda o
briefing, contratado pelo cliente (consultoria 65/10), com objetivo de atingir
publicitários e marcas para que não façam uso de estereótipos machistas na
propaganda. Essa parte é essencialmente prática, durante a qual são apresentados
4 tratamentos de roteiro, que demonstram um percurso de como, ao longo do
processo de criação, vai se dando o refino de descrições e elementos, o
enriquecimento da narrativa, a partir da adição ou subtração textual: ocorre uma
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evolução da descrição de personagens, cenas, locuções, diálogos e slogans, até
chegar ao roteiro que se aceita como final.
O femvertising fica explícito durante toda narrativa através do uso de
personagens mulheres, sempre em situação de sujeito, possuindo o poder dentro da
situação que protagonizam. Trata-se de um roteiro que opera por meio da
exemplificação de como a propaganda pode mudar em prol das mulheres sem
perder em conteúdo e criatividade, muito pelo contrário, acaba até ganhando nestes
quesitos.
A formatação de roteiro é feita com base no modelo literário definido por
Barreto (2004), em que não há uma separação clara das cenas. O roteiro é uma
descrição da história para que o diretor visualize o todo e, então, dê o tratamento
técnico necessário para a produção de um filme. Faço isso, pois realizo este
trabalho sob a perspectiva exclusiva de alguém que pretende se aprofundar apenas
no universo de criação da redatora publicitária.
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1 FEMVERTISING
No SuperBowl2 de 2014, o evento que possui um dos intervalos comerciais
mais caros do mundo, a marca de Absorvente Íntimos Always decidiu veicular uma
propaganda para questionar o fato da expressão “Agir como uma garota”3 ter se
tornado sinônimo de ofensa, colocando para debate a importância de alterar a
percepção do significado desta expressão. O absorvente íntimo, principal produto da
marca, não foi sequer mencionado.
Há algum tempo, a publicidade descobriu que ao invés de focar nos atributos
físicos dos seus produtos e marcas, poderia vendê-los através de um conceito,
baseado em emoções, estilos de vida e qualquer coisa que faça parte do subjetivo
do ser humano e da sociedade. Os direitos sociais não ficaram de fora, entre eles a
igualdade de gênero.
No mesmo ano de 2014, foi publicado, em um relatório de pesquisa sobre
tendências para marcas e produtos se comunicarem com as mulheres, o termo
Femvertising, explicado como a propaganda que se apropria de ideias feministas, ou
seja, faz uso do empoderamento da mulher e de meninas em suas narrativas em
prol do consumo. Até o presente ano, está crescendo a lista de exemplos de
campanhas que utilizam dessa imagem da mulher real, empoderada, inteligente,
talentosa, diversa em sua beleza para vender marcas e produtos.
Essa “nova tendência” não indica que a publicidade resolveu se redimir,
depois de anos reproduzindo a lógica machista da sociedade em suas narrativas e
representando a mulher de forma objetificada4, submissa, a serviço da família, da
casa, do marido, do sexo e da sua própria beleza, ou seja, sempre como um
personagem passivo e oprimido. Ocorre que em uma sociedade, onde as mulheres
apesar de não adquirirem igualdade, ganharam poder de compra e encontraram nos
espaços de rede social canais para amplificar o debate sobre gênero, a propaganda,
que em sua maioria utiliza subterfúgios machistas para a construção do seu
2 Campeonato da FNL (principal liga de futebol-americano dos Eastados Unidos) que decide o campeão da temporada. 3 'Like a Girl' Is No Longer an Insult in Inspiring Ad From P&G's Always. Disponível em <http://www.adweek.com/adfreak/girl-no-longer-insult-inspiring-ad-pgs-always-158601> Acesso em: 5 de julho de 2016. 4 Para mais esclarecimentos sugere-se o episódio documental: The Sexy Lie: Caroline Heldman at TEDxYouth@SanDiego. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=kMS4VJKekW8> Acesso em: 5 de julho de 2016.
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discurso, passa a ter seu conteúdo amplamente questionado e as pressões sociais
vão ganhando terreno para imprimir uma face renovada na criação de campanhas.
Para ilustrar este argumento, cito o caso da campanha da cerveja Skol5 para
o carnaval de 2015, em que algumas mulheres ao perceberem os outdoors com a
mensagem “Esqueci o não em casa” - que faz chacota com a séria questão dentro
da cultura do estupro, sobre abuso com quem está fora do seu autocontrole -
decidiram alterar as mensagens com fita isolante para “Esqueci o não e trouxe o
nunca”. As mesmas postaram as imagens na rede social Facebook e pouco mais de
uma hora depois, já contavam com 4 mil curtidas. A marca reagiu com um pedido de
desculpas pelo seu erro e retirou a campanha das ruas.
Há algum tempo, está em curso esse processo do cidadão agir e se fazer
ouvir principalmente através das redes sociais. Pode-se afirmar que há uma espécie
de Democracia conectada6, em que o cidadão oprimido e os movimentos políticos
da sociedade encontraram no espaço online um canal de comunicação para expor
seu discurso, se organizar, reivindicar seus direitos e ampliar debates, que não
chegam às grandes mídias.
A indústria publicitária, apesar de possuir caráter de grande mídia, precisa
constantemente acompanhar as evoluções sociais e adequar suas mensagens e
representações à nova conjuntura, se quiser continuar persuadindo estes
consumidores-cidadãos. A tônica no futuro dos discursos publicitários
necessariamente deverá considerar o desejo dos consumidores de consumir valores
éticos, ao mesmo tempo que consomem produtos e serviços. Nesse cenário se
desenvolve a estratégia criativa do Femvertising.
1.1 RELAÇÕES DE PODER E DESIGUALDADE DE GÊNERO
Antes de explicar o que é Femvertising e sua importância como estratégia
criativa nos roteiros do presente projeto experimental, é importante empreender uma
reflexão a cerca das relações de poder e desigualdade de gênero existentes na
sociedade.
5 Mulheres se irritam com tom da campanha de Skol e alteram mensagem de outdoor. Disponível em <http://www.b9.com.br/55133/advertising/mulheres-se-irritam-com-tom-da-campanha-de-skol-e-alteram-mensagem-de-outdoor/> Acesso em: 5 de julho de 2016. 6 Para entender melhor esse movimento sugere-se o mini-doc Democracia Conectada. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=TRILlAtKEVc> Acesso em: 5 de julho de 2016.
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Basta uma incursão até a Bíblia, o livro máximo dos cristãos, para perceber
como foi construída a narrativa mítica sobre origem da mulher. Tudo tem início no
capítulo de Gênesis, quando Adão reclama a Deus sobre sua solidão. Deus, então,
decide retirar uma das costelas do primeiro representante dos homens e, a partir
dela, criar a mulher. Dessa forma, como escreve Lopes (2010), no pensamento
cristão, que é um dos pilares de nosso pensamento ocidental, a mulher vem a ser
apenas uma companheira do homem, está ao lado daquele de quem se originou
para serví-lo.
Outra importante narrativa escrita, que faz influência à construção do
pensamento ocidental, são os livros dos sábios filósofos da Grécia antiga. Um
exemplo é o de Pitágoras, quando filosofa sobre a origem de tudo e atribui a origem
do homem ao mesmo princípio bom que criou a ordem e a luz; já a origem da mulher
atribui ao princípio mau responsável por gerar o caos e as trevas:
Na época em que o gênero humano se eleva até a redação escrita de suas mitologias e de suas leis, o patriarcado se acha definitivamente estabelecido: são os homens que compõem os códigos. É natural que deem à mulher uma situação subordinada. Mas poder-se-ia imaginar que a considerassem com a mesma benevolência com que encaravam as reses e as crianças. Não é o que ocorre. Organizando a opressão da mulher, os legisladores têm medo dela (BEAUVOIR, 1970, p. 101).
Assim, a construção do significado de mulher, como relata Beauvoir (1970),
se estabeleceu através da relação binária de gênero, em que o homem é
considerado a norma e a mulher é considerado o outro.
Nesta análise, faço uso dos estudos de gênero, pois para a compreensão do
significado construído de mulher/feminino na sociedade é necessário entender que
esse existe em oposição ao que significa homem/masculino nos processos culturais
e históricos. Não se pode examinar o significado de mulher de forma isolada, já que
resultaria em uma análise vazia e erroneamente essencialista, pois mulher só existe
com o significado que lhe foi atribuído, em oposição ao que se atribui de significado
para homem. Importantes são as palavras de Saffiotti (1992), utilizadas por Oliveira-
Cruz (2016), ao defender a corrente de estudos de gênero como um estudo das
relações de poder e desigualdade construídos a partir do que simbolicamente
significa como feminino e como masculino:
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Como o gênero é relacional, quer como categoria analítica, quer enquanto processo social, o conceito das relações de gênero deve ser capaz de captar a trama das relações sociais, bem como as transformações historicamente por ela sofridas através dos mais distintos processos sociais, trama esta na qual as relações de gênero têm lugar. As relações de gênero não resultam da existência dos dois sexos, macho e fêmea, como fica explícito no conceito de sistema de sexo/gênero, de Rubin. O vetor direciona-se, ao contrário, do social para os indivíduos que nascem. Tais indivíduos são transformados, através das relações de gênero, em homens e mulheres, cada uma destas categorias-identidades excluindo a outra (SAFFIOTI, 1992, p. 187 apud OLIVEIRA-CRUZ, 2016, p. 41).
Cabe tomar como verdade a memorável afirmação de Beauvoir (1970): "não
se nasce mulher, torna-se mulher.", que refuta a oposição essencialista da definição
de homem e mulher a partir de premissas biológicas. O debate do trabalho
compreende que as relações de desigualdade são geradas através de um mesmo
processo de construção social e histórica dos significados. Afinal, também não se
nasce homem, reconhece-se homem. O porém da relação de desigualdade está em
o que se convencionou como feminino ter sido definido pelo poder masculino,
partindo da oposição e opressão em relação a ele.
Ser mulher é ser o que os homens não são, como escreve Woodward (2007),
essa afirmação é comumente interpretada pelo viés biológico, como se o gênero
estivesse apenas ligado ao sexo de nascimento, mas não passa de uma ideia
cultural e histórica, um processo construído no simbólico baseado na oposição,
gerando exclusão, opressão e dominação ao longo da história das relações de
gênero. Nessa mesma linha, Bourdieu (1999) discorre sobre existir uma construção
social do biológico, o que faz com que a divisão de gêneros pareça ser justificável,
exatamente por fatores de diferença presentes no biológico, que ilusoriamente foram
utilizados como justificativa pelo olhar da sociedade machista.
Apesar do movimento feminista iniciar um longo processo de luta e
resistência, conseguiu apenas criar espaços de negociação. Não atingiu o desejado
estágio de sociedade em que existe uma relação de igualdade entre os gêneros,
porque as instituições do sistema simbólico ainda operam reproduzindo o feminino
como lugar de passividade, de dominação por um ativo e soberano masculino. Logo
não é a luta que falha, mas o constante reforço de significados já amplamente
assimilados, que faz a estrutura de poder desigual se perpetuar. A partir do olhar de
Skeggs (2004) sobre a obra de Bourdieu (1999), Oliveira-Cruz (2016) escreve:
...refletindo sobre a teoria de Bourdieu e uma possível articulação com o
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feminismo, aponta que as disposições de gênero são pouco reconhecidas, porque operam de forma oculta, uma vez que são tomadas como naturais ou universais. A feminilidade, desse modo, muitas vezes, é essencializada como uma disposição da personalidade (SKEGGS, 2004, p. 23 apud OLIVEIRA-CRUZ 2016, p. 40).
Sobre essa visão essencializada, Bourdieu (1999) discorre que há dentro do
social uma construção simbólica do ser mulher: se traduz em dispor um
“comportamento de mulher” em oposição ao “comportamento de homem”. Logo,
compreende-se que as relações de diferença de gênero definem comportamentos,
gestos, desde a maneira de sentar, até lugares que você pode frequentar, coisas
que você pode consumir. Essas disposições são atribuídas ao feminino e ao
masculino como se fossem verdades irrefutáveis, mas não passam de construções
simbólicas ilusórias para dar sustentação a um sistema de significados em que o
masculino ocupa sempre a posição de poder e também estabelece a partir dele
quem ocupará o lugar do oprimido na experiência social.
É importante atentar-se aos sistemas de reprodução simbólica que fazem
parte dos sistemas de significação e que dão sentido à experiência social, como a
publicidade. As mensagens publicitárias, que geralmente fazem a promoção de
marcas, produtos e ideias, também reproduzem o discurso da cultura e da
sociedade em que estão inseridas e possuem um importante papel em reforçar
esses significados, como afirma Joan Scott ao estudar o processo histórico de
significado sobre as relações de gênero na nossa experiência social:
Penso que não podemos fazer isso sem conceder uma certa atenção aos sistemas de significado, que dizer, aos modos pelos quais as sociedades representam o gênero, servem-se dele para articular as regras de relações sociais ou para construir o significado da experiência. Sem significado, não há experiência; sem processo de significação, não há significado. (SCOTT, 1995, pg. 82)
A importância de compreender essas “verdades simbólicas” a partir do ponto
de vista de construções ilusórias, frutos de um processo histórico e cultural, serve
para que essas práticas não sejam naturalizadas nas chamadas experiências
sociais, que envolvem os espaços de lazer, trabalho, estudo, vivência e convivência
de cada ser social.
Torna-se ainda mais necessária essa compreensão e reflexão aos
publicitários, pois como agentes em uma das engrenagens mais persuasivas de
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produção de sentido, há uma responsabilidade ética em não reproduzirem
representações que sigam gerando opressão sobre a mulher na sociedade.
1.2 RELAÇÕES DE PODER E DESIGUALDADE DE GÊNERO NA PUBLICIDADE
No universo da publicidade, assim como na sociedade, foram os homens
quem cunharam os códigos, já que foram eles que tiveram liberdade para inventar e
trabalhar a publicidade. Aliás, ainda são os homens, se levarmos em conta que no
presente ano de 2016, dados de uma pesquisa do Meio e Mensagem7 realizada nas
trinta maiores agências do país, indicam que mulheres ocupam apenas 20% dos
cargos gerais na criação publicitária brasileira. Em cargos de chefia, como os de
presidente, vice-presidente ou diretoria, quem poderia de fato alterar as mensagens
criadas, são apenas 6% de mulheres.
Não é de se espantar que as mensagens publicitárias produzidas por essas
criações, muitas vezes, reproduzam as relações desiguais de gênero e reservem à
mulher o lugar da opressão reproduzindo o discurso machista.
O problema se torna para além de apenas reproduzir um discurso perigoso
dentro da experiência social, quando também fere a ética do ponto de vista das
normas que regem a atividade publicitária. No próprio código do CONAR8 está
previsto: (SEÇÃO I) Artigo 19º - Toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e símbolos nacionais, às Autoridades constituídas e ao núcleo familiar; Artigo 20º - Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade; (SEÇÃO II) Artigo 22º - Os anúncios não devem conter afirmações ou apresentações visuais ou auditivas que ofendam os padrões de decência que prevaleçam entre aqueles e que a publicidade poderá atingir.
E mesmo, quando campanhas são corretamente denunciadas, julgadas e
vetadas pelo CONAR, a postura de quem criou a campanha pode ser de naturalizar
o sexismo contido em suas mensagens, com afirmações provenientes do senso
7 Dados disponíveis em <http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2016/01/12/mulheres-sao-20-porcento-da-criacao-das-agencias.html> Acesso em: 5 de julho de 2016. 8 Conselho Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, responsável pelo código de normativas que regem produção publicitária, ao mesmo tempo que garante a liberdade de expressão publicitária, também recebe denúncias e as julga mediante seu código ética. Consulta do código disponível em <http://www.conar.org.br/codigo/codigo.php>. Acesso em 5 de Julho de 2016.
