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“Nós somos fundamentalmente memória”

Manuel António Pina (História do Futuro, CEC2012)

No dia 18 de novembro assinalou-se o 70º aniversário do nascimento do jornalista e escritor Manuel

António Pina, Prémio Camões 2011.

Falecido em 2012, Manuel António Pina deixou uma obra singular, no campo da poesia, da crónica, da

literatura infanto-juvenil e do teatro.

Neste contexto, a biblioteca da Escola Egas Moniz e a da Escola Secundária Francisco de Holanda

responderam ao desafio lançado pelo Museu Nacional da Imprensa, expondo os poemas constantes na

compilação intitulada: PINA 70: a poesia no mundo, encheu-os de gatos…e de outros poemas que deliciaram todos aqueles que visitaram

esses espaços.

Obrigada a Manuel António Pina, pela mensagem de humildade e simpatia que deixou em todos os que tiveram o prazer de o conhecer.

A equipa da BE do Agrupamento

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PINA 70: a poesia no mundo, 18 de novembro 2013

“Nós somos fundamentalmente memória”

Manuel António Pina

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Recordar Manuel António Pina

Assinala-se, hoje, o 70º aniversário do nascimento (18.nov.1943) do jornalista e

escritor Manuel António Pina, Prémio Camões 2011.

Falecido em 2012, Manuel António Pina deixou uma obra singular, no campo da

poesia, da crónica, da literatura infanto-juvenil e do teatro.

Neste contexto, irá realizar-se a PINA 70: a poesia no mundo que envolverá

escolas e universidades de Portugal e dos países de língua oficial portuguesa, bem

como escolas/centros de Português de outros países. Pretende-se que, nas mais diversas entidades associadas, sejam

lidos poemas de Manuel António Pina, em algum momento do dia 18 de novembro, em salas de aula ou átrios.

Sendo o jormalista português mais premiado de sempre, Manuel António Pina recolheu, em 2011, a unanimidade

do Júri do Prémio Camões, pela "originalidade e diversidade do conjunto da obra premiada"

http://embportugalotava.blogspot.pt/2013/11/pina-70-poesia-no-mundo-18-de-novembro.html, adaptado

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POEMAS DE MANUEL ANTÓNIO PINA

Theo

Às vezes o gato fitava

Com estranheza

O que de nós (excesso)

Se interpunha entre nós e o

gato,

A nossa presença.

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Esplanada

Naquele tempo falavas muito de perfeição

da prosa dos versos irregulares

onde cantam os sentimentos irregulares.

Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão.

agora lês saramagos & coisas assim

e eu já não fico a ouvir-te como antigamente

olhando as tuas pernas que subiam lentamente

até um sítio escuro de mim.

O café agora é um banco, tu professora de liceu;

Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.

Agora as tuas pernas são coisas inúteis, andantes,

e não caminhos por andar como dantes.

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AMOR COMO EM CASA

Regresso devagar ao teu

sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que

não é nada comigo. Distraído percorro

o caminho familiar da saudade,

pequeninas coisas me prendem,

uma tarde num café, um livro. Devagar

te amo e às vezes depressa,

meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,

regresso devagar a tua casa, compro um livro, entro no

amor como em casa.

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A Poesia Vai Acabar

A poesia vai acabar, os poetas

vão ser colocados em lugares mais úteis.

Por exemplo, observadores de pássaros

(enquanto os pássaros não

acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao

entrar numa repartição pública.

Um senhor míope atendia devagar

ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum

poeta por este senhor?» E a pergunta

afligiu-me tanto por dentro e por

fora da cabeça que tive que voltar a ler

toda a poesia desde o princípio do mundo.

Uma pergunta numa cabeça.

— Como uma coroa de espinhos:

estão todos a ver onde o autor quer chegar? —

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Calo-me

Calo-me quando escrevo

assim as palavras falam mais alto e mais baixo.

Nada no poema é impossível e tudo é possível

Mas não arranjo maneira de entrar no poema

e de sair de mim e por isso a minha voz é profunda e rouca

e por isso me calo (e como me calarei?)

No entanto ninguém é tão falador como eu

Nem há palavras que não cheguem para não dizer nada.

E vós também: não me faleis de nada ou falai-me.

Porque não sabeis o que dizeis.

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Outras coisas

Outras coisas no entanto

o amor e o desamor e também a

morte que nas coisas morre subitamente

o lugar onde vais de súbito

De súbito faltas-me debaixo dos pés

e noutros lugares De ti é possível dizer

que te ausentaste para parte incerta

deixando tudo no teu lugar.

Está tudo na mesma Também a mim

tempo não me falta lugar sim

Onde cairás morta, flor da infância?

