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José Wanderley Novato Silva
O Modelo de Gestão de Resíduos Sólidos ea Geração de Emprego e Renda:
A Experiência da Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte
Dissertação apresentada ao Curso de Mestradodo Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em
Administração / UFMG como pré-requisito à obtençãodo título de Mestre em Administração.
Área de Concentração: Recursos Humanos e OrganizaçõesOrientador: Prof. Dr. Allan Claudius Queiroz Barbosa
Belo HorizonteFaculdade de Ciências Econômicas
2000
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Eu quando era menino era menino normal, portanto
não gostava de escola. Minha mãe vivia falando comigo:
“se você não estudar quando você crescer vai ser lixeiro”.
Marco Túlio Edwiges
Diretor de Mobilização Social
Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte
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AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a todos aqueles que me incentivaram e apoiaram a
realização deste trabalho.
Sem o conhecimento, a experiência e a dedicação do meu orientador Prof.
Allan Claudius Queiroz Barbosa este trabalho jamais passaria de uma boa
intenção.
As observações inspiradas do Prof. Reynaldo Maia Muniz enriqueceram o
trabalho e ajudaram a focalizar o objeto do estudo.
Os demais professores do CEPEAD tornaram claros temas fundamentais para
execução deste trabalho.
A convivência com os meus colegas de mestrado facilitou o andamento da
pesquisa nos momentos mais difíceis.
Todos os meus amigos, particularmente Maurício Alexandre Silva Moreira,
também são sócios dos possíveis méritos dessa empreitada, colaborando com
o apoio e amizade durante todo o tempo do trabalho.
Os funcionários da SLU - particularmente Marco Túlio Edwiges, Mara Luíza
Alvim e Verli - e da ASMARE - D. Geralda e Reginaldo - estiveram disponíveis
em todos os momentos necessários.
Minha namorada Milene Brizeno Chalfum soube ajudar-me suprindo minhas
deficiências ao computador.
Last, but not least, minha família não só me forneceu todo o suporte de que eu
necessitei como também a tranquilidade necessária para que o estudo
pudesse ser realizado a contento.
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SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS...........................................................................................
LISTA DE FIGURAS.........................................................................................
LISTA DE ANEXOS..........................................................................................
RESUMO..........................................................................................................
ABSTRACT......................................................................................................
1 APRESENTAÇÃO...................................................................................
2 REFERENCIAL TEÓRICO.......................................................................
2.1 Introdução.................................................................................................
2. O Caso Brasileiro: Novos Atores em Cena...................................................
2.3 A Gestão Urbana no Brasil e seus Condicionantes......................................
2.4 A Problemática dos Resíduos Sólidos Urbanos..........................................
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...................................................
4 RESULTADOS...........................................................................................
4.1 Contextualização :A Trajetória da Coleta de Lixo em Belo Horizonte........
4.2 A Implantação do modelo............................................................
4.3 A Estratégia dos Atores e os Processos de Gestão: A Gestão do Modelo
“para dentro”..............................................................................................
4.4 A Estratégia dos Atores e os Processos de Gestão: A Gestão do Modelo
“para fora”..................................................................
5 ANÁLISE DOS RESULTADOS...................................................................
6 CONCLUSÕES...........................................................................................
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................
5
8 ANEXOS.....................................................................................................
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LISTA DE SIGLAS
ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas
AMAS - Associação Municipal de Assistência Social
A M S - Assessoria de Mobilização Social
ASMARE - Associação dos Catadores de Papel e Materiais Recicláveis de
Belo Horizonte
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
CDHC - Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania
IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano
ISO - International Standardization Organization
LEV - Locais de Entrega Voluntária
LIFE - Local Iniciative Facility for Urban Environment
ONG - Organização não-governamental
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SLU - Superintendência de Limpeza Urbana
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LISTA DE FIGURAS
Relação dos entrevistados
Modelo de implementação de políticas públicas
Peso relativo das fontes financeiras da ASMARE - 1996
Demonstrativo da ASMARE até 1998
Comparativo anual da produção de resíduos sólidos
Demonstrativo de despesas da ASMARE
Organograma Oficial da SLU
Organograma Informal da SLU
Organograma da ASMARE
Produção dos Galpões ASMARE - 1998
Produção dos Galpões (Custo) - 1998
Responsabilidades dos parceiros da Coleta Seletiva
Resumo dos principais resultados quantitativos alcançados até 1998
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LISTA DE ANEXOS
ANEXO I - Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte
ANEXO II - Agenda 21 - Seção 27
ANEXO III - Legislação para o Terceiro Setor
ANEXO IV - Carta Aberta de Pieffe Galand, Secretário-Geral da OXFAM -
Bélgica, apresentando sua demissão do Grupo de Trabalho dos Organismos
não governamentais do Banco Mundial e de seu Conselho de Iniciativas
ANEXO V -
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RESUMO
O processo histórico de urbanização brasileiro engendrou um panorama de
grandes complicações para a gestão urbana. Nesse contexto uma das
questões que emergiu recentemente para a agenda pública foi a gestão dos
resíduos sólidos urbanos - que constitui-se em típica política pública de
referência local.
Face às dificuldades das finanças públicas o desafio da gestão constituiu-se
em encontrar alternativas viáveis de provimento dos serviços através de
parcerias com a sociedade.
Dentro desse quadro o presente trabalho empreende uma análise do modelo
de gestão de resíduos sólidos da Superintendência de Limpeza Urbana de
Belo Horizonte - MG, focalizando a parceria constituída com a Associação dos
Catadores de Papel, Papelão e Materiais Recicláveis.
Através de uma pesquisa qualitativa, de natureza descritiva foram explicitados
os principais problemas enfrentados pelos agentes envolvidos no processo de
formulação e implementação deste programa, bem como os mecanismos de
gestão encontrados para tratá-los.
Observou-se que a estrutura da SLU mostrou-se inicialmente inadequada para
operacionalizar com agilidade a implementação, o que implicou em uma
reestruturação “informal” da instituição e na adoção de procedimentos
diferenciados no relacionamento com a comunidade. Verificou-se também que
o processo da parceria carregou em seu bojo processos de geração de renda
e emprego para um segmento da população até então à margem da sociedade
- os catadores de papel, tendo como resultados simultaneamente a viabilização
a coleta seletiva de materiais prevista pela Lei Orgânica do município, quanto o
resgate da cidadania, através da profissionalização e inserção social dos
catadores.
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ABSTRACT
The historical process of brazilian urbanization has encountered a panorama of
large complications in urban management. In this context one of the questions
that has recently emerged as a matter of public agenda has been a solid wate
management - which has been constituted as a typical matter of local public
policy.
In order to face up to the difficulties of public finances, the challenge of
management has been to find viable alternatives for the provision of the services
through a partnership with society.
Within this context this present work undertakes na analysis of the model of the
solid waste management presented by Superintendent of Urban Sanitation
(SLU) of Belo Horizonte, MG, focusing on the partnership formed with the
Association of the Street collectors of Paper, Cardboard and Recyclable
Materials.
Through qualitative research of a descriptive nature, the principal problems
faced by the agents involved in the formulation and implementation of this
program were explained, as well as the mechanisms of management used to
treat the problems.
It was observed that the structure of the SLU showed itself to be inicially
inadequate to the task of operationalizing na imlementation. This implied na
“informal” restructuring of the institution and the adoption of different procedures
in the relationship with the community. It was also verified that the process of the
partnership held in its depht processes for the generation of revenue and jobs for
a segment of the population that had been at the margins of society up until then:
the street collectors. This had the simultaneous results of creating a viable
means for the selective collection of materials as prescribed by the Organic Law,
and rescuing a segment of the population, trough the profissionalization and
social insertion of the street collectors.
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1 Apresentação:
Meio Ambiente e Gestão Urbana - Os Desafios Contemporâneos
O objetivo deste trabalho é discutir e analisar o modelo de gestão de resíduos
sólidos adotado pela SLU (Superintendência de Limpeza Urbana) de Belo
Horizonte. Esta discussão ganha relevância pois o gerenciamento dos resíduos
sólidos é hoje um dos principais problemas na área de meio ambiente. Abordar
este problema é, segundo AMORIM (1996) “tocar em assunto palpitante, que
desperta temores e representa um imenso desafio à população e à capacidade
técnica da grande maioria dos núcleos urbanos brasileiros” (p. 17).
Segundo CAVALCANTI (1998) pode-se dizer que a década de 70 foi a década
da água, a de 80 foi a década do ar e a de 90, dos resíduos sólidos. Não só no
Brasil como também nos EUA a abordagem relativa a resíduos sólidos iniciou-
se somente em fins da década de 80, quando aguçou-se a problemática
referente à quantidade desses resíduos cujas características de
inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade
podem colocar em risco populações inteiras.
Descrevendo a “irracionalidade” da aventura tecnológica contemporânea
FRANCO (1993) lembra que os EUA produzem mil novos compostos químicos
por ano, muitos deles mais complexos que seus predecessores, enquanto o
montante global de lixo de alto risco subiu de 10 para 35 milhões de toneladas
entre as décadas de 70 e 80. SMOLKA (1993) afirma que as cidades não
representam apenas um palco privilegiado para a “tragédia ambiental” . “Ela é
parte essencial do enredo, quando não a própria trama” (p. 133) em virtude da
impossibilidade de separar os problemas ambientais dos processos de
urbanização em geral.
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Nas últimas décadas foram se acumulando evidências de que o
desenvolvimento econômico alcançado por alguns e perseguido por muitos
países estava causando efeitos trágicos sobre o meio ambiente.
Entre as questões que permeiam essa temática incluem-se segundo HOGAN
(1992) as pressões da sociedade, que condicionaram a emergência de um
movimento ambientalista global. Por um lado essas demandas são traduzidas
pela legislação. GROSZEK (1998) afirma nesse sentido não haver grandes
diferenças entre a legislações européia - considerada mais avançada e
responsável - e a brasileira, contendo ambas o princípio da responsabilidade
do gerador de resíduos.
Para NAHUZ (1995) do lado das empresas houve uma movimentação em
direção à qualidade, a partir das orientações técnicas da International
Stardadization Organization.1 A partir de 1971 a ISO constituiu três comitês
técnicos para tratar exclusivamente da normatização de métodos e análises
ambientais. A partir de 1978 vários “selos verdes” foram implementados. Na
década de 1990 os esforços resultaram na criação do sistema ISO 14000 - que
demarca critérios certificadores de conformidade ambiental. Esta norma
incorpora a questão do manejo e destinação adequada dos resíduos - e insere
a questão ambiental no contexto empresarial de competitividade do atual
momento capitalista.
Segundo TONDOWSKI (1998) a indústria de papel foi pioneira nesse aspecto.
Este autor lembra que mesmo no Brasil, no início da década de 90, as
indústrias de papel que exportavam já se preocupavam com a criação de um
“selo verde”, porque as indústrias papeleiras eram objeto de uma atenção
muito grande de suas concorrentes multinacionais que atuavam em mercados
como o europeu e o canadense.
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Uma resposta institucional às preocupações sobre o crescente impacto da
atividade humana sobre os recursos naturais veio em 1983, quando a ONU
criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento para
discutir e propor meios de harmonizar os dois objetivos - desenvolvimento
econômico e conservação ambiental.
