CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA
LORENA RIBEIRO MOYSA
MEDIDAS ALTERNATIVAS E PROPOSTAS DE SOLUÇÕES PARA A CRISE DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO
CURITIBA 2018
LORENA RIBEIRO MOYSA
MEDIDAS ALTERNATIVAS E PROPOSTAS DE SOLUÇÕES PARA A CRISE DO
SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito, no Centro Universitário Curitiba.
Orientador: Prof. Gustavo Britta Scandellari
CURITIBA 2018
LORENA RIBEIRO MOYSA
MEDIDAS ALTERNATIVAS E PROPOSTAS DE SOLUÇÕES PARA A CRISE DO
SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Faculdade de Direito de Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos
professores:
Orientador:______________________________________________ Professor Gustavo Britta Scandelari
______________________________________________ Professor Membro da Banca
Curitiba, de de 2018.
DEDICATÓRIA
A Deus, que me dá forças para persistir e ir atrás de meus sonhos. Aos meus pais João e Adalgisa que, com muito apoio e carinho, não mediram esforços para qυе еυ chegasse até esta etapa dе minha vida.
“Ninguém é irrecuperável”.
(Mario Ottoboni)
RESUMO
O presente trabalho tem o objetivo de apresentar a evolução histórica da pena privativa de liberdade e dos sistemas carcerários, delinear os principais aspectos da pena, suas finalidades, consequências e o que realmente ocorre na prática. Posteriormente busca-se demonstrar os principais motivos da falência da pena de prisão no cenário nacional, o porquê este tipo de sanção não cumpre com suas funções e ainda afronta os direitos fundamentais garantidos constitucionalmente aos reclusos, por meio de dados estatísticos, doutrinários e empíricos, chegando-se à conclusão de sua total degradação. Fundado nessa constatação, o presente estudo procura apontar a importância do Estado instituir medidas alternativas e estudar propostas de soluções para a crise da pena privativa de liberdade, de modo que, não a elimine, mas apenas a aprimore para que realmente cumpra com suas funções preventiva, retributiva e ressocializadora e que a privação de liberdade seja aplicada somente quando não há outra alternativa. Por fim será exposto o método APAC de cumprimento de pena, modelo este já implantado em algumas regiões brasileiras que vem demonstrando seu êxito.
Palavras-chave: falência da pena de prisão, medidas alternativas, APAC.
SUMÁRIO
RESUMO..................................................................................................................... 5 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA DE PRISÃO ................................................... 8 2.1 ANTIGUIDADE ...................................................................................................... 8 2.2 IDADE MÉDIA ....................................................................................................... 9 2.3 IDADE MODERNA .............................................................................................. 10 3 OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS ....................................................................... 12 3.1 O SISTEMA PENSILVÂNICO ............................................................................. 12 3.2 O SISTEMA AUBURNIANO ................................................................................ 13 3.3 OS SISTEMAS PROGRESSIVOS ...................................................................... 15 3.4 SISTEMA PROGRESSIVO IRLANDÊS .............................................................. 16 3.5 SISTEMA DE MONTESINOS .............................................................................. 17 3.6 OS SISTEMAS PRISIONAIS NO BRASIL........................................................... 18 4 TEORIAS E FUNÇÕES DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ......................... 20 4.1 TEORIA ABSOLUTA DA PENA .......................................................................... 20 4.2 TEORIA RELATIVA DA PENA ............................................................................ 21 4.2.1 Teoria da Prevenção Geral (Negativa e Positiva) ............................................ 21 4.2.2 Teoria da Prevenção Especial (Negativa e Positiva) ........................................ 22 4.3 TEORIA MISTA OU UNIFICADORA ................................................................... 24 5 OS DIREITOS HUMANOS E O IUS PUNIENDI ..................................................... 25 6 O PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DA PENA ......................................................... 27 6.1 PRINCÍPIOS, GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E OS TRATADOS INTERNACIONAIS NA EXECUÇÃO DA PENA ........................................................ 27 6.2 A HUMANIDADE DA PENA COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO DIREITO PENAL ...................................................................................................................... 29 6.3 OS DIREITOS DOS PRESOS E A LEI DE EXECUÇÃO PENAL ........................ 30 7 A CRISE DO SISTEMA CARCERÁRIO E A FALÊNCIA DA PENA DE PRISÃO . 32 7.1 SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA ...................................................................... 33 7.2 REBELIÕES ........................................................................................................ 34 7.3 REINCIDÊNCIA ................................................................................................... 36 7.4 EFEITOS SOCIOLÓGICOS E PSICOLÓGICOS DO CÁRCERE ........................ 37 7.5 LABELLING APPROACH .................................................................................... 39 8 MEDIDAS ALTERNATIVAS E PROPOSTAS DE SOLUÇÕES À PENA DE PRISÃO .................................................................................................................................. 41 8.1 PENAS ALTERNATIVAS À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ....................... 41 8.1.1 Suspensão Condicional da Pena ..................................................................... 42 8.1.2 Penas Restritivas de Direito ............................................................................. 43 8.1.3 Alternativas Tecnológicas (Monitoramento Eletrônico) .................................... 44 8.1.4 Mediação Penal E Justiça Restaurativa ........................................................... 47 8.2 AUMENTO DAS OPÇÕES DE TRABALHO E ESTUDO NOS PRESÍDIOS ....... 49 8.3 APACS ................................................................................................................ 50 9 REINTEGRAÇÃO SOCIAL E O PAPEL DA COMUNIDADE ................................ 55 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 57 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 59 ANEXOS ................................................................................................................... 63
7
1 INTRODUÇÃO
A execução da pena privativa de liberdade no Brasil encontra-se em uma
notória crise por diversos aspectos. Apesar do problema e o caos ser evidente, pouco
se diz a respeito, pois a sociedade não se preocupa com o condenado e apenas
enaltece o sentimento de vingança como resposta a criminalidade.
A Constituição Federal do Brasil elenca uma série de princípios fundamentais
do ser humano que devem ser cumpridos em qualquer situação, sendo um dos
principais o princípio da dignidade da pessoa humana.
O Estado brasileiro também é signatário de acordos internacionais que
asseguram de forma direta ou indireta os direitos humanos, com normas que
equivalem a emendas constitucionais, mas infelizmente são violados diariamente nas
penitenciarias brasileiras.
A pena privativa de liberdade há algum tempo vem perdendo suas funções tais
como a prevenção geral e a ressocialização, motivo este que torna questionável a
validade deste tipo de sanção.
São diversas as afrontas aos direitos do recluso como: o problema da
infraestrutura dos estabelecimentos carcerários nacionais, onde há superlotação de
pessoas, ambientes insalubres e desumanos. O cárcere também é um local onde a
violência é predominante na ação de todos, dentro desta ainda temos o problema com
a violência sexual. Alimentação deficiente. Pessoal técnico despreparado.
Precariedade orçamentária e alto custo da manutenção de um detento. Entre outros
diversos problemas que tornam a pena privativa de liberdade um castigo desumano.
Em contrapartida, como resultado deste problema, temos as frequentes
rebeliões nas penitenciárias, conflitos, mortes e regresso do condenado ao mundo do
crime, o que faz o encarceramento ser em vão.
Diante disso, o presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo
apontar as causas da crise do sistema carcerário brasileiro e apresentar possíveis
propostas de soluções e medidas alternativas à pena privativa de liberdade.
8
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA DE PRISÃO
2.1 ANTIGUIDADE
Inicialmente o objetivo da prisão não era um meio de sanção, mas sim um modo
de assegurar a execução da pena do condenado, consistente em penas corporais,
como mutilações, açoites e pena de morte. Cezar Roberto Bitencourt em seu livro
Tratado De Direito Penal, explica a função da pena de prisão na antiguidade:
Até fins do século XVIII a prisão serviu somente à contenção e guarda de réus para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados. Recorria-se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, à pena de morte, às penas corporais (mutilações e açoites) e às infamantes. Por isso, a prisão era uma espécie de “antessala” de suplícios, pois se usava a tortura, frequentemente, para descobrir a verdade. A prisão foi sempre uma situação de grande perigo, um incremento ao desamparo e, na verdade, uma antecipação da extinção física do indivíduo.1
Assim, nota-se que prisão, desde os tempos mais primórdios, mesmo que não
utilizada como forma de pena, era algo perverso que não só restringia a liberdade do
indivíduo, mas também era um modo de assegurar sua tortura e sofrimento.
Por outro lado, Grécia e Roma também aplicavam a privação de liberdade como
um meio de garantir o pagamento de dívidas. O devedor ficava como uma espécie de
escravo do credor, de maneira que o forçasse pagar a dívida devida. Na mesma obra
Bitencourt explica:
Deve-se acrescentar que a Grécia também conheceu a prisão como meio de reter os devedores até que pagassem as suas dívidas. Ficava, assim, o devedor à mercê do credor, como seu escravo, a fim de garantir seu crédito. Essa prática, inicialmente privada, foi posteriormente adotada como pública, mas ainda como medida coercitiva para forçar o devedor a pagar a sua dívida.2
1 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, vol. 1, 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 588. 2 Ibid., p. 589.
9
Ainda, insta salientar que desde a antiguidade as prisões eram lugares
aterrorizantes. Utilizavam-se para aprisionamento dos indivíduos horrendos
calabouços, aposentos e, frequentemente, em ruinas ou insalubres de castelos, torres,
conventos abandonados, palácios e outros edifícios.
Portanto a finalidade da prisão na antiguidade era limitada a custódia dos réus
para assegurar a execução da pena ou como garantia de devedores inadimplentes.
2.2 IDADE MÉDIA
Neste período da história a prisão ainda não era utilizada como sanção,
contudo, de certa forma, alguns aspectos do cárcere dessa época contribuíram para
o surgimento da pena privativa de liberdade.
Na Idade Média, iniciam-se algumas mudanças quanto à função da prisão, mas
ainda como caráter de custódia em virtude das leis penais medievais terem como
objetivo principal amedrontar a sociedade, e não ressocializar indivíduo. Portanto, as
sanções neste período prevalecem sendo bárbaras e sangrentas como ensina
Bitencourt:
A privação da liberdade continua a ter uma finalidade custodial, aplicável àqueles que seriam “submetidos aos mais terríveis tormentos exigidos por um povo ávido de distrações bárbaras e sangrentas. A amputação de braços, pernas, olhos, língua, mutilações diversas, queima de carne a fogo, e a morte, em suas mais variadas formas, constituem o espetáculo favorito das multidões desse período histórico.”3
Contudo, nesta época surgem também a chamada Prisão Eclesiástica ou
prisões do Estado, onde ficavam os presos políticos, inimigos do poder real e os que
praticavam crimes de traição, em que consistia a prisão de custódia para aguardarem
suas execuções. Sob outro prisma, a prisão eclesiástica era destinada aos membros
do clero rebeldes que se voltavam contra as normas da Igreja, os quais eram
3 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 32.
10
apenados com a penitência e a meditação para que se arrependessem do mal
causado e obtivessem uma correção.
Diante disso, as prisões eclesiásticas e o direito canônico influenciaram a
concepção moderna de prisão, uma vez que era mais humanizada e destinada a
recuperação do indivíduo e não de sua destruição.4
2.3 IDADE MODERNA
Neste período histórico a privação de liberdade aos poucos é inserida como
forma de pena, no entanto, somente para crimes leves, tais como vadiagem e
ociosidade.
Foram construídas instituições organizadas para correção dos apenados e, os
meios de punição anteriormente utilizados, como o açoite e a execução, aos poucos
foram substituídos. O objetivo era corrigir o detento por meio de disciplina, trabalho
forçado, castigos corporais e instrução religiosa.
Nessa perspectiva, Bitencourt:
A suposta finalidade da instituição, dirigida a mão de ferro, consistia na reforma dos delinquentes por meio de trabalho e disciplina. O sistema orientava-se pela convicção, como todas as ideias que inspiravam o penitenciarismo clássico, de que o trabalho e a férrea disciplina são meio indiscutível para a reforma do recluso. Ademais, a instituição tinha objetivos relacionados com a prevenção geral, já que pretendia desestimular outros para vadiagem e a ociosidade.5
Como apontado por Bitencourt, inicia-se nessa época também a preocupação
com a prevenção geral, na qual a sanção aplicada aos detentos servia como exemplo
para o restante da sociedade impondo medo e desestimulando a prática da vadiagem
e ociosidade.
4 FEITOSA, Priscila Macedo. História e Evolução da Pena de Prisão. Web Artigos, 05 out. 2011. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/historia-e-evolucao-da-pena-de-prisao/77602/>. Acesso em: 12 set. 2017. 5 BITENCOURT, 2010, p. 38.
11
Outro ponto interessante desta época era o objetivo dos detentos se
autofinanciarem por meio do trabalho forçado, motivo que o tornava vantajoso
economicamente para o Estado.
Estas instituições foram criadas pela crise socioeconômica que a Europa
passava em meados do século XVI e XVII. Devido a guerras e conflitos sociais alguns
países tiveram imensa redução de suas riquezas, empobrecendo os sistemas
mercantis e proletariado, causando escassez de mão de obra externa. Assim as casas
de correção tornaram-se valiosas para economia pelo fato de suprirem a força de
trabalho escassa.
