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AS GRANDES BÍBLIAS DA HUMANIDADE
As Grandes Bíblias, uma vez estudadas, fazem reconhecer as Verdades Iniciáticas Fundamentais, vindas através de remotos tempos, centenas de milênios, e desmancham essa coisa repugnante que é o fanatismo religioso, sectário, e o fanatismo por homens, livros,
médiuns, etc. Ensinam que boa é a VERDADE, não homens ou religiões. A – Popol Bugg, ou Mãe das Bíblias, a dos Atlantes, citada em alguns antiquíssimos documentos;
B – Ramaiana, de Rama, relatando a Grande Epopéia; C – Zend Avesta, de Zoroastro, a Bíblia dos Persas;
D – Sabedoria Órfica, os Fundamentos Iniciáticos da Grécia; E – Tábua de Esmeralda, de Hermes, Bíblia dos Egípcios;
F – Livro dos Mortos, também dos Egípcios; G – Livro dos Princípios, de Viasa Veda;
H – Bagavad Gita, de Crisna, O SUPREMO LIVRO DA ANTIGUIDADE; I – Velho Testamento, começando por Moisés e terminando em Malaquias, relatando profundos ensinos iniciáticos, mais tarde
queimados e perdidos, depois restaurados de maneira incompleta, contraditória. Contém a Lei de Deus ou Moral Divina, promete a vinda do Cristo Exemplo de Conduta e o Derrame de Espírito sobre a carne;
J – Evangelho de Buda, resumindo a Doutrina dos Trinta e Cinco Budas; K – Código de Manu;
L – Versos Áureos de Pitágoras, ou o que restou da queima das bibliotecas;
M – Talmud, verdadeiro testamento da Traição, dos
rabinos israelitas, contradizendo Moisés e os Profetas, a Lei Moral e o Sadio Cultivo Mediúnico, deixado por
Moisés, a partir de Números, capítulo 11;
N – Novo Testamento, provando as profecias do Velho, isto é, a vinda do Messias Exemplo de Conduta, o Derrame de Revelação ou Espírito sobre a carne, etc. Convém lê-lo com honestidade, porque contra Jesus e Sua Tarefa Imortal se levantariam todas
as pedradas contraditórias, todas as traições, como afirmou o Profeta Simeão, e elas estão no mundo, fantasiadas de verdadeiras...; O – Corão, a Bíblia dos Árabes;
P – Evangelho Eterno, prometido em Apocalipse, 14, 6.
Quem quiser estar a par dos Fundamentos Iniciáticos, de todas as Grandes Bíblias, leia os livros de Osvaldo Polidoro. E quem quiser, realmente, conhecer e praticar O VERDADEIRO CRISTIANISMO, leia a documentação Bíblico-Profética, com INTELIGÊNCIA E
HONESTIDADE, ou fora de capciosos manobrismos de grupos quaisquer.
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RECORDANDO UM POUCO SOBRE O JUDAÍSMO
É a primeira religião monoteísta da humanidade. Funda-se sobre a revelação dos dez mandamentos de
Deus a Moisés no monte Sinai, Egito. Segundo a tradição, Moisés descende de Isaac, filho de Abraão,
patriarca da Mesopotâmia, o primeiro a receber uma revelação de Deus. Na metade do século XIX a.C.,
Abraão abandona o politeísmo e conduz seu povo para Canaã, atual Palestina. Existem atualmente cerca de 13
milhões de judeus em todo o mundo; 4,5 milhões vivem no Estado de Israel.
Torah - No século XV a.C., quando os israelitas encontram-se escravizados no Egito, Moisés, um
judeu, mata um egípcio em defesa de um israelita e foge para o deserto do Sinai. Lá, o deus de Abraão ordena-
lhe que conduza os israelitas para o deserto. A Revelação (Torah) no monte Horeb constitui o evento fundador
da religião de Israel.
Reinos de Israel e de Judá - Os israelitas conquistam a Palestina no século XIII a.C., sob o comando
de Josué. As tribos são governadas por juízes e depois por reis, como Saul, Davi e Salomão. Este último dirige
a construção do primeiro templo de Jerusalém, entre 970 e 931 a.C. Depois de Salomão, as tribos dividem-se
em dois reinos, o de Israel, na Samaria, e o de Judá, com a capital em Jerusalém. O reino de Israel é destruído
em 721 a.C. Em 586 a.C., Nabucodonosor, rei da Babilônia, invade o reino de Judá, destrói o templo e deporta
a maioria do povo de Judá. É a partir do exílio na Babilônia que se pode falar propriamente de judaísmo.
Messias - Com a divisão das tribos judaicas em dois reinos, surge a esperança e a fé em um messias
(ungido): o enviado de Deus para restaurar a unidade do povo e a soberania divina sobre todo o mundo.
Volta à Palestina - Os judeus começam a voltar à Palestina em 538 a.C. Reconstroem o templo e
vivem breves períodos de independência, interrompidos por constantes invasões de potências estrangeiras.
Entre os séculos II e IV a.C, migrações voluntárias difundem a religião e a cultura judaica por todo o Oriente
Médio. Em 63 a.C. Jerusalém é conquistada pelos romanos e, no ano 6 d.C., a Judéia torna-se uma província
de Roma. Em 70 d.C. os romanos destroem o templo e, em 135, Jerusalém é arrasada.
Diáspora - Com a destruição do segundo templo de Jerusalém e da própria cidade, começa o período
da grande dispersão do povo judeu, a Diáspora. Espalhados por todos os continentes, os judeus mantêm sua
unidade cultural e religiosa. A Diáspora termina em 1948 com a criação do Estado de Israel.
Livros sagrados - Os cinco livros da Revelação (Torah) e os textos de Os profetas (Nebiim) são
escritos antes do exílio na Babilônia. Os livros dos profetas menores, os livros poéticos e outros textos de Os
escritos (Ketubim) são redigidos depois de 538 a.C. A Bíblia hebraica é fixada no final do século I d.C. No
início da era cristã, as tradições orais do povo judeu são registradas nos livros Mishnah, Targumin e
Midrashim. Entre os século III e V as comunidades da Palestina e da Babilônia acrescentam os Comentários
(Gemarah) à Mishnah e reúnem o conjuntos de textos conhecidos por Talmud (ensinamento). Na Idade
Média, as comunidades judaicas produzem textos de grande importância, como Sefer Ha-Mitswot (Livro dos
mandamentos), do filósofo e médico Maimônides (1135-1204), ou Sefer Ha-Zohar (Livro do esplendor),
atribuído a Shimon ben Yohai, um rabino do século II. O Zohar, assumido pelo movimento místico-esotérico
Qabbalah (Tradição), também é chamado de "Bíblia cabalístic
Pentateuco - É o conjunto dos cinco primeiros livros do Antigo Testamento (a Bíblia hebraica): o
Gênesis, sobre a origem do mundo e do homem; o Êxodo, que narra a fuga dos judeus escravizados no Egito;
o Levítico, que trata das práticas sacerdotais; Números, que traz o recenseamento do povo judeu; e
Deuteronômio, com discursos de Moisés e código de leis familiares, civis e militares. A autoria do Pentateuco
é atribuída ao próprio Moisés.
Manuscritos do Mar Morto - Entre 1947 e 1956 são descobertos nas cavernas Qumran, no Mar
Morto, 800 pergaminhos escritos entre 250 a.C. e 100 d.C. com os mais antigos fragmentos da Bíblia
hebraica. Eles descrevem atividades, regras, cultos e crenças de uma tribo judaica, os essênios, e revelam
certos aspectos até então considerados como exclusivos do cristianismo. Apresentam grandes semelhanças
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com os Evangelhos do Novo Testamento e referem-se a práticas que lembram a Santa Ceia, o Sermão da
Montanha e a cerimônia do batismo. Os Manuscritos são considerados um dos mais importantes achados
arqueológico já realizados.
Festas judaicas - As mais importantes são as chamadas festas de peregrinação. Páscoa (Pessach)
comemora a libertação do Egito, é celebrada no início da primavera, por uma semana, antecedida de quatro
sábados de intensa preparação espiritual. Pentecostes (Shavuot), realizada 50 dias após a Páscoa, celebra a
revelação da Torah no Sinai. Festa dos Tabernáculos (Sucot) rememora a peregrinação pelo deserto, antes da
entrada na Palestina. Ano novo (Rosh Hashana) e a festa do Perdão (Yom Kippur), em setembro, são
separadas por dez dias de penitência e formam uma unidade: o Rosh Hashana recorda o sacrifício de Isaac e
evoca o julgamento de Deus, que se realiza no Dia do Perdão.
Calendário judaico - O ano judaico é contado de setembro a setembro, o ano atual (até setembro
2004) é o 5.764° da criação do mundo.
Torah
Oral Escrita
Pentateuco
Mishnah
acrescentando o Gemarah Talmud
de Jerusalém da Babilônia
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Para que possamos entender o que um adepto desta religião lê ou se baseia em, vamos ver um pouco da história e a evolução da formação do livro que consideram fundamental. Também leremos o que dizem a respeito de
Jesus (que sabemos não foi aceito como o Messias profetizado) e as fases que viveram e vivem depois de terem colocado de lado o Verbo Modelar tão esperado.
Esta é uma compilação dos textos pesquisados sobre o assunto, pesquisa esta que visa trazer um pouco do que existe à disposição dos que desejam saber mais. As fontes foram variadas: extensa bibliografia e textos
disponíveis na Internet. Os autores são judeus e foram mantidas, nesta compilação, as expressões e frases que constam dos trechos selecionados, a fim de que possamos ler e conhecer a forma pela qual expressam seus
pensamentos a respeito de todos os assuntos mencionados. (ou seja, está exposta aqui a opinião deles, da forma que é encontrada).
Fica claro, portanto, que a leitura deve ser feita como quem entre num ambiente que lhe é estranho, sondando-se as frases, conceitos, explicações. Estes textos são de judeus para judeus; aprenderemos, portanto, com
eles, um pouquinho sobre o livro Talmud, seus autores, sua origem, evolução e uso.
Os comentários que fiz, em alguns momentos, estão em cor de rosa para se diferenciarem dos textos originais.
Mara
Os preceitos que Moisés recebeu no Sinai foram dados juntamente com a sua jurisprudência,
como está escrito: 'E Eu te darei as Tábuas de Pedra, a Torah e o Mandamento' - Êxodo 24:12".
(Obs::Então, disse o Senhor a Moisés: Sobe a mim, ao monte, e fica lá; dar-te-ei tábuas de pedra, e a lei, e os mandamentos que escrevi, para os ensinares” – tradução João Ferreira de Almeida)
Torah é a lei escrita. Mandamento é a jurisprudência ou Lei Oral, ou Torah oral.
Toda a Torah foi escrita por Moisés, que apresentou um rolo a cada tribo e colocou um na
Arca da Aliança para servir de testemunho. A jurisprudência, que é a vontade da sabedoria, Moisés
não a escreveu, mas revelou seu sentido aos anciãos, a Josué e ao restante de Israel.
A Lei Oral, embora não estivesse escrita, Moisés ensinou a sua íntegra em sua corte, aos
setenta Anciãos, como também a Eleazar, Finéias e Josué - os três receberam-na de Moisés.
E assim a Lei Oral foi passada de geração em geração até a época do Rabi Judah, chamado de
Rabenu HaKadosh (nosso mestre, o Santo) que compilou a Mishná (Conjunto dos Tratados do
Direito Consuetudinário Judaico, o Direito Costumeiro, transmitido oralmente de geração à geração).
Desde a época de Moisés até o Rabenu HaKadosh, não se havia composto nenhum trabalho
através do qual se tivesse ensinado publicamente a Lei Oral. Mas em cada geração, o líder do
tribunal ou o Profeta daquela época anotara para seu uso particular um memorando das tradições que
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aprendera de seus Mestres, as quais ensinava oralmente em público. Da mesma forma cada discípulo
anotava, segundo a sua habilidade, a exposição da Torah e suas jurisprudências, conforme as ouvira,
como também os novos assuntos que iam aparecendo em cada geração, que não haviam sido
recebidos pela tradição, mas deduzidos pela aplicação das treze regras hermenêuticas, e que foram
adotados pelo Supremo Tribunal. Este era o método utilizado até a época do Rabenu HaKadosh,
quando este conhecimento foi escrito na Mishná.
Porque o Rabenu HaKadosh agiu desta forma, ao invés de deixar as coisas como estavam?
Porque ele observou que o número de discípulos estava diminuindo, catástrofes aconteciam
continuamente, o cruel governo romano estendia seu domínio, seu poder aumentava, e os judeus
vagavam e emigravam para países distantes.
A maior parte do povo judeu foi levado ao cativeiro da Babilônia no ano de 586 AC., quando
o primeiro Templo foi destruído. As demais 11 tribos não judaicas já tinham sido praticamente
aniquiladas um século antes (722 AC.), pelos assírios, no norte do país. Essa dispersão dos israelitas
repercutiu-se na maneira pela qual se transmitia a Tradição entre os homens, bem como no modo de
revelar o ensinamento religioso entre as massas.
Na comunidade cativa, na Babilônia, destacou-se Ezequiel como grande profeta. Ele manteve
acesa a tradição e, mais do que isso, a retransmitiu de maneira revigorada aos discípulos que reunia
em sua casa. Essa tradição denomina-se Torah, que significa lei, ensinamento, direção.
A Torah designa o corpo das doutrinas judaicas, escritas e orais, retransmitidas desde os
primeiros patriarcas de Israel.
Acredita-se que a instituição da Sinagoga ocorreu no exílio da Babilônia, com o objetivo de
reunir uma nação sem pátria e sem templo. Procurava-se, inicialmente, ler e explicar as escrituras ao
povo. Mais tarde, acrescentaram-se as orações a essas reuniões.
Despertou-se o interesse das massas por tais comentários e formaram-se os instrutores mais
ou menos qualificados, que mais tarde tornaram-se os Doutores da Lei (Sopherim = homens de
letras, escribas). Entre esses escribas destacou-se Esdras, profundo conhecedor da Torah de Moisés,
restabelecendo-a na sua pureza primitiva. Retornando a Judéia, Esdras estabeleceu a leitura e os
comentários públicos da Torah, fundando a Grande Sinagoga, colégio composto por 120 membros.
Foi esse Colégio de Doutores que, depois de Esdras, manteve a tradição oficial da Torah, ou seja, os
comentários do Pentateuco.
Depois que os judeus retornaram do exílio na Babilônia, tendo reconstruído seu Templo,
Esdras reuniu o povo numa hora de especial solenidade, para renovar com ele o pacto de lealdade e
obediência à Torá.
Foi a partir desse acontecimento que começou a surgir uma nova classe de guias e conselheiros do
povo: os rabinos (rabi= meu mestre; rabino= nosso mestre). A sua tarefa principal consistia em
ensinar ao povo o significado da orientação bíblica e a sua aplicação às necessidades cotidianas. Em
redor desses mestres, reuniam-se estudantes de toda idade, em centros de estudo e debate, para
empreenderem leituras sistemáticas com interpretação do texto e para atenderem aos problemas
concretos que a vida apresentava.
Uma regra absoluta fora estabelecida para esses simpósios: nada devia ser anotado por
escrito, tudo tinha que ser confiado à transmissão oral, assim passando do mestre aos alunos, de
geração em geração. A motivação dessa diretriz era óbvia: orientação escrita só podia haver uma,
aquela que Moisés recebeu no Monte Sinai, a torá she bi'htav, ou, orientação escrita.
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A ÉPOCA ROMANA (O Romance de um povo – Howad Fast - resumo de um trecho do livro)
Com a vitória dos Macabeus sobe ao poder Simon e depois Iohanan Hircanus, que era sacerdote do
templo. Iohanan decidiu conquistar terras, queria refazer o império de Salomão. Venceu os
samaritanos e os edomitas, convencendo-os a se converterem ao judaísmo. Talvez esta conquista
tenha causado a discórdia entre os judeus, e a posterior divisão entre fariseus e saduceus.
Os fariseus eram judeus devotos que tinham mais interesse na lei do que na conquista. Não
queriam tanto a liberdade política da Palestina, mas a liberdade religiosa. Os saduceus eram do
partido que estava no poder, sacerdotes do templo, mais ricos, a aristocracia, sem interesse na
liberdade religiosa dos judeus. Os fariseus pediram ajuda aos romanos para derrubarem os saduceus.
Roma enviou o general Pompeu.
Os antigos romanos empregavam uma política de conquistas que ainda se usa nos nossos
dias: “dividir para reinar”. Os judeus já estavam divididos. Os romanos chegaram à Palestina como
amigos, e lá ficaram. Derrubaram os saduceus do poder, apesar da resistência, mas não entregaram o
país aos fariseus. Vieram como amigos, agora eram os donos.
Pompeu não destruiu o Templo, nem saqueou seus tesouros, nem atrapalhou o culto dos
judeus, mas destruiu a independência política judaica assassinando os saduceus que ousavam resistir.
Os fariseus, famintos por reformas, criaram um terrível monstro que se virou contra eles depois. Foi
o começo do fim desse pequeno estado judeu.
