LER, EIS A QUESTÃO: COMO INCENTIVAR A LEITURA DE TEXTOSLITERÁRIOS LONGOS?
Maura Lúcia Carvalho de Morais1
Resumo
Este artigo descreve e apresenta os resultados obtidos na implementação do projeto Ler, eis a questão: como incentivar a leitura de textos literários longos?2
O texto literário longo trabalhado em sala de aula com ênfase no gênero novela direcionado à estudantes do Ensino Fundamental – 6º ano – no intuito de recuperar a importância significativa da leitura de textos literários longos em sala de aula. Na descrição do projeto, apontam-se caminhos no sentido de possibilitar uma interação maior do estudante/leitor como o texto. Especificamente por meio da novela – “Um sonho no caroço de abacate” do escritor Moacyr Scliar, mostra-se como é possível abordar o rompimento das práticas tradicionais no ensino de literatura fragmentado para a sua valorização. Além disso, como é possível estabelecer com outros textos e manifestações culturais o despertar de uma leitura mais crítica, sensibilizando o leitor a um desenvolvimento do potencial estético, criativo e significativo da linguagem, aliado à pluralidade cultural do Brasil.
Palavras-chave: Leitura. Literatura. Novela.
READ, HERE'S THE QUESTION: HOW TO ENCOURAGE THE READING OF
TEXTS LONG LITERARY?
Maura Lucia Carvalho de Morais1
Abstract
This article describes and presents the results obtained in the implementation of the Project Read, here's the question: how to encourage the reading of literary texts long?2 the literary text long worked in the classroom with emphasis on genre novel directed to elementary school students – 6th year – in order to recover the significant importance of reading long literary texts in the classroom. In the description of the project, point to paths in order to enable a greater interaction of the student/reader as the text. Specifically through the novel – "a dream in the avocado stone" of Moacyr Scliar, writer shows himself as unable to deal with the disruption of traditional practices in the teaching of fragmented literature for its recovery. Moreover, how is it possible to establish with other texts and cultural awakening of a critical reading, making the reader to an aesthetic potential development, creative and meaningful language, combined with the cultural plurality of Brazil.
Keywords: Reading. Literature. Novel.
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1. Professora de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino do Estado do Paraná, participante do Programa de Desenvolvimento Educacional da Secretaria de Estado de Educação do Paraná – SEED – PR.
2. Projeto orientado pela Professora Mestra Elisiani Tiepolo, docente da Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral.
1- INTRODUÇÃO
O presente artigo constitui-se como parte integrante das atividades
previstas no Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE , promovido
pela Secretaria de Educação do Paraná - SEED . Apresenta-se também como
resultado do aprofundamento teórico, da reflexão sobre a prática pedagógica,
de discussões virtuais – em torno da abordagem da leitura de textos literários
longos, especificamente novela – gênero que está entre o conto e o romance -
discutido entre professores de Língua Portuguesa, via Grupo de Trabalho em
Rede - GTR e da implementação em um colégio da rede estadual de ensino.
Por meio desse projeto, propõe-se o resgate da experiência significativa do
leitor com o texto, levando-o à reflexão crítica do comportamento social sobre a
questão do preconceito, a partir da leitura de uma novela, da historiografia
literária do gênero novela, da pluralidade cultural, da diversidade e da
“leiturização”1.
O projeto Ler, eis a questão: como incentivar a leitura em textos
literários longos? contempla os conteúdos, tradicionalmente, previstos no 6º
ano - antiga 5ª série. A implementação da proposta se deu ao segundo
semestre de 2011, no 6º ano do Ensino Fundamental, período vespertino, no
Colégio Estadual La Salle, em Curitiba. Para auxiliar na implementação, foi
elaborado um material de apoio – uma Unidade Didática – em que os textos e
as atividades propostas se abrem para variadas possibilidades de abordagem
da literatura, permitindo ao professor conduzir o estudante no diálogo com o
texto, com outros textos, outras linguagens e formas de expressão cultural.
O Projeto parte da constatação de que os manuais didáticos levaram o
texto literário a ser relegado em segundo plano - em detrimento de uma
abordagem fragmentada dos gêneros literários e da ênfase na história da
literatura. Essa prática de ensino de literatura contribuiu para que fosse vista
2
apenas como um conteúdo a ser memorizado, um objeto ilustrativo de
características de movimentos literários.