De súbito faltam-me as palavras

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Espelho A corrupta luz da infância ilumina o rosto de um desconhecido, o meu rosto, e olha-o com olhos cegos. Eu sou apenas esta voz de alguém, esta música que não vem de nenhum sítio, ouvindo-se a si mesma. As palavras não chegam para levar-me onde, fora da infância, está alguma coisa: isto que quer falar e vê e é visto. Não estou aqui, sonho (eu, também um sonho) fora de mim comigo. Como me ouvirei? Como me reconhecerei? Poderei suportar o meu olhar quando me vir, confundir-me nele?

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VOLTO DE NOVO AO PRINCÍPIO

A ideia de isto cansa-me

em qualquer sítio fora de qualquer sítio

onde o meu cansaço é só um conceito.

(Há qualquer coisa que quer falar e apenas foge;

as palavras perseguem a sua miragem,

e eu sou o lugar onde tudo isto se passa fora de mim,

a Literatura, o cansaço e a ideia de isso.

Já não tenho palavras para não dizer qualquer coisa.)

Volto de novo ao princípio de tudo,

ao lado de fora, onde fala de isto;

o que aí falta está parado

sobre a Literatura.

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Pensar de pernas para o ar

Pensar de pernas para o ar

é uma grande maneira de pensar

com toda a gente a pensar como toda a gente

ninguém pensava nada diferente Que bom é pensar em outras coisas

e olhar para as coisas noutra posição

as coisas sérias que cómicas que são

com o céu para baixo e para cima o chão.

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A Ana quer

A Ana quer nunca ter saído da barriga da mãe. Cá fora está-se bem, mas na barriga também era divertido. O coração ali à mão, os pulmões ali ao pé, ver como a mãe é do lado que não se vê. O que a Ana mais quer ser quando for grande e crescer é ser outra vez pequena: não ter nada que fazer senão ser pequena e crescer e de vez em quando nascer e voltar a desnascer.

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O PÁSSARO DA CABEÇA Sou o pássaro que canta dentro da tua cabeça, que canta na tua garganta, que canta onde lhe apeteça. Sou o pássaro que voa dentro do teu coração e do de qualquer pessoa (mesmo as que julgas que não). Sou o pássaro da imaginação que voa até na prisão e canta por tudo e por nada mesmo com a boca fechada. E esta é a canção sem razão que não serve para mais nada senão para ser cantada quando os amigos se vão e ficas de novo sozinho na solidão que começa apenas com o passarinho dentro da tua cabeça.

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CAFÉ DO MOLHE

Perguntavas-me (acho que era Poe) que tudo o que soubesse não o saberia.

(ou talvez não tenhas sido conhecia de cor, Hoje sei: escrevo

tu, mas só a ti em castelhano e tudo. contra aquilo de que me lembro,

naquele tempo eu ouvia) Porém se o soubesse essa tarde parada, por exemplo.

porquê a poesia, sobre a mesa

e não outra coisa qualquer: e o meu coração batia a filosofia, o futebol, alguma mulher? tão infundadamente no teu peito Eu não sabia sob a tua blusa acesa

que a resposta estava de pouco me teria numa certa estrofe de então servido, ou de nada.

um certo poema de Porque estavas inclinada

Frei Luis de Léon que Poe de um modo tão perfeito

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UMA PROSA SOBRE OS MEUS GATOS

Perguntaram-me um dia destes

ao telefone

por que não escrevia

poesia (ao menos um poema)

sobre os meus gatos;

mas quem se interessaria

pelos meus gatos,

cuja única evidência

é serem meus (digamos assim)

e serem gatos

(coisa vasta, mas que acontece

a todos os da sua espécie)?

Este poderia

(talvez) ser um tema

(talvez até um tema nobre),

mas um tema não chega para um poema

nem sequer para um poema sobre;

porque é o poema o tema,

forma apenas.

Depois, os meus gatos

escapam de mais à poesia,

ou de menos, o que vai dar ao mesmo,

são muito longe

ou muito perto,

e o poema precisa do tempo certo

de onde possa, como o gato, dar o salto;

o poema que fizesse

faria deles gatos abstractos,

literários, gatos-palavras,

desprezível comércio de que não me orgulharia

(embora a eles tanto lhes desse).

Por fim, não existem «os meus gatos»

existem uns tantos gatos-gatos,

um gato, outro gato, outro gato,

que por um expediente singular

(que, aliás, também absolutamente lhes

desinteressa)

me é dado nomear e adjectivar,

isto é, ocultar,

tendo assim uns gatos em minha casa

e outros na minha cabeça.

Ora só os da cabeça alcançaria

(se alcançasse) o duvidoso processo da poesia.

Fiquei-me por isso por uma prosa,

e mesmo assim excessivamente corrida e judiciosa.

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