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comum e não do senso ético, indo contra a postura esperada de um profissional de
publicidade:
…declaração do redator Ricardo John, responsável pela criação da campanha de lançamento da cerveja Devassa, vetada pelo Conar sob a acusação de desvalorizar a imagem da mulher. Inquirido sobre o conteúdo do filme, fortemente imagético, que mostrava em seus 30 segundos de duração uma modelo norte-americana seminua, insinuando-se numa janela envidraçada, o criador valeu-se da mais rasante lógica para sua explicação, na realidade, mais próxima de uma elucubração, ao dizer que o público não goste da ideia, né? Mulher e cerveja combinam, e a gente não precisa falar mais nada, né? … (NEGRI, 2011, p. 06).
Na verdade, diante de tal afirmação é preciso falar muita coisa. Afinal, tanto
mulheres, quanto homens só deveriam combinar com o fato de serem seres
humanos dotados de suas subjetividades. O grifo revela o processo violento e
depreciativo de representar a mulher como se fosse um objeto dentro da
publicidade, não só presente nas peças, mas no inconsciente dos criativos que
compõem a sociedade.
Conforme Heldman (2007, p.10, tradução nossa), a Publicidade adquire
grande importância como sistema de produção e reprodução de sentido, que ao
mesmo tempo cria novos desejos e necessidades e reproduz os valores vigentes na
sociedade. Logo, ao reproduzir os valores machistas, em que o feminino/mulher
ocupa o lugar do oprimido, ajuda a implementar um projeto, que a autora chama de
objetificação da mulher, conceituado por ela como:
...objetificação ocorre quando o corpo de uma mulher é tratado como objeto e (especialmente como um objeto que existe para o prazer e uso de outros), e é ilustrado interpessoalmente através do olhar ou ‘checking out’ na representação da mulher na mídia” (SLATER e TIGGERMAN, 2002, apud HELDMAN, 2007, p. 3, tradução nossa).
Com mensagens altamente sedutoras, emocionais e sexualmente apelativas
as narrativas da propaganda, em que estão contidas essas mensagens, cada vez
mais se assemelham ao entretenimento aos olhos do consumidor, contendo um
enredo, personagens e situações fictícias se tornando altamente persuasivas. Isso,
Randazzo (1996 apud Bittes, 2014) conceitua como função romantizada da
Publicidade. Não raro, a representação da mulher dentro destas narrativas é
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construída como agente passivo, um objeto de consumo, ou um consumidor
objetificado, sendo subjugada, se não por um homem, pelo próprio produto ou
marca:
O feminino aparece reduzido à sua expressão mais simples e simplória: consumidoras, fazendo funcionar poderosos setores industriais ligados às suas características “naturais”: domesticidade (eletrodomésticos, produtos de limpeza, móveis), sedução (moda, cosméticos, o mercado do sexo, do romance, do amor) e reprodução (produtos para maternidade/crianças em todos os registros, da vestimenta/alimentação aos brinquedos) (SWAIN, 2001 apud BITTES, 2014, p. 17).
Esse processo desumaniza o ser, e da mesma forma que nasce no simbólico da
cultura, dentro nas narrativas míticas criadas sobre o que é a mulher, é reproduzido
na publicidade. Assim é criada uma via de mão dupla no que diz respeito a
significação, pois essa reprodução dos mesmos signos da sociedade na produção
publicitária gera a manutenção de significados dentro da própria experiência social.
No caso, a manutenção ocorre através do reforço que naturaliza a opressão da
mulher na sociedade. A frase é de Maria Guimarães9, que foi uma das criadoras da
primeira cerveja feminista do país:
Quando uma propaganda hipersexualizada de cerveja objetifica uma mulher de forma tão agressiva, ela está dizendo para as pessoas por todo o país que uma mulher é um objeto. E um objeto tem um dono. Ele é o dono. E como dono do objeto ele pode fazer o que quiser com ele. Você pode até jogar fora, ou quebrar aquele objeto.
É preocupante aos publicitários e a todo resto da sociedade, pois no presente
sistema neoliberal, como afirma Heldman (2007) em seu estudo, o consumo possui
um papel chave na construção das nossas identidades, gerando a outra face desse
processo, uma espécie de autoaceitação pelas próprias mulheres sob a condição de
oprimida. Isso contribui para reforçar lógicas machistas de violência contra mulher,
cultura do estupro, distúrbios alimentares e bullying. Como exemplo de violências e
opressões, o Anuário de Segurança Pública de 201410 relata que só no Brasil ocorre
um caso de estupro a cada 10 segundos.
9 Frase retirada do Relatório de pesquisa (F)EMPOWERMENT: É hora de apoiar e empoderar as mulheres na América do Sul & Central. Disponível em: <http://trendwatching.com/pt/trends/fempowerment/> Acesso: 5 de julho de 2016. 10 Disponível em <http://trendwatching.com/pt/trends/fempowerment/> Acesso: 5 de Julho de 2016.
22
Todo esse sistema não prejudica apenas a mulher como ser humano, mas
também o desenvolvimento de uma sociedade igualitária, onde o gozo por direitos
iguais traz benefícios à convivência de todos e deveria ser um compromisso da
atividade publicitária que segue as normas do seu atual código de Regulamentação.
Existe um compromisso em prestar atenção a estas questões, pois isso afeta
diretamente a indústria da publicidade, pois, por definição de seus compromissos,
esta possui para além de um objetivo comercial, um dever ético e pedagógico na
sociedade em que dissemina seus conteúdos.
No sistema neoliberal, o argumento de cumprir com a ética perante
sociedade, muitas vezes, parecia quase invisível para a indústria publicitária, até o
incômodo do público com as imagens desiguais de gênero ganhar amplo debate na
internet com a popularização do espaço online.
O advento das redes sociais, em que os consumidores interagem de maneira
significativa com a comunicação das marcas, gerou essa ampliação do debate e do
direito à manifestação dos consumidores e da sociedade em geral, principalmente
minorias, que antes só assistiam as propagandas sem direito de resposta. Negri
(2011) trata desse importante processo estar formando uma nova postura engajada
dos cidadãos brasileiros, resultado da evolução de uma sociedade que durante
longos anos enfrentou uma ditadura e agora sai do silêncio para não mais voltar a
retroceder:
…estão contextualizadas em uma sociedade que, mesmo tardiamente, aprendeu a reivindicar direitos fundamentais; a discutir modelos impostos; a amparar-se na legalidade; a duvidar de padrões preestabelecidos; a encarar a necessidades de informação, de engajamento e de alguma politização; a adotar corretos hábitos nutricionais, comportamentais, ecológicos, ambientais, hoje considerados valores universais inquestionáveis. Sociedade que começa a reagir quando necessário e agora transita da condição de passividade para a busca de cidadania em um país redemocratizado (NEGRI, 2011, p. 08 - 09).
Essa ampliação do debate aumentou o número de denúncias contra a
representação misógina e depreciativa das mulheres ao próprio CONAR e também
fez a indústria publicitária abrir os olhos para esses consumidores-cidadãos. Logo,
para não afetar seu desempenho como ferramenta persuasiva em prol de marcas e
produtos, a reação foi “adequar” as mensagens publicitárias, começando por
representar mulheres de maneira empoderada, vendendo como valor simbólico do
23
produto ou da marca a ética e os direitos sociais que essa sociedade deseja
consumir. A este tipo de tendência criativa se deu o nome de Femvertising e é em
torno dela que o presente roteiro deste projeto experimental será desenvolvido.
1.3 FEMVERTISING: FEMINISMO E PUBLICIDADE
O Femvertising, junção entre Feminism (feminismo em inglês) e Advertising
(Propaganda em inglês), foi citado pela primeira vez, dentro do mercado de
publicidade e marketing, no relatório de pesquisa Norte-Americano do site de estilo
de vida SheKnows11. Publicado em setembro de 2014, identifica o Femvertising
como uma nova tendência da indústria publicitária, que serve de estratégia criativa
para empregar mensagens e imagens pró-talentos de mulheres e meninas em
função de empoderá-las.
Não é como se de alguma forma, após anos de luta feminista e mensagens
misóginas dominando a publicidade, tenha-se descoberto a américa em forma de
publicidade feminista com o Femvertising. Anteriormente, dentro do universo
acadêmico, um conceito próximo foi cunhado por Goldman, Heath, Smith (1991), o
Commoddity Feminism ou “Feminismo Commoddity12(tradução nossa)”:
... definido como a apropriação do feminismo ou crenças feministas para propósitos comerciais, uma estratégia tanto elogiada como vanguardista, quanto duramente criticada por diminuir a significância política do movimento feminista ao reduzí-lo a um item de consumo para o público geral” (DONSBACH, 2008 apud MARCUS REKER, 2016, p. 4, tradução nossa).
Quando cunhado, Goldman, Heath, Smith (1991) se dedicaram a perspectiva
crítica do termo. Afirmou em seu artigo que, quando apropriado por corporações, os
ideais do feminismo são transformados em atributos de um objeto, de um estilo e de
um produto, nos quais esvaziam-se os sentidos de independência, sucesso e
empoderamento, utilizados apenas para seduzir em prol da realização de um
objetivo comercial e não da luta pela libertação da mulher na sociedade. 11 Relatório de pesquisa “Here’s How Women Respond to All Those ‘Female Empowerment’ Ads” Disponível em: <http://time.com/3502904/heres-how-women-respond-to-all-those-female-empowerment-ads/> Acesso em: 5 de julho de 2016. 12 “Commodity Feminism," é atribuído a Robert Goldman, Deborah Heath, and Sharon L. Smith (1991). Trabalho citado nas referências.
24
Maclaran (2012), em seu artigo “Marketing e Feminismo em uma perspectiva
histórica” (tradução nossa), realiza um apanhado histórico da relação entre o
consumo, a propaganda e o movimento feminista. No que tange a propaganda, cita
como precursora a campanha “Tochas da Liberdade” (tradução nossa), de Edward
Bernays para a Lucky Strike, que em 1928 encorajava as mulheres a fumar em
público, tabu para a sociedade da época. O cigarro seria a tocha que libertaria as
mulheres, mas por trás dessa apropriação do feminismo, estava o objetivo de
expandir as vendas da Lucky Strike.
A autora, fazendo uso de uma linha histórica, elenca a primeira onda feminista
dedicada diretamente com o voto feminino. A segunda onda coloca direcionada aos
direitos civis e políticos, de ordem marxista, a luta é de massas, com um olhar crítico
para as relações do capital. Sobre o estágio atual de terceira onda, a descreve como
a mais próxima do mercado, possuindo um olhar pós-moderno e liberal, a ideia de
empoderamento é ligada ao indivíduo e o seu direito à liberdade do corpo e do
prazer:
a crítica pós-moderna posiciona gênero como outro elemento lúdico de um ser fluído e mutável, um indivíduo que pode ser percebido através do consumo” (CATTERALL et al ., 2005 apud MaCLARAN, 2012, p.466, tradução nossa).
Maclaran conclui seu artigo, dizendo que este atual estágio vive uma
reconciliação do feminismo com o marketing, em que o empoderamento da mulher
geralmente está ligado ao seu poder de consumo e sua liberdade sexual. Na ficção,
um bom exemplo, citado pela autora, são as personagens de Sex and the City 13, em
que tudo relacionado ao consumo e a liberdade sexual pode ser percebido como
elementos empoderadores das quatro protagonistas.
No presente projeto experimental, por se tratar de um trabalho acadêmico, é
importante ponderar, dentro do referencial teórico, sobre a perspectiva crítica da
relação entre feminismo e propaganda, mas já esclareço que o roteiro será
construído com base na perspectiva pós-moderna de terceira onda. Apesar de
compreender que as mensagens publicitárias com viés empoderador de gênero não
trazem mudanças significativas no âmbito do social e cultural e funcionam melhor 13 Seriado transmitido pela HBO entre 1998 e 2004, foi um marco para as representações femininas na ficção.Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Sex_and_the_City>. Acesso: 5 de julho de 2016.
25
como uma espécie de autoajuda para mulheres abarcadas pelo processo de
consumo, pelo menos, concordo que as campanhas podem ampliar o debate sobre
desigualdade de gênero e de certa forma influenciar no desejo da mulher em se
aproximar da representação empoderada.
Em seu Artigo “Por que “Run like a Girl” não pode significar ganhar a corrida?
Feminismo Commodity e Marcas Participativas como formas de Autoajuda no
espaço neoliberal da propaganda.”14 , Markus Reker (2016) analisa o uso da
“menina” nas narrativas de Femvertising dentro do espaço online. Apesar de seu
olhar crítico e necessário, em função da apropriação de valores do movimento
feminista por marcas e produtos, expõe que funcionam como uma espécie de
autoajuda para melhorar a autoestima das mulheres, afirmando ser esta a utilidade
mais concreta dos anúncios que utilizam Femvertising.
Ao examinar a atual disseminação dos filmes publicitários no espaço online,
Markus Reker percebe que ocorre debate e manifestações a partir dos
consumidores, o que a autora chama de conteúdo gerado pelo usuário.
Markus Reker (2016) olha diretamente para campanhas com #hashtags: ao
passo que servem para reunir todo esse conteúdo gerado pelo consumidor em prol
das marcas, também criam canais de discussão em que qualquer um com acesso
online pode participar. Como no exemplo analisado, em que uma propaganda de
absorventes íntimos questiona porque a expressão “Agir como uma garota” significa
“fazer algo de forma ridícula” e por que é preciso mudar isso, abrindo a discussão no
online com a hashtag “#LikeAGirl”15. Claro, que tudo está atrelado a marca de
absorvente, mas como a autora conclui em seu artigo:
Se em tempos que os direitos das mulheres continuam sendo atacados no âmbito social e político, e estes anúncios sugerem e inspiram empoderamento às mulheres, mesmo que seja através do consumo, quem somos nós para julgar? (MARKUS REKER, 2016, p. 31, tradução nossa).
É possível enxergar uma nova perspectiva dessa relação entre feminismo e
propaganda com o advento e popularização do espaço online, em que as
campanhas publicitárias não estão apenas nos intervalos, são motivos de
14 “Why Can’t Run ‘Like a Girl’ Also Mean Win The Race?”: Commodity Feminism and Participatory Branding as Forms of Self-Therapy in the Neoliberal Advertising Space” Tradução nossa. 15 Filme publicitário disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=XjJQBjWYDTs> Acesso 5 de julho de 2016.
26
repercussão e debate participativo da sociedade, comparado a perspectiva do
Commodity Feminism, da época das Tochas da Liberdade de Edward Bernays.
Ao mesmo tempo que essa apropriação é feita em benefício dos negócios, se
tem dado certo, observa-se que os consumidores estão dando importância para sua
dimensão cidadã e mesmo que equivocadamente acreditando na promessa
publicitária de conquistar direitos através do consumo. Vou parecer utópica e
romântica, mas talvez abrir esse debate em cada vez mais esferas simbólicas, como
a publicidade, utilizando do seu grande alcance pode-se aumentar a possibilidade de
futuras gerações assistirem florescer a igualdade de gênero de fato.
A própria indústria mundial discute não só a representação, mas a
participação da mulher dentro do mercado publicitário. No presente ano de 2016, no
último festival Internacional Cannes Lions16 (ocorrido entre 18 – 24 de junho), o
tema gênero foi estrela dos painéis, debates e polêmicas17. Publicitárias falaram
sobre o assunto para todos ouvirem, entre elas, Madonna Badger, publicitária
responsável pelo projeto que quer acabar com a objetificação da mulher dentro da
propaganda18.
Também durante o festival, devido às denúncias nas redes sociais de outra
publicitária, Cindy Gallop, uma agência premiada por uma propaganda altamente
sexista se viu em maus lençóis, juntamente com a direção do festival, e precisou se
desculpar e devolver o prêmio19.