O projeto busca aproximar o leitor das técnicas narrativas da literatura atual,
por meio da linguagem, do vocabulário, do diálogo interdisciplinar, da concep -
ção de leitura e literatura e da construção do gênero novela. Propõe reforçar o
ato da leitura estética, da fruição, ao mesmo tempo, referendando o texto
literário ao contexto sócio-político-cultural do Brasil e do mundo, corroborando
para compreensão da diversidade e pluralidade cultural.
Para tanto, ressalta-se a importância da instrumentalização permanente
do/a professor/a, imprescindível à leitura de obras de cunho pedagógico e
literário. Está em sintonia com a idéia de “leiturização” de Foucambert, na qual
o/a professor/a deve ser um perito em textos para as crianças, atualizando-se
permanentemente e partilhando informações teóricas fundamentais
(Foucambert: 1994). Além disso, trabalhar projetos cujo eixo norteador seja a
leitura é, no mínimo, trazer à tona a vivência cotidiana dos/as alunos/as e
ressignificá-las, atribuindo-lhe uma nova roupagem, o que é comprovado por
conceitos desenvolvidos por Vygostsky acerca da Zona de Desenvolvimento
Proximal (Freitas: 1994).
Esse projeto teve como eixo principal o trabalho com uma novela por esta
se tratar de um gênero intermediário entre a brevidade de um conto e a longa
extensão de um romance. Foram selecionadas duas obras literárias. A primeira
novela trabalhada foi Um sonho no Caroço de Abacate de Moacyr Scliar em
que reflexões provocadas por questões elaboradas pela professora permitiram
que se destacassem, discutissem aspectos pertinentes ao tema da obra. No
sentido em dar mais luz à temática abordada na obra de Scliar, buscou-se na
obra Terra dos Meninos Pelados de Graciliano Ramos, a discussão da
possibilidade da construção de um mundo mais solidário frente às diferenças
culturais, físicas, psicológicas, comportamentais dos personagens. Também
fizeram parte da rede intertextual, a canção Diversidade de Lenine e a película
cinematográfica The Boy in the Stripped Pyjamas - cujo título em português é O
Menino do Pijama Listrado - do diretor Mark Hermann. Essa conjunção de
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1. Foucambert:1994
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textos e linguagens permitiu uma análise mais crítica do tema discutido.
Buscou-se, assim, trabalhar no sentido da intertextualidade que pode ser
definida como sendo a criação de um texto a partir de um outro texto já
existente. Evidentemente, o fenômeno da intertextualidade está ligado ao
“conhecimento do mundo”, que deve ser compartilhado, ou seja, comum ao
produtor e ao receptor de textos. Esse diálogo ocorre em diversas áreas do
conhecimento, não se restringindo única e exclusivamente aos textos literários.
Construção do Texto
Linguagem e intencionalidade
A obra de Scliar é constituída por uma narrativa linear que sobrepõe
imagens de violência, intolerância religiosa e étnica. Denuncia a vulnerabilidade
do homem enquanto ser humano diante do sistema capitalista. Faz com que
o/a leitor/a visualize as cenas da narrativa, ativando o seu sentimento e
emoções em relação à sociedade preconceituosa. Assim, desperta o senso-
crítico para a construção de uma civilização mais humana e cidadã. Escrita em
linguagem simples e objetiva.
O enredo ou trama corresponde à maneira como a história se desenrola, aos
“arranjos” narrativos que cercam as personagens, e às situações que as
envolvem. Essa articulação pode revelar o núcleo temático da matéria narrada,
seja ela real ou ficcional; assim, o enredo cujas temáticas podem ser conflitos
passionais, casos de mistério ou terror, dramas sociais, experiências
existenciais, ficção científica etc. Na novela Um sonho no Caroço de Abacate, o
enredo é um manifesto contra sentimentos e emoções pré-concebidas e, em
especial, o preconceito contra judeus e negros.
Trazendo à tona o tema do estranhamento do diferente, a incapacidade de
aceitação, pela sociedade, daquele que foge dos padrões sociais e culturais
estabelecidos como "normais".
Apontando fatos do cotidiano de todo jovem, levando à reflexão sobre a
amizade, o preconceito, a pluralidade cultural, a ética e o amor a fim de que o
leitor se impulsione a exercer verdadeiramente a sua cidadania plena.
A narrativa é sobre um garoto cujo nome é pouco comum, Mordoqueu Stern
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(ou simplesmente Mardo), nascido em uma família de imigrantes de judeus
lituanos, que acaba se tornando um grande amigo de Carlos, um negro, filho de
um consultor jurídico de uma grande estatal que tinha acabado de ser
transferido de Salvador para São Paulo. Eles lutam para ficarem amigos e
para serem aceitos no colégio e nas respectivas famílias.
