UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA
E CINCIAS DA RELIGIO
GENILDO PROVIN
LIBERTAO NAS TRILHAS DA JUSTIA:
Estudo histrico e hermenutico de Isaas 42,1-4.
SO BERNARDO DO CAMPO
2008
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GENILDO PROVIN
LIBERTAO NAS TRILHAS DA JUSTIA:
Estudo histrico e hermenutico de Isaas 42,1-4
Dissertao apresentada em cumprimento
s exigncias do Programa de Ps-
Graduao em Cincias da Religio da
Faculdade de Filosofia e Cincias da
Religio da Universidade Metodista de So
Paulo, para obteno do grau de Mestre.
rea de concentrao: literatura e religio
no mundo bblico.
Orientao: Prof. Dr. Milton Schwantes.
SO BERNARDO DO CAMPO
2008
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DEDICATRIA
Dedico este meu trabalho aos meus professores e a Provncia Franciscana da Imaculada
Conceio do Brasil a qual fao parte, ao povo angolano quem me ensinou o caminho
da partilha e da solidariedade nos momentos difceis da vida. Dizer obrigado seria
pouco, prefiro dizer: que serei eternamente grato. Pela compresso e dedicao. Eu amo
vocs!
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AGRADECIMENTOS
Provncia Franciscana da Imaculada Conceio do Brasil.
Fraternidade So Francisco de Assis do Largo So Francisco.
Ao professor Milton Schwantes que alm de um orientador de alta competncia e
confiana, foi um grande amigo que me possibilitou realizar este trabalho.
Aos meus amigos e aos colegas de sala e o professor Renatus Potah.
Aos meus pais j falecidos, irmos e irms.
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LIBERTAO NAS TRILHAS DA JUSTIA:
Estudo histrico e hermenutico de Isaas 42,1-4.
GENILDO PROVIN
UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS DA RELIGIO.
MESTRADO EM CINCIA DA RELIGIO
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo propor um estudo do cntico do escravo de Jav
em Isaas 42,1-4. Jav apresenta uma nova liderana, com um novo jeito de pensar e de
agir para reconstruir um mundo novo baseado no direito e na solidariedade. uma
tarefa desafiadora para mim e ao mesmo tempo uma alegria em poder compartilhar com
os meus amigos o contedo de um texto do Antigo Testamento. Afinal, o cntico do
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escravo de Jav uma fonte inesgotvel de sabedoria. Saciou o povo judata exilado a
de dois mil e quinhentos anos atrs e continua jorrando gua viva at em nossos dias
matando a sede de todos aqueles e aquelas que lutam pela justia.
Os versos escolhidos so frutos de uma experincia de vida concreta dos exilados
desacreditados por todos no cativeiro da Babilnia. No fundo uma crtica aos falsos
deuses criados pelos poderosos para justificar um sistema de opresso.
A criatividade do profeta est em retomar os eventos histricos que marcaram a vida do
povo exilado e atualiz-los dentro de um novo contexto histrico. Isto demonstra sua
agilidade no conhecimento. Cada palavra pensada dentro de um contexto maior
envolvendo a vida e a histria. O profeta um sbio poeta, que fala de Deus como
ningum falou antes. Utiliza smbolos, imagens e metforas que apontam para um
mundo novo que ainda no existe, onde reinar o direito, a justia e a paz.
Essa mudana acontecer a partir da misso que a liderana eleita desempenhar junto
do povo oprimido e injustiado. O lder ser como o fermento na massa para a nova
sociedade, baseada na igualdade e na partilha. O esprito de Jav estar agindo sobre ele
para que ele no desanime da misso e que ela possa alcanar o seu objetivo. Essa nova
liderana eleita por Jav agir discretamente em silncio entre os pobres e
enfraquecidos. A misso beneficiar primeiramente s naes. Aqueles e aquelas que
vivem em terras estrangeiras como migrantes. Depois contemplar de modo especial os
pobres que esto correndo risco de vida, cana rachada e pavio vacilante e por fim a
misso atingir todos os povos da terra. Essa perspectiva traduz a vontade de Deus que
a salvao de toda a humanidade.
PALAVRAS CHAVES:
Opresso, Liderana, Direito, Misso, Solidariedade, Igualdade, Liberdade e Partilha.
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Estudo histrico e hermenutico de Isaas 42,1-4.
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RESUMEN
El presente tabajo tiene como objetivo proponer un estdio del cntico del
esclavo de Yav em Isaas 42, 1-4. Yav presenta un nuevo liderazgo, com un nuevo
modo de pensar y de actuar para a construir un mundo nuevo basado en el derecho y en
la solidariedad. Es una tarea dasafiante para mi y, el mismo tiempo, una alegra de poder
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compartir com mis amigos el contenido de um texto de Antiguo Testamento. Al final, el
cntico del esclavo de Jav es una fuente inagotable de sabidura. Saci el pueblo
judaico exilado hace dos mil e quinientos aos atrs y contina forjando gua viva hasta
nestros dias, matando la sed de todos aquellos y aquellas que lucham por la justicia. Los
versos escogidos son fruto de una experiencia de vida concreta de los exilados
desacreditados por todos en el cautiveiro da Babilnia. En el fondo es una crtica a los
falsos deuses creados por los poderosos para justificar un sistema de opresin.
La creatividad del profeta est en retomar los eventos histricos que marcaron
lada del pueblo exilado y los actualiza dentro de un nuevo constexto histrico. Esto
demuestra su agilidad en el conocimento. Cada palavra es pensada dentro de un
contexto mayor, envolviendo la vida y la historia. El profeta es un sbio poeta, que
habla de Dios como nadie habl antes. Utiliza smbolos, imgenes y metforas que
apuntam para un mundo que, todavia no existe, donde reinar el derecho, la justia y la
paz.
Ese cambio suceder a partir de la misin que ese lder desempear junto al
pueblo oprimido e injusticiado. El lder ser como el fermento em la masa para la nueva
sociedad, baseadaa en la igualdad y en la fraternidad. El esprito de Javv estar
actuando sobre l para que l no se desanime de la misin y que ella puede alcanzar su
objetivo. Ese nuevo lder elegido por Yav actuar discretamente en silencio entre los
pobres y enflaquecidos. La misin beneficiar primeiramente a las naciones. Aquelles y
aquellas que viven em tierras extranjeras como migrantes. Despus, contemplar de
modo especial los pobres que estn corriendo riesgo de vida, cana rajada y mecha
vacilante y, por fin, la misin llegar a todos los pueblos de la tierra. Esa perspectiva
traduce la voluntad de Dios que la salvacin de toda la humanidad.
PALAVRAS CLAVE:
Misin, Lederazgo, Derecho, Solidariedad, Igualdad, Liberdad, Socializacin,
Opressin.
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MESTRADO EM CINCIA DA RELIGIO
ABSTRACT
This research has as a purpose to suggest of study for the Servant Song of Yahweh in
Isaiah 42:1-4. Yahweh introduces a new leadership, with a new way of thinking and
acting in order to rebuild a new world established in the right and solidarity. Is it a
challenging work for me, and at the same time a joy to be able to share with my friends
Formatado: Justificado
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the of an Old Testament text. After all, the Yahwehs servant song is an inexhaustible
source of wisdom. It satisfied the Jewish people at twenty-five hundred years ago and
keeps on until no flowing living water in order to satisfy everybody who fights for
justice.
The chosen verses are the result of a real life experience by everyone exiled in
Babylons slavery. In essence it is a criticism to the false gods created by the powerful
ones justify an oppressive system.
The creativeness of the prophet is to recover the historical events that stigmatized the
life of the exiled people and bring them up to date in a new historical context. That
shows his cleverness in wisdom. Every word is thought in a bigger context that includes
life and history. The prophet is a wise poet, who speaks of God as no one has ever
spoken. He uses symbols, images and metaphors that point out a coming world, where
will prevail the right, justice and peace.
This change will happen starting from the mission that this leadership will accomplish
With the oppressed and mistreated ones, The leader will be like the yeast that acts in the
cooking mixture to leaven a new society based upon equality and sharing. The spirit of
Yahweh will be acting upon him so se persist in the mission and may achieve his
purpose. This new leadership elect by Yahweh quietly will work among the poor and
the weak ones. The mission formerly will be fulfilled in behalf of the nations. Of those
who live wandering in foreign lands. The, in a special way will benefit the poor who
live at stake, the bruised reed and smoldering wick, and last the mission will fulfill
every people on earth. This view depicts the will of God that is the deliverance to all
mankind.
KAY WORDS:
Oppression, Leadership, Mission, Rights, Solidarity, Equality, Sharing, Liberty.
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Sumrio
INTRODUO.
1.CONTEXTO HISTRICO EM QUE SURGIU O DUTERO-ISAAS.