Priscila Macedo Feitosa, em seu artigo História e Evolução da Pena de Prisão,
discorre sobre como os detentos foram utilizados para suprir a falta de mão de obra
da época, sem qualquer preocupação com as funções e finalidades da pena privativa
de liberdade:
Ocorre que, diante de guerras e conflitos sociais, determinados países tiveram uma brusca redução de suas riquezas, empobrecendo os sistemas mercantil e proletariado, causando escassez de força de trabalho externa, vez que os trabalhadores recém treinados retornaram para seus lugares de origem, e aqueles remanescentes passaram a exigir melhorias consideráveis em suas condições de trabalho, sendo assim, têm início o auge das casas de trabalho. Tais instituições foram construídas sob os pilares do trabalho e disciplina rígida, estando ausente o caráter ressocializador, e sim, meramente de confinamento, com o intuito de exercer função reguladora dos salários exigidos pela classe de operários, tornando-se um elemento valioso para a economia, pois se fazia necessária para sanar tamanha ausência de trabalhadores, sendo entregues a empresas privadas ou permanecendo sob o controle das autoridades administrativas.6
Portanto, verifica-se o caráter perverso sobre as prisões da modernidade onde
o condenado apenas era visto como mão de obra barata e salvação da economia.
Somente após inúmeras transformações, a privação de liberdade passou de
prisão-custódia para prisão-pena e, ainda, após muitos anos essa pena começou a
ser pensada de maneira mais humanitária e com a finalidade de reformar o
delinquente.
6 FEITOSA, 2011.
12
3 OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS
Segundo Cezar Roberto Bitencourt os primeiros sistemas penitenciários
surgiram nos Estados Unidos, contudo não é correto afirmar que a prisão constitui um
invento norte-americano, pois foram baseados em estabelecimentos europeus que
marcaram o nascimento da pena privativa de liberdade substituindo a utilização da
prisão como um simples meio de custódia.7
3.1 O SISTEMA PENSILVÂNICO
Também conhecido como Sistema Belga ou Celular, foi o primeiro sistema
penitenciário que mais se destacou. Foi criado na Colônia da Pensilvânia em 1681 e
fundado por Guilhermo Penn. Neste período as penas corporais, como castigos físicos
e mutilações foram banidas do ordenamento jurídico estadunidense e a pena de morte
era aplicada em pouquíssimos casos.
Segundo Rafael Damasceno de Assis este sistema prisional havia uma
fundamentação teleológica acompanhada de algumas ideias iluministas. A religião era
considerada a forma mais eficaz de recuperação do detento, sendo ele isolado para
meditar e orar. A principal característica desse sistema era o isolamento do preso em
uma cela, a oração e a abstinência total de bebidas alcoólica.8
Contudo, este método de isolamento absoluto ocasionou diversos prejuízos,
consequências físicas e psicológicas aos presos.
Bitencourt narra a visita de Charles Dickens a penitenciária de Eastern
Penitenciary no ano de 1842 e conta como o isolamento e o silêncio se propagava no
local:
[...] ao contrário de outros visitantes, foi de cela em cela. Colocado em um ponto de confluência das galerias, ficou aterrorizado diante do silêncio que
7 BITENCOURT, 2010, p. 75. 8 ASSIS, Rafael Damaceno de. Evolução histórica dos regimes prisionais e do Sistema Penitenciário. VadoAju, 12 ago. 2012. Disponível em: <http://vadoaju.blogspot.com.br/2012/08/a-evolucao-historica-dos-regimes.html>. Acesso em: 04 set. 2017.
13
outros haviam admirado tanto. Ruídos apagados procedentes da cela de um sapateiro ou de um tecelão e que atravessavam as grossas paredes e as portas tornavam o silêncio ainda mais deprimente. Põem no preso — conta — uma carapuça escura quando ingressa na prisão. Desse modo levam-no à sua cela, de onde não sairá́ mais até que se extinga a pena. Jamais ouve falar da mulher ou dos filhos, do lar ou dos amigos, da vida ou da morte que estão além do seu caminho. Além do vigilante não vê nenhum rosto humano, nem ouve nenhuma outra voz. Está enterrado em vida, e só com o transcurso lento dos anos poderá́ voltar novamente à luz. As únicas coisas vivas ao seu redor são um estado angustiante, torturante e um imenso desespero.”9
Muito embora o total isolamento do detento tenha graves consequências, ele
continua sendo um instrumento utilizado no sistema penitenciário. No Brasil o
isolamento do preso é permitido pela Lei de Execução Penal em seu artigo 53 inciso
IV, como uma sanção para o detento que cometer falta grave e, ainda é autorizado
sob o Regime Disciplinar Diferenciado disposto no artigo 52 e incisos da mesma Lei.10
Deste modo podemos afirmar que ainda há vestígios deste sistema de
isolamento nas penitenciarias brasileiras, mesmo que em um contexto diferenciado e
pontual, pois, na realidade, um dos grandes problemas da pena privativa de liberdade
no Brasil é superlotação das celas.
3.2 O SISTEMA AUBURNIANO
O surgimento do Sistema Auburniano fundou-se no propósito de solucionar as
limitações e os defeitos do Sistema Celular Pensilvânico.
Segundo Julio Fabbrini Mirabette este sistema foi criado pela construção da
penitenciária da cidade de Auburn, do Estado de New York, nos Estados Unidos da
América, no ano de 1818, sendo seu diretor Elam Lynds. Relata também que neste
sistema foi mantido o isolamento noturno e foi implantado o trabalho dos presos. A
característica principal desse sistema era a exigência do silêncio, o chamado Silent
Sistem.11
9 BITENCOURT, 2010, p. 81. 10 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Portal do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acesso em: 04 set. 2017. 11 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 250.
14
Rafael Damaceno de Assis em seu artigo “Evolução histórica dos regimes
prisionais e do Sistema Penitenciário” explica o funcionamento do sistema Auburniano,
no qual os presos eram separados conforme o grau de recuperação e a possibilidade
de ressocialização.
Narra que os indivíduos mais perigosos trabalhavam juntos durante o dia e
ficavam reclusos durante a noite. Havia rigorosa jornada de trabalho em oficinas onde
deveriam permanecer em silêncio, não havia direito a lazer, tampouco visitas. Não era
permitida sequer a comunicação entre os presos, com o objetivo de primar pelo
silêncio.
Não obstante, o sistema Auburniano não visava a reforma do detento, mas tão
somente sua punição.12
Em que pese esse sistema tenha surgido com objetivo de aprimorar as críticas
presentes no Sistema Pensilvânico, não trouxe grandes mudanças, mas apenas a
possibilidade do recluso reunir-se com os demais durante o dia, contudo, sempre
mantendo o silêncio. Nesse sentido Bitencourt:
Não há radicais diferenças entre o sistema auburniano e o filadélfico, apesar de a polêmica que existiu entre as vantagens e inconvenientes de ambos poder levar a outra conclusão. Ambos os sistemas impediam que os reclusos pudessem comunicar-se entre si e os separavam em celas individuais durante a noite. A diferença principal reduz-se ao fato de que no regime celular a separação dos reclusos ocorria durante todo o dia; no auburniano, eram reunidos durante algumas horas, para poder dedicar-se a um trabalho produtivo.13
Por fim, o Sistema Auburnino entre outros fatores, era economicamente mais
vantajoso que o Pensilvânico e, com exceção à regra do silêncio e sua rigorosa
disciplina, de certa forma contribuiu para criação do Sistema Progressivo.
12 PINHEIRO. Anna Flávia Ribeiro. Estudo e análise da evolução histórica do direito de punir e a Execução das Penas no Brasil. Âmbito Jurídico. Rio Grande, ano XX, n. 161, jun. 2017. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/thumb.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo _id=18960&revista_caderno=22>. Acesso em: 04 set. 2017. 13 BITENCOURT, 2010, p. 95.
15
3.3 OS SISTEMAS PROGRESSIVOS
O Sistema Progressivo surgiu na Inglaterra, no final do século XIX,
desenvolvido pelo Capitão Alexander Maconichie. Esse sistema diferencia-se dos
sistemas Auburniano e Pensilvânico, pois nele, o preso divide o tempo de sua
condenação em estágios, onde em cada um deles, o detento passaria a adquirir novos
privilégios se apresentasse bom comportamento carcerário, por este motivo foi
denominado Mark System.
Julio Fabbrini Mirabette descreve o funcionamento desses estágios:
O primeiro deles, período de prova, constava de isolamento celular absoluto; o outro se iniciava com a permissão do trabalho em comum, em silêncio, passando-se a outros benefícios; e o último permitia o livramento condicional.14
Portanto, nota-se que o Sistema Progressivo tem como característica o início
da preocupação da sociedade na ressocialização do preso. Contudo, ainda eram
presentes castigos corporais voltados a disciplina, como comenta Paulo César Busato:
Esse sistema, finalmente, alcançou os Estados Unidos da América na prisão de Elmira, a partir de 1870, a qual chegou a ser considerada, em sua época, uma prisão modelo, já que congregava um sistema progressivo com várias atividades sociais e culturais tendentes à socialização do criminoso. Porém, mesmo nessa prisão, prevalecia um sistema de coerções e castigos corporais voltados à disciplina, contraditórios com a pretensão de abrandamento do sistema.15
Este sistema teve grande sucesso restabelecendo a ordem e a disciplina nas
penitenciárias, estimulando o hábito de trabalho dos reclusos e evitando rebeliões e
conflitos.
14 MIRABETE, 2002, p. 250. 15 BUSATO, Paulo César. Direito Penal Parte Geral: parte geral, vol. 1. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 791.
16
3.4 SISTEMA PROGRESSIVO IRLANDÊS
O Sistema Progressivo Inglês foi implantado e aperfeiçoado na Irlanda por
Walter Crofton, onde foi introduzido mais uma etapa intermediária, ou também
chamada de “prisões intermediárias”, entre o período de trabalho do apenado e sua
liberdade condicional. O intuito dessa etapa era preparar e facilitar a reinserção do
recluso na sociedade. Nessa perspectiva, Bitencourt explica:
[...] Crofton, querendo preparar o recluso para seu regresso à sociedade, introduziu “uma ideia original, que foi o estabelecimento de prisões intermediárias. Na realidade, tratava-se de um período intermediário entre as prisões e a liberdade condicional, considerada como um meio de prova da aptidão do apenado para a vida em liberdade”. A grande novidade do sistema irlandês foi a criação desse período, que, no dizer de Mapelli Caffarena, estabeleceu uma prisão intermediaria entre o estabelecimento fechado e a liberdade condicional, com a finalidade de possibilitar o contato com o exterior e facilitar a reincorporação definitiva.16
Desta forma, o Sistema Progressivo Irlandês era dividido em quatro fases: a
primeira consistia em reclusão celular diurna e noturna, a segunda em reclusão celular
noturna e trabalho diurno em comum, a terceira era o período intermediário e, por
último a liberdade condicional.
O período intermediário criado por Crofton era executado em prisões especiais,
onde o detento trabalhava ao ar livre, no exterior do estabelecimento e em trabalhos
preferencialmente agrícolas. Neste estágio a disciplina era mais branda e em
penitenciária sem muros, fazendo o recluso sentir um pouco de liberdade.17
Por todos esses aspectos, observa-se que este sistema progressivo, em que
pese modificado com o passar dos tempos, é aplicado em vários países, inclusive no
Brasil como se verifica no artigo 33, §2º do Código Penal que estabelece que os
regimes fechado, aberto e semiaberto da pena privativa de liberdade devem ser
cumpridos pelo condenado de forma progressiva.
16 BITENCOURT, 2010, p. 101. 17 Ibid., p. 102.
17
3.5 SISTEMA DE MONTESINOS
Por fim, destaca-se o Sistema Penitenciário Montesino. Em 1834, ao ser
nomeado chefe maior do presídio de San Agustin em Valência, o Coronel Manoel
Montesinos Y Molina notou que, mesmo após algumas modificações, as prisões
espanholas ainda pecavam pela precariedade em sua estrutura.
Rogério Greco em sua obra Direitos Humanos, Sistema Prisional e Alternativa
à Privação de Liberdade elenca as alterações feitas por Montesinos para melhoria do
cumprimento da pena privativa de liberdade, dentre elas; eliminação dos castigos
corporais ao preso; implementação do trabalho remunerado ao detento; proibição do
regime de isolamento, também denominado celular, pelos problemas psicológicos
decorridos desse regime; possibilidades de concessão de saídas temporárias ao
preso; concessão também de uma espécie de liberdade condicional como
recompensa a boa conduta do preso e, ainda, fez a introjeção do detento da
corresponsabilidade pela segurança do estabelecimento prisional, eis que,
internamente, não se usavam cadeados.
Ainda na referida obra Greco comenta: “Montesinos foi um visionário e um
apaixonado pela causa carcerária. Acreditava como ninguém, na recuperação do
homem. Na porta de seu presídio fez constar a seguinte frase: “Aqui entra o homem;
o delito fica na porta.”18
Por isso tudo, nota-se que Montesinos obteve uma visão revolucionária e
humanitária do cumprimento da pena de prisão que serviu de modelo para todo o
mundo e demonstrou que os maus tratos aos indivíduos presos não os corrigem, mas
tão somente aumentam o sentimento de ódio para com a sociedade.
18 GRECO, Rogério. Direitos humanos, sistema prisional e alternativa à privação de liberdade. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 179.