Por motivos óbvios, os dois jovens encontraram alguma resistência para
realizarem suas matrículas numa escola freqüentada por filhos de famílias
abastadas. Juntos, os dois amigos enfrentam a discriminação, a injustiça e a
incompreensão. A mãe de Mardo, judia, ao imigrar para o Brasil, deixa na
Rússia um sonho de infância: o de comer abacate. Fruta cara, inacessível, o
abacate representa o sonho improvável de liberdade (de crença, de religião),
de felicidade, de conquista e de esperança.
O caroço do abacate talvez guardasse um segredo que não podia mais ser
revelado à senhora Stern: um sonho que ficou perdido na sua imaginação
infantil e na pátria que teve de abandonar por causa do nazismo. Esse
enovelamento de ações a que chamamos enredo abrange as etapas na
estrutura narrativa: exposição, da p.07 até a p. 16, desenvolvimento
-complicação – ponto de tensão – e clímax – ponto de maior tensão da p.17 até
a p. 71 e desfecho da p. 73 a 74. O texto narrativo resulta, portanto, de duas
articulações: a história (seqüência de fatos) e o enredo (organização dos fatos).
Dessa forma, o enredo é a maneira como o narrador organiza os dados que a
história oferece.
O foco narrativo é de 1ª pessoa “Foi para minha irmã de seis anos, Ruth, que
eu contei o que se passava.” p.38 e os discursos que acompanham as falas
são direto“-O que é que você vai fazer no sábado à noite? – perguntou Carlos”
p. 37 e indireto “Quando voltei para casa, naquele dia, ia ...”p. 37. O narrador é
participante de uma história que tende a ser autobiográfica.
Discurso direto
No discurso direto, indica-se o interlocutor e caracteriza a fala por meio
de verbos dicendi: dizer, exclamar, suspirar, explicar, perguntar, responder,
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replicar entre outros. Nem sempre o autor indica de quem são as falas, já que
elas se esclarecem dentro do contexto.
Discurso indireto
No discurso indireto, o narrador exprime indiretamente a fala da
personagem. O narrador funciona como testemunha auditiva e passa para o
leitor o que ouviu da personagem. Nessa transcrição, o verbo aparece na 3ª
pessoa, sendo imprescindível a presença de verbos dicendi (dizer, responder,
retrucar, replicar, perguntar, pedir, exclamar, contestar, concordar, ordenar,
gritar, indicar, declarar, afirmar, mandar), seguidos dos conectivos que (dicendi
afirmativo) ou se (dicendi interrogativo) para introduzirem a fala da personagem
na voz do narrador.
O tempo da narrativa em parte é cronológico “Quando, porém, Hitler
ascendeu ao poder,meu pai começou a achar que era hora de partir.” p. 7.
“Saíram, por assim dizer, na última hora, em agosto de 1939; um mês depois
começava a Segunda Guerra.” p.9, e também psicológico: “Um homem
baixinho e feio como eu só desmoraliza uma gravata, dizia, suspirando, e eu
não posso desmoralizar o meu ganha-pão.” p.11.
O espaço principal onde se desenvolve o enredo é o Colégio Pe.
Juvêncio, mas, também, são a casa da família Stern e da família de Carlos.
Os personagens principais são Mardoqueu (Mardo) e Carlos.
Há o diálogo dessa obra com várias áreas do conhecimento, em um
trabalho interdisciplinar: Ensino Religioso (as religiões cristãs, judaísmo,
sincretismo religioso africano); Geografia (Rússia, Lituânia, Israel, África, Brasil-
localizações); História (2ª Guerra, Nazismo, Imigrantes, Afrodescendência);
Ciências (pesquisa sobre o fruto abacate; sobre a sexualidade na
adolescência), Dessa forma os leitores são levados a refletir sobre questões
como racismo, bullying, anti-semitismo, intolerância das diferenças, a fome, a
miséria, assim como sobre a convivência solidária em um mundo globalizado.
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Concepção de Leitura
O projeto Ler, eis a questão: como incentivar a leitura de textos literários
longos? tem como fundamentação teórica a concepção assumida pelas
Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná que
compreendem a leitura como um ato dialógico, interlocutivo - envolvendo
demandas sociais, históricas, políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas
de determinado momento. Ao ler, o aluno/a busca as suas experiências, os
conhecimentos prévios, a sua formação familiar, religiosa, cultural, enfim, as
várias vozes que o constituem.