1.1 O fim da Assria.......................................................................... ....... .... 27
1.2 Ascenso da Babilnia....................................................................... .... 28
1.3 Jud e a luta pela independncia............................................................ 28
1.4 Primeira deportao para a Babilnia...................................................... 30
1.5 Segunda deportao para Babilnia......................................................... 31
1.6 Situao dos exilados na Babilnia......................................................... 32
1.7 Organizao social e poltica do imprio babilnico........................ ...... 34
1.8 Situao religiosa dos exilados na Babilnia......................................... . 36
1.9 O livro do Dutero-Isaas......................................................................... 40
1.10 Estrutura do livro do Dutero-Isaas...................................................... 42
2. ANLISE LITERRIA DE ISIAS 42,1-4.................................................... 44
2.1 Traduo e critica textual.......................................................................... 46
2.1.1 Traduo................................................................................................ 46
2.1.2 Crtica textual......................................................................................... 47
2.2 FORMA.............................................................................................. ....... 50
2.2.1 Delimitao em relao unidade anterior...................................... ...... 51
2.2.2 Delimitao em relao unidade posterior............................... ... . 51
2.2.3 Coeso interna........................................................................... .... .. 54
2.2.4 Subdivises internas............................................................................. 56
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13
2.3 ESTILO.................................................................................................. 58
2. 3.1 Primeira estrofe (Is 42,1)................................................................ 58
2.3.2 Segunda estrofe Is 42,2-4................................................................ 60
2.3.3 Terceira estrofe Is 42,4b-4............................................................... 64
2.4 GNERO LITERRIO.............................................................................. 66
2.5 LUGAR...................................................................................................... 68
2.6 AUTORIA.................................................................................................... 71
2.7 CONTDO................................................................................................ 73
2.7.1 Apresentao do lder`eBeD e sua misso Primeira estrofe, v.1....... 73
2.7.2 Novo modo de agir do`eBeD - Segunda estrofe, v.2-4........................ 93
2.7.3. Perspectivas da misso - Terceira estrofe v.4b-4c............................. 107
3. PERSPECTIVAS HERMENUTICAS........................................................ 112
3.1 Jav habita entre os pobres........................................................... ....... 112
3.2 Direito para os gentios............................................................................ 119
3.3 Novo jeito de fazer sair o direito............................................................ 123
3.4 Todos os povos sero contemplados na misso do`eBeD.. .... ............... 127
3.5 Novo fermento na massa........................................................................... 138
CONCLUSO.................................................................................................... 132
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................. 136
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14
INTRODUO
Quem l a obra dutero-isainica logo percebe que o autor um poeta utpico,
que se encanta com os acontecimentos da histria, tirando deles uma lio de vida. Sua
mensagem seduziu e continua seduzindo aqueles e aquelas que acreditam numa
sociedade solidria, alicerada na igualdade, no direito e na paz.
Os fascinantes cnticos do `eBeD de Jav desafiaram e continuam desafiando os
pesquisadores de Antigo Testamento. Em homenagem ao este autor do Dutero-Isaas,
considerado o maior profeta e o melhor poeta de Israel,[1] que lutou pela libertao dos
judatas exilados na Babilnia, dedico a poesia Vozes dfrica de Castro Alves. Foi
um modo que encontrei para mostrar que o sonho pela libertao continua vivo no
corao do povo de Deus.
Deus! Deus! onde ests que no respondes?!
Em que mundo, em questrela tu tesconde,
Embuado nos cus?
H dois mil anos que te mandei um grito,
Que embalde, desde ento corre o infinito...
Onde ests, Senhor Deus?!...
Qual Prometeu tu me amarraste um dia
Do deserto na rubra pendia,
Infinito: gal!...
Por abutre - me deste o sol candente!
[1] Luis Alonso Schkel e Jos Luis Sicre Diaz, Profetas I, So Paulo, Paulinas, 1988, p.269 (679p.).
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15
E a terra de Suez - foi a corrente
Que me ligaste ao p...
O cavalo estafado do Beduno
Sob a vergasta tomba ressupino,
E morre no areal.
Minha garupa sangra, a dor poreja,
Quando o chicote de simoun dardeja
O teu brao eternal.
Minhas irms so belas, so ditosas...
Dorme a sia nas sombras voluptuosas
Dos harns do Sulto.
Ou no dorso dos brancos elefantes
Embala-se coberta de brilhantes
Nas plagas do Indosto.
Por tenda - em os cimos do Himalaia...
Ganges amoroso beija a praia
Coberta de corais...
A brisa de Misora o cu inflama;
E ela dorme nos templos do Deus Brama,
Pagodes colossais...
A Europa sempre a Europa, a gloriosa!...
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16
A mulher deslumbrante e caprichosa,
Rainha e cortes.
Artista - corta o mrmor de Carrara;
Poetisa - tange os hinos de Ferrara,
No glorioso af!...
Sempre a lurea lhe cabe um letgio ...
Ora uma coroa, ora o barrete frgio
Enflora-lhe a cerviz.
Universo aps ela - doido amante
Segue cativo o passo delirante
Da grande meretriz.
Mas eu, Senhor! ...Eu triste, abandonada,
Em das areias esgarrada,
Perdida marcho em vo!
Se choro ... bebe o pranto a areia ardente!
Talvez... pra que meu pranto, meu Deus clemente!
No descubras o cho!...
E nem tenho uma sombra de floresta...
Para cobrir-me nem um templo resta
No solo abrasador...
Quando subo s pirmides do Egito,
Embalde aos quatro cantos dos cus chorando grito:
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17
Abriga-me, Senhor!...
Como o profeta em cinzas fronte envolve,
Velo a cabea no areal, a que volve
O siroco feroz...
Quando passo no Saara amortalhada...
Ai! Dizem: L vai frica embuada
No seu branco albornoz...
Nem vem que o deserto meu sudrio,
Que o silncio campeia solitrio,
Por sobre o peito meu.
L no solo, onde o cardo apenas medra,
Boceja a Esfinge colossal da pedra
Fitando o morno cu.
De Tebas nas colunas derrocadas
As cegonhas espiam debruadas
O horizonte sem fim...
Onde branqueia a caravana errante,
E o camelo montono, arquejante,
Que desce de Efraim...
No basta ainda de dor, Deus terrvel?!...
, pois, teu peito eterno, inexaurvel
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18
De vingana e rancor?...
E o que que eu fiz, meu Senhor? Que torvo crime
Eu cometi jamais, que assim me oprime
Teu gldio vingador?!
Foi depois do dilvio... Um viandante,
Negro, sombrio, plido, arquejante,
Descia do Arar...
E eu disse ao peregrino fulminado:
Caim! .... sers meu esposo bem-amado...
- Serei tua Elo...
Desde este dia o vento da desgraa
Por meus cabelos, ululando, passa
O antema cruel.
As tribos eram no areal nas vagas,
E o Nmade faminto corta as plagas
No rpido corcel.
Vi a cincia desertar do Egito
Vi meu povo seguir Judeu maldito
Trilho da perdio.
Depois vi minha prole desgraada,
Pelas garras dEuropa arrebatada,
Amestrado falco!...
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19
Cristo! embalde morreste sobre o monte...
Teu sangue no lavou minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje so, por fado adverso,
Meus filhos - alimria do universo,
Eu pasto universal...
Hoje em meu sangue a Amrica se nutre:
- Condor, que transforma-se em abutre,
Ave da escurido.
Ela juntou-se s mais...irm traidora!
Qual de Jos os vis irmos, outrora,
Vendem seu irmo!
Basta, Senhor! De teu potente brao
Role atravs dos astros e do espao
Perdo pra os crimes meus!
H dois mil anos ... eu soluo um grito...
Escuta meu brado l no infinito ...
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!!...[2]
[2] Castro Alves, Vozes dfrica, So Paulo, 11 de junho de 1868.
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20
Castro Alves sonhou e lutou pelo fim da escravido no Brasil. Teoricamente
aconteceu, mas na prtica, o pobre principalmente, o negro, continua sendo explorado e
marginalizado. Para o profeta do Dutero-Isaas, h um caminho a percorrer, um sonho
para concretizar e um povo para libertar. Na poesia dedicada frica, Castro Alves
clama a Deus perdo por tanto sofrimento. O Dutero-Isaas em seus poemas expressa
sentimentos de amor e f ao Deus Jav, o libertador. Numa linguagem potica, recheada
de imagens, smbolos e metforas, o profeta entusiasmado mistura a histria com a
poesia para dizer que Jav escolheu o pobre escravo, marginalizado, para desempenhar
a misso e fazer surgir um mundo mais humano, baseado no direito, na justia e na
igualdade.
Depois de dez anos de experincia com os deslocados de guerra em terras angolanas,
onde vivi os horrores de uma guerra civil, que durou mais de trs dcadas, regressei
para o Brasil com um sonho de estudar a Bblia, e depois, retornar para a Angola, dando
continuidade ao projeto de formao de lideranas. Mas o que tem a ver o povo
angolano e brasileiro com o povo do cativeiro, escravizado, de onde surgiu o Dutero-
Isaas? Vamos ver como a vida acontece.