18
3.6 OS SISTEMAS PRISIONAIS NO BRASIL
O Brasil baseou seu sistema prisional no modelo progressivo, com a finalidade
de estabelecer diferentes regimes para progressão do detento até sua final
ressocialização na sociedade. Nesse sentido Paulo César Busato diz:
O Código Penal atual adota um modelo progressivo, demonstrando interesse em atualizar-se com o que há de mais moderno mundialmente em termos de pena, estabelecendo o escalonamento de regimes (fechado, semiaberto e aberto), o livramento condicional, a progressão de regimes etc.19
Também a respeito do sistema progressivo implantado no Brasil Luiz Regis
Prado, discorre:
A Lei 6.416/1977 introduziu substanciais alterações no sistema progressivo, a saber: a) foi facultado o isolamento celular inicial para os reclusos; b) foram criados os regimes de cumprimento de pena (fechado, semiaberto e aberto); c) o início do cumprimento da pena poderia dar-se em regime menos rigoroso, observados o tempo de duração daquela e a periculosidade do réu; d) o livramento condicional poderia ser concedido ao condenado à pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção) igual ou superior a dois anos.20
Atualmente, a progressão de regime deve observar o cumprimento de um sexto
da pena no regime anterior, bem como se exige a aferição, pelo diretor do
estabelecimento prisional, de bom comportamento carcerário por parte do condenado
e, ainda, o preenchimento de requisitos relevantes e detectados no caso concreto
conforme dispõe o artigo 112 da Lei de Execução Penal.21
Além da progressão de regime, observa-se influência do sistema de
Montesinos na execução da pena de prisão no Brasil, quando disposto na legislação
brasileira direitos e deveres do preso, como o direito ao trabalho remunerado,
assistência educacional, assistência à saúde, direito a saídas temporárias em regime
19 BUSATO, 2017, p. 791. 20 PRADO, Luiz Regis. Curso De Direito Penal Brasileiro: parte geral, arts. 1.° a 120, vol. 1. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 545. 21 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Portal do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acesso em: 04 set. 2017.
19
semiaberto e, principalmente, pela proibição de castigos corporais e tortura, sendo
esta norma constitucional e também objeto do Tratado Internacional Contra a Tortura
e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes aprovado pelo
Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 4 em 23 de maio de 1989.
Entretanto, apesar do ordenamento jurídico dispor sobre direitos e garantias
fundamentais do cidadão, mesmo que em cumprimento de pena privativa de liberdade,
a realidade nos cárceres brasileiros são totalmente opostos as previsões legais, onde
são constates as violações a esses direitos.
20
4 TEORIAS E FUNÇÕES DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
4.1 TEORIA ABSOLUTA DA PENA
Para as diversas Teorias Absolutas ou Retributivas a pena é concebida como
retribuição ao mal causado pela prática delito. Dois grandes doutrinadores destacam-
se: Immanuel Kant e Georg W. F. Hegel como os principais representantes da Teoria
Absoluta da Pena.
A teoria de Kant é conhecida como teoria da retribuição ética, onde direito e a
moral estão intimamente associados. Para Kant a lei era uma ordem natural e
inquestionável, um imperativo categórico, portanto afirmava que o fundamento da lei
penal era de ordem moral, pois era algo que existia antes da própria civilização, deste
modo, o que era errado deveria ser punido.
Kant nega toda e qualquer função preventiva da pena, pois para ele, o homem
não pode servir de instrumento à realização de políticas públicas. Nesse sentido Paulo
César Busato explica a teoria de Kant:
A pena é retribuição à culpabilidade do sujeito, portanto, a pena deve ser proporcional ao dano causado pelo delito. Daí que Kant equiparou a proposta com a “Lei de Talião aplicada por Tribunais”. À intensidade da agressão de um bem jurídico se responderia mediante um ataque institucional a um bem jurídico de similar medida. Essa atitude não estaria ferindo os direitos do cidadão, pois, para Kant, quem não cumpre as disposições legais não é digno de cidadania.22
Por outro lado, o pensamento de Hegel resume-se em sua conhecida frase: “a
pena é a negação da negação do Direito”. Este pensador não associa o direito à moral
como Kant, mas tão somente busca bases eminentemente jurídicas. Nesse sentido
também explica Busato:
Para Hegel, o Direito é expressão da vontade racional. A base do Direito está na racionalidade e na liberdade. Sendo o Direito a expressão dessa vontade
22 BUSATO, 2017, p. 716.
21
geral, o delito constitui a expressão de uma contradição à racionalidade. A pena aparece logo como expressão da negação do Direito constituída pelo delito. Assim, finalmente, aparece o delito como negação do Direito e a pena como negação dessa negação, cujo fim é reestabelecer o Direito.23
Portanto a Teoria Absoluta consolida a liberdade como principal fundamento da
pena e concebem a pena como um fim em si mesmo, finalidade retributiva ao mal
causado pelo agente criminoso, com outro mal consistente na pena.
4.2 TEORIA RELATIVA DA PENA
Para a Teoria Relativa ou Preventiva, a função da pena não é meramente
retribuir o mal causado pelo delito, mas impedir, de certa forma, a ação delituosa, pela
qual se subdivide em duas espécies; Teoria da Prevenção Geral e Teoria da
Prevenção Especial como será exposto a seguir.
4.2.1 Teoria da Prevenção Geral (Negativa e Positiva)
A Teoria da Prevenção Geral Negativa tem um viés diferenciado composto pela
intimidação da sociedade, por meio da ameaça de aplicação de sanções contida nas
normas incriminadoras. Deste modo explicam Eugênio Pacelli e André Callegari:
No segundo caso, de efeitos negativos da prevenção, a pena buscaria obter, não a adesão do apenado (como ocorre nos efeitos positivos), mas a intimidação dele, que, em razão da ameaça da privação da liberdade ou da restrição de direitos, se manteria na conformidade das prescrições legais. Tem em Paul Johan Anselm V. FEUERBACH, em fins do século XVIII, seu mais importante articulador, 56 com a chamada teoria da coação psicológica da pena.24
23 BUSATO, 2017, p. 716. 24 PACELLI, Eugenio; CALLEGARI, André Luís. Manual de direito penal: parte geral. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2016. p. 53.
22
Em contrapartida a Teoria da Prevenção Geral Positiva é integradora e ampla,
visando enviar a sociedade uma mensagem de reforço e confiança no Estado e
estimular o conhecimento a respeito das leis.
Juarez Cirino dos Santos cita a prevenção geral positiva sobre o viés do autor
Claus Roxin que se refere às funções da pena criminal para fim de proteção de bens
jurídicos, sendo de natureza subsidiária, pois haveria outros meios mais eficazes para
essa proteção. Nesse sentido:
Nesse sentido, Roxin define a chamada integração/prevenção como demonstração da inviolabilidade do direito , necessária para preservar a confiança na ordem jurídica e reforçar a fidelidade jurídica do povo, destacando uma tríplice superposição de efeitos político-criminais : primeiro, o efeito sócio-pedagógico de exercício em fidelidade jurídica, produzido pela atividade da justiça penal; segundo, o efeito de aumento da confiança do cidadão no ordenamento jurídico pela percepção da imposição do Direito; terceiro, o efeito de pacificação social pela punição da violação do Direito e, portanto, solução de conflito com o autor.25
Portanto, conclui-se que a real função geral positiva da pena seria de preservar
confiança que surge na sociedade, a partir da constatação de que o Direito
efetivamente se aplica.
4.2.2 Teoria da Prevenção Especial (Negativa e Positiva)
A Teoria da Prevenção Especial da Pena é destinada ao sujeito que receberá
a pena e, não a sociedade, como é visto na Teoria da Prevenção Geral, nesse sentido
ensina Bitencourt: “a teoria da prevenção especial procura evitar a prática do delito,
mas, ao contrário da prevenção geral, dirige-se exclusivamente ao delinquente em
particular, objetivando que este não volte a delinquir.”26
A prevenção especial negativa tinha como propósito neutralizar o criminoso na
sociedade, no sentido de que, no momento da execução de sua pena ele estaria
25 PACELLI; CALLEGARI, 2016, p. 468. 26 BITENCOURT, 2017, p.162.
23
neutralizado e impossibilitado de cometer novos crimes. Esta prevenção tem como
premissa a segurança social.
Já a prevenção especial positiva objetivava a correção do detento, ressocializá-
lo e reeducá-lo através da ajuda de psicólogos e assistentes sociais que laboram no
cárcere. De acordo com Paulo César Busato:
Essa prevenção de reincidência ocorre em duas vertentes. A primeira, de prevenção especial negativa, baseada na ideia de neutralização forçosa dos impulsos criminais de que presumivelmente o autor de delito é portador, mediante a segregação e o afastamento deste do convívio social (não à toa verifica-se um profundo desenvolvimento e vasta aplicação de medidas de segurança de prazo indeterminado nesse período), incapacitando-o para a prática de outros crimes durante a execução da pena. A segunda, de prevenção especial positiva, voltada à face corretiva. Parte-se da consideração que o autor de um delito é portador de um desvio social que demanda uma correção. Daí que o discurso da pena se converte na falácia de “corrigir” ou “curar” o criminoso, tarefa já não exclusiva dos juízes, mas distribuída entre sociólogos, psicólogos, psiquiatras e outros funcionários do sistema penal, todos encarregados da realização de uma espécie de ortopedia moral. A correção que compete à pena como função está relacionada às diferentes características pessoais dos sujeitos. Haverá a possibilidade, então, de vários modos de reagir.27
Juarez Cirino dos Santos critica a prevenção especial positiva, pois declara que
o Estado não tem o direito de melhorar as pessoas segundo critérios morais próprios
e não se justifica encarcerar pessoas a fim de melhoria terapêutica.28
Ademais, Busato, sob outros argumentos, também crítica esta teoria:
Também não se pode considerar que a pena consista só na prevenção especial, em casos em que se constate a desnecessidade de readaptação social de seus autores. Como se pode justificar, nesses casos, a imposição de uma pena? Indubitavelmente o fundamento da prevenção especial aqui fracassa. Basta pensar, por exemplo, nos delinquentes de colarinho branco ou na maioria dos que cometem delitos econômicos. Se a pena se justifica exclusivamente sob a prevenção especial, as penas não se aplicariam na maioria desses casos.29
27 BUSATO, 2017, p. 728. 28 ROXIN, Claus apud SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral, 3. ed. Curitiba: Lumen Juris, 2008. p. 466. 29 BUSATO, op. cit., p. 733.
24
Foram muitas as críticas a respeitos das teorias de funções da pena em
comento, portanto surgiram as Teorias Mistas, das quais se buscaram conciliar as
concepções preventivas e retributivas.
4.3 TEORIA MISTA OU UNIFICADORA
As teorias ecléticas buscam um equilíbrio para justificar a pena, apoiando um
direito penal invasivo que respeite a dignidade da pessoa humana e atenda aos
anseios da sociedade no que diz respeito segurança e a paz social, nesse sentido
afirma Bitencourt:
As teorias mistas ou unificadoras tentam agrupar em um conceito único os fins da pena. Esta corrente tenta recolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas. Merkel foi, no começo do século XX, o iniciador desta teoria eclética na Alemanha, e, desde então, é a opinião mais ou menos dominante. No dizer de Mir Puig103, entende-se que a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial são distintos aspectos de um mesmo e complexo fenômeno que é a pena.30
Ante o exposto, conclui-se que o ordenamento jurídico brasileiro é adepto da
teoria mista, pois a pena objetiva a retribuição, prevenção e ressocialização do
condenado, conforme consta nos artigos 59 do Código Penal e 1º e 10 da Lei de
Execução Penal.
30 BITENCOURT, 2017, p. 162.
25
5 OS DIREITOS HUMANOS E O IUS PUNIENDI
O nascimento da sociedade fez tornar-se necessária a criação de regras
fundamentais de comportamento para convivência harmoniosa entre os seres
humanos e, também, desde o início das sociedades civilizadas, foram criados direitos
básicos do homem a fim de barrar a tirania dos governantes e o poder do Estado.
Atualmente esses direitos básicos do homem são denominados direitos
humanos e são proclamados em sede internacional, tendo como objeto a construção
e manutenção dos pressupostos elementares da dignidade humana, a
operacionalização dos postulados da liberdade (direitos civis e políticos), igualdade
(direitos sociais, econômicos e culturais) e fraternidade (direitos globais ou meta
individuais) e a promoção do bem comum de todos, sem qualquer tipo de
discriminação.31
Após a segunda guerra mundial, devido aos atos truculentos contra os seres
humanos pelo regime Nazista, em 10 de dezembro de 1948, foi promulgada a primeira
Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU (Organização das Nações
Unidas). Posteriormente, no ano de 1996, foram aprovados pela Assembleia Geral
das Nações Unidas o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Os direitos humanos previstos nos ordenamentos jurídico-positivos internos de
um Estado, são chamados de direitos fundamentais que possuem caráter inviolável,
intemporal e universal.32
Por outro lado, também é imprescindível em uma sociedade o chamado “ius
puniendi” ou “direito de punir” que consiste no direito-dever do Estado de criar e aplicar
o Direito Penal objetivo, impondo e executando sanções para aqueles que violam a
lei. Deste modo Rogério Greco explica:
No que diz respeito especificamente as normas de natureza penal, destaca-se o chamado ius puniendi, que pode ser entendido tanto em sentido objetivo, quando o Estado, através de seu Poder Legislativo, e mediante o sistema de
31 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Manual de direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 38. 32 GUERRA, Sidney. Direitos humanos: na ordem jurídica internacional e reflexos na ordem constitucional brasileira. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 186.