A prática da leitura é um princípio de cidadania, ou seja, o/a aluno/a
torna-se um/a leitor/a cidadão/ã, pelas diferentes práticas de leitura, pode ficar
ciente de suas obrigações e também defender os seus direitos, além de ficar
aberto às conquistas de outros direitos necessários para uma sociedade justa e
mais democrática.
A dimensão dialógica, discursiva, que a leitura permite, se efetiva no ato
da recepção, dependendo dos fatores linguísticos e não-linguísticos, pois o
texto é uma potencialidade significativa que necessita do conhecimento do/a
leitor/a para ser atualizado. Um texto leva ao outro exigindo que o/a leitor/a
participe da elaboração dos significados, confrontando o que lê com seus
próprios saberes. Nesse movimento há o reconhecimento das vozes sociais e
das ideologias presentes no discurso, ajudando na construção de sentidos e na
compreensão das relações de poder nele contidos como destaca Bakhtin
(DCLP – Paraná: 2008).
Concepção de Literatura
A literatura está ligada à vida social como produção humana, por isso
sujeita a modificações históricas nas suas relações dialógicas com outros
textos. Para Cândido (1972), a literatura é vista como arte que
transforma/humaniza o homem e a sociedade. Assim posto, sugere-se, nas
Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná, que o ensino da
literatura seja pensado a partir dos pressupostos teóricos da Estética da
Recepção e da Teoria do Efeito, buscando a formação do leitor para que
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expresse o sentimento subjetivo pela tríade obra/autor/leitor, por meio de uma
interação que está presente na prática de leitura.Aquele que lê amplia seu
universo, mas amplia também o universo da obra a partir da sua experiência
cultural. Afinal o texto literário permite múltiplas interpretações, uma vez que é
na recepção que ele significa, mas não está aberto a qualquer interpretação,
deve ser orientado, direcionado para as pistas e estruturas de apelo,
orientando o/a leitor/a a uma leitura coerente preenchidos conforme o
conhecimento de mundo, as experiências de vida, as ideologias, as crenças, os
valores, entre outras, que carrega consigo. A literatura está comumente
associada à ideia de estética, ou melhor, da ocorrência de algum procedimento
estético. Um texto é literário, portanto, aquele que consegue produzir um efeito
estético e quando provoca catarse, o efeito de definição aristótélica, no
receptor.
Novela
A Novela surgiu como estilo literário no séc. XVIII e XIX (Romantismo)
,na Alemanha com o nome Novelle (singular) e Novellen (plural). O conto e o
romance são apenas equivalentes na ortografia com a novela nos idiomas: A
palavra conto em inglês é novella e, em francês é nouvelle; romance em inglês
é novel e em francês é roman.
É um texto narrativo que tem como objetivo contar algum fato que sirva
como informação, aprendizado ou entretenimento, que visa sempre um
receptor. Muitas vezes confundida em suas características com o romance e
com o conto, é um tipo de narrativa menos longa que o romance, possui
apenas um núcleo, ou em outras palavras, a narrativa acompanha a trajetória
basicamente de uma personagem. Acontece um único evento ou situação com
ações individualizadas em no máximo dois espaços e dois tempos. Em
comparação ao romance, se utiliza de menos recursos narrativos e em
comparação ao conto tem maior extensão e uma quantidade maior de
personagens. Enquanto o romance provém da história, das narrativas de
viagem, é herdeiro da epopéia, a novela, por sua vez, provém de um conto, de
uma anedota, e tudo nela se encaminha para a conclusão. É importante
8
destacar que a telenovela é um tipo diferente de narrativa. Ela advém dos
folhetins, que em um passado não muito distante eram publicados em jornais.
2- ALGUNS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
A literatura é fruto da imaginação criadora do artista e do trabalho
artístico com a palavra. Revela e exprime a natureza humana. Como expressão
humana, a literatura assume três funções, segundo Antonio Cândido: a
psicológica, a formativa e a social. Assim, inicialmente,
um certo tipo de função psicológica é talvez a primeira coisa que nos ocorre quando pensamos no papel da literatura. A produção e fruição desta se baseiam numa espécie de necessidade universal da ficção e fantasia, que de certo é coextensiva ao homem, pois aparece invariavelmente em sua vida como indivíduo e como grupo, ao lado da satisfação das necessidades mais elementares. (Candido:1972)
De fato, a literatura preenche a necessidade de fantasia inerente ao
homem. Por meio da literatura torna-se possível experimentar situações por
vezes impossíveis de se concretizarem na realidade ou, simplesmente,
encontrar prazer na fantasia. Contudo, na literatura, a fantasia tem sua base na
realidade.