Depois de vinte anos de trabalhos na lavoura, despertou em mim o sonho de ser
franciscano. Abandonei a terra e outros bens que j eram meus e me lancei nesta
aventura. Foram de doze anos de caminhada, antes de ingressar definitivamente na
Ordem dos Frades Menores. Em 1994, embarquei para Angola com a misso de
trabalhar com os deslocados de guerra. Atravessei o Atlntico com um sonho na mala:
colaborar e caminhar com um povo dilacerado pela guerra, fruto da ganncia e ambio
de lderes polticos.
Parti do Rio de Janeiro, com um atraso de um dia e meio, na noite de 22 de
setembro de 1994. O avio antigo e superlotado estava longe do hangar. Embarquei com
o corao batendo forte. O medo misturava-se com a escurido e o barulho das turbinas.
Quando o avio entrou na pista e que as turbinas foram aceleradas, o barulho das
latarias era tanto, que parecia que o avio se desmontava por completo. No havia mais
nada por fazer a no ser pedir pela proteo divina. Amanheceu o dia sobre o mar; o sol
despontou num horizonte bem distante, fazendo um rastro sobre as guas. Sem demora,
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21
avistamos a terra: era Angola, a cidade de Luanda. Que alvio, que alegria! Uma
paisagem estranha nas mediaes do aeroporto, tanques de guerra, policiais e militares
armados por todos os lados. Eram sete horas da manh. Desembarcamos e caminhamos
aproximadamente cem metros at o aeroporto. Quando entramos, no havia iluminao
nas salas de atendimento. Na escurido e sem sinalizao, misturavam-se os nativos
com os estrangeiros em total confuso. Depois de longa espera, as malas foram
liberadas.
No salo do aeroporto, um irmo de congregao estava nossa espera.
Cansados, cheios de sono, mas no desanimados. Comeamos o dia, viajando de carro
em direo ao Sul do pas. Beirando o mar, seguimos para uma regio desrtica e
quente. Depois de um dia de viagem, paramos num lugar chamado Sumbe. Sem ter
onde ficar, procuramos abrigo numa casa. Para dormir, dividimos dois quartos em cinco
pessoas, mas os mosquitos e o calor nos perturbaram a noite toda.
No dia seguinte, retomamos o caminho para Kibala. Por volta do meio-dia nos
deparamos com uma ponte destruda. Sem condies de avanar de carro, o jeito foi
cruzarmos o rio com as malas nas costas, e esperar que algum pudesse nos buscar. Ao
entardecer, um carro socorreu-nos. Finalmente, chegvamos Kibala, o lugar indicado.
Depois do jantar, me informaram que o meu lugar no era aquele. Eu teria que regressar
pelo mesmo caminho at Luanda e depois seguir mais quinhentos quilmetros para o
norte para chegar Malanje. Descansei um dia e retomei o caminho de volta. Chegando
em Luanda, esperei uma semana, para poder embarcar para Malanje.
Um caminho perigoso, minado, cheio de controles militares e guerrilheiros. Em
cada um deles tnhamos que parar e dar gorjetas para poder continuar. Havia cemitrios
de carcaas de caminhes e carros queimados, ao longo de toda a estrada. Foram dois
dias de viagem at chegar a Katepa, bairro perifrico de Malanje.
Quando l chegamos, encontramos uma cidade abandonada, um monte de
runas; uma desordem total. Externamente, a casa tinha boa aparncia, mas por dentro
era um entulho s. Coisas espalhadas por todas os cantos. Os alimentos para no serem
roubados estavam escondidos sob tetos falsos. No havia gua; a luz era de vela ou
candeeiro a querosene. Para cozer os alimentos, no havia gs e a lenha era escassa. O
povo caminhava mais de dez quilmetros para buscar lenha em lugares de risco. Havia
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22
feridos, mutilados, rfos e famintos por toda parte. Os que tinham condies
financeiras fugiram do pas. A casa localizava-se na linha vermelha entre os
guerrilheiros e os militares. Facilitava o dilogo com ambas as partes, mas vivamos
tambm no meio de fogo cruzado, o tempo todo. Os assaltos e ataques ao centro eram
constantes. A maioria dos acantonados pertenciam aos guerrilheiros que lutavam contra
o Governo.
A situao era complexa e a insegurana, total. Na luta pela sobrevivncia, valia
a lei da selva. A explorao do povo pelos militares e guerrilheiros no tinha limites. A
instabilidade era tanta que em cada momento tnhamos que redimensionar as atividades:
da alimentao, educao, sade e outros.
Contudo, duas questes me intrigavam: como organizar um povo marcado pelo
dio, vingana, sofrimento, analfabetismo, sem destruir os valores culturais de cada
tribo, tendo como base a dimenso religiosa do cristianismo? Qual o caminho para
estabelecer uma interao entre a mensagem crist e as expresses culturais de cada
tribo? As respostas iam alm das minhas foras. Tratava-se de questes que
necessitavam ser dinamizadas a cada instante, dentro de uma nova situao, para
discernir os rumos, sem ferir ningum.
Eu vi um povo morrendo de fome. Vi crianas oferecidas pelas mes, para no
v-las morrer; vi jovens se suicidando por uma raiz de mandioca; vi gente saindo de
casa noite, correndo risco de vida, em busca de alimentos; vi pais sendo assassinados
brutalmente pelos prprios filhos por causa de feitiaria. Em Cangandala, onde havia
uma grande concentrao de deslocados de guerra. Vi um povo que, por causa da fome,
no tinha mais foras para ficar em p: ficavam deitados pelo cho sem camas,
reduzidos a pele e osso. Os jovens mutilavam-se a si mesmos para no ingressar no
servio militar. Mulheres e jovens eram levadas pelos militares para satisfazer seus
prazeres e carregar armas e munies. Adolescentes eram tiradas fora de suas
famlias para servirem de prostitutas para os militares.
Como se tudo isto no bastasse, a guerra eliminou os lderes, tradicionais
representantes e defensores do povo. Vi lderes sendo mortos em praa pblica por
terem defendido o seu povo. Com a morte dos lderes, disperso e desorganizao
tomaram conta do povo. As lideranas populares tinham a funo de juzes,
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administradores, bibliotecas ambulantes entre as tribos. O desaparecimento delas
empobreceu a vida das aldeias. No lugar delas o estado colocou outras lideranas que
concordavam em explorar o povo para sustentar os militares. O desnimo e a violncia
tomaram conta da vida do povo e ningum mais se animava a trabalhar.
O desafio maior era a superar a fome. No tinha como fugir dela. Por todos os lados
havia gente pedindo comida. Num cho totalmente minado, o povo no tinha como se
locomover. Cada passo fora do lugar era um risco de vida. Ver o dia amanhecer j era
uma vitria.
Outro desafio era como formar novas lideranas numa situao de guerra e
perseguio militar. Depois de um tempo, com a desminagem de algumas reas,
organizamos trabalhos comunitrios na agricultura, com a participao de voluntrios,
centro de nutrio, alfabetizao e sade. Mas um povo sem liderana um barco sem
direo: corre o risco o tempo todo, e dificilmente chega ao destino certo. O
individualismo tomou conta da situao. Cada um fazia o que bem entendia. Os
problemas aumentavam; distavanciavam-se as solues. Mes presenciavam seus filhos
e maridos lutando uns contra os outros, como inimigos.
Nos acantonamentos misturava-se o povo sem distino. Havia doentes, mutilados,
crianas rfs, velhos e mulheres. O que nos salvavam eram as mulheres; elas eram
muito corajosas; no se omitiam no trabalho e na luta pela vida. Os trabalhos
comunitrios foram integrando o povo indistintamente. Com o apoio das ONGs e o
esforo de cada um a vida voltou a brilhar nos olhos das pessoas. Buscamos caminhar
na formao de lideranas, valorizando cada passo com as suas diferenas.
Acrescentvamos os valores ticos, morais e religiosos, que eram comuns a todos, na
esperana da reconciliao.
O bom nesta situao era a solidariedade dos pobres. Quem no sabia fazer uma
coisa, fazia outra. Quem no sabia cozinhar, buscava gua ou lenha. Quem no sabia
construir, buscava o capim. Quem no podia caminhar, tranava esteiras para dormir.
As mulheres, todas sabiam trabalhar na roa, no pilo para triturar o milho, e cozinhar.
Os homens que tinham condies faziam tijolos; outros, construam abrigos que
serviam para acolher crianas rfs e velhos.
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A participao nos trabalhos comunitrios criou um esprito de solidariedade e
confiana; abriu caminhos e possibilitou o surgimento de uma vida fraterna e solidria
entre as tribos. A alegria foi tomando conta da gente. Cada dia crescia o interesse e mais
gente se integrava para ajudar nos trabalhos.