26
freios e contrapesos, exercido pelo poder executivo, cria normas de natureza penal, proibindo ou impondo determinado comportamento, sob ameaça de uma sanção, como também em sentido subjetivo, quando esse mesmo Estado, através de seu poder judiciário, executa suas decisões contra alguém que descumpriu o comando normativo, praticando uma infração penal, vale dizer, um fato típico, ilícito e culpável.33
O ius puniendi apenas encontra validade em um Estado Democrático De Direito,
ou seja, um estado racional, legalista, que proporciona segurança jurídica para o
cidadão, fundado em direitos fundamentais do homem que não podem ser afrontados
de maneira alguma.
Nesse sentido Rogério Greco afirma:
Contudo, por mais que o Estado tenha o poder/dever (ou melhor, o dever poder) de fazer valer o seu ius puniendi, este deverá ser levado a efeito preservando-se, sempre, os direitos inerentes à pessoa, que não cederam em virtude da prática da infração penal. Assim, por exemplo, se alguém for condenado a uma pena de privação de liberdade por ter praticado determinado crime, somente este direito é que será limitado através do ius puniendi, vale dizer, o direito de ir, vir e permanecer onde bem entenda. Os demais, a exemplo da sua dignidade, intimidade, honra, integridade física e moral etc., devem ser preservados a todo custo.34
Portanto o direito de punir do Estado deve ser limitado, não podendo
ultrapassar as garantias fundamentais dispostas em sua carta magna e dos direitos
humanos previstos nos tratados internacionais pelo qual o país é signatário.
Contudo o ius puniendi do Estado brasileiro por muitas vezes viola esses limites,
como se observa a evidente afronta aos direitos estabelecidos no artigo 5º da
Constituição Federal de 1988 quando, nas penitenciárias brasileiras há superlotação,
falta de higiene, precariedade na assistência a saúde e educação.
Dado o exposto, percebe-se que a aplicabilidade dos direitos humanos do
condenado que cumpre pena privativa de liberdade não tem poder de conter o ius
puniendi estatal como deveria ocorrer.
33 GRECO, 2011, p. 19. 34 Ibid., p. 25.
27
6 O PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DA PENA
6.1 PRINCÍPIOS, GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E OS TRATADOS
INTERNACIONAIS NA EXECUÇÃO DA PENA
O Direito Penal como todos os outros ramos do direito é amparado por
princípios e garantias constitucionais a fim de tutelar os direitos dos condenados,
controlar o ius puniendi do Estado e assegurar uma persecução e execução penal
humanitária.
Renato Marcão em sua obra Curso de Execução Penal cita o autor Paulo Lúcio
Nogueira que diz ser indispensável à existência de um processo, como instrumento
viabilizador da execução penal, no qual devem ser observados os princípios da
legalidade, jurisdicionalidade, devido processo legal, verdade real, imparcialidade do
juiz, igualdade das partes, persuasão racional ou livre convencimento, contraditório e
ampla defesa, iniciativa das partes, publicidade, oficialidade e duplo grau de jurisdição
e da humanização da pena.
Ainda Marcão destaca o princípio da personalidade ou da intranscendência,
prevista no artigo 5º, XLV da Constituição Federal, segundo o qual delimita o processo
penal bem como estabelece a individualização da pena que não deve ultrapassar o
autor do delito.35
No Brasil os direitos fundamentais do ser humano são elencados na
Constituição da República, mais especificamente em seu artigo 5º, fundados sob a
máxima do princípio da dignidade da pessoa humana.
A constituição da república é o conjunto de normas ou a lei máxima e obrigatória
do país, contudo o §2º do artigo 5º deixou expresso que, também fazem parte do
conjunto de direitos fundamentais, os dispostos nos tratados internacionais dos quais
o Brasil é signatário.
Guilherme de Souza Nucci explica:
35 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 34.
28
Estão previstos, basicamente, no art. 5º da Constituição Federal, logo, possuem o status de normas constitucionais, que estão acima de outras leis. Porém, o § 2º do art. 5º abriu a viabilidade de se acolher outros direitos e garantias, não expressos no Texto Maior, embora decorrentes do regime, dos princípios ou dos tratados firmados pelo Brasil. Desse modo, há direitos humanos advindos, implicitamente, de Tratados Internacionais; a título de ilustração, o princípio do duplo grau de jurisdição (o direito de recurso do réu contra uma decisão condenatória em primeiro grau), cuja fonte é a Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Além disso, no § 3º do art. 5º, incluído pela Emenda 45/2004, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, quando aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Por isso, caso tal hipótese ocorra, a norma referente ao direito reconhecido passa a te status constitucional explícito.36
Como explicado por Nucci, os tratados internacionais de proteção dos direitos
humanos, por força do artigo 5º, §§ 1º, 2º e 3º apresentam natureza de norma
constitucional e aplicação imediata quando aprovados em dois turnos, por 3/5 dos
membros de cada casa do Congresso Nacional.
Dentre os tratados mais importantes aprovados pelo Brasil, encontram-se a
Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes, do ano de 1984, bem como a Convenção Americana de Direitos
Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, do ano de
1969, ratificados, pelo Brasil, respectivamente em 1989 e 1992.
A Convenção Contra a Tortura de 1984 em seu artigo 1º, bem como em seu
artigo 16 descrevem o objetivo do tratado: banir a tortura e penas cruéis.37
A execução penal no Brasil, com ênfase a pena privativa de liberdade, não tem
respeitado as garantias fundamentais do condenado, nem mesmo o conteúdo dos
tratados internacionais que foram ratificados e votados pelo congresso nacional e
atingiram força de emenda constitucional.
Torturas e penas cruéis são facilmente visualizadas dentro do cárcere à medida
que o preso é submetido a maus-tratos verbais, seja dos agentes do Estado ou dos
próprios colegas de cela, a castigos sádicos, crueldades injustificadas e vários
métodos sutis de fazer o recluso sofrer sem incorrer em evidente violação do
36 NUCCI, Guilherme de Souza. Direitos humanos versus segurança pública. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 32. 37 CONVENÇÃO contra a tortura e outros tratamentos ou. penas cruéis, desumanos ou degradantes. Adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, Nova York, 1984. Portal da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Disponível em <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/ instrumentos/degrdant.htm>. Acesso em 09/11/2017.
29
ordenamento, superlotação carcerária, falta de higiene nas penitenciárias, condições
deficientes de trabalho, deficiência nos serviços médicos ou absoluta inexistência,
assistência psiquiátrica deficiente ou abusiva, regime alimentar precário, reiterados
abusos sexuais entre outros fatores.
Por esses motivos a pena de prisão perde por completo sua eficácia e validade,
fazendo o Estado entrar em contradição, pois legisla a respeito de normas e garantias
fundamentais, ratifica tratados internacionais de direitos humanos e ele próprio os
viola.
6.2 A HUMANIDADE DA PENA COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO DIREITO
PENAL
O princípio da humanidade da pena, o mais importante dos princípios, tem
como finalidade a contenção dos danos produzidos pelo exercício desmedido do ius
puniendi.
Este instituto garante a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana
na execução da pena para que ela não ultrapasse os limites da sentença penal
condenatória. Roig assevera a respeito deste princípio na execução penal:
Em uma visão redutora da execução penal, a humanidade também se identifica com o imperativo da tolerância (ou alteridade), exigindo do magistrado da execução uma diferente percepção jurídica, social e humana da pessoa presa, capaz de reconhecê-la como sujeito de direitos. Essa nova compreensão do princípio da humanização da pena – cotejada pelo reconhecimento do outro – busca então afastar da apreciação judicial juízos eminentemente morais, retributivos, exemplificantes ou correcionais, bem como considerações subjetivistas, passíveis de subversão discriminatória e retributiva. Busca ainda deslegitimar o manejo da execução como instru- mento de recuperação, reeducação, reintegração, ressocialização ou reforma dos indivíduos, típicos da ideologia tratamental positivista.38
38 ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: teoria crítica. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 32.
30
A humanidade da pena abrange todos os direitos e garantias fundamentais do
detento dispostos na legislação. Na Constituição da República este princípio tem
fundamento nos artigos 1º, III e 4º, II amparando o Estado Democrático de Direito.
O princípio em comento também é amparado nos tratados internacionais de
direitos humanos aderidos pelo Brasil como a Convenção Contra a Tortura e Outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes criada na Assembléia
Geral das Nações Unidas, em 10/12/1984 e ratificada pelo Brasil em 28/09/1989 e,
presente na Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, concluída em
Cartagena, na data de 09/12/1985, presidida pela OEA (Organização dos Estados
Americanos) e ratificada pelo Brasil em 20/07/1989.
6.3 OS DIREITOS DOS PRESOS E A LEI DE EXECUÇÃO PENAL
Os direitos dos detentos são elencados na Constituição da República e na Lei
de Execução Penal (Lei n. 7.210, de 1984).
A Constituição Federal em seu artigo 5º assegura alguns desses direitos dentre
eles; “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante”;39 “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”; “proibição das
penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, de caráter perpétuo; de trabalhos
forçados; de banimento e cruéis”; “é assegurado aos presos o respeito à integridade
física e moral”; “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”;
“o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu
interrogatório policial”; “conceder-se-á ‘habeas-corpus’ sempre que alguém sofrer ou
se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção,
por ilegalidade ou abuso de poder”; “o Estado indenizará o condenado por erro
judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.”40
39 CÉSPEDES, Livia; ROCHA, Fabiana Dias da. Vade mecum Saraiva. 23. ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 6. 40 Ibid., p. 8-9.
31
Por fim, a Lei de Execução Penal os seus incisos I a XVI do artigo 41, dispõe
sobre os direitos infraconstitucionais garantidos ao sentenciado no decorrer da
execução penal, são eles:
I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.41
Ademais, todos esses direitos assegurados pela legislação nacional também
são corroborados pelos tratados internacionais de direitos humanos.
41 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Portal do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acesso em: 20 set. 2017.
32
7 A CRISE DO SISTEMA CARCERÁRIO E A FALÊNCIA DA PENA DE PRISÃO
É de notório conhecimento o fato de que o sistema carcerário brasileiro, há
anos, encontra-se em crise. A execução da pena privativa de liberdade no cenário
brasileiro é extremamente precária em diversos aspectos tornando questionável a
validade deste tipo de sanção.
A prisão não vem cumprindo sua função retributiva, preventiva e
ressocializadora e ainda, muitas vezes, atua como um fator criminógeno.
É certo que muitas são as causas da crise do sistema, mas sem dúvidas o
principal fator é o paradoxo da reinserção do detendo na sociedade, após o
cumprimento da pena privativa de liberdade.
Nesse sentido René Ariel Dotti comenta:
A prisionalização é terapia de choque permanente, cuja natureza e extensão jamais poderiam autorizar a tese enfadonha de que constitui uma etapa para a liberdade, assim como se fosse possível sustentar o paradoxo de preparar alguém para disputar uma prova de corrida, amarrando a uma cama.42
Há também diversos outros grandes fatores relacionados a falência da pena de
prisão como o problema da infraestrutura dos estabelecimentos carcerários nacionais,
onde há superlotação de pessoas, ambientes insalubres e desumanos.
Bitencourt elenca, de modo geral, as demais deficiências prisionais como;
maus-tratos verbais e físicos (castigos sádicos, crueldades injustificadas e vários
métodos sutis de fazer o recluso sofrer sem incorrer em evidente violação do
ordenamento.); superpopulação carcerária, falta de higiene; condições deficientes de
trabalho, deficiência nos serviços médicos ou absoluta inexistência; assistência
psiquiátrica deficiente ou abusiva; regime alimentar deficiente; elevado índice de
consumo de drogas; reiterados abusos sexuais, os graves problemas de
homossexualismo e onanismo; ambiente propício à violência, pessoal técnico
42 DOTTI, René Ariel. Bases alternativas para o sistema de penas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 116.
33
despreparado, precariedade orçamentária e o alto custo da manutenção de um
detento.43
Todos estes problemas tornam a pena privativa de liberdade um castigo
desumano e afrontam direitos fundamentais do detento e, sobretudo, violam o
princípio da dignidade da pessoa humana garantido pela Constituição da República.
7.1 SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA
De início deve-se ressaltar que a superlotação carcerária é um dos maiores e
principais problemas da pena de prisão, da qual desencadeia uma série de
consequências desastrosas, como exemplo a proliferação de doenças infectológicas.
Este problema é uma violação escancarada dos direitos fundamentais do
detento e é um fator de risco não só para os presos, mas também para os funcionários
encarregados de sua vigilância, pois facilita rebeliões e fugas.
Segundo o levantamento de informações penitenciárias (Infopen) de junho de
2014, em todas as Unidades da Federação houve um crescimento da população
prisional em relação a cada cem mil habitantes. Contudo, em alguns entes, o ritmo de
encarceramento foi mais pronunciado.
Entre 2005 e 2014, a população prisional brasileira aumentou, em média, 66%,
enquanto, em alguns estados, mais do que dobrou: em Tocantins, aumentou 174%;
em Minas Gerais, 163%; no Espírito Santo, 130%; em Alagoas, 117%; na Bahia,
116%; no Amazonas, 103%.44
Desse modo, resta claro que a superpopulação carcerária desencadeia os
demais problemas presentes no cárcere e afronta os direitos fundamentais do ser
humano, pois os detentos ficam amontoados nas celas como se fossem objetos.
Contudo, este é um problema extremamente difícil de resolver, uma vez que,
não há políticas eficientes de controle da criminalidade e a pena de prisão não cumpre
sua função ressocializadora, portanto, o crescimento das pessoas encarceradas
43 BITENCOURT, 2010, p. 163. 44 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias INFOPEN – junho de 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infop en-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017.