O conceito de desenvolvimento econômico passou a sofrer então um processo
de revisão que percebia sobretudo as dimensões política e ética nele inscritas,
o que tinha sido bastante subestimado pela teoria econômica clássica. O
conceito estreito de "desenvolvimento econômico" foi contraposto ao conceito
mais amplo de "desenvolvimento sustentável".
O conceito de desenvolvimento sustentável origina-se segundo CAPORALLI
(1995) de uma crítica ao conceito de desenvolvimento econômico criado e
popularizado a partir do final da 2a Guerra Mundial, num contexto de formação
de organismos multilaterais de fomento, como o Banco Mundial e Banco
Interamericano (BID) bem como de uma teoria econômica que depositava na
ação regulatória do Estado a possibilidade de manutenção de taxas de
crescimento mais elevadas.
O conceito deu fundamento a uma ideologia altamente otimista que previa o
crescimento econômico indefinido, visto como um processo de utilização cada
vez mais intensivo de capital, de redução do uso de mão de obra e de
utilização extensiva dos recursos naturais. Neste sentido, uma das
características centrais nele implícita era a inconsciência em relação às
repercussões ambientais e de degradação ecológica derivada das atividades
econômicas.
Segundo CAPORALLI (1995) a crítica à irresponsabilidade com que a teoria
econômica enfrentava os problemas de ordem ambiental surgiu inicialmente
1 A ISO é uma organização não-governamental fundada em 1947 com sede em Genebra, Suíça, que atuacomo uma federação mundial de organismos nacionais de normatização (entre eles a ABNT -
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entre cientistas da natureza. Em fins da década de 70 uma organização não-
governamental, o Clube de Roma, contratou uma equipe de cientistas que
elaborou uma catastrófica projeção para o início do século XXI - assentada
sobre as tendências então vigentes. A partir daí daí ganhou força o conceito de
desenvolvimento sustentável, isto é, aquele que é capaz de suprir as
necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade de atender as
necessidades das futuras gerações.
O novo conceito buscava combinar os mecanismos de correção econômica
com medidas de controle administrativos e sistemas de decisão pactuada
entre os diversos atores da sociedade civil: Estado, empresas e organizações
não-governamentais. O princípio básico era a valorização da qualidade em vez
de quantidade, com a redução do uso de matérias-primas e produtos e o
aumento da reutilização e da reciclagem - o que diz respeito diretamente tanto
aos padrões de consumo da sociedade contemporânea quanto à forma de
encarar o lixo que ela produz.
A Organização das Nações Unidas colocou-se desde logo entre as instituições
defensoras da revisão do modelo de desenvolvimento tradicional através do
lançamento do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
Promoveu no Rio de Janeiro em junho de 1992 uma reunião de cúpula que
resultou na criação da “Agenda 21”, onde estão reunidos diversos programas e
mecanismos internacionais que objetivam um processo de transformação
cultural, de mudança de mentalidades e de comportamentos em direção a uma
sociedade com padrões sustentáveis de produção e de consumo.
Um dos aspectos inovadores, realçado no texto final do documento é a
afirmação da importância da participação das chamadas Organizações Não-
Governamentais entre os entes públicos e privados no processo. A seção 27
da Agenda 21 reza que:
Associação Brasileira de Normas Técnicas).
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“As organizações não-governamentais, inclusive as
organizações sem fins lucrativos que representam os grupos
de que se ocupa esta seção da Agenda 21, possuem uma
variedade de experiência, conhecimento especializado e
capacidade firmemente estabelecidos nos campos que serão
de particular importância para a implementação e o exame de
um desenvolvimento sustentável, ambientalmente saudável e
socialmente responsável, tal como o previsto em toda a
Agenda 21. Portanto, a comunidade das organizações não-
governamentais oferece uma rede mundial que deve ser
utilizada, capacitada e fortalecida para apoiar os esforços de
realização desses objetivos comuns”. (ver anexo II)
Nesse sentido:
“a sociedade, os Governos e os organismos internacionais
devem desenvolver mecanismos para permitir que as
organizações não-governamentais desempenhem seu papel
de parceiras com responsabilidade e eficácia no processo de
desenvolvimento sustentável e ambientalmente saudável”.
(ver anexo II )
A recomendação é de que os Governos devem tomar medidas para o
financiamento e fortalecimento institucional das organizações não-
governamentais em todas as suas instâncias.
No caso brasileiro, segundo FERREIRA (1993) a incorporação de uma
estrutura ecológica nos processos de decisão política e econômica encontra
certas limitações concernentes à formação social histórica da política ambiental
brasileira, caracterizada simultaneamente pelo paternalismo e autoritarismo.
Os posicionamentos do governo brasileiro frente à questão ambiental
esbarraram ainda na perspectiva de que o crescimento econômico não poderia
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ser sacrificado em nome de um ambiente mais puro - o que frequentemente
levou a discussão para a questão da soberania nacional.
Enquanto os anos 80 assistiram ao crescimento do movimento ecológico no
país, a própria redemocratização ocorrida na década tornou o poder mais
permeável às suas demandas. No entanto somente a partir dos anos 90 houve
uma incorporação do discurso ambientalista por parte do governo federal,
particularmente a partir da Conferência Mundial de Desenvolvimento e Meio
ambiente ocorrida em 1992.
No nível federal, através do Decreto de 26 de fevereiro de 1997 o Governo
brasileiro criou a Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da
Agenda 21 Nacional com a finalidade de propor estratégias de
desenvolvimento sustentável e coordenar, elaborar e acompanhar a
implementação daquela Agenda.
O processo de crescimento urbano registrado no Brasil tem sido acompanhado
pelo aumento dos problemas que incidem diretamente sobre a qualidade de
vida dos moradores nas cidades. Estima-se que cada brasileiro produza em
média 1kg/dia de lixo (AMORIM,1996).
No que se refere ao lixo industrial ALVES (1998) ilustra o problema
apresentando os dados oriundos do mais recente levantamento realizado no
estado de São Paulo pela CETESB apontando que somente neste estado são
gerados anualmente 535 mil toneladas de resíduos Classe I, perigosos, e 25
milhões de toneladas de resíduos Classe II, que são menos problemáticos em
termos de potencial poluidor.2
2 A legislação brasileira divide o resíduos em três classes: Classe I, chamados perigosos, Classe II,chamados de resíduos não-inertes, e os Classe III, inertes. Os resíduos Classe I e III são a minoria.Para ser resíduo Classe I, como na legislação americana, o resíduo tem que ser a característica deinflamabilidade, corrosividade, de reatividade e de toxicidade e patogenicidade. Os resíduos Classe IIIsão aqueles que praticamente têm como característica um extrato solubilizado igual aos padrões de água
17
No nível estadual em Minas Gerais (em 1994) o programa "Todos por Minas"
foi a primeira iniciativa nesse sentido, propondo para o período 1995-98
elaborar uma “Agenda 21” para Minas Gerais estabelecendo a Agenda 21
como a referência básica de uma política de desenvolvimento sustentável .
Em 1995, o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado afirmava que tanto os
programas estruturantes, quanto os programas setoriais prioritários e as ações
permanentes dos diversos sistemas governamentais deveriam ter como
referência básica a questão ambiental como uma diretriz subjacente à todas as
políticas públicas e ações governamentais.
Para o nível municipal o capítulo 28 da Agenda 21, que trata das
responsabilidades das autoridades locais, tem servido de referência para
balizar a ação de prefeitos, tendo sido transcrito pelo Governo estadual em
manual voltado para os municípios - com os quais pode estabelecer
interlocução e definir estratégias de ações integradas.
Como forma de estimular esta participação do nível local - considerado
estratégico pela proximidade dos cidadãos - a ONU criou o Programa LIFE
(Local Iniciative Facility for Urban Environment), lançado no Brasil em 1993, e
que dava os primeiros passos no sentido de potencializar a participação da
sociedade civil na implementação de projetos sintonizados com os princípios
da Agenda 21.
Belo Horizonte foi uma das cidades escolhidas pela Coordenação Geral do
Programa LIFE para participar dessa iniciativa, segundo uma avaliação que
estabelecia como critério a adequação das dinâmicas de processos sociais
locais à filosofia e metodologia LIFE (Brazil LIFE,1994). Um dos projetos aos
quais o LIFE se associou foi o da implementação da coleta seletiva gerenciada
pela Associação dos Catadores de Papel e Materiais Recicláveis (ASMARE).
potável, o que é muito raro. Então, o que não for classe I ou Classe III é, por exclusão, Classe II.(GROSZEK, 1999)
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Esse projeto carregava em seu bojo processos de geração de renda e
emprego através da profissionalização dos catadores.
Esse projeto foi construído através de uma parceria desta Associação com a
Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte (SLU) cujo modelo de
gestão de resíduos sólidos na cidade havia sido reorientado de uma
perspectiva de “engenharia de limpeza” para outra que incluía a participação de
diversos atores no processo da coleta, tratamento e destinação do lixo. Foi
nesse contexto que surgiu, entre inúmeras outras, a parceria com a ASMARE.
Embora não se possa falar de um programa específico de geração de renda e
emprego como iniciativa da SLU, pode-se falar em processos de geração de
renda e emprego resultantes da forma de coleta, processamento e destinação
do lixo urbano.
A sistematização e racionalização de práticas primárias de “coleta seletiva”
historicamente presentes na cidade - como aquelas realizadas pelos catadores
de papel - institucionalizada segundo um conceito de “associativismo”
incentivado pela SLU configura por um lado a geração de emprego e renda e,
por outro, a construção da idéia de cidadania em um segmento da população
cuja história é marcada pelo preconceito e discriminação.
Os “moradores de rua” sempre foram considerados pessoas do mais baixo
status na sociedade; o próprio “morar na rua” implica uma situação de exclusão
social frequentemente associada manifestações de natureza individual -
preguiça, vadiagem ou malandragem (JACOBI, 1997).
A genérica designação “moradores de rua” pode incluir tanto mendigos ou
doentes mentais quanto outras pessoas que encontram no viver na rua uma
forma de se auto-excluir da sociedade. Soma-se a esse contingente um
número cada vez maior de indivíduos para os quais o viver na rua passou a ser
uma imposição de ordem econômica, como vítimas da crise social e
19
econômica principalmente nos países do Terceiro Mundo - e o Brasil não foge à
essa regra.
Embora estas pessoas sejam ignoradas pelos censos demográficos nacionais
as grandes cidades brasileiras vivem esse problema com particular agudeza -
e desse contingente uma parcela significativa encontra na própria rua as
condições de sobrevivência individual e familiar.
A questão da coleta, tratamento e destinação do lixo urbano - questão de alta
relevância sanitária e ambiental - envolve um sem-número de aspectos. Uma
das particularidades do tipo de coleta seletiva da Superintendência de Limpeza
Urbana de Belo Horizonte foi incluir esse segmento da população de rua - os
catadores - como agente fundamental, através de sua profissionalização.
Foi a partir da constituição desse modelo de parceria para a coleta do lixo
urbano que o presente trabalho abordou os mecanismos de gestão diretamente
relacionados, bem como procurou discutir um quadro onde as questões
ambiental, do emprego e da cidadania - componentes importantes da crise
dentro da qual as cidades brasileiras se debatem - se articulam como um
importante desafio para a gestão urbana contemporânea.