No comeo foi difcil, o individualismo e o dio travavam o trabalho, pois,
ningum queria ceder. Mas a fora da unio fez as barreiras deixaram de existir. As
mulheres, que antes eram rivais, uniram-se aos projetos e descobriram que eram capazes
de vencer. Elas, que sempre foram discriminadas e marginalizadas pela sociedade,
organizaram-se, em torno dos trabalhos do campo, alimentao, educao e sade das
crianas.
Com o passar do tempo, foram surgindo novas lideranas, e com elas uma
reflexo da situao; despertava-se para a confiana e para a esperana. Foram, assim,
dez anos de caminhada e dedicao. Em 2002, com o fim da guerra, o cenrio mudou.
Os deslocados comearam a regressar para suas terras. O sonho virou realidade e, com
ela, um novo desafio para as lideranas: recomear tudo. Esta experincia foi
determinante para que me motivasse a escolher o cntico do escravo sofredor de Jav de
Isaas 42,1-4 para este estudo.
Assim situados, vamos ingressar no trabalho propriamente dito que ser
desenvolvido dentro do seguinte plano:
a) O primeiro captulo apresentar o contexto de onde surgiu o Dutero-Isaas.
Num breve rastreamento histrico, partindo dos assrios que se projetaram
internacionalmente como potncia e depois a Babilnia que destruiu Jerusalm deportou
os judatas ara o exlio. Neste mesmo captulo, apresentar algumas informaes sobre a
situao dos judatas exilados na Babilnia. Conclumos o primeiro captulo falando do
livro do Dutero-Isaas, sua descoberta, a localizao na Bblia, sua importncia e
estrutura.
b) O segundo captulo apresentar a anlise exegtica do texto de Isaas 42,1-4.
De incio faremos a traduo interlinear do texto hebraico; em seguida, a critica textual,
dentro da qual averiguaremos as possveis alteraes que o texto poder ter sofrido no
percurso da transmisso. Depois, prosseguiremos com o estudo da forma literria, estilo
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e gnero. No final deste bloco, apresentaremos uma opinio sobre a autoria do livro e o
lugar de seu surgimento. Quase como ltima parte deste mesmo captulo estudaremos o
contedo, utilizando o resultado da exegese. O texto foi organizado em estrofes, que
sero analisadas, frase por frase, com a ajuda de dicionrios, gramticas e concordncias
bblicas.
c) O terceiro captulo apresentar as perspectivas hermenuticas. Ser feita uma
releitura dos resultados alcanados pela exegese do captulo dois, olhando o contexto do
captulo um e refundindo a mensagem do cntico do escravo no contexto atual.
Concluiremos com algumas consideraes e a bibliografia.
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1. CONTEXTO HISTRICO DO SURGIMENTO DO DUTERO-ISAAS
A profecia do Dutero-Isaas surgiu no final do exlio da Babilnia, por volta
dos anos 553-539 a.C. Para melhor entendermos o exlio da Babilnia, preciso voltar
ao incio do sculo 6 a.C.. Este perodo foi marcado por grandes reviravoltas na vida do
povo judata. A Babilnia assumiu a herana da Assria, no domnio do Antigo Oriente
Prximo e colocou em segundo plano todas as outras potncias orientais, maiores e
menores. A cidade da Babilnia tornou-se um smbolo de poder, construda com
enorme luxo e esplendor, considerada a capital do mundo, centro de irradiao para os
pases do Oriente Prximo.[3]
O exlio na Babilnia comeou a ser preparado pelos assrios por volta do sculo
8 a.C. O desfecho final aconteceu no incio do sculo 6, com a deportao dos judatas
e a destruio de Jerusalm. Nos meados do sculo 8 a.C., a Assria se projetou
internacionalmente como uma potncia militar. Seu objetivo era dominar a partir da
fora militar. A partir de ento j no interessava mais aos assrios a conquista dos
territrios, mas a incorporao definitiva ao estado assrio. O imprio comandava um
grande exrcito permanente, temidos por todos pela extrema rapidez e eficcia que
combatia com carros de guerra e cavalaria. As tropas assrias foram durante sculos o
pavor dos povos do Oriente Antigo.[4]
Os pases subjugados pelas foras assrias tornavam-se vassalos, perdiam a
liberdade poltica e eram obrigados a pagar tributos regularmente. Qualquer ameaa de
revolta contra a Assria era rechaada com retaliaes. Jud conseguiu sobreviver por
um sculo e meio opresso da Assria. A Babilnia mantinha um relacionamento de
amizade com a Assria, por ser ela um elemento de insegurana; isto impedia a sua
incorporao no sistema provincial assrio. A Babilnia no pode ser medida com os
mesmos critrios das outras regies fora da Assria. Os assrios reconheciam a realeza
[3] Herbert Donner, Histria de Israel e dos povos vizinhos, Petrpolis, Vozes/Sinodal, vol.2, 2000, p.410 (535p.). [4] Herbert Donner, Histria de Israel e dos povos vizinhos, p.338-339.
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da Babilnia e ela conservou um status especial. Os motivos certos para isso so
desconhecidos.[5]
Em 732 a.C., o exrcito assrio sob o comando de Teglate-Falasar ocupou as
cidades porturias do Mediterrneo e conquistou Damasco. Em 722, anexou Samaria.
Com isso, reino do norte, Israel deixou de existir. Em 701, a Assria destroou Jud e
quase conquistou Jerusalm. Depois de ter colocado a Palestina sob o seu controle,
rumou para o Egito. Conquistou-o nos primeiros decnios do 7 sculo. Com isso, os
assrios tornaram-se senhores do mundo at ento conhecido. O imprio atingiu seu
auge de dominao internacional na primeira metade do 7 sculo.[6]
1.1 O fim da Assria
O imprio assrio em seu apogeu trazia dentro de si o germe de sua falncia. A
conquista do Egito foi comparada como a euforia de sua morte.[7] Por mais temidos que
fossem seus exrcitos, no conseguiram evitar seu desmoronamento do imprio.
Revoltas e lutas estouravam por todas as partes. O golpe decisivo veio do Egito. Sob o
comando de Neco II, ele foi o primeiro a reagir. Em 616, reconquistou sua
independncia, expulsando os assrios das terras frteis junto ao rio Nilo. Alm de
expulsar os invasores, vai ao seu encalo at o rio Eufrates. Os egpcios no aceitam a
hegemonia assria na Palestina. A presena egpcia na Palestina na metade do 7 e 6
sculo fundamental para compreender a deportao de Jud para a Babilnia.[8]
Os egpcios e os babilnios contestaram a dominao assria. Os babilnios
ocuparam as regies ao sul da Mesopotmia, reas frteis entre os rios Eufrates e Tigris.
Aos poucos, o Egito e a Babilnia juntos foram corroendo a dominao assria em duas
[5] Herbert Donner, Histria de Israel e dos povos vizinhos, p.340-341. [6] Miton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio Histria e teologia do povo de Deus no sculo 6 a.C., So Paulo, Paulinas/Sinodal, 1987, p.20. [7] Herbert Donner, Histria de Israel e dos povos vizinhos, p.346. [8] Milton Schwantes. Sofrimento e esperana no exlio Histria e teologia do povo de Deus no sculo 6 a.C., p.20.
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frentes. A Assria sucumbiu a esta dupla contestao. Nnive foi ltima resistncia dos
assrios. Foi feita em runas em 612.[9] Assim o imprio assrio chegou ao fim.
1.2 Ascenso da Babilnia
Na segunda metade do 7 sculo, quando o imprio assrio entrou em
decadncia, comeou a despontar no horizonte internacional a Babilnia. O rei
Nabopolasar alicerou e definiu os rumos da poltica interna e externa da Babilnia. Foi
um grande construtor e restaurador de templos para os deuses Shamash e Marduk. Seu
filho Nabucodonosor herdou o trono de seu pai. Sob ele o Oriente Antigo fez-se
babilnico e a cidade da Babilnia tornou-se o centro do mundo conhecido de ento.[10]
Na derrocada do imprio assrio, os egpcios e os babilnios foram aliados. Mas,
quando se tratou de definir quem assumiria o comando poltico internacional, os dois
entraram como candidatos para a sucesso. Os dois queriam o controle dos territrios
que anteriormente pertenciam Assria. A Palestina que estava situada entre as duas
potncias, entrou na lista da disputa. Nesta disputa, a Babilnia se imps, mas nunca
conseguiu conquistar o Egito. Este se manteve como autnomo, uma ameaa constante
para a Babilnia.[11]
1.3 Jud e a luta pela independncia
Desde a primeira metade do 7 sculo, Jud viveu sob o regime dos Manasss
(2Reis 21,1-18). Foi mais de meio sculo de opresso, poca do auge da dominao
assria. O regime de Manasss reflete a opresso internacional. Derramou muitssimo
sangue inocente, a ponto de encher Jerusalm de um extremo a outro (2Reis 21,16).