34
apenas aumentará na medida em que todos os dias se aprisionam novos criminosos
e, os que saem da penitenciaria, para lá retornam cedo ou tarde.
Ainda, seria inviável a construção de novas penitenciarias necessárias para
suprir o déficit de vagas, não só por seu alto custo, mas também porque o número de
presos aumenta cada vez mais ao passar dos anos.
Nesse sentido Rogério Estrada Roig aduz:
Aliás, a construção ou ampliação de novos estabelecimentos penais não é a solução para o refreamento do quadro de superlotação, assim como a ampliação ou construção de mais e mais ruas não seria a solução para conter o excesso de tráfego. Seguindo tais orientações, faríamos do Brasil um país de vias e prisões.45
Por outro lado, Roig descreve um possível controle da população carcerária
com o método denominado numerus clausus, no qual os presos com penas ou
resíduos de pena de menor duração, deveriam ser destinados no número que excede
a capacidade do sistema penitenciário a medidas não encarceradoras, entre elas a
prisão domiciliar.46
Assim, ficaria destinada a pena privativa de liberdade apenas aos que
realmente necessitam dela e, consequentemente, as celas seriam esvaziadas.
Ante o exposto, conclui-se que de fato, o que existe de mais efetivo para o
problema em comento são as medidas alternativas à prisão e o direito penal mínimo.
7.2 REBELIÕES
Em contrapartida, como resultado da precariedade do sistema prisional e sua
superlotação ocorrem conflitos e rebeliões nas penitenciárias brasileiras e
consequentes mortes em massa, como maior exemplo o massacre ocorrido em 1992
no estado de São Paulo na penitenciaria do Carandiru.
45 ROIG, 2014, p. 89. 46 Ibid., p. 95.
35
Acontecimentos como estes que tem sido cada vez mais frequente em nosso
sistema carcerário. O site www.g1.globo.com, publicou uma reportagem no dia
16/01/2017, pelo qual relata que o início do ano de 2017 foi marcado rebeliões nas
penitenciarias dos estados do Amazonas, Roraima, São Paulo, Rio grande do Norte
e Paraná onde aproximadamente 133 detentos foram mortos dentro de 15 dias.47
Facções criminosas no interior das penitenciarias e a rivalidade entre elas
também contribuem para a eclosão de rebeliões. Fernando Salla em seu artigo “As
rebeliões nas prisões: novos significados a partir da experiência brasileira”, elenca três
diferentes causas das rebeliões nas prisões brasileiras de acordo com o período
histórico:
Pode-se sugerir que, no Brasil, as rebeliões sejam agrupadas em três grandes períodos. O primeiro deles abrange a história das prisões brasileiras até o início dos anos 80 do século XX. A característica principal das rebeliões que explodem neste longo período é a reação à precariedade das condições de encarceramento, envolvendo a alimentação, habitabilidade em geral, os maus-tratos. O segundo período compreende a década de 80 e culmina com o Massacre do Carandiru, na Casa de Detenção em São Paulo, em outubro de 1992, quando o País saía do regime autoritário, e a democratização provocava uma política de humanização dos presídios, que enfrentou forte resistência dentro das administrações penitenciárias e policiais. O terceiro período envolve os movimentos posteriores ao Massacre do Carandiru e que se estendem aos dias de hoje, fortemente marcados pela incapacidade ou omissão do Estado em gerenciar o sistema prisional de modo a conter a atuação de grupos criminosos. Esta classificação indica a prevalência de determinado tipo de rebelião, mas não exclui a ainda constante eclosão de movimentos que explodem, motivadas pelas precárias condições de encarceramento.48
Desse modo, com a transição do regime autoritarista para a democracia e com
a afirmação dos direitos fundamentais do homem, os detentos passaram a exigir que
seus direitos fossem respeitados e, com a resistência das administrações
penitenciárias, iniciaram-se as rebeliões. Mais recentemente iniciou-se a atuação de
grupos criminosos auxiliando nessas movimentações.
Drauzio Varella em seu livro As Prisioneiras, devida sua experiência de 13 anos
atuando como médico na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) conta o que
47 MORTES em presídios do país em 2017 já superam o massacre do Carandiru. Globo G1, 16 jan. 2017. Disponível em: <http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2017/01/mortes-em-presidios-do-pai s-em-2017-ja-superam-o-massacre-do-carandiru.html>. Acesso em: 04 nov. 2017. 48 SALLA, Fernando. As rebeliões nas prisões: novos significados a partir da experiência brasileira. Sociologias. Porto Alegre, ano 8, n.16, p. 274-307, jul/dez 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br /pdf/soc/n16/a11n16.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2017.
36
soube a respeito da criação da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC),
criado por 8 detentos saídos do regime de isolamento:
[...] Primeiro Comando da Capital, fundado com a intenção declarada de “combater a opressão dentro do sistema prisional paulista” e “vingar a morte dos 111 no massacre do Carandiru”, ocorrido no dia 2 de outubro de 19992.49
Diante disso conclui-se que as rebeliões afirmam a crise da pena de prisão
devido sua precariedade e inobservância do poder estatal.
7.3 REINCIDÊNCIA
Outro fator que demonstra a falência da pena de prisão é o alto índice de
reincidência criminosa dos reclusos que terminam de cumprir sua pena.
A respeito desse fator, Bitencourt assevera que essas elevadas taxas de
reincidência também indicam transformações dos valores que se produzem na
sociedade e na estrutura econômica:
[…] é forçoso concluir que as cifras de reincidência têm valor relativo. O índice de reincidência é um indicador insuficiente, visto que a recaída do delinquente produz-se não só́ pelo fato de a prisão ter fracassado, mas por contar com a contribuição de outros fatores pessoais e sociais. Os altos índices de reincidência também não podem levar à conclusão radical de que o sistema penal fracassou totalmente, a ponto de tornar-se necessária a extinção da prisão. Essas conclusões são o resultado de uma análise excessivamente esquemática e simplista.50
A reincidência criminosa do recluso não é resultado somente da falência da
pena privativa de liberdade, mas principalmente pelo fator social. O indivíduo regresso
do sistema prisional não é visto com bons olhos pela sociedade e jamais será
reconhecido e aceito.
49 VARELLA, Drauzio. Prisioneiras. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. p. 121. 50 BITENCOURT, 2010, p. 171.
37
Devido a isso encontra dificuldades em ressocializar-se, encontrar trabalho e
manter uma vida digna, motivos que o levam reingressar no mundo do crime, pois
nele sente-se reconhecido e visualiza resultado em suas ações.
Há também que levar em conta o cárcere como fator criminógeno, onde em vez
de conter a criminalidade a estimula, pois, a subcultura nela contida e suas
precariedades incentivam o ódio e a vingança e, consequente, encaminha os
apenados à reincidência. Bittencourt cita um exemplo ilustrativo apresentado por
Hibbert:
[…] fui enviado a uma instituição para jovens com a idade de 15 anos e saí dali com 16 convertido em um bom ladrão de bolsos — confessou um criminoso comum. Aos 16, fui enviado a um reformatório como batedor de carteiras e saí como ladrão [...]. Como ladrão, fui enviado a uma instituição total onde adquiri todas as características de um delinquente profissional, praticando desde então todo tipo de delitos que praticam os criminosos e fico esperando que a minha vida acabe como a de um criminoso.51
Ante o exposto, de certo modo a falência da pena de prisão contribui com a
reincidência e multireincidência dos apenados se for analisada em conjunto com os
fatores sociais e criminológicos gerados pelo encarceramento.
7.4 EFEITOS SOCIOLÓGICOS E PSICOLÓGICOS DO CÁRCERE
No momento em que o indivíduo é encarcerado ele ingressa em um novo
mundo totalmente diferente do qual está habituado. Esse é um dos pontos pelo qual
se questiona a validade da prisão e sua função ressocializadora, pois trata-se de um
ambiente hostil que na maioria dos casos apenas serve para absorver toda a vida do
recluso.
A inserção do condenado no sistema prisional acarreta um processo de
desculturação, retirando-o de seu meio social e seus costumes para o reinserir em
uma subcultura que o traz consequências psicológicas, sociais e culturais.
51 HIBBERT, CHRISTOPHER. Las raices del mal, 1975 apud BITENCOURT, 2010, p. 165.
38
Cezar Roberto Bitencourt, citando as palavras de Goffman compara a prisão
como uma instituição total. Nesse sentido:
Para o sociólogo americano, toda instituição absorve parte do tempo e do interesse de seus membros, proporcionando-lhes, de certa forma, um mundo particular, tendo sempre uma tendência absorvente. Quando essa tendência se exacerba encontramo-nos diante das chamadas instituições totais, como é o caso da prisão. A tendência absorvente ou totalizadora está simbolizada pelos obstáculos que se opõem à interação social com o exterior e ao êxodo de seus membros, que, geralmente, adquirem forma material: portas fechadas, muros aramados, alambrados, rios, bosques, pântanos, etc.52
No cárcere o detento depara-se com um cenário repleto de violência, cenas
grotescas de convívio social, a divisão de grupos, facções criminosas, o dever de
obediência aos infratores de maior periculosidade e com maior tempo de reclusão,
normas impostas pelo sistema penitenciário, e normas colocadas pelos próprios preso,
limite espacial extremamente reduzido dentro das celas, violação total a intimidade,
passa por humilhações é tratado como objeto pela burocracia administrativa.
Bitencourt assevera que esses aspectos negativos acima descritos
demonstram que a instituição total prisão é instrumento inadequado para obtenção de
algum efeito positivo sobre o recluso.53
Por outro lado, Bitencourt elenca 3 efeitos na vida do detento de caráter material,
psicológico e social.
Primeiramente o caráter material refere-se aos efeitos ocasionados na saúde
do apenado devido a deficiência infraestrutural do cárcere, a alimentação e higiene
precária. O caráter psicológico é ocasionado devido ao ambiente prisional, onde
mentiras cria um automatismo de astúcia e de dissimulação que origina os delitos
penitenciários, influenciando o recluso a aprendizagem no crime e formação de
associações delitivas.
Por fim sua consequência social pelo qual o detento encontra dificuldade e
reinserir-se em sociedade, pelo fato do isolamento sofrido, preconceito da sociedade
ou até mesmo incentivo de seus parceiros de cela para que o detento se mantenha
no mundo do crime.
52 GOFFMAN, Erving apud BITENCOURT, 2010, p. 171. 53 Ibid., p. 174.
39
7.5 LABELLING APPROACH
A Teoria do Etiquetamento ou Labelling Approach é fruto da criminologia crítica
e tem como um de seus principais representantes Howard Becker. Essa teoria estuda
a as noções de crime e criminoso através da conduta dos agentes etiquetados pela
sociedade.
Esta teoria explica o motivo do detento ter dificuldade em ressocializar-se.
Izanete de Mello Nobrega em seu artigo Labeling Approach - A Teoria do
Etiquetamento Social sintetiza:
Na teoria do labeling approach o enfoque da Criminologia muda e a pergunta passa a ser: por que algumas pessoas são rotuladas pela sociedade e outras não? A tese central desse paradigma é que o desvio e a criminalidade não são uma qualidade intrínseca da conduta e sim uma etiqueta atribuída a determinados indivíduos através de complexos processos de seleção, isto é, trata-se de um duplo processo de definição legal de crime associado a seleção que etiqueta um autor como criminoso. Em razão disso, ao invés de falar em criminalidade (prática de atos definidos como crime) deve-se falar em criminalização (ação operada pelo sistema e sustentada pela sociedade – senso comum punitivo – etiquetamento).54
Portanto esta teoria afirma que o que o criminoso é selecionado pelas
características do meio o qual está inserido, e não pela conduta criminosa, assim
mesmo que consiga sair do sistema prisional, sempre será etiquetado como
delinquente.
Carlos Roberto Bacila exemplifica quais são as consequências ocasionadas pelo Labelling Approach:
Primeiro a sociedade diz quem vai ser considerado ladrão (Drusila) e rotula tal pessoa, não obstante milhares de pessoas ao seu redor agirem da mesma forma e não serem etiquetados. É que Drusila causou reação social, enquanto outras não geram o mesmo impacto. Depois, Drusila é excluída de praticamente todo o convívio social que desfrutava. Ela não é aceita na vizinhança, na família e perde o emprego. O único meio comunitário que a acolhe pode levá-la também a uma vida conforme o novo estigma de ladra.55
54 NOBREGA, Izanete de Mello. Labeling Approach - A Teoria do Etiquetamento Social. Portal Jurídico Investidura. Florianópolis, 29 abr. 2009. Disponível em: <investidura.com.br/sobre-investidu ra/3368-labeling-approach-a-teoria-do-etiquetamento-socia>. Acesso em: 04 nov. 2017. 55 BACILA, Carlos Roberto. Criminologia e estigmas: um estudo sobre os preconceitos. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 32.
40
O autor relata que a sociedade e seu modo de etiquetar as pessoas como
delinquentes apenas aumenta a criminalidade, pois, aqueles que deste modo são
rotulados, jamais perderão esse estigma e nunca serão aceitos e reconhecidos em
seu meio social.
Ante o exposto, pode-se concluir que o labelling approach estigmatiza as
classes inferiores, mais pobres, ou seja, as classes superiores etiquetam as classes
inferiores fazendo a opressão de uns e a imunização de outros.