O estudo empreende uma análise do programa de geração de renda e
emprego embutido no modelo de gestão de resíduos sólidos da SLU de Belo
Horizonte, focalizando os mecanismos de gestão adotados e explicitando os
principais problemas enfrentados pelos agentes envolvidos no processo. O
trabalho está estruturado da seguinte maneira:
Um segundo capítulo, de natureza teórica, procura explicitar o marco de
referência utilizado para embasar a reflexão do modelo de gestão de resíduos
sólidos. Para isso faz inicialmente uma revisão da literatura sobre a chamada
“crise do Estado”, o que inclui uma análise do caso brasileiro, caracterizado
pela eclosão recente de movimentos sociais que implicaram a entrada em cena
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de novos atores no campo das políticas públicas. É nesse contexto que se faz
uma discussão da problemática da gestão urbana no Brasil - e da questão do
lixo em particular.
O terceiro capítulo enuncia e justifica a metodologia empregada, discutindo a
complexa questão em que se constitui a análise de políticas públicas. No
quarto capítulo encontra-se a descrição propriamente dita do modelo de gestão
de resíduos sólidos da Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte
(SLU), bem como dos seus impactos no que diz respeito à geração de emprego
e renda, o que significa incluir a ASMARE como o outro pólo da parceria. Aqui
estarão explicitados todos os resultados relevantes da pesquisa.
A análise dos resultados descritos no capítulo anterior é a matéria do quinto
capítulo. O sexto capítulo foi reservado para comentários à guisa de conclusão,
bem como para algumas sugestões de futuros estudos sobre o tema. O bloco
bibliográfico e os anexos que complementam o trabalho encontram-se no final.
21
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2. 1 Introdução: A Sociedade e o Estado em Foco - e a Inserção Brasileira
A reflexão sobre ações de natureza pública no espaço contemporâneo
remetem inicialmente à necessária discussão sobre o processo de
reorganização do Estado à luz de ideários distintos daqueles que nortearam a
lógica do pós-guerra.
Para isso em primeiro lugar é forçoso considerar que o macro-contexto do
objeto a ser investigado é o processo de reforma ou reconstrução do Estado.
Segundo PEREIRA (1998) essa perspectiva veio complementar aquela
centrada na temática do ajuste estrutural - ou ajuste fiscal e as reformas
orientadas para o mercado - que ganhou força em todo o mundo logo após a
crise de endividamento internacional na década de 80.
A reforma do estado no entanto é um tema bastante amplo, envolvendo
simultaneamente componentes políticos, econômicos e administrativos. Parece
haver certo acordo no entanto, segundo PEREIRA (1998), na transição
necessária de uma perspectiva auto-referente que caracteriza o Estado
burocrático para outra orientada para o cidadão.
O pano de fundo onde delineiam-se os problemas apresentados é a discussão
recente sobre os processos de redefinição do papel do Estado após a
derrocada das experiências do socialismo real e a hegemonia do projeto
liberal. Segundo KURZ (1993, p.07) o fracasso do socialismo de Estado
“estimulou enormemente todas as ilusões do Ocidente sobre si mesmo. A
consciência crédula na economia de mercado encara-se como vencedora da
história.”
GILPIN (1994) afirmam que o fim da guerra fria incentivou o debate
internacional acerca da natureza da nova ordem política e econômica mundial.
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Discute-se se o fim da estabilidade bipolar levaria a uma situação de ampla
hegemonia dos Estados Unidos ou a um mundo multipolar caracterizado por
novas formas de conflitos étnicos, políticos e econômicos. Segundo este autor
no centro do debate encontra-se a questão do papel dos fatores econômicos
como fonte de cooperação ou conflito internacional.
VIEIRA (1999) argumenta que muitos vêem o fracasso do mundo soviético
como uma prova da superioridade da lógica do mercado sobre a lógica do
Estado. Para este autor sob a ótica ultraliberal a vitória do capitalismo trouxe
como consequência um processo de globalização da economia prenunciando
este período um estágio superior no desenvolvimento da humanidade, com as
enormes perspectivas advindas do desenvolvimento de novas tecnologias.
No entanto o conceito de globalização está segundo este mesmo autor
excessivamente ligado à economia. O relatório do Fundo Monetário
Internacional (1997) define a globalização como:
“a interdependência econômica crescente do conjunto dos
países do mundo, provocada pelo aumento do volume e da
variedade de transações internacionais de bens e serviços, e
também pelos fluxos internacionais de capitais e pela difusão
acelerada e generalizada da tecnologia” .3
Para SILVA (1999) um outro resultado da globalização do capitalismo foi a
estruturação de megablocos, ou seja, dos processos de integração econômica
supranacional em escala regional.
STELZER (1999) assinala ainda o poder crescente das grandes corporações
transnacionais em relação aos Estados-nações nas quais operam. Este autor
observa que a pujança adquirida pelo capital é revelada pelos fluxos mundiais
de moeda, que atingem a cifra de um trilhão de dólares por dia.
3 Relatório do Fundo Monetário Internacional, 1997.
23
KRUGMAN E OBSTFELD (1999) endossam este raciocínio argumentando que
a ascenção do mercado internacional de capitais ao possibilitar novas relações
entre os centros financeiros do mundo inviabiliza uma estabilidade financeira
global.
ANDREWS E KOUZMIN (1998) afirmam que o impacto do neoliberalismo pode
ser sentido também no discurso da Administração Pública, que procura se
modernizar, adaptando-se ao contexto forjado pela nova ordem econômica
mundial.
Num primeiro momento a dimensão institucional da modernização do Estado
foi traduzida pela privatização (JENKINS, 1998). No entanto KURZ revela o
fracasso da ideologia anglo-saxônica de privatização dos setores públicos “de
natureza social global, não constituindo produção de mercadorias de
produtores privados” (KURZ, 1993, p.11).
MINTZBERG (1998) também recusa a redução do cidadão à figura do cliente
ao afirmar a diferença capital existente entre as atividades voltadas para o
consumidor e para o cidadão.
DOWBOR (1993, p.115) afirma que “as simplificações que consistem em gerir
o espaço público como se fosse uma empresa privada não têm muito sentido
na medida em que o cliente da área pública, a população, é proprietário
legítimo da empresa”. O mesmo autor afirma que a evolução do funcionamento
do Estado tem se constituído num processo amplo de deslocamento dos
espaços de Administração Pública que inclui a descentralização das ações e
dos recursos públicos.
PRZEWORSKI (1998) observa que para entender a reforma do Estado há que
se voltar aos debates sobre o seu papel na economia. ABRUCIO (1998) afirma
24
que foi a partir da crise do petróleo, em 1973, que entrou em xeque o antigo
modelo de intervenção estatal, pondo fim à “era dourada” (HOBSBAWN, 1997).
Compondo a crise econômica global uma crise fiscal enfraqueceu ainda mais
os alicerces do antigo modelo de Estado, porque após décadas de
crescimento a maioria dos governos não tinha mais como financiar seus
déficits (ABRUCIO, 1998). Este autor ainda aponta um contexto intelectual
favorável às mudanças na administração pública, particularmente as críticas à
burocracia estatal e o ideário liberal “hayekiano”4. A Grã-Bretanha foi o primeiro
laboratório das técnicas gerenciais aplicadas ao setor público, configurando o
que veio a se chamar de “Estado Gerencial” (KETTL, 1998).
Diversos mecanismos surgiram nesse contexto de rejeição ao Estado
burocrático (DINIZ, 1998) entre os quais o estabelecimento de competição
entre agências estatais e privada, fiscalização institucional, mudança nos perfil
do servidor público e a descentralização (CRUZ, 1998).
Em relação à descentralização diferentes concepções expressam visões e
projetos conflitantes em relação ao papel do Estado (PRZEWORSKI,1998). Por
um lado argumenta-se que a provisão local de serviços públicos favorece a
responsabilização do governo, porque o aproxima da população que ele serve.
Por outro lado, as políticas descentralizadoras em geral aumentam as
desigualdades entre as regiões e fragmentam a prestação do serviço público.
No entanto MUNIZ (IN MERINO, 1992) pergunta-se se “as propostas
descentralizadoras não são meros esquemas racionalizadores frente à
ausência de alternativas para superar o vazio deixado pela crise e perda de
funcionalidade apresentada pelo Estado-nação”. (p. 128)
4 Friedrich August von Hayek, economista austríaco naturalizado inglês, prêmio Nobel de Economia de1974, notabilizou-se pelos seus estudos acerca da teoria dos ciclos econômicos e por suas posiçõescontrárias à qualquer intervenção do Estado na economia (SANDRONI, 1994).
25
SUBIRATS (1989) afirma que a descentralização possibilita transformar a
gestão em um processo que envolve diferentes níveis governamentais, órgãos
administrativos e outros interesses afetados, constituindo o que chamou de
“rede política” ou “comunidade política”, isto é, redes de atores institucionais
políticos e sociais que fazem frente a uma tarefa ou a um programa de atuação
específico. Essas redes expressam ao mesmo tempo possibilidades de
cooperação e conflito, podendo nesse contexto desenvolver formas inéditas de
articulação entre o Estado e a sociedade civil.
KLIKSBERG (1994) endossa a idéia de que esse aumento no número de
atores que participam da formulação e implementação das políticas públicas
aponta para uma substituição do Estado piramidal burocrático por um esquema
de redes de atores institucionais.
Segundo LOIOLA e MOURA (IN FISCHER, 1996) a crescente utilização do
conceito de rede nas ciências sociais também aponta para a tentativa de
teorização do espectro de interações formais e informais estabelecidas por
uma pluralidade de organizações e indivíduos. MINTZBERG (1998) também
opõe ao modelo burocrático-mecanicista o que chamou de “modelo do
governo em rede”. SUBIRATS (1989) salienta a existência de um nível
horizontal - dado pelas relações locais - e um nível vertical - dado pelas
relações intergovernamentais.
DUBOUCHET (IN FISCHER, 1996) assinala que as redes institucionais são
“coordenações ou comissões formais que reagrupam instituições engajadas
nas mesmas políticas” (p.56) . MAUREL (IN FISCHER, 1996) afirma que “o
trabalho em rede significa uma profunda redefinição das políticas sociais,
uma recomposição do papel do Estado e das coletividades” (p. 57).
MENDES (1996) questiona a colocação tradicional do binômio público/privado,
quando este é reduzido à duas dimensões antagônicas. Segundo ele essa
polarização tende a desconsiderar a sociedade como agente no planejamento
26
e na operacionalização dos serviços públicos, o que o leva a trabalhar com três
categorias de análise: o estatal (o que pertence ao domínio do Estado), o
privado (domínio de agentes não estatais, lucrativos ou não) e o público.
Este último caracteriza-se:
“pela indivisibilidade do bem que deve ser ofertado,
indistintamente, a todos; do ponto de vista jurídico, pela
pactuação do Estado consigo mesmo ou com agentes
privados sob domínio do interesse público”. Assim
“entes estatais e privados, do ponto de vista social,
publicitam-se ao submeterem-se a mecanismos de
controle (...) pela sociedade civil” (p. 101).