Com a interveno do povo da terra (2Reis 21,24), pe-se um fim no regime
de Manasss. Entroniza-se Josias por volta de 640, um menino de oito anos de idade,
[9] Milton Schwantes. Sofrimento e esperana no exlio Histria e teologia do povo de Deus no sculo 6 a.C., p.20. [10] Herbert Donner, Histria de Israel e dos povos vizinhos, p.414. [11] Milton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio - Histria do povo de Deus no sculo 6 a.C., p.20.
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como rei de Jud (1Samuel 16; Isaas 9,2-7; 11,1-9). Com Josias no poder, Jud passou
por uma reforma. O objetivo da reforma era um expurgo radical dos cultos (2Reis 23,4-
5; 11-12). Os sacerdotes populares de Jud foram destitudos (2Reis 23,5). Tudo foi
centralizado no templo: somente no altar do templo era permitido oferecer sacrifcios;
os santurios da Samaria e, principalmente os de Betel, foram profanados e desativados
(2Reis 23,15-20); os sacerdotes rurais foram convidados a trabalhar no templo de
Jerusalm (2Reis 23,8). A reforma foi possvel, graas a um livro encontrado no templo.
Tudo indica pelas medidas tomadas por Josias que o livro encontrado seja o
Deuteronmio.[12]
Com o fim da Assria, o Egito ainda no tinha despontado no horizonte como o
sucessor. Criou-se um vazio. Josias aproveitou para anexar os territrios de Israel que a
Assria havia desmembrado de Jud, mas este sonho foi interrompido em 609, quando
Josias tentou impedir o avano dos egpcios numa batalha em Meguido e foi morto. O
povo da terra voltou a intervir, levando Jeoacaz ao trono de Jud (2Reis 23,29-30),
mas os egpcios no confiaram em Jeoacaz preferiram Eliaquim a Jeoacaz, porque este
seguia a poltica de seu pai Josias. Jeoacaz foi preso e deposto pelo Fara Neco II.
Eliaquim foi constitudo rei, para evidenciar sua submisso, foi rebatizado e
recebeu o nome de Joaquim. Este assumiu a tarefa de pagar aos egpcios um tributo de
cem talentos de prata e ouro (2Reis 23,33-34). Joaquim cobrou a quantia do povo da
terra (2Reis 23,35).
Entre 609 e 605, Neco do Egito e Nabucodonosor da Babilnia confrontam-se
entre Har junto ao rio Eufrates, perto de Carquemis. Na disputa entre Egito e
Babilnia, quem levou a pior foi Jud, por causa da posio estratgica que ocupava seu
territrio. Jud foi triturada pelas duas potncias. Tanto para os egpcios como para os
babilnios, era importante ter Jud como aliada. O territrio de Jud localizava-se
depois de centenas de quilmetros de deserto, ao sair do Egito. Portanto, era decisivo
para o abastecimento das tropas militares.[13]
Joaquim reinou durante onze anos, dos quais oito como vassalo dos egpcios e
trs dos babilnios (2Reis 24,1). Ele tinha subido ao trono em 608, graas ao Fara
[12] John Bright, Histria de Israel, So Paulo, Paulinas, 2 edio, 1981, p.430 (688p.). [13] Milton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio - Histria do povo de Deus no sculo 6 a.C., p.22.
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Neco II, mas como os egpcios no conseguiram conter o avano dos babilnios,
Joaquim no teve escolha, para sobreviver e se manter no poder, teve que obedecer s
ordens dos babilnios. Mas, assim que os babilnios se retiraram de Jud, o rei
Joaquim, possivelmente pressionado pelo povo da terra[14], optou pela autonomia
nacional. Foi o comeo do fim de Jud.
1.4 A primeira deportao para Babilnia
Entre 602-600, os babilnios avanaram contra o Egito, mas fracassaram na
invaso. Com a derrota de Nabucodonosor II diante do Egito, ficou marcado um
momento de fraqueza dos babilnios. E Joaquim aproveitou a ocasio: decidiu romper
as relaes com os babilnios, recusando-se a pagar os tributos e voltou-se para os
egpcios. De princpio nada aconteceu. O castigo veio mais tarde (2Reis 24,4; Jeremias
22,13-19).
Alguns anos depois, por volta de 598, as tropas babilnicas j estavam em
marcha contra Jud, quando o rei Joaquim morreu. Seu filho Joaquin (Jeconias) assumiu
o trono e deu continuidade poltica antibabilnica de seu pai, mas no teve a mesma
sorte que seu pai (2Reis 24,8). Trs meses depois, entre 598 e 597, Joaquin teve que
abrir as portas da cidade, evitando um desastre maior (2Reis 24,10-17). A cidade foi
invadida, o templo saqueado e o rei Joaquin levado para o exlio, juntamente com os
membros da classe alta, da nobreza, dos polticos, das lideranas, dos sacerdotes,
artesos, oficiais e da aristocracia militar (inclusive sua me e as mulheres de seu harm
foram levadas para a Babilnia: 2Reis 24,14). Entre os exilados encontrava-se o profeta
Ezequiel (Ez 1,1-3). Ao todo foram deportadas umas 10 mil pessoas, principalmente
militares (2Reis 24,16).[15]
Os deportados partiram para Babilnia, sem verem a destruio do templo e da
cidade de Jerusalm. L foram assentados em pequenas colnias, podendo manter seus
[14] Milton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio - Histria [14] Herbert Donner, Histria de Israel e dos povos vizinhos, p.425do povo de Deus no sculo 6 a.C, p.26-27. [15] Herbert Donner, Histria de Israel e dos povos vizinhos, p.425.
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costumes, bem como a esperana de um breve regresso (Jeremias 29). O rei Joaquin foi
levado para a capital Babilnia com sua corte e gozou status de prisioneiro de estado.[16]
1.5 Segunda deportao para a Babilnia
No lugar de Joaquin, os babilnios colocaram Matanias no governo de Jud.
Rebatizaram-no e trocaram seu nome para Sedecias (2Reis 24,17). Sem grandes
prestgios, Sedecias governou Jud por dez anos na condio de vassalo. Com a
deportao da elite, o estado de Jud faliu. Sedecias teve que providenciar pessoas para
formar o seu governo. Nele juntaram-se elementos duvidosos e assumiram cargos de
responsabilidade. Possivelmente, Sedecias foi influenciado pelos membros oficiais da
corte e pelo Egito. Em 589, decidiu romper as relaes com a Babilnia. O profeta
Jeremias alerta o rei do perigo de ir contra a Babilnia, isso colocaria em risco a vida do
povo. O empreendimento do rei seria um suicdio, ele iria em direo a seu prprio
naufrgio (Jeremias 27,16-17; 28,14; 37-38).[17]
Em 589 ou 588, o exrcito babilnico reaparece na Palestina sob o comando do
rei Nabucodonosor, decidido a acabar com as anarquias de Jud. Desta vez houve
resistncia at o fim. Depois de um ano e meio de cerco, os babilnios invadem a cidade
(2Rs 25,4). O rei tentou fugir, com alguns de seus soldados; mas rei e soldados foram
capturados pelos babilnicos em Jeric, junto ao Vale do Jordo. Conduzidos a Ribla,
onde Nabucodonosor se encontrava, Sedecias teve que assistir execuo de seus filhos
e dos membros do seu governo. Depois furaram-lhe os olhos e, acorrentado, o levaram
para a Babilnia (2Reis 25, 5-7).[18]
A primeira deportao de 578, visou desmilitarizao e a segunda
desurbanizao de Jud. Entre os deportados da primeira, a grande maioria era de
militares. A segunda deportao foi mais desastrosa. Com a invaso, muitos morreram
no combate, outros tantos foram tragados pela fome e peste, e no poucos, degolados
[16] Herbert Donner, Histria de Israel e dos povos vizinhos, p.425-426. [17] Herbert Donner, Histria de Israel e dos povos vizinhos, p.427-429. [18] Herbert Donner, Histria de Israel e dos povos vizinhos, p.430.
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pelos vencedores. Sobrou um resto da populao (2Reis 25,11).[19] Por ordem do rei
babilnico, o templo, o palcio e as casas foram saqueados e queimados, e a cidade
destruda (2Reis 25,9; Jeremias 52,12-14). Jerusalm virou um monte de runas. O resto
do povo que sobreviveu fome e chacina foi levado para a Babilnia. Com o rei
foram exilados os funcionrios da corte, do templo, alguns trabalhadores civis, cantores,
pequenos comerciantes, agricultores e vinhateiros (2Reis 25,11-12).[20] Esse grupo sofre
mais, pois foi tratados como escravo e despojo de guerra.[21]
Os babilnicos nomearam Godolias para governar Jud (2Reis 22,12.14;
Jeremias 26,24). As deportaes atingiram as cidades. Restaram os pobres camponeses
e alguns cidados que se esconderam nas cavernas (2Reis 25,12; Jeremias 52,16). O
profeta Jeremias e o governador Godolias se uniram numa tentativa de salvar o povo
(Jeremias 40,6). Em Masfa, fizeram uma grande colheita (Jeremias 40,12). Em 582 um
grupo que pretendia restabelecer a monarquia assassinou Godolias e com isso muitos
deixaram a ptria e fugiram para o Egito (2Reis 25,22-26). Lavaram consigo o profeta
Jeremias (Jeremias 42-44; 2Reis 25,26).