Os romanos apressaram esse fim. Seguindo sua tática de instalar governos títeres, colocaram
Herodes, (edomita convertido, meio judeu) muito cruel, como rei de Judá. Ele assassinou os 71
componentes do Sinédrio (tribunal supremo, judicial e religioso), várias de suas 10 esposas e alguns
de seus filhos. Para se fazer amigo dos judeus construiu-lhes um novo Templo, maravilhoso, o qual
foi desprezado. Depois de sua morte, viu-se que o sucessor, seu filho, não era mais amável, faz
levantar revoltas. Os zelotes (judeus nacionalistas) instituíram o terror sobre os judeus que
simpatizavam com os romanos. A resposta romana era 100 judeus mortos a cada romano
assassinado.
Quem era esse Deus a que se agarravam os judeus? Os romanos não o viam nem o sentiam.
Os judeus morriam aos milhares: enforcados, crucificados, torturados, mas sempre havia outros
milhares que levantavam a sua voz contra Roma. (obs: veja que não se fala do movimento da
Doutrina do Caminho)
No ano de 66, os judeus se sublevaram contra o poder e a majestade de Roma, lutaram
furiosamente, mal armados, pouco treinados, mas detiveram as tropas romanas no norte da Palestina.
Nero envia Vespasiano e Tito, seu filho, que destruíram o povo e conquistaram a região em um ano.
O último assédio romano foi em Jerusalém, onde havia um milhão de judeus. A cidade foi
longamente atacada e sitiada, além de ser cercada para que passassem fome e se rendessem.
Finalmente os romanos atingiram o Templo e o incendiaram, os soldados saquearam a cidade, grande
mortandade e escravização acompanhou o processo de conquista. O Templo destruído nunca mais foi
reconstruído. Sobre a porta de Jerusalém instalaram a cabeça de um porco. Trocaram o nome da
cidade para Aelia Capitolina e permitiam a entrada de judeus apenas uma vez por ano: no dia 9 de
Av, dia em que caiu o Templo, restando-lhes apenas um muro de recordação (era o ano de 135).
[Quando, porém, no ano 70 aconteceu a destruição do Templo pelos romanos, o povo foi expulso da sua terra e começou a
dispersar-se pelos países do mundo. Por volta do ano 200, o rabino Yehudá haNassi ordenou a coleção e codificação escrita de tudo
quanto até então constituía a "orientação oral". A essa obra deu o nome de Mishná (que significa "aquilo que se estuda" ou "aquilo que
se repete"- para assim ser conservado), constituída por seis volumes ou sedarim (ordens)].
Os judeus se espalharam pela Europa, Ásia menor e África, tornando-se um povo nômade
(Diáspora). Sempre houve judeus morando em terras estrangeiras desde o tempo de David.
Formaram-se centros de judeus na Babilônia, Alexandria e Europa. Não eram perseguidos e, se
podiam, faziam uma peregrinação a Jerusalém, pelo menos uma vez na vida.
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O que conservou todos os judeus como um povo à parte foi a Torá, a lei de Moisés. A Torá
uniu-os e serviu para mantê-los unidos durante dois mil anos, substituindo a lei da pátria
desaparecida. Entre aqueles fariseus que se interessavam mais pela lei que pela política (nos
primeiros tempos) havia dois sábios: Hilel e Shamai. Hilel transferiu sua sabedoria a Iohanan Ben
Zacai, que instalou uma casa de estudos nas costas da Palestina – surge a sinagoga. Quando
morreram os sacerdotes de Israel entre as ruínas do Templo, nasceram os rabis.
[Hillel, (c. 75 a.C. 10 d.C), nascido em Babilônia, é, pois, quase contemporâneo de Jesus. Fez-se conhecer
também Gamaliel, a cujos pés aprendeu Paulo de Tarso). constituiu-se em um dos grandes codificadores do
Talmud de Jerusalém, ou Mishna, defendia a liberdade de interpretação da Torah, enquanto Chamai e seus
discípulos davam uma interpretação bem mais restrita às Escrituras. Era o primeiro século após J.C. Foi, no
entanto, a escola de Hillel que prevaleceu. Um dos discípulos de Hillel, Jokhanan Zakkai, reorganizou uma
academia judaica em Jâmnia (Palestina) e os estudos prosseguiram. Os escribas (Sopherim) são chamados
posteriormente de Mestres (tannaim), havendo deixado no Talmud o resultado de seu trabalho. Ele se destacou a
seguir pelos seus conhecimentos, manteve acesa a tradição cabalista de Hillel, assegurando novas adições à
Mishna, que recebeu novas incorporações nos séculos seguintes. Os estudos sobre a Mishna, durante séculos,
deu lugar a novos comentários sobre esse texto, denominados Gemará, ou complementos. Duas Gemarás foram
conhecidas, a da Palestina e a da Babilônia; a Mishna e a Gemará da Palestina constituem o Talmud Palestino; a
Gemará da Babilônia constitui o Talmud da Babilônia; somente a Mishna constitui uma obra verdadeiramente
cabalista]
A Mishná está dividida em seis partes.
[Devem-se os trabalhos principais da ordenação de Mishná sobretudo a Jehuda ha-nasi o "Príncipe" ou líder da
comunidade judia palestina, falecido cerca do ano 219. Contém o Mishná 6 partes (ou sedarim, isto é, ordens) abordando
distintos temas: Seraim (sementes), sobre agricultura; Moed (festas), Shabath (sábado), Nashim (mulheres), Nezikim
(prejuízos), sobre jurisprudência, Kodashim (coisas santas), sobre rituais, Toharoth (purificações). O Talmud palestino,
chamado também Talmud de Jerusalém, procede sobretudo da academia de Tiberíades, sendo atribuído na forma que
hoje tem, a Johanan b.Nappacha (199-279), com possíveis complementações do século 4°. O Talmud palestino foi escrito
em hebraico e aramaico, próximo aos livros de Daniel e Ezra.
O Talmud de Babilônia foi compilado principalmente por Rav Aschi (352-427) completado pouco depois por Rabina e
R. José. Apresenta-se mais completo e intelectualmente superior ao Talmud palestino.
Com o advento da imprensa, multiplicaram-se as edições. A primeira edição do Talmud Palestino se deu em Vêneza,
1523 ou 1524. Ali também se editou o de Babilônia, 1520-1531.
A edição de Basiléia, do Talmud de Babilônia (1578-81), sofreu mutilações, por censura cristã; fez-se, todavia, de novo a
correta impressão na edição de Amsterdam (1644-1648), onde era menos ferida a liberdade de pensamento.
As edições completas mais recentes usam fazer-se em 11 ou 12 volumes, acompanhadas de aparato crítico.]
Foi compilada e editada no ano 200 pelo rabi Judá, o Patriarca, e contém uma exposição das
leis e dos costumes judaicos. Os tanaim, ou mestres de Mishná, foram logo substituídos pelos
amoraim, ou intérpretes, nas numerosas academias que floresciam simultaneamente na Palestina e na
Babilônia. A Mishná é como se fosse a muralha dos judeus do mundo inteiro, invisível, conservando
os judeus na diáspora unidos entre si e na doutrina.
Quando a perseguição aumentou ainda mais, foi na Babilônia que se formou um novo centro, uma
nova escola, uma nova “muralha”: o Talmud.
[O Talmud foi a criação religiosa cultural de séculos de esforço coletivo. É um código de crenças, práticas e observâncias
religiosas judaicas. Num mundo em constante mutação para o povo judeu, foi um instrumento de adaptação da religião
judaica às circunstâncias sempre cambiantes da vida do povo. Ao ser encerrada a compilação dos livros admitidos ao
Compêndio Sacro (a Bíblia), a sua importância na regulamentação do comportamento cotidiano continuou crescendo,
ano após ano. Então, há mais ou menos 2500 anos, apresentou-se o problema: como se pode aplicar uma orientação
codificada em textos fixos e estabelecidos à realidade da vida, em perpétua modificação e evolução? Será lícito ampliar a
lei escrita por interpretações e explicações que visem a sua atualização? ]
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Existem dois Talmuds: o babilônico e o palestino. O segundo contém uma parte do
material do primeiro, mas não é tão completo. O Talmud é a soma da cultura e da sabedoria dos
judeus, um conjunto de leis, fatos, lendas e relatos, milhares e milhares de páginas da cultura judaica.
“Onde quer que houvesse judeus, continuariam sendo judeus, dispondo de um Talmud”. O maior
comentarista sobre a Bíblia e o Talmud foi o rabino Shlomo Ben Itzhak.
O volumoso Talmud, impresso hoje em cerca de 12 volumes, repositório de tradições
judaicas e interpretações da Lei (ou Torah), redigido poucos séculos depois de Jesus, oferece também
alguns elementos para definir a fisionomia deste e do cristianismo em geral. Surpreende serem muito
poucas as referências do Talmud aos cristãos e a Jesus.
COMENTÁRIO JUDEU SOBRE A VIDA DE JESUS (cópia do trecho referente) Segundo Howard Fast:
“E agora temos que começar o triste relato desse período terrível. Um judeu, Josué de Nazaré,
sem saber que o fazia, fundou uma nova religião. Os cristãos o chamam de Jesus Cristo. Jesus é
Josué em grego, e Cristo é Messias.
Sua doutrina não era muito diferente da que Hilel havia ensinado trinta anos antes. Outras coisas que
pregava haviam sido ditas pelos profetas há centenas de anos. Pregava aos judeus, e muitos deles o
seguiram.
Os romanos temendo o seu crescente poder, crucificaram-no, como haviam feito a outros
milhares de judeus anteriormente. Depois de sua morte, seus partidários proclamaram que havia
saído da tumba e que era o filho de Deus. Tentaram convencer aos judeus, mas fracassaram,
Os judeus não aceitavam Josué de Nazaré como filho de Deus, nem como Messias.
Acreditavam em um só Deus, grande e bom, e em nada mais. Não acreditavam que um homem como
eles pudesse ser filho de Deus.
Como não conseguiram convencer os judeus, os partidários de Josué voltaram-se para os
gentios, os pagãos gregos e romanos. Um de seus partidários, um homem chamado Saul, em grego
Paulo, difundiu os ensinamentos de Josué. Uma nova religião, o cristianismo, se espalhou pela
Europa. Baseava-se nas doutrinas de Josué de Nazaré, mas nem todos os seguidores da nova religião
praticavam os seus ensinamentos.
Não podiam se desprender tão facilmente de sua herança pagã e bárbara, mas o cristianismo
era um grande passo para além do paganismo.
O único que não se converteu ao cristianismo foi o povo judeu, e os cristãos não os
perdoaram por isso. Chegaram ao ponto de alterar a história da morte de Josué para tentar provar que
os próprios judeus o haviam matado.
A princípio, os cristãos foram perseguidos e não tiveram tempo para fazer mal aos judeus.
Mas assim que o imperador Constantino aceitou o cristianismo e legalizou-o no império romano,
toda a fúria dos novos cristãos voltou-se contra os judeus. ”
De outro autor:
QUE NOS INFORMA O TALMUD SOBRE JESUS E O CRISTIANISMO?
Diretamente, nada. Esta omissão praticamente total representa a pouca significação que o
movimento cristão inicialmente apresentava. Entretanto, o contexto, como um todo, é semelhante
para o judaísmo e o cristianismo.
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No Talmud apenas se encontram vagas referências, no texto de Shemone Esre, nome de uma
oração judaica, representada por 18 bênçãos que o judeu piedoso recitava três vezes ao dia.
Em termos injuriosos amaldiçoa aos minim, palavra que se traduz por heréticos. A
importância da referência está em que ela poderia ser do 1° século, talvez do seu final, que os
otimistas supõem poder ser até anterior à queda de Jerusalém.
Quem seriam tais minim, ou heréticos? Seriam apenas os maus judeus em geral, os judeus
apostatas? Dali passar positivamente aos cristãos, como judeus heréticos, não parece seguro.
Foi descoberto, e publicado em 1897, um texto do Schemone Esre na sinagoga do Cairo, em
que se diz, desdobradamente, que "os nasrim (nazarenos, isto é Cristãos) e os minim (heréticos)
sejam logo aniquilados".
Diz o texto no seu todo:
"Não haja esperança alguma aos apóstatas. Destrua celeremente o reino dos celerados. E
pereçam logo os nazarenos e os heréticos. Sejam destruídos do livro da vida e não sejam inseridos
com os justos. Bendito sejas Senhor porque confundes os soberbos".
Impõe-se logo, uma pergunta e de que nasce imediatamente uma reserva contra a precisão
que o texto oferece tão singularmente: - de que época data a precisão? Se os demais textos não a
apresentam, esta variante mais facilmente se acrescentou tempos após.
Então, para que o texto efetivamente se possa alegar como informação antiquíssima do
primeiro século, seria necessário poder fixar sua data, o que não se conseguiu fazer.
O Talmud Babilônico refere-se ainda ao seguinte:
"No dia fixado para a execução antes da festa da Páscoa, pendurou-se Jesus de Nazaré, por ter
com seus encantamentos seduzido e desviado Israel". O texto é uma referência expressa a Jesus. Sem
se ter como fixar a data desta informação, ela é breve e poderá ser de séculos posteriores, se
atendermos à data definitiva da redação final do Talmud.
O QUE TEMOS NO TALMUD, SOBRE MOISÉS: - segundo Stefan Schreiner, em “Moisés, nosso Mestre”
Ao começo admirável da vida de Moisés corresponde um fim igualmente admirável. Assim, em
todo caso diz o antigo comentário rabínico. Daí é que o Midrash, quando se refere ao texto bíblico
hebreu (Dt 34, 1-6) segundo o qual Moisés morreu pela boca de Deus, assume e explica esse texto
completamente ao pé da letra, no sentido de que Deus, assim como outrora inspirou o sopro da vida
em Adão (Gn 2, 7), assim agora o recolheu em Moisés pelo beijo de Sua boca (Talmud babilônico,
Tratado Bava Batra, 17a; Midrash Devarim Rabba XI, 10 e Midrash Petirat Mosheh, final), e isso
justamente na data de seu aniversário, 7 de Adar (Tosefta, Tratado Sota XI, 2). Apesar de todos estes
aspectos extraordinários, Moisés não é um santo, digno de veneração. Em tudo o que sobre ele se
narra, permanece um homem com suas inclinações e paixões. O narrador bíblico, no seu relato da
morte de Moisés, acrescenta intencionalmente que ele, ao falecer, foi enterrado em um lugar que
ninguém conhecia, nem deveria conhecer (Dt 34, 6). Ninguém deveria poder peregrinar à sua
sepultura. Também aqui o Midrash situa Moisés num contexto incomum: a figura humana impessoal
do texto bíblico é substituída por Deus. Foi o próprio Deus que enterrou Moisés naquele lugar
desconhecido (Talmud babilônico, Tratado Sota, 14a).
(...)
Sobre as funções exercidas por Moisés no meio do povo hebreu:
Porém, mais importante do que as lembranças é o papel que aqui se atribui a Moisés. Aqui ele é
o Profeta incomparável (v. 10; cf. Nm 12, 6-8; Dt 18, 15-20), o Profeta ao qual Deus “se dirigiu face
a face”. Por isso, Jesus Sirac (cf Sir 45, 2) e ambos os sábios do Talmud, Rav e Samuel, viram no Sl
8, 6 uma alusão a Moisés (Talmud babilônico, Tratado Nedarim, 38a). De fato, somente com Moisés,
12
e com nenhum outro, Deus não apenas “tratou face a face”, mas, inclusive, “com ele conversou boca
a boca” (Nm 12, 8), algo que o Midrash absolutamente não considerou uma contradição em relação a
Ex 33, 18s (Sifre Devarim, § 357, final). Por isso, a tradição judaica posterior chamou-o de “Pai dos
Profetas”, vendo nele o maior dos profetas, maior do que todos os que antecederam e de todos que
lhe sucederam; pois que, “todos os profetas viram através de um vidro opaco, mas Moisés, nosso
mestre, viu através de um vidro transparente” (Talmud babilônico, Tratado Yevamot, 49b; sobre essa
imagem, cf. 1Cor 13, 12).
(...)
Como já foi dito, não é possível examinar aqui em detalhes todas essas expressões. Diversas
delas, como as dos versos 2-3, evocam aquilo que já sabemos através de Dt 34, 10-12. Mas, no verso
5, aparece algo de novo. Aí vem mencionado o outro aspecto da missão profética de Mestre por
excelência. Trata-se aqui, a par da libertação do Egito, da ênfase dada à transmissão da Torá (cf.
Talmud jerosolimitano, Tratado Peah II, 6, 17ª). Sem dúvida, aqui é o Moisés do Deuteronômio que
se apresenta como a personalidade predominante: o Mestre Moisés profético que, mediante a entrega
do Torá, no Monte Sinai, se coloca entre Deus e o povo (Dt 5, 5), e que recebe a incumbência de
transmitir o ensinamento divino, como já escrito pelo grande poeta e filosofo da religião, Jehuda
Halevi (...). Pois o povo necessitava dessa intermediação de Moisés, de um lado, porque esse povo,
que permanecia ao pé do Monte Sinai tinha medo de ouvir a voz de Deus: “Fala tu conosco, e então
ouviremos. Não fale Deus conosco, para que não pereçamos” (Ex 20, 18-21; cf. Dt 5, 23s); de outro
lado, porque a voz de Deus não era compreensível a qualquer um, mas apenas a um profeta como
Moisés. Pois a voz de Deus é uma voz que não apenas se escuta, mas, antes de tudo, “se vê” (Ex 20,
18).