Esta recolocação do conceito do público permite escapar do falso dilema entre
privatização e estatização e privilegia um sistema plural exercido por um mix
estatal/privado, sob a regulação do Estado, na perspectiva da cidadania, uma
vez que o controle social é um dos seus princípios estruturantes.
É nesse contexto que postula-se a existência de um Terceiro Setor, não
governamental e não lucrativo, além do Estado e do mercado. Segundo
FERNANDES (1997) o conceito denotaria um conjunto de organizações e
iniciativas privadas que visam à produção de bens e serviços públicos,
respondendo à necessidades coletivas.
FERNANDES (1997) afirma que esse Terceiro Setor caracteriza-se tanto por
ser não-governamental ou não-lucrativo, como por mobilizar particularmente a
dimensão voluntária do comportamento dos seus participantes, sendo que sua
emergência significa uma verdadeira “revolução” nas relações entre o Estado
e o Mercado. Essa revolução partiria justamente da constatação de que ocorre
27
um alargamento da chamada “esfera pública”, presumindo que ela não se
resumiria ao âmbito do Estado, mas inclui a cidadania.
VIEIRA (1999) conclui que as ONGs em grande parte são núcleos de energia
social que transcendem o nível corporativo e destinam-se a favorecer a
participação dos excluídos. RIFKIN (1997) assinala a extraordinária expansão
das organizações sem fins lucrativos em todo o mundo. SALAMON (1994)
explica essa expansão afirmando que é um reflexo da desconfiança
generalizada na capacidade do Estado de por si só gerar o bem-estar e
fomentar o progresso econômico.5
PETRAS (1996), por outro lado afirma que a expansão das ONGs deve-se a
uma ação intencional dos setores mais perceptivos das classes dirigentes no
sentido de criar um “amortecedor social” destinado a substituir os serviços
públicos desmantelados pelo neoliberalismo. À medida que este avançava os
governos europeus e norte-americanos aumentavam a destinação de verbas
para este setor (ver anexo IV).
Para este autor a dimensão da atividade voluntária prejudica o sentido da ação
pública porque está baseada em uma perspectiva privada, além de desviar a
atenção dos excluídos das transformações sociais mais amplas, criando um
mundo político onde a aparência de solidariedade está em conformidade
conservadora com a estrutura dos poderes nacional e internacional.
Segundo OLIVEIRA (1999) é importante que a reflexão sobre o Terceiro Setor
deva partir de uma compreensão sobre o conceito de cooperação. SALES (in
OLIVEIRA, 1999) define cooperação como “ ... uma contribuição coletiva para
um produto final. Entende-se por produto final a produção e circulação de
bens e serviços, a produção de saber, a administração de uma determinada
sociedade, por exemplo” . SOUZA (in OLIVEIRA) também afirma que
28
“ ... a articulação cooperação/participação engloba os
conceitos de participação social e participação política...
O interesse em gerir uma organização na perspectiva de
cooperação/participação pressupõe interesse em
construir novas posturas, transformar práticas e
vislumbrar a transformação das relações sociais” .
Analisando a situação de “falência do Estado” BERNAREGGI (IN GUIMARÃES
E CKAGNAZAROFF, 1996) identifica duas ordens de problemas, a saber,
organizacionais e financeiros, que impedem a administração pública de
cumprir as funções que lhe são atribuídas. Foi neste contexto que ganhou força
a idéia de cooperação público-privado e dentro dela, a idéia de parceria.
BROKE (IN GUIMARÃES E CKAGNAZAROFF, 1996) define a parceria como
uma relação entre uma instituição pública “e outros organismos, onde todas as
partes mantêm sua liberdade constitucional de ação mas concordam em
colaborar na realização de alguns objetivos comuns” (p. 140). Segundo estes
autores a parceria surge nesse contexto marcado - dentre outros aspectos -
pela crise e reforma do Estado, e a diminuição da sua atuação na economia e
nos serviços públicos.
Segundo CARNEIRO et alli (1993) o termo parceria significa basicamente o
estabelecimento de um contrato entre instituições para alcançar mais rápida e
facilmente objetivos comuns. Estes autores endossam a idéia de que as
propostas de parceria entre órgão públicos e empreendedores levam em
consideração os tipos de dificuldades enfrentados pelos dois setores,
especialmente o público, que carece cada vez mais de recursos humanos e
financeiros para encaminhamentos de suas ações de forma eficiente e eficaz.
5 SALAMON (1994) preocupa-se em desmascarar a mitologia do Terceiro Setor. Estes mitos seriamprincipalmente a “incompetência ou insignificância”, o “voluntarismo”, a “virtude pura” e a “imaculada
29
CARNEIRO et alli (1993) esclarecem que a parceria justifica-se quando ambos
os setores envolvidos têm interesses efetivos sobre certas ações. A proposta
de parceria, segundo estes autores implica na definição de responsabilidades
para as partes envolvidas, constituindo-se numa das formas de desenvolver e
aprimorar relações entre os diferentes setores, instâncias ou segmentos, uma
vez que envolve o estabelecimento de um compromisso de caráter bilateral.
Para VALARELLI (1999) parceria tem sido a designação:
...de certas formas de cooperação entre organizações
que indica, antes de tudo, uma ação conjunta, motivada
pela existência de interesses e objetivos comuns, na
qual cada um aporta e mobiliza os recursos que dispõe
para atingir estes objetivos. Não é o seu caráter legal ou
formal que a determina. É mais precisamente, a
qualidade da relação que a distingue. Ou seja, o modo
como organizações com distintos interesses, poderes,
recursos e atribuições constroem um espaço onde se
comportam como iguais na definição dos objetivos
comuns, dos papéis e da contribuição de cada uma.
Neste sentido se distingue da relação meramente contratual (como a de
prestação de serviços
porque nesta os objetivos e o que deve ser feito tendem
a ser preponderantemente definidos pela parte que
contrata, cabendo ao contratado cumprir a tarefa que lhe
foi solicitada, quando muito negociando um ou outro
aspecto.
conceição”, no sentido de que está baseado na filantropia desinteressada.
30
Segundo este autor a parceria estaria sendo cada vez mais procurada por
caracterizar o que seria um novo modelo de relação entre as várias
organizações da sociedade: ongs, governos, agências multilaterais, fundações,
igrejas, sindicatos, empresas, entidades assistenciais.
Em suma, segundo PEREIRA (1996), está claro que a tarefa política dos anos
90 é a reforma ou reconstrução do Estado. Segundo este autor esta reforma
envolve quatro problemas, que, embora interdependentes, podem ser
distinguidos: a) um problema econômico-político, a delimitação do tamanho do
estado; b) um outro problema ecoômico-político, dado pela redefinição do
papel regulador do Estado; c) um econômico-administrativo, a recuperação da
capacidade de financeira e administrativa de implementar as decisões políticas
tomadas pelo governo (governança); d) um político - o aumento da capacidade
política do governo de intermediar interesses e garantir legitimidade
(governabilidade).
Nesse macro-contexto insere-se a experiência brasileira, onde a questão da
reforma obteve o status do Ministério da Administração Federal e da Reforma
do Estado, cuja ação seria pautada por um documento - o Plano Diretor da
Reforma do Estado, aprovado pelo Congresso Nacional em 1995.
Simultaneamente à discussão administrativa a trajetória dos movimentos
sociais no país alcançava um ponto de inflexão. Segundo CARDOSO (1994)
depois de uma fase de “emergência heróica” (desde fins dos anos 70 até o
início da década de 80) a experiência dos movimentos sociais tendeu a uma
institucionalização e a uma mudança no relacionamento com o Estado, dentro
do novo contexto político iniciado pelas eleições estaduais de 1982 e reforçado
com a promulgação da Constituição de 1988, decididamente
descentralizadora. Segundo CARDOSO (1994) essa descentralização
viabilizou a abertura de novos espaços de participação e a possibilidade de
um novo modo de gerenciamento das políticas públicas.
31
No entanto o panorama herdado da década de 80 (chamada sugestivamente
de “perdida”) (SAGASTI E AREVALO,1994) trouxe grandes complicações para
os gestores do setor público. A crise nas finanças do setor público impedia o
adequado equacionamento dos complexos problemas. Particularmente nas
grandes cidades enfrentava-se um caos nos setores de saúde, educação,
habitação e saneamento.
O crescimento explosivo das cidades particularmente desde os anos 70
aguçou a questão ambiental. Dentro desse quadro um novo problema emergiu
para a agenda pública: a questão do lixo urbano. A busca de alternativas ao
modelo tradicional gerou experiências de diversos tipos em todo o país
(AMORIM, 1996).
Somente nessa encruzilhada de fatores políticos, administrativos e técnicos
pode ser compreendida a análise das políticas públicas, cuja implementação
passou a incorporar a participação de novos sujeitos sociais, representantes
de setores até então excluídos.
Esse pano de fundo prepara a discussão sobre a realidade brasileira.
32
2.2 O Caso Brasileiro: “Novos Atores em Cena”
A história da administração pública brasileira apresenta uma dinâmica de
reforma e contra-reforma cujos resultados estão muito aquém das expectativas
da sociedade no tocante ao desempenho da máquina governamental.6
Para entender as particularidades do movimento em direção à reforma no Brasil
é necessário, no entanto, considerar a especificidade do processo de
redemocratização política desde os fins da década de 70. Esse processo foi
acompanhado pela eclosão de movimentos sociais e pela mobilização
crescente de diversos atores que exigiam entre outras coisas, o direito de
participar e influir nas decisões políticas (SOUTO-MAIOR, 1992). Segundo
DAGNINO (1994) uma das consequências desse fato foi a emergência de uma
nova noção de cidadania, posta em recesso pela violação da ordem
democrática em 1964 (SANTOS, 1987).
A noção tradicional de cidadania está associada segundo BEDIN (1994) na
transição da idéia de dever para a idéia de direito. Estes podem ser
classificados como direitos civis, direitos políticos, direitos econômico-sociais
e direitos de solidariedade (BEDIN,1994).
DAGNINO (1994) postula ainda que o conceito de cidadania implica uma
estratégia de transformação social, ao afirmar um nexo constitutivo entre as
dimensões da cultura e da política, isto é, direitos sociais de um novo tipo para
agentes sociais de um novo tipo.
Segundo SILVA e ZVEIBIL (1995) no bojo do debate sobre a descentralização
como uma das formas de transição para um estado democrático no Brasil,
estudou-se exaustivamente a municipalização das políticas públicas e suas
6 CASTOR E JOSÉ (1998)
33
dificuldades, como contraposição às políticas centralizadoras desenvolvidas
pelo regime autoritário.
Segundo estes autores:
“sob o aspecto da prática social pode-se situar as
experiências que foram desenvolvidas por governos
locais - mas com a marca da entrada de novos atores
em cena - representações sociais (de base territorial e
segmentação cultural) e representações das
organizações não-governamentais sob a forma de
assessorias, consultorias aos movimentos e por vezes
ao próprio governo” (p. 499).
Essa pluralidade dos agentes coloca um novo papel para o Estado, que passa
de um papel meramente formulador e executor para o de articulador e
compatibilizador, em contextos heterogêneos e complexos.
