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Do Pó dos Arquivos

José Castellani

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Título: Do Pó dos Arquivos Autor: José Castellani Editora: CopyMarket.com, 2000

O Alvará de 30 de Março de 1818

José Castellani

O Alvará Real, de 1818, é um documento importante na História da Maçonaria brasileira, porque a sua meta principal era, exatamente, a de proibir o funcionamento das ainda incipientes Lojas do território nacional, na época em que o Brasil era Reino Unido ao de Portugal e Algarve 1. E ele foi motivado pela agitação do meio maçônico, empenhado em obter a independência do Brasil, através de movimentos regionais nacionalistas, de caráter geralmente republicano, os quais não podiam, evidentemente, agradar à Coroa.

Toma-se o Alvará de 1818, como uma conseqüência direta da fracassada Revolução Pernambucana de 1817 2. O seu texto mostra, na realidade, o empenho do rei D. João em proibir, com o uso da força, qualquer nova tentativa de rebelião, com participação das hostes maçônicas. Embora muito citado na literatura histórica da Maçonaria brasileira, o seu texto não é transcrito e, por isso, ainda permanece bastante desconhecido. Tratando-se, porém, de uma peça histórica relevante para o levantamento da História de nossa Independência, aí vai ele, com o seu texto integral, na ortografia da época:

"Eu El-Rei faço saber aos que este Alvará com força de Lei virem:

Que tendo-se verificado pelos acontecimentos, que são bem notorios, o excesso de abuso a que tem chegado as Sociedades Secretas, que com diversos nomes de Ordens ou Associações, se tem convertido em Conventiculos e Conspirações contra o Estado; não sendo bastantes os meios correccionaes com que se tem até agora procedido segundo as Leis do Reino, que prohibem qualquer Sociedade, Congregação ou Associação de Pessoas com alguns Estatutos, sem que ellas sejam primeiramente por Mim Autorisadas e os seus Estatutos Approvados.

E exigindo por isso a tranquillidade dos Povos e a segurança que lhes Devo procurar e manter, que se evite a occasião e a causa de se precipitarem muitos Vassallos, que antes podiam ser uteis a si e ao Estado, si forem separados d´elles, e castigados os perversos, como as suas culpas merecem.

E Tendo sobre esta materia Ouvido o parecer de muitas Pessoas doutas e zelosas do bem do Estado e da felicidade de seus Concidadãos; e de outras do Meu Conselho, e constituidas em grandes Empregos, tanto Civis como Militares, com as quaes Me Conformei;

Sou Servidor Declarar por Criminosas e Prohibidas todas e quaesquer Sociedades Secretas, de qualquer Denominação que ellas sejam; ou com os nomes e formas já conhecidas, ou debaixo de qualquer nome ou forma, que de novo se disponha ou imagine: pois que todas e quaesquer deverão ser consideradas, de agora em diante, como feitas para Conselho e Confederação contra o Rei e contra o Estado.

1 O título de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve foi adotado pela Lei de 16 de dezembro de 1815. Embora contendo três nomes, o reino abrangia, na verdade, uma monarquia dual, já que o reino de Algarve não passava de simples expressão histórica. Algarve é a região mais meridional de Portugal continental e constitui o último território conquistado pelos portugueses, aos muçulmanos, na Europa. É a região de mais baixa densidade demográfica de Portugal. 2 A Revolução Pernambucana de 1817 foi um movimento revolucionário, com forte caráter nacionalista, realizado no sentido de implantar a República em Pernambuco. Ela contou com grande participação maçônica, a começar pela de seu líder, Domingos José Martins, nascido em Itapemirim (ES), em 1871, e estabelecido no Recife, com uma firma importadora e exportadora, que o obrigava a fazer freqüentes viagens à Inglaterra. Foi aí que ele acabou entrando em contato com agrupamentos maçônicos, sendo encaminhado à iniciação, em 1812, por Hipólito da Costa, o "Patriarca da Imprensa Brasileira", e Francisco Miranda, o grande comandante da emancipação da América Espanhola. A reação ao movimento revolucionário foi articulada pelo conde dos Arcos, então governador da Bahia, e terminou com a derrota dos revolucionários, seguida da execução de todos os principais ativistas, num total de 43, entre civis e militares, além de três eclesiásticos.

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Pelo que Ordeno que todos aquelles, que forem comprehendidos em ir assistir em Lojas, Clubs, Comités ou qualquer outro ajuntamento de Sociedade Secreta; aquelles que para as ditas Lojas, ou Clubs, ou Ajuntamentos convocarem a outros; e aquelles que assistirem á entrada ou recepção de algum Socio, ou ella seja com juramento ou sem elle; fiquem incursos nas penas da Ordenação livro V, tit.VI e §§ 5 e 9, as quaes penas lhes serão impostas pelos Juizes, e pelas formas e processos estabelecidos nas Leis para punir os Réos de Lesa-Magestade.

Nas mesmas penas incorrerão os que forem Chefes ou Membros das mesmas Sociedades, qualquer que seja a denominação que tiverem, em se provando que fizeram qualquer acto, pesuasão ou convite de palavra ou por escrito, para estabelecer de novo, ou para renovar, ou para fazer permanecer qualquer das ditas Sociedades, Lojas, Clubs ou Comités dentro dos Meus Reinos e seus Dominios; ou para a correspondencia com outros fóra delles: ainda que sejão factos practicados individualmente, e não em Associação de Lojas, Clubs ou Comités.

Nos outros casos serão as penas moderadas a arbitrio dos Juizes na forma adiante declarada. As Casas, em que se congregarem, serão confiscadas, salvo provando os seus proprietarios que não souberão, nem podiam saber que a esse fim se destinavão. As medalhas, sellos, symbolos, estampas, livros, cathecismos ou instrucções, impressos ou manuscriptos, não poderão mais publicar-se, nem fazer d´elles uso algum, despacharem-se nas Alfandegas, venderem-se, darem-se, emprestarem-se, ou de qualquer maneira passarem de uma a outra pessoa, não sendo para immediata entrega ao Magistrado, debaixo da pena de Degredo para hum Presidio, de quatro até dez annos de tempo, conforme a gravidade da culpa e circumstancias della.

Ordeno outrossim que n´este crime, como excepto, não se admitta privilegio, isenção ou concessão alguma, ou seja de Foro, ou de Pessoa, ainda que sejão dos privilegios incorporados em Direito, os os Réos sejão Nacionaes ou Estrangeiros, Habitantes do Reino e Dominios, e que assim abusarem da hospitalidade que recebem; nem possa haver Seguro, Fiança, Homenagem, ou Fieis Carcereiros sem minha Especial Authoridade.

E os Ouvidores, Corregedores, e Justiças Ordinarias todos os annos devassarão deste Crime na Devassa geral. E constando-lhes que se fez Loja, se convidão ou congregão taes Sociedades, procederão logo á Devassa especial e á apprehensão e confisco, remettendo os que forem Réos e a culpa á Relação do Districto, ou ao Tribunal competente; e a copia dos Autos será tambem remettida á minha Real Presença.

E este se cumprirá tão inteiramente como nelle se contém, sem embargo de quaesquer Leis ou Ordens em contrario, que para este effeito Hei por derrogadas, como se dellas se fizesse expressa menção.

E Mando á Mesa do Desembargo do Paço, Presidente do Meu Real Erario, Regedor das Justiças, Conselho da Fazenda, Tribunaes, Governadores, Justiças, e mais pessoas, a quem o conhecimento deste pertencer, o cumprão e guardem como nelle se contém, e fação muito inteiramente cumprir e guardar, sem duvida ou embargo algum. E aos Doutores Manoel Nicoláu Esteves Negrão, Chanceller Mór do Reino de Portugal e Algarves, e Pedro Machado de Miranda Malheiros, Chanceller Mór do Reino do Brazil, Mando que o fação publicar e passar pela Chancellaria, e enviem os exemplares debaixo do Meu Sello, e seu signal, á todas as Estações, aonde se costumão remetter similhantes Alvarás; registrando-se na fórma do estilo, e mandando-se o Original para o meu Real Archivo da Torre do Tombo. Dado no Palacio da Real Fazenda de Santa Cruz, em 30 de março de 1818. --- Com a assignatura de Sua Magestade e do Ministro".

Com o fracasso da Revolução de 1817 e a expedição do Alvará de 1818, as Lojas resolveram cessar os os seus trabalhos, até que pudessem ser reabertas sem perigo. Os maçons, todavia, continuaram a trabalhar, secretamente, no Clube da Resistência, fundado por José Joaquim da Rocha, em sua própria casa, na rua da Ajuda.

Houve, posteriormente, um afrouxamento dessa lei. E, em 1821, alguns acontecimentos fariam com que os maçons brasileiros voltassem à atividade: o primeiro desses acontecimentos foi a sedição das tropas que impunham, ao rei D. João VI, o juramento à Constituição Portuguesa, a 26 de fevereiro, o que provocou o início de intensa conspiração dos brasileiros, com muitos maçons entre eles, com vistas à independência do Brasil ; os acontecimentos seguintes foram os de 20 e 21 de abril, quando houve a sedição dos eleitores, exigindo a permanência do rei no país, o que provocou a pronta reação das tropas portuguesas, que garantiram o embarque da família real. Tais fatos atraíram a atenção policial contra os maçons, o que não impediu, porém, que a Loja Comércio e Artes, fundada em 1815, voltasse a trabalhar, reerguendo suas colunas a 24 de junho de 1821, instalando-se na casa do comandante Domingos de Ataide Moncorvo, na rua de S. Joaquim, esquina da rua do Fogo, no Rio de Janeiro. Pela tripartição dessa Loja é que iria ser fundado, a 17 de junho de 1822, o Grande Oriente Brasiliano, depois Grande Oriente do Brasil.

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1822: A Sessão do Grande Oriente a 9 de Setembro Proclamação da Independência

José Castellani

“20 do 6o. mês

9 de Setembro --- Aberto o Gr.: Or.: em Assembléa geral de todo o povo Maçon.: o Ill.: Ir.: 1o. Vig .: 1 dirigiu á Aug.: Assembléa um energico, nervoso e fundado discurso, ornado d’aquella eloquencia e vehemencia oratoria, que são peculiares a seu estilo sublime, inimitavel e nunca assaz louvado, e havendo nelle com as mais solidas rasões demonstrado que as actuaes politicas circumstancias de nossa patria, o rico, fertil e poderoso Brazil, demandavão e exigião imperiosamente que a sua cathegoria fosse inabalavelmente firmada com a proclamação de nossa Independencia e da Realeza Constitucional na Pessoa do Augusto Principe Perpetuo Defensor Constitucional do Reino do Brazil, foi a moção approvada por unanime e simultanea acclamação, expressada com o ardor do mais puro e cordial enthusiasmo patriotico.

Socegado, mas não extincto o ardor da primeira alegria dos animos, por verem prestes a realisar-se os votos da vontade geral pela Independencia e engrandecimento da Patria, propoz o mesmo Ir.: 1o. Vig.: que a sua moção deveria ser discutida, para que aquelles, que ainda podessem ter receio de que fosse precepitada a medida de segurança e engrandecimento da Patria, que se propunha o perdessem pelos debates, de que a proclamação da Independencia do Brazil e da Realeza Constitucional na Augusta Pessoa do Principe Perpetuo Defensor do Brazil, era a ancora da salvação da Patria. Em consequencia do que sendo dada a palavra a quem quizesse especificar seus sentimentos, fallárão os IIr.: --- Apollonio Mollon, Camarão, Picanço, Esdras, Democrito e Caramurú 2 e --- posto que todos approvarão a moção reconhecendo a necessidade imperiosa de se fazer reconhecida a Independencia do Brazil e ser acclamado Rei d’elle o Principe D. Pedro de Alcantara, seu Defensor Perpetuo e Constitucional, comtudo, como alguns dos mesmos opinantes mostrassem desejar que fossem convidadas as outras provincias colligadas para adherirem aos nosso votos, e effectuar-se em todas simultaneamente a desejada Acclamação, ficou reservada a discussão para outra assembléa geral, sendo todos os IIr.: encarregados de dissiminar e propagar a persuasão de tão necessaria medida politica.

Sendo proposto por um dos IIr.: que a doutrina politica proclamada no periodico intitulado O Regulador éra subversiva dos principios constitucionaes e jurados n’esta Aug.: Ord.: emquanto pretendia fazer persuadir aos povos do Brazil principios aristocraticos, que não se compadecem com a liberdade constitucional, que os Brazileiros anhelão e que só pode fazer a sua felicidade politica, e muito mais, quando tal doutrina é diametralmente opposta ao systema constitucional abraçado, proclamado, jurado e seguido pelo Aug.: e Perpetuo Defensor do Reino do Brazil, e por tanto, só propria para ofender a seus interesses provando as asserções insidiosas do congresso de Lisbôa de que os aulicos do Rio de Janeiro pretendem restabelecer o despotismo, o que é falso, e que por isso deveria ser chamado ante o Gr.: Or.:, em assembléa geral, o redactor d’aquelle periodico, para ser reprehendido, por procurar propagar taes principios desorganisadores, em contavenção aos juramentos que prestára n’esta Aug.: Ord.: quando foi empossado no lugar que occupa no Quadro No. 1 , foi approvada a proposição, debaixo da comminação de penas MMaç.: no caso de desobediencia ao chamamento, ficando logo resolvido que deveria effectuar-se o comparecimento em Assembléa, que então se destinou para o dia 23 deste mesmo mez, e que aquelles dos nossos IIr.: que fossem assignantes do Regulador, enviassem immediatamente ao

1 O 1o. Vigilante referido era Joaquim Gonçalves Ledo, que empunhava o primeiro malhete na ausência do Grão-Mestre José Bonifácio de Andrada e Silva. 2 Esses eram nomes simbólicos (ou históricos), segundo costume vigente na época: Apolonio Molon era João José Vahia, Camarão era José Clemente Pereira, Picanço era Antônio Corrêa Picanço, Esdras era José Joaquim de Gouvêia, Demócrito era Pedro José da Costa Barros e Caramuru era Cypriano Lerico.

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redactor os numeros do mesmo periodico, que tivessem, com carta em que lhe significassem que o dispensavão da continuação da remessa dos numeros ulteriores, bem como da restituição da assignatura recebida por se contentarem conhecer um homem com tão pouca despeza 3.

Fazendo-se por fim, do solio acostumado annuncio para as proposições a bem da Ordem, concluio o Ir.: que tomára o Gr.: Malhete, propondo a collocação de uma caixa de beneficencia na sala dos passos perdidos, onde em todas as sessões os Iir.: que a ellas concorressem, ficassem obrigados a lançar algumas moedas em signal de sua caridade, e que fazendo-se receita em separado do producto dessa caixa, elle fosse applicado ao socorro de viuvas necessitadas e a educação de orphãos, carecedores de meios de frequentar as escolas de primeiras letras. Esta proposição que bem dá a conhecer a sensibilidade e humanidade do proponente foi geralmente approvada com um enthusiasmo, cujos effeitos a Assembléa fará sem duvida proveitosos aos objectos da mais bem empregada caridade”.

Essa ata da 14a. sessão --- Assembléia Geral --- do Grande Oriente Brasílico, fundado a 17 de junho de 1822, fechado a 25 de outubro do mesmo ano, pelo seu Grão-Mestre, D. Pedro I, e reinstalado como Grande Oriente do Brasil, em 1831, foi publicada, junto com outras, no Boletim Oficial do Grande Oriente do Brasil, No. 10, de outubro de 1874, no Ano III da publicação (criada em 1872).

Mostra, ela, a assembléia em que se decidiu que era imperiosa a proclamação da independência e da realeza constitucional, na pessoa de D. Pedro. Mostra, também, que o dia da sessão, 20o. dia do 6o. mês maçônico do Ano da Verdadeira Luz de 5822, era o dia 9 de setembro. Isso porque o Grande Oriente utilizava, na época, um calendário equinocial, muito próximo do calendário hebraico, situando o início do ano maçônico no dia 21 de março (equinócio de outono, no hemisfério Sul) e acrescentando 4000 aos anos da Era Vulgar. Desta maneira, o 6o. mês maçônico tinha início a 21 de agosto e o seu 20o. dia era, portanto, 9 de setembro, como situa o Boletim de 1874.

Nessa época, ainda não havia sido inventada a balela do 20 de agosto, baseada na errada suposição de que o Grande Oriente utilizava o calendário francês, que inicia o ano maçônico no dia 1o. de março. Se isso fosse correto, é claro que o 6o. mês teria início no dia 1o. de agosto e o seu 20o. dia seria o dia 20 do mesmo mês. Esse erro serviu para que autores mais ufanos do que realistas saíssem apregoando que o Grande Oriente “proclamou a independência antes do grito do Ypiranga, de 7 de setembro, e que este foi uma simples ratificação do que já havia sido decidido” . E o lamentável é que o erro, embora já largamente comprovado, continua frutificando até hoje, tendo gerado até um Dia do Maçom (brasileiro), sem a base histórica que lhe é atribuída.

É claro que o fato existiu e que é digno de ser lembrado e comemorado por todos os maçons, mesmo porque não era possível, no dia 9, os obreiros terem conhecimento dos fatos do dia 7, dados os escassos recursos de comunicação da época. Mas não ao ponto de falsear a verdade histórica, por ufanismo, ou por ignorância.

Apesar disso, foi submetido a um grande constrangimento, nesse episódio que marcou mais um ato da luta política intestina entre os grupos de Ledo e de José Bonifácio. Isso porque o Regulador, como órgão oficioso do governo, defendia as idéias de José Bonifácio, que pretendia uma monarquia constitucional dentro de uma comunidade brasílico-lusa, em oposição às idéias do Revérbero Constitucional Fluminense, jornal lançado a 11 de setembro de 1821, redigido por Ledo e pelo cônego Januário da Cunha Barbosa e que defendia o rompimento total com a metrópole.

Convocado, frei Sampaio compareceu à sessão do 23o. dia do 6o. mês (13 de setembro), para declarar, com “docilidade”, segundo a ata, que o que fora publicado não refletia sua opinião pessoal e era fruto de extratos de correspondência, transmitida por pessoa a quem ele devia respeito e consideração ; e terminou, declarando que nos próximos números emitiria a sua opinião pessoal, suspendendo a publicação da matéria objeto da inquirição. Apesar da docilidade, foi duramente invectivado pelo 1o. Vigilante Ledo, que não aceitou sua justificativa, mas, depois de criticá-lo com veemência, afirmava que “a assembléa geral ficava persuadida da sinceridade dos protestos d’elle accusado, pela docilidade e reverencia com que se comportava, e elle Pres.: convidava a todos os IIr.: para que, esquecendo-se do escandalo que lhes havia causado o Ir.: Fr. Sampaio, se congraçassem perfeitamente com este, dando-lhe o abraço e o ósculo fraternal”. O episódio mostra, apenas, que, além da luta pela independência, havia a luta pelo poder. 3 A referência é ao Regulador Brasílico-Luso (depois Regulador Brasileiro), lançado a 29 de julho de 1822 e cujo redator era o frei Francisco de Santa Tereza de Jesus Sampaio, um dos maiores intelectuais do Grande Oriente e figura maiúscula da Maçonaria da época: Orador da Loja Comércio e Artes, foi o redator da representação dos fluminenses a D. Pedro, no episódio do “Fico”, de 9 de janeiro de 1822, e em sua cela, no convento de Santo Antônio, reuniam-se os líderes do movimento emancipador.

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1831: A Reinstalação do Grande Oriente do Brasil

José Castellani

"Aos tres dias do 9o. mez do Anno da V.L. 5831 1, reunidos os Grs. Dignitarios e Officiaes do Grande Oriente do Brazil, debaixo da presidencia do Sapmo. Delegado Gr. M., substituidos o logar de Gr. Orador, que não compareceu por molestia, e os logares vagos por Irs. dos antigos quadros, e das LL. AMOR DA ORDEM e SEGREDO, se abrirão os trabalhos no gráo de Aprendiz Maçom. Assistirão aos mesmos os operarios destas LL. e de outros Orientes Estrangeiros, como vizitantes, os quaes forão applaudidos e agradeceram os applausos.

Reinstallado assim o Gr. Or. e restaurados os trabalhos interrompidos desde 5 do 8o. mez do A. 1822 da V.L., o Sapmo. Gr. M. invocou a proteção e a graça do S. Arch. do Univ., por meio de ua sublime peça de architectura, que se mandou imprimir e foi applaudida, transcrevendo-a na acta:

‘Gr. Arch. do Univ.!

Penetrados de profundo respeito e gratidão para comtigo, hoje que inesperadamente para mim, se acha reinstallado o Gr. Or. Brazileiro e adormecidas, como é de esperar, as paixões violentas e desaccordadas, que tantos males trouxerão á Maçonaria e ao Estado, Ente Supremo, cumpre-nos principiar nossos trabalhos, encaminhando-te fervorosamente nossos coraçoens, nossos votos e homenagens.

Ah! possamos nós alcançar ao menos hum pequeno signal daquella complacencia, que sempre reservastes aos homens de bem que Te procurão. Sim, nós esperamos merecer de Ti o teu amor paternal de que tanto precisão os M.: Brazileiros em nossas tristes circunstancias.

Na tua Augusta presença, Gr.: Arch.: do Univ.:, nós sentimos o nosso nada e reconhecemos humildemente o quanto ainda nos aviltam o orgulho ou a vaidade, confessamos que ainda estamos muito apartados da moral universal, da virtude e da concordia, de que tanto precisamos para sermos homens bons e cidadãos honrados.

Hoje, porem, reunidos emfim, o unico fim e honra a que aspiramos hé ser uteis a nossos semelhantes, praticando a moral e contemplando religiosamente as obras primas de tua mão criadora e Onipotente, que a todo instante nos offerece novos objectos a nossa admiração e ao nosso amor!

Digna-te, pois, Gr.: Arch.: do Univ.:, lançar sobre nós uma vista d’olhos de bondade e misericordia! Dai-nos a força e os meios necessarios para assegurarmos á Justiça e á Verdade um triumpho glorioso e duradoiro.

Debaixo da tua egide tutelar, n’este templo sagrado, onde nos ajuntamos para celebrar teus beneficios e praticar a virtude, ajuda-nos a combater as trevas com a tua radiosa Luz, a trabalhar com novo afinco na

1 De acordo com o calendário equinocial, utilizado pelo Grande Oriente do Brasil, na época, o ano maçônico tinha início no dia 21 de março, que era, portanto, o primeiro dia do primeiro mês. O Ano da Verdadeira Luz --- A.: V.: L.: --- era achado somando-se o número 4.000 ao número de anos do calendário gregoriano, que, para os maçons, representa a Era Vulgar. Assim, o 9o. mês maçônico tinha início no dia 21 de novembro, o que faz com que o 3o. dia do 9o. mês do Ano da Verdadeira Luz de 5831, seja o dia 23 de novembro de 1831, da Era Vulgar.

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felicidade dos Maçons e dos homens em geral, e a pregar como convém, o amor, respeito e confiança que devem os Governos, se desejam conservar-se e prosperar”

Gr.: Or.: do Brazil, 3o. dia do 9o. mez do Anno da V.: L.: 5831

PYTHAGORAS C.R. 2

O Ir.: Esdras 3, que occupava a cadeira de Gr.: Orador, propoz 1o. que se procedesse á eleição dos Officiaes que faltam na Gr.: Loj.: e 2o. que se consultasse quaes providencias se deveriam tomar acerca de um Grande Oriente que constava ter-se erigido no Brazil nestes ultimos tempos, quando o verdadeiro não trabalhava, por poderosas circunstancias que havião occorrido, e depois de breve discussão, pedio o mesmo Ir.: retirar por agora as suas propostas, o que lhe foi concedido.

Por moção do Gr.: 2o. Vigilante, unanimemente approvada, será memorado como de jubilo e gloria, para a Maçonaria Brazileira, o dia 3 do 9o. mez do Anno Maçonico.

Determinou o Sapmo.: Gr.: M.: a convocação das antigas LL.: COMMERCIO E ARTES DA IDADE D’OIRO --- UNIÃO E TRANQUILIDADE --- ESPERANÇA DE NYCHTEROY, para se reunirem em o dia 5 do 9o. mez.

Assim terminaram os trabalhos e fechada a Gr.: L.: na forma da Liturgia, nos retiramos em paz”.

Se a ata de 17 de junho de 1822 pode ser considerada a certidão de nascimento do Grande Oriente do Brasil, esta pode ser considerada a certidão de renascimento, a partir da qual nunca mais as atividades da Obediência foram interrompidas.

Discutiu-se muito, porém, entre os pesquisadores, se seria esse Grande Oriente do Brasil, ou o Grande Oriente Nacional Brasileiro , instalado a 24 de junho de 1831, o verdadeiro sucessor do Grande Oriente Brasílico de 1822, que fora fechado pelo seu Grão-Mestre, D. Pedro I, a 25 de outubro do mesmo ano.

O Grande Oriente Brasileiro --- conhecido como “do Passeio”, por ter se instalado na rua do Passeio, depois de permanecer pouco tempo na rua de Santo Antônio --- foi, na realidade, fundado por maçons remanescentes do antigo Grande Oriente de 1822, considerando que este estava extinto. Quando o grupo de antigos líderes do Grande Oriente Brasílico resolveu reinstalar o Grande Oriente do Brasil, considerando-o como continuação do primeiro, muitos maçons e Lojas --- como é o caso da importante Loja 6 de Março de 1817 --- deixaram o Grande Oriente Brasileiro, passando a fazer parte daquele.

O manifesto de José Bonifácio, de 1832, anunciando a reinstalação do Grande Oriente do Brasil, contem um convite aos membros do Grande Oriente do Passeio, para que se reunissem sob uma só bandeira: a do Grande Oriente do Brasil. Por diversos motivos --- inclusive porque muitos maçons do Passeio eram contrários a José Bonifácio --- o convite foi recusado. Tal atitude, se for julgada com imparcialidade, não pode ser muito criticada, já que aquele círculo detinha a primazia da restauração do sistema obediencial no Brasil e não reconhecia o Grande Oriente do Brasil como legal, por que José Bonifácio, que deixara de ser Grão-Mestre a 4 de outubro de 1822, não poderia reaparecer no cargo, se tivesse havido uma simples suspensão de trabalhos, seguida de um recomeço.

Da mesma maneira, o tom conciliatório do manifesto do Grande Oriente do Brasil não pode ser criticado, já que, independentemente das controvérsias em torno de José Bonifácio, os seus dignitários também tinham a intenção de implantar uma sólida Maçonaria brasileira, sem dissenções e sem divisões.

A história de ambas as Obediências, todavia, durante algum tempo, se confunde e se entrelaça, pois sempre houve movimentação de obreiros e de Lojas, de uma para outra, criando laços de união, através do intercâmbio de idéias, até 1861, quando o Grande Oriente Brasileiro, esfacelado e praticamente extinto, foi tendo suas Lojas absorvidas pelo Grande Oriente do Brasil. E, embora surgissem, posteriormente, tentativas para reerguê-lo, todas elas foram frustradas.

2 Pitágoras era o nome heróico --- ou simbólico --- de José Bonifácio de Andrada e Silva. A abreviatura “C.R. +” refere-se ao grau de Cavaleiro Rosa-Cruz, que, nesse caso, é o do Rito Moderno, ou Francês, oficial do Grande Oriente do Brasil. 3 Esdras era o nome heróico de José Joaquim de Gouveia.

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1832 : O Manifesto do Grande Oriente do Brasil,

em seu Reerguimento José Castellani

“A Gl.: do G.: Arch.: do Univ.: --- O Grande Oriente do Brazil a todos os GGr.: OOr.:, GGr.: LL.:, LL.: RR.: e MM.: de todo o mundo:

Os Raios da Grande Luz, que desde as mais remotas epocas illuminaram a Asia e o Egypto e fulgiram hoje na Europa, não podião deixar de penetrar um dia na terra abençoada de Santa Cruz. Em balde o feudalismo colonial fechava a communicação dessa preciosa porção do globo ao resto do mundo; em balde a supersticiosa metropole, a quem o acaso, não o merecimento, dera a sua descoberta, procurava agrilhoar-lhe o pensamento, como lhe agrilhoava a liberdade. O Genio Brazileiro venceu as barreiras que lhe oppunham a tyrania e o fanatismo, e conseguiu, no fim de quasi tres seculos , que se erigisse a primeira lapide de sua perfeição social, e fulgisse um raio daquella flammigera Estrella, que tanto nos homens como nas nações, accende o desejo de sua felicidade, e infunde o sentimento da sua força e da sua dignidade, installando-se no anno da Verdadeira Luz 5801 a primeira Loj.: symbolica regular debaixo do titulo de Reunião e filiada ao Or.: da Ilha de França, e nomeando para seu Representante alli o Cavalleiro Laurent, que a fortuna fizera aportar ás formosas praias da Bahia de Nyctheroy, e que presidira á sua sua installação; ella apresentou em breve espaço o sublime espectaculo de um crescimento milagroso, e o outro não menos grato ao coração dos amigos da virtude, o de uma amizade verdadeiramente fraternal entre os seus Membros.

Não durou por muito tempo este estado de tranquillidade e de harmonia, que apresentou o berço da Maç.: Braziliense. Marchando pela estrada da perseguição, ora calcada pelo ferreo pé do despotismo, ora attenuada pela perfidia e pela ingratidão, ella offerece aos olhos do philosopho a luta formidavel da luz contra as trevas, e dos principios contra a tyrannia. Foi com a suspicaz metropole que ella teve de sustentar o primeiro combate. Chegando-lhe a noticia da installação e florescencia da Loj.: Reunião, desde logo ou presaga, ou zelosa, determinou conhecer a sua marcha e os seus fins. Talvez mesmo suppoz, conhecendo a carie que corroia os ferros coloniaes, que os laços fraternaes, melhor do que elles, poderiam conter esta majestosa porção da velha monarchia; ou antes imaginou que cumpria apagar esta scentelha electrica antes que ella lavrasse e prorompesse em labaredas de patriotismo. Com a doçura de fingida amizade os seus delegados abordarão o vestibulo do Templo Fluminense, e a docil ingenuidade de seus Obreiros os recebeu no coração, não cuidoso de que nos asylos da igualdade pudesse entrar o espirito de dominio. Mas elle não tardou a desenvolver-se, já pela censura acre de todos os actos anteriores, e já por imposições de violenta sujeição ao Gr.: Or.: de Lisbôa. Desde logo tambem a harmonia fraternal cedeu o passo á intriga, que soprando rivalidades e inventando suggestões, conseguiu semear a dissenção nos pacificos Quadros Braz.:, resultando desta infeliz discordia continuar a Loj.: Reunião os eus trabalhos debaixo dos auspicios da Ilha de França, e as Lojas Constancia e Philantropia começarem os seus debaixo dos auspicios do Or.: Lusitano.