Fabio Fettuccia Cardoso em seu artigo O criminoso segundo a teoria do
"labelling approach" compara tipos previstos no código penal que evidenciam esta
opressão de classes.
Cardoso compara a pena dos artigos 155, (Furto) com pena de 1 a 4 anos56
e 129, (Lesão corporal) com a pena de 3 meses a um ano57 e conclui que a pena
máxima da lesão corporal equivale a pena mínima do crime de furto, ou seja, a
legislação brasileira atribui maior proteção ao patrimônio particular do que a
integridade física de uma pessoa humana.
Ainda ressalta o artigo 34 da Lei 9.249/95 que prevê a extinção da
punibilidade em crimes contra o sistema tributário caso o valor seja devolvido antes
do recebimento da denúncia.58
Por fim, como acima exposto, conclui-se que o etiquetamento é um dos
principais motivos pelo qual a função ressocializadora da pena não se concretiza e
evidencia que o sistema carcerário é utilizado apenas para a classe oprimida da atual
sociedade.
56 CÉSPEDES; ROCHA, 2017, p. 548. 57 Ibid., p. 546. 58 CARDOSO. Fabio Fettuccia. O criminoso segundo a teoria do "labelling approach". Jusbrasil. Disponível em: <https://fabiofettuccia.jusbrasil.com.br/artigos/175496748/o-criminoso-segundo-a-teori a-do-labelling-approach>. Acesso em: 10 mar. 2018.
41
8 MEDIDAS ALTERNATIVAS E PROPOSTAS DE SOLUÇÕES À PENA DE PRISÃO
8.1 PENAS ALTERNATIVAS À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
Como exposto anteriormente, a pena de prisão no Brasil encontra-se em uma
acentuada crise, de modo que o país necessita urgentemente de propostas para
solucionar o caos carcerário e recuperar a função social da pena de privativa de
liberdade.
Cada vez mais pairam dúvidas acerca da eficácia da prisão como pena e a
respeito de seu caráter reabilitador dos indivíduos que praticaram algum delito e,
essas questões, apenas fortalecem a ideia de que se deve priorizar as sanções e
medidas não privativas de liberdade.
As Regras de Tóquio, publicadas para difusão em todo o mundo, em
cumprimento a Resolução nº 45/110 da Assembléia Geral da ONU, realizada em 14
de dezembro de 1990, ditam uma série de princípios comprometidos com a promoção
e estímulo à aplicação, sempre que possível, de medidas não privativas de liberdade
e garantir que sejam aplicadas de maneira equitativa sem afrontar os direitos humanos.
A respeito das medidas alternativas à prisão comenta Edmundo Oliveira as
razões pelo qual se deve adotá-las:
As medidas não privativas de liberdade possuem, assim, a característica singular de permitir o controle da conduta do delinquente, ao mesmo tempo em que oferecem a oportunidade de melhorar o sentido da responsabilidade. Com a redução das possibilidades de reincidência, mediante a ajuda para os delinquentes se converterem em cidadãos responsáveis, toda sociedade se beneficia.59
Ainda cabe ressaltar que, as penas alternativas a prisão, são de menor valor
econômico para o Estado em comparação com o custo para manter um indivíduo
encarcerado.
59 OLIVEIRA, Edmundo. Política criminal e alternativas à prisão. 2. triagem. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 233.
42
Diante disso, nos últimos anos foram implantadas no ordenamento jurídico
penal brasileiro algumas penas alternativas para resolver problemas menos graves e
não levar indivíduos para prisão desnecessariamente.
8.1.1 Suspensão Condicional da Pena
A suspensão condicional da pena, também denominada sursis, é um instituto
que está regulado nos artigos 77 a 82 do Código Penal e tem como objetivo evitar que
o apenado chegue a cumprir a pena privativa de liberdade, caso sua condenação não
ultrapasse dois anos.60
Assim, antes do cumprimento da pena de prisão, o sentenciado passará por
um período de prova, no qual deverá cumprir uma série de condições impostas pelo
órgão julgador. Neste período a execução da pena privativa de liberdade ficará
suspensa até que se cumpra tais condições.
Renato Marcão assevera que o sursis passou a ser modalidade de execução
de pena por determinação da Lei 7.209/84 configurando natureza de pena efetiva.
Contudo, após a redação da Lei 9.714/98, também chamada de Lei das Penas
Alternativas tal instituto foi sendo menos utilizado por conta da mais frequente
aplicação das penas alternativas previstas na referida Lei.61
São quatro os tipos de Suspensão Condicional da Pena; sursis simples,
previsto no art. 77 do Código Penal; sursis especial, regulado no art. 78, §2º, do
Código Penal; sursis etário, quando a execução da pena privativa de liberdade, não
superior a quatro anos, poderá́ ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o
condenado seja maior de setenta anos de idade; e sursis humanitário ou por motivo
de saúde, que segue os mesmos parâmetros do sursis etário e é cabível quando
razões de saúde justificarem, estando ambos regulados no §2º do art. 77 do Código
Penal.62
A aplicabilidade deste instituto gera uma controvérsia doutrinária, no qual
alguns acreditam que concessão do sursis é faculdade do magistrado motivado pela
60 CÉSPEDES; ROCHA, 2017, p. 537. 61 MARCÃO, 2015, p. 287. 62 CÉSPEDES; ROCHA, op. cit., p. 537.
43
letra do caput do artigo 77 do Código Penal, enquanto também se fala que tal instituto
é um direito subjetivo do réu e deverá ser aplicado quando cumprido os requisitos
exigidos pela legislação.
Segundo Marcão o sursis são um direito subjetivo do sentenciado conforme
dispõe o artigo 157 da Lei de Execução Penal, na qual disciplina que o órgão julgador
deverá pronunciar-se, motivadamente sobre a suspensão condicional da pena, quer
a denegue ou conceda e, sua inobservância, acarretaria injusto constrangimento ao
status libertatis do condenando. Entendimento este que Marcão diz ser pacífico pelo
Supremo Tribunal Federal.63
8.1.2 Penas Restritivas de Direito
As Penas Restritivas de Direitos também consistem em alternativas de sanções
aos condenados à pena de prisão, objetivando a diminuição dos detentos no sistema
penitenciário e a inaplicabilidade da pena privativa de liberdade em casos menos
graves.
Rodrigo Estrada Roig faz sua crítica a respeito do tema:
Concebidas como meios de contenção da expansão penitenciária, as penas restritivas de direitos na prática não lograram reduzir a explosão encarceradora em nosso país. Pelo contrário: tiveram seu propósito desvirtuado para a ampliação da “malha penal”, trazendo para a esfera criminal fatos e condutas até então intangíveis. Como fruto desta ampliação da malha penal, sabe-se hoje que a aplicação de penas e medidas alternativas já superou o número de pessoas presas.64
O Código Penal em seu artigo 43 elenca as penas restritivas de direito, rol este
que foi ampliado com o advento da Lei nº 9.714/98, pelas quais são elas: 1) prestação
pecuniária; 2) perda de bens e valores; 3) prestação de serviço à comunidade ou a
63 MARCÃO, 2015, p. 288. 64 ROIG, 2014, p. 427.
44
entidades públicas; 4) interdição temporária de direitos; e 5) limitação de fim de
semana.65
Renato Marcão ainda ressalta que, na pena de prestação de outra natureza ou
pena inominada, considerada aquela regulada no §2º do artigo 45 do Código Penal,
em que, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária poderá ́consistir
em prestação de outra natureza.
Poderá ser substituída a pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos
caso coexistirem os seguintes requisitos de natureza objetiva e subjetiva, elencados
no artigo 44 e incisos do Código Penal:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. 66
Deste modo, a pena restritiva de direito, além de conceder uma segunda
chance para um delinquente primário, ainda contribui para a diminuição da população
carcerária dos presídios e delegacias, que funcionam em sua maior parte como um
fator criminógeno e não proporciona a ressocialização do condenado.
8.1.3 Alternativas Tecnológicas (Monitoramento Eletrônico)
A tecnologia é uma aliada das medidas alternativas de sanção penal e tem
mostrado sua eficácia a partir de sua implementação no sistema de execução de
penas brasileiro.
Com ajuda da tecnologia é possível fazer com que a pena restritiva de liberdade
cumpra suas funções sem colocar o detento recluso em uma cela, retirado de seu
65 BRASIL. Lei nº 9.714, de 25 de novembro de 1998. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal. Portal do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/L9714.htm>. Acesso em: 20 mar. 2018. 66 CÉSPEDES; RPCHA, 2017, p. 533.
45
meio social e sendo constantemente atingido em sua dignidade. Rogério Greco
explica:
O monitoramento eletrônico foi criado com a finalidade de fazer com que o condenado não fosse retirado, abruptamente, do seu meio social. Muitos dos seus direitos, como acontece com nossos filhos durante a sua correção, passam a ser limitados. No entanto, o convívio em sociedade ainda permanece. Não é dessocializado, mas sim educado a não praticar o ato que o levou a ter suspensos alguns desses direitos.67
O monitoramento eletrônico foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro pela
Lei nº 12.258/2010, em seu artigo 146-B, que alterou a redação da Lei de Execução
Penal (n. 7.210/1984).68
Contudo, esse monitoramento deve ser restrito a determinadas hipóteses
previstas na Lei de Execução Penal, artigos 146-B, II e IV que consistem em saída
temporária no regime semiaberto e na prisão domiciliar,69 mas também pode ser
utilizado em substituição às prisões cautelares como previsto no artigo 319, IX do
Código de Processo Penal.
Este instituto de controle eletrônico, elenca uma série de deveres e cuidados
que o apenado deverá adotar com o equipamento eletrônico em seu artigo 146-C,
como receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder
aos seus contatos e cumprir suas orientações; abster-se de remover, de violar, de
modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou
de permitir que outrem o faça.70
Caso não cumpra tais imposições a concessão do benefício poderá ser
revogada. Contudo, antes de ocorrer a revogação, deverá ser precedida de uma
67 GRECO, 2011, p. 385. 68 BRASIL. Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010. Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e a Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta pelo condenado nos casos em que especifica. Portal do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007 -2010/2010/lei/l12258.htm>. Acesso em: 20 jan. 2018. 69 BRASIL. Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010. Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e a Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta pelo condenado nos casos em que especifica. Portal do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007 -2010/2010/lei/l12258.htm>. Acesso em: 20 jan. 2018. 70 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Portal do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acesso em: 20 jan. 2018.
46
audiência de justificação, onde serão ouvidos o acusado, devidamente assistido pelo
seu defensor, e também o Ministério Público como disciplinado pelo parágrafo único
do art. 146-C da Lei de Execução Penal.
Ainda o monitoramento é utilizado quando não há vagas em estabelecimento
penal adequado, pois o detendo não pode cumprir pena em regime mais gravoso
devido a superlotação dos estabelecimentos prisionais.
Nesse sentido é o entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça:
PENAL. EXECUÇÃO PENAL. REGIME SEMIABERTO. INEXISTÊNCIA DE VAGAS EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL COMPATÍVEL. REGIME MAIS GRAVOSO. IMPOSSIBILIDADE. PRISÃO DOMICILIAR COM MONITORAMENTO ELETRÔNICO AUTORIZADA EXCEPCIONALMENTE. A falta de vaga em estabelecimento compatível com o regime imposto permite, excepcionalmente, que o apenado seja autorizado a permanecer em regime mais benéfico (ou até mesmo em regime de prisão domiciliar). O que não se admite, em hipótese alguma, é submetê-lo a regime mais rigoroso do que aquele ao qual faz jus. Situação que autoriza a permanência em regime aberto ou em prisão domiciliar até que surja vaga no regime adequado. (Precedentes). Agravo regimental desprovido.71
Assim, verifica-se que o monitoramento eletrônico pode ser a pena restritiva de
liberdade do futuro e, como aponta Rogério Greco, a tendência do monitoramento
eletrônico é ficar mais imperceptível por outras pessoas, como um microchip
subcutâneo que já é uma realidade.72
Portanto, em resumo, se pode concluir que, com o avanço tecnológico cada
vez mais acentuado, a monitoração eletrônica ganha terreno, consolidando-se como
uma eficiente medida substitutiva ao sistema prisional tradicional.
71 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Penal. Execução Penal. Regime Semiaberto. Inexistência De Vagas Em Estabelecimento Prisional Compatível. Regime Mais Gravoso. Impossibilidade. Prisão Domiciliar Com Monitoramento Eletrônico Autorizada Excepcionalmente. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1503573 RS 2014/0343198-4. Relator: Ministro Feliz Fischer. Data de Julgamento: 20 abr. 2015. Jusbrasil. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19605 2670/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1503573-rs-2014-0343198-4?ref=juris-tab s>. Acesso em: 20 jan. 2018. 72 GRECO. Rogério. Monitoramento eletrônico. Jusbrasil. Disponível em: <https://rogeriogreco.jusbra sil.com.br/artigos/121819870/monitoramento-eletronico>. Acesso em: 13 mar. 2018.
47
8.1.4 Mediação Penal e Justiça Restaurativa
A Justiça Restaurativa e a Mediação Penal, surge para a construção de um
novo paradigma de justiça penal efetivando o Estado Democrático de Direito por meio
da dignidade da pessoa humana, do acesso à justiça, do exercício da cidadania entre
outros princípios constitucionais.