Esses estudos chamam a atenção para o fato de que a chamada “crise do
Estado” no caso brasileiro já se encontra discutida por um acervo considerável
de análises. Em virtude da descentralização criada pela Constituição de 1988,
é crescente o número de estudos onde a “crise do Estado” é abordada
segundo um enfoque que privilegia a emergência de um novo contexto de
gestão das políticas públicas, contemplando experiências de referência local
ou municipal.
Na verdade, segundo SILVA e ZVEIBIL (1995) é possível afirmar a existência
de um certo consenso quanto à importância deste espaço local no que diz
respeito à gestão destas políticas. Por outro lado a “crise do Estado” refletiu-se
na literatura, segundo MARTINS (1995) , em uma série de análises que
apontam para uma proposta de Estado baseada simultaneamente na
34
participação da sociedade e num modelo de desenvolvimento ecologicamente
auto-sustentável.
É neste cenário que vão ser gestadas formas inovadoras de parceria entre o
setor público, privado e comunitário, transformando as políticas públicas em
negociação explícita entre os diversos atores. No entanto o espaço da
participação e os canais utilizados se diferenciam frente às peculiaridades
locais. Nessa redefinição, que engloba a discussão público x privado, o Poder
Público chega mesmo a assumir a função de capacitador de instituições que
possam exercer o papel de facilitadores de processos e ações.
Nesse sentido é cada vez mais significativa a participação do chamado
Terceiro Setor - isto é, o Privado que atua na esfera do Público - na formulação
e implementação de políticas sociais - o que inclui o universo das
Organizações Não-Governamentais (ONGs).
Segundo FERNANDES (1996) o campo de atuação das ONGs no Brasil (e na
América Latina de modo geral) tem se concentrado nas áreas de Formação
Qualificada/Assessoria, Educação, Saúde, Meio-Ambiente e Comunicação.
Segundo este autor “em suma, na América Latina, as ONGs tem se dirigido
sobretudo aos pobres”, cumprindo “uma agenda de direitos civis...” (p. 76)
No entanto SOUTO-MAIOR (1992) chama a atenção para o fato de que embora
a democracia - entendida como participação - e a eficácia sejam dois valores
importantes no que concerne à administração e ao planejamento públicos, a
tradução desses valores em ações concretas envolve inúmeras dificuldades
conceituais e operacionais. O mesmo autor aponta uma carência muito grande
de avaliações e propostas de planejamento e gestão participativos feitas de
maneira científica.
35
2.3 A Gestão Urbana no Brasil e seus Condicionantes
A agenda atual da reforma está configurada no Plano Diretor da Reforma do
Aparelho de Estado (1996) compreendendo, além do fortalecimento das
funções de regulação e coordenação do Estado particularmente no nível
federal, uma progressiva descentralização vertical, para os níveis estadual e
municipal, das funções executivas no campo da prestação de serviços sociais
e de infra-estrutura.
Pretende essa tendência, sob o argumento de que a descentralização implica
em uma possibilidade de se romper a rigidez do padrão burocrático-centralista
- alcançar uma transformação na capacidade de governar do Estado, através
da transição de um tipo de administração ineficiente e voltada para si própria
para uma administração pública gerencial, cuja capacidade de implementar
políticas públicas esteja voltada para o cidadão, dentro de um quadro de
redução de custos e aumento da qualidade dos serviços. Este tipo de
administração tem de fundar-se na definição precisa de objetivos, na
autonomia do administrador com relação aos seus recursos humanos e
materiais e no controle dos resultados. O paradigma gerencial contemporâneo
exigiria, assim, formas flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas,
descentralização de funções e incentivos à criatividade.
O problema da gestão e financiamento das políticas governamentais para
enfrentar as inúmeras funções tradicionalmente atribuídas ao Poder Público
remete à problemática contemporânea dos centros urbanos.
Segundo FARIA (1983) o cenário apresentado pelas grandes cidades
brasileiras é uma combinação de modernização e miséria, quadro este traçado
simultaneamente pela rápida urbanização e as mudanças na estrutura do
emprego do país - geradas pela passagem de uma estrutura econômica
36
marcadamente agrícola, até meados de 50, para outra predominantemente
industrial e urbana.
Enquanto as décadas de 60 e 70 assistiram ao aumento da industrialização, o
número de empregos criado pela indústria não acompanhou o rápido processo
de urbanização (URANI, 1998). Ao mesmo tempo a distribuição de renda
tornou-se mais desigual (RAMOS & REIS, 1998 ).
Essa tendência histórica só foi contrariada, segundo o DIEESE, na fase inicial
do Plano Cruzado (1986) quando o crescimento da economia foi
acompanhado por ganhos reais significativos nos rendimentos dos
trabalhadores da base da pirâmide salarial (os 10% e 25% mais pobres).
Esse fenômeno se repetiu imediatamente após o início do Plano Real (1994),
sendo que o ano de 1996 marca o retrocesso na trajetória redistributiva.
Segundo o documento do DIEESE:
“...com um quadro de crescimento econômico pífio, pelo
menos para sustentar objetivos de desconcentração e
de geração de empregos, as taxas de desemprego
retornam aos patamares recordes registrados na crise
do mercado de trabalho em 1992. A economia em
marcha lenta, o desemprego elevado e a estagnação - e
reversão - dos ganhos nos preços relativos de serviços
esvaziam as causas da melhoria de distribuição de
renda no período pós-Real”. 7
Na verdade o quadro brasileiro acompanha as tendências internacionais.
Segundo o último relatório da OIT (1998/1999) aproximadamente um terço da
população ativa do mundo está desempregada ou subempregada, cifra que
não variou substancialmente desde as estimativas dadas a conhecer pela OIT
no seu informe anterior, correspondente a 1996-1997. A OIT estima em 60
37
milhões o número de jovens de idade compreendida entre os 15 os 24 anos
que buscam trabalho no mundo.
O relatório da OIT aponta que embora na América Latina tenham ocorrido
melhoras dos indicadores da produção, esta circunstância não foi
acompanhada de uma melhora na situação do emprego, medido em 7,9% no
Brasil. O informe observa ainda que a maioria dos novos empregos nos países
em desenvolvimento estão sendo criados no setor não estruturado da
economia.
O relatório do Banco Mundial de 1998 classifica a distribuição de renda no
Brasil entre as menos equitativas do mundo em desenvolvimento. Segundo
pesquisas do Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD) o número de pobres na população na década de 80 teve um
crescimento recorde de 43, 48%. (Pobre para o Banco Mundial é a família que
ganha menos de U$ 370,00/ano).
Os números da primeira pesquisa Economia Informal Urbana (ECINF - 1997)
do IBGE apontaram que o setor informal da economia brasileira movimentava,
no mês de outubro de 1997, R$ 12,890 bilhões, através de quase 9,478
milhões de empresas que empregavam mais de 12 milhões de pessoas, entre
pequenos empregadores, trabalhadores por conta própria, empregados com e
sem carteira assinada e trabalhadores não remunerados.
O rendimento médio das pessoas ocupadas no setor informal - fora os
proprietários - é de R$ 240,00, sendo que o rendimento dos homens (R$
253,00) é superior ao das mulheres (R$ 218,00) em todas as categorias: nível
de instrução, posição na ocupação e grupos de idade. O rendimento
aumentava conforme crescia o grau de instrução, mas havia uma exceção: os
trabalhadores com segundo grau incompleto ganhavam, em média, menos do
que os que tinham o primeiro grau completo. De acordo com a posição na
7 Relatório DIEESE - Pesquisa Emprego e Desemprego, 1997.
38
ocupação, os empregados com carteira assinada ganhavam, em média, R$
290,00, rendimento que crescia à medida que aumentava a faixa etária do
trabalhador.
O quadro de desemprego crescente na década de 90 completa o cenário da
década de 80, caracterizado pelo declínio nas taxas de crescimento econômico
do país (BONELLI & GONÇALVES, 1998).
Na perspectiva do Estado esse declínio esteve associado a uma crise de
financiamento que acarretou atrasos tecnológicos, retardamento de projetos de
expansão da infra-estrutura, deterioração dos serviços e acúmulo das
carências de atendimento das demandas sociais.
Segundo CHAFFUN (1995) os principais elementos dessa crise de
financiamento foram, em primeiro lugar a escassez de recursos e em segundo
lugar a pulverização desses recursos. A transferência de encargos e
responsabilidades para o nível local de governo - pela descentralização fiscal,
que antecedeu a própria Constituição de 88 - criou situações extremamente
heterogêneas, tanto no que diz respeito à capacidade de arrecadação quanto à
capacitação dos municípios para o exercício de suas competências
constitucionais.
O desafio da gestão urbana, face aos constrangimentos das finanças públicas
em todos os níveis de governo transformou-se em encontrar alternativas viáveis
de provimento dos serviços, no estilo preconizado por OSBORNE e GAEBLER
(1994) de “reinventar o governo” através de parcerias com a sociedade, num
quadro que resgata simultaneamente a identidade local e a cidadania. A idéia
da transferência dos desafios sociais para as cidades encontra eco no
“protagonismo citadino” de BORJA (1994) e nas estratégias competitivas do
“empreendedorismo urbano” de que fala HARVEY (1989).
39
Tais desafios de articulação requerem gestores com capacidade de criarem
governança, conceito plural que segundo FISCHER (1996) compreende não
apenas a substância da gestão, mas “a relação entre os agentes envolvidos, a
construção de espaços de negociação os vários papéis desempenhados
pelos agentes no processo” (p. 19).
Dessa forma, para fazer face à questão urbana no Brasil, que alia problemas
complexos à escassez de recursos, recorrer à outros atores tem sido uma
estratégia cada vez mais utilizada pelo Poder Público, principalmente no nível
local.
Um estudo recente executado pela Secretaria de Política Urbana do Ministério
do Planejamento e relatado em BONDUKI (1996), refere-se ao conceito de
“práticas locais bem sucedidas” relacionadas à setores (habitação,
saneamento, etc.) ou à gestão global da cidade, entendendo-se por isso
projetos, iniciativas ou políticas de âmbito local que tenham resultado em
melhoria tangível e mensurável das condições de vida e do habitat da
população, contribuindo ainda para a redução do custo do setor.
Os critérios sugeridos para enquadramento destas iniciativas são: a) impacto
positivo no habitat; b) parcerias articuladas entre os atores envolvidos; c)
sustentabilidade; d) potencial de universalização.
O quadro social a ser enfrentado guarda ainda dificuldades referentes à
problemática ambiental. O processo histórico de urbanização brasileiro,
caracterizado pela combinação do crescimento demográfico e a modernização
dos setores produtivos engendrou um panorama de grandes complicações nos
setores de habitação, limpeza e saneamento - além dos clássicos problemas
de educação e saúde. Segundo CHAFFUN (1995) a urbanização acelerada e
desordenada, a concentração da população e das atividades econômicas no
espaço e os padrões tecnológicos da produção industrial têm reforçado um
quadro ambiental altamente degradado. GUIMARÃES DA SILVA (1996)
40
apresenta dados segundo os quais “ dos 113 milhões de pessoas que vivem
hoje no Brasil urbano 75 milhões não dispõem de esgoto sanitário, 20
milhões não contam com água encanada e 60 milhões não dispõem de
coleta de lixo” (p. 203).