O tempo que esfria as paixões e faz apparecer a verdade e a razão, fez conhecer a esses homens generosos, cujo principal sentimento era o amor da patria e o progresso dos principios santos da moral universal, que estes dois bens não podiam vir dos apostolos da desunião, arma que a tyrannia empregava para firmar-se em seus arbitrios; que, opposta ás bases essenciaes da Maç.: uma tal desunião era funesta á propagação das luzes que podiam aperfeiçoar a Sociedade Brasileira e influir em seus futuros destinos. A um aceno, procurarão-se, abraçarão-se, fundirão-se em um todo e sortearão-se depois com igualdade pelas tres LL.: , abafando deste modo toda idéa de rivalidade e de ciume. Contiverão-se algum tempo mas não desanimarão os Delegados da metropole, que contando mais séculos de existencia, cumpre saber, não levava muitas decadas de avanço sobre o Brazil no conhecimento da Maç.: . Este acto de energia e de virtude praticado pelos MMaç.: FF.: servia-lhes de

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lição para melhor combinar novo ataque para o qual se preparavam. Presentido o espirito de independencia que animava a todos os brazileiros, determinarão por esse meio cavar a ruina do edificio Maç.: . Offerecerão ás LLoj.: o estabelecimento de um centro de governo brasilico-maçonico, que sobre as bases da reciprocidade assentasse as relações que deviam ligal-o com o Or.: Metropolitano; esperando, ou na partilha das dignidades, ou na precedencia de direitos, accender outra vez o tição da discordia. Este fementido presente de novos Danaos1 (que em tempos posteriores quizerão adoptar a politica) alvoroçou o coração de alguns MMaç.: FF.: que o encararão como o feliz presagio de um desejado futuro. A judiciosa desconfiança dos outros foi pintada com negras côres, appareceu o receio, cessou a franqueza e a cordialidade, e a intriga multiforme, ajudada pelo terror que ao mesmo tempo inspirava um novo agente do Poder Politico, que recem-chegara e ameaçava perseguir inexoravelmente os Filhos da Viuva, deu a ultima mão á sua empresa, e fez desapparecer do Or.: do Rio de Janeiro a Estrella Flammigera, perdendo as tres LLoj.: existencia e nome.

Passado este primeiro golpe da perfidia e do despotismo, os dispersados Maç.: se reunirão de novo e installarão a Loj.: Beneficencia e outras. Já então amestrados na escola da experiência, reconhecerão a necessidade de nacionalizar o regimen Maç.:, creando um Gr.: Or.: do Brazil, que offerecesse um ponto de apoio e de união a todos os seus filhos, vedasse novas tentativas lusitanas e désse aos MMaç.: BBr.: aquella força que só pode resistir aos tufões da tyrannia. Animados deste espirito, convocarão as LLoj.: existentes então na primogenita do Brasil e na patria de Camarão; e com a sua zelosa acquiescencia derão impulso á grande empresa, inaugurando o primeiro Gr.: Or.: do Brazil, que foi logo reconhecido e saudado pelos OOr.: estrangeiros, e proclamado Gr.: Mestr.: interino o cidadão Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado 2. Mas um dragão, que alguns annos depois cobriu de sangue e horrores a malfadada Lisbôa, que apressou a morte do infeliz esposo e ensinou um filho a revoltar-se contra o pae, trahir o irmão e arrancar o throno á sobrinha, cavou medonho abysmo em que correram risco de ser tomados todos os MMaç.: BBraz.: . Só poucos dos que formavão a Loj.: Beneficencia se conservarão unidos e arrostarão a tempestade, celebrando em reconditos ermos os mysterios da Ordem.

Desta pequena fagulha tornou a rebentar a Luz no anno de 5815; mas tornou a ser apagada pelo empestado sopro do despotismo. A Loja Beneficencia, que havia recobrado o seu resplendor, e a S. João de Bragança, que principiara os seus augustos trabalhos, já tinhão dado os seus primeiros passos para o restabelecimento do Gr.: Or.:; já as Lloj.: das provincias procederão á nomeação de seus Representantes, quando a revolução de uma dellas 3 eriçou de suspeitas o coração do Chefe da Nação, e poz em movimento as cem garras do despotismo. Pensou elle que da cabeça lhe fugia a corôa, e que dos pés lhe escapava o throno; e a exemplo de seus eguaes attribuiu a inexperta tentativa á Maç.: e votou execração e odio ao nome Maç.: . Desgraçada pertinacia dos profanos! Não podem crer que a Maç.: só tem por fim o culto do Gr.: Arch.: do Univ.:, o conhecimento das maravilhas da Natureza, e a felicidade dos homens pela pratica constante das virtudes.

Jazeu, portanto, a Luz debaixo do odio, e bem que de vez em quando soltasse rapidos clarões, elles apenas servião para attestar a sua existencia e animar a esperança de seus filhos; mas não para romper e dissipar as trevas da perseguição, aconselhando a razão que se poupassem sacrificios que podiam ser uteis em occasião opportuna. Os successos de Portugal a offerecerão em 1821 da era vulgar.

A antiga metropole, com a volta do velho Rei aos seus antigos lares, sentia renascer a perdida esperança de recobrar o primeiro esplendor. Persuadindo-se de que os seculos desandavam , ou não conhecendo a marcha progressiva do espirito humano e que a retrogradação hé horrorosa, tanto aos homens como ás nações, e com especialidade áquellas que estão no verdor da idade e no vigor da força, quiz sacrificar o Brazil a esta sua favorita chimera. O Brazil, que até então repousára nos braços da boa-fé, ameaçado agora de recair nos ferros coloniaes, ergueu-se indignado, chamou seus filhos, soltando o electrico grito de --- INDEPENDENCIA OU MORTE --- annunciou ao mundo que queria entrar na familia das nações livres e independentes. Ao convite da patria poderiam as MMaç.: , tantas vezes victimas a Tyrannia e do Fanatismo daquelle

1 Personagem da mitologia grega, DANAOS, rei do Egito e, depois, de Argos, era pai das Danaides, cinqüenta jovens , que, na noite de núpcias, mataram todos os esposos, com exceção de uma delas, Hypermnestra. Elas foram condenadas, no Tártaro (o fundo dos Infernos), a encher de água um tonel sem fundo. 2 A referência é a uma pretendida Grande Loja, que teria sido criada na Bahia,em 1813, por Antônio Carlos, e que era formada pelas Lojas UNIÃO, VIRTUDE E RAZÃO RESTAURADA, HUMANIDADE, todas da Bahia, e mais a BENEFICÊNCIA, do Rio de Janeiro.Muitos fantasistas viram, aí, um “Grande Oriente Brasileiro”, o qual não pode ser considerado, pois, além de não ter existência legal, não era um verdadeiro núcleo central e não exercia qualquer influência sobre as demais Lojas então existentes. Foi a primeira tentativa de organizar uma entidade maçônica em moldes federativos; mas foi, mesmo, uma simples tentativa, efêmera e não reconhecida. 3 A referência é à Revolução Pernambucana de 1817.

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canto da Europa, conservar-se em criminosa apathia? Não: elles reconhecerão a importancia do momento; procurarão-se com ardor, reunirão-se com transporte, installarão as LLoj.: União e Tranquillidade, Esperança de Nychteroy e Commercio e Artes; e á porfia, desvelados na independencia da nação, e no progresso das luzes e na pratica do mais ardente civismo, chegarão-se ao Delegado do Poder, iniciarão-no em seus mysterios, e emquanto se lhe erguia o throno material em que a nação o assentou, levantarão-lhe hum de mór valia em seus corações e nas suas Officinas, dando assim ao mundo hum novo documento de que os verdadeiros MMaç.: não são inimigos dos bons Principes, e que a virtude não pune nos filhos os crimes dos paes. Lembrarão-se tambem que era chegada a epoca de cimentar a Independencia Maçonica, para que em harmonia com a da nação, se prestassem mutuamente soccorro e força. Neste sentido, quando as ricas provincias do Brazil eram convidadas a convergir para o novo centro politico, simultaneamente o eram as suas patrioticas LLoj.: , para se ligarem ao centro Maç.: , e quando convencidas dessa necessidade, derão o seu ascenso, levarão a effeito a reinstallação do Gr.: Or.: do Brazil, que fixou os direitos geraes e particulares dos MMaç.: BBraz.: , e legitimou e regularisou a sua organisação 4. Este acto teve logar no anno da Luz de 5822. Na presença de todos os MMaç.: reunidos, e dos Ven.: das Officinas existentes, foi inaugurado o Gr.: Or.: Brazileiro, e nomeado Gr.: Mestr.: o cidadão José Bonifacio de Andrada, substituido depois pelo Principe D. Pedro 5, conservando aquelle o logar de Gr.: Mestr.: Delegado reconhecido e saudado pelos GGr.: OOr.: de Inglaterra, de França e dos Estados Unidos.

Crescia, á vista d’olhos, a nova vergontea dessa arvore maravilhosa, cujos ramos de hum verdor eterno cobrem com sua doce sombra todas as nações, e cujas raizes carregadas com o peso dos seculos, alcançam o seio mysterioso da Natureza. Mas nos planos do immortal JEOVAH não estava ainda assignalada esta época como aquella que devia marcar a estabilidade da Maç.: no Brazil. Talvez não lhe foi agradavel que em seus Templos, onde só devia respirar a fragrancia da moral e a suavidade da virtude, ressoassem dictames de politica! ... Instrumento de sua vingança o novo Mestre... Corra-se espesso véo sobre esses tempos luctuosos, em que a ingratidão abusando da autoridade, mandou fechar as Officinas dos MMaç.: , onde se havião reunido os mais puros votos de amor áquelle, que, trocando em ferrea clava o Malhete d’oiro que se lhe confiára para manter a Ordem, dirigir os trabalhos e defender os Obreiros, os feriu e dispersou!!! Remoinhando no pélago das paixões, cahia elle mesmo com medonho estrondo, não achando a seu lado um amigo, que o consolasse! A virtude não consente que se aggrave a desgraça 6.

As grandes revoluções soltam quasi sempre o freio das paixões e afrouxam os laços da moral. Nesses tempos de calamidades não hé raro tomar-se por enthusiasmo a irritação, por vigilancia patriotica a vingança e a delação, por virtude civica o fanatismo do civismo, e por liberdade a licença. Este quadro pintado sobre os modelos da historia, era tambem o que apresentava a capital do Brazil depois do feliz desapparecimento do oppressor da Maç.: . Pareceu então a alguns MMaç.: generosos, que lamentavão as desgraças da patria e suspiravão a volta daquella amenidade de costumes que caracterisa os Brazileiros, que só a Maç.: que marcha a passo egual com a Religião e com a Philosophia, era capaz de restabelecer o equilibrio da moral, entornando o balsamo da paz, da concordia e da conciliação em os coraçoens affectados de sentimentos violentos; que se ella, que tem por objectos essenciaes a virtude, a patria, a perfeição e a tolerancia, ensinando as vantagens da união, as doçuras da beneficencia, os encantos da fraternidade, e as delicias do mutuo perdão, era capaz de fazer convergir todos os espiritos para o verdadeiro centro da publica prosperidade. Neste conceito começarão a reunir-se; e, havendo creado as LLoj.: Amor da Ordem e Segredo, dirigirão seus votos ao Gr.: Arch.: do Univ.: para os ajudar no glorioso fim a que se propunhão. Logo depois requereram aos Grão-Mestre Delegado, para que désse vigor e acção ao adormecido Gr.: Or.: , e fosse abrir as Officinas que pela Prancha de 27 de Outubro 7 de 1822 (era vulgar) se havião mandado fechar até segunda ordem, e reconhecesse em seu gremio os novos filhos que o suspiravam. Com effeito, no dia 3 do 9o. mez do anno da Verdadeira Luz de 5831, reunidos os Membros que existiam do Gr.; Or.:, os Reprezentantes das

4 Ao afirmar que essa pretendida reinstalação “legitimou e regularizou sua organização”, o autor do manifesto admite que não era legítima e nem regular a situação dessa Grande Loja de 1813. 5 A afirmação é falsa, pois quando José Bonifácio foi destituido do Grão-Mestrado, entre 28 desetembro e 4 de outubro, para dar lugar a D. Pedro --- num verdadeiro golpe de Estado no Grande Oriente, pois não houve eleição regular, em sessão específica --- ele não foi “rebaixado” ao cargo imediatamente inferior, de Delegado Grão-Mestre (ou Grão-Mestre Delegado, conforme o texto), pois quem ocupava esse cargo, ao ser fechado o Grande Oriente, a 25 de outubro de 1822, por D. Pedro, era o brigadeiro Luiz Pereira da Nóbrega Coutinho, que fora nomeado por José Bonifácio, a 17 de agosto de 1822, e que, portanto, não fora destituido quando da troca do titular. Esse dado falso entra no manifesto, para justificar a recondução de Bonifácio ao cargo de Grão-Mestre. 6 A referência --- pesada e ressentida, para os padrões da ética maçônica --- é a D. Pedro I. 7 A data é incorreta, pois a prancha do Grão-Mestre, D. Pedro, era de 21 de outubro, enquanto que o termo de encerramento das atividades, registrado no Livro de Ouro, é do 5o. dia do 8o. mês, ou seja, 25 de outubro.

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velhas e novas LLoj.: Fluminenses, os Deputados da Loj.: Razão, ao Or.: de Matto Grosso, e grande numero de Mmaç.: BBras.: e extrangeiros, de diversos Ritos e Gráos, presidida a Assembléa pelo Gr.: Mestr.: Delegado, depois de invocar-se em humildade e respeito o auxilio do Deus da Natureza e dos MMaç.: , foi reinstaurado em suas funcções o adormecido Grande Oriente do Brazil; e de novo nomeado Gr.: Mestr.: o cidadão José Bonifacio de Andrada e Silva, e preenchidas provisoriamente as dignidades vagas, entrou no exercicio de seus augustos trabalhos, assignalando o seu começo pelo convite fraternal e conciliatorio que fez a algumas outras LLoj.: existentes.

Está, pois, em vigor o Gr.: Or.: do Brazil. Resta communicar esta grande obra a todos os MMaç.: BBraz.: e do mundo inteiro, convidando a uns para se reunirem a elle, e eviarem assim a reapparição das crises que tem perseguido a Maç.: neste immenso territorio, e aos outros para com elles travar mutuos laços de amisade e beneficencia. Porém, cumpre declarar primeiramente com franquesa e candura da verdade quaes são os principios do Or.: Brazileiro.

Nem hum assumpto que não tenha connexão com os Gráos symbolicos da Maç.: será tratado no Or.: Braz.: e nas LLoj.: de seu circulo; nem hum outro fim terão os seus trabalhos que não seja o augmento da felicidade humana, ensinando e inspirando o amor das virtudes domesticas e sociaes, o respeito á Religião, submissão ás leis do Estado, a tolerancia de todos os cultos e a de todos os Ritos Maç.:, reconhecidos e professados actualmente pelos GGr.: OOr.: de todo o mundo, fazendo unicamente excepção dos principios dos illuminados e dos que forem contrarios ás leis geraes da Natureza e ás positivas do Brazil. A voz da politica nunca mais soará no recinto dos nossos Templos, nem o bafo impuro dos partidos e das facções manchará a pureza de nossas columnas.

Maçons do Brazil: se esses principios, que são os principios da Maç.: vos agradam, vinde unir-vos ao Or.: do Brazil. Recebereis ahi o osculo da paz, os abraços da fraternidade e a saudação da amisade. Para vós estarão sempre promptos nossos peitos, nossas vidas e nossos auxilios. Irmãos nascidos no mesmo solo, no ditoso solo brazileiro, lancemos mais um élo a esta cadeia natural, juntemos mais uma vara ao feixe mysterioso, emblema da verdadeira força. Longe de nós a discordia, longe de nós a intolerancia: trabalhemos unidos sacrificando no altar da patria prejuisos que nem devem reinar entre profanos, na perfeição de nossa especie, no melhoramento de nosso estado, na prosperidade da nossa nação. Sejamos nós o primeiro povo que apresente o quadro pratico dessa paz divinal, dessa concordia celeste que deve um dia ligar a todo o mundo e fazer de todos os homens uma só familia. Eis o grande fito da Maç.: .

Maçons de todo o mundo, GGr.: OOr.: e GGr.: LLoj.: estabelecidas nas quatro partes do globo, recolhei no vosso seio, registrae nos vossos livros d’oiro a profissão de nossos principios, e a exposição de nossa conducta, e o restabelecimento de nossa existencia.

O Gr.: Or.: do Brazil vos assegura a sua leal cooperação na carreira da virtude, digo, da grande obra da felicidade humana. Reconhecendo-vos como mestre na escola da virtude e da Phylosophia, elle vos pede a communicação de vossasa luzes e a partilha de vossos conhecimentos. Prestae aos filhos de nossos quadros o auxilio em suas desgraças, o soccorro em seus negocios, que fielmente prestaremos aos vossos, que vierem abordar em nossa patria. Nós não reconhecemos differenças, nem distincções na familia humana: como Brazileiros serão tratados por nós o China, e o Luzo, o Egypcio e o Haitiano, o adorador do sol e o de Mafoma 8; uma só excepção faremos, será nossa unicamente a presidencia dos nossos Quadros e Officinas. Franqueae-nos, pois, a vossa correspondencia, relevando com indulgencia fraternal os erros que a inexperiencia nos tiver feito commetter, e prestando-nos a vossa cooperação para seguros caminharmos na estrada da virtude e obtermos os grandes fins da Maç.: . ---- J.B. DE ANDRADA, Gr.: Mestr.: ”.

Este manifesto, dirigido a todas as demais Obediências do mundo, foi lançado no início de 1832 --- mas sem que constasse, nele, qualquer data --- depois do reerguimento do Grande Oriente do Brasil, ocorrido a 23 de novembro de 1831 (três dias do 9o. mês do Ano da Verdadeira Luz 5831). Ele conta, praticamente, a história dos primeiros tempos da Maçonaria no Brasil, embora com uma visão um pouco tendenciosa, em relação a alguns fatos e pessoas, como, por exemplo, D. Pedro I, que não foi poupado, por ter fechado o Grande Oriente Brasílico --- fundado a 17 de junho de 1822 --- embora, naquele momento, houvesse, talvez, uma necessidade política de acabar com um foco de turbulência entre dois grupos antagônicos, liderados, um, por José Bonifácio, e outro, por Joaquim Gonçalves Ledo.

8 Mafoma é a versão vernácula do nome de Maomé (Mohamed), o fundador do islamismo.

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Título: Do Pó dos Arquivos Autor: José Castellani Editora: CopyMarket.com, 2000

1872: A Profissão de Fé do Padre Eutichio Depoimento de um Padre Maçom Perseguido pelo Alto Clero

José Castellani

“Belem do Pará, 1 de dezembro de 1872

A data desta declaração mostra que estou no pleno goso das minhas faculdades.

Mas como é possivel ter uma morte, tão desgraçada (segundo o papel do bispo, a Boa Nova) (*), como a do meu dedicado amigo, o conego Ismael, mas, no meu entender, menos desgraçada do que a do virtuoso bispo de Pernambuco, o D. Emmanuel de Medeiros, quero prevenir difficuldades e tomar uma posição definida, como exige o D. Macedo Costa, si é que a meu respeito elle póde ainda nutrir duvidas, ou esperanças da hora extrema, em que descido tão baixo o thermometro da intelligencia tem desapparecido o homem:... E nessa hora elles fazem dizer a um cadaver o que elles querem, para cantarem mentidos triumphos!

Pertenci, na melhor fé, á Igreja catholica apostolica romana. Não concebia até a possibilidade de se deixar de ser catholico apostolico romano.

Começou a minha desconfiança com a louca pretenção de provarem com o Regnum meum non est hoc mundo a Divina Instituição, ou conformidade do poder temporal dos papas com a mente de Jesus Christo! Foi o primeiro golpe na boa fé, em que se suppunha esses homens, que fallão em nome de Deus.

Irritou-me a malicia com que traduzirão o cap. 1o. da sessão 14a. da Reformata, para armarem os bispos de um poder absoluto e que tanto se presta a abusos.

Para privar um padre do exercicio das ordens, não póde haver a mesma facilidade com que se recusa a aspirantes a entrada para o sacerdocio. E para a reforma dos costumes não era mister tanto arbitrio; a mente dos padres de Trento foi corrobora a disciplina prohibindo que fossem reintegrados por qualquer outro os padres, que os bispos tivessem suspendido pela maneira então em pratica --- o processo.

Estas e outras questões, que vi tratadas pelos representantes de Deus, inspirarão-me como disse, as primeiras suspeitas. O Syllabus, o D. Antonio de Macedo Costa, e o concilio do Vaticano, empurrarão-me da Igreja romana.

A que Igreja pertenço hoje?

Á Igreja catholica romana de antes do Syllabus, de antes dos bispos Macedos Costas, de antes do conciliabulo jesuitico do Vaticano.

Que dirão desta igreja a que pertenço os degenerados catholicos, os servos humilissimos do jesuita, os bispos-capachos de Loyola, os papas-cadaveres? Digão o que quizerem. Eu creio (e talvez elles rião da minha crença), creio na imortalidade da alma, na justiça de Deus e em Jesus-Christo, e nesta fé cá os espero para o ajuste de contas.

O Syllabus está julgado; não é preciso que me demore em mostrar que isso não faz catholicos, mas anti-romanos.

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O bispo D. Antonio de Macedo Costa está desmascarado; todos no Pará reconhecem-lhe o pharisaismo, a vaidade, o orgulho, a doblez, a avareza, a mentira com que se apregoa reformador do clero, quando quaesquer 50$000 bastão para fazel-o divinisar os devassos de pouco antes; e a sua moral tem equivocos...

O conciliabulo do Vaticano foi apenas vergonhosa chancellaria das imposições jesuiticas. Esses bons bispos virão no Evangelho o que ha 19 seculos não virão tantos santos padres e papas! Quantos papas forão accusados de erros?! Entretanto procurou-se defendel-os com explicações, mais ou menos felizes, dos seus actos e decisões, quando era facillimo emudecer as acusações com a infallibilidade. Era, mesmo, uma necessidade indeclinavel definir esse dogma (si em verdade elle o era) atacado por estas accusações e pelas formaes reticencias ás decisõs dos papas nas questões da Rebaptisação e da celebração da Paschoa. Mas a Igreja nunca se resolveu a definir esse dogma apesar da necessidade, tantas vezes manifestada, dessa definição; e S. Paulo chegou a reprehender ao proprio Pedro, e dizer-lhe: Errastes! S. Paulo não comprehendia o Evangelho; a Igreja primitiva não o entendia! A Pio IX e aos seus bispos estava reservada a gloria do Eureka! desnecessidade, inopportunidade, quebra da unidade catholica.

Que sou maçon não é preciso dizel-o; ninguem o ignora porque, se não fazia alarde desta honra, não me escondia nem disfarçava para entrar na officina.

Iniciei-me, sem que para isso fizesse esforços nem pedisse. Amigos apresentarão-me, e eu accedi aos seus desejos; queria, tambem, julgar por mim, da verdade das accusações feitas a esta instituição, e do fundamento das excommunhões papaes.

Disposto a renunciar a maçonaria, si ella atacasse as minhas crenças catholicas, vi destruida esta disposição; e hoje que a maçonaria não póde ter mysterios para mim, vejo que essas excommunhões nada valem por falta de fundamento e base, e são mais uma prova da infallibilidade dos papas, e da justiça e razão com que elles ou os seus exigem que um padre não seja maçon, porque contra o que lhe attestam os seus olhos e a sua intelligencia, um papa lhe diz que não seja ou não continue a ser maçon (**).

Ora, sendo sem base as excommunhões aos maçons, ficam como as excommunhões injustas, que, embora separem do corpo da Igreja o excommungado, não o separam do espirito da Igreja nem ligão perante Deus. Póde, portanto, segundo a theologia, estar no céo entre os bemaventurados tal individuo, cujo corpo seja ahi atirado aos cães, e cuja memoria continue diariamente atassalhada pela gente da Boa Nova.

O que levo dito, é mais que sufficiente para que o zelo dos phariseos de hoje me recuse a sepultura, que elles chamão ecclesiastica, mas para a qual nada contribuirão.

A provincia completou a iniciativa particular, para que os que aqui morressem, sem sepultura propria, como os protestantes e os hebreus, tivessem um cemiterio; exigia-o a civilisação e a hygiene. Porém a benção do clerigo poz uma condição na obra da civilisação e da hygiene! Era mais um meio de proselytismo.

Todavia, não quero lucta por isso. A sepultura de Jesus Christo não era ecclesiastica, não teve benção, como não a tiverão as dos Apostolos e dos martyres e dos primeiros christãos. E por outro lado, a lucta elles a estimão embora se mostrem arrufados, porque lutar por uma cousa é dar-lhe apreço, é morrer de amores por ella.

Os meus irmãos da Harmonia, ainda na sessão de quinta feira, 28 do passado Novembro, me ouvirão a este respeito: executem o que lhes pedi nessa noite. Fação-me o enterro com os meios que deixo á disposição da officina, sem dispendio da gente que foi minha familia, com a maior simplicidade, mas não me deixem ir solitario. Batão á porta do cemiterio protestante, a ver se querem receber morto o que vivo militou em arraiaes contrarios. Recorrão depois aos hebreus. E si a intolerancia romana os tiver tambem eivado ... resta um largo qualquer, uma capoeira, o Guajará.

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Para justificar completamente o Sr. D. Antonio e livral-o de algum desmentido que possam dar-lhe meus escriptos, quero que sejão queimados tres livros, para onde passei todos os artigos, que sobre materias religiosas publiquei na Trombeta do Sanctuario, no Grão-Pará, Communicador e Jornal do Amazonas, sobre o Holden.

Fiquem somente, para não perturbar-se o somno em que dorme a consciencia do Sr. Macedo Costa, os meus artigos hereticos em communicados no Jornal do Amazonas, e da collaboração do Liberal do Pará.

Quero ser enterrado com as vestes que tomei e com que me apresentei em publico, sómente depois que o Sr. D. Antonio entendeu que a sua ex-informata me inhabilitava, até, para ser guarda do convento do Carmo, obrigando ao governo e ao nuncio a exigirem do provincial a minha exoneração. Este capricho foi precedido de outro não menos pueril.

Como não quiz estar por um recado, e exigi por escripto a ordem que elle mandava-me para fazer consumir o Santissimo Sacramento no Carmo, vio o bispo um horrivel casus belli, um Catilina ás portas de Roma, e poz em movimento o presidente De Lamare e o chefe de policia Dr. Rodrigues! E apezar de ser assegurado, por estes, de nenhuma opposição da minha parte, fez-se acompanhar ao Carmo pelo delegado de policia o Dr. .Lobato! Ha de morrer criança a mais brilhante tocha do episcopado brasileiro. Cahiu-lhe nas garras a Igreja do Carmo, o Asylo ... mas escapou-lhe o objecto principal dos seus anhelos: as alfaias, as fazendas e os escravos.

É provavel que, ao saber que estou morrendo, o Sr. D. Antonio me faça a visita funebre (unica, que elle faz aos padres) ou mande algum dos seus a converter-me, para gloria, não de Deus que não entra nos seus calculos, mas do seu partido. Si então eu estiver senhor de mim e capaz de polemicar,, deixem-me desfructal-o; no caso contrario não o deixem a sós commigo; o homem sahirá proclamando a minha mortal apathia por acquiescencia ás suas insinuações. Não tenho retractações a fazer, nem conversões, pois que nunca tive que renegar o symbolo dos Apostolos nem o de Nicéa.

(a) Padre Eutychio Pereira da Rocha”

O padre Eutychio da Rocha, alem de muito considerado entre os católicos do Pará, era um maçom destacado e um semeador de Lojas; a Loja Harmonia, de Belem --- citada no texto --- onde o senador, general e Grão-Mestre Lauro Sodré foi iniciado (a 01/8/1888), teve Eutichio como um de seus principais fundadores, em 1856.

Essa carta, que o Boletim Oficial do Grande Oriente do Brasil publicou, em setembro de 1880, no 9o. ano de sua circulação, foi escrita na época da Questão Religiosa, que, embora tenha sido uma questão entre o alto clero e o governo imperial, em torno do padroado e da submissão da Igreja ao Estado, acabou envolvendo a Maçonaria brasileira --- então bipartida entre o Grande Oriente do vale do Lavradio e o do vale dos Beneditinos --- a partir do discurso em que o padre (maçom) Almeida Martins proferira, a 2 de março de 1872, em homenagem ao Grão-Mestre do G.O. do Brasil, o visconde do Rio Branco, pela aprovação da lei de 28 de setembro de 1871 (Lei Visconde do Rio Branco, chulamente chamada de “Lei do Ventre Livre”) (***).

Embora a carta seja datada de 1872, o jornal “O Liberal do Pará”, que a publicou, afirmava que, na realidade ela fora escrita em 1876. Todavia, pela sua leitura, no que concerne às referências ao bispo D. Macedo Costa, um dos líderes da Questão Religiosa, parece, mesmo, que ela é de 1872. Ela foi entregue pelo padre Eutichio, poucos dias antes de seu falecimento, ao seu amigo D. Vicente Ruiz, acompanhada da permissão escrita para que ela fosse publicada, caso essa publicação fosse julgada conveniente.

Eutichio, alem de respeitadíssimo, como padre e maçom, era amado pelo povo do Pará, em função das obras sociais que desenvolveu. Quando de seu falecimento, o seu corpo, vestido de casaca, luvas brancas e gravata, alem das insígnias do 33o. grau e de Delegado do Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, foi velado na Loja Firmeza e Humanidade, para, depois, ser conduzido ao cemitério de Santa Isabel. Neste trajeto, foi acompanhado pelos alunos da Escola de Infância Desvalida --- criada graças aos seus esforços --- por comissões de todas as lojas maçônicas, representantes da imprensa paraense e do clero e por mais de mil pessoas.

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Notas

(*)

O “Boa Nova” era um jornal eclesiástico do Pará --- da diocese --- e, obviamente, cerrou fileiras em torno do bispo do Pará, D. Antonio de Macedo Costa, em sua questão contra o governo imperial e nos seus ataques aos maçons. O Boletim do Grande Oriente do Brasil, do Ano III, novembro de 1874, publica, a respeito dele, a seguinte nota:

“No Globo, de 13 de novembro corrente, lêmos o seguinte telegramma:

“Pará, 12 de novembro, às 9 horas e 50 minutos da manhã.

A Boa Nova publica as actas das reuniões que effectuou o clero nos dias 2, 3 e 4 do corrente. Por estes documentos se vê que n’ellas foi decidido que se organisasse um partido composto dos membros d’aquella corporação, o qual procurará influir directamente na politica do Estado. Para tomar as medidas necessárias e de accordo com tal resolução, foi nomeada uma commissão composta dos conegos Castilho Mourão, Barroso Couto e padre Simplicio”.

Entretanto dizem os sectarios de Roma que a Maçon.: é que intervem nos negocios do Estado e da Religião, e elles, que devião ser os ministros da paz e da concordia, como representantes da cruz e da misericordia, querem intrometter-se na politica, para que, galgando o poder, possão realizar os seus dourados sonhos de predominio e o immediato massacre dos homens de consciencia e de dignidade patriotica e desinteressada”.

Esse era o espírito da época, quando as paixões e a animosidade vinham à tona.

(**)

Esse trecho, um candente depoimento de um padre católico, sobre a Maçonaria, que ele conhecia tão bem e onde chegara ao mais alto grau do rito mais praticado --- o Escocês Antigo e Aceito --- mostra como era falsa a propaganda clerical que se fazia em torno das práticas maçônicas, considerando-as anti-religiosas, na esteira da ojeriza de Pio IX à Maçonaria, por conta da participação maçônica e carbonária na unificação da Itália, a qual trouxera, como resultado, a perda de grande parte do poder temporal do papa.

(***)

Nesse dia 2 de março de 1872, o padre José Luis de Almeida Martins, Grande Orador Interino do Grande Oriente, enaltecia a Maçonaria, em seu discurso de homenagem a Rio Branco. O discurso, publicado, no dia seguinte, pelos jornais, causou a reação do bispo do Rio de Janeiro, D. Pedro Maria de Lacerda, que, advertindo o padre, exigiu que ele se retratasse e deixasse o meio maçônico. Diante da recusa de Almeida Martins, o bispo o suspendeu, baseado na fala de Pio IX, por ocasião do Consistório de 1865. Isso acabaria desencadeando uma querela, a par da questão do clero com o governo imperial, na qual a Maçonaria entrou como Pilatos no Credo e serviu de pretexto, em muitas ocasiões. Em defesa do padre, uniram-se os dois Grandes Orientes, do Lavradio e dos Beneditinos, resultando um violento e ofensivo manifesto, redigido por Saldanha Marinho --- baluarte do anticlericalismo --- o qual só serviu para ajudar a azedar, ainda mais, as relações entre ambas as instituições e para aumentar a munição do clero, que, diante da violência do ataque, acabou posando de vítima.