É possível observar algumas mudanças, abrir o diálogo tem se mostrado um
início para elas. Há pela frente um longo caminho para o empoderamento de fato, na
cultura e sociedade, inclusive existe uma preocupação destas propagandas
falsearem uma relação de igualdade de gênero, uma visão chamada pós-feminista,
o que ainda não ocorre no âmbito social. Mas se a mudança na representação da
mulher amplia o debate e a autoestima das mulheres, mesmo que os ganhos sejam
pequenos para o feminismo, e enormes apenas para as marcas, ao menos, o
Femvertising é uma via não prejudicial às mulheres, diferente de como a maior parte
das representações publicitárias, que se utiliza de subterfúgios machistas, têm sido
16 Cannes Lions: Festival inernacional de Publicidade que ocorre anulamente em Cannes na França, mais informações em <https://www.canneslions.com> Aceso em: 5 de julho de 2016. 17 Disponível em<http://cannes.meioemensagem.com.br/cobertura2016/seminarios/2016/07/05/sim-e-preciso-falar-sobre-igualdade-em-cannes> Acesso em: 5 de Julho de 2016 18 Mais informações sobre o projeto em <http://womennotobjects.com> Acesso 5 de julho de 2016. 19 Disponível em <http://cannes.meioemensagem.com.br/cobertura2016/festival/2016/06/24/almap-abre-mao-de-2-leoes-de-bayer> Acesso 5 de julho de 2016.
27
até agora. Inclusive, considero interessante que o Femvertising saísse da categoria
tendência criativa para virar a normativa de representação das mulheres na
propaganda, como se pretende no roteiro do filme publicitário do presente trabalho.
1.3.1 Dados de pesquisas sobre Femversting
A mesma pesquisa que cunhou o termo Femvertising, citada anteriormente,
traz resultados úteis para o desenvolvimento do roteiro deste projeto experimetal.
Por este motivo, será realizado o presente resumo. A partir de uma amostra
composta por 628 mulheres, o site de estilo de vida SheKnows constatou que a
maioria dessas consumidoras opta por produtos, que em suas mensagens
publicitárias, representam as mulheres dessa forma empoderada, lembra melhor
dessas marcas e acredita ser prejudicial representar mulheres como símbolos
sexuais.
Outro dado interessante é que muitos veem esse tipo de propaganda como
sendo socialmente responsável com as futuras gerações, pois assim elas poderão
crescer sem estereótipos de gênero que prejudiquem seu desenvolvimento saudável
e sua autoestima. O relatório também traz observações das próprias mulheres a
serem levadas em conta e a maioria faz referência a enxergar uma mulher mais
próxima do real, menos perfeição, mais diversa, em situações de empoderamento,
demonstrando seus talentos e inteligência. De certa forma, elas pretendem assistir a
personagens femininos melhores desenvolvidos na propaganda, na teoria de
roteiros nomeamos estes personagens tridimensionais ou complexos.20
Olhando para América do Sul e Central, contendo informações sobre o Brasil,
um relatório parecido, compilando dados de outras pesquisas foi publicado em
Novembro de 2015 pelo portal de tendências de mercado TrendWatching21. Em
(F)EMPOWERMENT (título do relatório)22 “É hora de apoiar e empoderar mulheres
nas Américas do Sul & Central”, o subtítulo já deixa claro o que é preciso que as
marcas façam para crescer em um mercado, que de maneira similar ao Norte-
20 Esse assunto será abordado no próximo capítulo. 21 Informações retiradas em TrendWatching, disponível <http://trendwatching.com/about/> Acesso em: 5 de julho de 2016. 22 Retirada do Relatório de pesquisa (F)EMPOWERMENT: É hora de apoiar e empoderar as mulheres na América do Sul & Central. Disponível em: < http://trendwatching.com/pt/trends/fempowerment/> Acesso: 5 de julho de 2016.
28
Americano, viu a participação da mão de obra feminina no mercado aumentar e
consequentemente sua renda e poder de compra também.
De acordo com os dados, só no Brasil, mulheres possuem 85% do poder de
compra no país e a grande maioria além de não se identificar com as mensagens
publicitárias sexistas, também afirma que gostaria de ver personagens do gênero
feminino mais próximas do real, inteligentes e independentes nas propagandas. Ou
seja, ambos os relatórios de pesquisas indicam que de fato as mulheres
consumidoras, gostariam no que tange ao universo do filme publicitário, explorado
nesse trabalho, ver personagens femininos mais complexos, melhores
desenvolvidos, evidenciando a diversidade e também liberdade, ou seja aumentar o
espectro de situações e espaços em que estes personagens interagem e
desempenham suas ações, que não devem aparecer limitadas, devem desafiar essa
personagem que é capaz de tudo.
Quando trato de filme publicitário, o primeiro passo importante do processo
de desenvolvimento de uma nova narrativa para a representação da mulher ou de
realizar críticas quanto a desigualdade de gênero na propaganda, está concentrado
na escrita do roteiro. Este deve ser construído com base em ideias que sustentem o
Femvertising aliadas ao papel persuasivo e sedutor, para que ao mesmo tempo
atenda aos objetivos comercias de produtos e marcas.
O próximo capítulo será dedicado ao método técnico e a teoria de
desenvolvimento de roteiros publicitários.
29
2 O ROTEIRO PUBLICITÁRIO
Em minha vida, de um passatempo divertido, a escrita logo se transformou
em ofício. Desde o início da graduação em Publicidade e Propaganda, fui redatora,
numa sociedade em que, cada vez mais, utilizam-se tecnologias que abrem portas
ao audiovisual e acabei, muitas vezes, fazendo as vezes de roteirista. Nunca foi um
problema, sempre fui amante declarada do cinema.
No último ano, fui selecionada para participar de um programa estadual para
o desenvolvimento de jovens roteiristas. Em uma das aulas, ouvi uma definição da
origem da palavra roteiro, que me deixou maravilhada: roteiro é de origem latina, do
Latim “Rupta”: Caminho Rompido, aberto à força”. Livros clássicos da teoria de
roteiro como Jornada do herói, a Jornada do escritor, já trazem em seu título a ideia
de caminho a ser cumprido pelo personagem ou no caso da publicidade, muitas
vezes o produto ou a marca. No presente caso, temos a metáfora voltada para o
iniciar uma abertura de caminhos para a representação da mulher na publicidade.
Mas essa força, responsável por abrir o caminho é a ideia do roteirista e o seu
domínio dos elementos para a criação de roteiro. Isto determinará a intensidade
responsável por impactar o espectador, ou neste caso, o consumidor da mensagem.
Todos esses elementos que formam o roteiro são variáveis da linguagem.
Esta é a matéria que forma o roteiro, segundo Mckee (2007). Adaptando a um olhar
mais próximo do publicitário, a linguagem serve para comunicar algo com o objetivo
de gerar reação no público consumidor.
Neste projeto experimental, o roteiro publicitário é a plataforma na qual será
aplicada a estratégia criativa do Femvertising, explicada no primeiro capítulo.
O roteiro é o guia do filme publicitário, responsável por conter a história que irá
transmitir para o público o apelo persuasivo para criação de campanhas. No caso
deste projeto, os a história tecerá uma critica à objetificação das mulheres e não
objetificará, defendendo, assim, a representação empoderada das mulheres e a
igualdade de gênero.
Ao longo deste capítulo, o foco será observar cada um dos elementos da
criação de roteiro em publicidade e o método necessário para que o projeto
experimental tenha êxito em fazer parte da abertura desse caminho para uma
publicidade que não objetifica a representação das mulheres.
30
A metodologia é escassa em teoria específica sobre roteiro publicitário. A
maior parte do que já foi desenvolvido prioriza a visão do criador cinematográfico
com um olhar dirigido à arte e ao mercado de Cinema e Entretenimento. Estas
teorias serão adaptadas à criação publicitária, que como explicita Barreto (2004),
visa sempre um objetivo persuasivo de comunicação em torno de produto, marca ou
ideia, em detrimento da história criada.
O roteiro, tanto na publicidade, quanto no cinema, continua sendo uma
estrutura organizada das ideias de quem escreve, para ser compreendida por quem
irá produzir e dirigir o filme formado através da ideia. Este processo, que no cinema,
muitas vezes, mistura roteirista e diretor na mesma pessoa, na publicidade,
geralmente ocorre em empresas diferentes: a escrita na agência e a produção em
uma produtora audiovisual.
O roteiro publicitário é a organização de ideias do criador, a representação do cenário de um sonho, feito para vender um produto. Tecnicamente, é um texto sintético, baseado no argumento, de cenas, sequências, diálogos e indicações técnicas de um filme. Esses elementos, que o roteiro traz ordenados e relacionados entre si de forma dinâmica, são distribuídos entre as três unidades da ação dramática segundo Aristóteles: tempo, espaço e ação. Quando essas três unidades da ação, as três partes do todo - o roteiro-, são organizadas, forma-se uma estrutura linear, ou seja, a forma do roteiro. Estrutura vem do latim structura, que significa disposição e ordem das partes de um todo. Assim, o roteiro é uma estrutura. Um esqueleto (BARRETO, 2004, p. 22).
O livro “Vende-se em 30 segundos”, de Tiago Barreto, esmiúça a construção
do Roteiro do ponto de vista publicitário. Por isso, a obra foi escolhida para nortear a
metodologia de construção do roteiro que proponho neste projeto. Faço uma
ressalva: a obra escrita em 2004 olha para o meio televisão. Entretanto, no presente
ano de 2016, o fazer do filme publicitário está cada vez mais próximo do universo da
web, em que há uma liberdade maior em termos de tempo e criação, e muitas vezes
isso ajuda a criar uma ideia de conteúdo, não de intervalo, na percepção de quem
assiste propaganda.
Outra obra, que será usada para contribuir com o método de Barreto de
maneira pontual, é Story, de Robert Mckee. Orientado para a criação
cinematográfica, é utilizado em diversas instâncias da produção audiovisual, seja no
cinema, na publicidade, na literatura e no meu dia a dia, servindo como base para
31
contar histórias, afinal, como o autor afirma no inicio desse livro: as histórias são
equipamentos para viver.
Há que se adicionar, quase reclamando, que Roteiro publicitário não é
matéria muito valorizada. Nas agências brasileiras consultadas não havia um
arquivo dos roteiros, geralmente guardaram-se apenas os filmes prontos, utilizados
em portfolio. Sobre os filmes internacionais não tive acesso às agências. Por isso, os
exemplos de roteiros, utilizados na sequência, são transcrições minhas, feitas a
partir dos filmes publicitários que ilustram o bom uso das ferramentas e utilizam o
Femvertising ou de alguma forma possuem narrativas que discutem igualdade
gênero e direitos humanos, criando novas representações da sociedade, quebrando
tabus e preconceitos, ao mesmo tempo que comunicam produtos, marcas ou ideais.
2.1 A TEORIA DO ROTEIRO
Não existem regras mais ou menos corretas para criar, mas existem diversos
métodos. Neste capítulo, será apresentada a teoria e o método explicados por
Barreto (2004), que servirão como estrutura para a construção do roteiro proposto
neste projeto.
Antes de iniciar o processo de escrita de um roteiro publicitário, segundo
Barreto (2004), ocorre a leitura do briefing, documento comum dentro das agências,
que contém a temática e o objetivo da mensagem a ser comunicada pelo redator.
Lido e analisado o briefing, você já tem informações suficientes para começar a escrever o roteiro. Ainda existem, no entanto, quatro pontos que podem ser analisados mais a fundo para que você tenha uma ideia ainda mais original, interessante e certeira para os objetivos do cliente: o próprio cliente, o produto, o target (seu espectador) e o meio (tevê) (BARRETO, 2004, p. 31).
As informações do briefing geralmente são concisas, vão direto ao ponto e,
por isso, é importante que o redator tenha para além do background de referências
criativas, muitos conhecimentos gerais e, sempre que necessário, realize pesquisas
para se aprofundar sobre o tema, produto, ou público para quem irá criar. Pois, se
baseando unicamente no achismo e no senso comum, segundo McKee (2007), é
impossível criar um roteiro arquetípico, que consegue atravessar mentes e tocar o
público de maneira universal. Na publicidade, como explicitado no primeiro capítulo
deste trabalho, muitas vezes ocorre o contrário, usa-se de estereótipos femininos,
32
baseados no machismo. O problema disto, não está em apenas em reforçar
preconceitos, mas também em afetar a relação do público com a própria publicidade,
reduzindo sua credibilidade. Eis a importância e a justificativa de dedicar todo um
capítulo sobre o Femvertising, antes de aplicarmos o método prático de roteiro.
Após a compreensão do briefing e a realização de pesquisas sobre o tema,
chega a hora de orientar a ideia. Barreto (2004) cita a teoria de Terence Shimp
(2002), responsável por identificar quatro estilos básico de comercial, afirmando a
importância de definir um estilo de realização para orientar a maneira como a
mensagem será comunicada, ou seja, a maneira que se estruturará o roteiro para
que cumpra mais assertivamente seu objetivo: “é fundamental que essa forma
cumpra os objetivos do roteiro e, posteriormente, do filme: fazer a mensagem ser
compreendida, persuadir e gerar recall” (BARRETO, 2004, p. 42).
Os estilos de realização são quatro: o orientado para o indivíduo, quando
prioriza-se o indivíduo que fala ou reforça um exemplo por meio de ação ou
aparecimento, através de um depoimento, de sua autoridade, por ser celebridade,
ou por experiência; o orientado para a história apresenta grande proximidade com a
linguagem do cinema, pois há dramatização, personagens, diálogos, narrador, ou
seja, todos os elementos necessários para se contar uma história; orientado para o
produto, quando o produto é o foco e ocorre a informação sobre suas características
ou sua apresentação de modo atrativo; orientado para a técnica, mais genérico,
quando o que importa são os efeitos visuais ou apenas o uso de analogias que
envolvem técnicas audiovisuais, como utilizar um animal para representar o produto,
por exemplo.
Adicionando pontos a partir do meu olhar, observo que estilos mesclam-se,
por exemplo, no comercial da marca internacional Libresse23, de absorventes
íntimos.
Agência: AMV BBDO Cliente: Bodyform Produto: Libresse (Absorvente íntimo) Título: Blood Vemos mulheres, uma a uma. Todas têm algo em comum, se preparam para algo.
23 Filme disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sL2xE5kkL_Q
33
Uma gota de sangue escorre em uma superfície coberta por cristais de gelo. As mesmas mulheres são mostradas uma a uma praticando esportes de forma intensa. Boxe. Rugby. Corrida. Surf. Na sequência a lutadora de boxe é nocauteada e sangue escorre pela sua face. A corredora cai. A surfista é derrubada pela onda. Submerge no mar de olhos fechados e o sangue forma uma mancha vermelha que se dispersa na água. Uma a uma se levanta. A bailarina ensaia em um estúdio de dança. Tira a sapatilha e revela sangue nos dedos machucados. Na floresta coberta pela neve, a praticante de BMX carrega sua bicicleta com bravura. Um buraco na parte externa de sua calça, revela um corte em sua coxa. Ela aparece andando na bicicleta de forma intensa no mesmo cenário de neve. Três meninas andam de skate em uma pista. Caem. Riem. O cotovelo de uma delas sangra. A alpinista sobe uma montanha. Vemos suas mãos machucadas sangrando. O time de Rugby volta a aparecer. A jogadora mostrada no início é derrubada. O sangue escorre pela sua face. Ela corre com a bola na mão em direção a vitória. Uma Cavaleira Bárbara montada em um cavalo segura sua espada e tem seu rosto marcado por cortes. Os dedos da bailarina reaparecem machucados entrando em posição de ponta. A surfista submersa abre os olhos. A corredora ainda olhando para os asfalto começa a levantar do chão. A cavaleira bárbara levanta sua espada. A corredora volta a correr. A jogadora de Rugby comemora a vitória com sangue escorrendo pelo rosto. A skatista faz uma manobra e levanta as mãos para o alto. Um dos joelhos da corredora sangra enquanto corre. A cavaleira cavalga pela neve. LETTERING: NO BLOOD SHOULD HOLD US BACK. (NENHUM SANGUE PODE NOS SEGURAR) A boxeadora cospe sangue pela boca. A bailarina dança gloriosamente. A boxeadora nocauteia sua rival e encara a câmera com um corte no nariz.