Sobre os Dez Mandamentos e os rabinos:
Pela tradição judaica, as Dez Palavras são, na realidade, o inteiro conteúdo da doutrina, a Torá,
ou o Mandamento de Deus no sentido mais amplo da palavra, onde a Torá se integra de dupla forma:
uma escrita, a outra oral (cf. Dt 12, 5; 4, 44; 31, 12). Isso, com efeito, é formalmente expresso na tese
muitas vezes citada do sábio talmudista Resh Laquish, que explicou o verso Ex 24, 12 da seguinte
maneira:
“Rabbi Lewi b. Hama disse em nome de R. Shimon b. Laquish: O que significam estas palavras
escritas, Dar-te-ei as tábuas de pedra, a Torá e os Mandamentos escritos pos Mim, para que sejam
ensinados? (Ex 24, 12). As tábuas – isto são as Dez palavras; a Torá – isto é a Escritura; e os
Mandamentos – isto é a Mishna; escritos por Mim – isto são os profetas e as escrituras; para que
sejam ensinados – isto é a Gemara [Talmud]. Isso nos instrui que todo esse conteúdo foi entregue a
Moisés no Sinai (Talmud babilônico, Tratado Berakhot, 5a)”
A TORAH DUAL DO JUDAÍSMO ensaio de Paul Forgasz
Uma Torah Oral Escrita
Desde a Antiguidade até o dia de hoje, o Judaísmo olhava não só o Pentateuco nem somente o
inteiro corpo da Bíblia Hebraica. Seu cânon abrange uma larga fila de sagrados Textos que se
referem ao Pentateuco como a Torah Escrita (Torah Shebiktab) e fala também duma Torah que não
está escrita, mas sim formulada e preservada na memória. Esta última Torah está conhecida como a
“Torah Oral" (Torah Shebe`al pé). Posto de maneira simples: o Judaísmo tradicional mantém que a
Torah foi revelada a Moisés no monte Sinai em dois modos, um escrito e outro oral transmitido pelos
profetas e sábios (daí a referência a Torah dual no título deste ensaio).
13
Na sua investigação de muitas fontes rabínicas que se referem à origem e desenvolvimento da
Torah Oral, Schimmel propõe “que a lei escrita nunca podia ter estado sozinha, e que ao mesmo
tempo quando a lei escrita foi dada no Sinai, esta deve ter sido acompanhada por uma tradição
oral".
De fato, é fácil argumentar que tal visão inere no próprio caráter da própria Torah Escrita.
Assim, há muitos termos e instruções na Torah que não são definidos ou permanecem escuros.
Proibindo trabalho no Sábado, a Torah não define qual trabalho é proibido; mas o termo está
elaborado na Torah Oral. Lidos sem tradição acompanhante, há também trechos na Bíblia que
parecem contraditórios: em Êxodo (12,15), o número dos dias nos quais deve ser comido pão não-
fermentado é sete, enquanto no Deuteronômio (16,8) é seis. Fica deixado para a Torah Oral tomar
conta da divergência. A Torah Oral elabora também casos onde leis não são explicitamente
estabelecidas. Onde lacunas estão em evidência, ela as enche. Por exemplo, a lei de divorcio é
mencionada somente de passagem no que se refere à instrução de que um homem não deve casar
outra vez com sua mulher divorciada depois de ela tiver casado outra vez e ter divorciado outra vez
(Deuteronômio 24,1-4). O condenado ao espancamento não deve receber mais batidas que as
infligidas (Deuteronômio 25,1-3), mas não especifica em lugar algum quais transgressões envolvem
punição de espancamento. Parece claro que o próprio caráter da Torah Escrita é tal que seria
impossível regular a vida sem tradição oral que a acompanhasse desde o início. Seria igualmente
verdade dizer que a Torah Oral não chegou à plena expressão senão depois do período que seguiu a
destruição do Segundo Templo pelos romanos no ano 70 E.C. (Era Comum), um acontecimento que
precipitou uma crise de maiores proporções na vida judaica.
O FUNDO HISTÓRICO
O Templo de Jerusalém, junto com seu sistema de sacrifícios, constituíra o foco do Judaísmo
para séculos. Comentando a centralidade do culto de sacrifícios na vida judaica, Neusner observa
(1995: 320-321) que “o ciclo do santo tempo estava marcado por sacrifício... O que fez de Israel ser
Israel era o centro, o altar... a vida de Israel fluía do altar".
Com a destruição de Jerusalém e do Templo, porém, o foco existente da santa vida judaica
desapareceu, o prospecto de religião sem sacrifício teria sido duro de imaginar. Perderam seu
Templo já uma vez antes (em 586 A.E.C.), mas então tinham de esperar somente setenta anos para
ele ser reconstruído. Desta vez, porém, considerando a força de Roma e sua determinação de não
permitir que o Templo estivesse de pé outra vez, os judeus podiam facilmente ter decidido que o
Judaísmo teria chegado ao fim com a destruição do Templo. Que o não fizeram está largamente
devido ao gênio do Rábi Yohanân ben Zákai e aos sábios que se reuniram em Yábneh, cidade ao
leste de Jerusalém, que chegou a ser o novo centro da vida religiosa judaica.
Yohanân ben Zákai estava preocupado não só com a sobrevivência do Judaísmo dentro da
Palestina, mas também na Diáspora. Se os judeus, dispersados como estavam por todo o Império
Romano, estariam por tempo demais isolados da mola principal dos centros religiosos na Palestina,
poderiam bem ter abandonado sua herança judaica. A questão que Yohanân ben Zákai e seus sábios
encaravam em Jabneh, era a de como inventar uma estrutura dentro da qual a identidade religiosa dos
judeus podia ser preservada sem o Templo e culto de sacrifícios. O dilema que confrontava ben
Zákai está graficamente formulado por Max Dimont (1971-141) como segue:
“Que medidas executáveis podia inventar, projetar ou ordenar para preservar a identidade dos
judeus sob essas circunstâncias? E mesmo se fosse bem sucedido, como as podia fazer cumprir sem
polícia, sem exército, sem organização política? Quanto podia confiar no dínamo carismático
14
implantado nos judeus pelas Escrituras canonizadas? Atenderiam à mensagem que lhes foi
inculcada pelos profetas? O nacionalismo pregado por Ezra iria desintegrar-se ou se manter firme
no exílio? Qual agente catalisador seria necessário para fundir essas efêmeras ideologias numa
sociedade judaica estável num mundo gentílico caótico?”
Defronte de tais questões, os rabis chegaram a considerar a revelação duma Torah Oral ao
longo daquela da Torah Escrita. De fato, a importância dessa idéia para o desenvolvimento do
Judaísmo pós-70 E.C. não pode ser superestimado. Neusner (1995:322), então, anota que, com a
destruição do Templo como o lugar de santidade dentro da sociedade judaica,
“o Judaísmo da Torah dual continua um ideal gêmeo: santificação da vida cotidiana (meu relevo)
no aqui e agora, o que plenamente realizado conduziria a salvação de todo o Israel no tempo a vir.
Mas o quê ficou a ser santificado, já que o Templo fora santificado pelo seu culto, e agora que o
Templo se fora? Um lugar de santificação durava além de 70: o santo povo mesmo."
Assim, enquanto nos tempos do Templo a veneração era concentrada no culto de sacrifícios,
agora a própria vida era para chegar a ser um ato de venerar Deus através da aplicação da Torah Oral
e seus ensinamentos à vida cotidiana do judeu.
Esses desenvolvimentos não ocorreram num vácuo teológico ou histórico, tendo, de fato, suas
raízes nas reformas introduzidas na vida judaica por Ezra, durante o início do período do Segundo
Templo. Era ele que começou a tarefa de organizar a comunidade judaica em Judéia ao redor das
exigências da Torah e pôs os fundamentos para o desenvolvimento do Judaísmo como uma religião
de escritura. Ezra está sendo frequentemente chamado de o pai do Judaísmo porque os seus esforços
para popularizar o ensino e interpretação da Torah iniciaram uma tendência na vida judaica que
produziu uma nova classe de líderes religiosos, conhecidos como soferím (escribas). Recebendo sua
tarefa de Ezra, dedicaram-se à correta interpretação da Torah para garantir que ela pudesse
propriamente ser aplicada à vida diária do povo e às variáveis circunstâncias desta. Os soferím, em
consequência disso, chegaram a ser considerados como os que colocaram dentro do Judaísmo os
fundamentos para a Torah Oral. Como os soferím, os Fariseus consideravam-se como os tradicionais
seguidores de Ezra, sua crença na existência da Torah Oral e aderência nela são claramente atestadas
nas escritas de Josefo. Todavia, foi a destruição do Segundo Templo que proveu o ímpeto para a
Torah Oral ocupar o papel definitivo no desenvolvimento da vida judaica pós-70 E.C.
A literatura da Torah Oral
Embora falemos duma Torah Oral, esta tradição encontra expressão numa vasta formação de
escritos rabínicos. Além disso, esse corpo literário pode ser dividido em duas grandes categorias.
A primeira contém aquilo que conhecemos como tradição halahica ou legal do Judaísmo. O
texto básico e ponto de partida desta tradição é a Mishnáh, uma obra composta ao redor do ano 200
E.C. (era comum) no país de Israel. Na Mishnáh, diz Neusner (1995:328)
“ouvimos uma única mensagem forte. É a mensagem dum Judaísmo que responde a uma
única concisa questão referente à duradoura santificação de Israel, do povo, do País, do modo de
viver. O quê, na outonada da destruição do santo lugar e santo culto, remanesceu da santidade do ...
Santo País, e, sobre tudo, do santo povo e do seu santo modo de vida? A resposta: Santidade
persiste, indestrutível, em Israel, no povo, no seu modo de vida, no seu País, no seu sacerdócio, na
sua comida, no seu modo de sustentar vida, na sua maneira de procriar e assim manter a nação.
15
Essa santidade vai durar. E a Mishnáh expôs a estrutura da santificação. Detalhou o que significa
viver uma vida santa."
Ao ser registrada, a Mishnáh chegou a ser objeto de estudo ulterior, de comentário e de
amplificação; um processo que deu origem a dois Talmuds. O Talmud de Jerusalém (Talmud
Yerushalmi) era produto do país Israel cerca 400 E.C. Cerca de cem anos mais tarde, o Talmud
Babilônico (Talmud Babli) nasceu. Descrevendo seu impacto na vida judaica, Neusner observa
(1995:328) que o último Talmud,
“junto com seus comentários, códices de lei dele derivando e instituições de administração
autônoma apoiando-se nele, tem definido a vida da maioria dos judeus e o sistema judaico que
prevalecia como normativo. Sua bem sucedida definição dos essenciais do Judaísmo ...depende da
sua convincente força da sua explicação do que é ser judeu, o quê quer dizer ser Israel, e como o
santo povo deve elaborar sua vida no aqui e agora para conseguir salvação no fim do tempo."
A tradição halahica não terminou com o Talmud, comentários ou códigos de lei aos quais deu
surgimento. Da necessidade de tratar novos assuntos e situações emergiu mais um corpo de lei
judaica que também faz parte da Torah Oral – a literatura dos Responsa.
Como o nome diz, ela consiste de réplicas a questões específicas dirigidas a autoridades
rabínicas, e que chegou a ser a maior fonte de precedente halahico. Dentro da literatura dos Responsa
encontram-se também referências a assuntos de teologia, movimentos históricos e controversas
religiosas. Os Responsa começaram depois da compilação do Talmud Babilônico, quando os sábios
receberam pedidos escritos para explicações de passagens talmudicas escuras e para decisões sobre
assuntos de significância prática. Rábis ortodoxos trabalham hoje numa tradição muito semelhante,
tratam questões sobre uma larga faixa de assuntos contemporâneos, inclusive maternidade de
aluguel, eutanásia no caso de alguém estar numa máquina de manter vivo, engenharia genética,
transplantes e cirurgia transexual. Os Responsa chegaram a ser o caminho definitivo a conseguir
decisões de Rábis, bem como o meio pelo que a tradição halahica continua encontrando expressão
dentro da vida judaica contemporânea.
A Torah Oral consiste também duma expansiva coleção literatura não-halahica chamada de
agadáh. Essa tradição agádica está composta de escritos rabínicos não-legais, que incluem
comentários bíblicos, parábolas, anedotas, legendas, folclore, ensinamentos éticos, aforismos e
especulação teológica. O maior repositório da tradição agádica é a literatura do Midrash, compilada
largamente na Palestina durante vários séculos. Este material deriva de homilias e sermões proferidos
por sábios em sinagogas e academias. O termo midrash (literalmente: busca) refere ao extrair de
versos bíblicos sentidos além do literal. Tipicamente, então, midrash interpreta um texto bíblico ou
grupo de textos de acordo com sua relevância ou significado contemporâneos. De passagem seja
notado que a literatura midrash, que trata de versos legais da Bíblia pertence àquela parte da Torah
Oral que compreende a tradição halahica do Judaísmo.
A autoridade da Torah Oral
Dada a centralidade da Torah Oral no Judaísmo, resta, finalmente, inquirir a fonte de sua
autoridade dentro da estrutura da vida e tradição judaicas. Poder-se-ia argumentar que fé na origem
sinaítica da Torah Oral seria suficiente para estabelecer seu papel autoritativo. Essa fé, porém, não
está inteiramente sem problema. Quando várias fontes que tratam da natureza da revelação sinaítica
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são postas lado a lado, está-se sendo confrontado com pontos de vista que parecem estar em
contradição direta um com o outro.
O Talmud de Jerusalém (tratado Peah 2:4), por exemplo, alega que aquilo que foi revelado a
Moisés no Sinai não era somente o Pentateuco mas também a Mishnáh, as discussões talmúdicas, a
tradição agádica e "mesmo o que um estudante maduro pudesse expor perante seu professor no
futuro" (minha ênfase). Isso sugere que a autoridade da tradição oral derive da fé de que uma linha
direta e imediata possa ser traçada do corpo inteiro da Torah Oral (incluindo todo conhecimento
futuro) para a revelação original no Sinai. Isso, porém, leva Schimmel a perguntar (1971:27): "os
Sábios não fizeram contribuição alguma à Lei Oral? E era tudo que disseram um mero eco da
tradição que receberam no Sinai?" O preciso intento da declaração talmúdica não está inteiramente
claro, nem é evidente por si mesmo.
Além disso, a declaração radical no Talmud de Jerusalém parece contradizer uma afamada
história no Talmud Babilônico (tratado Baba Mezia 59b). Aqui lemos duma disputa rabínica
referente a um ponto especial da lei judaica. Para provar que estaria certo, um dos protagonistas,
Rábi Eliezer, pediu uma intervenção divina, e conta-se que uma alfarrobeira desarraigou-se e um rio
fluiu para trás. Quando, porém, isso não moveu seu oponente, Rábi Joshua, Rábi Eliezer pediu ao
Céu que testificasse que sua visão era a correta, nesse momento uma voz do Céu gritou que estaria
ao lado de Rábi Eliezer. Ao que Rábi Joshua proclamou "não está no céu!" O Talmud explica que
isso significa que a Torah já tinha sido transferida no Sinai, e que a partir desse momento decisões
halahicas estariam baseadas em opiniões majoritárias dos sábios. Nessa história, então, há uma
insistência no fator humano na interpretação e desenvolvimento da Torah Oral.
A julgar pela aparência, pareceria que a história contradiz à anteriormente citada declaração
do Talmud de Jerusalém. Outra história, porém, contada no Talmud Babilônico (tratado Menahot
29), representa algo de atitude harmonizante que reconcilia essas duas aproximações. Neste caso
lemos de Moisés sendo transportado ao futuro onde se encontra sentado na academia do grande Rábi
Akiva. Incapaz de seguir a discussão, ficou triste. Em certo momento os discípulos de Akiva
perguntaram a este: Rábi, de onde derivas este ensino?" Na réplica, respondeu: "Isso é um
regulamento passado para baixo por Moisés do Sinai." Ouvindo isso, Moisés sentiu-se aliviado. Essa
história paradoxal mostra como os rábis estavam cônscios da natureza do processo halahico, sabiam
que leis atribuídas a Moisés estariam de fato irreconhecíveis para ele. Isso, porém, não diminui a
autenticidade das leis nem a justeza da sua atribuição. Em outras palavras: a Torah Oral está sendo
considerada um como contínuo processo consistente estendendo-se do Sinai até o presente.
Isso, então, permanece a posição definida do Judaísmo Ortodoxo até o dia de hoje, a Torah
Oral forma parte integral da revelação divina e é, por isso, considerada como normativamente
obrigatória. Todavia, a autoridade da tradição oral, nomeadamente a tradição halahica, é o único
maior assunto que divide os vários grupos denominacionais dentro do mundo religioso judeu hoje.
Literatura: E. Berkovits, Not in Heaven: The nature and function of Halaka, Ktav, New York 1983. / M. Dimont, The indestructible Jews, Signet, New York 1973.
/ J. Neusner, Judaism in Arvind Sharma (ed.) Our Religions, Harper, San Francisco 1995. / H. Schimmel, The Oral Law, Feldheim, New York 197l.