A deportao era uma das formas de humilhao mais vergonhosa que um povo
poderia sofrer. Os profetas j haviam anunciado que o castigo de Jud seria o exlio.
Assim aconteceu com Israel, o reino do Norte em 722. Os judatas que foram exilados
na primeira deportao, em 597, representavam a elite de Jud. Tiveram o privilgio de
serem os escolhidos para a deportao.[22]
1.6 Situao dos exilados na Babilnia
[19] Milton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio - Histria do povo de Deus no sculo 6 a.C, p.23. [20] Milton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio - Histria do povo de Deus no sculo 6 a.C, p.23. [21] Maria Antonia Marques e Shigeyuki Nakanose, Sonhar de novo Segundo e terceiro Isaas 40-66, So Paulo, Paulus, p.31 (181p.). [22] John Bright, Histria de Israel, p.466.
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Baseados nas informaes bblicas e nos conhecimentos gerais sobre as
condies de vida dos judatas exilados na Babilnia, podemos dizer que a maioria dos
deportados era gente da cidade de Jerusalm (2Reis 24-25).[23]
Os exilados foram escolhidos para a deportao.[24] O nmero deles no era
grande (Jeremias 52,28-30); em torno de 4.600 pessoas. H quem diga que foram
contados somente os homens e adultos, mas o nmero no deveria passar de umas 15
mil pessoas.[25] Os deportados representavam a nata poltica, eclesistica, militar e
intelectual de Jud.[26] Na Babilnia nem todos foram assentados fora em colnias.
Outros, como o rei Joaquim e a sua corte, foram levados para a Babilnia capital (2Reis
24,15). Ali gozaram de status de prisioneiros de guerra e eram sustentados pelo
Estado.[27] Tempo depois, o rei Joaquim foi libertado e passou a comer na mesa do rei
por toda a vida (2Reis 25,27-30). Outros foram assentados nas colnias agrcolas junto
ao rio Quebar, Tel Aviv (Ezequiel 1,3; 3,15), Tel-Mela, Tel-Harsa, Querub, Adon e
Emer (Esdras 2,59). Possivelmente, as colnias pertenciam ao Estado. Como
camponeses, tinham liberdade para construir, plantar, colher e estabelecer famlia e at
para o comrcio, mas sob a vigilncia do Estado: tinham que pagar tributo aos donos da
terra. Eram dependentes do estado.[28] muito bom ver os aconselhamentos do profeta
Jeremias (29), as informaes do profeta Ezequiel (8,1; 14,1; 20,1) e de Isaas (40-55)
sobre os exilados na Babilnia.
Os exilados da segunda deportao de 587 receberam um tratamento
diferenciado. No tiveram a mesma sorte que os da primeira deportao de 597. Devido
ao longo cerco, muitos morreram de fome, outros morreram espada. Os que tentaram
fugir com o rei foram capturados e degolados. O rei, depois de assistir morte dos seus
filhos e dos membros da corte, teve os olhos furados. O povo, antes da deportao,
[23] Milton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio - Histria do povo de Deus no sculo 6 a.C., p.23. [24] John Bright, Histria de Israel, p.466. [25] Milton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio - Histria do povo de Deus no sculo 6 a.C., p 74. [26] John Bright, Histria de Israel, p.466. [27] Herbert Donner, Histria de Israel e dos povos vizinhos, p.425. [28] Milton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio - Histria do povo de Deus no sculo 6 a.C., p.23-25.
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assistiu destruio da cidade de Jerusalm e do templo (2Reis 25,11). Os judatas da
segunda deportao foram tratados como despojo de guerra[29].
Assentados fora, juntamente com os da primeira deportao, levavam uma
vida quase normal. Eram uma espcie de trabalhadores forados, vigiados e obrigados a
trabalhar para se sustentar e pagar tributos. Formavam o grupo dos exilados (Ezequiel
1,1; 3,1.15).[30]
Para alguns, a Babilnia deu oportunidades que eles nunca tiveram na Palestina.
Houve judatas que entraram no comrcio e se enriqueceram[31]. Alguns deles chegaram
a um bem-estar considervel (Esdras 1,6a; 2,68-30). At o comrcio de escravos lhes
era permitido (Esdras 2,65). Eram livres, mas sujeitos tributao e aos servios do
estado nas obras pblicas: construes de palcios, estradas, canais, barragens, templos,
silos e na agricultura.[32]
Para melhor entendermos a situao dos exilados judatas, teramos que visitar a
Babilnia nos anos de 620-540, e nos perguntar: como era a organizao poltica,
econmica, social e religiosa do imprio babilnico. A resposta desta questo poder
nos dar informaes para formarmos um quadro mais adequado sobre a vida dos
judatas exilados na Babilnia. Limitemo-nos a enumerar alguns aspectos
aproximativos, baseados nas informaes bblicas e nos conhecimentos gerais.
1 7 Organizao social e poltica do imprio babilnico
A organizao poltica e social do imprio babilnico, entre os anos de 620-540,
baseava-se em duas colunas mestras: Estado e templos. Todo o poder se concentrava
nas mos destas instituies. Coisa mnima e de pouca importncia estava nas mos de
particulares, economicamente bem sucedidos, e de algumas aldeias mais influentes.
[29] Maria Antonia Marques e Shigeyuki Nakanose, Sonhar de novo Segundo e terceiro Isaas 40-66, p.31. [30] Herbert Donner, Histria de Israel e dos povos vizinhos, p.435. [31] John Bright, Histria de Israel, p.467. [32] Jlio Paulo Tavares Zabatiero, Servos do imprio Uma anlise da servido no Dutero-Isaas, em Estudos bblicos, Petrpolis, Vozes, n.18, 1988, p.37.
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Os templos eram os maiores proprietrios das terras. Controlavam o comrcio e
as indstrias de artesanatos. O Estado controlava o poder poltico e econmico. Cobrava
tributo e exigia a mo-de-obra dos trabalhadores nas construes das obras pblicas.
Quando o Estado comeou a exigir o tributo dos templos, deve ter sido o estopim da
crise que mais tarde levou o imprio babilnico falncia.[33]
O Estado e os templos arrendavam as terras. Cobravam entre 7 a 8% de impostos
de toda a produo. Havia duas categorias de arrendatrios. A primeira, dos pequenos
camponeses, que, embora endividados, trabalhavam nas terras arrendadas dos templos
ou do Estado. Estes trabalhadores recebiam roupas, comida e um salrio simblico. A
outra categoria era a de grandes agricultores latifundirios, oficiais do exrcito e donos
de terras que tinham escravos e contratavam trabalhadores livres (que no tinham terra
para trabalhar). Estes donos de fortunas eram privilegiados. No pagavam tributos e
eram isentos dos trabalhos pblicos. Eles tambm mantinham extensas relaes
comerciais, inclusive com o exterior.[34]
A organizao social babilnica dividia-se em trs classes: os awilum, homens
livres que desfrutavam de todos os direitos e privilgios polticos e econmicos; os
mushkenum, homens livres, mas empregados, dependentes do estado e dos templos; e os
wadum, escravos (estes em menor nmero). Estes ltimos nos interessam mais. A
origem deles era dupla: uns eram prisioneiros de guerra, transformados em escravos; e
os outros eram camponeses, que por causa das dvidas e dos emprstimos e do tributo
tornavam-se escravos. Vendiam-se a si mesmos para pagar as dvidas (2Reis 4,1).
Embora fossem comprados e vendidos pelos seus donos como mercadoria, desfrutavam
de direitos desconhecidos escravido posterior. Os prisioneiros de guerra eram livres
para trabalhar, mas dependentes do estado, que os vigiava e os manejava conforme as
suas convenincias e necessidades. Eram vendidos como mercadorias para
latifundirios, templos e cidados livres.[35] Os revoltosos eram confinados nas
prises.[36]
[33] Jlio Paulo Tavares Zabatiero, Servos do imprio p.37. [34] Jlio Paulo Tavares Zabatiero, Servos do imprio p.38. [35] Jlio Paulo Tavares Zabatiero, Servos do imprio p.38. [36] Maria Antnia Marques e Shigeyuke Nakanose, Sonhar de novo Segundo e terceiro Isaas 40-66, p.12.
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A nossa preocupao no ser com os exilados que se deram bem
economicamente na Babilnia. Interessa-nos aqueles que, na condio de homens livres,
eram explorados e marginalizados pelo Estado. Eram livres, mas dependiam do Estado.