34
Muito Sangue forma manchas dentro de um plano apenas de água. LETTERING: LIVE FEARLESS (VIVA SEM MEDO) ASSINATURA: Marca (LIBRESSE)
Observe que ao mesmo tempo em que as atrizes atuam como exemplos
através das suas ações, o filme também está totalmente orientado ao valor principal
da marca, que é viver sem medo, o que nos mostra como os estilos são
perfeitamente complementares. No caso, o medo é do sangue da menstruação,
representado em sentido figurado, pelo sangue nos machucados gerados através
dos esforços e fracassos esportivos que cada uma das personagens desempenha,
mas diante deles, não desistem e obtêm êxito.
O que quero exemplificar com isso, é que a teoria pode passar uma noção
muito fixa e estruturada de como é a escrita de um roteiro, mas no território da
criação publicitária, bastante similar ao das artes, nada é estático. Todas as
descrições feitas, aqui, são conselhos, formas para facilitar a organização da
estrutura, mas não existe uma lei ou regra suprema quando se está criando, tudo se
mistura e se recria.
Após a decisão de como orientar a mensagem do roteiro, o autor afirma que é
sempre bom sintetizar a ideia central da propaganda em uma sinopse. Com estilo
mais literário, a sinopse, na propaganda, segundo o autor, faz as vezes do
argumento do roteiro de cinema:
Sinopse é uma narração breve, um resumo, um sumário, uma síntese. É o roteiro sem as divisões de cenas, as falas, as locuções. Ela é objetiva e traz apenas a ideia principal, descrita, é claro de maneira interessante e vendedora, sedutora (Barreto, 2004, p. 48).
Apesar de um texto mais simples, a sinopse já deve conter, o que o autor
chama de três atos narrativos fundamentais que compõem um evento:
apresentação, desenvolvimento e a solução. Também é necessário que a sinopse
responda três perguntas: quando, onde, o quê e qual é o desfecho final.
Nas sinopses geralmente cria-se o título da propaganda, que será útil para
identificação em documentos de veiculação de mídia e também para inscrever nos
festivais de propaganda.
35
Particularmente, gosto muito de escrever várias sinopses diferentes, explorar
diversos caminhos, até decidir qual submeterei a estrutura de roteiro, criarei
diálogos, personagens, aprofundarei o enredo. Em uma das agências que estagiei, o
diretor de criação sempre exigia que apresentasse três caminhos criativos para as
campanhas e geralmente isso ocorria em forma de sinopse. Aprendi, e levo comigo
a ideia que a sinopse ajuda a oxigenar as ideias boas e satisfazer a vontade de
expressar àquelas ideias que no momento não servem tanto assim, mas podem ser
guardadas como boas opções futuras.
Um caso que não obedece à criação de uma sinopse, é o que poderíamos
chamar de gênero documentário na propaganda. É muito raro que um filme
publicitário seja totalmente documental, afinal no cinema a definição do gênero se dá
por:
[...] como a definição é difícil, em geral se explica o documentário não por suas qualidades intrínsecas, mas pela negativa: documentário é não-ficção (não por acaso, os povos de língua inglesa chamam os documentários de nonfiction films) (MACHADO, 2011, p. 6 apud BATISTA; REVERS 2015, p.5).
Como o foco do presente trabalho é a construção de um roteiro sob a
estratégia criativa do Femvertising, esse assunto nos interessa pouco, pois na
criação de filmes publicitários que se aproximam do documentário não há uma pré-
construção narrativa, ou seja, não existe um trabalho de construção de roteiro,
envolve um pré-roteiro que apenas organiza a ideia ou conceito a ser reforçado pelo
filme.
O documento que estamos nomeando por pré-roteiro, geralmente expõe um
problema de pesquisa para o documentário, que serve de conflito, e a procura de um
universo que seja o desejado para averiguar o resultado dessa pesquisa. Ou
também pode ser do tipo expositivo, que elege alguém, ou algumas pessoas, para
serem gravadas situações de suas vidas, que servem de exemplo, ilustrando o
funcionamento, uso de um produto, ou os princípios de uma marca ou propósito.
Justifico não ter ido a fundo no assunto de filmes próximos ao documental,
pois dado o arco da ação dramática, início, meio e fim, no pré-roteiro desses
comerciais, apenas construiríamos um conflito, o desenvolvimento seria resultado da
gravação e a solução, se daria pela cena gravada mais a manipulação realizada na
montagem, não necessitando amplamente da figura do redator ou roteirista.
36
Faço esse adendo, pois encontrei essa escolha narrativa em alguns casos do
que até agora é conhecido como Femvertising que atingiram grande projeção
midiática. Julgo que isso ocorra, talvez porque a realidade exposta seja uma forma
de gerar credibilidade para a ideia mostrada, principalmente por envolver um tema
ainda tabu para a propaganda e a sociedade, como a igualdade de gênero.
Um exemplo é o filme da marca Adidas, “Candace Parker. Here to Create”24.
Criado a partir da seleção de posts reais, feitos pela jogadora de basquete Candace
Parker, na rede social Instagram, em que interage com sua filha. O conceito da
propaganda gira em torno do “Here to Create” (Aqui para criar), é incluída no
Femvertising, pois trata de recriar a imagem da mulher e mãe.
O que vemos nos posts é uma atleta destemida, o mote da propaganda fica
em um vídeo, feito pela própria Candace, retirado na íntegra da rede social, em que
treina próximo a filha, e esta grita feliz “My mom is a beast” (Minha mãe é uma fera),
no sentido de que a mãe é demais. Desvinculando a ideia de uma figura de mãe e
sexo frágil, que vive apenas para os filhos e família. Os vídeos de Candace ilustram
o dia a dia da mulher, que também é mãe, tem uma filha feliz e nem por isso deixa
de ser uma das maiores jogadoras de basquete dos Estados Unidos. A Adidas
ganha com isso, pois aparece como uma marca que apoia essas ideias de recriar
estereótipos por um mundo mais igualitário.
2.2 TRATAMENTOS DO ROTEIRO
Decidida a sinopse a ser transformada em roteiro, chega a hora de tratar o
roteiro. Geralmente, um mesmo roteiro é tratado mais de uma vez, pois esta fase é
responsável por lapidar o texto antes que seja submetido a produção de fato.
Segundo Barreto (2004, p. 52), esse tratamento significa fragmentar a sinopse em
cenas, acrescentar os diálogos, indicações, todos os detalhes necessários, e colocá-
la em uma sequência lógica, para obter drama e o nível de tensão ideais”.
A elaboração do tratamento resulta na estrutura do roteiro pronto, o esqueleto
da ação dramática, previamente explicada. Esta é composta em qualquer texto
literário, cinematográfico ou publicitário, em linhas simples por: conflito, clímax e
24 Filme “Candance Parker:Here to Create” Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?time_continue=3&v=8luSJxVswFw> Acesso em: 15 de setembro de 2016.
37
resolução. Barreto, utiliza o diagrama elaborado previamente por DOC Comparato
para ilustrar um exemplo de roteiro publicitário (Figura 01).
Figura 01 –Diagrama da estrutura ideal de um roteiro publicitário
Apesar destes três elementos serem considerados básicos para formar uma
narrativa completa, eles não são obrigatórios, não têm ordem, nem momento fixo, e
podem ocorrer mais de uma vez. Gosto da ideia de usar o diagrama, quando é
necessária a realização de uma análise ao final da escrita do roteiro, para checar se
não há lacunas na trama, se os três elementos aparecem, de que forma isso
acontece, se a história não se torna muito parada, ou muito tensa, devido aos
eventos estarem demasiadamente espaçados ou próximos demais. Não é o caso da
proposta de roteiro que será apresentada na próxima seção do presente trabalho.
Sobre essa estrutura do roteiro publicitário, Barreto (2004) discorre, que
devido ao seu menor tempo, em relação ao cinema, e possuindo um objetivo
persuasivo claro, não de apenas contar uma história, geralmente condensa a
apresentação do problema e o desenvolvimento em uma só etapa, possui sempre
um clímax e a resolução, que serve de final. A ordem é maleável e geralmente os
três atos aparecem aglutinados, pois a linguagem de um comercial é sempre
dinâmica, cena seguida de cena, ou seja, ação seguida de ação. Trabalhando em
agências, ouvi muito a expressão “corte atrás de corte”. A propaganda audiovisual é
feita de vários cortes, eles aceleram o ritmo e tentam reter a atenção do consumidor.
Quando o cinema se aproveita disso, geralmente diz-se que a montagem do filme é
publicitária.
Fonte: (BARRETO apud COMPARATO, 2004, p.54)
38
Mas isso precisa necessariamente começar no roteiro, que
consequentemente se parecerá um pouco com o publicitário, contendo frases curtas
e assertivas descrevendo ações. Haverá várias cenas curtas e diversas linhas, já
que a cada nova ação usa-se uma nova linha e a cada cena um novo cabeçalho.
Um exemplo, é o início do roteiro, escrito por Braúlio Mantovani, do filme
Cidade de Deus25, que entre seus variados cortes, ou linhas, oferece a tensão
necessária para a fuga e perseguição de uma galinha que ia para panela.
2.3 ELEMENTOS DO TRATAMENTO ROTEIRO
Após a sinopse mais adequada ser escolhida, chega a hora do tratamento, ou
dos tratamentos, já que geralmente são feitos bem mais que um. O roteiro é tratado
até os elementos da ação dramática estarem suficientemente aprimorados para
serem filmados.
Antes dos elementos dramáticos, é crucial informar, onde e quando a história
estará ocorrendo, pois é a partir dessas informações que se dividem as cenas.
Segundo Barreto (2004, p. 77) "Cena é uma seção contínua de ação dentro de uma
mesma localização".
A formatação de um roteiro de cinema geralmente se dá dividida em cenas.
Mckee (1997) cita o método Master Scenes, em que a localização e o turno servem
de cabeçalho para cada cena.
Os roteiros publicitários são mais fluídos em termos de regras de formatação,
até porque são menores, compostos mais ou menos ao que corresponderiam, as
vezes, a uma cena ou no máximo a um ato de um roteiro cinematográfico. Por isso,
Barreto (2004) indica separar cada nova ação em um novo parágrafo, que se
assemelha a uma descrição literária. Afinal, um ato geralmente contém um evento,
começo e meio e fim. Segundo Mckee (1997), o evento é a narrativa de uma ação,
sempre correspondente a uma alteração de valores, sendo esses positivos ou
negativos em torno do objetivo desejado.
No momento do tratamento é sempre importante ponderar e excluir coisas
que não alteram a mudança dos valores da situação, dos personagens, ou muitas
25 Para maiores esclarecimentos consultar a primeira página do Roteiro, escrito por Bráulio Mantovani. Disponível em:< http://www.roteirodecinema.com.br/banco/cidadededeus12.pdf > Acesso em: 15 de setembro de 2016.
39
vezes do produto não agregando em nada ao objetivo e assim ao próprio roteiro.
Outro detalhe colocado pelo autor de Story, é que a mudança de valor dentro de
uma experiência não deve ocorrer por coincidência. Deve, sempre, ocorrer por uma
razão: no presente caso, por exemplo uma mudança positiva poderia acontecer pela
adoção dos princípios do Femvertising na propaganda ou uma mudança negativa
pela total ausência deles.
Barreto (2004) disserta um pensamento similar ao de Mckee, aconselhando a
nunca escrever uma cena sem função na narrativa do roteiro. Pois são as cenas da
propaganda, que criam lembranças para marcas, produtos e propósitos na mente do
consumidor. Na sequência, apresento um exemplo da formatação utilizada por
Barreto, que será seguida no roteiro do presente trabalho (Figura 02).
Figura 02 – Exemplo da formatação de um roteiro publicitário
Podemos observar que após os elementos de identificação, o roteirista
localiza a história, descreve de maneira literal o que precisa ser visto e ouvido no
filme. Sem uma estrutura extremamente elaborada.
Existem diversas formas de orientar e detalhar uma localização, não precisa
Fonte: (BARRETO, 2004, p.86)
40
ser tão genérica como no exemplo (praia). Barreto (2004) discorre, embasado pelo
método de Eugene Vale, que localizar pode englobar a natureza do local, uma casa,
um porão, ou um parque; o modo, se é noite, ou dia, se está cheio, ou vazio, se é
pobre, brega, ou modernista; se tem relação com o personagem e sua ação, um
esconderijo, uma casa que acentue sua personalidade, rica ou pobre; a atmosfera
da localização, transmite angústia, magia, ou nostalgia.
O autor aconselha fugir do óbvio e sempre lembrar que a localização, o clima
e tempo tem função dentro da narrativa, não deve ser apenas decorativa. Esta deve
aparecer logo abaixo do título de forma concisa, e sempre que alterada, é preciso
indicar logo acima da cena que diz respeito.
O tempo dramático pode ser diferente do tempo da realidade, trinta segundos
podem durar uma vida, uma coisa nova, envelhecer ou o contrário. Usar relógios,
cronômetros, informando a passagem de tempo, é o recurso mais comum, afinal são
coisa óbvias que utilizamos no dia a dia. Mas se o tempo importa para a narrativa é
interessante que sua passagem seja criativa, se o tempo apenas é outro da
realidade, passado ou futuro, cenário, figurino, e elementos que podem ser descritos
e também compor os personagens, acabam criando a atmosfera necessária para
essa informação. O autor assinala, que é sempre importante perceber a diferença de
tempo para temporalidade, já que esta é a indicação da data, da época, da hora, do
período em que a história acontece, o tempo é a passagem, descontínuo, ou
contínuo, ao contrário ou ordenado.
O filme publicitário “Dia do orgulho LGBT”26 da marca de cervejas SKOL, não
é exatamente alicerçado sob a estratégia criativa do Femvertising, mas trabalha o
tema da igualdade de direitos e é um bom exemplo do uso inteligente e arquetípico
de elementos que demonstram a passagem do tempo.
Conflito: SOM de uma sirene de polícia. Em uma rua deserta à noite objetos estão pegando fogo, como em um front de protesto. Vemos alguém sozinho de costas. A sirene cessa aos poucos e entra uma trilha sonora intensa.
26OroteirotranscritonaíntegrapodeserconsultadoaofinaldestetrabalhonoApêndiceB.
41
Conforme nossa visão se aproxima, essa pessoa vira de frente e nos revela um rapaz de aparência andrógina e alternativa. Alguém passa correndo por ele, que começa a caminhar encurvado, demonstrando receio. Desfecho: O ambiente começa a se tornar mais iluminado como se amanhecesse. O mesmo homem negro segura na outra mão do protagonista e também segue caminhando ao seu lado. Aparecem muitas pessoas com diferentes estereótipos para seguir com ele. As pessoas caminham em marcha ao lado e atrás dele. Amanhece completamente. Algumas pessoas da marcha carregam sinalizadores coloridos e a fumaça nas cores da bandeira do orgulho LGBT vai se espalhando pelo céu, enquanto todos seguem caminhando de cabeça erguida em nossa direção. LETTERING: Respeito is on LETTERING: SKOL
A relação inteligente é a de relacionar noite, na exposição do conflito e o
amanhecer para o desfecho, intensificando o significado entre a relação: preconceito
versus vencer o preconceito. Dessa forma ocorre uma composição arquetípica, pois
utiliza símbolos do imaginário cultural universal, como escuro para conflito e
amanhecer para solução. Elementos como conflito e desfecho, serão explicados
mais detalhadamente na sequência.
O conflito, também é conhecido por plot, Barreto (2004), afirma ser o
elemento responsável por gerar a ação dentro da estrutura do roteiro. Sua
importância é crucial pois sem ação, não há drama, não há cena.