Por meio dessa relação com o real, a literatura passa a exercer uma
outra função – a formativa. Pelo discurso artístico, o homem passa a ter
consciência de si e da realidade que o cerca e, assim, a arte literária assume
sua função social, já que uma nova visão do homem e do mundo vem
acompanhada de possibilidade de mudança.
No contexto em que a maioria dos estudantes não tem hábitos regulares
de leitura e das angústias dos professores de Língua Portuguesa, entendendo-
se que, também, essa dificuldade advém dos problemas sociais e econômicos
do nosso país, influenciando no fracasso da escola quanto à formação de
leitores. Nesse sentido, este projeto propôs a interação do estudante/leitor com
o texto literário longo, de modo que encontrasse prazer e sentido nos textos de
literatura.
Percebeu-se, pela implementação do projeto, que as famílias dos alunos
são alfabetizadas, porém, muitas não letradas, sendo que a pobreza no
ambiente familiar interfere no letramento, isto é, todo “o material escrito com o
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qual entra em contato tanto dentro como fora da escola, ou ainda, a própria
formação precária de grande número de profissionais da escrita que não são
leitores, tendo, no entanto, que ensinar a ler e a gostar de ler” (Kleiman:1992).
Na pesquisa Retratos da leitura no Brasil, edição 2007, constatou-se que “a
leitura prazerosa é, de fato um dos mais importantes caminhos para o
desenvolvimento de outras habilidades intelectuais, com forte impacto em todo
o aprendizado. É por ela que o aluno tem acesso às diferentes áreas do
conhecimento.” Retratos da leitura no Brasil. A escola e a formação de leitores.
Andre Lázaro e Jeanete Beauchamp, p. 77. Outra constatação da pesquisa é o
tempo dedicado por leitores à leitura de livros na semana (por escolaridade):
“até a 4ª série do Ensino Fundamental menos de 1 hora é de 35% e de 4 a 10
horas de 7%; de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental menos de 1 hora é de
35%, de 4 a 10 horas de 10%; no Ensino Médio menos de 1 hora é de 28% de
4 a 10 horas 12% e no Ensino Superior menos de 1 hora é de 20% e de 4 a 10
horas 20%” ( idem p. 79).
Ezequiel Theodoro da Silva afirma que “as causas fundamentais da crise
da leitura não estão vinculadas à presença e influência da televisão na
sociedade brasileira, como parece explicar o senso-comum . Essa crise advém,
fundamentalmente, primeiro da participação desigual das classes sociais no
que tange ao acesso e à fruição dos conhecimentos veiculados pela escrita,
em segundo lugar pelas formas arbitrárias e fetichizadas de se conceber e de
se produzir a leitura. O agravamento das contradições do capitalismo
dependente e a erosão paulatina do sistema burguês(...) reproduzindo um
sistema de privilégios, onipresente e enraizado na estrutura social brasileira...”
(Theodoro da Silva: 1993).
Procurou-se atribuir às aulas de leitura, na implementação do projeto,
situações que proporcionassem o desenvolvimento do ato de ler e a
importância da leitura de obras literárias, pois “O ensino da leitura é
fundamental para dar solução ao problema relacionado ao pouco
aproveitamento escolar: ao fracasso na formação de leitores, podemos atribuir
ao fracasso geral do ensino básico e fundamental.” (Kleiman: 1992)
Segundo Gianni Rodari “as palavras não estão presas ao seu significado
cotidiano, mas libertas da cadeia verbal, levando à aprendizagem da e sobre a
10
leitura.” (Rodari: 1982). Nesse contexto, esse projeto levou aos educandos
estratégias de leitura definidas a partir de tarefas resolvidas sempre com a
mediação do docente. Assim sendo, deu condições para o leitor em formação
retomar o texto e compreendê-lo melhor, podendo construir o seu próprio saber
e aprimorar a sua competência lingüística, possibilitando a interdisciplinaridade
e o aprofundamento do conhecimento na pluralidade cultural brasileira.