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1883: A Reunificação da Maçonaria Brasileira Fusão do Grande Oriente do Brasil com o Grande Oriente Unido

José Castellani

“A ultima hora

No dia 18 de janeiro de 1883 realizou-se no edificio do Gr.: Or.: do Brazil, sito á rua do Lavradio No. 83, em assembléa geral do povo maç.: a imponente cerimonia da União dos dois Circulos existentes no Brazil, isto é, o Gr.: Or.: do Brazil, ao Val.: do Lavradio e o Gr.: Or.: Unido, ao Val.: dos Benedictinos, denominando-se d’ora avante o Gr.: Corpo resultante de tão almejada união “Grande Oriente do Brazil” e continuando a ser sua sede a citada rua do Lavradio.

A tão solene festividade esteve prezente avultadissimo numero de MMaç.: presurosos de reatar os laços da fraternidade que a cizão tinha rompido. O magestoso edificio do Lavradio achava-se tanto exterior como interiormente illuminado a “giorno” e todos os seus vastos salões sumptuosamente ornados. Na Sala denominada dos Passos Perdidos destacavam-se os retratos em grandes telas dos proeminentes Grão Mestres Visconde do Rio Branco e Pod.: Ir.: Conselheiro Dr. Joaquim Saldanha Marinho. Na sala contigua viam-se o busto do Grão Mestre Pedro I, os retratos dos Grão Mestres Visconde de Inhauma e Marquês do Herval, e as telas da batalha de Riachuelo e Passagem de Humaytá 1.

Ás 7 horas da noite, no Salão do Templo Azul foi aberta a sessão do Gr.: Or.: em assembléa geral do Povo Maç.:, no gr.: de Ap.:, pelo Pod.: Ir.: Gr.: M.: Conselheiro Dr. Francisco José Cardoso Junior, nomeando em seguida uma Comm.: composta de GGr.: IInsp.: GGer.: 33, afim de acompanhar ao Templo o Pod.: Gr.: M.: Honn .: Conselheiro Dr. Joaquim Saldanha Marinho.

Sendo franquiado ingresso a tão distincto Maç .: com todas as formalidades do ritual, recebeu entre CCol.: o aureo malhete da sabedoria que lhe foi offertado pelo Sob.: Gr.: M.:, o qual ao annunciar-se a chegada de tão Pod.: Ir.: ao Templo descera do solio para dar-lhe o osculo e o amplexo fraternal. O Conselheiro Dr. Saldanha Marinho, nobre como sói ser em todos os actos, quer na vida profana quer na maçônica, elevou-se á altura de quem é respeitador da fé dos tratados, pelo que aceitou o malhete por mera cortezia e em seguida o entregou proferindo estas memoraveis palavras:

“Sob.: Gr.: M.:, a verdadeira união da familia maçon.: do Brazil deve começar pela disciplina. Mac.: deste Circ.: reconheço e respeito a autoridade do meu Gr.: M.: e entrego-vos, pois, o malhete do Grão mestrado da Ordem”.

1 Há, aí, um engano, talvez de boa-fé, talvez por apoteose mental do redator. O visconde de Inhauma era o almirante José Joaquim Inácio (1808-1869), herói da Guerra do Paraguai e ministro da Marinha no Gabinete presidido por Caxias. O marquês do Herval era o general Osório, Manuel Luiz Osório (1808-1879), herói da Guerra do Paraguai, ministro da Guerra e patrono da Arma de Cavalaria do Exército Brasileiro. Nenhum dos dois foi Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil. Inácio foi 1o. Grande Vigilante durante o primeiro mandato (1850-1853) do Grão-Mestre, visconde --- depois, marquês --- de Abrantes, Miguel Calmon du Pin e Almeida, que tinha, como 1o. Grão-Mestre Adjunto, o conselheiro Antônio José da Veiga, e, como 2o. Grão-Mestre Adjunto, o comendador João Pereira Faro.

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Abraçaram-se os dois GGr.: MMestr.: e esse abraço mais do que cousa alguma consolidou a União e ao som de estrepitosos applausos e sonoros vivas tomaram assento no solio o Sob.: Gr.: M.: no throno 2, ao seu lado direito o Conselheiro Dr. Joaquim Saldanha Marinho e ao esquerdo o Pod.: Ir.: José Antônio de Oliveira Moraes, Repres.: Part.: do Gr.: M.: e Gr.: Repres.: do Supr.: Cons.: de Inglaterra.

Concedida a palavra aos OOrad.: inscriptos, usaram dela o Gr.: Orad.: Adj.: Antônio José de Souza congratulando-se com todos os MMaç.: pelo acto de União; em seguida, obtida a devida venia, subiu ao solio e em nome da nossa Subl.: Ord.: offertou a cada um dos GGr.: MM.: um primoroso ramo de jubilo 3.

Oraram o Sob.: Gr.: Mest.: Conselheiro Cardoso Junior tornando saliente o quanto o coadjuvara o Pod.: Ir.: Conselheiro Dr. Joaquim Saldanha Marinho, em quem sempre encontrou a maior boa vontade e ardentes desejos para a unificação da Familia Maçonica. Tomando a palavra o Pod.: Ir.: Conselheiro Dr. Saldanha Marinho eloquentemente aconselhou --- constancia na União.

Oraram ainda os RResp.: e Ill.: IIr.: Coronel Francisco Manoel da Cunha Junior, Gr.: Orad.: do Gr.: Or.: , Octaviano Hudson, em nome das AAug.: LLoj.: Liberdade e Sete de Setembro; Dr. Figueiredo de Magalhães, Tomás Alves, Luiz Alves Macedo, Antônio José de Souza, Guedes Guimarães e Domingos dos Santos, em nome da Aug.: Loj.: Amparo da Virtude. O Resp.: e Ill.: Ir.: Dr. Feital recitou uma poesia.

Applaudida entusiasticamente a União e os oradores, terminou a solemnidade ás 10 horas da noite, ao som do hymno maçonico cantado pelo Resp.: Ir.: 33 Hermenegildo Nunes Cardoso e acompanhado por todos os MMaç.: prezentes”.

Esse relato da histórica sessão em que houve a união entre o Grande Oriente do Brasil do Lavradio e a Obediência dissidente criada por Saldanha Marinho, foi publicado no Boletim Oficial do Grande Oriente do Brasil, ano 11, número correspondente a dezembro de 1882 e publicado em janeiro de 1883, o que possibilitou a inserção da reportagem.

A dissidência surgira depois de uma eleição realizada no Grande Oriente do Brasil, a 7 de julho de 1863, porque o grupo de Joaquim Saldanha Marinho queria fazer válidos os votos dos membros honorários. As muitas irregularidades fizeram com que a eleição fosse anulada, sendo realizada outra, a 14 de agosto. A oposição, inconformada, tentou, por todos os meios, anular o pleito, o que fez com que o Grão-Mestre, marquês de Abrantes (Miguel Calmon du Pin e Almeida), renunciasse ao cargo, a 25 de agosto, sendo substituido pelo Grão-Mestre Adjunto, Bento da Silva Lisboa, o barão de Cayru.

A 25 de novembro do mesmo ano, em sessão tumultuada pelos elementos da oposição, Cayru era aclamado --- diante das circunstâncias --- Grão-Mestre do Grande Oriente. Saldanha, diante disto, reuniu as Lojas Comércio, Caridade, Estrela do Rio, Silêncio, 18 de Julho, Imparcialidade e Filantropia e Ordem, com as quais consumou a cisão, criando uma

2 Mais um pequeno lapso: sólio e trono são sinônimos, podendo, eventualmente, haver uma pequena diferença, quando se toma o sólio como o assento ou trono pontifício e o trono como o assento real, o que não é o caso presente. Aparentemente, o redator designou como sólio o conjunto de lugares junto ao Altar, tendo, o Grão-Mestre, tomado lugar no trono, que é como é chamada a cadeira do presidente da sessão, no Rito Escocês Antigo e Aceito. Isso, por sinal, configura outra falha, já que, em qualquer sessão oficial da Obediência, o rito é o Moderno, o primeiro utilizado pelo Grande Oriente do Brasil, quando de sua criação. 3 Ramo de júbilo não quer dizer que exista uma flor, ou uma planta chamada júbilo. Significa, apenas, que foi ofertado um ramo de flores para expressar o júbilo, o grande contentamento, pela ocasião. A expressão, inclusive, era corriqueira na época, embora possa, hoje, parecer estranha.

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Obediência, que, como se julgava o legítimo Grande Oriente, tomou o mesmo nome: Grande Oriente do Brasil, acrescentando, porém, a expressão “do Vale dos Beneditinos”, em alusão ao local em que se instalou, no Rio de Janeiro.

Em 1869, eram iniciadas gestões no sentido de reunificar as duas Obediências, por interferência da Maçonaria portuguesa, que, em outubro daquele ano, realizara a fusão do Grande Oriente Lusitano com o Grande Oriente Português, daí resultando o Grande Oriente Lusitano Unido. Como o G.O. Lusitano tinha tratado de amizade e mutuo reconhecimento com o G.O. dos Beneditinos, enquanto que o G.O. Português tinha o mesmo tratado com o G.O. do Lavradio, a unificação deles criou uma situação de mal-estar, fazendo com que os maçons portugueses pressionassem os brasileiros, para que estes imitassem as Obediências portuguesas.

Formadas as comissões para tratar do assunto, em 1870, os trabalhos delas se estenderam até 1871. A 20 de maio de 1872, eram realizadas sessões extraordinárias de ambas as Obediências, para tratar mais ativamente da fusão. A 29 de maio, eram aprovados os termo do acordo e, a 4 de junho, resolveu-se tratar da organização de um Grande Oriente Unido, sendo eleita uma administração provisória, para a transição. O Grão-Mestre do Grande Oriente do Lavradio, empossado em março de 1871, era o visconde do Rio Branco, enquanto que no dos Beneditinos, Saldanha continuava o primeiro e único.

A 7 de agosto eram realizada a eleição para o Grão-Mestrado da Obediência unificada, com o seguinte resultado: Saldanha Marinho, com 182 votos; Rio Branco, com 181; e Caxias, com 3. Como a Constituição Provisória exigia maioria absoluta de votos, houve novo pleito, a 17 de agosto, quando Rio Branco recebeu 165 votos, contra apenas 14 contrários, entre votos para Saldanha, brancos e nulos. Com o protesto dos partidários de Saldanha, inconformados com o resultado, a eleição foi anulada e marcada outra para 4 de setembro. Esta, realizada em ambiente de tumulto generalizado e flagrantemente fraudulenta, computou 220 votos para Saldanha, contra 190 para Rio Branco.

O baixo nível da eleição comprometia, profundamente, a fusão ; isso acabou fazendo com que Rio Branco reassumisse o Grão-Mestrado do Lavradio e declarasse nula a fusão, a 14 de setembro de 1872. Depois disso, Saldanha também reassumia a Obediência por ele criada, agora com o título de Grande Oriente Unido do Brasil --- que seria o título depois da fusão --- apesar da união não se ter concretizado. E a situação perduraria até 18 de janeiro de 1883.

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1907: O Testamento de Quintino Bocaiuva

José Castellani

Podendo suceder que eu faleça repentinamente, ou em condições de não poder exprimir as minhas últimas vontades, deixo escritas estas instruções, cuja execução recomendo às pessoas de minha família e cujo cumprimento rogo às pessoas estranhas, entre as quais, por acaso, eu venha a falecer.

Desejo ser sepultado no cemitério mais próximo do lugar onde eu faleça, sem honras civis ou religiosas de nenhuma espécie.

Se eu falecer na cidade do Rio de Janeiro e na minha residência habitual, desejo ser enterrado no cemitério de Jacarepaguá. Se eu falecer em Pindamonhangaba, deve o meu corpo ser sepultado no cemitério dessa cidade.

A condução do meu corpo, neste caso, deve ser feita por camaradas da fazenda de Santa Helena (seis ou oito), a cada um dos quais se abonará a gratificação de dez mil réis.

Desejo ser sepultado em cova rasa, sobre a qual não se fará lápide ou qualquer outro símbolo material, que recorde a minha existência.

Em nenhuma hipótese, faleça eu onde falecer, o meu corpo será embalsamado ou conservado por qualquer outro processo.

Minha família não fará anúncio ou convites para o meu enterro, nem tampouco mandará dizer missas por minha alma, conforme o estilo comum.

Na minha qualidade de maçom e livre pensador, não tenho direito aos sufrágios da igreja católica romana.

Penso ter sido intimamente cristão e suponho que o cristianismo, na sua pureza de origem, é ainda um ideal afastado da humanidade nos tempos que correm.

O meu enterro deve ser decente, mas singelo --- não quero armação de eça na minha casa, nem encomendação de nenhum padre, ainda que algum se ofereça para isso.

Findo o prazo legal, os meus despojos devem ir para o ossuário comum.

Mais ou menos, é este o resumo das minhas disposições testamentárias.

Rio de Janeiro, julho de 1907 Q. Bocaiuva

(em ortografia moderna)

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Quntino Bocaiúva, nascido a 4 de dezembro de 1836, em Itaguai (RJ), foi jornalista, político e um dos maiores nomes do movimento republicano brasileiro. Seu nome de batismo era Quintino de Sousa Ferreira; todavia, na época em que estudava Direito em S. Paulo, ele adotou um nome nativista --- prática em voga, na época --- passando a Quintino de Sousa Bocaiúva e, depois, simplesmente a Quintino Bocaiúva (bocaiúva é uma espécie de coqueiro brasileiro, também chamado de macauba e coco-de-catarro).

Matriculado na Faculdade de Direito de São Paulo, no curso de Humanidades, em 1851, iniciou sua carreira jornalística como tipógrafo, redator e revisor do “O Ipiranga”, jornal do Partido Liberal. Na mesma época em que ingressou na Faculdade, foi iniciado maçom, através da Loja Piratininga, de São Paulo, apesar de não ter a idade regulamentar (fato comum na época e acontecido, também, por exemplo, com Ruy Barbosa e Joaquim Nabuco).

Radicado, posteriormente, no Rio de Janeiro, teve brilhante trajetória na imprensa, primeiro no “Diário do Rio” e, depois, no “Correio Mercantil”. Em abril de 1864, ele aparece como um dos instaladores da Loja Segredo, pertencente ao Grande Oriente do Vale dos Beneditinos, liderado por Joaquim Saldanha Marinho. Em junho do mesmo ano, era admitido como membro do quadro da Loja Comércio, do mesmo círculo. Essa dissidência criada por Saldanha Marinho iria chegar ao fim em janeiro de 1883, quando suas Lojas foram integradas, ou reintegradas ao Grande Oriente do Brasil.

Em 1870, Quintino foi o redator do famoso manifesto republicano, publicado no primeiro número do jornal “A República”, que viria a ser empastelado em 1873. Em 1874, fundou o “O Globo” e, em 1884, o “O País”, tendo, este último, exercido grande influência na campanha republicana. Por sua atuação na imprensa, ele foi cognominado, por seus contemporâneos, “o Príncipe dos Jornalistas Brasileiros” 1.

Tão grande era o seu prestígio, como líder republicano, em todos os meios, inclusive no militar, que, na madrugada de 15 de novembro de 1889, Quintino cavalgou ao lado de Deodoro da Fonseca, como único civil a participar, ativamente, do capítulo final do movimento republicano, com a queda do Segundo Império. Implantada a República, ele ocupou o Ministério do Exterior, durante o Governo Provisório.

No Grande Oriente do Brasil, Quintino foi eleito Grão-Mestre Adjunto, em 1897. Eleito presidente do Estado do Rio, tomou posse a 31 de dezembro de 1900 e estava no cargo quando foi eleito Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, em fevereiro de 1901, tendo sido empossado em junho e tendo, como Adjunto, Henrique Valadares. Foi durante o seu mandato que começaram a ser implantados os Grandes Orientes Estaduais federados, de acordo com a Constituição sancionada pelo Decreto No. 179, de 31 de dezembro de 1900, a qual facultava essa implantação. O primeiro foi o de São Paulo, autorizado a funcionar, através do Decreto No. 195, de 1o. de outubro de 1901, e regularmente instalado a 24 de junho de 1902.. A 21 de junho de 1904, Quintino entregava o malhete de supremo mandatário da Maçonaria brasileira ao senador e general Lauro Sodré.

Em 1909, foi eleito senador da República, vindo a falecer a 11 de julho de 1912, no Rio de Janeiro, no atual subúrbio que tem o seu nome. Morreu em um ambiente de pobreza, no qual sempre viveu, pois jamais se locupletou com os cargos que exerceu.

O seu testamento é de uma absoluta coerência com o seu modo de ser, durante toda a sua vida: homem simples, rejeitou qualquer pompa em seus funerais; espiritualista, rejeitou qualquer símbolo material, que, sobre sua cova, recordasse sua existência; filho de uma época de intolerância religiosa, entendia que a pureza da doutrina cristã ainda estava longe de ser alcançada pela humanidade, exatamente em decorrência do radicalismo do clero da época; com a dignidade e a coragem de se declarar, sem subterfúgios, maçom e livre pensador, rejeitou os sufrágios da Igreja, numa época em que muitos ocultavam sua qualidade maçônica e procuravam as benesses do clero, como passaporte seguro para o reino dos céus 2.

1 Apesar da queda da monarquia, os brasileiros continuaram com fumaças de nobreza --- “príncipe dos jornalistas”, “príncipe dos poetas” --- hábito existente até hoje, com os “reis” e “rainhas” de esportes, da música, da agricultura, da pecuária, etc. , num anacronismo piegas de um povo e de uma mídia à procura de mitos, para exercer a sua idolatria. 2 Vale, a bem da verdade, esclarecer que, no Brasil, durante todo o século XIX, centenas de membros do clero católico foram maçons. As relações entre Igreja e Maçonaria, apesar das condenações papais --- por motivos políticos --- que vinham desde o século XVIII, só começaram a azedar, realmente, a partir do pontificado de Pio IX , principalmente com a bula “Multiplices Inter Machinationes”, pronunciada durante o Consistório de 25 de setembro de 1865, e com a reação do papa à unificação da Itália, de 1870, a qual reduziu o seu poder político e material; no caso específico do Brasil, o caldo entornou com a Questão Religiosa de 1872, querela de caráter político entre a Igreja e o Estado, na qual a Maçonaria, inadvertidamente, foi envolvida.

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A Criação do Grande Capítulo do Rito York O Tratado de 1912 com a Grande Loja da Inglaterra

José Castellani

DECRETO No. 478

Lauro Sodré, Grão Mestre da Ordem Maçonica no Brasil;

Faz saber a todos os maçons e officinas da Federação que a Sob.: Assembléa Geral adoptou, na sess.: realisada a 21 de novembro findo, a seguinte

RESOLUÇÃO

Art. 1o. - Fica creado, no Or.: do Pod.: Centr.:, o Gr.: Cap.: do Rito de York, ao qual se subordinarão, liturgicamente, todas as lloj.: desse rito actualmente existentes no Brasil e as que de futuro fôrem fundadas.

Art. 2o. - O Gr.: Cap.: do Rito de York terá as mesmas attribuições que a Const.: e o Reg.: Ger.: da Ord.: conferem ás GGr.: OOff.: chefes de Rito, além das que lhe dá o accôrdo celebrado entre o Gr.: Or.: do Brasil e a Gr.: Loj.: Unida da Inglaterra.

Art. 3o. - De conformidade com o art. 58 e seu parag. 1o. da Const.:, esse Gr.: Cap.: se comporá de 33 membros effectivos, inclusive as altas DDig.: da Ord.: , dos quaes 7 serão nomeados pelo Sob.: Gr.: Mestr.: . Constituido assim provisoriamente o Cap.:, este elegerá então os outros 21 membros effectivos, procedendo-se depois á installação dos seus trabalhos.

O Pod.: Ir.: Gr.: Secr.: Ger.: da Ord.: Int.: encarregar-se-á da notificação e publicação deste decreto.

Dado e traçado na Gr.: Secretaria Ger.: da Ord.:, na cidade do Rio de Janeiro, no 1o. dia do 10o. mez do anno de 5913, V.: L.: --- 1o. de Dezembro de 1913, E.: V.: .

(ass.) Lauro Sodré 33 - Gr.: Mestr.: da Ord.:

Raymundo Floresta de Miranda 33 - Gr.: Secr.: Ger.: da Ord.: Int.:

A.O. de Lima Rodrigues - Gr.: Chanc.: ad hoc

Esse Decreto era o corolário do Tratado assinado entre o Grande Oriente do Brasil e a Grande Loja Unida da Inglaterra, no Rio de Janeiro, a 21 de dezembro de 1912.

Já havia, nessa época, um certo descontentamento entre os maçons de origem inglesa residentes no Brasil, os quais pretendiam ter Lojas do Rito, que trabalhassem segundo a orientação litúrgica da Grande Loja Unida da Inglaterra. Diante das súplicas desses obreiros, o Grão-Mestre da Grande Loja, o duque de Connaught, enviou uma missão ao Brasil, cujo objetivo era, se possível, obter o consentimento do Grande Oriente, para o estabelecimento de uma Grande Loja Distrital, no Brasil, colocada sob a Constituição inglesa; e, caso isso não fosse possível, que, pelo menos, fosse achada uma maneira de satisfazer aos anseios dos referidos obreiros ingleses.

Diante do êxito parcial da missão - já que a Grande Loja Distrital só se concretizaria em 1935 - foi assinado o tratado, que, redigido em português e inglês, estabelecia:

"O Grande Oriente do Brasil, representado pelo seu Grão Mestre Senador Lauro Sodré e Grande Secretario Geral Capitão Pedro Muniz, e a Grande Loja Unida da Inglaterra, representada pelos RResp.: IIr.: Lord Athlumney, F.H. Chevallier Boutell, H. Passmore Edwards, P. Tindal Robertson e J.J. Keevil, accordaram o seguinte:

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Em vista das representações que á Grande Loja Unida da Inglaterra foram feitas a respeito da situação dos maçons no Brasil, que falam inglez, e querendo o mesmo Grande Oriente conservar inabalavel a velha e fraternal amizade, que sempre o uniu áquella Grande Loja, resolveu permittir, de accôrdo com o artigo 63 da Constituição, que seja creado um Grande Capitulo do Rito de York, com patente e sob a obediencia do Grande Oriente do Brasil.

Desde logo ficarão subordinadas a esse Grande Capitulo as seguintes sete Lojas do Rito de York:

Eduardo VII, ao oriente do Pará, Saint George, ao oriente do Recife, Duke of Clarence, ao oriente da Bahia, Eureka No. 3, ao oriente do Poder Central, Wanderers, ao oriente de São Paulo, Unity, ao oriente de São Paulo, Morro Velho, ao oriente de Minas Gerais

Esse Grande Capitulo será autoridade suprema, em materia liturgica, para todas as Lojas do Rito de York, actualmente existentes no Brasil e para aquellas que de futuro forem creadas.

D’ora em deante todas as Lojas do Rito de York, que se fundarem no Brasil, só poderão funccionar com autorisação do Grande Capitulo e as suas patentes serão por elle expedidas e assignadas pela administração do Grande Oriente do Brasil, nos termos da Constituição e leis deste Grande Oriente.

O Grande Capitulo se comporá de 33 membros effectivos, dos quaes 28 serão eleitos dentre os maçons pertencentes ás Officinas do Rito e 5 serão o Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil, o Grão Mestre adjunto, o Grande Secretario Geral da Ordem, o Grande Thesoureiro e o Grande Chanceller, que terão voto em todas as deliberações tomadas pelo Capitulo.

O Grande Capitulo terá direito de confeccionar o seu regulamento particular que só entrará em vigor depois de approvado pelo Conselho Geral da Ordem, devendo toda e qualquer alteração nelle introduzida ser submettida á approvação do referido Conselho.

O referido regulamento será obrigatorio para todas as Lojas do Rito de York existentes no Brasil e não poderá contrariar disposição alguma da Constituição e Regulamento Geral do Grande Oriente do Brasil, modelando-se, no entretanto, pelos principios liturgicos que regem a Grande Loja Unida da Inglaterra.

Annualmente o Capitulo apresentará ao Grão Mestre uma lista triplice de irmãos do seu quadro, dos quaes este escolherá um para seu delegado com o fim especial de fiscalisar as Lojas do Rito.

As actas do Capitulo serão escriptas em portuguez e inglez e toda a correspondencia, que só ser;a recebida e expedida pelo Grande Secretario Geral da Ordem, será traduzida para o portuguez.

Em troca desta concessão a Grande Loja Unida da Inglaterra compromette-se a conceder ao Grande Oriente do Brasil, quando este o solicitar, egual favor em relação aos maçons que falam a lingua portugueza e se acham sob a jurisdicção da mesma Grande Loja.

Grande Oriente do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, 21 de Dezembro de 1912, E.: V.: .

A Commissão Ingleza

(assignados) Lord Athlumney Lauro Sodré,

P.G.W. England Grão Mestre - F.H. Chevallier Boutell D.G.M.A. Pedro Muniz, Gr.: Secr.: Ger.: da Ord.: H. Passmore Edwards P.G.D. England - P. Tindal Robertson P.B. G.S. England

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1917: Everardo Dias, Maçom e Líder Operário

José Castellani

Nascido na Espanha, Everardo Dias veio cedo para o Brasil, pois seu pai, prof. Antônio Dias, maçom, envolvido num fracassado levante armado, para a implantação da república em seu país, conseguiu, auxiliado pelos maçons, embarcar e chegar a S. Paulo com uma carta de apresentação dirigida ao Irmão Martinico Prado, um dos líderes republicanos brasileiros.

As primeiras letras, ele aprendeu com os pais e, ao atingir a idade regulamentar exigida, em 1888, foi matriculado em escola primária. Ao chegar aos 13 anos de idade, aprendeu o ofício que seu pai exercia --- além do magistério primário --- o de tipógrafo, ingressando, depois, como meio oficial, no jornal O Estado de São Paulo, onde permaneceu até completar os seus estudos na Escola Normal da Praça da República.

Diplomado, conseguiu cadeira num longínquo lugarejo do Estado de S. Paulo --- Aparecida de Monte Alto --- que ficava a três léguas da cidade de Monte Alto. Lá residia um velho maçom de origem italiana, Vicente Picarelli, que fora iniciado e militara na Maçonaria argentina e que, ao vir para o Brasil, não descansou enquanto não criou uma Loja em Aparecida do Monte Alto. Nessa Loja, criada sob o título de “Filhos do Universo”, do Grande Oriente Estadual de S. Paulo, é que Everardo foi iniciado, em junho de 1904, logo depois da fundação da Oficina.

Depois de um ano em Aparecida, regressou a S. Paulo e, como não conseguiu sua transferência para a Capital, abandonou o magistério e regressou ao jornalismo. Matriculou-se, depois, na Faculdade de Direito de S. Paulo, onde só fez o primeiro ano, pois dificuldades financeiras o impediram de continuar os estudos; anos depois, iria conseguir o seu certificado pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro. Em S. Paulo, filiou-se, inicialmente, à Loja União Espanhola, onde possuia muitos amigos; lá, recebeu o grau de Cavaleiro Rosa-Cruz em março de 1906. E, a 3 de maio de 1908, ingressava na Ordem e Progresso, onde, em 1910, ocuparia o seu primeiro cargo administrativo: o de 2o. Vigilante.

Esses eram anos de grande efervescência política mundial, à qual a Ordem maçônica não ficara indiferente. No plano internacional, saira-se da revisão do rumoroso e apaixonante processo Dreyfus, em que ficara provada a inocência desse oficial do exército francês, vítima dos fascistas da época, que dominavam o Estado-Maior e eram aliados aos grupos reacionários existentes em todas as nações da Europa, principalmente nas monarquias, os quais conspiravam contra o regime republicano francês. Nomes como Waldeck-Rousseau, Combes e Clemenceau pontificavam na defesa da República Francesa, fazendo com que os liberais do mundo inteiro apoiassem a sua luta e o desassombro com que expulsaram do país os grupos políticos e congregações religiosas, acusados de conspirar contra o Estado.

O governo brasileiro, com Rodrigues Alves, conservador e clericalista, abriu as portas a esses elementos indesejáveis, o que provocou o protesto dos verdadeiros e intransigentes republicanos, veementes debates no Congresso Nacional e o repúdio do Grande Oriente a essa onda imigratória. Também a crise política brasileira atingia grau de pressão intolerável, resultando no levante da Praia Vermelha, liderado pelo senador Lauro Sodré --- Grão-Mestre do Grande Oriente --- e pelo general de divisão Silvestre Travassos, comandante da 1a. Região Militar. Sufocado o levante, Travassos morreu e Sodré foi preso a bordo de um navio de guerra, apesar de suas imunidades parlamentares. Dizia-se que ele seria submetido ao conselho de guerra e que, como militar, poderia ser fuzilado. Isso mobilizou deputados e senadores maçons e causou protestos das Lojas, encaminhados ao Congresso, até que fosse apresentado, por Ruy Barbosa, no Senado, e por A. Moreira da Silva, na Câmara, o projeto de anistia aos envolvidos no levante, o qual foi aprovado, apesar da pressão do governo.

Enquanto isso, um projeto-de-lei do deputado Medeiros e Albuquerque procurava cercear a entrada, no país, dos elementos indesejáveis, expulsos da Europa. As Lojas, apoiando as medidas saneadoras, transformavam-se em cátedras de civismo, de

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liberdade de consciência e de defesa da lei. No Grande Oriente Estadual de S. Paulo, com a ascenção, ao Grão-Mestrado, do lider republicano Pedro de Toledo, essa orientação tomou força, sendo organizado um programa de conferências no Estado. Everardo Dias, por sua evidência, foi incumbido de diversas palestras, onde, como professor de História Geral em colégios, partia para a interpretação dos fatos históricos, tirando as lições necessárias àquilo que queria expor.

Encarando a História sob os pontos de vista filosófico, político, econômico e social, abordava a messe dos estóicos da Antigüidade, de Zênon a Sêneca, de Epiteto a Marco Aurélio; dos humanistas da Renascença, de Erasmo a Damião de Góes, de Montagne a Descartes, de Dante a Moliére, de Cervantes a Swift; dos reformadores, de João Huss a Giordano Bruno; dos utopistas, como Thomas Morus e Campanella; dos pensadores, economistas e filósofos do século XVIII, os enciclopedistas, como Diderot, Voltaire, Rousseau, D’Alembert, Necker, Turgot e outros, maçons, em sua maioria. Foi nessa época que ele adquiriu fama de anticlerical, porque responsabilizava a Igreja de Roma pelo estancamento anterior, que levara ao ódio à razão e exaltara a ignorância como sinal de perfeição espiritual e a certeza de ganhar o reino dos céus.

Em sua pregação, Everardo não se limitou à capital --- sob a égide das Lojas Amizade, Ordem e Progresso, União Espanhola, Fidelidade e Firmeza, e outras --- e ao interior do Estado, indo, também, aos Estados do Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais. Nem sempre as palestras públicas terminavam em calma, pois elementos provocadores eram enviados aos locais do acontecimento, pelos grupos atingidos, ou, então, estes pressionavam os proprietários de salões, para que eles não os cedessem, ou alugassem aos maçons. Everardo, todavia, nessa época, assumia, como lema de sua luta, o pensamento de Vitor Hugo: “Abrir escolas é fechar cadeias, dar instrução ao povo é abolir os crimes”. Defendendo, também, em suas palestras, a emancipação feminina, ele traduziu o livro de Vitor Marguerite, “La Garçone”, que havia produzido grande escândalo na França. Com sua atividade cultural, ele dava a sua contribuição ao progresso moral, intelectual e social do país.