McKee (1997) descreve o conflito como a revelação do que está em
desequilíbrio na história, o momento que evidencia a necessidade de uma mudança
de valor na vida do personagem ou nos eventos da história, algo que precisa ser
reparado. Na publicidade, essa reparação, geralmente, ocorre através das marcas e
seus valores, produtos ou principio a ser defendido. O conflito deve ser
compreensível, arquetípico, universal, para alcançar a empatia do público pela
dramatização. Barreto escreve (2004, p. 57) "É no plot que está a força do roteiro.
42
Ele é a forma da ideia, o caminho escolhido para causar o impacto. Junto com o
personagem protagonista, o personagem coadjuvante e com a ação, ele forma o
núcleo dramático do roteiro."
O elemento ponto de virada, chamado também de clímax ou plot twist,
segundo Barreto (2004), não é obrigatório em roteiro publicitário, como é no cinema.
Mas é um artifício cada vez mais utilizado, devido ao aumento do tempo dos filmes
publicitários, em razão de muitos, atualmente, serem produzidos para web, e com o
foco no entretenimento, precisarem de histórias mais complexas, para serem
consumidos como conteúdos.
Mckee (1997) descreve o clímax como elemento surpresa responsável por
preencher a lacuna da expectativa criada anteriormente, servindo de elo entre
conflito e desfecho, ou seja, entre expectativa e resultado é o algo inesperado que
ocorre e gera mudanças permanentes na história.
Barreto (2004, p. 57) escreve que "ponto de virada é qualquer incidente,
episódio ou evento inesperado que leva a ação dramática para outra direção ou
apresenta uma situação que o espectador não esperava".
A solução final ou desfecho, como o nome já deixa claro, é a resolução do
conflito, e pode ser o fim do comercial. Segundo Barreto (2004), ela ocorre
geralmente através do produto, marca ou adoção da ideia anunciada, que servem
como super-heróis na história. Outro ponto adicionado pelo autor é que quando a
solução final vem antecedida, ou é apresentada, através de um ponto de virada, o
impacto do filme é maior e por isso o fator lembrança tem chance de funcionar
melhor.
Penso que isso ocorre, pois o elemento surpresa sempre ajuda a lembrança a
ser fixada na mente de quem assiste, pela carga emocional que transmite. E ao ler o
livro de Barreto (2004), percebo que ele concorda com o fato, de que ao ser
surpreendido, impactado, o consumidor através da carga emocional, lembrará
melhor do que assistiu.
Mesmo que se aproxime mais ao documental, não explorando tanto a
construção de um roteiro, o filme “Like a Girl”27 da marca de absoventes íntimos
Always, considerado um marco na história do Femvertising, é um bom exemplo
para ilustrar a existência de conflito, ponto de virada e solução final. 27 Propaganda disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yIxA3o84syY> Acesso: 15 de setembro de 2016.
43
A estratégia criativa de Like a Girl (Agir como uma Garota), gira em torno de
uma pergunta em lettering, norteia a apresentação e o conflito, “O que significa
correr como uma garota?”, nas cenas seguintes, vários adultos, mulheres e homens,
e meninos dão sua opinião, nenhuma positiva. Outro lettering surge centralizado
“Quando fazer algo como uma garota, virou sinônimo de insulto?” Então, um dos
entrevistados anteriores percebe como a construção de discurso da sociedade,
reproduzida por ele, é ofensiva e machista.
O ponto de virada ocorre logo após surgir o lettering “Então, perguntamos
para as meninas.” E meninas, todas crianças, dão apenas respostas positivas.
Assistindo como pesquisadora, fica mais evidente, que neste momento o impacto
emocional se torna alto, em quem está consumindo este conteúdo.
Outros dois letterings iniciam o desfecho “A confiança de uma garota
despenca durante a puberdade.” Seguido por “Mas isso não deveria acontecer”,
então uma das garotinhas entrevistadas surge, e ouve a pergunta “O que significa
correr como uma garota?”, para a qual ela responde “Significa correr o mais rápido
que você puder”. E nesse momento é muito difícil não estar com os olhos
marejados, mesmo tentando ficar distante do objeto. Por fim, o lettering entra como
um convite, que demonstra bem o valor da marca: “Vamos transformar agir como
uma garota em coisas maravilhosas” e posteriormente a assinatura da marca.
Como redatora, é muito satisfatório observar uma criação baseada pelo
significado de expressões linguísticas, e a necessidade dos Letterings guiarem a
estrutura do filme. Como publicitária, é de se observar a estratégia sutil com que o
vídeo vende o produto (absorventes) tratando de símbolos relacionados a
menstruação, como puberdade, autoconfiança, e soma a isso um posicionamento,
ao colocar a marca ao lado de valores que empoderam as mulheres, seu público
alvo.
Além desses elementos, há outros, elencados por Barreto (2004), igualmente
importantes, o clima, as emoções, e o ritmo, pois tratam de provocar e aumentar o
impacto no consumidor e assim o nível de lembrança. Eles estão presentes dentro
do conflito, clímax e solução, e ajudam a trazer credibilidade para a propaganda, já
que a função do roteiro é persuadir alguém a comprar, acreditar ou adotar um
comportamento, a narrativa precisa apresentar, antes de tudo, credibilidade.
O clima é a sensação que precisa ser transmitida através dos recursos do
audiovisual para o público, clima jovem, clima verão, são exemplos que o autor traz,
44
mas por trás desses nomes altamente usados estão elementos que precisam ser
descritos no roteiro, como: movimentos, iluminação, detalhes de cenário, cores,
referências, características físicas do personagem, letterings, tom da locução, tom
das falas, para que seja certeiro ao objetivo, ao público alvo e a história. Essa
descrição de detalhes, segundo o autor, deve ser breve, afinal o trabalho do
roteirista é criar e desenvolver a narrativa, a ideia. A forma como ela será
transformada em imagens, ou seja, o roteiro técnico, compete ao diretor do filme
publicitário.
O ritmo é o elemento do roteiro formado por elementos da narrativa, como
cenas, diálogos e ação dos personagens. É importante que seja dinâmico, já que
raramente alguém assiste publicidade predisposto à experiência, mas o autor coloca
que isso não significa ser muito dinâmico, o ritmo deve obedecer ao ritmo de
compreensão do seu público alvo.
Emoções, ou a tentativa de gerá-las no consumidor, segundo Barreto (2004),
são importantes para captar atenção e gerar lembrança. Mckee (1997) aprofunda
essa relação de significado e emoção, expondo que a experiência emocional
significativa relativa a obra fantasia serve para reviver a vida, de quem assiste, morta
pela rotina. A ilustração discursiva da propaganda fornece em sentido, uma
superação do estado atual, dos conflitos do real, para os conflitos da narrativa, que
já apresentam um caminho, geralmente comercial ou ideológico, para atingir a
harmonia e beleza.
Criar uma história em torno de marca, produto ou princípio tangível é
dramatizar para emocionar. A construção da estrutura dos eventos serve para
expressar uma ideia, mesmo que de maneira metafórica e comprová-la através da
narrativa, por isso Mckee afirma que a estrutura serve de base retórica para justificar
a escolha, a criação do desejo na audiência.
Quanto mais a propaganda faz as vezes de conteúdo, mais se fala nas
propagandas que emocionam, pegam o público pela história que embala a marca,
Segundo Barreto, essas emoções geram pontos de identificação com o público, o
que Mckee chama de empatia gerada pela compreensão da narrativa. O público ao
desenvolver empatia pelo conteúdo, fica motivado a se deixar envolver.
Barreto (2004), em seu livro, defende a existência desses pontos de
identificação em todas as cenas de um comercial clássico de TV que geralmente
possui duração de trinta segundos, alegando que o pouco tempo exige uma carga
45
de emoções não apenas para manter a cara atenção do consumidor, que não está
disposto a ver propaganda, mas também para gerar identificação após o fim do
comercial, a chamada lembrança, que muitas vezes é propulsora do desejo.
O roteiro do Filme “First Moon Party”28, explora algo universal da vida das
mulheres, o conflito da primeira menstruação. Produzido pela empresa Hello Flo,
que atua no ramo de consultoria para produtos e educação do segmento da
menstruação e saúde da mulher, é um bom exemplo, que engloba Femvertising, e
grande parte dos elementos aqui trabalhados.
Em “First Moon Party” (Festa da primeira Lua). Uma menina, pré-adolescente
ao perceber que todas as suas amigas ficaram menstruadas, mas ela não, decide
falsear a situação. O ponto de virada, A mãe diante da mentira, decide ensinar uma
lição para a filha, e cria a festa “Da primeira Lua”, tematizada sobre a menstruação,
e convidar amigos e família. Quando a menina não aguenta mais a situação que se
seguiu, decide contar a verdade. A solução final ocorre, quando a mãe, ao ouvir a
confissão, entrega o Kit educacional da Primeira menstruação, vendido pela Hello
Flo, exemplificando que sem mentiras, mas como uma boa conversa tudo poderia
ser resolvido mais rápido.
Após trabalhados conflito, clímax e desfecho, no processo de criação, parte-
se para lapidar outros elementos, que estão no interior destes, os quais chamarei
primários e por isso tratarei os próximos como elementos secundários do roteiro,
não pela importância, mas pela ordem de etapas no método de desenvolvimento.
2.4 ELEMENTOS SECUNDÁRIOS NO ROTEIRO
Sobre os personagens, Barreto (2004) discorre, que o protagonista, as vezes,
pode ser o produto, a ideia ou a crença para o que se deseja persuadir. Mas nem
sempre isso acontece, principalmente no caso de roteiros que contam uma história,
ou pretendem adicionar valores a marca, como é o caso da maioria dos roteiros
transcritos.
O mais importante é sempre ser fiel as necessidades da ideia, não existe uma
regra mais certa para criação, diria Mckee, que independente do que sirva de
personagem, o mais importante é que tenha personalidade suficiente, para causar
28OroteirotranscritonaíntegrapodeserconsultadoaofinaldestetrabalhonoApêndiceC.
46
empatia no espectador.
Afinal a função dos personagens é trazer para a história as qualidades da
caracterização necessárias para gerar ações e escolhas convincentes. Ou seja, o
personagem deve agregar credibilidade a narrativa na sua combinação de
qualidades, permitindo a audiência acreditar no que ele realiza, no caso da
publicidade mais ainda, pois credibilidade ajuda a construir no público o desejo pelo
produto, marca ou ideal.
Um jeito bastante defendido para trazer credibilidade ao roteiro audiovisual é
desenvolver narrativas com personagens humanos, com qualidades e defeitos,
histórias não totalmente perfeitas, nem totalmente trágicas. Mckee defende que a
melhor referência na criação de um roteiro é a própria vida.
Pensando o Femvertising como estratégia criativa, personagens mulheres na
publicidade desenvolvidas de maneira tridimensional, mais humanas, geram
impacto, pois ainda surpreendem, já que o público percebe um discurso
diferenciado, daquele geralmente utilizado, com uma mulher irreal, servindo de
objeto.
No trecho do roteiro de First Moon Party, temos um exemplo de construção
tridimensional de personagem:
No seu quarto, Katie sentada em sua na cama, faz exercícios com as pernas. LOC OFF (voz de Katie): Eu tentei de tudo para menstruar. Mas nada. Então eu forjei. Retornamos a mesma cena da menina pintando algo à escrivaninha. Ela termina de pintar e percebemos que se trata de um absorvente íntimo. KATIE(falando consigo mesma) : Parece com a Flórida.
Observe como ao mesmo tempo que a menina é colocada em um ambiente,
com objetos ditados como do “feminino”, vistos como fúteis, de maneira
preconceituosa pela sociedade machista, a fala “Parece com a Flórida”, adiciona a
ideia, que ao mesmo tempo que Katie se importa com vaidade, ela também tem
bons conhecimentos em geografia, ou seja, é uma garota inteligente e uma coisa
não exclui a outra. Observe como é sutil, através do cenário, das ações, dos objetos
e das falas criam-se as camadas que tornam um personagem tridimensional, ou
seja, um ser humano.
47
O diálogo, segundo Barreto (2004), nem sempre é obrigatório, mas funciona
como uma rede de significados e de informações sobre a história e no caso da
publicidade, também sobre o produto, marca, ou propósito anunciado. Mckee (1997)
adiciona que não se trata de uma conversa comum, por trás do diálogo precisa
haver a intenção de revelar algo importante para a progressão dos fatos e
compreensão da narrativa.
Mesmo não sendo de uso obrigatório, Barreto (2004) considera seu uso
interessante, na construção do tom, ou clima da trama, através do que os
personagens comunicam entre si. O autor discorre sobre uma obviedade do
audiovisual, mas sempre necessária de lembrar, o roteiro é uma base escrita para
um produto audiovisual, então o que pode ser visto não precisa ser dito. O que pode
ser um elemento visual, ou uma ação na cena, não precisa se tornar um diálogo
explicativo e enfadonho.
Em First Moon Party, um exemplo que agrega a construção da narrativa está
no trecho:
Um homem vestindo terno entra pela porta, é um colega de trabalho da mãe de Katie. Ele cumprimenta Katie e lhe entrega um pacote de filtros de café. COLEGA DE TRABALHO DA MÃE: Aí está você. Comprei um pacote enorme. KATIE: Isso é para coar café?! COLEGA DE TRABALHO: Eu não tinha certeza qual era sua marca preferida. Essas crianças de hoje.
Por trás desse diálogo, há uma ilustração crítica, de como a menstruação,
algo comum a saúde de todas as mulheres, ainda é tratada como Tabu, e os
homens continuam completamente ignorantes e alheios ao tema.
Dentro do tema diálogo, o monólogo é outro recurso bastante explorado no
filme “First Moon Party”, nas confissão dos personagens direto para a câmera:
Na mesma poltrona, em que a mãe confessou o segredo, Katie está sentada sozinha. KATIE (fala para câmera): Que diabos é uma festa da primeira lua? A mãe está sentada na mesma poltrona, que serve de confessionário para as duas.
48
MÃE (fala para a câmera): Uma coisa é mentir para mim, outra é usar aquele tom. Vai ter festa.
Não vou entrar em pormenores da teoria da imagem, mas esse tipo de
monólogo, em que o personagem fala diretamente com o público, é chamado de
quebra da quarta parede. Isso geralmente cria uma aproximação maior com quem
assiste, pois o personagem confia segredos ao espectador. No roteiro, gera um
efeito de onisciência para o público, que desde o início sabe tudo o que está se
passando na história, e aguarda tenso, pelo desfecho da menina descobrir que caiu
na própria mentira ou não.
Da mesma família do diálogo, a locução, discorre o autor, que quando não se
compreende, o que é um roteiro narrado ou também chamado de locução off, pode
existir o risco de se cometer um erro grave e narrar o que está sendo mostrado.
No trecho de First Moon Party percebe-se o bom uso da locução:
Em plano detalhe, uma mão enfia um marshmallow espetado em um palito, em uma fonte, onde transborda um líquido vermelho e viscoso. Katie olha com nojo. LOC OFF (voz de Katie): eu costumava gostar de mashmallows. Plano aberto da mulher com o marshmallow mergulhado na fonte do líquido vermelho e viscoso. LOC OFF (voz de Katie): Nunca mais. A mulher come o marshmallow e o líquido escorre entre seus lábios.
De maneira inteligente, este recurso é utilizado para revelar os pensamentos
da menina Katie, trazendo ironia e humor a narrativa e ao próprio personagem, que
ganha traços de personalidade, através do que e como pensa.
Outro recurso de áudio importante a ser dada atenção, é a trilha sonora, uma
música pode tocar a alma e a psique humana, se bem escolhida, pode gerar mais
impacto e assim mais lembrança. A música também pode ser composta pelo
silêncio, segundo Barreto. Isso é escolhido no roteiro, mas só pode ser sentido no
filme produzido. Um bom exemplo do uso de trilha sonora, é o Filme Orgulho LGBT
da marca de cervejas Skol, citado anteriormente.