O autor francês Bellenger alerta que “a leitura se baseia no desejo e no
prazer”
Em que se baseia a leitura? No desejo. Esta resposta é uma opção. É
tanto o resultado de uma observação como de uma intuição vivida. Ler
é identificar-se com o apaixonado ou com o místico. É ser um pouco
clandestino, é abolir o mundo exterior, deportar-se para uma ficção,
abrir o parêntese do imaginário. Ler é muitas vezes trancar-se ( no
sentido próprio e figurado). É manter uma ligação através do tato, do
olhar, até mesmo do ouvido (as palavras ressoam). As pessoas leem
com seus corpos. Ler é também sair transformado de uma experiência
de vida, é esperar alguma coisa. É um sinal de vida, um apelo, uma
ocasião de amar sem a certeza de que se vai amar. Pouco a pouco o
desejo desaparece sob o prazer. ( Bellenger:1978)
Ao contrário disso, a leitura em sala é considerada pouco sedutora, por
ser obrigatória, assim torna-se uma atividade árida, estressante, cansativa,
exaustiva e chata da escola.
Procurou-se trazer à tona, com o desenvolvimento desse projeto, o
prazer à literatura e o encaminhamento à formação de leitores competentes,
mobilizando os docentes a elaborarem estratégias. O aluno “deve entender a
leitura como comunicação e interlocução, isto é, o texto foi escrito para dizer, e
mediante o dizer fazer: persuadir, chocar, enganar.” (Kleiman:1992) . É na
literatura infanto-juvenil que se descobre a cada ato da leitura que a imagem e
a palavra co-habitam o espaço do livro, agindo sobre “as emoções e o
imaginário dos leitores; refletindo sobre a realidade.”(Maia:2007).
3- IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO
11
No processo de implementação do projeto, o conhecimento do público-
alvo é imprescindível, pois seu perfil determina e orienta as ações do professor.
Para tanto, aplicou-se uma sondagem sobre a importância da leitura para um
grupo de 51 alunos. Ao serem questionados pelo gosto à leitura,
surpreendentemente 98% responderam que gostavam de ler e apenas 2% não
(gráfico 1 ). Na sequência questionou-se sobre a importância do ato de ler e,
mais uma vez a surpresa, 100% consideram positivo ( gráfico 2 ). Quanto ao
incentivo em casa, mostrou-se que 94% recebem e apenas 6% não são
incentivados à leitura ( gráfico 3 ), sendo que para 90% o incentivo vem da
mãe, 5% do pai e 5% de parentes ( gráfico 4 ). Desses, 78% leem em casa
(livros ou revistas comprados pelos pais ou recebidos de presente) e 22%
emprestam livros na biblioteca da escola ou pública - Farol do Saber ( gráfico
5 ). Questionou-se se alguém já havia contado alguma história e a resposta foi
positiva para 88% e negativa para 12% ( gráfico 6 ). Indagou-se sobre a
lembrança de alguma história e 80% disse que sim e 20% que não ( gráfico
7 ). Arguiu-se quanto à época em que mais leu e a resposta foi 4% na
Educação Infantil e 1ºano (antiga 1ª série), 19,5% no 2º ano, 17,5% no 3º ano
e 59% no 4º ano ( gráfico 8 ): quando 90,2% a professora lia para eles ou lia
junto e 9,8% não.
Quanto ao questionamento a respeito das motivações para a leitura,
27% disseram que é quando a professora manda e 73% leem por si (gráfico
9 ). Desses, 76,5% vão à biblioteca por conta, contra 23,5% obrigados pela
escola ( gráfico 10 ). Dentre o universo de 51 questionados obtivemos a leitura
por títulos lidos em 47% um título; 35,3% dois títulos; 15,7% três títulos e 2%
quatro ou mais títulos ( gráfico 11 ).
A respeito do gênero que mais gosta a resposta foi poesia 21,5%; conto
19,6%; crônica 3,9%; lendas 19,6%; romance e novela 3,9% cada um; fábula
27,6% ( gráfico 12 ).