Além de sua atividade cultural, foi membro da Assembléia Estadual Legislativa do Grande Oriente de 1912 a 1919, como representante das Lojas Perseverança III, de Sorocaba, União Espanhola, da capital, e Deus, Justiça e Caridade, de Pederneiras. De 1916 a 1918, fez parte do Tribunal de Justiça Estadual. Em 1918, foi eleito Grande Secretário Adjunto do Grande Oriente Estadual, tendo Leonel Monteiro como titular. Fez parte, também, do Conselho Estadual, onde exerceu diversos cargos, de 1956 a 1961. Foi fundador, em 1921, da Respeitável Loja de Perfeição Segredo, do Rio de Janeiro --- o Poder Central --- instalada com a finalidade exclusiva de difundir, em todas as Lojas da Federação, os conhecimentos indispensáveis aos maçons --- usos e costumes, jurisprudência, simbologia, liturgia, etc. --- através de uma doutrinação contínua e persistente. Com os acontecimentos do Poder Central, em 1921, redundando numa dissidência paulista, que criou o Grande Oriente de São Paulo, essa iniciativa cultural iria abortar.

Nesse ínterim, é que Everardo, atuando, politicamente, ao lado dos trabalhadores de S. Paulo, fora preso, acusado de subversão da ordem pública e expulso do país. Seu crime? Foi, simplesmente, seguir o postulado da doutrina, sempre seguida, no país, desde Lauro Sodré: “O direito de rebelião contra atos do poder arbitrário, é um direito dos povos”. Ele tomou a defesa de trabalhadores, que pediam melhoria em seus salários, um direito legítimo, que representa a defesa da família e, portanto, o futuro da Pátria, ao qual a Maçonaria não pode ficar alheia. Como político que era, fez parte de uma facção discrepante da política oficial, dirigida pelo Partido Republicano Paulista (PRP), ao lado de Pedro de Toledo. Seus artigos, polêmicos, lhe traziam inimizades e rancores; por diversas vezes ele escapou de agressões e ciladas. Batalhou contra a reforma da Constituição de 1891, que considerava perfeita e inatacável; quando, aproveitando uma dissenção no PRP, seus companheiros aderiram ao governo, passando a ocupar altos postos na administração estadual, ele, apesar de instado, recusou, com altivez, mantendo coerência com seus princípios morais e éticos.

Tornou-se, aí, mais radical, passando a fazer parte de um Partido Operário, que pretendia fazer um governo ao lado do proletariado. Foi um dos propagadores da greve de 1917, que paralisou o Estado; seus artigos e comícios iam fazendo com que seu prontuário policial ficasse volumoso. Em 1919, durante outra greve reivindicatória de funcionários da Light, da construção civil, de têxteis, de metalúrgicos e de ferroviários, Everardo foi responsabilizado pelo movimento, preso, esbordoado, martirizado com violência, metido num navio com outros líderes operários e expulso do país. Esse fato colocou à mostra o carater bestial com que a polícia agia nos casos de greve, fazendo com que, no Congresso Nacional, a voz eloqüente e desassombrada do maçom e deputado Maurício de Lacerda (pai de Carlos Lacerda), unida à de outros deputados independentes, tomassem a defesa de Everardo e das demais vítimas. No âmbito maçônico, a Loja América destacou-se em sua defesa. E, no Grande Oriente Estadual, o deputado e Grão-Mestre recém-empossado, José Adriano Marrey Júnior, acompanhado do senador e maçom Luis de Toledo Piza, da Loja América, foi ao palácio entender-se com o

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governo estadual, conseguindo a desaprovação da atitude policial e a revogação da expulsão. Ao retornar, Everardo foi saudado em todos os portos, pelos maçons e pelos membros das organizações proletárias; ao chegar ao Rio de Janeiro, o Grande Oriente do Brasil, em sessão magna, prestou-lhe homenagens.

Quando do levante de 1922, ele foi visado, porque montara um comitê pró Nilo Peçanha, que era candidato à presidência da República, contra Arthur Bernardes. Foi preso, levado ao cárcere da ilha das Cobras e, daí, à fortaleza de Santa Cruz, enquanto o senador e ex-Grão-Mestre do GOB, Nilo Peçanha, era preso, sob palavra, em sua residência. Ao estourar a revolta de 1924, com o levante de forças do Exército e da Força Pública, em S. Paulo, e de guarnições do norte, Everardo, que fora libertado e estava no Rio de Janeiro, era novamente preso e enviado para os campos de concentração existentes nas ilhas distantes da costa brasileira, onde ficou encarcerado vários anos, principalmente na ilha das Flores.

Em 1927, posto em liberdade, voltou ao seio da família, com a saude abalada e as finanças destroçadas, pois, sendo, em 1924, dono de uma livraria e editor de obras de crítica, de História e de Filosofia, teve todo o seu patrimônio removido para os porões do edifício da polícia. E de nada adiantou apelar à Justiça, pois o confisco fora feito durante o estado de sítio, implantado por Arthur Bernardes, quando os direitos dos cidadãos eram postergados. Por isso, voltou ao jornalismo, como membro do corpo redatorial do Diário Nacional, jornal recentemente fundado, como orgão do Partido Democrático, o qual tinha, como diretor, Marrey Júnior; e ali permaneceu até ao fim da publicação, após a Revolução de 1932.

Mesmo se dedicando ao jornalismo, Everardo era constantemente vigiado pela polícia, que o detinha por qualquer motivo e invadia, constantemente, a sua casa. Era duro, no final da década dos vinte, ser oposição no Brasil! Por isso, quando do golpe de 1930, ele apoiou os insurgentes. Antes disso, ele tivera que fugir de São Paulo, para não ser novamente preso; e foi uma fuga difícil, porque todas as estradas, rodoviárias e ferroviárias, eram vigiadas pela polícia política. Após a vitória do movimento de 1930 e apesar dele tê-lo apoiado, sua situação não mudou, pois continuava vigiado pela polícia. A Revolução de 1932 colheu-o à testa da redação do Diário Nacional, cuja ação foi importantíssima na preparação desse movimento cívico, esmagado pela força e pela corrupção.

Em 1935, ocorria o levante comunista, promovido pela Aliança Libertadora Nacional. E, embora não houvesse nenhuma prova de seu envolvimento no levante e nem houvesse, em S. Paulo, qualquer tentativa de perturbação da ordem pública, ele foi preso e penou quase dois anos nas prisões do Estado, até ser absolvido pelo Tribunal de Segurança Nacional, depois de ter sido defendido, no Congresso Nacional, pelo deputado Café Filho. Voltou, então, so seu trabalho, com as finanças arrasadas, documentos desaparecidos e sua casa destruida, tendo que reconstruir tudo.

Foi depois desse agitado período e já com sua vida regularizada, que Everardo voltou à atividade maçônica, batendo à porta da Loja Ordem e Progresso, que o acolheu com carinho fraternal. Nela, nessa fase calma de sua vida, ele foi, em diversas ocasiões, Venerável Mestre, Vigilante e Orador. Foi autor das obras maçônicas Semeando, À Sombra da Acácia e, em colaboração com Octaviano Bastos e Optato Carujuru, do Livro Maçônico do Centenário; escreveu, também, livros sobre a sua luta político-social. Foi redator e diretor do Boletim Oficial do Grande Oriente de S. Paulo e dos jornais Folha de Acácia e Mensageiro Romano. Faleceu em 1966. E, a 4 de abril desse mesmo ano, perpetuou-se na memória maçônica, através da fundação da Loja Everardo Dias, hoje com 30 anos de existência.

O lema de sua vida pode ser resumido numa frase, pinçada de uma de suas obras: “Lutar? Por que, para que? Sempre tem porque e para que lutar os que fazem da vida uma afirmação e colocam o porvir do homem na Terra”.

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1922: Um Documento do Centenário do Grande

Oriente do Brasil (ainda a questão do calendário) José Castellani

“1o. - O FICO, pronunciado pelo Principe D. Pedro de Alcantara, Regente do Reino do Brasil, a 9 de Janeiro de 1822 da E.: V.:, 20 do XI mez do anno de 5821, da V.: L.:1 ;

2o. - A aceitação do titulo de Defensor Perpetuo e Constitucional do Brasil, pelo Principe Regente, a 13 de Maio de 1822, da E.: V.: , 23 do II mez do anno de 5822, da V.: L.:;

3o. - A convocação da Constituinte Brasileira, pelo Principe Regente, por solicitação dos procuradores das Provincias e accordo dos Ministros da Regencia, a 2 de junho de 1822, da E.: V.:, 13 do III mez do anno de 5822, da V.: L.: ;

4o. - Fundação do Grande Oriente do Brasil, com a divisão da Loja “Commercio e Artes” em tres outras Officinas, eleição e posse da administração daquelle e posse dos VVen.: destas, a 17 de Junho de 1822, da E.: V.:, 28 do III mez do anno de 5822, da V.: L.:;

5o. - Iniciação do Principe Regente como maçom, na Loja “Commercio e Artes” a 2 de Agosto de 1822, da E.: V.:, 13 do V mez do anno de 5822, da V.: L.:, donde resultou sua mais intima ligação com a independencia, como se verifica do seu manifesto de 6 do mesmo mez.

6o. - O grito de Independencia ou Morte, dado pelo Principe Regente nas margens do Ypiranga, 7 de Setembro de 1822, da E.: V.:, 18 do VI mez do anno de 5822, da V.: L.:, e a procclamação da independencia votada nas sessões do Grande Oriente do Brasil a 9 e 12 do mesmo mez e por editaes do Senado e da Camara do Rio de Janeiro, de 21 do dicto mez e anno 2;

1 E.: V.: é a abreviatura maçônica de Era Vulgar; e V.: L.: é a abreviatura maçônica de Verdadeira Luz. Era Vulgar é expressão

referente à data do calendário civil (ou “profano”), enquanto que Verdadeira Luz seria a referência ao ano maçônico, muito decalcado nos mitos bíblicos, referentes à criação do mundo. O Ano da Verdadeira Luz é obtido através da soma do número 4.000 ao número de anos da Era Vulgar; assim, 1822 é o ano da V.:L.: 5822.

2 Embora não houvesse ainda surgido, na época, a balela do 20 de agosto, como “o dia em que a Maçonaria resolveu proclamar a Independência”, criada por mistificadores da História e aceita --- sem maiores pesquisas --- por confederação de Grandes Lojas brasileiras, em 1957, para justificar um “Dia do Maçom’, de âmbito estritamente nacional, esse ato acaba, mesmo que sem muito destaque, abordando a data. E é claríssimo, como se pode ver: “a proclamação da independência, votada nas sessões do Grande Oriente, a 9 e 12 do mesmo mês (de setembro)”. E, isso, porque o 6o. mês maçônico tinha início no dia 21 de agosto, o que faz com que o seu 20o. dia, citado na ata do Grande Oriente, seja 9 de setembro; 20 de agosto seria a data correta, se o início do 6o. mês fosse a 1o. de agosto. Mas não era, segundo este e muitos outros documentos.

Por coincidência, quando esse ato foi exarado, o Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil era Mário Behring, o mesmo que, em 1927, a partir de uma dissidência do Supremo Conselho do Brasil para o REAA, criou as Grandes Lojas estaduais brasileiras, que, 30 anos depois, em uma reunião confederativa, iriam inventar essa do “20 de agosto”. E durma-se com um barulho destes!

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7o. - Finalmente, a posse do Principe Regente como Grão Mestre da Maçonaria no Brasil, a procclamação do Imperio e acclamação do Principe a Imperador Constitucional do Brasil e seu Defensor Perpetuo, a 4 de Outubro de 1822, da E.: V.:, 14 do VII mez do anno de 5822, da V.: L.:, e designação do dia 12 do mesmo mez (22-VII-5822) para se tornar publico e official esse acto”.

Esse texto, constou de um Ato, exarado por ocasião das comemorações do centenário da independência do Brasil. E ele foi emitido, exatamente, para acabar com as dúvidas em torno do calendário usado pelo Grande Oriente do Brasil, em 1822, ano de sua fundação. Trata-se, portanto, de mais um documento que mostra qual ele era, na realidade.

Por aí, se pode ver que esse calendário era o equinocial e muito próximo do calendário religioso hebraico --- que regula as festas religiosas --- o qual inicia o ano no mês Nissan, na Lua nova que se segue ao equinócio de março3; o calendário civil hebraico inicia o ano no mês Tishrei, com o Rosh Hashaná (em hebraico, literalmente, “cabeça do ano”), na Lua nova que se segue ao equinócio de setembro.

Assim, o 1o. mês do Ano da Verdadeira Luz começava no dia 21 de março; o 2o. mês, a 21 de abril; o 3o., a 21 de maio; e assim por diante. Fugia, portanto, do calendário mais usado, dito “francês”, o qual principiava o ano a 1o. de março.

Desta maneira, algumas datas podem ser bem estabelecidas, sem ensejar qualquer tipo de contestação. Como, por exemplo: a fundação do Grande Oriente do Brasil a 17 de junho e não a 28 de maio, já que 3o. mês maçônico tinha início no dia 21 de maio e não no dia 1o. ; a iniciação do Príncipe Regente, D. Pedro, a 2 de agosto e não a 13 de julho, já que o 5o. mês maçônico tinha início no dia 21 de julho e não no dia 1o. ; a posse de D. Pedro como Grão Mestre, a 4 de outubro e não a 14 de setembro, pois o 7o. mês maçônico tinha início no dia 21 de setembro e não no dia 1o. .

3 Equinócio é o momento em que os raios solares, incidindo verticalmente sobre o equador, fazem com que o dia e e a noite tenham igual duração, em qualquer lugar da Terra. Os equinócios ocorrem a 21 de março e a 23 de setembro. O primeiro é o equinócio de primavera, no hemisfério Norte, e o de outono, no hemisfério Sul; o segundo é o de outono, no hemisfério norte, e o de primavera, no hemisfério Sul.

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O Movimento de 1964

José Castellani

1. A Renúncia de Jânio Quadros

Jânio Quadros foi maçom, iniciado na Loja Libertas, de São Paulo, em 1946, da qual saiu, ainda como Companheiro, porque, segundo me disse, certa vez, como vereador, na capital paulista, não agüentava mais a fila de Irmãos pedindo favores. Só voltaria à atividade maçônica em 1985 --- quando eleito, mais uma vez, prefeito de São Paulo --- através da Loja Nova Era Paulista, da Grande Loja do Estado de São Paulo, sendo regularizado a 10 de outubro daquele ano. A 6 de junho de 1986, através do placet 13.724, foi, finalmente, exaltado ao grau de Mestre Maçom e, a 24 de dezembro de 1989, desligou-se da Loja, fundando a Luz do Oriente, também da G.L. do Estado de S. Paulo.

Nascido em Campo Grande (MS), em 1917, e falecido em São Paulo, em 1991, radicou-se na capital paulista a partir de 1930, onde se bacharelou, pela Faculdade de Direito, em 1939, e iniciou, em 1947, vertiginosa carreira política, na qual foi, sucessivamente, vereador, deputado estadual, prefeito, governador do Estado e presidente da República. Eleito presidente, para o período 61-66, inaugurou uma nova forma de administração, reformulou a política financeira e implantou uma nova e independente política internacional, cujas maiores conseqüências foram o reatamento de relações diplomáticas com a União Soviética e a manifestação de solidariedade à autodeterminação do povo cubano, contrariando a orientação norte-americana. Esses fatos, que provocaram reação das alas direitistas e que não passaram em branco nos órgãos de informação dos Estados Unidos, talvez tenham precipitado a sua queda, efetivada com a renúncia de 25 de agosto de 1961, por motivos não explicados, na época, mas abordados, bem posteriormente, pelo menos perante um pequeno grupo de pessoas mais chegadas, os quais, vistos à distância, são pertinentes : como ele se irritava com a oposição do Congresso, que o impedia, praticamente de governar, a renúncia fora um golpe estratégico que não deu certo, em decorrência de um mau assessoramento, ou de um erro de cálculo do ministro Pedroso Horta, do círculo íntimo de Jânio, o qual previra uma demora da discussão da renúncia, no Congresso --- e a aprovação foi imediata, graças ao presidente da casa, Auro de Moura Andrade, que passava por governista, mas puxou o tapete de Jânio --- o que faria com que o presidente pudesse voltar ao cargo, por pressão das instituições e do povo, executando as reformas político-sociais, que o Congresso insistia em bloquear (como acontece até hoje, por sinal). A idéia, que não deu certo, era voltar fortalecido, pelo aval popular, e governar sem o Congresso.

2. O Parlamentarismo

Desencadeada a crise política, o governo foi entregue a Pascoal Ranieri Mazzilli, já que o vice-presidente João Goulart estava em viagem pela Ásia. Mas os ministros militares, considerando perigosa a entrega do governo a Goulart, pediam, ao Congresso, a declaração de seu impedimento. Seguiram-se alguns dias de apreensões, com vários segmentos da sociedade defendendo a intangibilidade do mandato do vice-presidente. O Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, Cyro Werneck de Souza e Silva (paulista de Jaú), manifestou-se, publicamente, pelo respeito à Constituição, com a conseqüente posse de Goulart. Finalmente, depois de 10 dias, encontrou-se a solução política, com a aprovação, pelo Congresso, do Ato Adicional à Constituição, o qual instituía o regime parlamentarista, tirando os poderes do presidente. O primeiro chefe de Gabinete ministerial foi Tancredo Neves, obscuro, como administrador, mas hábil em costurar acordos políticos ; com a queda deste, foi indicado o culto e sagaz político Santiago Dantas, que seria recusado, talvez por sua participação na Conferência de Punta del Este, cuja principal resolução fora a exclusão de Cuba do programa de ajuda, com o bloqueio econômico da ilha,

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onde fora implantado o regime comunista de Fidel Castro. Foram, então, guindados à chefia, em rápida sucessão, Brochado da Rocha e Hermes Lima, mas, diante do emperramento do mecanismo de administração federal, a Câmara Federal aprovava, a 15 de setembro de 1962, projeto de lei que estabelecia o dia 6 de janeiro de 1963, para a realização do plebiscito, que escolheria o sistema de governo. Neste, por grande maioria, venceu o parlamentarismo e Goulart assumiu com todos os poderes assegurados pela Constituição de 1946.

3. O Golpe de 1964

Fortalecido pelo plebiscito, Goulart propunha, ao Congresso, várias reformas de base --- agrária, fiscal, política e universitária), que, embora reconhecidas como necessárias, pela maioria oposicionista no Congresso, suscitavam discordâncias, pela maneira como seriam feitas, principalmente a agrária, pois o governo queria pagar as desapropriações com títulos da dívida pública e ínfimo índice de correção monetária. O estopim da crise iria ser aceso a 13 de março de 1964. Nesse dia, sob estímulo do presidente, era realizada uma concentração de trabalhadores, na praça Cristiano Otoni, em frente à estação da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, onde se proclamava, em clima de pré-rebelião, a legitimidade das pressões sobre o Congresso Nacional, o qual já vinha sendo abertamente pressionado por órgãos políticos e sindicais, manobrados por forças radicais de esquerda, com o total apoio do governo. E o ápice da crise seria atingido, quando, abandonando a tática conciliatória, o presidente partiu para o desafio, consubstanciado na não punição dos líderes de uma revolta de marinheiros e no discurso dirigido aos membros da Associação de Sub-Tenentes e Sargentos da Polícia do extinto Estado da Guanabara. Esses atos feriam o princípio da hierarquia e da disciplina militar, causando o início de um processo de desagregação das Forças Armadas. Na madrugada de 31 de março, irrompia o movimento político-militar, que iria depor Goulart, ocasionando sua fuga para o Exterior. Em seguida, com a tomada do poder, foi emitido o primeiro Ato Institucional, que suspendia as garantias constitucionais. A 15 de abril, eleito pelo Congresso, o marechal Castelo Branco assumia a presidência da República.

4. Posição da Maçonaria

Nesses agitados dias, embora houvesse uma divisão de opiniões, na Maçonaria, a maioria dos maçons apoiou, inicialmente, o movimento, diante da situação caótica, para a qual caminhava o país (e caminhava, mesmo, para uma guerra civil). Em nenhum momento, posteriormente, a instituição maçônica foi molestada, embora a repressão que se seguiu à queda de Goulart tenha atingido os templos, não através do governo, mas por meio de muitos que apoiaram o movimento e que, para se livrar de adversários, iniciavam uma verdadeira caça às bruxas, incrementada a partir de 1968, quando foi fechado o Congresso e editado o Ato Institucional nº 5. Felizmente, essa era uma minoria, que se aproveitava, maquiavelicamente, da situação.

Com a edição do AI-5, muitos maçons foram cassados --- Mário Covas, Esmeraldo Tarquínio (que havia sido eleito prefeito de Santos), Marcos Kertzmann e outros --- de pouco adiantando os protestos apresentados pelas Obediências maçônicas.

Mas a mais violenta e destemida crítica ao regime, foi feita pelo então Grão-Mestre do Grande Oriente de São Paulo, José Menezes Júnior, em 1968, ano do AI-5, na posse do Grão-Mestre Geral, Moacyr Arbex Dinamarco, no Rio de Janeiro, o qual dizia, em certo trecho de seu discurso, que, aos anseios da juventude, a resposta era "o pipocar de tiros, as patas de cavalos e as bravatas de homens armados". (o discurso, será publicado, aqui, integralmente, em outra ocasião).

A partir dessa época, a maioria dos maçons passava a trabalhar pela volta às franquias democráticas, participando, ativamente, das campanhas pela anistia dos presos políticos e pela volta das eleições diretas.

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1998 : Bicentenário de Nascimento de D. Pedro I

José Castellani

O Perfil de D. Pedro

Nascido a 12 de outubro de 1798, no Paço da Real Quinta de Queluz, em Portugal, quarto filho --- o segundo varão --- do futuro D. João VI e de D. Carlota Joaquina, D. Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Paschoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, foi o proclamador da independência do Brasil e seu primeiro imperador.

Ao nascer foi infante e grão-prior do Crato e, em 1801, com a morte de seu irmão mais velho, D. Antônio, tornou-se príncipe da Beira. Veio para o Brasil quando a família real portuguesa abandonou Portugal, em 1807, diante do cerco das tropas napoleônicas, conduzidas por Junot, chegando ao Rio de Janeiro em 1808.

Em Portugal, foi discípulo do jesuíta José Monteiro da Rocha e, no Brasil, do frei Antônio da Arrábida. Entregue sempre às mãos de preceptores e governantas, mostrou-se, desde menino, hábil cavaleiro, preferindo mais os esportes e a vida livre do que a intelectualidade e a austeridade da Corte. Não era, todavia, o ignorante que muitos pintam, pois, além de ter sido um grande autodidata, ainda os seus preceptores sempre foram de alto nível, como D. Maria Genoveva do Rego e Mattos e o frei Antônio de Nossa Senhora da Salete, além do frei Arrábida.

Com esses preceptores, aprendeu as primeiras letras e o latim, que dominava facilmente ; com o reverendo Guilherme Tilbury, aprendeu o inglês ; com a primeira imperatriz, dona Leopoldina, teve acesso ao alemão. Além disso, dedicava-se à leitura, durante duas horas por dia, e tinha boa educação musical : com José Maurício e Marcos Portugal, aprendeu os rudimentos da Música, enquanto que as teorias de Haydn, sobre composição, harmonia e contraponto foram-lhe ministradas por Segismundo Neukonn ; tocava, com perícia, violino, flauta, trombone e fagote, tendo composto sinfonias, missas e hinos, dos quais os principais são o Hino da Independência e o Hino Maçônico.

Sua leitura predileta era a "Eneida", de Virgílio, a que ele já se dedicava durante a longa viagem marítima de 1807. Era, ainda, apaixonado pela Matemática e manejava bem o idioma francês, que havia aprendido com João Rademaker e, depois, com o padre Renato Boiret. Já aos 17 anos, versejava, com bastante naturalidade, dedicando-se, também, à pintura e à escultura. Um homem com essa formação não poderia ser um ignorante! Ignorantes são os que o atacam, sem terem, por exemplo, a sua capacidade para ler os clássicos latinos no original.

É evidente que, a par disso, dedicava-se, em grande escala, aos trabalhos manuais e aos exercícios corporais, sendo hábil marceneiro e um cavaleiro conhecedor de todos os segredos da equitação. Seu grande prazer era descer às cavalariças, misturando-se aos picadeiros e lacaios, para confundir-se com eles, na lida com os corcéis da família real.

Amou a muitas mulheres e teve muitas aventuras amorosas. Bem apessoado, moço e herdeiro de um trono, não faltaram mulheres dispostas a compartilhar seu leito com ele. Por isso tem sido muito atacado por alguns historiógrafos, mostrando que moralismo hipócrita não tem época ; serão, eles, tão grandes modelos de pureza, que os habilite a atirar a primeira pedra? D. Pedro era um homem autêntico : tinha suas virtudes e não dissimulava seus defeitos, o que o aproximava, bastante, do povo brasileiro.

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D. Pedro e a independência do Brasil

Em sua "História de Portugal", Oliveira Martins situa, com certa propriedade, que "quem separou o Brasil foi D. João VI". Na realidade, ao elevar o Brasil à condição de Reino Unido ao de Portugal e Algarves, a 16 de dezembro de 1815, D. João abria o caminho da independência. Embora alguns autores o tenham pintado como um bonachão, que só se preocupava com as futricas da Corte e em comer meia dúzia de franguinhos por dia --- o que já se comprovou ser um falso retrato --- ele tinha um tino político extraordinário, que o habilitara a prever a marcha dos acontecimentos a partir do estabelecimento da Corte no Rio de Janeiro e da revolta das colônias espanholas.

Sabendo que o Brasil marcharia para a independência, planejou garantir, para a Casa de Bragança, ambos os tronos. E tanto amava ele o Brasil, que, ao deixar de ser regente, tornando-se rei de Portugal, depois da morte de sua mãe, D. Maria I, chegou a assinar um decreto nomeando D. Pedro regente de Portugal, permanecendo ele mesmo no Brasil. Os acontecimentos em Portugal, porém, exigiram sua presença, forçando a uma alteração dos planos ; ele retornaria a Lisboa, deixando D. Pedro no Brasil, com instruções praticamente explícitas para se colocar à frente do movimento emancipador, como comprovam suas palavra aso príncipe, dois dias antes de sua partida : "Pedro. se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para alguns desses aventureiros".

Toda a vasta correspondência trocada entre D. Pedro e D. João, nos dias que precederam a declaração de independência, mostra o entendimento que havia entre ambos, pois nenhum dos fatos ocorridos no Brasil, nessa época, deixou de ser do conhecimento de D. João. Este, em carta de 12 de maio de 1822, repete, ao seu filho, os conselhos dados antes de partir. E D. Pedro, a 11 de junho, em resposta ao seu pai, lembra as recomendações paternas, acrescentando: "Foi chegado o momento da quase separação e, estribado eu nas eloqüentes e singelas palavras expressas por Vossa Majestade, tenho marchado adiante do Brasil, que tanto me tem honrado".

Já a 9 de janeiro de 1822, por ocasião do "Fico", em carta a D. João, ele descrevia toda a solenidade, remetendo, inclusive, o auto feito pela Câmara, com todos os pormenores da cerimônia. Tratando-se, o "Fico", de uma desobediência aos decretos 124 e 125, da Corte de Lisboa, os quais exigiam a volta do príncipe a Portugal e a reversão do Brasil à condição anterior à de Reino Unido, é claro que D. Pedro omitiria o fato ao rei, ao invés de fazê-lo em pomposa comunicação, se D. João não o apoiasse.

Sua lealdade e amor ao Brasil eram indiscutíveis. Em carta a D. João, a 19 de junho de 1822, ele diz que Portugal era um Estado de Quarta ordem e necessitado, enquanto que o Brasil era de primeira, e que, se união houvesse, deveria ser a de Portugal, necessitado e dependente, com o Brasil independente e não o contrário. Em outra carta, em que ataca as Cortes, dizendo que elas eram facciosas, horrorosas, maquiavélicas, desorganizadoras, hediondas e pestíferas, ele lança um desafio, com estas palavras: "Se estas declarações tão francas irritarem os ânimos desses luso-espanhóis, que mandem tropa aguerrida e ensaiada na guerra civil, que lhe faremos ver qual é o valor do brasileiro".

D. Pedro e a Maçonaria

O papel fundamental exercido pela nascente Maçonaria brasileira --- através do Grande Oriente do Brasil --- no movimento emancipador brasileiro, não pode ser deslustrado. Todavia, não pode, também, prevalecer na mente dos maçons influenciados por mistificadores da História, a idéia de que quem fez a independência foi a Maçonaria e que D. Pedro limitou-se, simplesmente, a referendá-la, pois, como já foi esclarecido, o príncipe, seguindo a diretriz traçada por seu pai, marcharia, de qualquer maneira, ao encontro desse objetivo. É claro que a ação maçônica contribuiu para acelerar a marcha dos acontecimentos e que a iniciação de D. Pedro serviu aos interesses de ambas as partes, pois os maçons, com o regente entre eles puderam influenciá-lo a antecipar a ruptura com Portugal, enquanto que o príncipe, podia afastar o Grande Oriente de sua geral tendência liberal, inclinando-o para a monarquia.

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Da ata da nona sessão do Grande Oriente do Brasil --- Assembléia Geral --- realizada no 13º. dia do 5º. mês maçônico do Ano da Verdadeira Luz 5822 (2 de agosto de 1822), consta ter o Grão-Mestre da Ordem, conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva, proposto a iniciação de Sua Alteza D. Pedro de Alcântara. E que, "aceita a proposta com unânime aplauso, e aprovada por aclamação geral, foi imediata e convenientemente comunicada ao mesmo proposto, que se dignando aceitá-la, compareceu logo na mesma sessão e sendo também logo iniciado no primeiro grau na forma regular e prescrita na liturgia, prestou o juramento da Ordem e adotou o nome heróico de Guatimozin". Na décima sessão, realizada a 5 de agosto, Guatimozin recebeu o grau de Mestre Maçom.

Da ata 17ª. Sessão do Grande Oriente, do 14º. dia do 7º. mês maçônico (4 de outubro), presidida pelo 1º Grande Vigilante, Joaquim Gonçalves Ledo, consta que ele expusera "ter a convocação da presente assembléia por fim a prestação do juramento do nosso muito amado membro Guatimozin, na qualidade de Grão-Mestre eleito da Maçonaria brasileira, em plena reunião do Povo Maçônico; e sendo logo o novo Grão-Mestre conduzido ao sólio por uma deputação, prestou o juramento da Ordem e imediatamente tomou a presidência". A afirmação de que D. Pedro foi eleito Grão-Mestre, em plena reunião do povo maçônico, é uma deslavada mentira, pois a 16ª. Sessão, de 28 de setembro, foi dirigida pelo Grão-Mestre José Bonifácio, enquanto que, na sessão seguinte, sem qualquer intermediária, já aparece D. Pedro como Grão-Mestre "eleito".

O que houve, na realidade, nesse caso, foi um golpe de Estado no Grande Oriente, perpetrado pelo grupo de Ledo contra José Bonifácio. Era a conseqüência da luta intestina pelo poder junto ao já aclamado imperador --- que proclamara a independência a 7 de setembro --- e da divergência de idéias entre os dois grupos, pois, enquanto José Bonifácio pregava a independência dentro de uma comunidade brasílico-lusa, Ledo defendia o rompimento total com Portugal. A animosidade iria levar a graves conseqüências para a nascente Maçonaria brasileira.

O interessante é que alguns autores maçons, inadvertidamente, costumam afirmar que José Bonifácio, despeitado com a influência do grupo liberal de Ledo no Grande Oriente, teria fundado outra entidade, o "Apostolado", para ela levando todo o seu grupo, além de D. Pedro. A afirmativa é totalmente incorreta, pois o Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz --- baseada na Carbonária européia --- foi instalada no dia 2 de junho de 1822, quinze dias antes da fundação do Grande Oriente e dela fazia parte o próprio Ledo, assim como vários de seus seguidores.