Segundo esse mesmo autor somente 3% do total do lixo coletado tem
disposição final adequada, enquanto outros 63% são lançados em cursos
d’água e 34% a céu aberto. Estes indicadores contextualizam a questão dos
resíduos sólidos dentro da temática ambiental urbana.
2. 4 A Problemática dos Resíduos Sólidos Urbanos
Segundo o dicionário Aurélio o lixo é “tudo o que não presta e se joga fora”,
“coisa ou coisas inúteis, velhas, sem valor” (p. 1042) significando todo e
qualquer resíduo decorrente das atividades humanas. DEMAJOROVIC (1995)
afirma que a substituição do termo “lixo” por “resíduos sólidos” implica numa
compreensão de que alguns subprodutos possuem valor econômico, por
possibilitarem reaproveitamento no processo produtivo.
O lixo urbano se constitui em um dos maiores problemas da sociedade
moderna (MARTINE, 1993). O volume de lixo tem crescido substancialmente
sobretudo nos países em desenvolvimento e sua composição tem se
modificado substancialmente. Estes dois fatos associados têm criado uma
necessidade urgente de se buscar uma solução original para o problema,
dentro de uma visão abrangente e comprometida com uma economia auto-
sustentável (HOGAN, 1992). Uma das ações nesse contexto diz respeito à
maximização da reciclagem e ao reaproveitamento dos resíduos. 8
8 Segundo GUIMARÃES (1992) o reaproveitamento do papel começou na Filadélfia - EUA , por volta doséculo XVIII, quando fibras de linho, trapos e papel velho chegaram a responder por 60% de toda amatéria-prima fibrosa utilizada pela indústria de papel americana naquela cidade. CHIARELLI (1990)afirma que a Segunda Guerra Mundial foi o marco divisório na indústria de reaproveitamento do papel.Em 1944, segundo aquele autor 35,3% de todo o papel produzido nos EUA tiveram origem emreciclagem.
41
Ao abordar o conceito de desenvolvimento sustentável HOGAN (1992) afirma
que pensar nas possibilidades de um um novo estilo de desenvolvimento
implica em reconhecer que o Estado desempenha um papel indispensável
como condutor e gerenciador de uma parte dessas transformações. Mas esse
tipo de gestão, segundo o mesmo autor, teria de ser compartilhado entre o
Estado, a sociedade civil, o setor privado e as comunidades locais, na busca
de estilos que garantissem a criatividade e a gestão autônoma da sociedade.
HOGAN (1992) chega mesmo a afirmar que a reflexão sobre a questão
ambiental no Brasil confunde-se com a reflexão sobre os processos de
mudança social que caracterizam a sociedade urbano-industrial brasileira -
pobre, heterogênea e desigual - na periferia da economia mundial
crescentemente internacionalizada.
É por esses motivos que a emergência da questão do lixo para a agenda
pública nos grandes centros ganha alta relevância (MARTINE, 1993). Segundo
esse autor “enquanto a produção e o consumo se aceleram num ritmo febril,
tecnologias apropriadas para dispor dos subprodutos indesejáveis não foram
desenvolvidas” (p. 271).
Segundo FARIA (1983) a quantidade e composição dos rejeitos sofreu grandes
transformações na passagem do Brasil agrário e homogêneo para a atual
sociedade urbano-industrial complexa e diferenciada, onde o volume aumenta
acompanhando o crescimento das cidades.
Estudos revelam disparidades na composição do lixo de um país a outro e até
de uma cidade a outra. SAKAI (1996) relata as seguintes frações de material
orgânico no lixo domiciliar: Japão, 42%; EUA, 23%; Suécia, 45%; Países
Baixos, 30%; Alemanha, 27%; Canadá, 29%. As estatísticas brasileiras
disponíveis indicam valores médios para a maioria das cidades na faixa de 50
a 80% (FIGUEIREDO, 1992).
42
Os dados acima relacionados indicam que em nenhum país desenvolvido,
resíduos orgânicos chegam a 50% do lixo gerado, enquanto no Brasil poucas
cidades situam-se abaixo deste valor. A taxa de geração de lixo é da ordem de
1,6kg por habitantes por dia em países desenvolvidos (SAKAI, 1996) e da
ordem de 0,8kg por habitante por dia nos países do Terceiro Mundo
(KIRONDE, 1997).
Além de ter que acomodar as taxas variadas, nenhum modelo de gestão
adequado pode ignorar as características locais do lixo e a situação cultural da
população. De fato, os autores observaram modelos de gestão em vários
países (Alemanha, Argentina, Brasil, Canadá, China, Grã Bretanha, Suécia)
encontrando diferenças significativas. Mesmo assim, as tecnologias de
tratamento adotadas na maioria dos países visitados deixam transparecer uma
preocupação crescente com a redução de aterros. Todas as tecnologias, sejam
elas incineração, compostagem, coleta seletiva, digestão anaeróbia ou
separação pós-coleta, visam desviar o lixo dos aterros. A literatura internacional
do ramo confirma essa tendência geral nos últimos anos (DUNSON, 1997,
GANAPATHY, 1995, MERRY, 1997, MITCHELL, 1997, VILLE, 1992).
Segundo BRANCO (1978) o lixo urbano, por sua vez também é muito
diferenciado em função da renda familiar, do nível de industrialização dos
alimentos, da cultura e hábitos da população, do tipo de atividade econômica,
do tipo e intensidade da circulação de pedestres e veículos, etc. podendo ser
de origem doméstica, industrial, comercial, hospitalar ou outros tipos especiais,
tais como os oriundos de festividades, feiras, etc.
Segundo este mesmo autor grande parte dos resíduos sólidos urbanos se
constitui de material biodegradável ou biologicamente reciclável. O tratamento
desses resíduos pode ser feito via processos naturais ou artificiais. No primeiro
caso ocorre a decomposição biológica deste material por atividade de
microorganismos decompositores.
43
Essa decomposição geralmente é realizada em instalações especiais
denominadas usinas de compostagem. O tratamento artificial consiste na
incineração do lixo - o que reduz as propriedades benéficas do composto
orgânico, bem como constitui-se num processo poluidor pela eliminação de
gases durante a combustão.
Segundo PINTO (1979) a destinação final desses resíduos constitui uma tarefa
particularmente problemática, por ser potencialmente poluidora do meio-
ambiente, podendo criar sérios problemas para o ar, água , solo, sub-solo. Por
isso é tarefa dos responsáveis pela coleta e tratamento procurar minimizar as
consequências dessa fase do processo, buscando soluções que
compatibilizem a disponibilidade de espaço, recursos e participação da
população.
Para DEMAJOROVIC (1995) as políticas de gestão ambiental foram pautadas
desde a década de 70 pela utilização de instrumentos de comando e controle,
envolvendo a regulação direta do setor público através de legislação rigorosa e
políticas de fiscalização. Para este autor durante a década de 80 a eficiência
desses instrumentos foi bastante criticada, sendo criados outros instrumentos
que valorizavam a promoção da recuperação, reciclagem e reutilização dos
materiais.
Segundo PINTO (1979) o recurso à coleta seletiva de materiais possibilita uma
ampliação das possibilidades de reaproveitamento do lixo urbano. Segundo
este autor a separação do material recuperável depende fundamentalmente da
existência de um mercado que absorva este material e da conscientização da
população para a idéia de recuperação dos recursos do lixo, podendo ser
processada de três formas básicas:
a) a coleta separada de porta a porta, onde um veículo específico recolhe o tipo
de material previamente separado pela população;
44
b) a coleta domiciliar combinada, na qual um veículo especial recolhe todo o
lixo do domicílio, previamente separado;
c) os centros de reciclagem, para onde a população encaminha
voluntariamente os materiais reaproveitáveis.
No Brasil a reciclagem é praticada segundo GUIMARÃES (1992) há pelo
menos 40 anos, porém de forma irregular por pequenas empresas. Segundo
este autor a “indústria da reciclagem” mobiliza alguns atores clássicos:
a) os catadores de papel e papelão, na base do processo;
b) os donos de ferro-velho, onde é geralmente feito o depósito e separação do
material recolhido;
c) os depósitos, pequenas empresas que compram a produção dos catadores
e revendem para a indústria.
GUIMARÃES(1992) identifica ainda uma nova tendência, segundo a qual os
donos de depósito passam a recolher diretamente o material de seus clientes
preferenciais (supermercados, repartições públicas, etc) o que teoricamente
retira uma fonte de material para os catadores.
O elogio da reciclagem no entanto encontra vozes dissonantes. Para
VALENTE (1999):
“...não há dúvida que reciclar produtos existentes nos
resíduos sólidos representa uma economia em termos de
destinação final, aumentando a vida útil dos aterros
sanitários. Esta viabilidade seria alcançada em qualquer
caso? Sobre este assunto os defensores irrestritos dessa
necessidade deveriam verificar o que está ocorrendo em
outros países como Alemanha, Estados Unidos e mesmo no
Japão. Teria mercado todo e qualquer material reciclado? Até
uma certa quantidade o mercado existe e tem condições de
absorver esses produtos reciclados dentro de condições que
45
interessam ao reciclador. Mas, quanto maior for a quantidade
de determinados produtos, mais difícil é colocá-los
novamente em circulação, por questões de preços que o
mercado vai fixando de acordo com a oferta e pela própria
necessidade deste mercado”
O autor argumenta que a experiência internacional recente não tem mostrado
um sucesso indiscutível deste tipo de prática, em que pesem seus aspectos
positivos. Para ele:
“O que sabemos é que grande quantidade de materiais
reciclados na Alemanha não encontram consumidores,
mesmo fornecidos gratuitamente, o que tem obrigado o poder
público a encaminhar estes produtos para aterros sanitários
ou para incineradores. O problema é grave, pois a reciclagem
é lei e os munícipes são obrigados a obedecer esta lei”.
Essa obrigatoriedade tem gerado inúmeros dificuldades e, algumas vezes, a
solução de um problema engendra outro, igualmente grave.
“Sabemos que houve tentativas de encaminhar estes
produtos (alemães) para outros países e não deu certo. No
Japão grande parte dos reciclados que não encontram
mercado são encaminhados para outros países vizinhos,
para os incineradores e para aterros sanitários. O Brasil tem
recebido pneus usados do Japão e dos Estados Unidos para
serem recauchutados, aumentando consideravelmente os
problemas de destinação final dos mesmos, que tem se
constituído em séria dificuldade para todos os países do
mundo”.
Para este autor a reciclagem de materiais é uma atividade problemática devido
à pequena capacidade de absorção pela indústrias, à necessidade de
investimento de capitais e o risco mercadológico. Os resultados obtidos nos
46
campos social, educacional e ambiental seriam os aspectos positivos mais
atraentes em qualquer programa de reciclagem, considerando-se a venda de
produtos apenas uma forma de se obter pequena mitigação dos custos globais.
É no bojo desta reflexão teórica que procurou abordar num primeiro momento
uma discussão sobre o Estado e a sociedade com a entrada de novos atores
em cena, passando pela inserção do caso brasileiro, a gestão urbana e a
problemática do lixo, que se delimita o caso específico da SLU em Belo
Horizonte, conforme a sequência do trabalho.