Os babilnios de classe baixa, como era a maioria dos exilados, representavam uma
considervel parcela econmica, mas politicamente eram desconsiderados.[37]
Dentro das colnias, os exilados eram livres. Viviam como senhores/escravos,
no podiam fazer o que bem entendiam como quando governavam Jud. Antes, em
Jud, faziam leis, controlavam a poltica, a religio e a economia do pas. Cobravam
impostos dos trabalhadores e manipulavam a religio para justificar a explorao.
Agora, esto fazendo a experincia inversa: de senhores, passaram a ser sditos e a
trabalhar; ao invs de mandar, esto obedecendo; de opressores, passaram a ser
oprimidos; de exploradores, a explorados. Essa mudana para alguns foi humilhante
demais. Passaram ocupar o lugar social que antes ocupavam as suas vtimas.[38]
O Dutero-Isaas designa os deportados de escravos (Isaas 42,1 e 44,2).
num sentido amplo da palavra que os exilados so escravos. Por terem sido levados
fora para fora do seu pas, submetidos a viverem em colnias, vivem como se fossem
presos. Neste sentido so escravos. Mas, no como os escravos dos tempos modernos,
que podem ser vendidos ou comprados como mercadorias. Eles tinham a liberdade de
trabalhar, mas tinham que entregar parte da produo para os babilnicos.[39]
1.8 Situao religiosa dos judeus exilados na Babilnia.
luz dos poucos dados referentes religio de Jud, pode-se dizer que os
deportados na Babilnia, no incio, foram assentados em colnias. Viviam juntos,
possibilitando o cultivo dos valores culturais e religiosos. A f em Jav era a fora que
os mantinha unidos, celebrada atravs do culto da palavra, da profecia e dos cnticos. O
rito do sbado e da circunciso tornaram-se caracteres de identificao. Tinham
[37] Maria Antnia Marques e Shigeyuke Nakanose, Sonhar de novo Segundo e terceiro Isaas 40-66, p.12. [38] Milton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio - Histria do povo de Deus no sculo 6 a.C, p.30. [39] Milton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio - Histria do povo de Deus no sculo 6 a.C, p.24-25.
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liberdade de trabalhar na agricultura para se sustentar, construir casa e trabalhar no
comrcio, organizar a vida de orao com os seus lderes, como anteriormente, mas no
tinham mais o templo como o tiveram em Jerusalm.[40]
O profeta Ezequiel foi exilado na primeira deportao. Atuou entre os exilados
no incio do exlio. No final, surgiu a profecia do Dutero-Isaas. Os dois profetizaram a
partir da situao dos exilados na Babilnia, cada qual com sua caracterstica. Os dois
tm algo semelhante: denunciam o sofrimento do povo exilado.[41]
Ezequiel era sacerdote oficial em Jerusalm, pertncia elite religiosa deportada
em 597 e assentado em Tel Abibe junto ao Canal de Quebar em Nippur. Foi em meio a
este contexto que em 592, profetizou (Ezequiel cap.1-3). Atuou como profeta do juzo
at 587/6, anunciando a queda de Jerusalm e Jud cap.1-24. Depois, profetizou contra
as sete cidades estrangeiras (Amon, Moab, Edom, Filistia, Tiro, Sdon, Egito), captulo
25-33 e, no final do livro, encontramos o anncio de salvao, captulo 33-39. Valeu-se
das grandes retrospectivas teolgicas e histricas (13,16). Depois da segunda
deportao, 587/6, tornou-se o profeta da renovao e restaurao. Considerava os
exilados como portadores da restaurao (cap.34-37). Sua profecia marcada por uma
linguagem simblica e pessoal. Expressa a idia fantasmagrica da ressurreio dos
ossos (37,1-14).[42] Alm disso, Ezequiel anunciou o restabelecimento do reino davdico
e a unio do Reino Norte com o reino do Sul (34,17-31; 37,15-28). De 40-48 apresenta
um verdadeiro programa de restaurao para Israel. Ele atuou entre os exilados at mais
ou menos 570. Sua profecia foi formulada entre os exilados que, em meios a reunies
litrgicas, teriam pronunciado suas palavras, principalmente nas ocasies das
celebraes do sbado e do rito da circunciso. O importante destacar que havia uma
vida comunitria entre os exilados, com reunies, onde celebravam os momentos
festivos que marcaram a vida em torno do profeta. O texto de Ezequiel tem as
caractersticas de uma leitura elaborada em comunidade.
Para os judatas, ser exilado era sinnimo de estar abandonado por seu Deus. Um
exilado , pois, um indivduo sem Deus. Isto pode ser visto com mais intensidade no
[40] Milton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio - Histria do povo de Deus no sculo 6 a.C, p.30. [41] Milton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio - Histria do povo de Deus no sculo 6 a.C, p.74-108. [42] Erich Zenger, Introduo ao Antigo Testamento, So Paulo, Loyola, 2003, p.437-439 (557p.) (Bblica Loyola 36).
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Salmo 137. A novidade que marcou a profecia de Ezequiel foi identificar Jav no exlio
com o seu povo (1,28; 3,12). Esta descoberta representou um consolo para os exilados:
eles no estavam mais sozinhos.[43]
Com o passar do tempo, a situao do exlio fez o povo entrar em crise de f.
Naquela poca, misturava-se religio com poltica e qualquer catstrofe se atribua a
Deus. Quando Jerusalm foi destruda atriburam vitria do deus Marduk sobre Jav.
Muitos exilados deixaram de acreditar em Jav porque este foi derrotado por Marduk, o
deus dos babilnicos. Foi Marduk que venceu a guerra, logo ele mais importante, mais
forte e poderoso que Jav. Na luta, Jav se mostrou impotente, incapaz de vencer
Marduk. Para os judatas um Deus como Jav no tem futuro e acreditar nele era um
problema. A crise deve ter aumentado quando os judatas entraram em contato com os
grandes centros culturais babilnicos. Viram as riquezas nunca sonhadas, poderes
ilimitados e templos magnficos de deuses pagos por toda a parte. A tentao de
abandonar Jav e aderir aos deuses pagos estava por toda a parte.[44]
Comparando as festas religiosas dos deuses babilnicos, com os cultos dos
judatas a Jav, via-se que eram insignificantes. Muitos judatas caram na descrena.
No queriam mais saber de Jav como seu Deus. Ele tinha sido derrotado pelos deuses
babilnicos. A situao era de desespero e sem perspectivas de futuro.
Entre a profecia de Ezequiel e o Dutero-Isaas, decorreu um espao de tempo e
com ele ocorreram algumas mudanas significativas no estilo de vida dos exilados
como: o enriquecimento de alguns, a morte de outros e os nascidos na Babilnia que
formavam a maioria na poca da profecia do Dutero-Isaas. Estes nem sequer
conheciam Jerusalm e pouco se interessavam por um Deus derrotado como era o caso
de Jav. Certamente poucos estavam interessados em regressar para Jerusalm para
recomear a vida a partir das runas.[45]
O problema dos dolos era to grave que o grupo do Dutero-Isaas dedicou mais
de 50% da sua obra para tratar da questo. Nos captulos 40-48, procura conscientizar os
[43] Milton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio - Histria do povo de Deus no sculo 6 a.C, p.77-92. [44] Maria Antnia Marques e Shigeyuke Nakanose, Sonhar de novo Segundo e terceiro Isaas 40-66, p.34-35. [45] Jlio Paulo Tavares Zabatiero, Servos do imprio, p.39.
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exilados que Jav libertador no foi derrotado pelos babilnicos. O deus derrotado pelos
babilnicos foi o deus do poder, do sistema que protegia o estado, que abenoava o rei e
que guardava o templo e que explorava o povo. Jav permitiu aos babilnicos
destrurem Jerusalm por causa da ganncia das autoridades. Na avaliao do grupo-
proftico, o exlio foi um castigo, resultado da rebeldia dos governantes de Jud. Eles
desobedeceram lei de Jav. O grupo lembra que Jav ama o seu povo com carinho: a
quem carreguei desde que o seio materno, a quem levei desde o bero. Eu vos criei e eu
vos conduzirei, eu vos carregarei e vos salvarei (46,3.4b-4c). Dentro deste clima de
amor h muitas e lindas imagens de Deus nos captulos 40-55.
A mensagem do Dutero-Isaas se dirige quelas pessoas pobres exiladas,
cansadas e sem esperana (Isaas 40,29; 42,3), escravos livres, mas saqueados e
oprimidos (Isaas 42,7.22; 47,6; 50,6), mendigos e indigentes, necessitados de tudo,
inclusive de gua (Isaas 41,17; 49,13; 55,1-2). um grupo desprezado e marginalizado
socialmente (Isaas 53,3) e alguns ainda carregam o peso de que o exlio castigo de
Deus (40,2; 42,24).[46] Outros ainda diziam: Deus nos fez morar nas trevas
(Lamentaes 3,6).
A vida comunitria foi decisiva no exlio para o povo cultivar seus costumes, a
sua lngua e religio. Mantiveram sua identidade de deportados de origem comum.