Paul Forgasz ... leciona sobre Civilização Judaica na Monash University e é Diretor Educacional da Florence Melton Adult Mini-School em
Melbourne. © Copyright 1991 Gesher Tradução: Pedro von Werden SJ
Ainda sobre a Torah Oral
O judaísmo se diferencia de todas as outras religiões pelo fato de não se ter originado de uma
única pessoa. Todas as outras começaram a partir de um indivíduo que, através de seus
ensinamentos, arregimentava adeptos e convertidos. Apenas o judaísmo foi criado por Deus, ao
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reunir três milhões de pessoas no sopé do Monte Sinai, ocasião em que, pela primeira e única vez,
revelou-Se abertamente. Essa Revelação Divina, que se seguiu ao Êxodo do Egito, forjou um vínculo
entre Deus e o povo judeu em todas as gerações. Este vínculo foi estabelecido pela Torá. Portanto, é
claro que a Torá é o pilar do judaísmo, e quem sem a mesma não haveria religião judaica.
Apesar de o termo Torá abranger todos os fundamentos, leis e ensinamentos do judaísmo,
literalmente refere-se aos 5 livros que nos foram transmitidos por Deus – letra por letra – a Moisés
no Monte Sinai. Os cinco livros de Moisés – Bereshit (Gênese), Shemot (Êxodo), Vayikra (Levítico),
Bamidbar (Números), Devarim (Deuteronômio) – compõem o que conhecemos como a Torá Escrita,
ou Torah she-Bichtav.
Deus também transmitiu a Moisés a Torá Oral, Torah she-Be’alpeh, que consiste das
interpretações e explicações dos mandamentos da Torá Escrita. Moisés possuía o mais alto grau de
profecia e, por isso, Deus pode ensinar-lhe a Torá Oral de forma abrangente e detalhada. Pois está
escrito: "Falava Deus a Moisés face a face, como um homem qualquer fala a seu amigo" (Êxodos
33:11). Ao mencionar especificamente a transmissão da Torá Oral, Deus disse: "Boca a boca falo
com ele, claramente e não por enigmas" (Números 12:8).
A transmissão da Torá Oral é claramente revelada na Torá Escrita. Pois está escrito: "São
estes os estatutos, juízos e leis (Torá) que deu o Senhor entre si e os filhos de Israel no Monte Sinai,
pela mão de Moisés" (Levítico 26:46). É importante notar que a palavra Torá está no plural, pois se
refere tanto à Torá Escrita quanto à Oral (Rashi; Sifra). Em outra parte da Torá Escrita, Deus diz a
Moisés: "Dar-te-ei tábuas de pedra, e a lei e os mandamentos que escrevi" (Êxodo 24:12). As tábuas
de pedra são os Dez Mandamentos, a lei (Torá) significa a Torá Escrita e os mandamentos referem-
se à Torá Oral. De fato, a Torá Escrita faz inúmeras alusões à Torá Oral. Por exemplo, está escrito:
"Então matarás as tuas vacas e tuas ovelhas...como te ordenei" (Deuteronômio 12:21). Isto implica
na transmissão das instruções sobre o abate casher de animais, apesar de que não são dadas
explicações. De fato, a maioria de nossos mandamentos nunca é explicada na Torá Escrita. A mitzvá
da guarda do Shabat é um dos Dez Mandamentos, mas não há nenhuma instrução sobre o significado
de guardar o Shabat. São mencionados, também, outros mandamentos tais como a colocação de
mezuzot, de tefilin, o cumprimento das festas judaicas, mas não são discutidos, de fato, na Torá
Escrita. Está bem claro que todas as instruções são encontradas na Torá Oral.
Mas, por que razão, Deus não teria transmitido a totalidade da Torá por escrito?
O Rabi Aryeh Kaplan comenta em sua obra Guia do Pensamento Judaico, que a Torá Oral
tinha o propósito de ser transmitida do mestre para o discípulo. Desta forma, o aluno não confiaria
em sua própria interpretação de um texto escrito, e buscaria esclarecimento para suas dúvidas com
seu mestre. Se a totalidade da Torá tivesse inicialmente sido escrita, as pessoas iriam interpretá-la
como o desejassem, e isso iria causar importantes desavenças no seio do povo judeu. E já que a Torá
Oral não podia ser escrita, dependeria de autoridades centrais para preservá-la e ensiná-la sem dar
margem a ambiguidades.
Há uma razão ainda mais forte para a necessidade de uma Torá Oral. Apesar de a Bíblia
Hebraica originalmente ter sido dada apenas ao povo judeu, foi adotada por grande parte da
humanidade. A Divina Providência utiliza-se da Bíblia Judaica para pouco a pouco levar a
humanidade até mais perto da Verdade Suprema. Se a Torá tivesse sido totalmente escrita, outros
povos a teriam adotado, e o povo de Israel deixaria de ser único e singular. Em um dos livros de
nossa Bíblia, Deus confirma-o através desta frase: "Embora eu lhe escreva a minha Torá em 10 mil
preceitos, estes seriam tidos como coisa estranha" (Oséias 8:12). Assim sendo, a Torá Oral não
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apenas define a Torá Escrita, mas é o fator que realmente distingue o judaísmo de toda a outras
religiões.
A Mishná
Antes de falecer, Moisés escreveu os 13 rolos da Torá e ensinou a Torá Oral ao profeta Josué
bin Nun. A Torá Oral foi então transmitida por Josué aos anciãos de Israel, a seguir aos profetas e,
por fim, ao Sanhedrin. Este, ou sinédrio, era a corte suprema de Israel, e tinha a missão de guardar,
interpretar e legislar sobre todos os assuntos acerca das leis da Torá. Durante o período do Segundo
Templo, o Sanhedrin codificou a Torá Oral. Essa codificação tornou-se conhecida como a Mishná.
Uma razão para esse nome foi o fato de revelar que o propósito da codificação da Lei Oral era o de
que seria revista (em hebraico, shaná) continuamente, até que fosse memorizada. Os sábios que
originalmente ensinavam a Mishná eram conhecidos como os Tanaim.
A Mishná foi posteriormente colocada por escrito pelo Rabi Yehuda ha-Nasi. Este erudito
reuniu todas as leis, tradições, explicações e comentários de toda a Torá e a seguir compilou-os na
Mishná que hoje conhecemos. Terminou seu trabalho no ano de 3948 (188 antes da era comum).
Composição da Mishné Torah
Os 248 Preceitos Positivos
Os 365 Preceitos Negativos
1 - Livro da Sabedoria
2 - Livro do Amor
3 - Livro dos Períodos
4 - Livro das Mulheres
5 - Livro da Santidade
6 - Livro da Magnificência
7 - Livro das Sementes
8 - Livro do Serviço Divino
9 - Livro dos Sacrifícios
10 - Livro da Pureza
11 - Livro dos Danos
12 - Livro das Aquisições
13 - Livro dos Julgamentos
14 - Livro dos Juizes
As letras dos Dez Mandamentos são 613, numero dos Mitzvot da Torah (Bahir 124), que
correspondem às 613 partes do corpo humano: 248 membros e 365 vazos.
Os sábios da Mishná realizaram outras obras:
Rabi Hoshaio, discípulo do Rabenu HaKadosh escreveu uma exposição do Bereshit (Gênesis)
de Moisés. Rabi Ismael escreveu a Mequiltá (comentários midráshicos sobre a Mishná), um
comentário sobre a Humashe, desde o início do livro de Shemot até o final do Pentateuco. O Rabi
Akiba também escreveu uma Mequiltá.
Outros sábios que viveram posteriormente escreveram os midrashim.Todas estas obras foram
compostas antes do Talmud Babilônico. Ravina e Rav Achi e seus confrades foram os últimos
grandes sábios que estabeleceram firmemente a Jurisprudência da Lei, fizeram decretos, ordenações
e introduziram costumes, que obtiveram aceitação universal entre os judeus.
Todos os sábios que surgiram após a compilação do Talmud, que estudaram-no com
profundidade e tornaram-se famosos por sua sabedoria são chamados gueonim.
A obra é composta em aramaico, com influências de outras línguas, o vernáculo dos judeus
babilônicos, na época em que foi compilada.
"Sob estas premissas, eu, Moshe, filho de Maimon, o Sefaradita, pus-me em movimento, cingido de
coragem e contando com a ajuda de D..S, Seja Ele abençoado; atentamente estudei todas estas
obras literárias, com o objetivo de escrever um livro, que esclareça... de acordo com as conclusões
retiradas de todas estas compilações e comentários que têm aparecido desde a época do Rabenu
HaKadosh até o presente... eu dei a esta obra o título de Mishné Torah, pela razão de que uma
19
pessoa que leia a Lei Escrita, e depois esta recompilação, saberá a íntegra da Lei Oral, sem
precisar consultar ou estudar outro livro qualquer."
A Guemará
Mal, porém, fora compilada, a Mishná passou por seu turno a ser objeto de "interpretação".
Esses novos debates realizavam-se em dois centros do povo: um na Palestina, e outro na Babilônia.
Daí resultaram outras compilações e uma obra intitulada Guemará, a qual foi, mais do que simples
código, uma vasta antologia dividida em 63 tratados. Guemará quer dizer em aramaico "estudo" e
também "encerramento".
A Mishná, junto com a Guemará, formam o Talmud. Devido aos dois centros de estudos,
mencionados anteriormente, formaram-se dois Talmudim: o da Babilônia (Bavli) e o da Palestina
(Ierushalmi). Em ambos os casos a Mishná é a mesma, sendo apenas a Guemará que difere. O
Talmud da Babilônia, tanto por causa de seu maior volume quanto pela maior influência subsequente
sobre os judeus e o judaísmo, constitui a mais importante das duas compilações.
Mas por que motivo o Rabi Yehuda ha-Nasi teria rompido com a tradição de não se escrever a
Torá Oral ?
Porque, com a destruição do Segundo Templo, a Torá Oral corria o perigo de ser esquecida.
Diminuía o número de eruditos estudiosos da Torá e os judeus se dispersavam por todo o mundo. O
Rabi Yehuda ha-Nasi, portanto, escreveu a Mishná para que mesmo que os judeus se afastassem de
seus mestres, ainda assim poderiam estudar e seguir a Torá Oral e, assim, preservar o judaísmo.
Além da Mishná, foram escritos outros volumes interpretativos da Torá Oral pelos alunos do Rabi
Yehuda ha-Nasi. Entre seus discípulos incluíam-se alguns de nossos mais famosos sábios: o Rabi
Chiya, Rav, Bar Kapara, Rabi Yochanan e Rabi Hoshia. Rav redigiu a Sifra e o Sifri, que são
comentários sobre três dos livros da Torá Escrita: Levítico, Números e Deuteronômio. O Rabi Chiya
escreveu a obra Tosefta que elucida alguns dos conceitos da Mishná. O Rabi Hoshia e Bar Kapara
escreveram Beraitot para explicar as palavras da Mishná.
O Talmud
Trezentos anos após a destruição do Segundo Templo, o Rabi Yochanan redigiu o Talmud de
Jerusalém, ou Talmud Yerushalmi. Este Talmud basicamente trata das leis referentes à Terra de
Israel. Mas quando as pessoas falam do Talmud, geralmente não se estão referindo ao de Jerusalém,
mas sim ao Talmud Babilônico, também chamado de Guemará. Uma vez constituída a Mishná
canônica, os discípulos de R. Judá separaram-se: parte deles permaneceu na Palestina e os demais
emigraram para a Babilônia, de onde muitos eram naturais. Estes discípulos iniciam o período dos
amoarim(*) que desenvolvem sua atividade simultaneamente nas duas regiões, dando assim origem a
duas obras: o Talmud palestinense e o Talmud babilônico, embora quando se menciona o
Talmud(**) sem especificações, alude-se ao babilônico.
(*) Da raiz hebraica amor, que significa "dizer, falar, explicar". Por isso amorá equivale a "falador", no sentido de "expositor",
"intérprete", "comentarista".
(**) O substantivo talmud (derivado da raiz lamod = estudar), significa literalmente "estudo" e é abreviação da frase talmud torá, "estudo
da Lei". O vocábulo se aplica ao "estudo" realizado na Palestina, enquanto o realizado na Babilônia toma o nome de guemara, que em aramaico significa "complemento" e também "estudo". Mais tarde - e é o sentido em que o usamos - passou a designar o resultado dessa atividade ou "estudo".
Os amoarim (cujo número gira em torno de dois milhares) fizeram com a Mishná o que os
seus antecessores, os tanaím, haviam feito com a Lei. Tomando-a como ponto de partida, discutiram
parágrafo por parágrafo cada um dos tratados, dedicando-se a analisar os fundamentos bíblicos das
leis (midrash), a resolver as contradições ou indecisões que nela apareciam e também a deduzir
novas normas de conduta para casos não previstos; em uma palavra - a uma detalhada análise crítica.
Mas comumente afastavam-se do tema objetivo da discussão, desviavam-se e sucessivamente iam
passando de um assunto para outro, às vezes trazido por puro acaso, do que resulta que num só
20
tratado são analisados temas muito diferentes, que pouca ou nenhuma relação guardam com o título
do mesmo.
Não obstante a base seja a Mishná, têm-se também em conta a Tosefta e as baraitot,
procurando resolver as contradições que existem entre elas. A Mishná fica incluída, incrustada no
texto, e o conteúdo adota forma discursiva, indicando os nomes dos diversos opinantes no princípio
das frases. Assim se explicam os numerosos pontos de vista e as discrepâncias que se observam em
uma mesma discussão.
O Talmud (formado pela Mishná e pela Guemará) recebe o nome de shas, iniciais das
palavras que significam "seis ordens", (da Mishná) - "Shishá Sedarim". O Rabino Iohanan compôs o
Talmud de Jerusalém na Palestina, aproximadamente três séculos após a destruição do Segundo
Templo e Rav Achi compilou, um século depois, o Talmud Babilônico nas terras de Shinar
(Babilônia).
Estes dois Talmuds contém uma exposição dos textos da Mishná e uma elucidação de seus
pontos conflitantes e profundos, e novos temas foram acrescentados pelas várias Academias, desde
os dias do Rabenu HaKadosh até a compilação do Talmud. Os dois Talmuds, a Tossefta, a sifrá, os
sifrê e as Tosseftot (Rav compilou o sifrá e os sifrê, cujo propósito é aclarar os princípios da
Mishná. O Rabino Hia compilou a Tossefta também para explicar o tema da Mishná. Da mesma
forma o Rabi Oseas e Bar Caporo compilaram baraítas para elucidar o texto da Mishná) são as
origens a partir das quais está elucidado o que é proibido, o que é permitido, o que é impuro, o que é
puro, o que é violação sujeita a pena e o que não envolve penalidade, o que é adequado para o uso e
o que é inadequado, segundo as tradições recebidas pelos sábios e por seus antecessores em sucessão
ininterrupta, até os ensinamentos de Moshe Rabenu, que os recebeu no Sinai...Disse Moisés: Deveis
ordenar uma Mitzvah para preservar minhas ordenanças Lv - 18:30.
O Talmud Ierushalmi (jerosolimitano)
Também chamado Talmud de Eretz Israel ("palestinense") - denominação que melhor lhe
convém, já que se foi formando em toda a Palestina, a maior parte nas escolas de Tiberíades e o resto
em Séforis e Cesaréia, porém nada na própria Jerusalém - foi adquirindo corpo desde 220 até
aproximadamente o ano de 380, no qual, devido à instabilidade política do país, ficou suspenso. Isto
explica o porquê de sua escassa autoridade no Judaísmo: as discussões são mais breves, mais
apressadas pela instabilidade, e goza de menos prestígio porque não foi possível levar a cabo uma
revisão definitiva. Porém, em que pesem todos estes fatores, tem certa importância por incluir alguns
tratados que seu homônimo babilônico não comentou e, especialmente, porque nos conservou uma
série de leis e de material agádico de grande valor para a história política e para o conhecimento do
ambiente cultural e científico da época, razões que justificariam de sobra uma tradução ou
conhecimento antológico do mesmo.
Mas, o mais importante é, sem dúvida, o babilônico, cuja formação vamos estudar em
seguida, assinalando incidentalmente os principais rabís palestinenses, uma vez que também
aparecem nas páginas do Talmud Babilônico.
Muitos textos surgem simultaneamente nos dois talmuds e isto é explicável, tomando-se em
conta que durante todo esse período houve relações constantes entre as duas regiões, com
transferência de mestres de uma para outra.
21
O Talmud Babilônico (Bavli)
Em tempos remotos, os sábios da Torá estudavam a Lei Oral para, a seguir, fazer a análise de
seu trabalho através de discussões. Após ter sido compilada a Mishná, tais discussões – que se
tornaram conhecidas como a Guemará – serviram para esclarecê-la. A Guemará foi transmitida
oralmente e preservada durante cerca de 300 anos após ter sido escrita a Mishná. Quando surgiu
claramente o perigo de que a Guemará fosse esquecida, os dois maiores eruditos da época sobre Torá
– Ravina e Rav Ashi – redigiram a Guemará por escrito. Com a ajuda de seus discípulos, nas
academias de ensino da Babilônia, Ravina e Rav Ashi coletaram e ordenaram todas as discussões que
compunham a Guemará. Esta compilação da Guemará – que incluía a Mishná – tornou-se conhecida
como o Talmud Babilônico ou, em hebraico, Talmud Bavli. Foi finalmente publicado no ano de 4265
(505 antes da era comum).