Se, até à "eleição" de D. Pedro para o Grão-Mestrado, as duas facções mantinham uma aparente cordialidade, após esse fato declarou-se, abertamente, a hostilidade entre elas. O discurso de recepção ao novo Grão-Mestre, a 4 de outubro, proferido por Domingos Alves Branco, mostrava um veemente ataque a José Bonifácio. Este, na sua posição de ministro influente junto ao imperador, esperava a oportunidade para a desforra. E esta surgiria, quando ele soube que Ledo, Clemente Pereira e Nóbrega haviam exigido, do imperador, três assinaturas em branco e o prévio juramento à Constituição que a Assembléia Constituinte aprovasse. Como as exigências eram, realmente descabidas, José Bonifácio convenceu D. Pedro a rejeitá-las e a retroceder em suas intenções.

Como não podia, a incipiente nação independente, ainda num momento de ampla fragilidade institucional, submeter-se às lutas de grupos interessados no poder e nem a tumultos políticos, D. Pedro, em carta dirigida a Ledo, com data de 21 de outubro, ordenava a suspensão dos trabalhos do Grande Oriente. A 25 de outubro, essa suspensão era efetivada, com "Termo de Encerramento", lavrado no Livro de Ouro do Grande Oriente. No mesmo dia 25, D. Pedro enviava outra carta a Ledo, ordenando que os trabalhos recobrassem o seu antigo vigor e fossem reabertos em Assembléia Geral. Os acontecimentos políticos, todavia, iriam se precipitar, com o processo e a prisão dos membros do grupo de Ledo, o que acabou impedindo a reinstalação do Grande Oriente. E ele só seria reerguido em 1831.

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Ascensão, queda e fim

O Apostolado, todavia, pouco sobreviveu ao Grande Oriente, pois, a 15 de julho de 1823, D. Pedro fechava a instituição, baseado em denúncia de conspiração contra o trono. Depois, o imperador dissolveria a Assembléia Constituinte, mandaria os Andradas para o exílio, outorgando, então, a Constituição de 1824, em que se basearia a ordem legal a partir de 1826, com a instalação da Câmara e do Senado.

O equilíbrio político, todavia, não era conseguido, em decorrência de dificuldades financeiras e de divergências entre os nativistas e os "marinheiros", ou "marotos" (apelidos dados aos portugueses natos). O empréstimo externo, realizado para tentar resolver a situação, de pouco adiantou e ela se tornou até pior, depois da Guerra Cisplatina. Em função das derrotas militares e da situação financeira, o prestígio do imperador começava a declinar, principalmente após a morte de D. João VI, quando ele aceitou a posição dupla de rei de Portugal e de imperador do Brasil.

As circunstâncias políticas, todavia, obrigaram-no a abdicar, em Portugal, em favor de sua filha, Maria da Glória, nomeando, como regente, regente, em 1826, seu irmão, D. Miguel, que assumiu a regência a 26 de fevereiro de 1828, jurando lealdade a D. Pedro IV e a Dna. Maria da Glória. Logo depois, todavia, traindo esse compromisso, D. Miguel apossava-se do trono, sendo um títere nas mãos de sua mãe e dos jesuítas.

Enquanto isso, no Brasil, a situação política agravara-se e levaria à abdicação de D. Pedro, em favor de seu filho, a 7 de abril de 1831, indo ele, então, depois de nomear José Bonifácio --- que retornara ao Brasil, em 1829 --- tutor do menino, para Portugal, a fim de lutar para restituir o trono português à sua filha. Como duque de Bragança, ele se empenhou à frente do exército constitucionalista, em dura guerra civil, de 1832 a 1834, da qual saiu vitorioso, após enfrentar prolongado cerco no Porto.

Logo depois, viria a falecer, vítima da tuberculose, contraída no campo de batalha, a 24 de setembro de 1834, dias antes de completar 36 anos de idade. Por sua vontade, seu coração foi doado à cidade do Porto, onde é conservado, como relíquia, na capela-mor da igreja da Lapa ; seu corpo foi sepultado em São Vicente de Fora, sendo transladado, em 1972, para o Brasil e sepultado em São Paulo, na colina do Ipiranga, berço da independência.

O jornalista, orador, político e maçom Evaristo Ferreira da Veiga, um dos mais encarniçados adversários políticos de D. Pedro, assim se referiu a ele, com sinceridade e reconhecimento:

"O ex-imperador do Brasil não foi um príncipe de ordinária medida (...). Se existimos como corpo de nação livre, se nossa terra não foi retalhada em pequenas repúblicas inimigas, onde só dominassem a anarquia e o espírito militar, devemo-lo muito à resolução que tomou de ficar entre nós".

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Título: Do Pó dos Arquivos Autor: José Castellani Editora: CopyMarket.com, 2000

As Lojas Brasileiras e o Palácio do Lavradio, Patrimônio do Grande Oriente do Brasil

José Castellani

O Palácio do Lavradio, no Rio de Janeiro, é patrimônio do Grande Oriente do Brasil e não de um Grande Oriente Estadual, como costumam dizer alguns pseudo pesquisadores, procurando diminuir a participação das Lojas de outros Estados na formação e na conservação daquele edifício, tombado pelo Patrimônio Histórico.

Embora o imóvel do Lavradio só tenha sido ocupado, pelo Grande Oriente do Brasil, em 1842, a idéia de ocupá-lo não era nova, pois, já em sessão de 24 de outubro de 1832, João Militão Henriques apresentava uma proposta de compra do prédio, destinado, originalmente, a abrigar um teatro 1, pois, segundo a carta encaminhada pelo obreiro, parecia que a construção estava semi-paralisada, caminhando morosamente. Na realidade, em 1838, a obra, praticamente abandonada, ia a leilão público.

Em 1840, Joaquim José Pereira Faro, então Grande Conservador do Grande Oriente do Brasil, e Luís Queiroz Monteiro Regadas, com seu dinheiro, compraram o imóvel, criando, posteriormente, a SOCIEDADE GLÓRIA DO LAVRADIO, que lançou 1.600 (um mil e seiscentas) ações, no valor de Rs. 50$000 (cinqüenta mil réis) cada, com juros de 7% ao ano, perfazendo um capital de Rs 80:000$000 (oitenta contos de réis), para cobrir a quantia gasta com a compra do prédio, a conclusão das obras e a adaptação, pois o Grande Oriente não possuía fundos para isso.

Segundo a escritura, lavrada a 18 de agosto de 1840, o terreno, com doze braças 2 de frente, foi vendido a Joaquim José Pereira Faro, em nome da Companhia denominada Glória do Lavradio, por Rs 11:000$000 (onze contos de réis) tendo sido cobrada sisa de Rs. 1:100$000 (um conto e cem mil réis), num total de doze contos e cem mil réis.

As ações da Sociedade Glória do Lavradio, que não tinha fins lucrativos, deveriam ser compradas pelo Grande Oriente do Brasil e pelas Lojas, sendo, o prédio do Lavradio, alugado ao Grande Oriente, o qual, por sua vez, ratearia o aluguel entre as Lojas jurisdicionadas --- da então Capital do Império, evidentemente --- que ocupassem o imóvel. Na metade do ano de 1842, então, passava o Grande Oriente a ocupar o prédio, embora as obras não estivessem totalmente terminadas. A venda de ações, todavia, foi morosa e enfrentou má vontade de muitas Lojas, enquanto que os aluguéis, devidos pelas Oficinas, não eram pagos, o que fazia com que as obras prosseguissem em ritmo irregular e de acordo com a disponibilidade de fundos. Isso acabou fazendo com que, em dezembro de 1843, o Grão-Mestre Antônio Francisco de Paula Hollanda Cavalcanti de Albuquerque (futuro visconde de Albuquerque) emitisse um decreto, instituindo a obrigatoriedade do pagamento do aluguel, sob pena de sanções, no caso de insubmissão, fixando uma quantia mensal de Rs. 18$500 (dezoito

1 Brasil Gerson, in “História das Ruas do Rio” (4ª edição, coleção Vieira Fazenda, da Livraria Brasiliana Editora), referindo-se à rua

Marquês de Lavradio --- primitivo nome da rua --- e ao Grande Oriente, diz o seguinte:

“ (...) O casarão que nela ocupa o Grande Oriente do Brasil, de aspecto apalacetado, tem uma história que remonta há quase século e meio e está bem de perto ligada à do nosso primeiro teatro (o Real de São João, depois de São Pedro e João Caetano) e dos artistas portugueses da companhia Mariana Torres, que em 1813 o inaugurou. Um deles, Victor Porfírio Borja, pretendeu convertê-la em rival do Rocio, dando-lhe também seu teatro próprio, majestoso, para dramas e comédias. E altas já estavam as suas paredes, quando a falta de recursos o obrigou a desistir do projeto (...)”.

Projetado, portanto, para teatro, com um amplo salão central, o edifício, além de Ter que ser concluído --- já que a construção estava paralisada --- teve que ser amplamente remodelado e adaptado para uso maçônico, o que acabou encarecendo bastante a obra. 2 Braça é uma antiga medida de comprimento, equivalente a dois metros. O terreno tinha, portanto, 24 metros de frente.

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mil e quinhentos réis), para a locação, e estabelecendo que o pagamento deveria ser feito ao Grande Oriente do Brasil, de três em três meses, cabendo a este transferir os fundos auferidos, semestralmente, à Sociedade Glória do Lavradio 3.

A contribuição das Lojas do Poder Central era, dessa maneira, composta dos aluguéis pela ocupação dos templos do Lavradio --- aluguéis que, muitas vezes. nem eram pagos corretamente --- enquanto que a venda de ações era estendida a todas as Lojas interessadas, em toda a vasta jurisdição do Grande Oriente do Brasil, não se limitando à capital do Império.

Através dos anos, a manutenção do prédio do Lavradio foi sendo feita com os metais do Grande Oriente do Brasil, resultantes das contribuições de todas as Lojas da federação. Até que, em 1924, o patrimônio do Grande Oriente era comprometido, com a hipoteca do prédio do Lavradio, para garantir um empréstimo de 300 contos de réis, feito pelo então Grão-Mestre, Mário Marinho de Carvalho Behring. Com esses 300 contos de réis, Mário Behring pretendia construir um orfanato maçônico em terreno no Méier, no Rio de Janeiro, pertencente à Associação Mantenedora do Asilo Henrique Valladares, constituída a 9 de janeiro de 1904, sob os auspícios do Grande Oriente, e aprovada pela Assembléia Geral, a 22 de setembro de 1904. Embora o Grande Oriente não fosse dono do terreno, o Grão-Mestre lançou a pedra fundamental do orfanato, a 16 de março de 1924. Mas, por desentendimentos com o construtor, com a obra quase pronta, em junho de 1925, o projeto inicial acabou sendo abandonado e o edifício teve diversos usos, principalmente não maçônicos, convertendo-se numa dor de cabeça constante --- decido à irregularidade inicial --- a qual duraria muitos anos, até à sua desapropriação, cerca de cinqüenta anos depois de construído. Inicialmente, porém, o imóvel abrigou as Oficinas Gráficas da Escola Profissional Maçônica José Bonifácio, que, além de ensinar a arte gráfica aos meninos interessados em aprendê-la, executava qualquer trabalho tipográfico, com preços módicos para os maçons e Lojas.

O que interessa considerar, no caso, todavia, é a situação em 1926. A 18 de fevereiro, com o falecimento do Grão-Mestre Geral, Vicente Saraiva de Carvalho Neiva, que fora empossado a 23 de dezembro de 1925, assumia, interinamente, o Adjunto, João Severiano da Fonseca Hermes, que, na eleição complementar, realizada entre 4 e 15 de maio, viria a ser eleito Grão-Mestre.

Ainda em abril, o Venerável Mestre da Loja Piratininga, da capital de São Paulo, Alfredo Pacheco, comunicava, à Oficina, que, estando em uma audiência com o então Grão-Mestre interino, este lhe havia exposto as dificuldades em que se encontrava o Grande Oriente do Brasil, para solver o compromisso da dívida, já vencida, com o Banco dos Funcionários Públicos, divida, essa, no valor de 300 contos de réis (o empréstimo feito por Behring), cuja multa, pela falta de pagamento, era de 25%, além dos juros. E Pacheco dizia isso, porque, em sessão de 22 de abril de 1926, era lido o Ato nº 776, do Grão-Mestre interino, resolvendo lançar, entre todas as Lojas e maçons da jurisdição, 150.000 títulos, no valor unitário de vinte mil réis, para cobrir o empréstimo, com juros de 8% ao ano, resgatáveis no prazo de dez anos, com sorteios anuais de 1/10 dos títulos emitidos. A dívida havia vencido por falta de pagamento dos juros, pelo que, de acordo com a escritura da hipoteca, os juros vencidos teriam que ser pagos em dobro, além da multa.

E a Piratininga, em sessão de 5 de maio de 1926, resolvia contribuir com dez contos de réis em títulos, o que ocorreu, mesmo que tenha sido com quantias menores, com muitas Lojas brasileiras, que, naquele instante, ajudaram a pagar os juros da dívida, proporcionando, no ano seguinte, quando Octávio Kelly era o Grão-Mestre, a novação da hipoteca, ou seja, a prorrogação do prazo por mais dez anos.

O patrimônio é, portanto, do Grande Oriente do Brasil e não de um Grande Oriente Estadual, como pretendem alguns, sob a esdrúxula alegação de que foram as Lojas da região que o compraram, mantiveram e salvaram.

3 A Sociedade Glória do Lavradio não tinha qualquer fim lucrativo. Muito pelo contrário, os seus criadores, os Irmãos Faro e Regadas chegaram a ter prejuízos financeiros pessoais. O aluguel de Rs. 18$500 (dezoito mil e quinhentos réis) mensais, que cada Loja ocupante do prédio do Lavradio pagava --- quando pagava --- era irrisório, sendo utilizado, integralmente, para pagar os juros das ações, de 7% ao ano, sendo, o capital proveniente da venda de ações, aplicado nas obras e mostrando-se até insuficiente, muitas vezes. Apesar disso, não faltaram os detratores da época e historiógrafos posteriores, que acusavam a Sociedade de extorquir os obreiros e locupletar-se com os metais, o que é uma calúnia enorme contra os homens que colocaram o seu capital á disposição do Grande Oriente do Brasil, quando este não dispunha dele, não havendo nada mais justo do que a sua intenção de recuperá-lo, embora as perdas pessoais ainda fossem inevitáveis. Essa postura, de quem nada faz, mas ataca a quem quer fazer, iria se repetir muitas vezes, através dos anos.

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Título: Do Pó dos Arquivos Autor: José Castellani Editora: CopyMarket.com, 2000

Diálogo Igreja-Maçonaria : Uma Opinião Respeitável

José Castellani

No final de 1974, estando, o prof. Ariovaldo Vulcano --- médico e professor de Histologia --- então Soberano Grande Comendador do Supremo Conselho do Brasil para o Rito Escocês Antigo e Aceito, em Recife, concedeu uma entrevista, ao "Diário de Pernambuco", focalizando o diálogo com a Igreja, que fora o assunto tratado em um pronunciamento feito pelo Secretário Geral da CNBB, Dom Ivo Lorscheider. Trata-se de uma visão imparcial e objetiva do assunto, além de um certa dose de premonição, mostrando o descortino de um dos mais importantes e cultos maçons brasileiros, desta metade do século XX. E mostrando, também, que a melhoria do diálogo com a Igreja já ocupa a mente dos maçons há algum tempo. Eis o texto integral, publicado no nº 328, de 6 de dezembro de 1974, do "Diário de Pernambuco" para avaliação:

Líder Maçônico Gosta do Diálogo com a Igreja "Foi com grande satisfação que, ao chegar em Pernambuco --- terra onde a chamada Questão Religiosa foi radicalizada 1 - tomei conhecimento do pronunciamento feito à imprensa do Sul pelo secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, dom Ivo Lorscheider, acerca da reaproximação entre a Igreja Católica e a Maçonaria" Esta afirmação foi feita ontem pelo Grande Comendador do Rito Escocês para o Brasil (Maçonaria Filosófica), professor Ariovaldo Vulcano, que veio ao Recife participar da Banca Examinadora do Concurso para catedrático da faculdade de Odontologia de Pernambuco.

Iniciativa Válida

O fato de ter sido o reatamento de relações amistosas entre as duas instituições, objeto de acurados estudos pela recente Assembléia Geral dos Bispos muito nos alegra --- prosseguiu o professor Ariovaldo Vulcano --- porque foi a Igreja Católica que tomou a iniciativa de romper os laços fraternais existentes entre ambas 2 desde a instituição da Maçonaria no Brasil até o advento da Bula do Papa Pio IX, mas que agora através da sua hierarquia, toma outra vez a iniciativa do reatamento. Vale ressaltar --- continuou --- que a Maçonaria nunca hostilizou a Igreja Católica, como também nunca vetou a seus filiados professarem a fé cristã. É bom lembrar que o açodamento da Questão Religiosa em Pernambuco foi provocado pelo fato de muitos eclesiásticos e membros de Irmandades pertencerem aos quadros das nossas oficinas, na época. Igual comportamento é mantido pela Sublime Ordem em relação aos demais credos religiosos e, para os que não sabem: a crença em Deus é questão "sine qua non" para ingresso na Maçonaria.

1 A Questão Religiosa foi uma querela entre o Alto Clero e o Governo Imperial, no qual a Maçonaria entrou como Pilatos no Credo, já que a questão não lhe dizia respeito. O "x" da questão foi a prática do padroado --- herdada de Portugal, a qual fazia, dos padres, funcionários do Estado, sujeitos às imposições deste e não das autoridades eclesiásticas. 2 Na realidade, um violento manifesto anticlerical de Saldanha Marinho --- prócer maçônico destacado --- em 1872, muito contribuiu para azedar as relações com a Igreja.

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Altos Corpos

No tocante á citação feita por dom Ivo Lorscheider do tópico da Resolução da Assembléia Geral dos Bispos, segundo o qual "A Igreja está disposta a rever a sua posição em relação à Maçonaria, não pode fazê-lo no momento, porque não conseguiu obter suficientes dados e informações oficiais (da própria Maçonaria) que lhe dêem segurança para rever as normas disciplinares vigentes para os católicos. Espera receber tais informações para prosseguir nos estudos em andamento"3, o dignitário maçônico assim se expressou: --- Apesar de me externar em caráter estritamente pessoal, acredito todavia que, se na realidade a CNBB estiver imbuída em restabelecer um melhor relacionamento entre as duas instituições, deverá iniciar gestões junto à Suprema Administração da Maçonaria no Brasil, para obter as informações e dados que deseja, no que tenho certeza que será atendida de maneira prazeirosa e cordial, pois até então desconheço tenha o Poder Central da Ordem recebido oficialmente algum pedido de informações da CNBB. Esse fato --- prosseguiu --- não invalida caso isolados já registrados no País por parte de alguns Príncipes da Igreja, que se manifestaram, por palavras e ações, por uma aproximação com a Maçonaria, dentre os quais deve ressaltar a atitude do arcebispo de Aracaju, dom Luciano Duarte, que já estabeleceu o mais estreito relacionamento com a Maçonaria e vem recebendo desta a mais franca colaboração.

Antiga Aspiração

Na realidade --- afirma o professor Ariovaldo Vulcano --- é uma antiga aspiração das comunidades católicas e maçônicas que essa reaproximação se processe no mais curto espaço de tempo a fim de que venham a ter fim certos constrangimentos ainda remanescentes 4. Fixei-me --- continuou --- num estudo demorado da afirmação do secretário-geral da CNBB quando diz: "O problema agora não é mais a posição da Igreja em face da Maçonaria, mas da Maçonaria em face da Igreja" e "que a Resolução aprovada pelos bispos na sua recente Assembléia Geral para um melhor relacionamento entre as duas Instituições resultou em "um dos textos mais burilados". Afinal ---. alerta o dignitário maçônico --- cheguei à conclusão de que está havendo um consenso geral por parte da hierarquia da Igreja para essa reaproximação com a Maçonaria. O que falta é o diálogo. Que esse diálogo seja de logo iniciado junto aos Altos Corpos da Maçonaria através do próprio secretário-geral da CNBB, porque diante dessa afirmação pública feita por dom Ivo não se pode ter dúvidas quanto à sinceridade de propósitos da Igreja. Tanto é assim --- continuou --- que acredito se houve alguma consulta à Ordem Maçônica por parte da CNBB no que respeita a informações e dados sobre a Instituição, ela tenha sido respondida pelos Altos Corpos que não poderiam deixar de assim procederem diante de fato tão relevante. Partindo dessa premissa admito que a demora na apreciação de algum documento emitido pela Maçonaria seja conseqüência do ingente trabalho que desenvolve o secretário-geral da CNBB e não pela falta de atendimento de possíveis solicitações por parte da Maçonaria. Mas, se agora o problema "é da Maçonaria em face da Igreja", não tenho dúvidas de que a Suprema Administração da Ordem já esteja encaminhando providências para sua solução --- afirmou o professor Ariovaldo Vulcano. Finalmente devo afirmar que, a exemplo do que vem ocorrendo com a Igreja Católica desde o pontificado de Leão XIII e enfatizado por João XXIII durante o II Concílio Ecumênico --- a Maçonaria também vem reformulando seus códigos e doutrinas, procurado se adaptar às condições da realidade presente, ou seja atendendo aos reclamos dos tempos modernos --- concluiu o dignitário maçônico.

3 Essa alegação foi feita muitas vezes, quando, na realidade, nenhum dignitário maçônico fora procurado. 4 Essa aproximação já existe, pois o Grande Oriente do Brasil colabora com a CNBB, em obras sociais ecumênicas. E, a convite dos jesuítas de Brasília, o autor destas notas, como representante do G.O, do Brasil, falou, em abril de 1999, sobre a História da Maçonaria, no Centro Cultural de Brasília, dos jesuítas, coisa impensável algumas décadas atrás.

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Independência : Uma Batalha Diária

José Castellani

A 17 de junho de 1822, três Lojas, resultantes da divisão da Loja Comércio e Artes --- a própria Comércio e Artes, a União e Tranqüilidade e a Esperança de Niterói --- fundavam o Grande Oriente Brasiliano (depois, Grande Oriente do Brasil), com a finalidade de "sustentar a causa do Brasil". E essa causa, na época, era a independência política do país.

A luta pela independência, nos meios maçônicos, todavia, começara bem antes, chegando a um ponto praticamente decisivo, quando se conseguiu, a 9 de janeiro de 1822, no célebre episódio do "Fico", que o príncipe-regente D. Pedro permanecesse no país, ignorando os decretos 124 e 125, das Cortes Gerais portuguesas, e a lei de 24 de abril de 1821, instrumentos, que, praticamente, revertiam o Brasil à sua condição colonial e que exigiam a imediata volta do príncipe a Portugal. Feito sob a liderança dos maçons José Joaquim da Rocha e José Clemente Pereira, o movimento do "Fico" foi alimentado por representações ao príncipe, emanadas de diversas províncias brasileiras : a representação dos paulistas, redigida por José Bonifácio de Andrada e Silva, que viria a ser o primeiro Grão-Mestre do Grande Oriente ; a representação dos fluminenses, redigida pelo frei Francisco de Santa Tereza de Jesus Sampaio, orador da Loja Comércio e Artes ; e a representação dos mineiros, de Pedro Dias Paes Leme.

As primeiras sessões do Grande Oriente foram administrativas, para organizar as três Lojas fundadoras e a Obediência. Mas já na quarta sessão, resolvia, a administração, que haveria um Livro, chamado dos Juramentos, no qual assinariam "todos os atuais operários e todos os filiandos e iniciados", fazendo-se expressa menção da Defesa do Brasil e da sua Independência.

Na 14ª. sessão do Grande Oriente, em Assembléia Geral, realizada a 9 de setembro (20º. dia do 6º. mês maçônico) o 1º. Grande Vigilante, Joaquim Gonçalves Ledo, que, na falta do Grão-Mestre, dirigia a assembléia, fez, "do sólio, enérgico e fundado discurso, demonstrando, com as mais sólidas razões, que as atuais políticas circunstanciais de nossa pátria, o rico, fértil e poderoso Brasil, demandam e exigem, imperiosamente, que a sua categoria seja inabalavelmente formada, com proclamação da nossa independência e da Realeza Constitucional, na pessoa do augusto príncipe, perpétuo defensor do Reino do Brasil". A moção de Ledo foi aprovada, unanimemente, pois não se sabia, nesse dia, que o brado de independência, que desataria os laços com Portugal, já fora dado dois dias antes, a 7 de setembro.

Essa foi a primeira oportunidade que tiveram, os maçons do Grande Oriente do Brasil, de lutar por uma causa social brasileira ; e foi a única vez em que o Grande Oriente, como instituição, envolveu-se na luta. Muitas outras conquistas viriam depois e sempre com uma evidente participação maçônica, a ponto de não se poder separar a História do Brasil independente da História do Grande Oriente do Brasil.

E o trabalho social continua, incessante, porque o mundo evolui, as fronteiras nacionais vão ficando esmaecidas, os conflitos religiosos alastram-se, as refregas atávicas entre povos em perene litígio continuam, os laços familiares tornam-se mais tênues, os valores morais e éticos são postergados, a consciência dos povos embota-se e o sentimento de amor ao chão natal vai sendo substituído pelo cosmopolitismo global. Por isso, luta-se pela independência até hoje! Não para que ela seja feita, mas para que seja mantida, para que perdure e para que esteja sempre na mente do povo. Porque, parafraseando Colbert, a grandeza de um país não se mede pela extensão de seu território, mas pelo caráter de seu povo.

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KADOSH, ou KADOSCH

José Castellani

Venho, há alguns anos, combatendo a incorreta grafia Kadosch, que é comumente usada, em lugar da correta KADOSCH, para designar a Oficina dos graus 19 a 30 do Rito Escocês Antigo e Aceito e o título do maçom colado no 30º grau.

Muito já escrevi sobre isso, incluindo, há cerca de três anos, uma resposta a um prezado confrade, que procurava defender a grafia incorreta, usada em uma de suas obras, inclusive como título.

E, naquela ocasião, dizia, ao caro Irmão, que as únicas fontes autorizadas, para esclarecer a questão, seriam os textos em hebraico e aramaico, já que, como a maior parte das palavras usadas no ritualismo maçônico, essa também é hebraica; e que a presença da forma errada nos rituais – um dos argumentos do autor – não justifica absolutamente nada, já que o erro vem sendo perpetuado e, simplesmente, copiado, sem maiores pesquisas, pelos “revisores”, que deturpam a ritualística, preservando, todavia, o erro de denominação. Os dicionaristas, inclusive, em sua maior parte, costumam, sem qualquer estudo mais profundo, registrar a forma mais usual, mesmo incorreta, embora alguns deles, como é o caso de Gervásio de Figueiredo, divulguem ambas as formas; Aslan, por exemplo, registra apenas a forma incorreta.

Sugeri, não apenas ao ilustre confrade, mas, também, a todos os que usam e querem justificar a forma errada, a ler, por exemplo, os textos hebraicos da Mishná e do Tálmud, o livro “Mishná, a Essência do Judaismo Talmúdico”, já com tradução do hebraico para o português (Editora Documentário – Rio de Janeiro – 1972), alem de textos de consagrados pesquisadores do judaísmo, como Henri Sérouya – em “La Kaballe”- Paris, 1957 – e André Chouraqui – em “Histoire du Judaisme”- Paris, 1955 – pois se pode acompanhar, nesses textos, a grafia correta, não só de KADOSH, como de outras palavras derivadas da mesma raiz, KODESH. Assim, teríamos, em ordem alfabética:

KADISH – Em aramaico – santo, é uma das mais antigas preces da liturgia hebraica, identificada com a oração pelos mortos.

KADOSH – Em hebraico – santo, ou sagrado.

KEDUSHÁ – Em hebraico literalmente, santidade; refere-se, também, a uma específica oração nos serviços litúrgicos da manhã e da tarde.

KIDUSH – Em hebraico, literalmente, santificação, sagração. Designa diversas bençãos, principalmente as que se referem ao vinho e ao pão das refeições cerimoniais que precedem datas religiosas; o repasto final da sessão de colação no grau de Cavaleiros Rosa-Cruz tem origem no Kudush; assim como a chamada “Santa Ceia” foi um Kudush, realizado antes da Pêssach (Páscoa, Passagem).

KIDUSHIN – Cerimônia de casamento ritual.

KODESH – Em hebraico, literalmente, santo. Por extensão, designa qualquer objeto ou animal dedicado ao templo de Jerusalem. Neste templo, as divisões principais – com marcante influência sobre a orientação e divisão das igrejas e, graças a estas, dos templos maçônicos – eram o KODESH (Santo, ou Hikal) e o KODESH HÁ KODASHIM (Santo dos Santos, ou Debhir).

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Todavia, como “santo de casa não faz milagres” e, lamentavelmente, como maçom brasileiro, geralmente, costuma crer, apenas e cegamente, em autores estrangeiros – talvez numa autocrítica e em louvor à sua própria sub-cultura – nunca tive o prazer de ver a grafia certa, pois, teimosamente, ainda continua a ser usada, em todos os Corpos e em todas as publicações, a forma errada.

Agora, posso, todavia – para que não venham insinuar que me faço de dono da verdade – trazer o testemunho e o apoio de um escritor maçônico judeu, conhecedor do hebraico e homem extremamente culto, que é membro destacado da Grande Loja do Estado de Israel, Soberano Grande Comendador do Supremo Conselho do Rito Escocês daquele país e meu companheiro do Círculo de Membros Correspondentes da Quatuor Coronati Lodge, de Londres: o meu querido Irmão e distinto Amigo León Zeldis.

De uma carta, a mim dirigida, transcrevo o seguinte trecho, com sua autorização, como convém a quem respeita a ética e não se comporta como um huno destruidor, ou um teutão ensandecido:

“...usted está completamente en lo cierto, que la grafia correcta es kadosh. El origen de este error (“Kadosh) se encuentra en el hecho que los primeros estudios cientificos europeos de la gramatica del idioma hebreo fueron realizados por gramáticos alemanes. Especialmente la gramatica de Gesenius (1813) constituyó por muchos años el texto fundamental para quienes querian aprender hebreo.

Como es sabido, el sonido “sh” inglés se escribe en alemán “sch”, como por exemplo en Shiller, Schopenhauer o Shcuman. Es por este motivo que se introdujo la grafia “sch” en muchas palavras hebreas para representar la “shin”. Com el predominio actual del inglés, sin embargo, no tiene ninguna lógica seguir usando una trasliteración germánica de los vocablos hebreos, y es asi que la “shin” se representa siempre por “sh”, como en Asher, Shabat, Shibolet, Beersheva o Kadosh”.

Embora, no Brasil, estejamos familiarizados com o castelhano, não custa traduzir, grifando o essencial:

“...você está completamente certo em que a grafia correta é kadosh. A origem deste erro (“kadosch” em vez de kadosh) encontra-se no fato de que os primeiros estudos científicos europeus foram realizados por gramáticos alemães. Especialmente a gramática de Gesenius (1813) constituiu, por muitos anos, o texto fundamental para quem queria aprender hebraico.

Como se sabe, o som “sh” inglês se escreve, em alemão, “sch”, como, por exemplo, em Schiller, Schopenhauer, ou Schuman. E foi por esse motivo que se introduziu a grafia “sch” em muitas palavras hebraicas, para representar a “shin” (Nota do tradutor: a 21ª letra do alfabeto hebraico). Com o predomínio atual do inglês, entretanto, não tem nenhuma lógica seguir usando uma transliteração germânica dos vocábulos hebraicos e, por isso, a letra “shin” é representada sempre por “sh”, como em Asher, Shabat, Shibolet, Beersheva, ou KADOSH”.