Continuaram a crer em Jav, no mais com sacrifcios, mas atravs de palavra, cnticos,
ritos, sbado e circunciso, que se tornaram caracteres de identificao.[47]
Sintetizando, pode-se dizer que a vida comunitria foi decisiva para o povo
judata exilado na Babilnia. Cultiva os seus costumes, sua lngua e religio. Mas foi a
religio que resgatou a identidade dos exilados. Foi ela que explicou o desastre nacional
quando Jerusalm e o templo foram destrudos; foi a religio que explicou as falsas
esperanas num Jav que protegia a monarquia e abenoava o rei para explorar o povo;
foi a partir da religio do exlio que comeou a surgir uma nova comunidade em torno
de uma liderana comunitria, embora no muito bem definida, mas uma comunidade
marcada pela adeso lei e tradio. Pode-se dizer que a observncia do sbado e da
[46] Maria Antnia Marques e Shigeyuke Nakanose, Sonhar de novo - Segundo e terceiro Isaas 40-66, p.12. [47] Milton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio - Histria do povo de Deus no sculo 6 a.C, p.29.
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40
circunciso se tornaram, cada vez mais, o sinal distintivo do povo judata fiel (Jeremias
17,19-27; Isaas 56,1-8; 58,13ss).
1.9 O livro de Dutero-Isaas
Pode-se dizer que o grupo proftico do Dutero-Isaas liderou as celebraes
litrgicas no exlio. Os exilados se reuniam com a inteno de reavivar a f em Jav, o
libertador. O trabalho deste grupo datado entre os anos 555-540, poca em que Ciro, o
rei persa, comeou as conquistas militares. Na profecia, o grupo anuncia a libertao e o
retorno dos exilados para Jerusalm semelhante sada do Egito, mas com maior
esplendor, porque Jav lideraria a procisso pelo deserto (Isaas 40,1-5; 43,14-20; 49,8-
13; 52,7-12). Depois do regresso, viria a restaurao do templo (Isaas 49,14-21; 49,22s;
51,1-3). O Dutero-Isaas est localizado entre os captulos 40-55 do livro de Isaas. Seu
contedo revela-nos uma f comprometida com um nico Deus libertador.
O livro de Isaas um dos livros mais importantes do Antigo Testamento, por
ser um referencial[48], principalmente no Novo Testamento (Lucas 4,17; Atos dos
Apstolos 8,28; Mateus 12,17-21; Romanos 10,16;10,20-21).
No incio, os 66 captulos do livro foram atribudos ao profeta Isaas do 8
sculo. No temos dados exatos para determinar quanto tempo estes dados foram
aceitos. Mas com o avano das pesquisas, descobriu-se que a partir do captulo 40, o
contexto outro e os argumentos internos indicam que os 66 captulos do livro,
dedicado ao profeta Isaas, no so todos dele. Os argumentos so de natureza
diversificada, mas principalmente os argumentos histricos como: os exilados da
Babilnia, a conquista da Babilnia por Ciro por volta do ano 539, a libertao dos
judatas exilados, a volta deles para a Palestina e a reconstruo de Jerusalm.[49] So
fatos que aconteceram muito tempo depois da poca de Isaas. Somam-se a estes fatos, a
diferena de linguagem e estilo. Pode-se perceber no incio de Isaas que a encontramos
o nome do profeta, sua filiao e o local da sua ao (Isaas 1,1). As informaes nos
fornecem dados para situar o ministrio de Isaas que exerceu sua profecia durante o
[48] Wiliam Lasor, Introduo ao Antigo Testamento, So Paulo, Vida Nova, 1999, p.299 (880p.). [49] Jos Ridderbos, Isaas, So Paulo, Vida nova, p.32 (516p.).
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reinado de Ozia, Joato, Acaz e Ezequias, ou seja, por volta dos anos de 740 a 700.[50] O
reinado destes reis aconteceu a quase dois sculos antes da destruio de Jerusalm
pelos babilnicos. So fatos histricos que falam por si mesmos. No temos como
duvidar deles. So acontecimentos que marcaram poca e a histria. Ocorreram bem
depois de Isaas. A partir do captulo 40, por duas vezes mencionado Ciro (44,28;
45,1), rei persa do 6 sculo. O povo convocado a sair da Babilnia (48,20; 52,11-12).
Sem dvida, encontramo-nos nos anos do exlio da Babilnia um sculo e meio depois
da morte do profeta Isaas. E a partir dos captulos 56 temos outro contexto. A
impresso que o povo se encontra novamente em Jerusalm, enfrentando outros
problemas que surgiram com o regresso dos exilados.
As diferenas histricas, literrias e teolgicas por muito tempo no eram
problemas para atribuir todo o livro ao profeta Isaas. Numa poca pouco crtica, as
solues eram mais fceis. Somente no 11 sculo d.C. que surgiu a hiptese de se
atribuir os captulos 1-39 a Isaas e os captulos 40-66 a uma poca posterior.
Foi em 1788 da nossa era que J.C. Drderlein expressou sua opinio sobre os
captulos de 40-66 dizendo que eles pertenciam a um profeta annimo. Em 1892,
Bernard Duhm publicou seu comentrio ao livro de Isaas,51, rompendo com a suposta
unidade dos captulos 40-66. Dividiu os captulos de 40-55 e 56-66, atribuindo-os a dois
autores diferentes: a 40-55 denominou de Dutero-Isaas, e a 56-66 de Trito-Isaas.
Assim, Bernard Duhm dividiu o livro de Isaas em trs unidades literrias distintas, cada
qual com sua histria e seu contedo em pocas diferentes.
Desde que Bernard Duhm,[51] em 1892, introduziu no debate cientfico a opinio da
diviso dos captulos 40-66 em duas partes, dividiu o livro de Isaas em trs unidades.
Esta hiptese se imps nos estudos exegticos de Isaas que at o momento
considerada e aceita da seguinte forma:[52]
1. Isaas 1-39 (Proto-Isaas)
2. Isaas 40-55 (Dutero-Isaas)
[50] Herbert Donner, Histria de Israel e dos povos vizinhos, vol.2, p.363-386 [51] Bernard Duhm, Das Buch Jesaja, Gttingen, Vaderhoeck & Rupreecht, 4 edio, 1922, p.381 (540p.). [52] Ernst Sellin e Georg Fohrer, Introduo ao Antigo Testamento, So Paulo, Academia Crist e Paulus, 2007, p.528 (826p.).
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42
3. Isaas 56-66 (Trito-Isaas)[53]
1.10 Estrutura do livro do Dutero-Isaas
O bloco composto pelos captulos 40-55 de Isaas suscita vrios problemas para
os comentadores. Isto assim porque o texto tem caractersticas que tornam difcil
efetuar cortes seguros para formar unidades. Uns defendem que o bloco composto de
pequenas unidades independentes sem ligaes entre si, enquanto outros defendem uma
estruturao profunda e premeditada.[54] De qualquer forma, nos limitaremos a propor
uma hiptese sobre a estruturao do bloco:
Inicialmente temos uma introduo ou prlogo (4,1-11), que est em correlao
com uma parte conclusiva (55,6-13, eplogo), que tem como tema o poder da palavra de
Deus e o novo xodo. O grande bloco dividido em duas unidades temticas: captulos
40,12-48,19, com o tema Jav o nico Deus, criador de todas as coisas e s Jav o
Senhor da histria. A segunda unidade (48,20-55,5) tem como tema a convocao dos
exilados para sair da Babilnia, restaurao e a glorificao de Jerusalm. Estes dois
grandes blocos podem ser divididos em subunidades tomando em considerao os
hinos. Mas no necessrio repeti-los aqui. Temos obras especficas que podem ser
consultadas.[55]
Nos captulos de Isaas 40-55, encontramos a figura do escravo de Jav que
aparece relacionado a Israel/Jac em 41,8-9; 44,1.2.21; 45,4; 48,20; 49,3. Em torno
desta figura, claramente identificada como Israel, ocorrem outras cinco vezes a palavra
escravo no anonimato. Elas ocorrem dentro dos cnticos do escravo de Jav: 42,1-
4; 49,1-6; 50,4-9 e 52,13-53,12. Estes textos enfocam a mesma questo numa seqncia
que demonstra uma trajetria de vida do `eBeD de Jav.[56]
[53] Erich Zenger, Introduo ao Antigo Testamento, So Paulo, Luyola, 2003, p.381 (557p.). [54] Jos Severino Croatto, Isaas A palavra proftica e sua releitura hermenutica vol.2, 40-55 A libertao possvel, Petrpolis/So Leopoldo, Vozes/Sinodal, 1998, p.14-15 (317p.). [55] Erich Zeger, Introduo ao Antigo Testamento, p.389. [56] Milton Schwantes, Sofrimento e esperana no exlio - Histria do povo de Deus no sculo 6 a.C, p.103.
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