Seguem os gráficos dessa pesquisa:
12
Gráfico1
Fonte: Implementação do projeto
Gráfico 2
Fonte: Implementação do projeto
Gráfico 3
Fonte: Implementação do projeto
13
Pesquisa sobre leitura
98%
2%Gostam de ler Não gosto de ler
Importância do ato de ler
100%
Incentivo da leitura em casa
0%
96%
4%
recebem não recebem
Gráfico 4
Fonte: Implementação do projeto
78%
22%
Leitura de Livros eRevistas
Leem em casa
Biblioteca
Gráfico 5
Fonte: Implementação do projeto
88%
12%
Ouviu algumahistória
Sim
Não
Gráfico 6
Fonte: Implementação do projeto
14
Incentivo da leitura em casa
90%
5%
5%
incentivo da mãe
incentivo do pai
incentivo dos parentes
80%
20%
Lembra de alguma história
Sim
Não
Gráfico 7
Fonte: Implementação do projeto
4%
20%
17,5%
59%
Época em que mais leu
Ed.Infantil e 1ºano
2ºano
3ºano
4ºano
Gráfico 8
Fonte: Implementação do projeto
27%
73%
M otivaçãopara a le itura
professora
por s i
Gráfico 9
Fonte: Implementação do projeto
15
76,5%
23,5%
Ida à biblioteca
por si
obrigado poralguém
Gráfico 10
Fonte: Implementação do projeto
47%
35%
15,7%
2%
Leitura de títulos
Um título
Dois títulos
Três títulos
Quatro ou mais
Gráfico 11
Fonte: Implementação do projeto
21,5%
19,6%
3,9%
19,6%
3,9%
27,6%
Gênero favorito
Poesia
Conto
Crônica
Lendas
Romance e novela
Fábula
Gráfico 12
Fonte: Implementação do projeto
16
Os resultados dessa pesquisa confirmaram os resultados da pesquisa
Retratos da Leitura no Brasil e o fato de a Novela ser um gênero pouco
explorado pela escola.
Antes da leitura da novela Um sonho no Caroço de Abacate, de Moacyr
Scliar, foi trazida aos/as alunos/as a definição da palavra sonho e o
questionamento sobre o qual sonho de futuro de cada um dos alunos/as. Em
seguida, foi apresentada uma breve biografia do autor, destacando a sua
origem e da sua família, questão essa abordada durante a narrativa do livro.
Fez-se, também, a historiografia do gênero novela em comparação aos
gêneros conto e romance, acrescida de vocábulos pertinentes à narrativa da
novela e provocações quanto aos termos a serem trabalhados em relação aos
assuntos diversidade e pluralidade cultural - a história dos negros brasileiros, a
imigração judia, relatos sobre anti-semitismo. Só depois iniciou-se a leitura da
obra, feita em sala de aula, oralmente, comentada pela professora e os/as
alunos/as, buscando-se, assim a construção da compreensão do texto. Embora
a leitura fosse extensa, a maioria dos estudantes se envolveu, surpresos com
os fatos apresentados pelas personagens. Após a leitura, foi feito o estudo e
reflexão da linguagem e intenção do autor, apresentando o tipo de narrativa, o
tempo, o espaço e os discursos direto e indireto presentes na obra. Em
seguida, buscou-se na pesquisa o significado de termos usados durante a
narrativa, relacionando-os aos termos usados no cotidiano da língua
portuguesa oriundos da linguagem africana. Buscou-se trabalhar a questão da
diversidade apresentando a obra de Graciliano Ramos, lida com os/as
alunos/as e um clipe cujo título é homônimo da obra de Graciliano Ramos –
Terra dos Meninos Pelados e outro clipe da música intitulada Diversidade de
Lenine, mesclando debates, discussões acerca das situações apresentadas
pela leitura dos textos encaminhados, dentre outras destacaram-se como alvo
o respeito às diferenças e os limites estabelecidos socialmente para o equilíbrio
nas manifestações culturais. Foram trabalhados em sala elementos da cultura
judaica, africana através da releeitura manifestada por meio de desenhos,
colagens, histórias em quadrinhos e poesias, motivando-os e estimulando-os
para o filme The Boy in the Stripped Pyjamas. Tomando como ponto de partida
a discriminação e a perseguição dos judeus durante a II Guerra, presente na
trama da película, discorreu-se sobre um fato muito comum nos dias de hoje
17
nas escolas que é o bullying, levando à reflexão por um mundo mais solidário e
menos violento.
Seguem algumas ilustrações:
Figura1
Fonte:http//www. seboegibitecatuneldotempo
Figura 2
Fonte:http://www.amarildocharge.wordpress.com
18
Figura 3
Fonte: Implementação do projeto
Figura 4
Fonte: Implementação do projeto
Figura 5
Fonte: Implementação do projeto
19
Figura 6
Fonte: Implementação do projeto
Figura 7
Fonte: Implementação do projeto
Figura 8
Fonte: Implementação do projeto
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Figura 9
Fonte: Implementação do projeto( H.Q.)