Esse – é sempre bom insistir – é o testemunho de um escritor maçom, culto, judeu, residente em Israel, membro de uma Grande Loja que, hoje, mantém Tratado de Amizade e de Mutuo Reconhecimento com o Grande Oriente do Brasil, e de um Supremo Conselho escocês mundialmente reconhecido. O que poderão alegar, diante disso, os que, sem nenhuma base, defendem a grafia incorreta ? Agora, não é apenas um mísero autor “tupiniquim” – como dizem os literatos de W.C. – que aponta o erro.

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Liberdade, Igualdade, Fraternidade

José Castellani

Origem do Lema As três palavras --- Liberdade, Igualdade e Fraternidade ---que se tornaram, praticamente, um lema da Maçonaria contemporânea, não têm origem maçônica. Alguns autores, mais ufanos do que realistas e mais fantasistas do que científicos, afirmam que o lema é maçônico e foi utilizado como divisa da Revolução Francesa de 1889.

A verdade histórica, todavia, é bem outra:

Em primeiro lugar, o lema da Revolução Francesa era “Liberté, Égalité, ou la Mort” (Liberdade, Igualdade, ou a Morte). Só com a 2a. República, em 1848, é que ele iria se transformar em “Liberté, Égalité, Fraternité” (Liberdade, Igualdade, Fraternidade). (Ver nota)

Em segundo lugar, foi a Maçonaria francesa que, na segunda metade do século XIX, adotou o lema da 2a. República, o qual acabaria se vulgarizando entre os maçons que trabalhavam sob influência da cultura francesa, em todo o mundo, a ponto de chegar a ser considerado como uma divisa exclusivamente maçônica, o que não é.

Em terceiro lugar, a idéia de Liberdade, Igualdade e Fraternidade é bem mais antiga. Podem ser encontrados vestígios dela, quando da criação da primeira seita comunista, dita “Comunismo Cristão”, fundada em 1694, por Johann Kelperès. Para os membros dessa seita, o Messias aguard

ado não se apresenta como o pescador de almas, mas, sim, através de uma trilogia, onde ele é o “distribuidor de justiça”(igualdade), o “grande irmão” (fraternidade) e o “libertador” (liberdade).

Análise e significado

A análise da divisa, ou da trilogia, pode ser feita através do prisma político-social, ou sob o ponto de vista exclusivamente iniciático. No primeiro caso, teríamos:

A igualdade constitui um ideal da organização social, pela qual lutou a humanidade, à medida que ia avançando no caminho de sua evolução. Essa luta dura até hoje, porque a divisão das nações, em sistemas políticos, das comunidades, em classes sociais, e dos indivíduos, em posições econômicas, morais e intelectuais, prejudicam os esforços em benefício da igualdade irrestrita.

A fraternidade é considerada como a conduta que norteia a vida de um indivíduo. Ela é desejada, reclamada e fixada como objetivo de todas as religiões, instituições sociais, partidos políticos, etc. , estabelecendo o altruísmo contra o egoísmo, a benevolência contra a malevolência, a tolerância contra a intolerância, o amor contra o ódio.

A liberdade nasce com o indivíduo, atinge o consciente coletivo dos povos e produz fatos extraordinários. O sentimento de liberdade é o bem mais caro ao coração de um homem; e não há nada que o deprima tanto quanto a opressão da escravidão, o encarceramento da consciência e a privação da liberdade.

Do ponto de vista iniciático, todavia, o conceito é um pouco diferente:

A igualdade repousa sobre a consciência da identidade básica de todos os seres e de todas as manifestações do espírito humano, acima de todas as distinções externas de posição social e de grau de conhecimento e de desenvolvimento

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intelectual. Essa igualdade, representada pelo Nível, é que proporciona, a todos, uma justa e reta maneira de conduta com todos os semelhantes.

A fraternidade é considerada o complemento da liberdade individual e da igualdade espiritual, das quais representa a adoção prática. Em síntese, é a tolerância, em relação à liberdade, e a compreensão, em relação à igualdade.

A liberdade é definida como uma aquisição individual, íntima, fundamentalmente independente da liberdade externa, que pode ser outorgada pelas leis e pelas circunstâncias da vida. Em resumo, é a liberdade que se adquire buscando a Verdade e realizando esforços para trilhar o caminho da virtude, dominando os vícios, os hábitos negativos e as paixões destrutivas.

A Interpretação Astrológica A Igualdade é o símbolo de Libra, ou Balança. Este signo é o símbolo universal do equilíbrio, da legalidade e da justiça, concretizados pelo senso da diplomacia e da cortesia, que o caracterizam, assim como a aversão à agressividade e à violência de Áries, que está diante dele. Libra significa, em última análise, um caráter afável, um sentido de justiça, harmonia e sociabilidade, que são, todos, atributos da igualdade.

A Fraternidade é perfeitamente ilustrada pelo signo de Gêmeos, em sua dualidade, representado por dois gêmeos, que são os míticos Castor e Pólux, cada um desempenhando seu papel, sem nenhuma proeminência sobre o outro. O signo de Gêmeos é dual, porque simboliza o momento em que a força criativa de Áries e Touro divide-se em duas correntes: uma tem sentido ascensional, espiritual, e a outra é descendente, no sentido da multiplicidade das formas e do mundo fenomênico. Considere-se, também, que, face a Gêmeos, está Sagitário, governado por Júpiter, Zeus, Deus, do qual todos os homens emanam, o que os faz irmãos uns dos outros, com cada um procurando-o, à sua maneira.

A Liberdade é apanágio de Aquário, simbolizado por Ganimedes, pelo anjo derramando, sobre a humanidade, o cântaro do saber ; saber, que, se for bem utilizado, pode ser um meio de acesso à liberdade, co m a condição de que aceite a superioridade do iniciado. Só o iniciado, o sábio, poderá reconhecer os limites além dos quais não poderá ir, pois esta é a maneira dele chegar ao conhecimento dos mistérios divinos. Essa ligação com o divino, da qual Moisés é um símbolo, o respeito às leis divinas, fundamental para uma existência pacífica e harmoniosa, serão, também, assinalados pelo signo frontal a Aquário: Leão, cujo símbolo é o Sol; o Sol, símbolo do UM, símbolo de Deus.

Esses três signos, Libra, Gêmeos e Aquário, são os signos do ar do zodíaco. E os signos do ar são símbolos do espírito, são símbolos do cosmos, que o iniciado deve procurar conhecer e compreender.

Nota - Alec Mellor, respeitadíssimo pesquisador francês, afirma que é inteiramente falso que essa divisa republicana seja de origem maçônica. Louis Blanc e outros autores pretendem que seu inventor tenha sido Louis-Claude de Saint-Martin, mas o historiador mais abalizado da vida e do pensamento deste, Robert Amadou, demonstrou que isso não é verdadeiro.

A pesquisadora B.F. Hyslop examinou uma grande quantidade de diplomas maçônicos publicados entre 1771 e 1799, na Biblioteca Nacional de Paris, e não encontrou mais que dois, somente, onde as três palavras estão reunidas. Quase todos registram “Saúde - Força - União”, ou falam do templo onde reina “o Silêncio, a União e a Paz”. O resultado desse estudo está publicado in “Annales Historiques de la Révolution Française” - janeiro, 1951, pag. 7.

A 1a. República conheceu bem a divisa “Liberdade, Igualdade, ou a Morte”, mas tal programa ideológico não foi jamais o da Maçonaria. Foi somente sob a 2a. República que a “tríplice divisa” surgiu. Mas não foi a República que tomou emprestada a divisa à Maçonaria, mas, sim, a Maçonaria é que a tomou emprestada à República (in Dictionnaire de la Franc-Maçonnerie et des Francs-Maçons” - Belfond - Paris - 1971) .

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O Patriarca da Imprensa Brasileira e Os Primórdios da Maçonaria Portuguesa

José Castellani

Embora a Maçonaria, em Portugal tenha se iniciado, provavelmente, em 1735, quando algumas Lojas teriam sido instaladas pela Grande Loja de Londres --- fundada a 24 de junho de 1717 --- ela só teve, realmente, a sua concretização nos últimos anos do século XVIII e nos primeiros do século XIX, quando foi criada a primeira Obediência nacional.

Para essa relativa estagnação, durante tanto tempo, muito concorreu o trabalho da inquisição portuguesa , que conseguiu persuadir o rei D. João V de que os maçons eram, alem de hereges, inimigos do Estado. Graças a isso, o movimento maçônico foi, praticamente exterminado, só renascendo a partir de 1762, durante o reinado de José I, que tinha, como ministro, o marquês de Pombal. Novo golpe, todavia, seria dado sobre ele, no último quartel do século XVIII, com a ascensão, ao trono português, de D. Maria I, que, manobrada pelos frades da inquisição, permitiu uma verdadeira “caça às bruxas” , que redundou na prisão e no degredo de muitos maçons, entre os quais Felix José d’Avellar Brotero --- que veio para o Brasil --- cujo filho, Frederico D’Abney de Avellar Brotero (o Conselheiro Brotero) foi maçom da Loja “Amizade” --- fundada a 13 de maio de 1832, em S. Paulo --- iniciado nos primeiros anos de atividade da Loja. Toda esta perseguição aos maçons, contava com a decisiva participação do intendente geral da polícia, Diogo Ignacio de Pina Manique, tristemente célebre.

Em 1797, numa reunião maçônica realizada na fragata Phenix , da qual participaram maçons portugueses e ingleses, nasceu a importante Loja “Regeneração”, que, posteriormente daria origem a outras cinco Lojas, das quais a mais proeminente foi a “Fortaleza”, que chegou a ter um quadro com 140 membros, entre os quais se contavam figuras ilustres da sociedade portuguesa.

Seria, exatamente, a partir daí que a Maçonaria portuguesa, realmente, iria tomar força e vigor, apesar dos esforços contrários de Pina Manique, junto a D. Maria I e, depois, junto ao príncipe D. João, que se tornara regente, em 1801, devido à enfermidade mental de sua mãe, D. Maria I (que, por isso, passou a ser chamada de D. Maria, a Louca). Pina Manique, inclusive, cunhou frases que iriam , quando disseminadas entre o povo, dar uma falsa imagem dos maçons, inclusive no Brasil; como, por exemplo, num trecho de carta a D. João, onde dizia que os maçons eram inimigos declarados de toda e qualquer religião, mas principalmente da cristã, à qual votavam ódio irreconciliável; e que, em todos os ajuntamentos maçônicos, era escarnecida, maltratada, cuspida e arrastada uma imagem de Jesus Cristo crucificado (Sic). Apesar de absurda tal imputação, em pleno século XX ela ainda povoa a mente de pessoas menos esclarecidas.

Tão grande era o ódio de Pina Manique aos maçons, que ele chegou a dizer: “ardo em sede e esta sede só pode ser mitigada em rios de sangue dos pedreiros livres“. Apesar disso tudo, porem, as Lojas continuavam com os seus trabalhos, embora em muito segredo e com muita cautela e sempre em locais diferentes, para despistar a polícia.

Foi nessa época e nessa situação que se iniciou a atividade de HIPÓLITO José DA COSTA Pereira Furtado de Mendonça na Maçonaria portuguesa.

HIPÓLITO DA COSTA (1774-1823) foi o mais autêntico dos intelectuais brasileiros da chamada “época das luzes”, alem de grande vulto da campanha da independência do Brasil. Diplomado em Coimbra, com apenas 24 anos de idade, em 1798, foi, nesse mesmo ano, encarregado de importante missão nos Estados Unidos da América, para estudar questões econômicas relacionadas ao desenvolvimento material do Brasil. Durante essa missão, foi iniciado maçom, através da Loja “Washington” No. 59, na Filadélfia, Estado da Pensilvania, a 2 de março de 1799. Em 1801, foi nomeado para a Imprensa

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Real e vamos encontrá-lo em Lisboa, como prior dos Anjos, a casa De D. Rodrigo de Sousa Coutinho, que, então, era ministro da Fazenda e presidente do erário.

Aí é Hipólito procurado pelo Irmão padre José Joaquim Monteiro de Carvalho e Oliveira, Venerável Mestre da Loja Concórdia, o qual procurava a sua ajuda e a de D. Rodrigo, contra os desmandos de Pina Manique.

Dos contatos com os principais próceres da Maçonaria portuguesa e sendo um homem acatado, pela sua posição e sua cultura, é que Hipólito partiu para Londres, em abril de 1802, com a finalidade de negociar, com a Grande Loja inglesa, o reconhecimento de uma Grande Loja em Portugal, colocando em prática a idéia de regularizar a situação anômala das Lojas portuguesas, surgida em uma dieta (assembléia) geral, em 1801.

Sabe-se que os contatos de Hipólito lograram êxito, sendo, o fato, confirmado por William Preston, que foi contemporâneo dos acontecimentos, em sua obra, editada em 1812, “Illustrations of Masonry “, E tais contatos foram feitos, certamente com a autodenominada Grande Loja dos “Antigos”, criada em 1753, para combater as inovações introduzidas pela Primeira Grande Loja --- The Premier Grand Lodge --- fundada em 1717, que os “Antigos” chamavam de Grande Loja dos “Modernos” (só em 1813 haveria a fusão das duas Grandes Lojas, da qual emergiria a Grande Loja Unida da Inglaterra).

Regularizada a situação das Lojas, foi possível instalar, no final de 1804 --- e não no verão, como afirmam Graça e J.S. da Silva Dias, em “Os Primórdios da Maçonaria em Portugal” - Lisboa, 1986 --- a primeira Grande Loja regular em Portugal, da qual foi Grão-Mestre Sebastião José de Sampaio e Grande Orador José Liberato Freire de Carvalho, que foi quem transmitiu os fatos então ocorridos, inclusive a época da instalação. Também faziam parte da Grande Loja, entre outros, o general Gomes Freire de Andrade e Rodrigo Pinto Guedes, então ajudante de ordens do marquês de Niza e que, como almirante, iria morrer no Brasil.

Hipólito da Costa, todavia, estava preso, pois fora detido no final de junho de 1802, ao regressar a Lisboa, pelo corregedor de crime da Corte, José Anastácio Lopes Cardoso, o qual tinha instruções de Pina Manique, no sentido de procurar insígnias, ou papéis, que comprometessem o brasileiro. Colocado, em segredo, na cadeia do Limoeiro, nela permaneceu seis meses, sendo, depois, transferido para os cárceres da inquisição , de onde seria arrancado , depois de três anos, pela Maçonaria, com a compra de guardas e a intervenção dos Irmãos José Liberato e Ferrão.

Ao sair da prisão, Hipólito refugiou-se na casa do Irmão Barradas e no convento de S, Vicente de Fora, sendo, depois, entregue aos cuidados dos Irmãos Rodrigo Pinto Guedes e José Aleixo Falcão. Somente depois de um ano, em 1805, é que conseguiria escapar para o Alemtejo, como criado do Irmão desembargador Fillipe Ferreira; daí alcançou a Espanha, dirigindo-se, depois, à Inglaterra, onde se radicou, passando a viver como professor e tradutor.

Em março de 1808, em Londres, ingressou na Loja “Antiquity” e seria um dos fundadores da Loja “Royal Invernes”, em 1814. Tambem foi Secretário de Assuntos do Exterior do Freemason’s Hall --- a Grande Loja Inglesa --- e Grão-Mestre da província de Ruthland, tendo estreitado relações com o general Francisco Miranda --- lider da emancipação da América espanhola --- e com o conde de Sussex, filho de George III, o mais importante dos maçons, seu padrinho de casamento e cuja amizade lhe foi muito útil, quando o governo do Rio de Janeiro pretendeu expulsá-lo da Inglaterra. Através de Hipólito, em 1812, seria iniciado na Maçonaria o brasileiro Domingos José Martins, que viria a ser o chefe da Revolução Pernambucana de 1817.

Sua mais importante obra, todavia, foi a criação, em 1808, do CORREIO BRASILIENSE, ou ARMAZEM LITERÁRIO, cuja publicação só seria interrompida em 1823. Este jornal não foi, apenas, o primeiro órgão da imprensa brasileira, ainda que publicado no Exterior, mas, principalmente, o mais completo veículo de informação e análise da situação política e social de Portugal e do Brasil, naquela época, com a preconização de uma verdadeira reforma de base para o nosso país. Bateu-se pela necessidade da construção de uma rede de estradas, pela utilização de matérias primas na fabricação de manufaturas --- proporcionando formação e expansão do mercado interno --- pela abolição da escravatura, pela transferência da Capital do país para o interior e pela adoção de uma política imigratória, que aproveitasse, de preferência, artesãos e técnicos, ao invés da mão-de-obra não qualificada.

Graças a isso, passou à História como “O PATRIARCA DA IMPRENSA BRASILEIRA” e habita a memória nacional como um de suas mais luzentes figuras.

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O Tratado da Tríplice Aliança e a Guerra do Paraguai

José Castellani

O Tratado Tratando-se de documento pouco conhecido, segue-se o texto integral do Tratado da Tríplice Aliança, já que a história real da guerra, a não oficial, a não tendenciosa, ainda está sendo escrita.

Tratado da Tríplice Aliança

“O governo de Sua Majestade o Imperador do Brasil, o governo da República

Argentina e o governo da República Oriental do Uruguai;

Os dois primeiros em guerra com o governo da República do Paraguai por

lha ter esta declarado de fato, e o terceiro em estado de hostilidade e

vendo ameaçada a sua segurança interna pelo dito governo, o qual violou a

fé pública, tratado, ordens e os usos internacionais das nações

civilizadas e cometeu atos injustificáveis depois de haver perturbado as

relações com os seus vizinhos pelos maiores abusos e atentados;

Persuadidos que a paz, segurança e prosperidade de suas respectivas

nações tornam-se impossíveis enquanto existir o atual governo do Paraguai

e que é uma necessidade imperiosa, reclamada pelos mais elevados

interesses, fazer desaparecer aquele governo, respeitando-se a soberania,

independência e integridade territorial da República do Paraguai;

Resolveram, com esta intenção, celebrar um Tratado de Aliança ofensiva e

defensiva e para esse fim nomearam seus plenipotenciários, a saber:

Sua Majestade o Imperador do Brasil ao Excelentíssimo Sr. Dr. Francisco

Otaviano de Almeida Rosa, do Seu Conselho, Deputado à Assembléia Geral

Legislativa e Oficial da imperial Ordem da Rosa;

Sua Excelência o Presidente da República da Argentina ao Excelentíssimo

Sr. Dr. Dom Rufino de Eliralde, seu Ministro e Secretário de Estado dos

Negócios Estrangeiros;

Sua Excelência o Governador Provisório da República Oriental do Uruguai

ao Excelentíssimo Sr. Dr. Dom Carlos de Castro, seu Ministro e Secretário

de Estado dos Negócios Estrangeiros;

Os quais, depois de terem trocado seus respectivos poderes, que foram

achados em boa e devida forma, concordaram no seguinte:

Art. 1o - Sua Majestade o Imperador do Brasil, a República Argentina e a

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República Oriental do Uruguai se unem em aliança ofensiva e defensiva na

guerra promovida pelo governo paraguaio.

Art. 2o - Os aliados concorrerão com todos os meios de guerra de que

possam dispor, em terra ou nos rios, como julgarem necessário.

Art. 3o - Devendo começar as operações da guerra no território da

República Argentina ou na parte do território paraguaio que é limítrofe

com aquele, o comando em chefe e direção dos exércitos aliados ficam

confiados ao Presidente da mesma República General em Chefe do Exército

Argentino Brigadeiro General D. Bartolomeu Mitre.

Embora as altas Partes contratantes estejam convencidas de que não mudará

o terreno das operações de guerra, todavia para salvar os direitos

soberanos das três nações firmam desde já o princípio de reciprocidade

para o comando em chefe, caso as ditas operações se houverem de

transpassar para o território brasileiro ou oriental.

As forças marítimas dos aliados ficarão sob o imediato comando do Vice-

Almirante Visconde de Tamandaré, Comandante em Chefe da Esquadra de Sua

Majestade o Imperador do Brasil.

As forças terrestres de Sua Majestade o Imperador do Brasil formarão um

exército debaixo das imediatas ordens do seu General em Chefe, Brigadeiro

Manoel Luiz Osório.

As forças terrestres da República Oriental do Uruguai, uma divisão das

forças brasileiras e outra das forças argentinas, que designarem seus

respectivos chefes superiores, formarão um exército às ordens imediatas

do Governador Provisório da República Oriental do Uruguai, Brigadeiro

General D. Venancio Flores.

Art. 4o - A ordem e economia militar dos exércitos aliados dependerão

unicamente de seus próprios chefes.

As despesas de soldo, subsistência, munições de guerra, armamento,

vestuário e meios de mobilização das tropas aliadas serão feitas à custa

dos respectivos estados.

Art. 5o - As altas partes contratantes prestar-se-ão mutuamente, em caso

de necessidade, todos os auxílios ou elementos de guerra de que

disponham, na forma que ajustarem.

Art. 6o - Os aliados se comprometem solenemente a: não deporem as armas

senão de comum acordo, e somente depois de derribada a autoridade do

atual governo do Paraguai; bem como a não negociarem separadamente com o

inimigo comum, nem celebrarem tratados de paz, trégua ou armistício, nem

convenção alguma para suspender ou findar a guerra, senão de perfeito

acordo entre todos.

Art. 7o - Não sendo a guerra contra o povo do Paraguai, e sim contra o

seu governo, os aliados poderão admitir em uma legião paraguaia os

cidadãos dessa nacionalidade que queiram concorrer para derribar o dito

governo, e lhes darão os elementos necessários, na forma e com as

condições que se ajustarem.

Art. 8o - Os aliados se obrigam a respeitar a independência, soberania e

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integridade territorial da República do Paraguai. Em conseqüência, o povo

paraguaio poderá escolher o governo e instituições que lhe aprouverem,

não podendo incorporar-se a nenhum dos aliados e nem pedir o seu

protetorado como conseqüência desta guerra.

Art. 9o - A independência, soberania e integridade territorial da

República do Paraguai serão garantidas coletivamente de acordo com o

artigo antecedente pelas altas partes contratantes durante o período de

cinco anos.

Art. 10 - Concordam entre si as altas partes contratantes que as

franquezas, privilégios ou concessões que obtenham do Governo do Paraguai

hão de ser comuns a todos eles, gratuitamente se forem gratuitas ou com a

mesma compensação ou equivalência se forem condicionais.

Art. 11 - Derribado o atual governo da República do Paraguai, os aliados

farão os ajustes necessários com a autoridade que ali se constituir para

assegurar a livre navegação dos rios Paraná e do Paraguai, de sorte que

os regulamentos ou leis daquela República não possam estorvar, entorpecer

ou onerar o trânsito e a navegação direta dos navios mercantes e de

guerra dos estados aliados, dirigindo-se para seus territórios

respectivos ou para território que não pertença ao Paraguai, e tomarão as

garantias convenientes para efetividade daqueles ajustes sob a base de

que os regulamentos de policia fluvial, quer para aqueles dois rios, quer

para o rio Uruguai, serão feitos de comum acordo entre os aliados, e os

demais ribeirinhos, que dentro do prazo que ajustarem os ditos aliados

aderirem ao convite que lhes será dirigido.

Art. 12 - Os aliados reservam-se combinar entre si os meios mais próprios

para garantir a paz com a República do Paraguai, depois de derribado o

governo atual.

Art. 13 - Os aliados nomearão oportunamente os plenipotenciários para a

celebração dos ajustes, convenções ou tratados que se tenham de fazer com

o governo que se estabelecer no Paraguai.

Art. 14 - Os aliados exigirão desse governo o pagamento das despesas da

guerra que se viram obrigados a aceitar, bem como reparação e indenização

dos danos e prejuízos causados às suas propriedades públicas e

particulares e às pessoas de seus concidadãos, sem expressa declaração de

guerra; e dos danos e prejuízos verificados posteriormente com violação

dos princípios que regem o direito da guerra.

A República Oriental do Uruguai exigirá também uma indenização

proporcional aos danos e prejuízos que lhe causa o governo do Paraguai

pela guerra em que a obriga a entrar para defender sua segurança ameaçada

por aquele governo.

Art. 15 - Em uma convenção especial se marcará o modo e forma de liquidar

e pagar a dívida procedente das causas mencionadas.

Art. 16 - Para evitar as dissensões e guerras que trazem consigo as

questões de limites, fica estabelecido que os aliados exigirão do governo

do Paraguai que celebre com os respectivos Governos tratados definitivos

de limites, sob as seguintes bases:

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O Império do Brasil se dividirá da República do Paraguai:

Do lado do Paraná pelo primeiro rio abaixo do Salto das Sete Quedas, que

segundo a recente carta de Mouchez é o Iguaçu e da Foz do Iguaçu e por

ele acima a procurar as suas nascentes;

Do lado da margem esquerda do Paraguai pelo rio Apa desde a foz até as

suas nascentes;

No interior, pelos cumes da Serra do Maracaju, sendo as vertentes de

leste do Brasil e as de oeste do Paraguai e tirando-se da mesma serra

linhas as mais retas em direção às nascentes do Apa e do Igurci.

A República Argentina será dividida da República do Paraguai pelos rios

Paraná e Paraguai a encontrar os limites com o Império do Brasil, sendo

estes do lado da margem direita do rio Paraguai a Baía Negra.

Art. 17 - Os aliados se garantem reciprocamente o fiel cumprimento dos

convênios, ajustes e tratados que se devem celebrar com o governo que se

tem de estabelecer na República do Paraguai, em virtude do que foi

concordado no presente tratado de aliança, o qualificará sempre em toda a

sua força e vigor para o fim de que estas estipulações sejam respeitadas

e executadas pela República do Paraguai.

Para conseguir este resultado concordam que no caso em que uma das altas

partes contratantes não possa obter do Governo do Paraguai o cumprimento

do ajustado, ou no caso em que este Governo tente anular as estipulações

ajustadas com os aliados, os outros empregarão ativamente seus esforços

para fazê-las respeitar.

Se estes esforços forem inúteis, os aliados concorrerão com todos os seus

meios para fazer efetiva a execução daquelas estipulações.

Art. 18 - Este tratado se conservará secreto até que se consiga o fim

principal da aliança.

Art.19- As estipulações deste tratado, que não dependam do Poder

Legislativo para serem ratificadas, começarão a vigorar desde que seja

aprovado pelos governos respectivos, e as outras desde a troca das

ratificações que terá lugar dentro do prazo de quarenta dias, contados da

data do mesmo tratado, ou antes se for possível, que se fará na Cidade de

Buenos Aires.

Em testemunho do que, nós abaixo assinados, plenipotenciários de Sua

Majestade o Imperador do Brasil, de Sua Excelência o Sr. Presidente da

República Argentina e de Sua Excelência o Sr. Governador Provisório da

República Oriental do Uruguai, em virtude de nossos plenos poderes,

assinamos o presente tratado e lhe fizemos por os nossos selos.

Cidade de Buenos Aires, 1o de maio, do ano do nascimento de Nosso

Senhor, de mil oitocentos e sessenta e cinco.

(L. S.) Francisco Otaviano de Almeida Rosa.

(L. S.) Rufino de Eliralde.

(L. S.) Carlos de Castro “.

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A Guerra

A Guerra do Paraguai foi um conflito armado, que envolveu o Paraguai, o Uruguai, o Brasil e a Argentina. Segundo as versões mais antigas, o presidente paraguaio, Francisco Solano Lopez teria precipitado as hostilidades, ao invadir o Brasil, em uma iniciativa expansionista, movida pela carência de portos litorâneos e pela intervenção brasileira no Uruguai. As versões mais modernas e embasadas em pesquisas mais imparciais, todavia, mostram que o Brasil foi levado ao conflito, por influência da Inglaterra, que não via com bons olhos a industrialização e a prosperidade que se instalavam no Paraguai e que constituiam ameaça aso seus interesses econômicos na região.

A Inglaterra, por interesses econômicos, já vinha interferindo, há muito tempo, na vida política do Brasil, começando pela atuação perante o problema da escravidão, em parte por causa da posição mundial em torno dele, mas em grande parte por interesse, já que escravos não tinham dinheiro para comprar produtos ingleses e os seus proprietários gastavam muito dinheiro com eles, ao invés de gastar com os produtos ingleses. Fora disso, a intervenção britânica era palpável: em 1861, o embaixador britânico no Brasil, William Christie, criou um caso diplomático, porque um navio inglês naufragara e fora saqueado por ladrões e ele exigira uma pesada indenização, que o imperador D. Pedro II recusou-se a pagar. O embaixador, então, mandou apresar cinco navios brasileiros, o que fez com que o Brasil rompesse relações com a Inglaterra, até 1865, quando elas foram reatadas.

O Brasil, interessado em preservar suas fronteiras ao sul e garantir a navegação pelos rios da Prata, Paraná e Uruguai, onde as rotas comercias eram dominadas pelos argentinos, já abrira duas frentes de batalha, contra o Uruguai e a Argentina, tendo, os conflitos, se iniciado entre 1851 e 1852, contra a Argentina e o Uruguai, e, novamente, em 1864/1865, só com o Uruguai.

O Paraguai, por sua vez, desde a sua independência, em 1811, fechara suas portas ao imperialismo britânico, concentrando-se em resolver os seus problemas internos. Com isso, foi criado um país economicamente estável, soberano e livre do capitalismo inglês, com a distribuição de terras, aumento da produção agrícola e industrial e construção de escolas (em 1840, já não havia analfabetos no país). Essa diferença, em relação aos demais países latino-americanos, não agradava aos ingleses, que estimularam a formação da Tríplice Aliança, para declarar guerra ao único país realmente livre da América do Sul. É claro que as razões alegadas no tratado, como se pode ver, aludiam a razões outras, que não as de interesse econômico, principalmente dos ingleses.

A guerra começou em 1865 e, para mostrar a extrema crueldade que a caracterizou, basta dizer que, pelo lado brasileiro, morreram cerca de 100.000 combatentes, mas, pelo lado paraguaio, o estrago foi muito maior, um verdadeiro genocídio: a população do país, que, antes da guerra, era de 800.000 pessoas, ficou reduzida a cerca de 190.000, o que quer dizer que 75% da população foram exterminados, restando, da população adulta, apenas 0,5%. O Paraguai, que havia sido um próspero país, era transformado num cemitério, por um guerra sórdida e trágica, movida por interesses econômicos. E o Brasil, que participara desse genocídio, sofria um violento abalo na sua economia, com um grande aumento de sua dívida externa com os ingleses.

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Título: Do Pó dos Arquivos Autor: José Castellani Editora: CopyMarket.com, 2000

Os Primórdios da Moderna Maçonaria

José Castellani

Organizações de ofício, as precursoras

Desde que o homem deixou as cavernas e as suas vivendas de nômade, sedentarizando-se e formando uma sociedade estratificada, surgiram os profissionais dedicados à arte da construção, os quais foram se aperfeiçoando, não só na ereção de casas de residência, mas, também, na de templos, de obras públicas e obras de arte. Embora tivessem, esses profissionais, desde os seus primeiros tempos, mantido, entre si, certa camaradagem e um sentimento de agregação, não havia, na realidade, uma organização que os reunisse, que regulasse a sua atividade e que lhes desse um maior sentido de responsabilidade profissional.

Foi no Império Romano do Ocidente, da Roma conquistadora, que, em função da própria atividade bélica, surgiu, no século VI a.C., a primeira associação organizada de construtores, os Collegia Fabrorum. Como a conquista das vastas regiões da Europa, da Ásia e do norte da África, levava à destruição, os collegiati acompanhavam as legiões romanas, para reconstruir o que fosse sendo destruído pela guerra. Dotada de forte caráter religioso, essa organização dava, ao trabalho, o cunho sagrado de um culto às divindades. De início politeísta, tornou-se, com a expansão do cristianismo, monoteista, entrando, porém, em decadência, após a queda do Império Romano do Ocidente, ocorrida em 476 d.C., embora persistissem pequenos grupos da associação no Império Romano do Oriente, cujo centro era Constantinopla.