47
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:
Como forma de investigar em profundidade o problema, explorando suas
múltiplas dimensões escolheu-se fazer uma investigação qualitativa do tipo
descritivo, mediante um estudo de caso.
Aqui cabe mencionar que a opção por este caminho se deu não sem antes
considerar uma reflexão sobre a avaliação de políticas públicas como
alternativa metodológica.
De fato, o campo de estudos das políticas públicas é tão vasto que seu devido
tratamento foge ao propósito deste estudo. (LOVY, 1964; LASSWEL, 1971,
BARDACH, 1977;WYLDAVSKY, 1981). Não existe qualquer tipo de consenso
com respeito às categorias de análise e avaliação de políticas públicas,
variando as abordagens segundo o contexto ou a conveniência (SANTOS,
1989).
Alguns autores identificam políticas públicas às políticas sociais. SANTOS
(1989) afirma que política social é um termo largamente usado mas que não se
presta a uma definição precisa, confundindo-se com qualquer política
governamental . Para este autor uma definição resumida de política social
seria “... o conjunto de atividades ou programas governamentais destinados a
remendar as falhas do laissez-faire” (p.35 ). Para este autor essas políticas
podem ser classificadas como preventivas, compensatórias ou
redistributivistas.
Já COIMBRA (1989) adota outro tipo de classificação, segundo matrizes
teóricas: a perspectiva do serviço social, a teoria da cidadania, o marxismo, o
funcionalismo, a teoria da convergência, o pluralismo e as teorias econômicas
da política social.
48
A literatura de origem anglo-saxã constitui a contribuição mais extensa ao
tema. Segundo VIANNA (1996) para esta corrente a avaliação deve percorrer
quatro etapas: construção da agenda, formulação de políticas, implementação
de políticas e avaliação de políticas. O processo das políticas públicas,
segundo MENY e THOENIG (1992), pode ser dividido em fases, assim
colocadas: a identificação de um problema, a formulação de soluções, a
tomada de decisão, a execução da ação e a terminação da ação, onde se
produz a avaliação dos resultados.
No que tange à implementação, isto é, a colocação em prática das políticas
públicas SUBIRATS (1989) argumenta que somente a partir dos anos setenta
surge uma literatura consistente. Segundo este autor “até então os
especialistas estiveram preocupados com a formulação de políticas, deixando
os detalhes práticos para os administradores” (p. 102). O trabalho pioneiro e
mais citado entre os estudiosos é, segundo este mesmo autor, aquele de
WILDAVSKY E PRESSMAN datado de 1973, justamente denominado
Implementation, e que representou uma mudança de orientação daqueles que
haviam feito da Administração Pública seu campo de estudo afirmando a
especificidade do campo da “implementation research” frente ao da “evaluation
research”.
ELMORE (1993) afirma que são quatro os modelos de implementação de
políticas públicas: a) administração de sistemas; b) processo burocrático; c)
desenvolvimento organizacional e d) conflito e negociação. É justamente dentro
dos estudos acerca da implementação de políticas que SUBIRATS (1989)
propõe seu modelo de “policy network” (rede ou comunidade política), isto é,
redes de atores institucionais políticos e sociais que fazem frente a uma tarefa
ou a um programa de atuação específico.
SUBIRATS (1989) pretende com esse modelo contrariar a tradição
administrativa que tende a unificar sob grandes organizações uniformes e
hierárquicas todas as funções públicas. Segundo ele no processo
49
implementador existe, assim como no processo de formulação das políticas,
negociação e compromisso entre os diversos grupos afetados, construindo um
continuum formulação/implementação/redefinição das políticas. Cada política
gera sua própria rede de organizações e interesses conectados por
dependências financeiras e administrativas; sua interação influencia a
qualidade da política aplicada e a efetividade da sua implementação.
A utilização do conceito de “policy network” permite ainda compreender a
superposição de níveis intergovernamentais e os limites cada vez mais
imprecisos entre o público e o privado, compondo o que DENTE (1985)
chamou de “governo da fragmentação”.
SUBIRATS (1989) lembra ainda que a existência dessas interrelações não
pode nos fazer esquecer que cada ator tem recursos e poderes distintos. Os
recursos que normalmente estão em jogo dizem respeito à autoridade, dinheiro,
recursos políticos, informação e capacidade organizativa - distribuídos de
forma assimétrica.
No que diz respeito à avaliação observa-se a existência de tipos e métodos
contrastantes (SUBIRATS, 1989), bem como um sem-número de variáveis e
complicadores, tais como interesses presentes no processo de avaliação,
utilidade desse processo, etc. (MENY e THOENIG, 1992).
É possível constatar nessa literatura, no entanto, a importância de uma maior
explicitação de critérios de avaliação. Segundo METTER e HORN (1993) as
dificuldades de formular critérios de desempenho podem se dever à extensão
dos programas ou à natureza complexa e o largo alcance de suas metas, além
das ambiguidades na enunciação de normas e objetivos. Além disso, as
grandes diferenças na literatura sobre políticas públicas dificultam a definição
do seu campo de estudo. ELMORE (1993) salienta que é necessário
conformar-se com a diversidade das tendências vigentes, selecionando
modelos que possam aplicar-se ao problema escolhido. O mesmo autor afirma
50
que o uso de modelos diferentes conduz a percepções e conclusões muito
distintas entre si.
Segundo autores pode-se afirmar existir um crescimento no número de estudos
sobre políticas públicas dedicados ao tópico de avaliação (SOUTO-MAIOR,
1992). Para este autor uma revisão da literatura brasileira e internacional
mostra que grande número de autores já se preocupou inclusive, no quesito
“avaliação” em considerar aspectos da participação popular nos arranjos
institucionais de gestão pública.
Refletindo a preocupação de alcançar parâmetros genéricos, porém efetivos,
de análise das políticas públicas SOUTO MAIOR (1992) sugere os seguintes
critérios para avaliação de experiências participativas: a) equidade e
pluralismo; b) representatividade e legitimidade; c) racionalidade e
previsibilidade; d) continuidade e progressividade. O mesmo autor levanta
ainda algumas questões relacionadas à avaliação de experiências
participativas: devemos avaliar uma experiência participativa pelos resultados
que obtém em termos de quantidade e qualidade dos bens e serviços que
produz ou pela intensidade e qualidade dos processos de participação que
institui? Segundo SOUTO-MAIOR (1992) a escolha entre essas duas
alternativas é mais difícil do que se imagina à primeira vista, e a possibilidade
de se adotar as duas alternativas pode não ser viável na prática.
Todos esses estudos denotam no entanto a importância de se promover
avaliações rigorosas das políticas públicas. As experiências de participação
popular neste processo inclui novos complicadores referentes tanto aos valores
democráticos que supostamente devem nortear o processo participativo quanto
aos aspectos pertinentes à eficiência e eficácia desse processo.
A perspectiva adotada para a presente investigação encontra respaldo em
GODOY (1995) quando afirma que os estudos qualitativos possibilitam o
estudo dos fenômenos que envolvem os seres humanos e as relações sociais,
51
permitindo contextualizar a dinâmica destes fenômenos e analisá-las numa
perspectiva integrada.
RICHARDSON (1985) afirma que os estudos que empregam uma metodologia
qualitativa permitem descrever a complexidade de determinado problema e
analisar a interação das variáveis envolvidas, contribuindo no processo de
mudança dos grupos pesquisados e compreendendo e classificando os
processos dinâmicos vividos pelos grupos sociais.
O estudo de caso remonta, segundo BECKER (1993), à tradição da pesquisa
médica e psicológica, referindo-se à análise detalhada de um caso individual
que explica a dinâmica de uma patologia dada; o método supõe que se pode
adquirir conhecimento do fenômeno adequadamente a partir da exploração
intensa de um único caso, tendo que ser preparado para lidar com uma
grande variedade de problemas teóricos e descritivos e lançando mão de uma
multiplicidade de técnicas.
BECKER (1993) adverte para os perigos e limitações do estudo de caso: em
primeiro lugar, a existência de “bias” causado pela interação do pesquisador
com o objeto; em segundo lugar, o problema da confiabilidade. Esta é a
objeção mais comum ao método do estudo de caso, visto que “um caso é, no
fim das contas, apenas um caso” (BECKER, p. 129), o que impossibilitaria a
generalização dos seus resultados.
Segundo este autor este problema pode ser tratado através da coleta de um
grande número de casos e do “parcelamento” dos efeitos das várias
influências. Afirma ainda que este não é verdadeiramente um problema se
assumirmos uma visão de longo prazo do desenvolvimento da teoria.
Dessa maneira o método de estudo de caso, apesar das suas limitações por
demais conhecidas, justifica-se no presente estudo em virtude da profundidade
dos resultados que ele possibilita. O estudo exaustivo, caracterizado pela
52
utilização de um mix de instrumentos de coleta de informações, possibilitou a
análise em profundidade desse caso específico.
O caso a ser tratado especificamente neste estudo pode ser descrito como o
programa de geração de emprego e renda embutido no modelo global de
manejo do lixo instituído pela Superintendência de Limpeza Urbana da
Prefeitura de Belo Horizonte, no qual a ASMARE desempenha o papel de
protagonista, como principal parceira da SLU.
Inicialmente foi feita uma extensa análise documental que contemplou
documentos e vídeos institucionais da SLU (que possui um centro de
documentação, bem como publicações regulares de jornais e folhetos), e da
ASMARE (documentos oficiais, atas de reuniões, material de divulgação e
folhetos diversos).
Foram também consultados alguns estudos preliminares efetuados
anteriormente por outros pesquisadores - destinados a documentar a história
dos catadores de papel - ou com foco em outros aspectos aspectos que não a
análise dos mecanismos de gestão.
O universo da pesquisa foi constituído pelos atores participantes do programa
a ser investigado, o que inclui os gestores das instituições parceiras e outras
instituições participantes, bem como os próprios catadores de papel e
funcionários da SLU e da ASMARE.
A composição da amostra de entrevistados, em virtude da natureza do estudo
escolhido foi intencional, localizando os atores considerados “chave” por sua
participação no caso em questão.
Segundo QUIVY e CANPENHOUDT (1998) esta é a fórmula mais frequente
neste tipo de estudos, porque soma-se à impossibilidade de entrevistar um
grande número de pessoas o fato de que para o pesquisador “chegará
53
forçosamente o momento em que já não conseguirá encontrar novos casos
francamente diferentes dos que já encontrou e o rendimento marginal de
cada entrevista suplementar decrescerá rapidamente” (p. 163).
Os integrantes da amostra de entrevistados foram identificados a partir das
primeiras entrevistas, realizadas com os coordenadores do programa da
Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte. Os critérios para
inclusão na amostra foram a intensidade da participação, o conhecimento e a
importância formal ou informal dentro do processo. Foram selecionadas 12
pessoas, localizadas em posições estratégicas de gerência na SLU e no setor
administrativo da ASMARE.