O Talmud, que literalmente significa "estudo" ou "aprendizado", é, portanto, composto da
Mishná – um livro de Halachá (lei judaica) escrito em hebraico – e da Guemará – o comentário
sobre a Mishná, que foi escrito em aramaico/hebraico. O Talmud Babilônico foi aceito pelo povo
judeu como a autoridade máxima e suprema em todas as questões sobre a religião e a lei judaica. As
leis da Torá só têm vínculo legal se forem baseadas no Talmud.
O Talmud não é um só livro, mas uma vasta coleção de muitos livros; não pertence a um
autor, mas a dezenas de gerações de autores, cujo número ultrapassa 2000. Nas 5510 páginas do
Talmud há menção de 296 tanaím (mestres da Mishná) e 1812 amoraím (mestres da Guemará). Esses
mestres do Talmud pertenceram a diversos períodos, habitaram várias regiões geográficas e
atravessaram esferas culturais heterogêneas, cobrindo uma época de mais de 1000 anos (séc. V a.C.
ao V d.C.) até a sua conclusão. Aliás, o termo "conclusão" não deve ser tomado ao pé da letra, pois o
Talmud, a rigor, como interpretação e comentário da Torá e da Lei canônica ainda continua o seu
desenvolvimento. Por outro lado, ele é tradicionalmente designado como torá she be alpé (=lei oral),
o que será analisado adiante.
Formação Do Talmud Babilônico
Diferentemente do que ocorria aos seus correligionários palestinenses, os judeus da Babilônia
viveram, em geral, uma época de tranquilidade e segurança que lhes haveria de trazer grandes
benefícios em relação ao desenvolvimento de sua vida cultural. Em algumas localidades da região
mesopotâmica, como, por exemplo, Nehardea e Pumbedita, que eram habitadas exclusivamente por
judeus, não era de estranhar tal sossego; mas também dele gozavam nas cidades em que conviviam
com crentes de outras religiões. Sua vida transcorria placidamente e gozavam de prosperidade
econômica, seja dedicando-se à agricultura ou à artesania, seja participando da vida comercial do
país.
A par da liberdade física, gozavam de certa independência política, já que à frente dos judeus
achava-se o Resh Galuta (literalmente, "chefe do exílio"), ou seja, o exilarca, dignidade que
ostentavam os descendentes de David, confirmados pelo monarca reinante. O exilarca era o
representante dos judeus reconhecido pelas autoridades do país e ocupava lugar destacado nas
grandes solenidades da corte. Mas, junto a isto, tinha atribuições mais concretas: atuava como juiz
em causas civis e também penais de seus correligionários. Alguns exilarcas, aliás, gozavam de
grande apreço e autoridade em assuntos propriamente religiosos, devido a seus conhecimentos
particulares.
Lógico é que sob tais circunstâncias favoráveis florescesse e se desenvolvesse no decorrer de
três séculos um grande movimento cultural, centrado principalmente na ciência religiosa muito
22
embora sem excluir por inservíveis ou inúteis os conhecimentos profanos. Durante esses trezentos
anos discutiu-se a Mishná de Rabi e, ao final, foi reunido todo o material elaborado, constituindo-se
assim a Guemará.
As Sete Gerações de Amoarim
Estes comentários foram realizados pelos amoarim babilônicos, designados com o título de rav
("mestre"), que se agrupam, por razão de método, em sete gerações(*) que abrangem
aproximadamente as seguintes épocas (junto aos períodos vão os nomes dos principais sábios de
cada geração):
(*)Os palestinenses vêm designados com o título de rabi e só desenvolveram sua atividade
durante as cinco primeiras gerações.
1
ª
2
00-250 Rav e Samuel.
2
ª
2
50-300 Huna e Judá bar Ezequiel.
3
ª
3
00-335
Huna b. Hía, Hisda, Rabá, José
bar Hía.
4
ª
3
35-360 Abaié e Rava.
5
ª
3
60-375 Papa.
6
ª
3
75-425 Ashi.
7
ª
4
25-500 Ravina II.
1ª geração (200-250):
A primeira geração dos amoarím babilônicos havia-se formado intelectualmente na Palestina,
principalmente sob a direção de Rabi. À morte do Mestre, a maioria deles regressou ao seu país natal
levando consigo a Mishná, a cujo comentário iam dedicar-se. Desse modo transportaram para as
margens do Eufrates a bagagem de conhecimentos, a ciência adquirida nas escolas palestinenses, e
ali desenvolveram, paralela e simultaneamente aos seus correligionários palestinenses, uma grande
atividade no terreno da ciência religiosa. Dois foram os principais introdutores e ao mesmo tempo os
que criaram as bases de tais estudos: Rav e Samuel.
Aba Arecha (175-247), mais conhecido por Rav, ou seja, "o mestre" por antonomasia, era
sobrinho de R. Hía, o autor da Tosefta. Havia estudado em Séforis, onde tinha sido ordenado por R.
Judá ha-Nassi. Ao regressar à Babilônia, foi nomeado chefe da escola de Nehardea, fundada anos
antes, mas cujo brilho intelectual fora escasso até então. Não obstante, renunciou ao cargo em favor
de seu bom amigo e condiscípulo, Samuel, que era justamente natural de Nehardea. Durante algum
tempo, Rav teve a seu cargo a inspeção de pesos e medidas e, em geral, a vigilância do mercado.
Mas pelo ano de 219, após haver considerado o abandono cultural em que se achava a região de
Sura, decidiu-se a abrir ali uma Academia que haveria de compartir, primeiro com a de Nehardea e a
seguir com a de Pumbedita (fundada mais tarde), a supremacia religiosa do judaísmo babilônico.
23
Sua escola viu-se de pronto concorrida, assistindo a ela numerosos discípulos, os mais pobres
dos quais eram ajudados por Rav graças aos emolumentos que obtinha de seus cargos civis. Para
incrementar ainda mais o comparecimento à sua escola, organizou o ensino de tal modo que
possibilitava a assistência de que precisava lutar pelo seu sustento; duas vezes por ano, durante os
meses de Adar e Elul(*), chamados "meses de reunião", dava conferências públicas às quais
assistiam numerosos discípulos que dedicavam o resto do ano aos seus afazeres profanos.
Permaneceu à frente de Sura até sua morte, em 247. (*)Ou seja, no princípio da primavera e do outono, respectivamente.
Seu caráter, semelhante ao de Hilel, era suave, dócil, benevolente. Desconhecemos o método
que seguia em sua docência; porém sabemos que se dedicava a comentar sistematicamente cada um
dos tratados da Mishná elaborada pelo seu Mestre, e que com suas interpretações e deduções agravou
bastante as leis rituais, embora em questões de direito civil sua opinião tenha tido pouco peso, sendo
preferidas as decisões de seu amigo Samuel.
Mar Samuel (180-254), conhecido por Samuel (também por Arioch), era filho de Aba bar Aba.
Havia comparecido aos ensinamentos do patriarca Judá, ao qual tinha curado de uma grave affecção;
porém, em que pesem os seus grandes conhecimentos, não chegou a ser ordenado.
Natural de Nehardea, Samuel ocupou a direção da escola por renúncia de Rav. Já mencionamos
que gozava de grande autoridade em assuntos de direito civil. A ele deve-se a célebre sentença Dina
d'malcuta dina, "a lei do estado é a lei" que tanta importância haveria de ter para o futuro dos judeus
estabelecidos nos mais variados territórios e submetidos a leis estatais muito diferentes das suas
próprias.
Além de conhecer profundamente a tradição e de saber interpretá-la, Samuel sobressaia
também em medicina(*) e em astronomia, estudo no qual fora introduzido por seu amigo pagão
Ablat e não se envergonhava de afirmar, nem a modéstia lhe vedava dizer, que "os caminhos do céu
lhe eram tão familiares como as ruas de Nehardea". (*) Cf. SCHAPIRO, D.: Les connaissances médicales de Mar Samuel. Revue des Etudes Juives. XLII (1901), 14-26.
Assim, pois, Rav e Samuel, unidos por profunda amizade, se completavam e juntos constituíam
a máxima autoridade religiosa do país, até tal extremo que o conhecimento dos demais sábios de sua
época são como uma "gota d'água comparada ao oceano".
Nessa ocasião sobressaiam na Palestina alguns sábios, cujos nomes aparecem frequentemente
nas páginas do Talmud babilônico, pelo que não será inútil citar os mais importantes: R. Ushaia, que
recolheu parte dos baraitot; R. Josué ben Levi, adversário da Agadá e que por capricho do destino é
protagonista de muitos relatos agádicos; R. Hanina ben Hama, assim como Iohanan bar Napaha e
Simão bar Laquish, que citaremos na segunda geração.
2ª geração (250-300):
Dois são também os principais sábios desta geração: o primeiro formado junto a Rav e o outro
discípulo de Samuel; ambos seguiram os caminhos e os métodos iniciados pelos seus respectivos
mestres. Huna (212-297), que estudou com Rav, sucedeu ao seu mestre à frente da escola de Sura.
Homem de modesta posição, que por si mesmo cultivava o seu campo, chegou a enriquecer e a
possuir vultosas riquezas; mas a sua fama, deve-a aos seus vastos conhecimentos e, sobretudo, aos
seus dotes de organizador, pois foi ele quem dotou o Judaísmo babilônico de uma organização que
persistiu no decorrer de vários séculos. Durante os cinquenta anos que permaneceu à frente da escola
de Sura, esta alcançou grande esplendor e importância, até o extremo da autoridade de R. Huna ser
reconhecida não só na Babilônia, como também na própria Palestina, onde foi sepultado por ocasião
de sua morte.
Judá bar Ezequiel (220-299), o outro sábio mais destacado da época, era discípulo de Samuel,
que o chamava "o sagaz" por suas grandes faculdades dialéticas. Dedicou-se a estudar a fundo as leis
jurídicas de aplicação imediata, desdenhando ocupar-se das leis de pureza assim como as prescrições
que careciam então de utilidade, ou melhor especificando, as referentes ao culto do Templo ou
aquelas que só tinham aplicação na Palestina.
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Na segunda metade do século III, Judá bar Ezequiel fundou em Pumbedita uma escola que
depois da destruição de Nehardea (destruição realizada por Odenato, príncipe de Palmira, em 259),
alcançou grande importância, disputando a supremacia à de Sura. Os membros de Pumbedita
distinguiram-se sempre por sua grande profundidade dialética, até mesmo exagerada, ao passo que os
sábios de Sura se destacavam pela vastidão de seus conhecimentos, mas eram pouco dados a deduzir
novas leis. Estas são precisamente as características de cada uma das escolas.
Por ocasião da morte de Huna, em 297, Judá bar Ezequiel (cuja autoridade era também
reconhecida na Palestina) foi nomeado chefe de Sura, cargo que ostentou durante dois anos.
Entre os demais sábios da época merecem destacar-se os nomes de Raba bar Abuha e, na
Palestina, as figuras de Iohanan bar Napaha (179-279), aluno de Rabi, e de seu cundado, o célebre R.
Simeão ben Laquish(*) (200-275), apelidado "remove-montanhas" que também havia conhecido
Rabi, assim como o agadista Simlai, que polemizou com os cristãos.
(*) Também chamado Resh - R(abi) Sh(imon) - Laquish.
3ª geração (300-335):
Tendo falecido Judá bar Ezequiel, recaiu a direção da Academia de Sura nas mãos de R. Hisda
(217-309) que se havia formado junto a Rav. Embora houvesse assistido as lições de R. Huna, seguiu
o método dialético da escola de Pumbedita. Pobre em sua juventude, R. Hisda chegou a conseguir
uma riqueza que se tornou mesmo proverbial. Por ocasião de sua morte, foi sucedido por Rabá bar
Hana, que dirigiu Sura desde 309 até 323.
Nessa época os discípulos de Sura começam a emigrar, dirigindo-se à escola de Pumbedita,
para cuja direção havia sido eleito Raba bar Nahmani, o qual renunciou em favor do rico Huna bar
Hía, que manteve o cargo até a sua morte, ocorrida em 309.
Morto este, estabelece-se um pleito sucessório. Dois candidatos disputam o cargo: José bar Hía
e Raba bar Nahmani. Mas como um astrólogo havia predito ao primeiro que só exerceria o cargo
durante dois anos, renunciou este ao seu opositor.
Raba bar Nahmani (270-330), conhecido simplesmente por Raba, era natural da Galiléia e
havia estudado nas escolas de seu país natal; porém logo se transferiu para a Babilônia, onde
alcançou grande prestígio na halachá - também é conhecido por "remove-montanhas" -, ao contrário
de seus irmãos Ushaiá e Hananiá, que se destacaram como agadistas.
Sob sua direção a escola de Pumbedita alcança o auge, comparecendo a ela doze mil discípulos,
aos quais explicava sistematicamente todos os tratados da Mishná, porém entremeando as suas
explicações com relatos agádicos para atenuar, desse modo, a aridez da matéria haláchica.
À sua morte, foi sucedido pelo já mencionado José bar Hía (270-333), que gozava de reputação
pela enorme quantidade de conhecimentos que guardava em sua memória, razão que explica o
apelido de "Sinai" pelo qual é conhecido. Porém de corpo enfermiço, perdeu primeiro a vista e, mais
tarde, a memória, o que é um indício do perigo que encerrava entesourar mais e mais conhecimentos
confiando-os unicamente à memória para que uma enfermidade pusesse fim a toda a ciência
adquirida.
A esta geração pertencem, entre outros: Rav Sheshet, o orgulhoso R. Nahman bar Jacob (235-
324), discípulo de Samuel, casado com Ialta, filha do exilarca, mais orgulhosa ainda que o seu
marido; e também o babilônio R. Zeira, cuja atividade se desenvolve na Palestina em uma época em
que lá gozavam de preferências o agadista Abahu e os halachistas R. Ami e R. Ashi.
4ª geração (335-360):
A José bar Hía, chamado o Cego, sucedeu Abaié, sobrinho do antes citado Raba bar Nahmani,
que junto com Rava bar José bar Hama personalizava a ciência religiosa daquela época, e ambos
aparecem citados em quase cada página do Talmud babilônico.
Abaié (280-338), cujo verdadeiro nome era Nahmani - trocou-o seu tio - exerceu seu magistério
em Pumbedita numa época na qual se acentua a decadência iniciada na geração anterior.
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Rava bar José bar Hama (299-352), chamado usualmente Rava, era natural de Mahoza,
localidade na qual fundou uma escola a cuja frente permaneceu até a morte de Abaié, ao qual
sucedeu em Pumbedita. Chegou a ser tão rico como R. Hisda e tão sábio como R. Huna, porém, a
despeito de seus desejos, não logrou adquirir a modéstia que caracterizava Raba bar R. Huna.
Nesta geração destacam-se também: na Babilônia, R. Nahman bar Isaac (280-356), sucessor de
Rava em Pumbedita; e na Palestina, o patriarca Hilel II e R. Jeremias.
5ª geração (360-375):
Continua, em ritmo acelerado, a decadência das escolas, pelo que são poucos os doutores que
se podem equiparar aos citados nas páginas anteriores. O mais importante é R. Papa bar Hanan (300-
375). Rico e órfão desde tenra idade, fundou, em 356, uma escola em Naresh, perto de Sura. R. Papa,
com seu amigo R. Huna bar Josué, professor da referida Academia, quis encher o vazio que se havia
produzido com a morte de Rava; mas em que pesem os seus bons desejos, não o lograram por
carecerem da forte personalidade do Mestre.
Enquanto isso, de 356 a 377, a escola de Pumbedita era dirigida por R. Nahman bar Isaac.
Nessa época foi terminada a redação do Talmud palestinense, por obra de rabís pouco
conhecidos e dos quais pouca coisa sabemos, tais como: R. Jonas, Tanhum bar Aba e o patriarca
Judá IV, falecido no ano de 400.
6ª geração (375-425):
As condições favoráveis que até então haviam sustentado ao Judaísmo babilônico começam a
decrescer e, em certas ocasiões, sofrem prolongado eclipse. Ante os perigos, físicos e espirituais, que
ameaçam a vida, começa-se a sentir a necessidade de pôr a salvo a tradição.
Apesar de haver Amemar restabelecido a Academia de Nehardea, à frente da qual esteve de
390 a 422, a supremacia volta uma vez mais à Academia de Sura, dirigida por uma das maiores
figuras do período talmúdico, a de R. Ashi.
Rabana Ashi (352-427) era de família acomodada e ainda jovem (tinha apenas 23 anos) quando
foi nomeado, cerca de 375, chefe da Academia de Sura, cargo no qual permaneceu durante 52 anos.
É evidente que esta longa permanência - tenha-se presente que durante o período em que Ashi esteve
em Sura, em Pumbedita sucederam-se sete doutores - haveria de ter favoráveis efeitos no
desenvolvimento e na fixação da tradição recebida. Rabana Ashi tinha, entre outras coisas, uma
grande vantagem: à profundidade dialética própria dos doutores de Pumbedita unia os vastos
conhecimentos tradicionais pelos quais eram célebres os mestres de Sura. Isto conferiu-lhe grande
autoridade e explica o qualificativo de Rabana ("nosso mestre"), com que era designado.