O lettering ou legenda, explicando em outras palavras, é todo recurso escrito
na tela. Elas podem ter movimento, transição, e só devem estar presentes, se
49
causam impacto e se há tempo para ler ao assistir a imagem. Geralmente slogans,
ou assinaturas são mostrados dessa forma.
Em Like a Girl da Always, descrito anteriormente, os letterings são
esteticamente simples, mas contém mensagens poderosas para guiar a ação
dramática.
O Packshot, segundo o autor, é a cena clássica dos comerciais com o
produto, mostrando o produto, adaptado ao nosso roteiro que trata de um propósito,
é uma cena dedicada a nos fazermos entender que toda aquela narrativa é
direcionada para um objetivo persuasivo. Quando não há uma cena packshot, pois
não se está anunciando um produto, podemos usar o termo Assinatura, utilizado
pelo autor para slogans, e marcas, que podem vir em forma de áudio ou lettering.
O Packshot é utilizado em First Moon Party, logo antes do final, na cena
contém apenas o Kit da primeira menstruação aberto, ilustrando bem o conteúdo
interno do produto.
Para resumir tudo que foi descrito sobre estrutura, Mckee coloca que todos
esses elementos devem ser trabalhados de maneira sinfônica, como se fossem
diferentes instrumentos de uma mesma orquestra, que só funcionam e encantam
quando trabalhados juntos.
Em First Moon Party é possível observar como esse trabalho conjunto ocorre:
no cenário, nas personagens e em suas personalidades, motivações e ações;
palavras como vagina, menstruação, útero serem ditas abertamente, e compostas
de maneira visual, como o absorvente pintado, o pai fantasiado de menstruação, a
pinhata de útero, reunidos de forma inteligente, são apenas alguns dos elementos,
que juntos criam uma composição simbólica, para expressar o valor de
empoderamento do feminino dentro do filme publicitário.
2.5 ELEMENTOS TERCIÁRIOS NO ROTEIRO
Segundo o Barreto (2004), é sempre bom mencionar referências no roteiro,
para orientar o diretor, o cliente e outros profissionais da agência que irão ler sua
história. As referências ajudam na imaginação do produto final, e para isso é preciso
sempre buscá-las em filmes, fotos e momentos da vida.
Uma dúvida comum é sobre como medir tempo. O autor coloca que uma folha
A4 é mais ou menos a medida de 30 segundos. Pouco tempo necessita um roteiro
50
mais assertivo no impacto, deve-se economizar nas redundâncias, escrever cenas
que são ações e não explicações. O principal é a persuasão contida na história
contada, direcionada para produto, marca ou propósito.
Me permitirei uma ponderação: a autocrítica é mais valiosa na publicidade do
que no cinema, pois está em jogo a verba de um cliente, a imagem de uma marca,
um produto ou um ideal e claro, a carreira do redator. Barreto indica que, após
escrito, é importante executar questionamentos, que respondam perguntas: o roteiro
obedece ao briefing; é adequado ao cliente e seu público; ele é persuasivo o
bastante para que pessoas assistam e achem memorável. A chance de errar está
sempre à espreita, mas esses passos não garantem obrigatoriamente um roteiro
criativo ou um Grand Prix em Cannes Lions, mas com certeza levam a um resultado
no mínimo correto, sem prejudicar cliente, ou ofender o público.
Os roteiros transcritos como referência para a presente análise, são todos
exemplos da união do trabalho técnico competente com uma ideia criativa. Algo
comum a todos é o fato de possuírem um ponto de virada, porém mais importante
que isso, observe-se que todos são competentes na manipulação de símbolos
arquetípicos da cultura, para chamar a atenção às novas representações e para a
necessidade da reformulação dos discursos sociais, a partir da premissa da
igualdade de gênero e por isso foram analisados.
Não me fixei às estruturas de história existentes em qualquer um deles para
desenvolver meu roteiro. É algo possível de ocorrer, por permanecer muito tempo
imersa no universo desses roteiros, mas deixo claro que meu foco é ter liberdade
para a partir de uma ideia própria, que suporta o discurso do femvertising, lapidar os
elementos de roteiro e obter o resultado mais satisfatório possível.
No próximo capítulo inicio a apresentação do roteiro e seus tratamentos
produzidos a partir deste estudo.
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3 O FEMVERTISING APLICADO AO MEU ROTEIRO PUBLICITÁRIO
Um dos objetivos neste projeto experimental é o desenvolvimento de um
roteiro de filme publicitário que questione a representação tradicional das mulheres
na propagada; como clientes estarão mulheres e o público alvo será a própria
categoria de profissionais da publicidade, como criativos e anunciantes. Para se
chegar ao caminho criativo do roteiro, constitui um briefing.
Para atender a estratégia criativa desejada, empreendi um debate sobre o
feminismo, a representação de gênero na sociedade e na propaganda, o
femvertising e aprofundei meus conhecimentos sobre roteiro publicitário.
Assim, neste capítulo apresento o briefing e o resultado deste estudo em
forma de roteiro utilizando do femvertising como estratégia criativa..
3.1 O BRIEFING
Cliente: 65/10 29
Sobre o cliente: A 65/10 é uma consultoria de comunicação com mulheres que
trabalha para marcas e agências que queiram se comunicar melhor com o público
feminino, refletindo o papel que a mulher tem hoje na sociedade. Atua nos eixos da
educação, promovendo aulas sobre a mulher na publicidade, da criação de projetos
especiais que repensam o papel da mulher na publicidade e nas agências.
Tema central: A Propaganda precisa repensar sua forma de representar e se
comunicar com a mulher. Não há mais lugar para mensagens machistas. A
publicidade pode mudar para melhor.
Produto: Filme publicitário para web 2’
1 – Fato principal: assim como na sociedade, a história da propaganda traz diversos
exemplos de mensagens que diminuem, objetificam e exploram a imagem da
mulher. Ou seja, grande parte das representações femininas são criadas através da
ótica do machismo, o que é prejudicial para a sociedade como um todo. A 29Siteoficialdaconsultoria65/10<http://meiacincodez.com.br>
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propaganda, por ser uma importante ferramenta de comunicação, não deveria
compactuar com isso, por questões éticas, mas também por questões econômicas,
já que o poder de compra das mulheres vem aumentando, a sociedade está
mudando e cada vez mais as consumidoras buscam marcas com posicionamentos
próximos ao discurso do femvertising, que rechaça a ótica machista.
Há pesquisas que confirmam isso, o próprio nome da empresa (65/10) foi
inspirado no resultado de uma pesquisa que mostrou a necessidade de ser criar
uma consultoria nesse segmento. Dados constataram que 65% das mulheres não se
identificam com a maneira como são retratadas na publicidade, para além disso, na
mesma pesquisa, apenas 10% dos profissionais de criação no brasil são mulheres,
deixando claro quem é o target principal. Assim, entre tantos projetos especiais da
65/10, a consultoria decidiu tomar partido para convencer agências brasileira a
firmar um compromisso de repensarem a representação das mulheres nas
propagandas.
Mais informações no link: http://revolucaodelas.meiacincodez.com.br/11/
2 - Objetivo de Comunicação: sensibilizar publicitários e anunciantes sobre a
importâncias de criar mensagens, que não sejam carregadas por discurso machista,
mas sim feminista, por meio da estratégia de femvertising, as quais fomentam o
empoderamento da mulher e, por consequência, a igualdade de gênero.
3- Com quem queremos falar: publicitários, principalmente profissionais da área da
criação e anunciantes. Lembrando que apenas 10% do mercado de criação é
composto por mulheres.
4– Mensagem Principal: é necessário mudar o discurso sobre a mulher na
propaganda.
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3.2 TRATAMENTOS E ROTEIRO FINAL
1º Tratamento – O Caos da ideia em sua forma bruta.
Cena 1: Vemos uma mão abrir a tampa de uma garrafa de cerveja long neck. Cena 2: Vemos mãos retirarem um absorvente interno do bolso de uma mochila. Cena 3. Vemos as mãos de alguém amarrarem os próprios tênis. Cena 4: Há um celular nas mãos de uma mulher madura, ela procura por uma playlist de músicas. Cena 5 Em um Camarim, há alguém de costas, em frente a um espelho. Vemos sua mão borrifando perfume em sua nuca. Cena 6: Mãos abrem um batom, o batom é passado sobre a boca. LOC OFF: DÁ PARA FAZER MUITA PROPAGANDA BOA O rosto de uma mulher jovem de óculos. Ela está em uma festa, é a mesma mulher da CENA 1. Tem a cerveja na mão e se diverte com amigos. A mesma pessoa da CENA 2 aparece ajeitando o cabelo dentro da touca de natação. É uma nadadora e está pronta para entrar na piscina. Vemos alguém correndo da cintura para baixo com os tênis da CENA 3. Aos poucos revela-se uma menina gorda, correndo feliz. No celular, a mulher da CENA 4 clica play em uma playlist chamada Chill. (TRILHA SONORA PARA, OUVIMOS A MUSICA QUE ELA OUVE) Vemos o celular sobre o criado mudo reproduzindo a música, atrás um porta-retrato com uma foto de família. Vemos o rosto de uma mulher madura, cabelos grisalhos com expressões de prazer. A mulher abre os olhos e pisca. Assistimos às costas de uma bailarina que dança no palco. Ela recebe os aplausos. As luzes se apagam. Luzes se acendem, no mesmo espelho do camarim CENA 5
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A bailarina está em frente esse espelho, através dele vemos o perfume. E seu rosto. Ela é uma mulher trans. Chuteiras entram no campo de futebol. Vemos uma mão que segura a bandeira de árbitro. Homens jogam em campo. A árbitro apita o final do jogo com a boca pintada pelo batom da CENA 6 se revelando uma mulher LOC OFF: NENHUMA DELAS ENVOLVE VOCÊ EXPLORAR AS MULHERES LETTERING: CRIATIVO MUDA O DISCURSO PARA MELHOR (o E e O de melhor, mudam para U e E, formando a palavra mulher) LETTERING: CRIATIVO MUDA O DISCURSO PARA MULHER
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2º Tratamento: O início da lapidação
FESTA/BOATE: Vemos uma mão que abre a tampa de uma garrafa de cerveja long-neck. VESTIÁRIO: Vemos um absorvente interno na mão de alguém. O fundo desfocado de um banheiro. RUA: Vemos apenas mãos amarrando cadarços de um tênis. QUARTO: Vemos mãos de uma mulher madura usando um celular. Ela procura por uma playlist de músicas. TEATRO/CAMARIM: Vemos as costas de alguém que está em frente a um espelho. Vemos sua mão borrifando perfume na nuca. BANHEIRO: Mãos abrem um batom. o batom é passado sobre a boca. LOC OFF: PROPAGANDA PODE SER... FESTA/BOATE: O rosto de uma mulher jovem de óculos. LOC OFF: DIVERTIDA Aos poucos o ambiente se revela. Vemos que ela segura a garrafa de cerveja e se diverte com amigos. VESTIÁRIO: Há muito vapor, o ambiente é úmido e quente. Vemos um braço vestindo a alça de um maiô. Temos a revelação: é uma mulher. Vemos ela ajeitar o cabelo dentro da touca de natação, a mão é a mesma do absorvente. A nadadora está em posição para entrar na piscina. LOC OFF: COMPETITIVA RUA: Vemos os tênis de alguém praticando corrida. Aos pouco é revelado uma menina gorda, que sorri enquanto corre . LOC OFF: VITORIOSA QUARTO: Vemos as mãos de uma mulher madura, que clica play em uma playlist chamada “Chill” no Smartphone. (TRILHA SONORA PARA OUVIMOS A MUSICA QUE ELA OUVE) Vemos o Smartphone sobre o criado mudo reproduzindo a música. Atrás dele, há um porta-retrato com uma foto de família.
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Vemos rosto da mulher, linhas de expressão, cabelos grisalhos com expressões de prazer deitada sobre um travesseiro branco. LOC OFF: HMM A mulher abre os os olhos, olha para câmera e pisca. LOC OFF: SEXY TEATRO/PALCO: Assistimos às costas de uma bailarina que dança no palco. Ela para para receber os aplausos. As luzes se apagam. TEATRO/CAMARIM: Luzes acendem A bailarina está em frente a esse espelho, através dele vemos o perfume e seu rosto. LOC OFF: ELEGANTE A atriz é uma mulher trans. ESTÁDIO: Vemos chuteiras pisando um campo de futebol. Vemos uma mão, que segura a bandeira de uma árbitra. Homens jogam em campo. A árbitra apita o final do jogo com a boca pintada de batom. LOC OFF: PODEROSA LOC OFF E LETTERING: PROPAGANDA PRECISA MUDAR O DISCURSO PARA MELHOR (o E e O de melhor, mudam para U e E formando a palavra mulher) LETERRING: PROPAGANDA PRECISA MUDAR O DISCURSO PARA MULHER
Realizo a troca da palavra CENA por subtítulos que demarcam os lugares.
Adiciono também palavras que interferem na ideia da propaganda. A mudança do
slogan não é só de palavras, se antes o direcionamento era de público (criativos),
agora é para o objeto (propaganda), isso cria um tom menos acusativo, mais
simpático para o diálogo. Essa mesma mudança de slogan traz consigo a inserção
de novas locuções que adicionam sentido às cenas.
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3º Tratamento: O texto literal e a definição da mensagem principal
Em uma festa, ouvimos música eletrônica alta, abafada. Vemos apenas mãos que abrem a tampa de uma garrafa de cerveja long neck. O Líquido se movimenta dentro da garrafa. Em um banheiro, vemos mãos negras que rompem o lacre da embalagem de um absorvente interno. Em uma rua, vemos apenas as mãos de alguém, que amarram cadarços de tênis. O chão é de asfalto. Em um quarto, vemos as mãos de uma mulher madura usando um celular. Na tela, ela procura uma playlist de músicas. Em frente a um espelho de Camarim, vemos as mãos de alguém borrifarem perfume em sua própria nuca. Vemos mãos abrirem um batom, que começa a ser passado nos lábios. LOC OFF: PROPAGANDA PODE... A música eletrônica é alta e abafada. Vemos primeiro o rosto de uma jovem negra usando óculos de grau estilo nerd. Aos poucos, o ambiente vai se revelando, ela está em uma festa. LOC OFF: UNIR EM FESTA/CELEBRAR MOMENTOS/FAZER A FESTA Ela brinda com a cerveja entre amigos. Ao fundo, pessoas interagem. Há muito vapor, o ambiente é úmido e quente. Vemos o braço de alguém que veste a alça de um maiô. Aos poucos se revela uma nadadora. Vemos ela ajeitar o cabelo dentro da touca de natação. LOC OFF: DESAFIAR/ DESAFIAR O FLUXO Na beira piscina, temos a visão de quem estaria dentro da água. Vemos ela em posição de nadadora pronta para nadar. Vemos apenas as pernas de alguém correndo, usando calças de esporte e tênis. Aos poucos o ambiente se revela: é uma rua. Vemos as costas de uma jovem gorda, que corre junto com uma amiga . LOC OFF: ARRASAR O SEU PRECONCEITO /DESROTULAR /LIBERTAR DE RÓTULOS/ Temos a visão de quem passa pelas duas. Vemos seus rostos. Elas sorriem.
Trilha sonora silencia.