Figura 10
Fonte: Implementação do projeto
Para a culminância do projeto, propôs-se aos alunos/as a resenha da
obra de Moacyr Scliar, instigando-os e alertando-os quanto a diversidade
cultural brasileira, ressaltando não só a cultura judaica apresentada pela obra
Um sonho no Caroço de Abacate, como a cultura afro-brasileira e africana -
ressalta-se que a lei 10.639/2003 estabeleceu a obrigatoriedade de inclusão de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica.
Após todas essas atividades oportunizou-se a temática explorada a todos os
alunos do colégio através de cartazes e enquetes. O diálogo proporcionado
entre os diversos textos e a interdisciplinaridade apresentou uma abordagem
da obra Um sonho no Caroço de Abacate de Moacyr Scliar em consonância ao
que postulam as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa (2008), pois o
produto literário não pode ser apreendido somente sem sua constituição, e o
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entendimento do que seja literatura está sujeito a modificações históricas. Daí a
importância de se estabelecerem relações dialógicas do texto literário com
outros textos, considerando-se a linguagem, o contexto de produção, a cultura,
entre outros, a fim de que o estudante possa compreender a obra literária em
todas as suas dimensões.
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Formar o leitor de textos literários longos é, certamente, um dos
objetivos, senão o maior de se trabalhar a literatura na escola. Contudo, esse
ainda se constitui num desafio para o/a professor/a da Educação Básica. Haja
vista, alguns resultados obtidos na coleta de dados ao iniciar a implementação
do projeto Ler, eis a questão: como incentivar a leitura de textos literários
longos?,
Esse projeto buscou centrar seu objeto no estudo do texto literário mais
longo, especificamente a novela, e na análise em suas relações com outros
textos, formas de linguagem e expressões culturais. Dessa forma, os
encaminhamentos metodológicos do projeto apontam para a
interdisciplinaridade e multiplicidade de textos – literários, cinematográficos,
musicais e outras formas de contextualização da obra literária.
É visível a interação do estudante com a obra quando encontra sentido
naquilo que lê. Todavia, nessa troca faz-se necessário o mediador, o professor,
de modo a garantir uma leitura compreensiva e a formação de um leitor mais
autônomo para outras situações de leitura. Há que se considerar que se
trabalha com um público alfabetizado, porém não letrado, e, portanto,
inexperiente, ainda com dificuldade até de estabelecer relações entre
elementos internos que compõem a obra. Daí a importância do/a professor/a e
seu papel em aliar o texto literário a outras linguagens e culturas, ampliando o
repertório, o conhecimento e a experiência do estudante/leitor.
No decorrer da implementação desse projeto percebeu-se, pelos
registros feitos pelos alunos, que a leitura de textos longos pode ser bem
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trabalhada e recebida se houver uma preparação por parte do professor para a
apresentação e acompanhamento da leitura da obra.
Por fim, as observações e anotações feitas ao longo do desenvolvimento
do projeto, foram decisivas no encaminhamento das leituras durante o
processo de implementação, pois possibilitaram constantes reflexões em torno
dos referenciais teóricos que subsidiaram o projeto e a recepção das várias
linguagens textuais e das atividades propostas. Em síntese, verificou-se que a
resistência à leitura observada em uma grande parte dos estudantes, foi dando
lugar ao envolvimento com o texto, conforme as várias leituras iam sendo
apresentadas e propostas, o que revela, de certa forma, um novo caminho
aberto para a leitura de textos literários longos em sala de aula.
5- REFERÊNCIAS
BELLENGER, L. Os Métodos De Leitura. Trad. De Dora Flasksman Rio De
Janeiro: Zahar Editores, 1978.
CANDIDO, A. A literatura e a formação do homem. São Paulo: Ciência e
Cultura,1972.
FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. Trad. De Bruno Charles Magne.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
FREITAS, Maria Teresa A. O pensamento de Vygostsky e Bakhtin.
Campinas, São Paulo: Papirus, 1994.
KLEIMAN, ANGELA. A concepção escolar da leitura. São Paulo: Pontes,
2007
KLEIMAN, ANGELA. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas: São
Paulo: Pontes, 2004.
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PARANÁ. Secretaria de Estado de Educação. Superintendência da Educação.
Diretrizes Curriculares. Curitiba, 2008.
RODARI, G. Gramática da Fantasia. Trad. Antonio Negrini.. São Paulo:
Summus, 1982.
RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL / Organizador Galeno Amorim. São
Paulo: Imprensa Oficial: Instituto Pró-livro, 2008.
SILVA, EZEQUIEL THEODORO DA. Leitura na Escola e na Biblioteca. São
Paulo: Papirus, 1993. 4ª edição.
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