Greco cita a finalidade da mediação penal com as palavras de Maria Pilar
Sanchez Alvarez, que consiste em “oferecer um espaço de diálogo, de encontro de
pessoas afetadas por um mesmo fato, no qual intervém uma terceira pessoa: o
mediador.”73
O site do CNJ (conselho nacional de Justiça) publicou uma matéria a respeito
da justiça restaurativa no Brasil, que se encontra em funcionamento há mais de 10
anos.
Nesta matéria o Juiz Asiel Henrique de Sousa, do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e Territórios (TJDFT) explica o conceito desta prática e apresenta alguns bons
resultados:
Justiça Restaurativa é um processo colaborativo voltado para resolução de um conflito caracterizado como crime, que envolve a participação maior do infrator e da vítima. Surgiu no exterior, na cultura anglo-saxã. As primeiras experiências vieram do Canadá e da Nova Zelândia e ganharam relevância em várias partes do mundo. […] A mediação vítima-ofensor consiste basicamente em colocá-los em um mesmo ambiente guardado de segurança jurídica e física, com o objetivo de que se busque ali acordo que implique a resolução de outras dimensões do problema que não apenas a punição, como, por exemplo, a reparação de danos emocionais.74
Portanto, esse processo tem o viés na autonomia da vontade das partes que
estão envolvidas em algum conflito e que não buscam tão somente a punição do autor
do problema, mas algo além ou fora desse propósito.
Em muitos casos, a vítima do crime cometido pelo autor não quer seu
encarceramento ou punição como satisfação de uma vontade de vingança, mas tão
73 SÁNCHEZ ÁLVAREZ, Maria Pilar. Mediación penal comunitaria: desde dónde y hacia dónde, apud GRECO, 2011, p. 25. 74 CARVALHO, Luiza de. Justiça Restaurativa: o que é e como funciona. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62272-justica-restaurativa-o-que-e-e-como-funciona%3E>. Acesso em: 12 nov. 2017.
48
somente a reparação dos danos causados pelo autor ou, ainda, um pedido de
desculpas.
Cabe ressaltar também que o mediador tem participação essencial na
mediação penal no qual fica encarregado de usar diversas técnicas e recursos,
tentando facilitar a difícil interação entre o ofensor e a vítima, demonstrando sempre,
os efeitos restaurativos do processo e garantindo a segurança física e emocional das
partes. Também deve demonstrar que não está ali para atuar como juiz, não sendo
de sua competência realizar qualquer tipo de julgamento.75
A mediação penal, como não necessariamente e, muitas vezes, as partes não
apresentavam algum vínculo prévio, algumas etapas devem ser seguidas que são
explicadas por Rafael Rinaldi da Cruz em seu artigo Mediação no Direito Penal:
A primeira etapa consiste em uma triagem para saber os casos que teriam uma
possibilidade de aplicação da mediação e um potencial de resolutividade.
Segundo passo seria uma pré–mediação pela qual a equipe mediadora toma
conhecimento do caso e dos envolvidos. As partes, se aceitarem participar do
processo, devem comparecer em encontros conjuntos, onde será esclarecido a eles
as vantagens do processo, suas limitações, o seu procedimento e o interesse de cada
um. O mediador, sentindo necessidade, poderá indicar a realização de reuniões
privadas com as partes.
A terceira fase forma-se pela efetiva participação das partes que devem
apresentar propostas para a solução do problema. Propostas também podem ser
elaboradas pelo mediador desde que não seja de forma parcial.
A quarta fase acontece quando ambas as partes analisarem as propostas e
concordarem em solucionar o conflito.
Por fim, deve haver um monitoramento de tudo o que foi trabalhado e acordado
na mediação, eis que ela não revoga o princípio da inafastabilidade da jurisdição,
podendo as partes legitimadas questionar o acordo restaurativo em juízo.76
A Mediação Penal proporcionaria uma maior participação da sociedade nas
resoluções de conflitos, descarregando a máquina judiciária longe do formalismo
penal como explica Rogério Greco:
75 CRUZ. Rafael Rinaldi da. Mediação no Direito Penal. Jusbrasil. Disponível em: <https://rafaelrinald i5.jusbrasil.com.br/artigos/394031608/mediacao-no-direito-penal>. Acesso em: 13 mar. 2018. 76 CRUZ. Rafael Rinaldi da. Mediação no Direito Penal. Jusbrasil. Disponível em: <https://rafaelrinald i5.jusbrasil.com.br/artigos/394031608/mediacao-no-direito-penal>. Acesso em: 13 mar. 2018.
49
A proposta da Justiça restaurativa que se propõe, agora diz respeito ao fato de permitir que a sociedade, leiga, sem rituais ou processos formais, possa, ela própria, por intermédio de representantes eleitos, resolver os conflitos penais que surgirem em determinadas regiões previamente delimitadas.77
Ainda o autor propõe uma justiça restaurativa informal, na qual poderia ser
usada em infrações penais de menor potencial ofensivo, delimitadas por regiões ou
bairros onde as pessoas têm mais facilidade em conhecer umas às outras.
Deste modo, a Justiça Restaurativa e a Mediação Penal poderiam desafogar
os processos do judiciário e proporcionar maior participação da comunidade em seus
conflitos, fazendo com que eles mesmos os resolvessem, mesmo que de forma
mediada por um terceiro.
8.2 AUMENTO DAS OPÇÕES DE TRABALHO E ESTUDO NOS PRESÍDIOS
O estudo e o trabalho não são apenas direitos e deveres do preso ou modo
de remição de pena, mas também os meios mais eficazes para sua ressocialização.
O trabalho do recluso é um direito e dever do preso com previsão legal nos
artigos 28, 39, V e41, II da Lei de Execução Penal.
Entretanto os investimentos do Estado nessas áreas são precários. Segundo
os dados levantados pelo Infopen no ano de 2014 constatou-se que apenas 16% da
população prisional do país trabalha e, entre as pessoas que trabalham, apenas três
em cada dez, aproximadamente, exercem atividade fora do estabelecimento
prisional.78
Ainda, como é apontado na obra Direito de Execução Penal, coordenada por
Luiz Regis Prado, mesmo os detentos que conseguem trabalhar enquanto encontram-
se presos, não encontraram a função ressocializadora e educativa da pena, eis que
este trabalho oferecido pelos estabelecimentos penais não representam uma
possibilidade de garantir o próprio sustento quando for garantida sua liberdade.
77 GRECO, 2011, p. 368. 78 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias INFOPEN – junho de 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infop en-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2018.
50
Do mesmo modo o direito a assistência educacional, com fulcro no artigo 17
da Lei de Execução Penal, no qual prevê o aprimoramento e formação profissional
dos presos e internados, os dados do ano de 2014 Infopen demonstram que apenas
10% da população carcerária realiza atividade educacional no país.79
Cabe ressaltar que foi instituído no ano de 2011 o Plano Estratégico De
Educação No Âmbito Do Sistema Prisional (PEESP) que será coordenado e
executado pela União através dos Ministérios da Justiça e Educação e, conforme
estabelece seus artigos 1º e 2º terá a finalidade de ampliar e qualificar a oferta de
educação nos estabelecimentos penais e contemplará a educação básica na
modalidade de educação de jovens e adultos, a educação profissional e tecnológica,
e a educação superior.
Pode-se afirmar que, para que seja eficaz os planos e artigos de lei que
disciplinam o estudo e trabalho do preso, deve haver maior investimento econômico
do Estado para que esses direitos não sejam apenas de alguns aprisionados, mas
incentive e mostre aos detentos que a pena cumprirá com sua função social e não
será meramente retributiva.
8.3 APACS
Nos últimos anos, foi implementado em algumas regiões brasileiras, uma
instituição diferenciada para execução da pena privativa de liberdade, as chamadas
APACs (Associações de Proteção e Assistência aos Condenados), que apresenta
uma metodologia diferenciada das penitenciárias comuns e vem mostrando-se
totalmente eficaz para a ressocialização do detento.
A APAC é uma entidade civil de direito privado, com personalidade jurídica
própria, criada em 1972, na cidade de São José dos Campos - SP, através de um
grupo de voluntários cristãos, sob a liderança do advogado e jornalista Dr. Mário
Ottoboni com objetivo de prestar auxílio à recuperação e à reintegração social dos
condenados a penas privativas de liberdade.
79 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias INFOPEN – junho de 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infop en-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2018.
51
Atualmente existem aproximadamente 150 APACs em todo Brasil que buscam
a humanização do cumprimento das penas privativas de liberdade e deverão prever,
obrigatoriamente, em seus Estatutos, a adoção da Metodologia APAC, cuja aplicação
é aprovada e fiscalizada pela Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados
(FBAC).
A instituição depende da participação da sociedade para seu funcionamento,
pois é mantida financeiramente por meio de contribuições de sócios, promoções
sociais, de doações de pessoas físicas, jurídicas e entidades religiosas, de parcerias
e convênios com o Poder Público, instituições educacionais e outras entidades, da
captação de recursos em fundações, institutos e organizações não governamentais e
também da comercialização dos produtos das oficinas profissionalizantes.80
Essa ajuda financeira é fundamentada no artigo 4º da Lei de Execução Penal
que estabelece: “o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas
atividades de execução da pena e da medida de segurança.”81
Os pilares que fundamentam o método APAC são a participação da
comunidade, a participação ativa do recuperando, o trabalho, a religião, a assistência
jurídica e à saúde, a valorização humana, a família, o voluntariado e sua formação, o
Centro de Reintegração Social e o mérito.
O artigo de Ana Paula Faria no site www.ambito-juridico.com.br elenca alguns
dados estatísticos demonstram o sucesso da instituição em comento. Afirma que o
custo de cada preso para o Estado corresponde a quatro salários-mínimos, enquanto,
na APAC, o custo de um recuperando é o valor de um salário e meio. O índice nacional
de pessoas que voltam a praticar crimes é de aproximadamente 85%, já na instituição
APAC corresponde a 8,62%.82
Portanto, verifica-se que a implantação das APACs se mostra extremamente
vantajosa ao Estado tanto pelo seu baixo valor de custo, quanto pela sua eficácia na
ressocialização do detento.
80 BAYS. Ingrid. APAC: alternativa à execução penal. Canal Ciências Criminais, 23 nov. 2015. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/apac-alternativa-a-execucao-penal/>. Acesso em: 10 fev. 2018. 81 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Portal do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acesso em: 10 fev. 2018. 82 FARIA. Ana Paula. APAC: um modelo de humanização do sistema penitenciário. Âmbito Jurídico. Rio Grande, ano XIV, n. 87, abr. 2011. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.ph p?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9296>. Acesso em: 24 ago. 2017.
52
O site o Oglobo.com publicou uma matéria em 22/01/2017 discorrendo sobre o
funcionamento da APAC de Porecatu/MG onde encontram-se 114 recuperandos.
Afirmam que desde os 10 anos de funcionamento da instituição não houve
registro de motins ou rebeliões e que o novo modelo de gestão prisional tem
conseguido cerca de 60% de recuperação dos presos com penas de até 38 anos por
homicídio, estupro, tráfico, roubo, estelionato ou associação criminosa.
Narram ainda que o estabelecimento onde funciona a APAC consiste em um
prédio moderno construído e mantido pelos próprios presos, sem policiais armados,
onde os detentos são responsáveis pela segurança um dos outros e trabalham para
garantir renda, ajudar a família ou cobrir pequenas despesas na prisão.
Os recuperandos também são livres para circular no local, sem trancas e celas
independente da pena ou da gravidade do crime cometido.
A matéria assevera que os corredores do prédio da instituição são impecáveis
e, as paredes pintadas de azul e branco, tem a tinta renovada pelos presos a cada
ano.
Em cada cela ou dormitório, que fica com os cadeados e grades sempre
abertos, cabem nove detentos que cuidam da limpeza e organização. Relatam que
para estimular a organização, a cela mais organizada do mês ganha um troféu.83
Deste modo vislumbra-se um dos ideais mais importantes do método APAC; o
mérito do recuperando, pelo qual visa incentivá-lo a exercer com dedicação suas
atribuições e ajudar em um dos requisitos subjetivos para progressão de pena.
Para controle do mérito do recuperando foi criada uma Comissão Técnica de
Classificação (CTC) composta por profissionais ligados à metodologia para avaliar a
necessidade de cada um dos recuperandos, mantendo um relatório denominado
Quadro de Avaliação Disciplinar84 de cada um, o qual consta todas as atividades
realizadas, por exemplo, cursos, sanções disciplinares, saídas temporárias.85
Ainda, ressalta-se que um dos aspectos importantes da metodologia APAC é a
religião e espiritualidade, na qual a rotina de atividades da instituição é permeada por
vários momentos de oração e reflexão religiosa, contudo, sem imposição de credos.
83 LIMA. Marília. Presídio em Minas adota novo modelo e consegue recuperar 60% dos presos. O Globo, 22 jan. 2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/presidio-em-minas-adota-novo-modelo-consegue-recuperar-60-dos-presos-20806983#ixzz58QrE0MaB>. Acesso em: 28 fev. 2018. 84 Anexos C e D. 85 GENIPAPEIRO. Fernando Padilha. A humanização da pena e a ressocialização do condenado: um estudo sobre a Apac. 47f. Monografia (Graduação) – Curso Direito, Faculdade de Direito da Universidade de Itaúna, Itaúna, 2017. p. 22.