Graças a ele, Sura converteu-se no centro indiscutível da vida religiosa do Judaísmo babilônico,
tornando-se as suas aulas cada vez mais concorridas. Sua inteligência, autoridade e longa
permanência no cargo tornaram possível que realizasse uma obra importante: recolher, recompilar
tudo o que até então se havia elaborado. Cada ano, durante os "meses de reunião", dedicava-se a
expor sucessivamente os tratados da Mishná, ao mesmo tempo que os ia comentando. Durante trinta
anos foi recompilando materiais e, terminados estes, iniciou seu segundo período de atividades, ou
seja, a elaboração mediante a qual havia de completar a obra de R. Judá ha-Nassí, pois a ele se deve
a primeira ordenação do Talmud - alguns tratados foram redigidos em Pumbedita - que iria
crescendo e sendo elaborado até que o encerrou definitivamente Ravina II.
Rabana Ashi não se limitou a levar a cabo um trabalho passivo ou de mera transmissão, mas,
além disso, deduziu numerosas leis, resolveu as questões duvidosas e discutidas ou de conteúdo
obscuro.
7ª geração (425-500):
26
Em meados do século V a insegurança chega na Pérsia ao extremo. Ao mesmo tempo, e como
consequência disso, a cultura religiosa vai decaindo a passos gigantescos, pois a maioria dos sábios
se limita a repetir, sem tentar criar.
Entre 455 e 468, tem lugar um curto renascimento: é a época em que Mar, filho de Rabana
Ashi, dirige a escola de Sura e, seguindo as diretrizes de seu pai, prossegue a obra deste. A seguir as
coisas vão se complicando e a situação piora a olhos vistos. No ano de 470, o exilarca Huna Mari e
vários sábios sofrem, pela primeira vez na comarca, o martírio. Quatro anos mais tarde foram
suprimidos os tribunais judaicos e proibidas as assembléias dos "meses de reunião". Começa a
emigração.
Os dois últimos amoraim, ou seja: Ravina II, chefe de Sura de 488 a 499 e R. José, de
Pumbedita, consagram-se, com o auxílio de outros sábios, a terminar o Talmud, fazendo uma
elaboração quase definitiva, até aproximadamente o ano de 500, quando R. José declara o Talmud
encerrado.
A partir de então, como veremos, começa o trabalho do comentário ou, melhor ainda, do super-
comentário, labor iniciado no século VII e que prossegue ainda.
A Redação Do Talmud Babilônico
A Guemará babilônica que vinha sendo transmitida oralmente, não obstante por vezes os
doutores se utilizassem de apontamentos particulares e siglas mnemotécnicas, foi se ordenando
gradualmente, mediante um processo longo e complicado, até que no primeiro quarto do século V
Rabana Ashi, segundo já citamos, realizou uma cuidadosa revisão e coordenação dos tratados,
reelaborada e acrescida continuamente até a morte de Ravina II.
Esta é a opinião mais aceita. Sem embargo, o momento em que teve lugar a redação da
Guemará foi objeto de numerosas teorias (Gräetz, Frankel, Rapoport, Brull, Isaac Hirsch Weiss,
Halevi) que aparecem resumidas em uma obra de Kaplan(*), em que após discutir e rechaçar as teses
de seus antecessores, emite uma nova teoria, segundo a qual a Guemará não foi redigida pelos
amoraim, que apenas fizeram uma breve e concisa formulação, mas que foi obra dos saboraim.
(*) KAPLAN, JULIUS; The redaction os the babylonian Talmud. New York, 1932.
Fonte básica para conhecer a redação da Guemará, é a epístola do gaon Sherirá que a escreveu
como resposta à pergunta formulada pelos sábios de Kairuan, no norte da África, desejosos de
conhecer como e quando fôra redigido o Talmud Babli(*).
(*) Um estudo de Abraham Weiss foi dedicado a analisar Le problème de la rèdaction du Talmud de Babylone par R. Asi à la
lumiére de la Lettre de Serira. Revue des Etudes Juives, CII (1937), págs. 105-114.
Conteúdo Do Talmud Babilônico
O Talmud Babli é editado geralmente em 12 volumes de letra miúda, incluindo em seu interior
o texto da Mishná. Embora comente apenas 361/2 tratados desta (*), tem uma extensão três vezes
maior que a de seu homônimo palestinense, se bem que a Guemará babilônica seja oito vezes maior
que a palestinense.
(*) O Talmud Ierushalmi compreende 39 tratados, embora muitos autores sustentem a opinião, muito discutível, de que comentou todos os tratados da Mishná, porém que somente estes 39 chegaram até nós.
Todas as leis agrárias, que eram válidas somente na Palestina, e as que guardam relação com os
sacrifícios diretamente ligados à existência do Templo, não foram objeto de comentário na
Babilônia. Por essa razão, da primeira ordem da Mishná tem guemará um só tratado, o Berachot
("bendições"), e da sexta ordem apenas meio tratado Nidá. Assim mesmo, tampouco comenta os
27
tratados Pirquei Avot, de conteúdo agádico e o Eduiot - "testemunhos", acerca da antiguidade de
algumas halachot, que não eram suscetíveis de comentário. Por outro lado, nas edições o tratado
Shecalim está incluído em sua versão palestinense.
O Talmud Babli é o processo verbal das sessões celebradas nas Academias babilônicas e
tratando-se de algumas atas, não é de estranhar a grande sutileza dialética que salientam os rabis,
pelo que as discussões são amiúde longas e quase sempre bastante complicadas, pois vão passando
sucessivamente de um tema a outro e logo a um terceiro, retornando, sem transição, ao primeiro,
após haverem citado um sem fim de coisas que guardam relação com algum dos temas surgidos
durante a discussão. Em geral a relação não é lógica, mas sim apaixonada, já que, por exemplo, ao
aduzir-se a opinião de determinado doutor sobre o assunto, citam-se ao mesmo tempo todas as
opiniões desse doutor seja qual for o tema a que se refiram. Tudo isso explica perfeitamente por que
a ordenação não seja sistemática e meramente expositiva (como ocorria com a Mishná e com a
Tosefta), mas que os tratados tratem principalmente, mas não exclusivamente, do que indica o seu
título.
Mesmo que à primeira vista possa parecer que se analisam com expressivo detalhe,
prolixamente, certas questões aparentemente bizantinas, não se deve julgar a priori, visto que é
preciso ter em conta o motivo pelo qual são trazidas para confronto. Assim, por exemplo, o fato de
discutir se certos alimentos são bons ou maus, ou se têm tais ou quais características ou propriedades
- tem sua importância já que da conclusão a que se chega no final do debate, poder-se-á determinar
que fórmula de bênção deve ser recitada ou que dízimos devem ser aplicados.
Todos os materiais contidos no Talmud podem classificar-se em dois grandes grupos, embora
em geral esses materiais apareçam entremeados ou amalgamados. Estas duas partes são: a Halachá e
a Agadá, as quais já tivemos oportunidade de mencionar em algumas ocasiões.
A Halachá, que também é conhecida pelo nome de Shematá (que em aramaico significa "a
oral"(*)), é o conjunto de regras de conduta; porém não abrange unicamente estas regras, mas
também as discussões que conduzem à sua formulação, pelo que está redigida em forma discursiva.
(*) Assim é conhecida, inclusive entre os muçulmanos. Cf., por exemplo MASUDI: Kitab al-tanbih. Tradução de B. Carra de Vaux. Paris, 1896, pág. 160.
Porém, apesar da sua importância, uma vez que ainda hoje regula a vida do judeu ortodoxo, a
Halachá tinha um inconveniente para chegar a ser popular: era excessivamente árida e o povo não era
capaz de captar o seu valor. Isto nos explica a grande preferência que, em troca, sentia pelos relatos
anedóticos e lendários que se incluem na Agadá.
A Agadá, literalmente "narração", abrange tudo o que não é Halachá e esta é a definição mais
exata que dela pode se dar, pois sua temática é variadíssima: desde a medicina aos feitos históricos,
desde a arte culinária à moral. Do conjunto da Agadá (que no Talmud Babilônico representa a terça
parte do total(*), é preciso destacar as narrações de conteúdo histórico, das quais nos valemos, junto
com outros textos - principalmente dos midrashim, e examinando-as criticamente - para expor a
sucessiva formação da Mishná e da Guemará.
(*) No palestinense ocupa só a sexta parte.
As edições do Talmud Babli contêm, além da Mishná e da Guemará, os chamados "pequenos
tratados"(*) - por sua reduzida extensão - que figuram depois da quarta ordem. Alguns desses
diminutos tratados remontam à época dos tanaim, se bem que a redação que chegou até nós foi
realizada pelos seus sucessores. Assim ocorre com os tratados Semachot e Avot de R. Natan(**).
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Outros, em troca, são obra dos amoarim. Todos eles estão dispostos como se constassem da Mishná e
da Guemará, o que quer dizer que oferecem um texto e alguns comentários ao mesmo. Estes tratados
não foram incluídos no cânone talmúdico; mas como acontece que por si só, independentemente, têm
escassa importância, e, por outro lado, são produções da mesma época da qual nos ocupamos, são
por isso editados juntamente com o Talmud.
(*) Estes pequenos tratados são: Avot d'Rabi Natan, Soferim, Evel Rabati, Calá, Derech eretz zuta, Perec Shalom, Guerim,
Cutim, Avadim. Outros quatro foram publicados pela primeira vez em 1851, por Kirchheim: Sefer torá, Mezuzá, Tefilim e Tsitsit.
(**) R. Natan foi contemporâneo de Rabi. O minúsculo tratado é uma espécie de "tosefta" ao Pirquei Avot.
Idiomas E Estilo
O Talmud Babli contém textos escritos em três línguas diferentes. Em primeiro lugar, as
passagens bíblicas aparecem citadas textualmente, ou seja, em hebraico clássico ou bíblico. O
segundo idioma é o neo-hebraico, no qual está redigida a Mishná e, além disso, todas as opiniões e
relatos dos tanaim e de alguns dos primeiros amoraim que vêm citados na Guemará. A estas duas
línguas, acrescenta-se a terceira: o aramaico, representado basicamente por dois dialetos: o
ocidental, falado na Palestina, e o oriental, na Babilônia.
Além das citações dos amoraím palestinenses, os quais, naturalmente, falavam o aramaico
ocidental, foram-nos conservados no referido dialeto os textos daqueles doutores que, ou eram
naturais da Palestina e se haviam transferido para a Babilônia, ou eram babilônios que haviam
realizado seus estudos, ou parte deles, na terra dos seus antepassados. A despeito disso, em que pese
o seu número, são menos numerosos que os que nos chegaram em arameu oriental.
O arameu oriental que aparece no Talmud da Babilônia é, em regra, a fala popular, eivada de
refrões; porém às vezes o texto ou a citação procedem de obras literárias. Junto a estas duas
variantes, não se deve esquecer que os rabis são originários de diversas regiões mesopotâmicas, o
que explica a existência de rodeios ou modismos locais; porém, por outro lado, é preciso ter presente
a longa elaboração da obra, que nos esclarece a razão de não haver um dialeto uniforme, já que
aparece em muitos momentos de sua evolução. A tudo isso deve-se acrescentar as palavras gregas,
latinas e persas que invadiram o léxico aramaico.
Esta variedade de idiomas em uma mesma obra cria certo número de dificuldades para a sua
interpretação. Não são, entretanto, as únicas, pois a elas devem-se acrescentar as derivadas do estilo.
O estilo da linguagem talmúdica é extremamente conciso, cortante, com pouca elegância, visto
que afinal se trata de um idioma vivo, falado, reproduzido tal como, ou quase, saía da boca dos
interlocutores. As orações estão unidas por simples justaposição, por uma associação de idéias que a
miúdo é afetiva e não lógica; é muito frequente a omissão do artigo, das proposições e até mesmo
dos verbos; carece por completo de todo o sinal de pontuação, inclusive dos pontos e parágrafos.
As únicas separações que aparecem no corpo do texto são os princípios de capítulo e a
indicação, em abreviatura, do começo de um texto mishnaico ou da guemará. Tudo isso, ademais,
escrito segundo a ortografia das línguas semíticas que, como é sabido, só escrevem as consoantes, ao
passo que as vogais devem ser supridas pelo leitor.
Como já indicamos, todo esse aglomerado de dificuldades torna muito difícil a compreensão do
texto talmúdico, que só se pode dominar ao cabo de longos anos de estudo constante, e mesmo assim
só com a ajuda dos numerosos comentários e inclusive supercomentários (Rashi, "tosafot", etc.) que
são editados, como que para adorná-lo, em redor do texto.
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Manuscritos, Edições E Traduções
Os mais antigos manuscritos do Talmud Babli que chegaram até nós são dois manuscritos
parciais: o de Florença, escrito em 1176-1177 e o de Hamburgo, do ano 1184; porém o mais
completo, embora não total é o Munich 95. Quando se empreender uma edição crítica do Talmud
Babli, será preciso tê-los em conta, assim como muitos outros mais.
Sem embargo, até agora e deixando aparte adições mais ou menos críticas de certos tratados, o
Talmud vem se reproduzindo exatamente do mesmo modo que apareceu na primeira edição, saída da
prensa de Daniel Bomberg, em Veneza, desde 1520 a 1523. Uma vez que as edições modernas
reproduzem exatamente esta edição, sem sequer mudar a paginação, as citações do Talmud Babli são
feitas por fólios, linhas e versos (a e b respectivamente).
São numerosas as traduções parciais do Talmud babilônico; mas só existe uma versão
completa, para o alemão, obra de L. Goldschmidt, publicada em Berlim-Leipzig, La Haya, 1897-
1935.
A autoridade do Talmud
Muitas pessoas fazem uma pergunta aparentemente legítima: se a Torá Oral se originou de
Deus, por que houve a necessidade de ser a mesma contestada, discutida e esclarecida?
Há várias respostas para isso, mas talvez a principal seja a de que a Torá Oral tinha por
objetivo cobrir a infinidade de casos que haveriam de surgir com o decorrer do tempo. É impossível
que qualquer código de lei cubra, explicitamente, qualquer caso ou situação que surja durante os
milênios. Deus deu a Moisés as duas tábuas da lei, mas a aplicação dessas leis em qualquer cenário
possível teria que ser determinada pelos eruditos e juízes da Torá. Pois está escrito: "Quando alguma
coisa te for difícil demais em juízo... virás aos sacerdotes levitas e ao juiz que houver nesses dias, e
inquirirás; e te anunciarão a sentença do juízo" (Deuteronômio 17:8-9). Esses juízes da Torá eram os
membros do Sanhedrin que preservavam e interpretavam a Torá Oral e que mais tarde a codificaram
como a Mishná.
A Torá Escrita também ordena ao povo judeu obedecer o Sanhedrin em tudo o que diz
respeito às leis da Torá, pois que está escrito: "Segundo mandado da lei que te ensinarem e de acordo
com o juízo que te disserem, farás; da sentença que te anunciarem não te desviarás nem para a direita
nem para a esquerda" (Deuteronômio 17:11).
O povo judeu todo aceitou a autoridade do Talmud como sendo a fonte das leis da Torá e,
como tal, jamais poderá ser revogado por autoridade alguma. O Talmud inclui os ensinamentos de
nossos sábios que receberam a Lei Oral das gerações que os antecederam, remontando-se até Moisés.
Está claro que alguém que rejeite o Talmud, está desrespeitando a Torá Oral, pedra fundamental do
judaísmo. Sem o Talmud, seria praticamente impossível entender e cumprir os mandamentos da Torá
Escrita. A mera aceitação da Bíblia Hebraica faria dos judeus um povo em nada diferente da maioria
dos outros povos, que também a aceitaram como sendo a Palavra de Deus.
À luz de tudo isso, não é de surpreender que aqueles que buscaram, desesperadamente,
converter todos os judeus, proibiram o estudo talmúdico. Em 1240, 1264 e 1553 antes da era comum,
a Igreja Católica promulgou decretos que ordenavam a queima das cópias do Talmud. Durante certos
períodos, as autoridades eclesiásticas "corrigiam" o Talmud, apagando passagens que consideravam
ofensivas a seu credo. Finalmente, em 1592, a Igreja proibiu o estudo do Talmud em qualquer de
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suas versões ou edições. Este decreto foi promulgado como reconhecimento de que uma sociedade
que não estude nem siga o Talmud não tem chance real de sobreviver. Ao longo da história, os
inimigos de nosso povo tentaram obliterar o judaísmo tentando destruir o Talmud. O povo judeu só
conseguiu preservá-lo ao preço de inúmeras vidas, mesmo a de alguns de nossos maiores sábios. Por
terem preservado o Talmud, estes salvaram o judaísmo.
Estando o Talmud completo, reuniu-se a esse material uma série de obras denominadas
Midrashim ou "exposições".
A linguagem do Talmud
A linguagem da literatura talmúdica caracteriza-se pela heterogeneidade que decorre dos
gêneros dos escritos nela contidos.
Por um lado, o Talmud trata de Hala'há, que significa encaminhamento. A Hala'há
compreende as leis e os regulamentos, em conjunto com todas as opiniões e discussões a ela
pertinentes.
Ao lado da Hala'há, em que predomina a precisão e a meticulosidade, encontra-se a Agadá,
na qual predomina a linguagem poética. A palavra Agadá significa lenda, narrativa. Ela compõe o
imenso manancial de alegorias, lendas, fábulas e até ditos jocosos dos mestres rabínicos. O próprio
Talmud define a relação entre Hala'há e Agadá: "A Hala'há é o pão, a Agadá é o vinho; e não
podemos viver só de pão..."(Sifre Devarim 317).