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FADE OUT Ouvimos o barulho do click do botão do smartphone. FADE IN (TRILHA SONORA PARA OUVIMOS A MÚSICA QUE ELA OUVE) Vemos o Smartphone sobre o criado mudo reproduzindo a música. Atrás dele, há um porta-retrato com uma foto de família. Vemos partes do rosto da mulher linhas de expressão, os cabelos grisalhos, os olhos fechados. Vemos somente a boca, a língua molha os lábios e os dentes mordiscam o lábio inferior. LOC OFF: RELAXAR/ DAR PRAZER/ ÚNICO/ DAR ÁGUA NA BOCA/CRIAR DESEJO./ PROVOCAR DESEJO Vemos o rosto da mulher, deitada sobre um travesseiro. Ela abre os os olhos, olha para câmera e pisca. Trilha sonora clássica. Ballet. No palco de um teatro, assistimos as costas de uma bailarina que dança. Ela para para receber e agradecer os aplausos. A cortina fecha. As luzes se apagam. As luzes acendem Em um camarim, vemos a bailarina, já com o cabelo desfeito. Ela está sentada em frente ao espelho e, através dele, vemos o perfume e seu rosto. LOC OFF: ENCANTAR/ *Mulher Trans Homens jogam futebol em um campo. Vemos apenas as chuteiras de alguém que caminham em um campo de futebol. Vemos a mão segurando a bandeira de uma árbitra. Vemos a mão da árbitra levar seu apito até a boca, pintada de batom, e apitar o final do jogo. LOC OFF: DECIDIR/ TER A DECISÃO FINAL O ambiente se revela, podemos ver a árbitro de corpo inteiro.
PROPAGANDA PODE MUDAR PARA MELHOR (o E e O de melhor, mudam para U e E formando a palavra mulher) PROPAGANDA PODE MUDAR PARA MULHER
Altero novamente o slogan, a propaganda se torna uma agente da ação, de
poder ser (estado), para a propaganda pode (tem o poder de). Apresento a
experimentação do testes das mais diversas locuções entre cenas, de forma que
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encontre a que mais complemente o sentido do que está sendo assistido e não
apenas descreva o que se vê. Trabalho mais uma vez todo o texto, retiro elementos
técnicos, como os subtítulos, assim, adoto uma postura purista e literal, para que
haja a possibilidade da leitura total da ideia, essa a matéria do redator publicitário.
60
4º Tratamento: O roteiro final
Roteiro: Propaganda pode mudar para mulher Voz da Locução: Mulher, grave. Em uma festa, ouvimos música eletrônica alta, abafada. Vemos mãos que abrem a tampa de uma garrafa de cerveja long neck, ouvimos o ruído da tampa, e os gases contidos na garrafa se expandindo. O Líquido se movimenta dentro da garrafa. Em um banheiro. Vemos somente as mãos que rompem o lacre de um absorvente interno, ouvimos o barulho da embalagem. No fundo desfocado. Em uma rua, vemos apenas as mãos de alguém, que amarram cadarços de tênis. O chão é de asfalto. Em um quarto. Vemos as mãos de uma mulher madura usando um celular. Ouvimos os sons do celular. Na tela, ela procura uma playlist de músicas. Em frente a um espelho de Camarim, vemos as mãos de alguém borrifarem perfume em sua própria nuca. Ouvimos o barulho do líquido saindo pelo orifício do perfume. Em frente a um espelho, vemos mãos abrirem um batom, ouvimos o ruído da tampa e do batom sendo girado. Vemos apenas os lábios de alguém, que está aplicando o batom. LOC OFF: PROPAGANDA PODE... A música eletrônica é alta e abafada. Vemos primeiro o rosto de uma jovem negra usando óculos de grau estilo nerd. Aos poucos o ambiente vai se revelando, ela está em uma festa. LOC OFF: CELEBRAR MOMENTOS Ela brinda com a cerveja entre amigos. Pessoas dançam. Há muito vapor, o ambiente é úmido e quente. Vemos o braço de alguém que veste a alça de um maiô. Aos poucos se revela uma mulher. Vemos ela ajeitar o cabelo dentro da touca de natação. Vemos a piscina olímpica cheia da água, nenhum movimento. De repente a nadadora emerge na água. LOC OFF: DESAFIAR O FLUXO Temos a visão de um corredor em uma rua, ouvimos seus passos e outros que se aproximam muito rápido.
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O som dos passos nos alcançam, então olhamos quem passo ao nosso lado. Vemos uma jovem gorda correndo. Temos a visão de quem é ultrapassado por ela LOC OFF: DEFENDER IDEIAS Vemos seu rosto sorrindo, enquanto ela corre.
Trilha sonora silencia. FADE OUT Ouvimos o barulho do clique do botão do smartphone. FADE IN (TRILHA SONORA PARA OUVIMOS A MÚSICA QUE ELA OUVE) Vemos o Smartphone sobre o criado mudo reproduzindo a música. Atrás dele, há um porta-retrato com uma foto de família. Vemos partes do rosto da mulher, linhas de expressão, os cabelos grisalhos, os olhos fechados. Vemos somente a boca, a língua molha os lábios e os dentes mordiscam o lábio inferior. LOCOFF:PROVOCARDESEJO Vemos o rosto da mulher, deitada sobre um travesseiro. Ela abre os os olhos, olha para câmera e pisca. Trilha sonora clássica. Ballet. No palco de um teatro, assistimos as costas de uma bailarina que dança. Ela para para receber e agradecer os aplausos. A cortina fecha. As luzes se apagam. As luzes acendem Em um camarim, vemos a bailarina, já com o cabelo desfeito. Ela está sentada em frente ao espelho e, através dele, vemos o perfume e seu rosto, e o seu peito nu. (A atriz é uma mulher trans.) LOC OFF: INSPIRAR Homens jogam futebol em um campo. Vemos apenas as chuteiras de alguém que caminha em um campo de futebol. Vemos uma mão segurando a bandeira de uma árbitra. A outra mão da árbitra leva seu apito até a boca pintada de batom e apita. AUDIO: SOM DO APITO Temos a visão de que olha para a árbitra e recebe o cartão vermelho. LETTERING: PROPAGANDA PODE MUDAR PARA MELHOR
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(o E e O de melhor, mudam para U e E formando a palavra mulher) LETTERING E LOCUÇÃO 2: PROPAGANDA PODE MUDAR PARA MULHER
Realizo a escolha definitiva do slogan e das locuções, inclusive subtraindo
algumas. Também faço a última lapidação das cenas, efetuando mudanças sutis,
que agregam melhor o conjunto de cenas com os letterings e locuções escolhidos,
mantenho a perspectiva literária e aceito este roteiro como final, porque só então
percebo os elementos interagindo de maneira harmônica para atender os objetivos
do briefing.
3.3 EXPLICANDO AS ESCOLHAS DE FEMVERTISING NAS CENAS.
Em uma festa, ouvimos música eletrônica alta, abafada. Vemos mãos que abrem a tampa de uma garrafa de cerveja long neck, ouvimos o ruído da tampa, e os gases contidos na garrafa se expandindo. O Líquido se movimenta dentro da garrafa. Em um banheiro. Vemos somente as mãos que rompem o lacre de um absorvente interno, ouvimos o barulho da embalagem. No fundo desfocado. Em uma rua, vemos apenas as mãos de alguém, que amarram cadarços de tênis. O chão é de asfalto. Em um quarto. Vemos as mãos de uma mulher madura usando um celular. Ouvimos os sons do celular. Na tela, ela procura uma playlist de músicas. Em frente a um espelho de Camarim, vemos as mãos de alguém borrifarem perfume em sua própria nuca. Ouvimos o barulho do líquido saindo pelo orifício do perfume.
Apresentação: Cada pequena cena tem a função de
apresentar, gerar teaser da personagem
e do produto.
Quando apresento um produto,
relacionando seu uso em uma situação e
uma mulher, pretendo construir um
entendimento que falamos de
propaganda na propaganda.
A locução confirma que estamos falando
de propaganda. A palavra “Pode”
trabalha a ideia de potencialidades ou
possibilidades que cabem a propaganda.
63
Em frente a um espelho, vemos mãos abrirem um batom, ouvimos o ruído da tampa e do batom sendo girado. Vemos apenas os lábios de alguém, que está aplicando o batom. LOC OFF: PROPAGANDA PODE... A música eletrônica é alta e abafada. Vemos primeiro o rosto de uma jovem negra usando óculos de grau estilo nerd. Aos poucos o ambiente vai se revelando, ela está em uma festa. LOC OFF: CELEBRAR MOMENTOS Ela brinda com a cerveja entre amigos. Pessoas dançam.
A primeira cena dá continuidade a cena
que apresentou a propaganda de
cerveja. Opto por utilizar a jovem negra
no poder de comprar e beber sua
cerveja. Escolho negras, porque
raramente as vejo como consumidoras
de cerveja (e outros produtos) nos filmes
publicitários. Escolho uma cena comum
de festa jovem, pois acredito nesse
cenário como factível para a interação
com o produto, fugindo a propaganda de
cerveja que precisa exaltar a mulher
gostosa, ou o homem como protagonista
e consumidor do produto.
A locução traz a metáfora de que a
propaganda pode celebrar momentos, e
de que a personagem, ou seja, as
mulheres podem celebrar momentos.
Há muito vapor, o ambiente é úmido e quente. Vemos o braço de alguém que veste a alça de um maiô. Aos poucos se revela uma mulher. Vemos ela ajeitar o cabelo dentro da touca de natação. Vemos a piscina olímpica cheia da água, nenhum movimento. De repente a nadadora emerge na água.
Dando continuação a segunda cena,
apresentada pelo produto absorvente,
temos uma nadadora, ilustrando uma
situação cotidiana em sua vida. Tento ir
contra a ideia onírica, geralmente
aplicada nos filmes deste segmento de
64
LOC OFF: DESAFIAR O FLUXO
produto e escolho uma situação de
esforço, esportiva, porque quando
menstruadas, as mulheres precisam
continuar desempenhando suas
atividades como se não menstruassem.
A metáfora dupla de Desafiar o fluxo,
trabalha os sentidos de desafiar o fluxo
natural dos comerciais fantasiosos que
envolvem a menstruação e da
personagem, mulher, desafiar o fluxo das
águas, da própria menstruação.
Temos a visão de um corredor em uma rua, ouvimos seus passos e outros que se aproximam muito rápido. O som dos passos nos alcançam, então olhamos quem passo ao nosso lado. Vemos uma jovem gorda correndo.
Temos a visão de quem é ultrapassado por ela
LOC OFF: DEFENDER IDEIAS
Vemos seu rosto sorrindo, enquanto ela
corre.
Esta cena dá segmento a apresentação
do tênis esportivo, ao representar a
mulher gorda como esportista.
Escolhi aliar a imagem da mulher gorda
à saúde, pois ainda é um tabu perceber
que tanto magras quanto gordas podem
ser saudáveis. Busco representar as
gordas como público consumidor de
produtos esportistas ao passo que se
reconheçam e se sintam incluídas nessa
lógica. �
Outro motivo, pelo qual escolhi escrever
essa situação, foi pela necessidade de
não realizar um falso-empoderamento
das mulheres gordas, que vem
acontecendo muito, de representarem-na
atreladas com adjetivos como sexy,
linda, reduzindo também a um objeto de
apreciação, uso e prazer.
65
A locução traz a metáfora da defesa das
ideias na propaganda, e da defesa da
ideia que as gordas podem ser
saudáveis. A palavra defender
geralmente é utilizada quando se fala em
disputa por título esportivo, corrida é um
caso.
Trilha sonora silencia.
FADE OUT Ouvimos o barulho do clique do botão do smartphone. FADE IN (TRILHA SONORA PARA OUVIMOS A MÚSICA QUE ELA OUVE) Vemos o Smartphone sobre o criado mudo reproduzindo a música. Atrás dele, há um porta-retrato com uma foto de família. Vemos partes do rosto da mulher, linhas de expressão, os cabelos grisalhos, os olhos fechados. Vemos somente a boca, a língua molha os lábios e os dentes mordiscam o lábio inferior. LOC OFF: PROVOCAR DESEJO Vemos o rosto da mulher, deitada sobre
um travesseiro. Ela abre os os olhos,
olha para câmera e pisca.
Esta cena é a continuação da que
apresenta a situação de uma mulher
velha e um smartphone.
Decido trabalhar o tema “vida sexual e
mulheres velhas”, pois a ideia do sexo,
do desejo na propaganda, geralmente
vem aliado a uma imagem de juventude,
ou mostrado de maneira explícita.�
A cena de uma mulher velha se
masturbando revela o sexo como parte
natural do prazer feminino. Um produto
como smartphone faz outro paradoxo,
por representar a atualidade, e mulher
velha completamente inteirada dele: é
mulher, é velha e está no comando das
tecnologias e do seu prazer.
A locução trabalha a metáfora do desejo
com o produto, e a da situação da
própria mulher velha estar provocando o
desejo em outras mulheres de se auto
descobrir melhor.
Trilha sonora clássica. Ballet.
No palco de um teatro, assistimos as
O produto da cena é o perfume s a
66
costas de uma bailarina que dança. Ela para para receber e agradecer os aplausos. A cortina fecha. As luzes se apagam. As luzes acendem Em um camarim, vemos a bailarina, já com o cabelo desfeito. Ela está sentada em frente ao espelho e, através dele, vemos o perfume e seu rosto, e o seu peito nu. (A atriz é uma mulher trans.) LOC OFF: INSPIRAR
personagem, como se descobre no final
da cena, é uma mulher trans. �
Represento a mulher trans dentro do
grupo de gênero feminino, pois de fato é.
Considero importante construir na
sociedade um novo pensamento sobre a
noção de identidade de gênero: este não
deve ser definido pelos órgãos genitais,
visto que o gênero está na identidade de
cada um, “está na cabeça”. Logo, essa
mulher, que é bailarina, bem sucedida,
vive no universo definido como feminino.
O próprio produto perfume, por exemplo,
é algo, que ainda compramos divididos
em categorias de gênero. �
�
A metáfora da locução traz a ideia de
inspirar pela arte, a dança e inspirar um
novo pensamento em torno da categoria
gênero.
Homens jogam futebol em um campo. Vemos apenas as chuteiras de alguém que caminha em um campo de futebol. Vemos uma mão segurando a bandeira de uma árbitra. A outra mão da árbitra leva seu apito até a boca pintada de batom e apita. AUDIO: SOM DO APITO Temos a visão de que olha para a árbitra e recebe o cartão vermelho. LETTERING: PROPAGANDA PODE MUDAR PARA MELHOR
Esta cena dá segmento ao produto
batom e a personagem, como
descobrimos na continuação, é uma
mulher e árbitra de futebol.
A escolha da árbitra para trazer a
mensagem final não foi por acaso. A
árbitra está em uma posição de poder
dentro do campo de futebol, espaço de
poder masculino até então. O cartão
vermelho direcionado a câmera é
direcionado ao target, colocando um
67
(o E e O de melhor, mudam para U e E formando a palavra mulher) LETTERING E LOCUÇÃO 2: PROPAGANDA PODE MUDAR PARA MULHER
sentido de advertência, aviso, falta,
criando um momento de atenção antes
da mensagem do lettering evidenciar a
mensagem principal: a necessidade da
propaganda mudar para melhor, mudar
para a mulher.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tanto os estudos sobre o femvertising, quanto a teoria sobre roteiro
publicitário me conferiram propriedade para tratar desse tema complexo que envolve
a igualdade de gênero e a luta das mulheres, e também segurança para criar.
Porém, o resultado final dependeu majoritariamente do trabalho da minha força
criativa para utilizar os estudos anteriores no desenvolvimento de um roteiro, que
atendesse aos objetivos do briefing.
Trabalhar com a força criativa envolveu o maior dos desafios: lidar com a
possibilidade de falibilidade do objeto significa nunca ter certeza sobre como uma
criação chegará ao seu fim. Esse sentimento de sentir que o trabalho estava
finalizado veio quando, ao ler o texto puro do roteiro, consegui visualizar cena por
cena se encaixando na minha mente, ou seja, os elementos funcionando de maneira
tão harmônica, como escreveu Mckee, que pareciam ter sido desenhados para viver
dessa forma.
O purismo textual me aproximou da mesma formatação literária apresentada
por Barreto (2004). Após, alguns testes de separar cenas em títulos semelhantes ao
cabeçalho, com elementos como CENA ou demarcar o ambiente/lugar, em que a
cena se passava, me senti distante da perspectiva do redator publicitário, que em
seu texto necessita apenas expressar a ideia.