53
A religião não é só uma das assistências fornecidas para o recuperando, mas
também um dever estabelecido no termo de compromisso dos reclusos em regime
fechado, termo este que o recuperando é obrigado a aderir, como se observa no artigo
70, inciso XX do Regulamento Disciplinar da APACs.86
Todo o conjunto de normas dentro da instituição e seu caráter assistencialista
em relação ao detento colaboram para sua recuperação e, também demonstram que,
o cumprimento de pena privativa de liberdade pode ocasionar em uma nova
oportunidade de vida.
O 8º Congresso Internacional das Associações de Proteção e Assistência aos
Condenados (APAC), trouxe alguns dados estáticos a respeito da eficiência do
referido sistema:
A metodologia APAC aplica 12 passos, que devem ser rigorosamente seguidos para o alcance dos resultados. Dos 139 presos já liberados na Comarca de Barracão, desde 2012, 137 não voltaram a praticar crimes. Em média o índice de ressocialização chega a 90%, número bastante expressivo se comparado ao índice de 20% do modelo tradicional. Outro fator que mostra a vantagem desse sistema é o baixo custo por preso. Enquanto em uma penitenciária o custo é de cerca de quatro salários mínimos, na APAC a despesa é de apenas um salário por detento.87
Não obstante, é questionável a eficácia desse sistema para reclusos de alta
periculosidade que tenham cometidos vários crimes graves. A respeito dessa questão
Waldeci Antonio Ferreira, diretor da APAC de Itaúna Minas Gerais conta uma de suas
experiências:
[...] foi num sábado à tarde. Ele chegava transferido da detenção em São Paulo e quando ele adentrou o presídio da Humaitá, em São José do campos, na APAC mãe, houve uma reação inusitada por parte de todos os recuperandos que ali se encontravam , dado que eles o conheciam de antemão e sabiam do seu rol de crimes e todos diziam quase que a uma voz
86 Anexo E. 87 JUÍZA representa TJ-PR no 8º Congresso Internacional das APACs. Portal do Tribunal de Justiça do Paraná, 18 jul. 2017. Disponível em: <https://www.tjpr.jus.br/home?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0& p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_returnToFullPageURL=%2F&_101_assetEntryId=11460593&_101_type=content&_101_groupId=18319&_101_urlTitle=juiza-representa-tj-pr-no-8-congresso-internacional-dasapacs&_101_redirect= https%3A%2F%2Fwww.tjpr.jus.br%2Fhome%3Fp_p_id%3D3%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dmaximized%26p_p_mode%3Dview%26_3_groupId%3D0%26_3_keywords%3Dapacs%26_3_struts_action%3D%252Fsearch%252Fsearch%26_3_redirect%3D%252F&inheritRedirect=true.>. Acesso em: 12 nov. 17.
54
só: “Este não tem recuperação”, tamanha era a lista de crimes cometidos, fora e dentro do presídio por onde ele havia passado. Todos acreditavam que mesmo a Apac, que já tinha uma experiência de 20 anos em recuperação de presidiários, se encontravam agora diante de um grande desafio. Também nós, voluntários, tecíamos aquela mesma indagação: “será possível a recuperação deste homem?” O tempo passou e depois de um ou dois anos de trabalhos efetivos com aquele condenado, fui pego de surpresa quando, numa tarde, entrei na cela de enfermaria, onde nós tínhamos vários doentes, um dos quais em estado terminal de Aids. A minha surpresa foi maior ao perceber que aquele brutamontes, aquele marginal, aquele bandido estava dando banho naquele doente terminal de Aids. À distância fiquei observando as suas mãos e me perguntava: “Como seria possível que as mesmas mãos que foram capazes de tirar a vida, tantas vidas, agora eram capazes de, numa ternura quase que materna, cuidar de um irmão que estava morrendo atrás das grades.”88
Deste modo, por meio desta experiência e tantas outras, Ferreira conclui que
todo homem é recuperável, desde que seja submetido a um tratamento adequado que
seja efetivo para sua reabilitação.
Em verdade, o método utilizado pelas APAC não é algo inovador, mas tão
somente realiza o que se encontra previsto na Constituição Federal e demais
estatutos legais que regulam o cumprimento da pena privativa de liberdade no Brasil,
respeitando o princípio da dignidade da pessoa humana e a função ressocializadora
da pena.
Diante disso, é certo que, atualmente, este modelo de instituição representa
uma possível solução para o cenário prisional brasileiro, pelo qual tem mostrado sua
eficácia, principalmente na ressocialização do egresso do sistema prisional.
88 SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA E DE DIREITOS HUMANOS. Anais do Seminário Internacional: o sistema penitenciário brasileiro e o trabalho do preso/recuperando: dilemas, alternativas e perspectivas. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2002. p. 69.
55
9 REINTEGRAÇÃO SOCIAL E O PAPEL DA COMUNIDADE
Por fim, seria em vão toda e qualquer política criminal ou tentativa de melhora
no sistema de aplicação de penas no cenário nacional, se não houver significativa
participação da sociedade na reintegração do detento no quadro social.
De nada adiantaria um sistema penitenciário humanitário, que cumpre com as
funções da pena, sem que, ao retornar a sociedade, o indivíduo não consiga
ressocializar-se, por falta de empregos ou preconceitos em relação a sua situação de
regresso do sistema prisional.
Existe em nosso ordenamento jurídico o instituto da reabilitação, previsto no
artigo 93 do Código Penal, pelo qual assegura o condenado o sigilo sobre os registros
sobre seu processo e condenação, com seus requisitos e critério de revogação
previstos nos artigos subsequentes.
Entretanto, Roig explica que este instituto se encontra em desuso, por força do
disposto no art. 202 da LEP:
Com o emprego do art. 202 da LEP é desnecessária a reabilitação para se assegurar o sigilo dos registros sobre o processo e condenação. Assim, atualmente, o único e raro efeito prático da reabilitação é o de garantir o retorno da habilitação para dirigir veículo, quando este é utilizado como meio para a prática de crime doloso.89
A reabilitação é um dos modos que regresso do sistema prisional tem de
ressocializar-se por meio do chamado “direito ao esquecimento”, também explica Roig:
O sigilo da folha corrida, atestados ou certidões após o cumprimento ou extinção da pena é consectário do chamado “direito ao esquecimento” – direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no que tange a fatos de natureza criminal, admitido no direito estrangeiro e perfeitamente aplicável em nosso ordenamento, com fulcro no fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e na inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem (art. 5º, X, da CF).90
89 ROIG, 2014, p. 424. 90 ROIG, loc. cit.
56
Doutro giro, a ressocialização do condenado não se limita apenas ao trabalho
que o condenado possa adquirir após o cumprimento de sua pena, mas também seria
imprescindível acompanhamento psicológico e assistência social até sua completa
reabilitação em sociedade.
Rogério Greco assevera:
Ademais, não somente a imposição do trabalho tem essa finalidade ressocializadora. O que queremos, na verdade, não é despertar a consciência do condenado no sentido de que, quando em liberdade, não volte a delinquir? Assim, mesmo que não aprenda nenhum ofício durante o cumprimento de sua pena, devem, obrigatoriamente, ser ministrados cursos no sentido de mostrar ao condenado os malefícios do crime, fazendo com que valorize sua liberdade. Desta forma, a atuação dos profissionais da área de psicologia será de fundamental importância para que os condenados entendam que a pior escolha é a prática do crime. Por mais que sua vida extramuros seja dura, a dureza do cárcere será ainda maior.91
Sendo assim, chega-se à conclusão que ainda existem alternativas para o
sistema carcerário brasileiro, sendo a maioria delas previstas na própria legislação.
Na realidade, o que falta é o comprometimento da sociedade, para que sejam postas
em prática ações que procurem reduzir os níveis de violência e auxiliem na
recuperação do apenado, para que todas as funções da pena, inclusive a
ressocializadora, sejam cumpridas.
91 GRECO, 2011.
57
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A elaboração da presente pesquisa possibilitou visualizar a evolução da prisão
como pena e suas principais funções, assim passou-se a analisar os principais
motivos de sua falência e não eficiência.
Foi possível constatar que a pena privativa de liberdade no cenário nacional
não produz efeitos positivos no apenado e não cumpre com suas funções de impelir
o crime e reabilitar o recluso no meio de que foi retirado, mas ao contrário, nota-se no
cárcere altos índices de reincidência, caráter criminógeno, local violento que facilita
rebeliões, causa diversos problemas psicológicos e sociológicos no apenado e, ainda
possui alto valor econômico.
Isto porque a pena de prisão no Brasil é utilizada de maneira desmedida e
afronta cruelmente os direitos humanos e fundamentais do preso, motivo pelo qual
não cumpre com sua função retributiva, preventiva e ressocializadora.
Diante disso, neste trabalho de conclusão de curso foi estudado medidas
alternativas e propostas de soluções que eventualmente possam melhorar a situação
carcerária brasileira.
Foram abordadas as penas alternativas a prisão: a suspensão condicional da
pena, penas restritivas de direitos e o monitoramento eletrônico. Apesar de serem
excelentes formas de selecionar o encarceramento e, conseqüentemente, diminuir a
superlotação dos presídios, essas penas alternativas apenas podem ser aplicadas aos
indivíduos que não apresentem alta periculosidade e tenham praticado crimes de
baixa gravidade.
Deste modo passou-se a analisar a proposta mais vantajosa de solução para a
pena privativa de liberdade já existente em território nacional, a criação das chamadas
APACS (Associações de Proteção e Assistência aos Condenados).
Essa instituição é a forma mais eficaz de pena de prisão existente, com uma
metodologia baseada na participação da comunidade, a participação ativa do
recuperando, o trabalho, a religião, a assistência jurídica e à saúde, a valorização
humana, a família, o voluntariado e sua formação, o Centro de Reintegração Social e
o mérito.
Instituição que além de ser mais vantajosa economicamente para o Estado é
eficiente nas funções da pena, onde visa a recuperação do condenado, sua
58
ressocialização por meio da valorização humana e efetiva aplicação dos direitos
fundamentais do preso.
Conclui-se, portanto, que a melhor proposta de solução para a crise no sistema
carcerário é tão somente a aplicação e cumprimento dos direitos fundamentais do
preso para que a pena não seja uma punição desumana que, ao invés de recuperar o
recluso, fomenta sentimentos ruins, a criminalidade e faz com que o apenado seja
etiquetado como um criminoso e que nunca mais será digno de trabalhar e viver em
sociedade por conta de seu passado.
59
REFERÊNCIAS
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MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
MORTES em presídios do país em 2017 já superam o massacre do Carandiru. Globo G1, 16 jan. 2017. Disponível em: <http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2 017/01/mortes-em-presidios-do-pais-em-2017-ja-superam-o-massacre-do-carandiru. html>.
NOBREGA, Izanete de Mello. Labeling Approach - A Teoria do Etiquetamento Social. Portal Jurídico Investidura. Florianópolis, 29 abr. 2009. Disponível em: <investidur a.com.br/sobre-investidura/3368-labeling-approach-a-teoria-do-etiquetamento-socia>.
NUCCI, Guilherme de Souza. Direitos humanos versus segurança pública. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
62
OLIVEIRA, Edmundo. Política criminal e alternativas à prisão. 2. triagem. Rio de Janeiro: Forense, 1997. PACELLI, Eugenio; CALLEGARI, André Luís. Manual de direito penal: parte geral. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2016.
PINHEIRO. Anna Flávia Ribeiro. Estudo e análise da evolução histórica do direito de punir e a Execução das Penas no Brasil. Âmbito Jurídico. Rio Grande, ano XX, n. 161, jun. 2017. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/thu mb.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18960&revista_caderno=22>.
PRADO, Luiz Regis. Curso De Direito Penal Brasileiro: parte geral, arts. 1.° a 120, vol 1, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: teoria crítica. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
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VARELLA, Drauzio. Prisioneiras. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
63
ANEXOS
64
ANEXO A – População, taxas e vagas
92
92Disponível em <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/documentos/infopen_dez14.pdf>
65
ANEXO B – Evolução da população prisional no Brasil
93
93Disponível em <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/documentos/infopen_dez14.pdf>
66
ANEXO C – Distribuição percentual de pessoas envolvidas em atividades de
ensino formal, por nível de ensino
94
94Disponível em <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/documentos/infopen_dez14.pdf>
67
ANEXO D – Pessoas envolvidas em atividades laborterápicas no sistema
prisional
95
95Disponível em <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/documentos/infopen_dez14.pdf>
68
ANEXO E - Regulamento Disciplinar dos Centros de Reintegração Social Dr.
Franz de Castro Holzwarth
96
96 Disponível em <https://www.dropbox.com/sh/7epj02ditiaobua/AABMe3sMpk0bJGGdE49Bz6hVa/Administrativo?dl=0&preview=Regulamento+Disciplinar.pdf>
69
ANEXO F – APAC97
97 FOTOGRAFIA. Disponível em: <http://psdb-mg.org.br/sitenovo/wp-content/uploads/2016/04/apac.jp g>.
70
ANEXO G – APAC ITAÚNA-MG98
98 ALVES, Isabela Banduk; MIJARES, Julia Marangoni. Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) - Conexão Local. FGV Pesquisa. Minas Gerais, 30 ago. 2014. Disponível em: <h ttp://gvpesquisa.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/conexao-local/relatorio_conexao_local_apac.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2018.
71
ANEXO H – APAC ITAÚNA FEMININA99
99 ALVES, Isabela Banduk; MIJARES, Julia Marangoni. Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) - Conexão Local. FGV Pesquisa. Minas Gerais, 30 ago. 2014. Disponível em: <h ttp://gvpesquisa.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/conexao-local/relatorio_conexao_local_apac.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2018.