Ou em outra passagem: "O estudo da Torá tem 4 faces: uma face é severa: a Bíblia; uma
equilibrada: a Mishná; uma elucidativa: a Guemará; e uma sorridente: a Agadá". (Soferim 16). Ou
ainda, como ilustra o seguinte midrash: "Rabi Abaú e Rabi Hía filho de Aba chegaram certa vez à
mesma cidade. Rabi Hía pronunciou um discurso erudito de Hala'há enquanto que Rabi Abaú fazia
um sermão de Agadá. E o povo, abandonando Rabi Hía, acudiu a ouvir Rabi Abaú. Rabi Hía estava
profundamente desanimado, mas o seu colega disse-lhe: - Ouve esta parábola: dois homens entraram
na mesma cidade; um oferecia à venda pedras preciosas e pérolas; o outro, meras quinquilharias. À
roda de quem se aglomerou o povo? Não foi em redor do vendedor de quinquilharias, que qualquer
um podia comprar?" (Sotá 40 a).
O Midrash é essencialmente uma arte no interesse da religião, mas acima de tudo é arte. As
artes plásticas eram proibidas aos judeus, porque a divindade não deve ser reproduzida em estátuas
ou desenhos, e o desejo mitoplástico era geralmente mal visto. Mas a fantasia criadora do mito e o
desejo mitopoético, banidos e proibidos nos salões oficiais da religião, aqui encontraram sua válvula
de escape. A palavra midrash significa interpretação ou investigação e designa a exegese bíblica
baseada no método de Drash.
Aplicando as midot, isto é, as normas pelas quais se interpreta a Torá para fins e conclusões
práticas, se desenvolveu a exegese no Talmud, por meio de 4 métodos diferentes, tradicionalmente
designados pela expressão mnemônica PaRDeS, isto é, Pshat, Remez, Drash e Sod. A palavra Pardes
(=pomar, jardim) foi empregada, numa conhecida passagem talmúdica, com o sentido de uma
alegoria mística: "4 entraram no pomar (pardes): Ben Azai, Ben Zomá, A'her e Rabi Akiva. Ben Azai
olhou e morreu; Ben Zomá enlouqueceu; A'her destruiu as plantas e, somente Rabi Akiva entrou em
paz e saiu em paz". E por que Rabi Akiva, somente ele "entrou em paz e saiu em paz"? Porque sabia
interpretar, isto é, tinha perícia na arte da exegese.
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Como mencionamos anteriormente, cada letra da palavra Pardes é uma inicial de uma
determinada forma de interpretação bíblica.
O P é Pshat, que simboliza a interpretação simples, literal: de palavra em palavra chega-se a
um sentido geral do texto.
O R é Remez (=alusão), ou seja, a interpretação alegórica, que foi particularmente
desenvolvida pelos filósofos judeus e cristãos. Alegoria significa a duplicidade de significações. Se
há um primeiro significado pleno, na interpretação alegórica existe também um outro, ou mesmo
outros significados. Por exemplo: "Por que criou Deus um só Adão e não muitos de uma vez? Ele o
fez para demonstrar que o homem é um universo inteiro. Ele também quis ensinar à humanidade que
aquele que mata um ser humano é tão culpado como se tivesse destruído o mundo inteiro.
Igualmente, quem salva a vida de um ser humano merece tanto como se tivesse salvo toda a
humanidade. Deus criou um só homem para que alguns homens não se considerassem superiores a
outros e não se orgulhassem de sua linhagem, dizendo:- Sou descendente de um Adão mais distinto
que você. Também o fez para que o pagão não pudesse dizer que, se muitos homens foram criados ao
mesmo tempo, isto constituía prova decisiva que havia mais de um Deus.
Finalmente, Ele o fez para estabelecer Seu próprio poder e glória. Quando um cunhador de
moedas faz seu trabalho, ele usa uma só matriz e todas as suas moedas são iguais. Mas o Rei dos
Reis, abençoado seja Seu Nome, criou toda a humanidade no molde de Adão e, ainda assim, nenhum
homem é idêntico a outro. Eis porque cada pessoa deve respeitar a si mesmo e dizer com dignidade:-
Deus criou o mundo por minha causa. Portanto, que eu não perca a vida eterna por causa de alguma
vã paixão!"(San'hedrim 37a).
Depois vem o D, que é Drash, a interpretação homilética. É o principal método de exposição
interpretativa e consiste de uma análise minuciosa do texto, versículo por versículo, letra por letra,
numa correlação próxima e remota. O midrash não quer apenas interpretar o sentido pleno de um
versículo, mas também pregar, transmitir um ensinamento próprio. Um exemplo: "Rabi Jeremias
dizia: De onde deduzimos que o gentio cumpridor da Lei se equipara ao Sumo Sacerdote? O
versículo diz: "E guardareis os Meus Estatutos e os Meus Juízos, cumprindo os quais, o homem
viverá"(Levítico 18:5). O versículo não diz: Esta é a Torá dos sacerdotes, dos levitas e dos israelitas,
mas declara: "Esta é a Torá do homem"(II Samuel 7:19). O versículo não diz: Abri as portas para que
os sacerdotes, os levitas e os israelitas entrem, mas declara: "Abri as portas para que entre a nação
justa que observa a verdade"(Isaías 26:2). O versículo não diz: Esta é a porta do Eterno pela qual
entrarão os sacerdotes, os levitas e os israelitas, mas declara: "Esta é a porta do Eterno, por ela
entrarão os justos (Salmos 118:20)" (Sifrá, A'harei-mot).
Ou outro, de caráter bem pedagógico: "A minha doutrina pingará como a chuva; as minhas
preleções destilarão como o orvalho (Deuteronômio 32:2). O que significa isto? Se o professor for
incompetente, suas palavras parecerão aos alunos como gotas de um aguaceiro. Mas, se for
competente, seu ensino destilará brandamente como o orvalho. Rabi Hanina bar Idi dizia: Por que se
assemelha a Torá à água? (Isaías 55:1). Para ensinar que, assim como o que tem sede não tem
preguiça de buscar água, o discípulo sequioso de saber não hesita em procurar um mestre". (Taanit 7
a)
Voltando ao Pardes, finalmente há o S, que é Sod, o mistério, a interpretação mística, secreta.
Uma amostra típica do método Sod, nos fornece a interpretação midráshica do Cântico dos Cânticos
como um diálogo amoroso entre Deus e Israel. Os personagens e as ações são símbolos e parábolas,
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e o conjunto todo - uma alegoria sobre a aliança nupcial entre o Eterno e o povo de Israel; a beleza
da noiva simboliza seu amor obediente, e seus adornos significam boas ações. O Midrash Shir
haShirim Rabá é toda uma obra interpretando o Cântico, verso por verso.
Para os antigos rabinos, cada letra, cada palavra, cada sentença do Pentateuco, provinham de
inspiração divina. Cada verso e narrativa, cada lei e incidente, tinham também uma significação
profunda e oculta, de caráter místico, que seria encontrada pelos cálculos, conversões e substituições,
de acordo com as regras da Guematria, do Notarikon e da Temurá, os 3 processos básicos da Cabalá
literal. Diz o Zohar: "Cada palavra tem um sentido sublime e um mistério celestial".
Guematria é a avaliação numérica da palavra. Pelo valor numérico das palavras, descobre-se
seu sentido interno. Exemplos: 1. Em Gênesis 41:10, Shiloh virá (VHNH SHILH) tem por valor
numérico 358 que é o mesmo da palavra Messias (MSHI'H). Então Shiloh virá quer dizer: o Messias
virá; 2. As palavras sod (segredo) e yayn (vinho) têm o mesmo valor numérico (=70), gerando o dito
talmúdico: "Quando o vinho entra, os segredos saem"; 3. A Torá começa pela letra bet,b (Bereshit =
no princípio) e termina com lamed, l (lev = coração), cujo valor numérico é 32, como são 32 os
caminhos da sabedoria, desmembrados em 22 letras + 10 sefirot.
O segundo processo, Notarikon, pode ser de 2 modos: a. derivação - por exemplo: Iodei 'Hen
(=conhecedores da graça divina): 'HeN, sigla para 'Ho'hma Nisteret (=sabedoria oculta); ou b.
acróstico- por exemplo: a palavra (H)aMaR- que significa falar, corresponde a (H)esh = fogo,
Maym= água e Rua'h= ar: os três elementos básicos. Assim, o pensamento, que se assemelha à alma,
tem 3 graus: o sopro, a voz e a própria palavra. No plano material, é formado de três elementos.
No terceiro processo, Temurá (= permuta) as letras de uma palavra são transpostas conforme certas
regras. Um exemplo clássico, do Sefer Ietzirá (Livro da Criação), as letras hebraicas que formam a
palavra ONEG (=prazer), se invertidas formam a palavra NEGA (=pena, dor) - donde, o que produz
prazer, alegria, pode ser a origem de nossa dor. Outro exemplo também importante refere-se a AIN e
ANI. Toda criação somente pode ser criação porque surge do incriado, do Nada. Em Temurá, há
evidência para esta verdade mística fundamental nas próprias letras das palavras "nada" e "eu". Em
hebraico, nada é AIN (que se escreve com alef, nun e yud). Apenas pela inversão das 2 últimas letras
obtemos a palavra ANI = eu. Toda criação, portanto, não passa da inversão das 2 letras que
transformam o AIN, o nada, no ANI, no Eu divino. Dentro da linha do Sod, em cada transformação
da realidade, em cada mudança de forma, ou a cada vez que o estado de uma coisa é alterado, o
abismo do nada é atravessado e torna-se visível durante um instante místico passageiro. Através do
Nada surge a Criação, os atributos divinos. Através desta externação cria-se então o universo todo,
que não é outra coisa senão uma exteriorização do Divino, um Eu bem realizado.
Os próprios mestres do Talmud a ele se referem como o "Mar do Talmud". Podemos
entender esta denominação de 3 formas:
1. em sentido de imensa extensão: o Talmud pode ser definido como um texto semi digitado
que registrou as opiniões de milhares de mestres talmúdicos, numa discussão infindável, de duração
milenar;
2. em sentido de profundidade: as discussões talmúdicas se caracterizam pela sutileza
dialética, pela esgrima da inteligência, pela "dúvida metódica" do tipo cartesiano. Tudo no Talmud é
discussão, e a própria discussão se discute...Eis porque o judaísmo nunca ficou congelado,
adaptando-se sempre às novas circunstâncias;
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3. em sentido de imensa riqueza de conteúdo heterogêneo: Mishná e Guemará, Hala'há e
Agadá, Tosseftá e Beraitá e Midrashim sem fim. Neste "mare nostrum" há de tudo: direito, moral,
religião, filosofia, medicina, astronomia, matemática, folclore, humor, fábulas, parábolas, hipérboles,
lenda. Para ter uma orientação segura nesta vasta enciclopédia, onde tantos gêneros literários
habitam juntos numa coexistência nem sempre "pacífica", para não se afundar neste imenso mar - é
imprescindível saber nadar! Para este fim foram elaborados pelos mestres do Talmud, as normas de
interpretação, descritas anteriormente.
Como disse Paul Couchod, aos primeiros ensaios de leitura, o Talmud geralmente provoca
uma espécie de náusea. Por isso também tem sido comparado comumente ao alto mar. Não se pode
navegar senão depois de haver vencido o enjôo causado pelo oceano. Não obstante, em seguida... não
se pode abandonar mais, assim como o marujo não pode abandonar o mar.
Voltando às nossas questões iniciais, que lugar ocupa o Talmud na Literatura Universal?
Enquanto a Bíblia se incorporou ao patrimônio da cultura universal e se tornou o grande clássico da
humanidade, o Talmud ficou - ao lado da Bíblia - o clássico do povo judeu, tornando-se um livro
"fechado" para o mundo. Israel, o Povo do Livro, abraçou o Talmud como o Livro do Povo.
Pode-se afirmar que o Talmud é a obra mais citada que conhecida na verdade, o "grande
desconhecido" da literatura mundial. A esse respeito é muito elucidativa a pitoresca expressão
empregada por um teólogo na Idade Média, Henricus de Seymensis, um frade capuchinho: "ut narrat
Rabbinus Talmud", pensando que o Talmud era o nome próprio de um rabino; bem como é curioso o
episódio do historiador francês Bossuet, que pediu certa vez ao filósofo alemão Leibnitz para lhe
enviar um exemplar do Talmud, traduzido por "Monsieur Mishná"...
Enquanto a Bíblia - e posteriormente a Cabalá - se transformou em objeto de estudos
profundos e investigações científicas, foi o Talmud, durante muitos séculos, simplesmente repudiado
e relegado. Não é de admirar, pois, que os anti-semitas de todos os tempos foram buscar no Talmud,
mediante grosseiras mistificações, elementos de acusação contra a religião e o povo de Israel.
Somente nos últimos tempos, com a luz da ciência e a tradução fidedigna do Talmud para o alemão,
o inglês e o francês, ele se revelou ao mundo como uma obra profundamente humana e de
inestimável valor universal no estudo de Ética, Direito e Folclore.
Concluindo, uma estória famosa sobre o rabino Hilel: "Um pagão apresentou-se a Shamai e lhe
disse: Converter-me-ei ao judaísmo, se me puderes ensinar toda a Torá enquanto possa me sustentar
sobre um só pé. Shamai o expulsou com a vara que tinha na mão. Quando se apresentou a Hilel, com
a mesma pretensão, ele respondeu: O que não queres que te façam, não faças a teu próximo. Eis toda
a Lei: o resto é comentário. VAI E ESTUDA!"
Bibliografia Berezin, Rifka. Origens do léxico do hebraico moderno. S.Paulo, USP, 1980. / Bin Gorion. As lendas do povo judeu. S.Paulo, Ed. Perspectiva,1980. / Browne, Lewis. A Sabedoria de Israel. R.J., Ed. Biblos, 1963. / Caminhos do Povo Judeu. v.II. org. R. Berezin, FIESP, 1988. / Enciclopédia Judaica.
ed. Cecil Roth. R.J., Ed. Tradição, 1967. / Histórias do povo da Bíblia: relatos do Talmud e do Midrash. Org. Jacob Guinsburg. S.Paulo, Ed.
Perspectiva, 1967. / Iusim, Henrique. Introdução ao Talmud. R.J., Ed. Biblos, 1967. / Keler, Theodore. A essência do Talmud. R.J., Ed.Ouro, 1969. /
Lyra, Alberto. Qabalah. S.Paulo, IBRASA, 1988. / Rehfeld, Walter. Introdução à mística judaica. S.Paulo, Icone Ed., 1986.
A eternidade da Torá Um dos pilares da religião judaica é o fato de a Torá ser eterna e ser a imutável Palavra de
Deus. Na Torá Escrita, Deus proclama a eternidade da Torá e de seus mandamentos: "as coisas
encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos
filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei (Torá) (Deuteronômio 29:28).
Vemos, também, que na nossa Bíblia, em meio às palavras finais dirigidas por Deus a um profeta,
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encontrava-se o seguinte: "Lembrai-vos da lei (Torá) de Moisés, Meu servo, a qual lhe prescrevi em
Horeb (Sinai) para todo o Israel, a saber, estatutos e juízos" (Malaquias 3:22).
Nenhum sábio ou profeta, muito menos um auto-proclamado Messias, pode modificar ou
anular nem a Torá Escrita nem a Oral. Aquele que alega ser profeta de Deus pode realizar sinais ou
milagres, mas se disser que Deus o enviou para alterar ou revogar a Torá, esta pessoa é um falso
profeta. Na Torá Escrita, Deus nos alerta sobre os falsos profetas que iriam realizar milagres e tentar
desviar o povo judeu dos mandamentos e das tradições de Sua Torá.
Mas, por que motivo Deus permitiria que tais pessoas chegassem a ter o poder de realizar
milagres?(observar aqui a traição ao que é por Deus)
Isto, Deus responde na Torá Escrita. Este será Seu teste para determinar se somos leais a Ele
e à Sua Torá, ou se seremos seduzidos pelos milagres daqueles que virão, falando em nome de Deus,
para tentar anular os mandamentos. (Deuteronômio 41:2-5). O Talmud (Bava Metzia 59b), em uma
de suas mais dramáticas passagens, afirma que nem devemos dar ouvidos às vozes Celestiais, mas
simplesmente seguir a Torá de acordo com o que prescreve a Lei Oral. Mesmo se uma voz dos Céus
por ventura nos mandasse modificar nossa Torá e seus mandamentos, não a deveríamos obedecer.
Deus prometeu que Seu vínculo com o povo judeu – como é ratificado pela Torá e seus
mandamentos – é eterno. Na Era Messiânica, a verdade será revelada e o mundo inteiro irá
reconhecer que a Torá é o verdadeiro ensinamento Divino à humanidade.
Pois foi dito que em determinado momento futuro, todas as nações do mundo alegarão serem
judias. E então, o Santo, Bendito seja, dirá que a única nação que detém o mistério em suas mãos é o
povo judeu. E qual este mistério? A nossa Mishná!