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A adoção de um texto corrido, próximo ao literal não é só uma influência da
pesquisa, mas uma escolha de como demarco um local de criação de texto pelo
olhar da redatora, valorizo a ideia pura em texto, alimento a imaginação do leitor,
sem me aproximar ou me adicionar da figura do diretor, geralmente responsável por
separar as cenas de modo técnico.
O anseio por um filme muito diverso, que não estabelecesse apenas uma
ideia, ou um único estereótipo visual do que seria a mulher, mas que sim, abarcasse
o conjunto do gênero mulher, afinal todas devem se sentir empoderadas nas
representações do femvertising, foi responsável pela escolha de explorar a criação
de diversos personagens e situações variadas.
No tempo reduzido da propaganda, em comparação aos filmes, não houve
como estabelecer a criação desses personagens realmente tridimensionais, que
criassem empatia no público sem acabar caindo em estereótipos de representação.
Mas caminhei dentro do femvertising, ao eleger estereótipos de mulheres que
andam na direção contrária a representação usual das propagandas machistas, os
quais não se encaixam em padrões irreais e as desenhei sempre no controle das
situações vividas.
Realizar este roteiro publicitário com aplicação do femvertising, foi trabalhar o
simbólico da imagem. Pensar e repensar cada signo visual e a partir disso fortalecê-
lo de modo que o local, o turno, as expressões faciais, a descrição do figurino, a
persona, os próprios produtos e cada elemento do texto falado ou imagético
acrescentasse ao sentido que o público precisa perceber.
Há um trabalho de manipulação dos elementos, dentro desse fazer
publicitário, carregado da intenção de causar impressões assertivas em quem
assiste e assim se torna explícito que, os criativos têm o poder de escolher qual
discurso adotar para obedecer ao briefing e isso exigiu de mim empatia, para me
colocar no lugar dos diferentes perfis de mulheres, ao qual atendia e também do
público alvo.
A criação publicitária, dirigida sempre a persuasão, me parece mais do que
nunca que um exercício de empatia, de se colocar no lugar dos seres que estão
envolvidos na trama composta pelo briefing e pela sociedade em que se insere.
Para profissionais de publicidade que cresceram, como eu, em uma cultura
patriarcal, permeada por publicidade, ficção e realidade que apostam em
representações machistas, mesmo com todo o estudo realizado, como criativa
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mulher foi crucial pensar situações reais, que enfrento no dia a dia. Logo, imagino
que departamentos de criação dominados por homens, tenham ajudado em
convivermos durante muito tempo, como consumidoras e consumidores, com uma
maioria de propagandas que objetificam a mulher, para além do discurso das
propagandas, percebo também a necessidade de haver departamentos de criação
que contenham equipes mais diversas em termos de gênero.
Como mulher, publicitária e aqui pesquisadora, entendo que a publicidade ao
se utilizar do femvertising, não o faz por se sensibilizar com a luta das mulheres,
afinal a utilização dos discursos empoderadores se dá em prol do consumo, e serve
apenas às pessoas que são abarcadas por esta esfera. Mas acredito ser positivo
optar por representações que não insistam em ser nocivas às mulheres e à
sociedade e ainda fomentem o debate como é o caso do femvertising.
Se na reflexão teórica me dou o direito de adotar uma perspectiva crítica, na
criação do roteiro escolho uma postura mais moderada ao falar sobre o assunto da
igualdade gênero. A narrativa revela apenas no final qual é o objetivo desta
propaganda. Chamaria de uma perspectiva simpática, que tenta dialogar com o
público alvo, seduzi-lo para o debate. Afinal, se não acreditasse, acima de tudo, na
capacidade do diálogo, de nos comunicarmos para irmos além, e que a publicidade
tem possibilidade de mudar seu discurso, acho que não faria sentido estar buscando
a formação de comunicóloga em publicidade e propaganda.
Em um ponto do trabalho, citei Mckee, que afirma que as histórias são
equipamentos para viver. Na direção inversa, também acredito que a vida é a melhor
matéria para a criação de histórias. Logo, criar anúncios que contenham um novo
discurso sobre as mulheres, traz a possibilidade de influenciar em uma nova história
da mulher dentro da sociedade. Se tornando uma espécie de equipamento, mesmo
que bastante acessório, ainda um equipamento, que ajuda, ou, ao menos não
prejudica as mulheres na luta pela igualdade de direitos.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Screenwriting. New York: HarperCollins, 1997. WOODWARD, K. 2007. Identidade e Diferença: Uma Introdução Teórica e Conceitual. In: T.T. SILVA (org.), Identidade e Diferença: A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis, EditoraVozes, p. 7-72. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre, v. 20, n. 2, jul/dez, 1995, p. 71-99.
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APÊNDICE A – LIBRESSE – BLOOD
Agência: AMV BBDO Cliente: Bodyform Produto: Libresse (Absorvente íntimo) Título: Blood https://www.youtube.com/watch?v=sL2xE5kkL_Q Abrimos com mulheres, uma a uma. Todas têm algo em comum, se preparam para algo. Uma gota de sangue escorre em uma superfície coberta por cristais de gelo. As mesmas mulheres são mostradas uma a uma praticando esportes de forma intensa. Boxe. Rugby. Corrida. Surf. Na sequência a lutadora de boxe é nocauteada e sangue escorre pela sua face. A corredora cai. A surfista é derrubada pela onda. Submerge no mar de olhos fechados e o sangue forma uma mancha vermelha que se dispersa na água. Uma a uma se levantam. A bailarina ensaia em um estúdio de dança. Tira a sapatilha e revela sangue nos dedos machucados. A praticante de BMX carrega sua bicicleta em um cenário de floresta e neve. Sua calça tem um buraco na parte externa da coxa e revela um corte. Ela aparece andando na bicicleta de forma intensa no mesmo cenário de neve. Três meninas andam de skate em uma pista. Caem. Riem. O cotovelo de uma delas sangra. A alpinista sobe uma montanha. Vemos suas mãos machucadas sangrando. O time de rugby volta a aparecer. A jogadora mostrada no início é derrubada. O sangue escorre pela sua face. Ela corre com a bola na mão em direção a vitória. Uma Cavaleira Bárbara montada em um cavalo segura sua espada e tem seu rosto marcado por cortes. Os dedos da bailarina reaparecem machucados entrando em posição de ponta. A surfista submersa abre os olhos. A corredora ainda olhando para os asfalto começa a levantar do chão. A cavaleira bárbara levanta sua espada. A corredora volta a correr. A jogadora de Rugby comemora a vitória com sangue escorrendo pelo rosto. A skatista faz uma manobra e levanta as mãos para o alto.
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Um dos joelhos da corredora sangra enquanto corre. A cavaleira cavalga pela neve. LETTERING: NO BLOOD SHOULD HOLD US BACK. (NENHUM SANGUE PODE NOS SEGURAR) A boxeadora cospe sangue pela boca. A bailarina dança gloriosamente. A boxeadora nocauteia sua rival e encara a câmera com um corte no nariz. Muito Sangue forma manchas dentro de um plano apenas de água LETTERING: LIVE FEARLESS (VIVA SEM MEDO) ASSINATURA: Marca (LIBRESSE)
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APÊNDICE B – SKOL – DIA DO ORGULHO LGBT
Agência: F/NAZCA Saatchi & Saatchi Cliente: AMBEV Produto: Skol Título: Dia do Orgulho LGBT Link: https://www.youtube.com/watch?v=UGJ63SNOZs0 SOM de uma sirene de polícia. Em uma rua deserta à noite objetos estão pegando fogo, como em um front de protesto. Vemos alguém sozinho de costas. A sirene cessa aos poucos e entra uma trilha sonora intensa. Conforme nossa visão se aproxima, essa pessoa vira de frente e nos revela um rapaz de aparência andrógina e alternativa. Alguém passa correndo por ele, que começa a caminhar encurvado, demonstrando receio. Temos sua visão em primeira pessoa. Uma senhora lhe olha com medo. Um homem com megafone na mão reage como se o xingasse. Voltamos a ver o rapaz em terceira pessoa. Ele continua caminhando como se viesse em nossa direção. Um casal discutindo passa e esbarra nele, mas ignora sua existência. Todas essas pessoas aparecem ao fundo, como se estivessem ficando para trás. Ele segue caminhando. Um homem jovem passa por ele, segurando um objeto luminoso, similar a uma lâmpada com um olhar intimidador. Um grupo de três amigas riem ao vê-lo. Uma delas, volta correndo na direção do protagonista, segura em sua mão e começa a caminhar com ele. Percebemos que ela é trans. O protagonista olha a moça nos olhos e sorri. Um homem negro surge. O ambiente começa a se tornar mais iluminado como se amanhecesse. O mesmo homem negro segura na outra mão do protagonista e também segue caminhando ao seu lado. De repente muitas pessoas com diferentes estereótipos aparecem para seguir com ele e caminham em marcha ao seu lado e atrás dele. Amanhece completamente. Algumas pessoas da marcha carregam sinalizadores coloridos e a fumaça nas cores da
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bandeira do orgulho LGBT vai se espalhando pelo céu, enquanto todos seguem caminhando de cabeça erguida em nossa direção. LETTERING: Respeito is on LETTERING: SKOL
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APÊNDICE C – HELLO FLO – FIRST MOON PARTY
Agência: Jamie T. McCelland and Pete Marquis Cliente: HELLO FLO Produto: HELLO FLO Título: First moon party Link: https://www.youtube.com/watch?v=NEcZmT0fiNM Sentada, em frente a uma escrivaninha, Katie, uma menina pré-adolescente passa esmalte vermelho em algo que não conseguimos ver claramente. LOC OFF (voz de Katie): Primeiro Jenny Menstruou. Depois a estúpida da Vick também. No seu quarto, Katie sentada em sua na cama, faz exercícios com as pernas. LOC OFF (voz de Katie): Eu tentei de tudo para menstruar. Mas nada. Então eu forjei. Retornamos a mesma cena da menina pintando algo à escrivaninha. Ela termina de pintar e percebemos que se trata de um absorvente íntimo. KATIE(falando consigo mesma) : Parece com a Flórida. Katie está novamente sentada na cama. Agora fala com as amigas pela câmera do smartphone KATIE: Eu consegui, é muito vermelha. Em outro lugar, sua amiga responde para a câmera do smartphone: AMIGA #1: Clube da raspadinha de cereja. Em outro local, Amiga#2 responde para a câmera do smartphone e levanta o dedo mindinho em sinal de irmandade: AMIGA #2: Irmãs de sangue. Voltamos para Katie sentada na cama com o dedo mindinho levantado. LOC OFF (voz de menina): Elas acreditaram No sofá da sala, Katie escreve em um caderno. A mãe de Katie entra pela porta com o absorvente pintado na mão. MÃE: Ei Katie, o que é isso? KATIE: O que você acha? Estou naqueles dias. Em outro cômodo a mãe de Katie está sentada em uma poltrona sozinha. MÃE (fala para a câmera): O que eu acho que é? Esmalte Ruby. Mas ela não precisa saber. Voltamos para a sala, Mãe olha para a menina. MÃE: Nós temos que comemorar.
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Katie fica um pouco assustada. KATIE: Não, nós não precisamos. Mãe: É uma tradição da família. Nós vamos dar uma festa da primeira lua. Na mesma poltrona, em que a mãe confessou o segredo, Katie está sentada sozinha. KATIE (fala para câmera): Que diabos é uma festa da primeira lua? A mãe está sentada na mesma poltrona, que serve de confessionário para as duas. MÃE (fala para a câmera): Uma coisa é mentir para mim, outra é usar aquele tom. Vai ter festa. A mãe veste um figurino diferente do inicial, no sofá da sala de estar, falando ao telefone. Mãe ao telefone: Oi, vocês fazem bolos em formato de vagina? Katie sentada na poltrona confessionário. Katie (para a câmera): Então, as pessoas começaram a chegar. Na porta de entrada da casa, balões decoram o ambiente. Mãe e Katie estão esperando para receber as pessoas. Um senhor entra pela porta. Atrás dele podemos ver outras pessoas. Mãe e Katie cumprimentam o senhor. MÃE: Vovô. Bom ver o senhor. AVÔ (falando para Katie): Como você cresceu. Amigas entram logo atrás do avô. AMIGAS: Isso é muito estranho. Um homem, colega de trabalho da mãe entra pela porta. Ele cumprimenta Katie e lhe entrega um pacote de filtros de café. COLEGA DE TRABALHO DA MÃE: Aí está você. Comprei um pacote enorme. KATIE: Isso é para coar café?! COLEGA DE TRABALHO: Eu não tinha certeza qual era sua marca preferida. Essas crianças de hoje. LOC OFF (voz de Katie): Eu não esperava que minha mãe fosse tão esquisita. Dentro de casa, na festa, a mãe está animada, usa um vestido e tem os cabelos arrumados. MÃE: Acerte o alvo na menstruação. Uma menina de olhos vendados entra no quadro com um absorvente na mão, e vai em direção a um alvo com uma macha vermelha, em que ela cola o absorvente.
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LOC OFF (voz de Katie): Acertar o alvo na menstruação, sério? Vemos a mãe sentada na poltrona confessionário, com o mesmo vestido que ela usa na festa. MÃE (fala para a câmera): Você sabe como é difícil achar uma pinhata em forma de útero? Uma das convidadas tira uma selfie em frente a pinhata de útero. Em plano detalhe, uma mão enfia um marshmallow espetado em um palito, em uma fonte, onde transborda um líquido vermelho e viscoso. Katie olha com nojo. LOC OFF (voz de Katie): eu costumava gostar de mashmallows. Plano aberto da mulher com o marshmallow mergulhado na fonte do líquido vermelho e viscoso. LOC OFF (voz de Katie): Nunca mais. A mulher come o marshmallow e o líquido escorre levemente entre seus lábios. No quintal, os convidados assistem uma banda se apresentar na sacada da casa. VOCALISTA DA BANDA: A próxima música é para Katie e a festa mais estranha que já vimos. NA poltrona confessionário vemos a mãe vestindo o vestido da festa. MÃE (fala para câmera): Mandei ver. Na festa, enquanto várias pessoas dançam ao som da banda. Katie não se diverte. LOC OFF (voz de Katie): E quando as coisas não poderiam ficar piores... Um bolo falso entra em cena, a tampa do bolo se abre e um homem vestido com uma roupa vermelha que só deixa sua face a mostra, sai de dentro dele. PAI: SURPRESA! LOC OFF (voz de Katie): Meu pai apareceu. Katie olha para o bolo e começa a gritar. Dentro de Casa, na sala. Katie está sozinha. Sua mãe aparece. MÃE: Você está perdendo a Váginico. KATIE: Você precisa acabar com isso, ninguém está se divertindo. MÃE: Do que você está falando? Essa festa é um sucesso. Seu avô está caçando ovários como um campeão. No quintal, vemos o avô pegando alguns objetos com a boca, em um balde cheio d’ Água.
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Na sala, Katie está extremamente irritada. KATIE: Eu fingi tudo. Na poltrona confessionário a mãe ri sozinha. Na sala a mãe entrega uma caixa com um laço vermelho para Katie. MÃE: Antes acho que você deveria abrir isso. KATIE (lendo a caixa): Menstruação. Kit educativo. Você não vai me castigar por mentir? MÃE: Por que você acha que fiz a festa da primeira Lua? Na poltrona confessionário, mãe e Katie estão sentadas juntas. Katie está chateada. MÃE: Você achou que eu acreditaria? Menstruação não tem nada de glitter. PACKSHOT: FOTO DO KIT EDUCATIVO e ASSINATURA: HELLO FLO LETTERING: THE GIFT BEFORE THE GIFT No quintal, um homem velho e uma menina estão sentados. Ele tem um prato com um hotdog em uma das mãos, com a outra segura um ketchup aberto apontado para a salsicha, mas o ketchup não sai. A menina impaciente olha para o homem velho, enquanto segura outro prato de hotdog à espera pelo ketchup. HOMEM: As vezes, você só precisa aguardar. A menina vira os olhos. FADE OUT