Na Idade Média é que iria florescer, através do grande poder da época, a Igreja, a hoje chamada Maçonaria Operativa, ou Maçonaria de Ofício, para a preservação da Arte Real entre os mestres construtores da Europa. Assim, a partir do século VI, as Associações Monásticas, formadas, principalmente, por clérigos, dominavam o segredo da arte de construir, que ficou restrita aos conventos, já que, naquela época de barbárie, quando a Europa estava em ruínas, graças às sucessivas invasões dos bárbaros, e quando as guerras, os roubos e os saques eram freqüentes e até encarados como fatos normais, os artistas e arquitetos encontraram refúgio seguro nos conventos. Posteriormente, pela necessidade de expansão, os frades construtores começaram a preparar e a adestrar leigos, proporcionando, a partir do século X, a organização das Confrarias Leigas, que, embora formadas por leigos, recebiam forte influência do clero, do qual haviam aprendido a arte de construir e o cunho religioso dado ao trabalho.

É dessa época aquela que é considerada a primeira reunião organizada de operários construtores: a Convenção de York, ocorrida em 926 e convocada por Edwin, filho do rei Athelstan, para reparar os prejuizos que as associações haviam tido com as sucessivas guerras e invasões. Nessa reunião, foi apresentada, para apreciação e aprovação, um estatuto, que, dali em diante deveria servir como lei suprema da confraria e que é, geralmente, chamado de Carta de York.

Quase na mesma época, surgiriam associações simplesmente religiosas, que, a partir do século XII, formaram corpos profissionais: as Guildas. A elas se deve o primeiro documento em que é mencionada a palavra “Loja”, para designar uma corporação e o seu local de trabalho. As Guildas e sua contemporânea, a organização dos Ofícios Francos, foram as principais precursoras da moderna Maçonaria. O seu nome “Gild”, de origem teutônica, deriva do título dado, na antiga região da Escandinávia, a um ágape religioso, durante o qual, numa cerimônia especial, eram despejados três copos de chifre (chavelhos), conforme o uso da época, cheios de cerveja, sendo um em homenagem aos deuses, outro, pelos antigos heróis, e o último em homenagem aos parentes e em memória dos amigos mortos; ao final da cerimônia, todos os participantes juravam defender uns aos outros, como irmãos, socorrendo-se mutuamente nos momentos difíceis. As Guildas caracterizavam-se por três finalidades principais: auxílio mútuo, reuniões em banquetes e atuação por reformas políticas e sociais. Introduzidas na Inglaterra, por reis saxões, elas foram modificadas por influência do cristianismo, mas, mesmo

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assim, não eram bem aceitas pela Igreja, que não via com bons olhos a prática do banquete, por suas origens pagãs, e a pretensão de reformas políticas e sociais, que pudessem, eventualmente, contribuir para diminuir os seus privilégios e os privilégios das corporações sob a sua proteção. Assim, para evitar a hostilidade da Igreja, cada guilda era organizada sob a égide de um monarca, ou sob o nome de um santo protetor.

No século XII, associada às guildas, surgia uma organização de operários alemães, os Steinmetzen, ou seja, canteiros 1, talhadores, ou esquadrejadores de pedra, os quais, sob a direção de Erwin de Steinbach, alcançariam notoriedade, quando Erwin conseguiu a aprovação de seus planos para a construção da catedral de Estrasburgo e deu um aperfeiçoado sentido de organização aos seus obreiros.

Surgem os ofícios francos, ou franco-maçonaria

No século XII, também, iria florescer a associação considerada a mais importante desse período operativo: os Ofícios Francos (ou Franco-Maçonaria), formados por artesãos privilegiados, com liberdade de locomoção e isentos das obrigações e impostos reais, feudais e eclesiásticos. Tratava-se, portanto, de uma organização de construtores categorizados, diferentes dos operários servos, que ficavam presos a uma mesma região, a um mesmo feudo, à disposição de seus amos. Na Idade Média, a palavra franco designava não só o que era livre, em oposição ao que era servil, mas, também, todos os indivíduos e todos os bens que escapavam às servidões e aos direitos senhoriais; esses artesãos privilegiados eram, então, os pedreiros-livres, franc-maçons, para os franceses, ou free-masons, para os ingleses. Tais obreiros, evidentemente, tinham esses privilégios concedidos pela Igreja, que era o maior poder político da época, com grande ascendência sobre os governantes.

A palavra francesa “maçon”, correspondente a pedreiro, converteu-se em “maison” (casa) e, também, embora só relativamente, em “masse” (maça, clava). Essa maça, ou clava, habilitava o porteiro a afastar os indesejáveis intrusos e curiosos. O pesquisador alemão Lessing, um dos clássicos da literatura alemã, atribui a palavra inglesa “masonry” (maçonaria) a uma transmissão incorreta. Originalmente, a idéia teria sido dada pelo velho termo inglês “mase” (missa, reunião à mesa). Uma tal sociedade de mesa, ou reunião de comensais, de acordo com a alegoria da Távola Redonda, do rei Arthur, poderia, segundo Lessing, ainda ser encontrada em Londres, no século XVII. Ela se reunia nas proximidades da famosa catedral de São Paulo e, quando sir Christopher Wren, o construtor da catedral, tornou-se membro desse círculo, julgou-se que se tratava de uma cabana dos construtores, que estabelecia uma ligação de mestres construtores e obreiros; daí, então, ou seja, dessa suposição errada, é que teria se originado o termo “masonry”, para designar a sociedade dos construtores.

Uma explicação para o termo inglês “freemason” (pedreiro livre) está ligada ao termo “freestone”, que é a pedra de cantaria, ou seja, a pedra própria para ser esquadrejada, para que nela sejam feitos cantos, que a transformem numa pedra cúbica, a ser usada nas construções. As expressões “freestone mason” e “freestone masonry”, daí surgidas, acabaram sendo simplificadas para “freemason” (o obreiro) e “freemasonry” (a atividade). Esta é uma hipótese mais plausível do que a de Lessing, que só considerou o caso particular da Inglaterra, quando se sabe que não foi só aí que existiu uma íntima ligação com o trabalho dos artífices da construção.

Nessa fase primitiva, porém, antes de, propriamente, se ter iniciado a formação de Lojas, quase que não se pode falar em Maçonaria no sentido que ela adquiriu na fase moderna, pois, sobretudo, naquele tempo não podia ser considerada como uma sociedade secreta. O segredo não era, a princípio, mais do que o processo pelo qual um dos membros da irmandade reconhecia o outro. Diga-se a bem da verdade, que, na época atual, a Maçonaria já não pode mais ser considerada secreta, mas apenas discreta. Os segredos mais guardados e que persistem são, obviamente, apenas os meios de reconhecimento, reservados só aos iniciados, já que, de posse deles, um não iniciado poderia ter acesso aos templos maçônicos e às sessões das Lojas.

1 Canteiro é o operário que trabalha em cantaria, que esquadreja e trabalha na escultura da pedra bruta; cantaria (palavra derivada de canto) designa a pedra lavrada para as construções.

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É criado o importante estilo gótico

Na metade do século XII, surgia o estilo arquitetônico gótico, ou germânico, primeiro no norte da França, espalhando-se, depois, pela Inglaterra, Alemanha e outras regiões do norte da Europa e tendo o seu apogeu na Alemanha, durante 300 anos. Tão importante foi o estilo gótico para as confrarias de construtores, que as suas regras básicas eram ensinadas nas oficinas dos canteiros, ou talhadores de pedra; tão importante que a sua decadência, no século XVI, decretou o declínio das corporações.

No século XIII, em 1220, era fundada, na Inglaterra, durante o reinado de Henrique III, uma corporação dos pedreiros de Londres, que tomou o título de The Hole Craft and Fellowship of Masons (Santa Arte e Associação dos Pedreiros) e que, segundo alguns autores, seria o germe da moderna Maçonaria. Pouco depois, em 1275, ocorria a Convenção de Estrasburgo, convocada pelo mestre dos canteiros e da catedral de Estrasburgo, Erwin de Steinbach, para terminar as obras do templo. A construção da catedral, iniciada em 1015, estava praticamente terminada, quando foi resolvido ampliar o projeto original e, para isso, foi chamado Erwin A essa convenção acorreram os mais famosos arquitetos da Inglaterra, da Alemanha e da Itália, que criaram uma Loja, para as assembléias e discussão sobre o andamento dos trabalhos, elegendo Erwin como Mestre de Cátedra (Meister von sthul).

Esclareça-se que, na época, os obreiros criavam uma Loja, fundamentalmente, para tratar de determinada construção, como é o caso dessa catedral. Tais Lojas serviam para tratar dos assuntos ligados apenas à construção prevista, já que, para outras reuniões, inclusive com obreiros de outras corporações, eram utilizados os recintos de tabernas e hospedarias, principalmente em solo inglês. A palavra Loja, por sinal, foi mencionada pela primeira vez em 1292, em documento de uma guilda 2.

Próximo desse tempo, ou seja, no século XIV, começava, também, a atuação do Compagnonnage (Companheirismo), criado pelos cavaleiros templários 3. Os membros dessa organização construíram, no Oriente Médio, formidáveis cidadelas, adquirindo certo número de métodos de trabalho herdados da Antigüidade e constituindo, durante as Cruzadas, verdadeiras oficinas itinerantes, para a construção de obras de defesa militar, pontes e santuários. Retornando à Europa, eles tiveram a oportunidade de exercer o seu ofício, construindo catedrais, igrejas,.obras públicas e monumentos civis.

No século XVI, a decadência das corporações de ofício

Já na primeira metade do século XVI, as corporações, diante das perseguições que sofriam --- principalmente por parte do clero --- e diante da evolução social européia, começavam a entrar em declínio. Em 1535, realizava-se, em Colônia, uma convenção, que fora convocada para refutar as calúnias dirigidas pelo clero contra os franco-maçons. Embora ela não tenha tido o brilho e a freqüência de outras convenções, consta, embora tal afirmativa seja contestada, por carecer de comprovação, que, na ocasião, teria sido redigido um manifesto, onde era estabelecido o princípio de altos graus, que seriam introduzidos por razões políticas.

Em 1539, o rei da França, Francisco I, revogava os privilégios concedidos aos franco-maçons, abolindo as guildas e demais fraternidades e regulamentando as corporações de artesãos. Em contrapartida, em 1548, era concedido, aos operários construtores, de maneira geral, o livre exercício de sua profissão, em toda a Inglaterra; um ano depois, todavia, por exigência de Londres, era cassada a autorização concedida, o que fazia com que os franco-maçons ficassem na condição de operários

2 Loja - do germânico: leubja (pronúncia: lóibja) e do frâncico: laubja, através do francês: loge - designava o lar, a casa, o abrigo, o pátio, o alpendre; e, também, a entrada de edifício, ou galeria usada para exposições artísticas e venda de produtos artesanais. As guildas de mercadores assim designavam seus locais de depósito e venda de produtos manufaturados, enquanto as guildas artesanais adotaram o termo para designar o seu local de trabalho, ou seja, as oficinas dos artífices. 3 A Ordem da Milícia do Templo, ou Ordem dos Templários, foi uma ordem religiosa e militar, criada em 1118, com estatutos feitos pelo abade de Clairvaux (São Bernardo). Adquirindo prestígio e riqueza, a ordem excitaria a cobiça do rei francês Filipe IV, cognominado “o Belo”, que, com a conivência do papa Clemente V, conseguiu a sua extinção, em 1312, seguida da execução, na fogueira, de seu Grão-Mestre, Jacques de Molay, em 1314. Antes da extinção, necessitando, em suas distantes comendadorias do Oriente, de trabalhadores cristãos, os templários organizaram o Compagnonnage, dando-lhe um estatuto chamado Santo Dever, de acordo com sua própria filosofia.

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ordinários, como tais sendo tratados legalmente. Em 1558, ao assumir o trono da Inglaterra, a rainha Isabel renovava uma ordenação de 1425, que proibia qualquer assembléia ilegal, sob pena dela ser considerada uma rebelião. Três anos depois, em dezembro de 1561, tendo, os franco-maçons ingleses, anunciado a realização de uma convenção em York, durante a festividade de São João Evangelista, Isabel ordenou a dissolução da assembléia, decretando a prisão de todos os presentes a ela; a ordem só não foi confirmada, porque lord Thomas Sackville, adepto da arte da construção, estando presente, demoveu a rainha de seu intento, fazendo com que, em 1562, ela revogasse a ordenação de 1425.

Em 1563, a Convenção de Basiléia, feita por iniciativa da confraria de Estrasburgo, organizava um código para os franco-maçons alemães, o qual serviria de regra à corporação dos canteiros, até que surgissem os primeiros sindicatos de operários, no século XIX. Mas era patente o declínio das confrarias, no século XVI. A Renascença relegara o estilo gótico e a estrutura ogival das abóbadas --- próprias da arte dos franco-maçons medievais --- ao abandono, revivendo as características da arte greco-romana. Assim, embora ela tivesse atingido a todos os campos do conhecimento e a todas as corporações profissionais, foi a dos franco-maçons a mais afetada. No final do século, Inigo Jones introduzia, na Inglaterra, o estilo renascentista, sepultando o estilo gótico e apressando a decadência das corporações de franco-maçons ingleses. Estas, perdendo o seu objetivo inicial e transformando-se em sociedade de auxílio mútuo, resolveram, então, permitir a entrada de homens não ligados à arte de construir, não profissionais, que eram, então, chamados de maçons aceitos.

E se iniciava a transformação na Maçonaria atual, a dos “Aceitos”

As corporações, evidentemente, começaram por admitir pessoas em pequeno número e selecionadas entre os homens conhecidos pelos seus dotes culturais, pelo seu talento e pela sua condição aristocrática, que poderiam dar projeção a elas, submetendo-se, todavia, aos seus regulamentos. Era a tentativa de sustar o declínio.

O primeiro caso conhecido de aceitação é o de John Boswell, lord de Aushinleck --- ou, segundo J.G. Findel, sir Thomas Rosswell, esquire de Aushinleck --- que, a 8 de junho de 1600 foi recebido maçom --- não profissional --- na Saint Mary’s Chapell Lodge (Loja da Capela de Santa Maria), em Edimburgo, na Escócia. Esta Loja fora criada em 1228, para a construção da Capela de Santa Maria, destinando-se, como já foi visto, às assembléias dos obreiros e discussões sobre o andamento das obras.

Depois disso, o processo de aceitação, iniciado na Escócia, iria se espalhar e se acelerar, fazendo com que, ao final do século, o número de aceitos já ultrapassasse, largamente, o de franco-maçons operativos. Os mais famosos nomes de “aceitos”, na primeira metade do século XVII, foram: William Wilson, aceito em 1622; Robert Murray, tenente-general do exército escocês, recebido, em 1641, na Loja da Capela de Santa Maria e tornando-se, posteriormente, Mestre Geral de todas as Lojas do Exército; o coronel Henry Mainwairing, recebido, em 1646, numa Loja de Warrington, no Lancashire; e o antiquário e alquimista Elias Ashmole , recebido na mesma Loja e no mesmo dia (16 de outubro) que o coronel Henry.

Em 1666, os franco-maçons iriam recuperar parte do antigo prestígio, diante do grande incêndio, que, a 2 de setembro daquele ano, aconteceu em Londres, destruindo cerca de quarenta mil casas e oitenta e seis igrejas. Nessa ocasião, os maçons acorreram para participar do esforço de reconstrução, sob a direção do renomado mestre arquiteto Cristopher Wren, que, em 1688, viu aprovado o seu plano para reconstrução da cidade, sendo nomeado arquiteto do rei e da cidade de Londres. A obra principal de Wren foi a reconstrução da igreja de S. Paulo, em cujo adro se desenvolveria e se estabeleceria, em 1691, uma Loja de fundamental importância para a História da Maçonaria moderna: a Loja São Paulo (em alusão à igreja), ou Loja da taberna “O Ganso e a Grelha”, em alusão ao local em que, como faziam outras Lojas, realizava suas reuniões de caráter informal e administrativo, como se verá adiante. A reconstrução de Londres só iria terminar em 1710.

E nascia a primeira Grande Loja

Como, na época, não existiam templos maçônicos --- o primeiro só seria inaugurado em 1776 --- os maçons reuniam-se em tabernas, ou nos adros das igrejas. As tabernas, cervejarias e hospedarias desse tempo, principalmente na Inglaterra, tinham

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uma função social muito grande, como local de reunião e de troca de idéias de intelectuais, artífices, obreiros do mesmo ofício, etc. . A Loja da Cervejaria “The Goose and Gridiron” (O Ganso e a Grelha), ou Loja São Paulo, inicialmente formada só pelos maçons de ofício que participaram da reconstrução de Londres, resolvia, em 1703, diante do número cada vez maior de maçons aceitos, em todas as Lojas, admitir, a partir dali, homens de todas as classes, sem qualquer restrição, promovendo, então, uma reforma estrutural, que iria dar o arcabouço da moderna Maçonaria. A admissão, em 1709, do reverendo Jean Théophile Désaguliers 4, nessa Loja, em cerimônia realizada no adro da igreja de São Paulo, iria apressar o processo de transformação, já que Désagulliers iria se tornar seu lider e paladino.

A 7 de fevereiro de 1717, Désagulliers conseguia reunir quatro Lojas metropolitanas, para traçar planos referentes à alteração da estrutura maçônica. Nessa ocasião, foi convocada uma reunião geral dessas quatro Lojas existentes em Londres, para o dia 24 de junho daquele ano. Essa reunião foi realizada na taberna “The Apple Tree” (A Macieira), e as Lojas presentes foram, além da “O Ganso e a Grelha”: a da Cervejaria “The Crown” (A Coroa), a da Taberna “Rummer and Grappes” (O Copázio e as Uvas) e a da Taberna “The Apple Tree” (A Macieira).

E, no dia 24 de junho de 1717, como fora marcado, as quatro Lojas reuniam-se e criavam The Premier Grand Lodge (a Primeira Grande Loja), em Londres, implantando o sistema obediencial, com Lojas subordinadas a um poder central, sob a direção de um Grão-Mestre, já que, antes disso, as Lojas eram livres de qualquer subordinação externa, concretizando a idéia do “maçom livre na Loja livre”. Isso era, portanto, um fato novo e uma grande alteração --- uma verdadeira revolução --- na estrutura maçônica tradicional, o que faz com que esse acontecimento seja tomado como o divisor de águas, o marco histórico entre a antiga e a moderna Maçonaria, ou seja, entre aoperativa e a dos aceitos, ou especulativa.

A única referência a esse fato --- importantíssimo para a História da moderna Maçonaria --- está em um relatório do pastor James Anderson, publicado na edição de 1738 da Constituição que ele elaborara:

“A 20 de setembro de 1714, o rei George I fez, em Londres, magnífica entrada. Após o fim da rebelião, em 1716, as poucas Lojas de Londres, julgando-se negligenciadas por sir Cristopher Wren 5, julgaram oportuno fundirem-se sob a autoridade de um Grão-Mestre, como centro de união e harmonia. E as Lojas que assim se encontraram eram:

1. A da Cervejaria “The Goose and Gridiron” (O Ganso e a Grelha), no pátio da igreja de São Paulo;

2. A da Cervejaria “The Crown” (A Coroa), em Parker’s Lane, próximo de Drury Lane;

3. A da Taberna “The Apple Tree” (A Macieira), em Charles Street, no Covent Garden;

4. A da Taberna “The Rummer and Grapes” (O Copázio e as Uvas), em Chanell Row, no Westminster.

Essas Lojas, assim como antigos irmãos reuniram-se na “A Macieira”, tendo, em seguida, designado, como Venerável, o mais antigo mestre, constituíram-se em uma Grande Loja “pro tempore”, na devida forma e, desde logo, a reunião trimestral das oficinas das Lojas estava reconstituída. Depois, decidiram realizar uma assembléia anual com festa e escolher, naquela ocasião, entre eles, um Grão-Mestre, até que conseguissem a honra de ser dirigidos por um irmão nobre.

(...) No dia de São João Batista, durante o terceiro ano do reinado de George I (Ano Dei 1717), a Assembléia e a Festa dos Maçons Livres e Aceitos realizaram-se na Cervejaria “O Ganso e a Grelha”. Antes do jantar, o mais antigo mestre, que presidia, propôs uma lista de candidatos convenientes. Os irmãos presentes, levantando as mãos, designaram Mr. Anthony Sayer 6, gentil-homem, Grão-Mestre dos Franco-Maçons --- Jacob Lamball, carpinteiro, e Joseph Elliot, capitão, Grandes Vigilantes --- o qual, imediatamente, foi investido, pelo citado mais antigo mestre, com as insígnias do ofício e do poder, e instalado (...) “.

4 Jean Théophile Désaguliers (1683-1744) nasceu em La Rochelle, filho de um ministro huguenote, o qual emigrou para a Inglaterra depois da revogação do Édito de Nantes. Em Londres, graduou-se em Teologia e tornou-se membro da Real Sociedade e correspondente da Academia de Ciências de Paris. Foi iniciado na Loja São Paulo, em 1709. 5 Cristopher Wren (1632-1723) nasceu em East Knoyle e faleceu em Londres. Foi matemático e arquiteto de Westminster, reputado como chefe dos maçons. Dirigiu, como foi visto, a reconstrução das igrejas londrinas. 6 Anthony Sayer (1672-1742) foi o primeiro Grão-Mestre da Premier Grand Lodge; morreu em extrema pobreza, sendo obrigado, no final de sua existência, a recorrer à caridade dos Irmãos maçons.

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Os Primórdios do Rito de York no Brasil

José Castellani

Embora se considere que as primeiras Lojas do Rito de York --- Emulation --- no Grande Oriente do Brasil, só tenham começado a surgir a partir de 1874, bem antes disso, porém, foram fundadas Lojas do rito, diretamente subordinadas a Londres, sem que tivessem, contudo, um florescimento evidente, talvez por desinteresse da Grande Loja Unida da Inglaterra, que ainda não possuía, no país, uma Grande Loja Distrital.

A primeira Loja brasileira a trabalhar no Rito inglês foi a ORPHAN LODGE, criada no Rio de Janeiro, a 17 de fevereiro de 1833, por sete maçons ingleses, à frente dos quais se encontrava Joseph Ewbank, iniciado em 1810, em Londres, o qual, por ocasião da fundação do Grande Oriente Brasílico, a 17 de junho de 1822, constava do quadro da Loja Comércio e Artes, cujo Venerável Mestre era Manoel dos Santos Portugal, ao lado de obreiros como o cônego Januário da Cunha Barbosa, o frei Francisco de Santa Tereza de Jesus Sampaio, o capitão João Mendes Viana, o coronel Luís Pereira da Nóbrega, , Domingos Alves Branco, o cônego Belchior Pinheiro de Oliveira, todos próceres da independência do Brasil. José (como consta nos registros) Ewbank, em atenção ao costume da época, de adoção de nomes heróicos, era Artaxerxes, em homenagem a Artaxerxes I, rei da Pérsia, filho de Xerxes I, o qual reinou de 465 a 414 a.C. e entrou em combate com os gregos, sendo derrotado pelo general Cimon, de Atenas.

O título distintivo da Loja --- órfã --- era alusivo ao fato dela ser a única inglesa da América do Sul, abaixo do Equador, já que acima, embora incipiente, já existia Maçonaria em Georgetown, capital da Guiana Inglesa, que fora anexada à Grã-Bretanha em 1812, pela Convenção de Londres, após a conquista dos territórios holandeses pelos ingleses. Mas, talvez pelo fato do Brasil ainda ser visto, na Europa, como selvagem e instável, apenas nos meados de 1837, quase quatro anos após a criação, é que a Loja conseguiu ser instalada, com o recebimento da patente da Grande Loja inglesa, sob o número 616.

A segunda Loja, também do Rio de Janeiro, foi a ST. JOHN´S LODGE, criada a 21 de setembro de 1839, mas que, como a primeira, só recebeu sua patente, com o número 703, em 1842.

A terceira foi criada em Recife: a SOUTHERN CROSS LODGE, instalada a 15 de junho de 1856, sob o número 970, e criada sob a liderança de Henry Cowper, cônsul da Inglaterra em Recife, por maçons de origem inglesa, que pertenciam à Loja Seis de Março de 1817, fundada, em homenagem à Revolução Pernambucana de 1817, a 6 de outubro de 1821.

Nenhuma dessas três Lojas, todavia, teve vida longa. A ORPHAN LODGE abateu colunas em 1844, tendo, o seu patrimônio móvel, sido anexado à ST. JOHN´S e, depois, vendido. A ST JOHN´S LODGE abateu colunas a 5 de março de 1862. A SOUTHERN CROS LODGE abateu colunas na época da Questão Religiosa do 2º Império, ou seja, em 1872, ou 1873.

Depois disso, as Lojas do rito começaram a aparecer nas Obediências brasileiras, a partir de 1874, já que, até essa data, só existiam Lojas dos ritos Adonhiramita --- o primeiro a ser praticado --- o Moderno --- adotado pelo Grande Oriente Brasílico e rito oficial do Grande Oriente do Brasil --- e o Escocês, cujo Supremo Conselho foi criado a 12 de novembro de 1832.

A primeira Loja nessas condições, foi fundada na Província de São Paulo, em Santa Bárbara D´Oeste, a 19 de novembro de 1874. Era a WASHINGTON LODGE, que não foi, todavia, fundada por ingleses, mas, sim, por norte-americanos, que haviam sido os fundadores de Santa Bárbara, depois de terem emigrado para o Brasil, por ocasião da guerra civil nos Estados Unidos. Essa guerra, que passou à História como Guerra de Secessão (ou de Separação), foi um conflito, iniciado

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em 1861 e encerrado em 1865, entre os Estados e territórios do norte dos Estados Unidos e onze Estado do sul --- Arkansas, Geórgia, Flórida, Carolina do Sul, Carolina do Norte, Luisiânia, Texas, Mississipi, Virgínia, Tenessee e Alabama --- que se uniram numa coligação independente, sob o título de Estados Confederados da América, durante o governo de Abraham Lincoln. Com a derrota dos confederados, em abril de 1865, ficava preservada a unidade nacional e era acelerado o processo de abolição da escravatura no país, já que o sul era escravocrata. Os fundadores de Santa Bárbara e da Loja eram, quase todos, originários do Estado do Alabama.

A WASHINGTON LODGE, na realidade, foi fundada no Grande Oriente Unido, que evoluíra a partir do Grande Oriente do Vale dos Beneditinos, Obediência dissidente do Grande Oriente do Brasil, criada sob a liderança de Joaquim Saldanha Marinho, em 1863. Quando o Grande Oriente Unido desapareceu, por incorporação ao GOB, em janeiro de 1883, a Oficina passou a fazer parte deste, recebendo o número 309, no Registro Geral das Lojas. Apesar disso, foi considerada, posteriormente, pelo Grande Capítulo do Rito de York, do Grande Oriente do Brasil, como a Loja nº 1 do rito. E ela iria abater colunas em data incerta, mas antes do final do século.

A Segunda Loja do rito foi fundada em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, a 22 de março de 1880, também sob a jurisdição do Grande Oriente Unido. Era a LESSING LODGE, que, ao ser incorporada ao GOB, em 1883, recebeu o número 395. Abateu colunas nos primeiros anos do século XX.

Nessa ocasião, em 1880, o maçom brasileiro, contra-almirante Arthur Silveira da Motta, depois barão de Jaceguai, já desenvolvia, na Inglaterra, entendimentos para um tratado com a Grande Loja Unida da Inglaterra. Em 1881, com a morte do Grão-Mestre, visconde do Rio Branco, em 1880, foram realizadas novas eleições para a administração do Grande Oriente do Brasil, de 27 de junho a 4 de julho, sendo eleitos o conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira, como Grão-Mestre, e Silveira da Motta, como Adjunto. Como João Alfredo não assumiu o cargo, devido às suas viagens, Silveira da Motta, foi empossado, a 29 de setembro, permanecendo como Grão-Mestre interino até 5 de maio de 1882, cabendo-lhe, nessa posição, assinar o Tratado de dezembro de 1881, entre o Grande Oriente do Brasil e a Grande Loja Unida da Inglaterra.

Depois disso, era fundada a primeira Loja do rito no Oriente do Poder Central, no Rio de Janeiro : a EUREKA LODGE nº 440, a 22 de dezembro de 1891. Esta foi fundada, realmente, no Grande Oriente do Brasil e receberia o número 3 do Grande Capítulo de York.

A partir daí, foram fundadas mais as seguintes:

DUKE OF CLARENCE LODGE nº 443, em Salvador (BA), a 10 de outubro de 1892. Ela foi transferida para o Rio de Janeiro, em 1963, aparentemente por falta de maçons ingleses em Salvador, embora tenha, na época de sua fundação, contado com um quadro de 23 fundadores, dos quais 22 eram ingleses e só um, brasileiro.

MORRO VELHO LODGE nº 648, fundada a 20 de março de 1899, em Nova Lima (MG).

LODGE OF UNITY nº 792, fundada a 22 de setembro de 1902, em S. Paulo (SP).

ST. GEORGE´S LODGE nº 817, fundada a 30 de julho de 1904, em Recife (PE).

LODGE OF WANDERERS nº 856, fundada a 5 de setembro de 1907, em Santos (SP).

EDWARD VII LODGE nº 903, fundada a 10 de novembro de 1911, em Belém do Pará. Esta Loja foi fundada para poder completar sete Lojas do rito, com que pudesse ser instalado o Grande Capítulo, o que ocorreria em dezembro de 1913. Essa Loja, contudo, em 1922, solicitava licença para mudar para o Rito Escocês Antigo e Aceito, tendo sido atendida no ano seguinte, quando abateu colunas.

A fundação desse Grande Capítulo, através do Decreto nº 478, de 1º de dezembro de 1913, do Grão-Mestre Lauro Sodré, cumprindo resolução de 21 de novembro, da Assembléia Geral, era o corolário do Tratado assinado entre o Grande Oriente do Brasil e a Grande Loja Unida da Inglaterra, a 21 de dezembro de 1912. Já havia, nessa época, certo descontentamento dos maçons de origem inglesa, residentes no Brasil, os quais pretendiam ter Lojas do rito, que trabalhassem segundo a orientação litúrgica da Grande Loja Unida da Inglaterra. Diante das súplicas desses obreiros, o Grão Mestre da GLUI, o

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duque de Connaught, enviou uma missão ao Brasil, cujo objetivo era, se possível, obter o consentimento do Grande Oriente, para o estabelecimento de uma Grande Loja Distrital, colocada sob a Constituição inglesa; e, caso isso não fosse possível, que fosse, pelo menos, achada uma maneira de satisfazer aos anseios dos suplicantes.

O Tratado, assinado, pelo lado do Grande Oriente do Brasil, por Sodré e pelo seu Grande Secretário Geral, cap. Pedro Muniz, e, pelo lado da GLUI, por lord Athlumney, F.H. Chevallier Boutell, H. Passmore Edwards, P. Tindal Robertson e J.J. Keevil, previa que o Grande Capítulo seria a autoridade suprema, em matéria litúrgica, para todas as Lojas de York, existentes no Brasil, e que, daí em diante, todas as Lojas do rito, fundadas no Brasil, só poderiam funcionar com autorização do Grande Capítulo.

Posteriormente, seriam criadas mais as seguintes Lojas:

CAMPOS SALLES LODGE nº 966, fundada a 12 de fevereiro de 1921, em São Paulo (SP). Essa Loja começou a funcionar no Rito Moderno, passando, logo em seguida, para o ainda incipiente Rito Brasileiro --- que iria desaparecer em 1940, sendo reativado em 1968 --- e adotando o York, em 1923.

LODGE OF FRIENDSHIP nº 975, fundada a 20 de maio de 1922, em Niterói (RJ).