Formaram-se escolas e seitas em torno da Torah e do Talmud:
1.- Halakha (=Marcha) - constituído do desenvolvimento lógico da teoria de Esdras pelas gerações
de sábios;
2.- Haggada (=Narração) - designa as seções da literatura rabínica desprovida do caráter legal (isto é,
livre);
3.- Midraschim: das duas correntes de pensamento anteriores, desenvolvidas nas sinagogas, surge um
novo ramo da literatura rabínica, que tenta reunir esses materiais para estudos privados;
4.- Tenaim (= Os Iniciados);
5.- Amoraim (= discípulos dos Tenaim);
6.- Massoretas e os Chachamim: conservadores cegos dos textos sagrados;
7.- Grandes Cabalistas: Hillel, Maimônides, Rabi-Jehuda-Hakadosch-Hanassi (Judas, o santíssimo e
príncipe, último chefe dos Tenaim, principal redator da Mishna no século II da era cristã.);
8.- Formação das Sociedades Maçônicas, cujo objetivo era a reconstrução do Templo de Salomão,
destruído pela segunda vez no ano 70 d.C. pelos romanos.
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Trechos do livro “Talmud” de Moacir Amâncio
Talmud e o Direito:
O Talmud, fundamental dentro do Judaísmo, teve papel deflagrador em âmbito mais amplo,
apesar de um tanto discreto ou camuflado. Não é como a Bíblia, apropriada com fervor por outras
religiões, mas também se irradiou. Dinâmica inversa – incorporou influências gregas, persas,
egípcias, babilônias e romanas. O jogo de repercussão dos diversos sistemas de ordenação do mundo.
Com os necessários processos de adaptação, desvios tendenciosos, etc. Graças ao troca-troca
enviesado de idéias e costumes, o Direito Canônico se socorreu do Talmud ao tratar de casamentos
que não chegaram a se efetivar, abrindo a perspectiva de anulação legal, exemplifica o prof Zeev
Falk, da Universidade de Tel-aviv, em seu livro O Direito Talmúdico. Por outro lado, o Direito
Talmúdico tomou do Direito Canônico outras instituições, como o culto aos mortos, acrescenta Falk.
O intercâmbio se acentuou com o tempo, embora sem afetar a estrutura do monumento
literário, através de decisões rabínicas e das exigências ditadas pelas condições reais, da hora. Ns
países da Diáspora, os judeus obedecem às leis civis locais – admitidas pelo Talmud. Casamento, um
dos casos. Em Israel só existe casamento religioso, ou seja, talmúdico. Inúmeros setores da vida
israelense funcionam conforme o regulamento ancestral. Os restaurantes obedecem às determinações
da Cashrut (normas dietéticas rituais) estão submetidos ao talmud, etc.
No rádio, rabinos falam constantemente sobre parábolas, ditados e outras lições talmúdicas. Há,
inclusive, consultas radiofônicas: em vez de o ouvinte ligar para dizer o nome certo da música e
ganhar um brinde, pergunta como deve agir numa determinada situação, de acordo com a halachah,
o procedimento estabelecido pelo Talmud, a lei. Tudo isso, mais estudos em nível universitário,
religioso e filosófico, formam um corpo gigantesco de interpretações, teologia e jurisprudência
vibrante.
O Talmud e a Revelação:
Muitas pessoas acreditam que o Talmud, livro religioso, tenha alguma coisa mágica. Isso iria
contra o próprio judaísmo. Há narrativas de fatos maravilhosos, entretanto se alguém procurar no
Talmud alguma panacéia para resolver num piparote os problemas da humanidade ou do indivíduo,
entrará por uma porta e sairá pela outra de mãos vazias. A não ser que o estudo, mesmo bastante
superficial, tenha provocado efeito mínimo, quando estão esse alguém chegará à outra porta com
diversos problemas a resolver. Característica única do Talmud como livro religioso – em vez de
soluções, novas perguntas. O princípio está na revelação. O que se segue porém é infindável
processo de raciocínio ao qual sempre se dará prosseguimento.
A propósito, há famosa controvérsia, citada com frequência pelos rabinos, lembrada pelo
professor Falk, entre os sábios Eliézer e Iehoshua. Nela se observa muito bem o uso do alegórico em
função do racional: o rabino Eliézer pediu que os muros da academia testemunhassem em seu favor.
Iehoshua disse que os muros não deviam intervir. Conta-se que os muros apenas se inclinaram,
respeitando Eliézer, sem tombar, reverência a Iehoshua. As águas do ribeiro interromperam o fluxo
quando Eliézer pediu o testemunho delas. Iehoshua refutou ao bradar desconfiança em provas
fantásticas.
A coisa prosseguiu até Eliézer apelar para a última instância em seu favor. O rabino se dirigiu a
Deus. Para espanto geral e satisfação de Eliézer, os Céus confirmaram o ponto de vista dele. O
imbatível Iehoshua sentenciou do fundo de sua humanidade que conhecer, ensinar, já era algo
delegado aos filhos de Adão e Eva.
A partir daí o Talmud descartou provas sobrenaturais.
O Talmud e os pensadores:
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Segundo Levinas (de acordo com o pensador israelense Ieshaiahu Leibovitz, Levinas é um
israelita voltado para a filosofia, não um filósofo ocidental de origem judaica) o Judaísmo é religião
de gente grande: (...) “se em filosofia o versículo não pode substituir a prova, o Deus do versículo,
apesar de todas as metáforas antropomórficas do texto, pode permanecer a medida do Espírito para o
filósofo”.
Segundo dr Atlan, biofísico, a tradição talmúdica é uma tradição de pesquisa que viça a
conhecer a estrutura do universo, as relações do homem com seu meio ambiente. (...) e não lhe
agradaria identificar a tradição talmúdica com a vertente espiritualista: “Nela encontramos o que os
textos talmúdicos chamam de divindade, mas com uma função absolutamente precisa, diferente da
que imagina a consciência religiosa habitual. Enquanto tradição de pesquisa, ela não é contraditória
com a minha postura científica. É apenas diferente”.
Segundo Jacob Neusner, rabino e professor norte americano, nesses milhares de páginas
encontra-se o plano de sobrevivência judaica em condições incontáveis vezes catastróficas. (...)
Como reflexo da obsessiva interrogação diante dos mais simples gestos cotidianos, teríamos a
‘capacidade dos judeus, por tantos séculos, de se adaptar a uma situação” em que a força política
estava além de seu alcance: “Porque eles sabiam que idéias podem ser poderosas; criticismo pode
constituir uma grande força na sociedade; e, no final a espada, uma vez embainhada, nada pode
mudar, mas uma idéias, uma vez liberada, pode persistir ao ponto de levar as pessoas a mover o
mundo”. Não admira, diante disso, que com a eclosão da Hascalah, o movimento iluminista judaico
liderado por Mendelsohn no século XVIII, muitos judeus dominaram com incrível rapidez diversos
campos do pensamento europeu. Durante o período em que permaneceram circunscritos à cultura
exclusivamente “judaica” assimilaram sofisticadas maneiras de conhecimento num repositório
antiquíssimo e vasto. Quem estuda o Talmud e “O Guia dos Perplexos”, por exemplo, não terá
dificuldade de estudar filosofia nos moldes europeus de pensamento, como notou Leibovitz. A
presença grega, sobretudo em Maimônides, o Aristóteles judeu, estabeleceria a ponte.
Sobre o Talmud Jerusalém: encerrado antes do outro, na Terra Santa, de concepção mais
simples, sintética e um tanto apagado pela pujança da outra obra. O Talmud babilônico é, com
frequência, comparado ao mar. Procede. Na sequência, das frases que são o sumário das discussões
rabínicas nas academias antigas, as idéias disparam livremente e para todo o lado. Juntam-se a outras
às vezes sem nexo aparente, são deixadas de lado para depois serem retomadas em outros pontos.
PASSAGEM DO TALMUD DE JERUSALÉM PARA O TALMUD DA BABILÔNIA:
Com a morte de Iehudah haNassi ( o Rabi, cerca de 217 da era comum) alguns sábios
continuaram a coletar leis esparsas, reunidas porém em outra obra, Tossefa, Soma, Apêndice,
Acréscimo. Dentro da tradição oral, as leis da Mishnah passaram a ser explicadas pelas academias
por especialistas, os amoraim. Houve também memoriosos excepcionais que se encarregavam de
recitar as leis nas academias – as frases são construídas de modo a sugerir a declamação ou a
cantilena. Nesse tempo começou a ocorrer algo decisivo para a criação do Talmud Babilônio. O
centro judaico da Palestina romana iniciava o processo de decadência, enquanto a Babilônia, sob o
domínio persa e em fase de tranquilidade no que se refere aos judeus, preparava-se para se tornar o
grande centro irradiador do Judaísmo para o futuro. (...) na mesma região onde Abraão recebeu a
primeira teshuvah (resposta, arrependimento, remissão, volta) assim aceitou a primeira e definitiva
mitsvah – preceito. Aí, conforme a Torah, ocorreu a revelação do Deus único, que iria mudar o rumo
de grande parte da humanidade.
Nesse primeiro exílio foram lançadas as bases para a vida judaica numa direção universal. Sob
governo tolerante os judeus se organizaram em comunidade.
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A Edição do Talmud:
Rav Ashi (335/427) é considerado como aquele que definiu a edição do Talmud, ou seja, o
resultado daquelas discussões travadas por mais de 200 anos num jargão hebraico e aramaico, o
estudo em torna da Mishnah, das leis codificadas por Iehudah haNassi. A esse “estudo” chamamos
Guemarah, que significa tanto estudo como complemento. Aí está o debate dos mestres e discípulos
através dos séculos e que se cruzam num vasto jogo de perguntas, respostas, suposições, parábolas e
novas perguntas deixadas no ar. O “processo” é o da livre associação. Já se comparou o texto
talmúdico ao fluxo da consciência usado pelos romancistas do século XX, inclusive com o uso
mínimo ou nenhum de pontuação e ausência de maiúsculas, inexistentes na escrita adotada pelos
judeus. Só que há uma diferença decisiva e fascinante: O Talmud registra a fala coletiva em plena
ebulição ao redor do Torah, por sua vez expressão da Divindade, num sopro de integração cósmica.
O trabalho de edição chega termina no fim dos anos 400 da era comum, por Ravinah II. O
resultado está contido em 5.894 páginas in folio.
Dissidentes:
Alguém não concordou. Aconteceu no século VII e de modo significativo do ponto de vista
histórico. O grande dissidente chamava-se Anan ben David e de veria, pela tradição da
primogenitura, herdar o posto de exilarca na Babilônia já muçulmana. No entanto, os sábios exigiram
que seu irmão ocupasse o cargo. Acusavam Anan de desvios religiosos. A rixa se complicou e Anan
acabou na cadeia, onde encontrou o teólogo muçulmano, o “herege” Abu Hanifa, que lhe deu
conselhos sobre o comportamento a tomar diante do tribunal do califa. Em julgamento argumentou
que seriam duas religiões (por diferentes pontos de vista) e foi solto, dando início ao movimento que
se apegou à letra da lei, daí o nome da seita, Karaísmo (keriah, leitura, chamado), a qual se espalhou
bastante, provocando reação dos sábios talmúdicos. Reduziram-se a algumas comunidades
espalhadas, ainda existindo uma comunidade em Israel.
Término:
O Talmud nunca chegou a ser completado. Por um motivo ou outro, não há guemarah sobre
determinados capítulos da Mishnah, eventualmente pela falta de interesse entre os estudiosos
babilônios, distantes destes assuntos em pauta. (...) Permanece obra aberta num sentido muito
especial: cada geração a completará, isto é, descobrirá novos rumos, idem os mesmos rumos. Um
monumento literário coletivo que só se efetiva no seu exercício também coletivo.
A primeira impressão:
A chegada da imprensa evidentemente impulsionaria a disseminação do Talmud. Há
informações de que esse livro teria sido impresso pela primeira vez na Espanha, mas não se sabe se a
publicação abrangia todo o conjunto, pois em 1942 iniciava-se a expulsão dos judeus, quem levava
um livro religioso consigo sofria pena de morte. Só em 1550 o papa Leão X autorizou a edição e o
artesão que produziu o modelo definitivo do Talmud foi o cristão chamado Daniel Bomberg, que
trocara Antuérpia por Veneza.
A configuração das páginas:
No meio da página (ver o modelo), como um pólo irradiador, vê-se a mishnah e o
correspondente guemarah. Ao redor estão os comentários, notas de outros estudiosos. Há diferença
de tipos de imprensa para cada texto. Os comentários de Rashi e as de Tossafot são impressos em
caracteres usados pelos judeus sefaraditas (hispano-portugueses) como cursivo e, por causa dessa
aplicação, passaram a ser conhecidos como ctav Rashi, ou seja, escrita de Rashi.
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Ataques:
Houve diversas censuras da Igreja. Ora alguém dizia que determinada palavra se referia na
verdade aos cristãos, a bendita palavra era substituída arbitrariamente. Ora descobriam alusão a
Maria em algum trecho e por aí vai. No ano de 1246 o papa Gregório determinou a queima do
Talmud em Paris. Isso se repetiria, enquanto os judeus tentavam driblar a vigilância e a paranóia
católica envolvida em complicadas manobras políticas, várias vezes estimuladas por apóstatas
conversos ao cristianismo. Mas aí entraríamos em outro terreno de estudo, o do comportamento e das
ideologias. Chegaríamos à relação entre a queima do “Guia dos Perplexos” na França, provocada por
judeus contrários ao racionalismo de Maimônides e a subsequente destruição do Talmud.
Talmud e Maimônides:
Porque estudar o Talmud, tão complicado, se toda a lei judaica está confinada na Mishneh
Torah, de Maimônides, e no Shulchan Aruch, a Mesa Posta, de Iossef Caro? A resposta foi
determinante: Olhe, imagine uma partida de futebol. Na Mishneh Torah você tem o resultado da
partida. No Talmud você tem a partida toda.
Do livro Sacred Writings, a guide to the literature of religions, de Gunter Lanczkowski:
O Talmud atinge uma posição única quanto ao trabalho de manter os judeus unidos na Diáspora
e por ter mantido a sua uniformidade. Reconhecer a sua função histórica como uma ligação entre os
judeus morando espalhados em terras estrangeiras é, naturalmente, de maior importância na
avaliação do Talmud, do que as variadas visões concernentes à sua autoridade como documento
religioso. Não é de surpreender que o judaísmo liberal tem o Talmud acima de todos os seus
documentos religiosos, separando as partes que têm validade universal das que meramente
expressam opiniões pessoais. O judaísmo ortodoxo, por outro lado, sempre admitiu a validade
absoluta do Talmud como um todo, e colocou-o mesmo a par do Velho Testamento; esta avaliação é
baseada na autoridade de uma tradição oral que se diz existe como lei não escrita desde os tempos do
Velho testamento, ao longo dos textos bíblicos que foram transmitidos por escrito. Fora do judaísmo
o Talmud tem sido avaliado de variadas formas, nos tempos da perseguição dos judeus ele foi
atacado com brutalidade. Durante a opressão dos judeus por São Luis (1226-70), o Talmud foi
olhado como base da resistência judaica ao Cristianismo. Desta forma, o dominicano Nicholas Donin
de la Rochele formalmente fez uma acusação contra o Talmud para o papa Gregório IX (1227-41)
que estabeleceu uma comissão para o exame que resultou numa queima pública das cópias do
Talmud. Com o papa Inocêncio IV (1243-54) uma nova investigação, na qual tomou parte Alberto
Magno, e foi feita por sugestão dos rabinos de Lyons e também resultou na destruição de muitas
cópias do Talmud. No ano de 1415 uma bula do papa Benedito XIII (1394-1424) ordenou outra
queima pública do Talmud. Os judeus conseguiram uma vitória parcial em 1507, quando
conseguiram permissão para que se imprimisse o Talmud ela primeira vez. Estas primeiras edições
são extremamente valiosas.
A publicação do Talmud não tornou os trabalhos tolerados universalmente. Perseguições aos
judeus continuaram acontecendo de mão em mão, com a proscrição do Talmud. Um notável
acontecimento na história do Talmud foi a carta de salvo conduto para o Talmud e para os escritos
religiosos judeus em geral que deixou o rei Sigismundo Augusto, da Polônia, de 24 de julho de 1568.
Um dia, o imperador disse ao rabino Joshua b. Hananiah:
- Eu quero ver o seu Deus.
Ele respondeu:
- Você não pode vê-lo.
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- Mas quero vê-lo, de fato.
Ele colocou o Imperador olhando para o sol durante o solstício de verão e disse a ele:
- Olhe para isso.
- Não posso, respondeu o Imperador.
- Se para o sol, que é apenas um dos ministros que atuam para o Deus Único, bendito seja Ele,
você não pode olhar, como pode presumir que poderá ver a Sua Divina Presença?
Em sua antropologia, o Talmud ensina um dualismo entre alma e corpo, a alma sendo a origem
divina, através de sua alma o homem pertence ao mundo do espírito.
“Como o Deus Único, bendito seja Ele, preenche todo o Universo, assim a alma preenche o
corpo. Assim como o Deus Único, bendito seja Ele, vê mas não é visto, assim a alma vê mas não é
vista. Assim como o Deus único, bendito seja Ele, alimenta todo o mundo, assim a alma alimenta
todo o corpo. Assim como o Deus Único, bendito seja Ele, é puro, assim a alma é pura. Assim como
o Deus Único, bendito seja Ele, está em nos mais íntimos lugares, assim também a alma está”.
[Talmud babilônico]