CENTENARY LODGE nº 986, fundada a 7 de setembro de 1922, em São Paulo (SP).

ROYAL EDWARD LODGE nº 1.096, fundada a 30 de maio de 1932, no Rio de Janeiro (RJ).

Além dessas Lojas do rito, existiram outras, mas com menor importância, porque duraram pouco tempo, ou porque mudaram de rito. Esse é o caso de:

VESPER, a primeira do rito a ser fundada no Grande Oriente Unido de Saldanha Marinho, a 30 de novembro de 1872. Em 1879, ela fez fusão com a Loja MYSTERIO, mas já havia adotado o Rito Moderno, desde 1874, quando foi reerguida, depois de ter ficado adormecida, em 1873.

EUREKA CENTRAL, , fundada no Rio de Janeiro, a 21 de junho de 1902. Teve, como um dos fundadores, Mário Behring (que viria a provocar a cisão de 1927, criando as Grandes Lojas estaduais brasileiras), trabalhava em português e abateu colunas em 1904.

BRANCA DIAS, fundada na Paraíba, a 10 de janeiro de 1918. Quinze dias antes de receber sua Carta Constitutiva de 15 de abril de 1918, todavia, adotara o Rito Adonhiramita. Tendo o nº 942, no Registro Geral das Lojas do Grande Oriente do Brasil, a Loja, em agosto de 1927, tornou-se dissidente do GOB, para fundar a Grande Loja da Paraíba, na qual tomou o nº 1, enquanto as outras duas fundadoras, REGENERAÇÃO CAMPINENSE e PADRE AZEVEDO, recebiam, respectivamente, os números 2 e 3 ocasião em que passou para o Rito Escocês Antigo e Aceito. Nessa época, a Loja passou para Rito Escocês Antigo e Aceito.

BRASIL, fundada a 26 de setembro de 1918, no Rio de Janeiro , e regularizada a 4 de março de 1920, sob o nº 953. A 10 de junho de 1924, depois de ter ficado um ano paralisada, teve a sua Carta cassada pelo Grande Capítulo.

Quando da assinatura do Tratado de 6 de maio de 1935, de Aliança Fraternal entre o Grande Oriente do Brasil e a Grande Loja Unida da Inglaterra, as dez Lojas do Rito, então existentes, foram abordadas, juntamente com o Grande Capítulo, nos artigos 5º e 6º, que previam a criação da Grande Loja Distrital, jurisdição Norte, no território brasileiro, nos seguintes termos:

“Artigo V – Considerando-se o desejo expresso pelos maçons britanicos de lhes ser permitido exercerem as suas actividades subordinadas á UNITED GRAND LODGE OF ENGLAND, e considerando que o GRANDE ORIENTE DO BRASIL se encontra disposto a aceder ao seu desejo, este ultimo, pelo presente, declara que

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independentemente do disposto no artigo 64 da sua Constituição, em contrario, dá a sua anuencia ao estabelecimento no Brasil de uma Grande Loja Districtal sob Carta Patente ou Autorisação da UNITED GRAND LODGE, à qual ficarão directamente subordinadas as seguintes Lojas:

EUREKA Rio de Janeiro

DUKE OF CLARENCE Bahia

MORROVELHO Minas Geraes

UNITY S. Paulo

ST GEORGE Pernambuco

WANDERERS S. Paulo

FRIENDSHIP Rio de Janeiro

CENTENARY S. Paulo

CAMPOS SALLES S. Paulo

ROYAL EDWARD Rio de Janeiro

e as disposições deste artigo aplicar-se-hão a todas as Lojas que futuramente forem autorizadas pela UNITED GRAND LODGE OF ENGLAND no território do Brasil, subordinadas á referida Grande Loja Districtal.

Fica pelo presente convencionado que a autorisação ora outorgada abrangerá os três Gráos da Antiga Maçonaria, a saber, os de Aprendiz, Companheiro e Mestre, juntamente com a Ordem Suprema do “Holy Royal Arch”, tornando-se tambem extensiva à autorisação de Capituloa do Royal Arch a serem anexados às Lojas, que presentemente ou futuramente exercerem as suas actividades sob a direcção da Grande Loja Districtal, que será administrada de conformidade com a pratica em vigor, de accordo com a Jurusdicção Inglesa.

Artigo VI – Em consequencia do disposto no artigo precedente, fica convencionado entre as Altas Partes Contractantes, que em virtude de não ser mais necessaria a existencia do Grande Capitulo do Rito de York no Brasil, este uma vez formada e estabelecida a Grande Loja Districtal cessará as suas actividades e seus livros, documentos e bens serão entregues á referida Grande Loja Districtal, executando-se o Livro de Actas em idioma portugues, que será entregue ao GRANDE ORIENTE DO BRASIL. Simultaneamente, as Lojas mencionadas no artigo precedente passarão automaticamente para a jurisdicção da UNITED GRAND LODGE OF ENGLAND, sob a direcção da Grande Loja Districtal, retendo todos os seus livros, documentos e bens”.

Esse tratado era assinado, por parte do Grande Oriente do Brasil, pelo Grão-Mestre, general José Maria Moreira Guimarães, e pelo Grande Secretário Geral, major Ezequiel Medeiros, e, por parte da UGLE, por Peter Swanson e Reginald Arthur Brooking.

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Jornais Maçônicos da Independência

José Castellani

O primeiro jornal a circular no Brasil, embora feito fora dele, foi o Correio Braziliense, ou Armazém Literário, publicado, a partir de 1808, pelo maçom Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, cognominado "o Patriarca da Imprensa Brasileira". O Correio Braziliense não foi apenas o primeiro órgão da imprensa brasileira, mas, principalmente, o mais completo veículo de informação e análise da situação política e social de Portugal e do Brasil, à época, com a defesa de uma verdadeira reforma de base para o nosso país, batendo-se pela necessidade de construção de uma rede de estradas, pela utilização de matérias-primas na fabricação de manufaturas, propiciando a formação e a expansão do mercado interno, pela abolição da escravatura, pela transferência da capital para o interior e pela adoção de uma política imigratória que aproveitasse, de preferência, artesãos e técnicos. A publicação do jornal só seria interrompida em 1823, com a morte de Hipólito.

Todavia, a imprensa brasileira mesmo, feita no país, só teve início após a vinda da família real portuguesa para o Brasil, com a criação da Imprensa Régia, instalada no Palácio do Conde da Barca, em maio de 1808, de onde, poucos meses depois, sairia o primeiro número da Gazeta do Rio de Janeiro, dirigida pelo frei Tibúrcio José da Rocha e cujos exemplares eram vendidos a oitenta réis. Ese jornal circularia até 31 de dezembro de 1822.

Durante o período da campanha da independência, iriam surgir muitos jornais, alguns dos quais teriam vida bastante efêmera. Entre eles, podem ser citados:

O Macaco Brasileiro, órgão do partido antibrasileiro e contrário à independência, dirigido por Manoel Zuzarte e Pedro da Silva Porto. Partindo de um título, que já era um insulto aos brasileiros, o virulento jornal não respeitava nem os familiares dos mais destacados brasileiros da época.

D. Periquito da Serra do Órgãos, jornal de cunho nacionalista, que lutava pela independência e defendia os brasileiros dos ataques do O Macaco Brasileiro.

Semanário Mercantil, órgão das classes conservadoras, o qual se destacava pela sobriedade e seriedade, sendo, publicamente, bastante respeitado.

A Malagueta, cujo título já mostrava que o seu tom era de crítica violentíssima e em linguagem desabrida.

Reclamação do Brasil, dirigido por José da Silva Lisboa (visconde de Cayru) e que não se envolvia nas tricas políticas, preferindo tratar de assuntos sociais e dos negócios intrenacionais.

Além desse, todavia, existiam os jornais dirigidos por maçons proeminentes e que, mesmo não sendo órgãos oficiais de nenhum grupo maçônico, refletiam as idéias de seus dirigentes e expunham rivalidades entre as facções maçônicas, interessadas na independência. A maior parte deles acabou tendo vida efêmera, não só por esgotamento de suas finalidades, mas, principalmente, em conseqüência de atos de força, frutos da instabilidade política dos primeiros anos do Império. Podem ser destacados, porém, os seguintes:

O Revérbero Constitucional Fluminense, dirigido e redigido por Joaquim Gonçalves Ledo e pelo cônego Januário da Cunha Barbosa, o qual duraria exatamente treze messe --- de 11 de setembro de 1821 a 8 de outubro de 1822 --- e que, em suas páginas (que não possuiam colunas, como os jornais posteriores), espelhava as contundentes idéias da emancipação política, muitas vezes de maneira radical, contribuindo, assim, para a formação dos sentimento de independência. Como não

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poderia deixar de ser, diante das rivalidades políticas, que já eram bem deterioradas, nos meses imediatamente anteriores à independência, entre os dois grupos do Grande Oriente, o Revérbero não perdia ocasião para atacar o ministro José Bonifácio, que detinha, em suas mãos, praticamente, o verdadeiro poder. O jornal publicava extratos de jornais de Londres, Paris e Lisboa, além de transcrever, frequentemente, tópicos do Correio Braziliense, de Hipólito; divulgava, também, resumos de trabalhos e despachos da Corte, mas o seu mote, na realidade, era representado pelos candentes artigos pela campanha da independência. Impresso nas oficinas de Moreira & Garcez, iria acabar desaparecendo, quando os seus dois líderes deixaram o país, um exilado e o outro fugido, durante os acontecimentos de outubro e novembro de 1822.

O Regulador Brasílico-Luso, depois O Regulador Brasileiro, surgido a 29 de julho de 1822, lutava, também, pela independência, mas entrando em luta com o Revérbero, na defesa de José Bonifácio. Era impresso na Tipografia Nacional e redigido pelo frei Francisco de Santa Tereza de Jesus Sampaio, que, devido à veiculação de suas idéias, foi inquirido, no Grande Oriente, pelo grupo de Ledo, e sofreu ameaças de sanções, como se pode ver nas atas da 14a. e 15a. sessões do Grande Oriente, realizadas a 9 e a 12 de setembro, resepctivamente. O Regulador também teve participação fundamental na campanha emancipadora, lutando por uma monarquia constitucional, dentro de uma comunidade brasílico-lusa --- o que acabou acontecendo --- em oposição às idéias do Rvérbero, as quais eram de um rompimento total com Lisboa.

O Tamoyo, dirigido por José Bonifácio e por Vasconcellos Drummond, deputado e maçom --- emissário da Maçonaria nas províncias da Bahia e de Pernambuco --- era um jornal de feições mais modernas, com colunas e melhor paginação. Foi fechado, violentamente, em 1823, por ocasião do fechamento da Assembléia Constituinte, quando os seus redatores foram presos e exilados, porque o jornal mostrava idéias próprias, que não agradavam à índole absolutista do imperador.

O Constitucional, redigido pelos maçons José Joaquim da Rocha --- um dos líderes do episódio do "Fico" --- e padre Belchior Pinheiro de Oliveira, era chamado, pelo povo, de "jornal dos mineiros". Também teve vida curta, pois, surgido em 1821 e desaparecido em 1822, teve apenas 35 números, tendo se sobressaído, todavia, como um campeão das liberdades pátrias, de acordo com as idéias de seus dois redatores.

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Conjurados Endividados

José Castellani

Seria extremamente gratificante, para o pesquisador, se sempre pudesse afirmar que uma determinada rebelião contra poderes discricionários foi feita, exclusivamente, em nome de objetivos altruísticos e libertários. A História, todavia, vive de fatos e não de arroubos de autores tendenciosos. E o historiador deve ser inflexivelmente imparcial e honesto.

Em nome dessa imparcialidade e dessa honestidade, não se pode negar que o movimento conhecido como Inconfidência Mineira, ou Conjuração Mineira foi movido, também, por interesses pessoais de seus principais próceres, afogados em dívidas, as quais, se vitoriosa fosse a rebelião, não precisariam ser pagas. Dessa relação exclui-se, evidentemente, o precursor José Joaquim da Maia ("Vendek"), que, além de movido por interesses totalmente libertários, morreu em Lisboa, em 1788, sem ter podido retornar ao Brasil.

Todos os homens que se reuniram na casa do tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, em dezembro de 1788, quando foi coordenada a estratégia ampla do movimento rebelde, ou seja: Álvares Maciel, o padre Rolim, o Tiradentes, Alvarenga Peixoto, o padre Carlos Correia e o anfitrião, tinham algum tipo de interesse pessoal em jogo.

O pai de Maciel, capitão-mór de Vila Rica, tornara-se grande devedor da Fazenda Real, pois tinha sido o caixa de contratos de entradas, arrematados, entre 1751 e 1761, por José Ferreira da Veiga, respondendo, pelas grandes dívidas atrasadas, com os seus bens móveis e imóveis. Com as ordens do ministro Martinho de Mello e Castro, referentes aos contratos arrematados e à sua cobrança, Maciel, que era completamente dependente do pai, corria o risco de perder todo o seu patrimônio.

Freire de Andrade, que era filho ilegítimo do segundo conde de Bobadela --- irmão deste, o primeiro conde (1685-1763) governou o país cerca de trinta anos --- era casado com Isabel de Oliveira Maciel, irmã de Álvares Maciel, e também seria afetado bastante, se o sogro perdesse os seus bens. Além disso, os Dragões, que ele comandava, foram acusados, por Martinho de Mello e Castro, de serem parcialmente responsáveis pelo estado calamitoso em que se encontrava a Fazenda, em Minas, graças às suas extorsões e assaltos armados.

Alvarenga Peixoto estava profundamente endividado e era bastante crítica a sua situação, em 1788, com o fracasso das onerosas instalações hidráulicas de suas lavras auríferas. Tomara empréstimos, que não poderia pagar nunca e acabara chegando a uma situação de desespero, quando se uniu aos conjurados.

O padre José da Silva de Oliveira Rolim, filho do principal tesoureiro de diamantes, era conhecido fraudador, envolvido no escândalo do contrabando de diamantes, que era feito com a conivência dos Dragões (comandados por Freire de Andrade) e, provavelmente, também com a da magistratura. Apesar de traficante de escravos e de diamantes, tinha grande prestígio no Distrito Diamantino, onde praticava a agiotagem. Tendo sido banido da Capitania, por suas atividades ilícitas, solicitou a revogação de sua expulsão e não foi atendido, o que o levou a se unir aos conspiradores, ainda mais porque se sentia lesado em suas "rendas".

O padre Carlos Correia de Toledo e Mello era um grande latifundiário, com muitos escravos trabalhando na lavoura e na mineração. Constava no relatório de Martinho de Mello e Castro como um dos típicos vigários de paróquia, os quais, sob o pretexto de direitos paroquiais, oprimiam e extorquiam o povo, com excessivas contribuições; e Correia sempre estava à procura de novas rendas. Não estava endividado, mas as providências da Coroa eram lesivas aos seus não muito legítimos interesses financeiros.

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Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, representava um caso diferente do de seus companheiros, que eram todos abonados, embora, em sua maioria, ilegalmente. Não tinha posses e, embora possuísse uma cultura acima da média, tinha uma atividade profissional considerada secundária. Tendo perdido suas propriedades por dívidas e depois de tentar, sem sucesso, o comércio varejista, ingressou nos Dragões, como alferes, o posto mais baixo, em 1755, não tendo progredido em posto e nem em remuneração, até à época em que se uniu aos revoltosos. O fato de ter sido várias vezes preterido, nas promoções da carreira, fizeram com que ele se tornasse um revoltado, queixando-se sempre de que só eram promovidos os que tinham parentes influentes no meio político-financeiro. Na Sessão de Manuscritos da Biblioteca Nacional, constam vários recibos de pagamentos de soldo, firmados pelo Tiradentes, mostrando que ele ganhava 24$000 (vinte e quatro mil réis) mensais --- os recibos trimestrais eram de 72$000 --- enquanto um coronel, que era a mais alta graduação da tropa, recebia 80$000 mensais. Não se conhece o motivo pelo qual ele jamais passou do posto de alferes. Talvez tenha tido influência o fato dele ser mazombo, ou seja, filho de português, nascido no Brasil, com idéias de liberdade (o termo foi usado por autores tendenciosos, como Tenório d´Albuquerque, como se fosse sinônimo de maçom), quando o Conselho Ultramarino começava a recear a ascensão de mazombos ao comando da tropa regular. E Silva Xavier, que desejava conseguir o prestígio e a riqueza de que desfrutavam seus companheiros, já tentara se associar aos ricos contratantes-mercadores imigrantes, tendo relacionamento com muitos deles, como o notório Domingos de Abreu Vieira, e recebendo pagamentos de Rodrigues de Macedo e de Silvério dos Reis, a quem tinha como um amigo pessoal.

Esses eram os principais, os ativistas, por trás dos quais existiam homens respeitáveis, como o ex-ouvidor Tomás Antônio Gonzaga --- o verdadeiro chefe intelectual do movimento --- o poeta hipocondríaco Cláudio Manoel da Costa e o humanista e historiador, cônego Luís Vieira da Silva. A missão desses homens era a de elaborar as leis e organizar a constituição do Estado independente, tentando armar uma justificativa ideológica para a ruptura dos vínculos com a metrópole portuguesa. Não possuíam os mesmos interesses que animavam muitos dos ativistas; eles eram os ideólogos.

Já no terceiro escalão surgiam, novamente, os grandes interesses financeiros, da parte de homens que ficavam na sombra, pouco arriscando, no caso de um fracasso do movimento. Nesse grupo estavam os contratantes portugueses Domingos de Abreu Vieira, João Rodrigues de Macedo e Joaquim Silvério dos Reis, entre outros. Abreu Vieira era intimamente ligado a muitos conjurados, como o padre Rolim, o Tiradentes --- a quem protegia --- e Cláudio Manoel da Costa, que era seu advogado nas questões legais referentes aos contratos de dízimos. Macedo e Silvério eram grandes devedores da Fazenda Real: a dívida do primeiro era oito vezes superior ao seu ativo financeiro. Esse era o grupo que maior influência exercia no levante, apesar de atuar, geralmente, apenas na retaguarda. Eram os magnatas aproveitando-se de uma situação, para alcançar os seus objetivos pessoais, sob a capa de um levante popular.

Pouco, portanto, havia de desprendimento e de objetivos altruísticos e libertários. Esta é uma verdade histórica.

Fontes de pesquisa:

Documentais:

Autos da Devassa da inconfidência Mineira -- volumes I, II e IV -- Edição do Ministério da Educação -- 1936-1938

Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional

Bibliográficas:

GRIECO, Donatello - História Sincera da Inconfidência Mineira - Rio de Janeiro - 1990

MAXWELL, Kenneth - A Devassa da Devassa (do original inglês: Conflicts and Conspiracies: Brazil & Portugal 1750-1808) - Rio de Janeiro - 3a.edição - 1985

TORRES, Luís Wanderley - Tiradentes, a áspera estrada para a Liberdade - São Paulo - 2a. edição - 1977.

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O Dínamo da Independência

José Castellani

Compiladores tendenciosos costumam dizer que Joaquim Gonçalves Ledo, a 15 de setembro de 1822, na Loja "Comércio e Artes", propôs, a D. Pedro, a ida de emissários a todas as Províncias do país, para dispor os ânimos à aclamação do imperador, enquanto José Bonifácio nada fazia. Isso é, realmente, uma calúnia inominável, só desculpável em quem desconhece a História, pois José Bonifácio já havia feito isso, muito tempo antes, quando o grupo de Ledo limitava-se a deitar bravatas.

Empossado nos cargos de ministro do Reino e de Estrangeiros, em janeiro de 1822, Bonifácio logo conquistou, para a causa emancipadora, os representantes da Áustria e da Inglaterra. Fez mais: ordenou, ao Chanceler-Mor --- cargo que corresponde, hoje, ao de ministro da Justiça --- que não publicasse lei alguma, vinda de Portugal, sem primeiro submetê-la à a apreciação do príncipe; nomeou um cônsul brasileiro para Londres, declarando, ao Gabinete inglês, que só tal funcionário poderia, então, liberar navios que se destinassem ao Brasil; enviou emissários às Províncias do norte, a fim de congregá-los para a causa da independência, avisando que teriam que se sujeitar à regência de D. Pedro e não às ordens que recebessem de Lisboa. E, isso, muito antes de 15 de setembro.

As Províncias do norte estavam ao lado das Cortes portuguesas e executando o decreto 124, de 29 de setembro de 1821; e isso ocorria, principalmente, no Maranhã, o que fez com que José Bonifácio, em ofício à Junta de Governo daquela Província, dissesse, ironicamente, que não era de se esperar que o Maranhão tivesse "a aparente e fastigiosa idéia de ser considerada província daquele reino (Portugal)". O Brasil, àquela altura dos acontecimentos, não podia continuar fragmentado e José Bonifácio estava enfrentando a tarefa hercúlea de reunir as Províncias, unindo o país em torno de uma idéia política, que era a monarquia constitucional parlamentar. No dizer de Tito Lívio Ferreira e Manoel Rodrigues Ferreira, "sob esse ponto de vista, ele é, legitimamente, o campeão da unidade do Brasil"1. Esse é o conceito emitido por dois verdadeiros pesquisadores, que foram os que mais levantaram documentos sobre a independência do Brasil, e não de compiladores afoitos, sem base histórica.

José Bonifácio também aliciou conspiradores em Pernambuco, no Maranhão, no Rio Grande do Norte, na Bahia e no Pará, para que se rebelassem, na hora exata, contra a metrópole que o ludibriara, traindo o acordo do Reino Unido de Portugal e do Brasil; em junho de 1822, reorganizou o erário, por intermédio de seu irmão, Martim Francisco, e, em julho, formou um novo Exército, contratando, para a obra de construção da Marinha de Guerra, o marujo e aventureiro lord Cochrane. Autores tendenciosos, todavia, pretendendo minimizar essa obra, dizem que, a 24 de setembro, quando ninguém se preocupava com a defesa do Brasil, Ledo angariava fundos, para fortalecer a Armada. Ora, Bonifácio, constriu a Armada, em julho.

Além disso, como verdadeiro dínamo, ele induziu o príncipe a conquistar a simpatia das populações de Minas e de São Paulo, forçando-o a viajar, pois, dizia ele, "o Brasil não é o Rio de Janeiro". Quando os decretos vindos de Portugal anulavam, sumariamente, todos os atos da regência, ele, habilmente aliado a D. Leopoldina, escreve a D. Pedro, jurando que, de Portugal, o humilham: "De Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores. Venha V.A. Real o quanto antes e decida-se; porque irresoluções e medidas de água morna, à vista desse inimigo que não nos poupa, para nada servem --- e um momento perdido é uma desgraça". Com isso, instigava o príncipe a se rebelar, combatendo as suas hesitações e desânimos.

1 In "A Maçonaria na Independência Brasileira", José Castellani - Biblos - S. Paulo - 1972

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Também, comporvadamente, os acontecimentos de 7 de setembro foram premeditados e consuzidos por José Bonifácio. Em suas "Memórias", Antônio de Menezes Vasconcellos Drummond, emissário da Maçonaria nas Províncias de Pernambuco e da Bahia, de onde regressara no final de agosto de 1822, diz o seguinte:

"José Bonifácio havia tambem, naquele dia, ou na véspera, recebido novas de Lisboa; e juntas, estas com aquelas que eu trazia, julgava conveniente acabar com os paliativos e proclamar a independência Fosse essa a causa isolada ou cumulativa com os seus desejos de ser a independencia proclamada na sua província, o caso é que ele desde logo entendeu que se não devia adiar para mais tarde esse ato. O príncipe já estava em São Paulo e se a ocasião não fosse aproveitada, quem sabe se outra se poderia proporcionar tão cedo. Despediu-me e ordenou que eu me achasse às 11 horas da manhã no paço de São Cristóvão, mas que lhe entregasse, antes, todos os papéis que eu trazia e para o que me esperava até às 9 horas.

Ás 8 horas eu já estava com ele, entreguei os papéis...

Ás 11 horas me achei no paço de São Cristóvão. José Bonifácio já lá estava. Havia Conselho. Beijei a mão à princesa. No Conselho decidiu-se de se proclamar a independência. Enquanto o Conselho trabalhava, já Paulo Bregaro estava na varanda, pronto a partir em toda diligência, para levar os despachos ao príncipe regente. José Bonifácio, ao sair, lhe disse:

--- Se não arrebentar uma dúzia de cavalos no caminho, nunca mais será correio; veja o que faz.

Não sei se Bregaro arrebentou muitos cavalos; o que sei é que ele deu boa conta de sua comissão e que fez a viagem em menos tempo do que até então se fazia muito à pressa". (na ortigrafia atual; os grifos são meus)

Os documentos levados pelo correio Paulo Bregaro e que proporcionaram os acontecimentos da colina do Ipiranga, eram: carta de D. João ao seu filho, carta da princesa, crata de Chamberlain (agente secreto do príncipe), instruções das Cortes, exigindo o regresso imediato do príncipe e a prisão e processo de José Bonifácio, e uma carta do próprio Bonifácio, cujo teor era o seguinte:

"Senhor, as Cortes ordenaram minha prisão, por minha obediência a Vossa Alteza. E, no seu ódio imenso de perseguição, atingiram também aquele que se preza em o servir com a lealdade a dedicação do mais fiel amigo e súdito. O momento não comporta mais delongas ou condescendências. A revolução já está preparada para o dia de sua partida. Se parte, temos a revolução do Brasil contra Portugal, e Portugal, atualmente, não tem recursos para subjugar um levante, que é preparado ocultamente, para não dizer quase visivelmente. Se fica, tem, Vossa Alteza, contra si, o povo de Portugal, a vingança das Cortes, que direi?! até a deserdação, que dizem já estar combinada. Ministro fiel que arrisquei tudo por minha Pátria e pelo meu Príncipe, servo obedientíssimo do Senhor D. João VI, que as Cortes têm na mais detestável coação, eu, como Ministro, aconselho a Vossa Alteza que fique e faça do Brasil um reino feliz, separado de Portugal, que é hoje escravo das Cortes despóticas. Senhor, ninguém mais do que sua esposa deseja sua felicidade e ela lhe diz em carta, que com esta será entregue, que Vossa Alteza deve ficar e fazer a felicidade do povo brasileiro, que o deseja como seu soberano, sem ligações e obediências às despóticas Cortes portuguesas, que querem a escravidão do Brasil e a humilhação do seu adorado Príncipe Regente. Fique, é o que todos pedem ao Magnânimo Príncipe, que é Vossa Alteza, para orgulho e felicidade do Brasil. E, se não ficar, correrão rios de sangue, nesta grande e nobre terra, tão querida do seu Real Pai, que já não governa em Portugal, pela opressão das Cortes ; nesta terra que tanto estima Vossa Alteza e a quem tanto Vossa Alteza estima ---- José Bonifácio de Andrada e Silva".(na ortografia atual; os grifos são meus).

O mandado de prisão, expedido pelas Cortes de Lisboa, contra José Bonifácio, mostra bem, na realidade, quem era o verdadeiro artífice da independência, o inimigo das Cortes, o cérebro do movimento emancipador. Por que as iras das Cortes só se voltaram contra ele? Simplesmente porque outros eram peças menores, no grande xadrez político da independência.

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A Doutrina do Rito Moderno

José Castellani

A doutrina do Rito Moderno, evidentemente, é, em sua maior parte, idêntica à doutrina maçônica comum a todos os ritos. Os princípios fundamentais dessa doutrina, são:

1. Respeito aos direitos individuais dos maçons:

2. Respeito à autonomia das Lojas;

3. Efetiva contribuição, através da doutrinação, ao aperfeiçoamento das instituições sociais e políticas;

4. Contribuição, através de influência moral, tendente a eliminar as lutas de classes e as discriminações raciais;

5. Colaboração no estudo e solução dos problemas nacionais;

6. Contribuição no campo da assistência social, através do amparo à infância e à velhice, além da luta pela erradicação do analfabetismo;

7. Luta constante pela integridade da Pátria;

8. Defesa intransigente das democracias liberais;

9. Defesa da liberdade de consciência;

10. Eqüidistância de todos os extremismos;

11. Condenação dos métodos de opressão e de escravidão, além da pregação da fraternidade entre todos os homens livres;

12. Condenação do arbítrio pessoal e total respeito à Justiça, dentro da magna trilogia, Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Esses princípios são comuns a todos os ritos. O Rito Moderno, todavia, inscreve mais uma importante idéia doutrinária, que é a seguinte:

A Maçonaria reconhece a total liberdade de investigação da verdade, dentro do espírito crítico e do raciocínio científico; representa, também, a garantia das franquias religiosas, de acordo com o princípio de que as concepções de ordem metafísica são de foro íntimo, pertencendo, portanto, ao domínio da consciência individual.

É de acordo com esse princípio que o Rito Moderno, respeitando a liberdade de crença de cada maçom, não preconiza invocações, preces e a imposição de um definido padrão religioso. Assim, já na iniciação, o candidato à luz maçônica não presta juramento, mas, sim, um compromisso de honra, como homem livre, respondendo "Eu prometo", às seguintes perguntas do Venerável Mestre:

"Sobre esse esquadro, emblema da retidão e do Direito, prometeis trabalhar com zelo e constância na obra da Maçonaria"?

"Prometeis procurar espalhar a verdade"?

"Prometeis auxiliar os fracos, fazer justiça a todos e ser dedicado à família e à Pátria, além de digno para convosco"?

"Prometeis amar aos vossos Irmãos, observar, fielmente, a lei maçônica e nada revelar do que, em segredo, vos for revelado"?

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Ao responder, efetivando seu compromisso, o candidato, de pé, coloca a mão direita sobre o esquadro, que se acha sobre o Triângulo da Sabedoria.

Ainda sobre a doutrina do Rito Moderno, pode-se citar a preleção que o Venerável Mestre faz ao neófito, após a iniciação, a qual encerra a maneira como a Maçonaria Modernista encara o ritual iniciático:

"Meu Irmão, as provas de vossa iniciação são muito diferentes das que, outrora, eram usadas e que ainda o são, em outros ritos.

A iniciação maçônica, que, nos primórdios da Maçonaria Especulativa, era uma cerimônia muito simples, tornou-se bastante complexa, a partir dos fins do século XVIII, através da adoção de certas práticas de fundo místico, que muitos achavam que eram originárias das sociedades iniciáticas do Egito Antigo.

Nessas provas, procurava-se demonstrar a coragem do candidato e elas eram realmente terríveis.

O candidato apresentava-se seminu e passava pela purificação, através dos quatro elementos da Antigüidade: ar, água, fogo e terra.

Muitas vezes ele era introduzido no templo deitado num esquife, para simbolizar a morte física, outras vezes, ele devia passar através de um diafragma de papel, simbolizando a passagem a uma nova existência.

No templo, o candidato ouvia ruídos de tempestade, gritos, gemidos, tinir de espadas e choques de objetos, era precipitado de um lugar elevado, sendo amparado na queda.

Era, ainda, obrigado a beber um cálice de uma bebida amarga, tinha suas mãos mergulhadas na água e passava pelo meio das chamas. Solicitavam-lhe que se submetesse à aplicação de um ferro em brasa, sendo-lhe exigida, também, uma obrigação escrita e assinada com o seu próprio sangue. Muitas vezes, outras provas, bem mais aterrorizantes, eram exigidas do candidato.

Não será, pois, motivo de admiração, se encontrardes práticas semelhantes a essas. Não devereis, portanto, vos perturbardes, sabendo que o progresso é lento e que a evolução humana é muito complexa".

Esta alocução mostra, simplesmente, que a Maçonaria Modernista, dentro de um espírito evolutivo, adaptável a todas as épocas, não vê razão para admitir o candidato em seminudez e nem submetê-lo a provas que podem deixá-lo sob grande tensão emocional, pois, nessas condições, ele não terá a suficiente tranqüilidade para demonstrar, através de suas respostas, se tem o discernimento e o preparo mental necessários para ser um bom maçom.


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