Entrevistados SLU:
Ex-superintendente da instituição (responsável pela criação do modelo)
Diretor da Assessoria de Mobilização Social
Gerente operacional
Assessores técnicos
Responsáveis por comissões especiais (BH Reciclando, BH Mais Limpa)
Entrevistados ASMARE
Coordenador da Comissão de Finanças
Responsável pela Comissão Social
Responsável pelo Setor Administrativo
Foram entrevistados ainda catadores de papel - associados e não associados
à ASMARE.
Com essas pessoas foram realizadas entrevistas do tipo semi-estruturado. As
entrevistas desse tipo permitem segundo LAKATOS (1996) explorar mais
amplamente todas as questões. Os roteiros das entrevistas foram elaborados
54
com base na “entrevista centrada” descrita por THIOLLENT (1981) como
aquela na qual, dentro de certos contextos, o entrevistador permite ao
entrevistado a descrição livre de sua experiência pessoal a respeito do
problema investigado (THIOLLENT, 1981). O roteiro foi construído aberto o
suficiente para comportar certa liberdade no discurso do ator, contemplando
questões que surgissem no decorrer da entrevista.
Essas entrevistas foram transcritas e analisadas a partir dos seguintes
aspectos: a construção do modelo, as estratégias dos atores e sua articulação
com os demais, os processos de gestão e a dinâmica de funcionamento das
instâncias formais e informais.
Para MAROY (1997) a definição de categorias analíticas é um procedimento
básico na análise qualitativa de materiais de entrevistas. Segundo este autor :
"A operação intelectual básica de uma análise qualitativa de
materiais de entrevistas consiste essencialmente em
descobrir 'categorias' , quer dizer, classes pertinentes de
objetos, de ações, de pessoas ou de acontecimentos.
Seguidamente, trata-se de definir as propriedades específicas
e de conseguir construir um sistema ou um conjunto de
relações entre essas classes. Esta operação pode,
evidentemente, assumir aspectos diferentes, consoante os
objetivos atribuídos à análise". (MAROY,1997, p. 118)
O processo de construção das categorias varia, segundo SHATZMAN e
STRAUSS (1973) de acordo com o objetivo a que se pretenda chegar com a
análise, seja uma "descrição simples", uma "descrição analítica" ou,
finalmente, um "esquema teórico". (SHATZMAN & STRAUSS, 1973, p.110).
Em uma “descrição analítica” o esquema geral de análise não parte de
categorias previamente estabelecidas, mas estas são elaboradas e derivadas
a partir dos materiais, isto é, "as classes ou categorias e suas relações são
55
sugeridas ou descobertas indutivamente a partir dos dados" (MAROY, 1997,
p.120-2).
Segundo ANDION (1998) as organizações do que ele chama de “economia
solidária” apresentam singularidades e inovações que demandariam a
construção de modelos de análise - ainda não desenvolvidos - a partir de
trabalhos de campo. Para ANDION (1998) apesar da amplitude e do
dinamismo que as organizações do Terceiro Setor assumem atualmente, a
gestão de suas organizações ainda é um campo inexplorado.
Este mesmo autor lembra a existência de uma vasta literatura, originária
sobretudo dos EUA, que trata da gestão das organizações não-lucrativas
baseando-se numa visão tradicional da gestão - importada das atividades
econômicas lucrativas.9
Segundo TENÓRIO (1997) os conceitos de cliente e usuário não são
adequados ao contexto da gestão das organizações não-governamentais, por
ignorarem a idéia da cidadania. Este autor prefere o termo “cidadão-
beneficiário”.
Este mesmo autor afirma existir certa incompatibilidade entre a lógica que guia
os gestores de organizações dessa natureza, mais substantiva que
instrumental10, e a lógica econômico-financeira com a qual muitas vezes se
deparam para avaliação de suas atividades.
REIS (1999) lembra que no caso das organizações sem fins lucrativos a
adesão dos colaboradores à causa muitas vezes assume aspectos de
“militância” - o que pode levar a uma atuação mais baseada em convicções. O
mesmo autor afirma a necessidade de compatibilizar esta dinâmica ao
9 Ver GIES, L. & SAFRITZ, M (1990).10 Ver SERVA (1997).
56
profissionalismo exigido por uma gestão mais transparente e orientada para
resultados.
MEREGE (1999) afirma que nessas organizações há formas muito avançadas
de gestão e um grande tráfego de pessoas influentes na sociedade
constituindo uma rede de pessoas muito organizadas em termos de relações
públicas.
SERVA (1993) constata que a lógica ou os instrumentos fornecidos pela teoria
da Administração são inadequados para análise dessas organizações que ele
chamou de “substantivas”. Um mapeamento levado a cabo por este autor
apontou dimensões bastante específicas, tais como flexibilidade na hierarquia,
intensa participação, elevado nível de relações interpessoais e comunicação;
inserção e expressão social e descaso com alguns aspectos típicos da
Administração tradicional, tais como horários, aferição do rendimento individual
e do grau de satisfação do usuário.
Todas essas considerações apontam para o fato de que a análise dos
resultados das investigações que têm organizações do Terceiro Setor como
objeto deve considerar essas especificidades. GOMES (1999) lembra que as
categorias estabelecidas para análise a partir da coleta dos dados tem o
mérito de serem mais específicas e concretas, embora sua formulação não
seja uma tarefa simples.
Dessa forma, a exposição e o tratamento das informações obtidas tanto nas
entrevistas feitas na SLU quanto na ASMARE partem da constatação de que
as particularidades constitutivas e práticas dessas organizações - enquanto
parceiras - devem ser consideradas. Assim, a estrutura de apresentação e
análise dos resultados foi parcialmente construída segundo categorias
identificadas no próprio discurso dos entrevistados, sem renunciar às
contribuições feitas pelos estudiosos desse campo. Combinou-se, assim, uma
57
postura indutiva complementar à utilização das teorias pré-existentes.
(ALBARELLO, L., DIGNEFFE, J.H., MAROY, C. et al., 1997).
O processo de pesquisa incluiu ainda a observação direta em diversos
momentos, desde o acompanhamento da atividade dos catadores “in loco” e
nos seus galpões de triagem até visitas às instalações operacionais da SLU,
incluindo os aterros sanitários e as usinas de compostagem.
4 RESULTADOS ENCONTRADOS
4.1 Contextualização: A Trajetória da Coleta de Lixo em Belo Horizonte
A Região Metropolitana de Belo Horizonte abrange 14 municípios, perfazendo,
segundo dados do IBGE, um total populacional de 3.703.835 habitantes. Com
exceção de Betim e Contagem - centros industriais importantes - a maior parte
dessa população desenvolve atividades profissionais em Belo Horizonte,
fazendo pouco uso dos serviços públicos locais das cidades onde residem.
O município de Belo Horizonte é a capital administrativa do estado de Minas
Gerais, tendo sido criada em 1897 especificamente para esta finalidade.
Segundo o censo demográfico do IBGE (1991) sua população é de 2.020.161
habitantes, sendo que 99,66% residem no perímetro urbano. A densidade
demográfica é de 6.030,33 habitantes por km2.
Segundo dados institucionais da Assessoria de Comunicação Social da SLU
existem em Belo Horizonte 502.147 domicílios urbanos e rurais, dos quais
94,3% possuem ligação de água potável e 86,4% ligação de rede de esgoto.
Oficialmente contam-se 140 favelas.
A produção diária de resíduos sólidos na cidade é de 4700 toneladas, sendo
que 65% são formados de matéria orgânica, 27% de materiais recicláveis -
58
13,6% de papel e papelão , 6,5% de plástico, 2,7% de metal , 2,2% de vidro e o
restante de madeira, borracha, tecidos, etc. - e 8% de rejeitos não reutilizáveis.
O percentual de domicílios atendido pela coleta regular de lixo domiciliar é de
95%.
2,5%
45.000
30.000
15.000
0
39.084 40.071
mai/ 99 jun/ 99
Comparativo anual de geração de resíduos
A Superintendência de Limpeza Urbana - SLU é o órgão responsável pela
execução e manutenção dos serviços de limpeza, tratamento e destinação final
do lixo no município de Belo Horizonte.
Trata-se de uma entidade autárquica criada pela Lei no. 2.220 de 27/08/73,
como consequência do Plano Diretor de Limpeza de 1972. Suas atribuições
incluem o gerenciamento da limpeza urbana, o que representa planejar,
fiscalizar, explorar e executar os serviços de varrição, capina, coleta, transporte
e transformação do lixo e a comercialização de seus produtos e subprodutos.
A SLU é a herdeira da antiga Diretoria de Higiene idealizada em 1899 pela
comissão que criou Belo Horizonte como a nova capital do estado.
Posteriormente essa Diretoria foi substituída pela Inspetoria de Limpeza
Pública em 1935. Ambos os órgãos eram ligados ao governo do estado de
Minas Gerais.
59
A história da coleta e tratamento do lixo em Belo Horizonte possui vários
capítulos . Já em 1902 é criada a “taxa do lixo” - que vigora até hoje. O serviço
foi terceirizado (cabendo a particulares realizá-lo) por duas vezes - em 1903 e
1923, sendo que em 1919 o município já era o responsável pelos trabalhos de
limpeza urbana.
Desde 1973, com a criação da SLU e a definição das diretrizes básicas da
limpeza urbana, um caráter técnico foi imprimido ao órgão - que assumiu a
tarefa basicamente calcada em princípios de uma moderna “engenharia de
limpeza”.
Esse caráter técnico implicava uma relação de distanciamento em relação à
sociedade. Embora a atividade de coleta de papel por catadores autônomos
existisse, não havia qualquer vínculo entre os catadores e o serviço de limpeza
urbana - pelo contrário, estes eram vistos simplesmente como população de
rua, que dela retirava seu sustento.
O contato que os catadores de papel tinham com o Poder Público eram as
chamadas Operações-Limpeza, quando sob a diretriz de recolher o lixo
acumulado na cidade os próprios catadores eram agredidos, visto serem
encarados como “sujadores” das vias, por ali reunirem o material que recolhiam
- e não como agentes de limpeza, que preenchiam uma incapacidade do poder
público de recolher todo o lixo urbano. Esse foi o período da administração
municipal 1985/88.
Em 1987, por iniciativa da Igreja Católica um grupo de irmãs beneditinas de
São Paulo que tinha experiência de trabalho junto à população de rua iniciou os
primeiros esforços de mobilização e organização dessas pessoas, com o
apoio da Pastoral dos Moradores de Rua e da seção regional da Cáritas11.
11 A Cáritas é uma organização não governamental criada na Suíça, vinculada à Igreja Católica e que temseções em vários países.
60
Uma pesquisa feita pela Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte
em 1989 com o objetivo de traçar um perfil dos moradores de rua revelou que
77% dessas pessoas viviam há mais de doze anos na cidade, sendo que a
grande maioria estava em idade produtiva, entre 21 e 44 anos. Nesse
contingente incluíam-se os catadores de papel e de outros materiais
recicláveis. Esse trabalho com os catadores de papel culminou na criação da
ASMARE (Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais
Recicláveis).
A ASMARE foi criada oficialmente em primeiro de maio de 1990. A sua história
remonta aos conflitos acima mencionados com os funcionários das Operações-
Limpeza da Prefeitura de Belo Horizonte ocorridos em 1988, quando os
catadores foram hostilizados pelo Poder Público. Membros da Pastoral de Rua
da Arquidiocese de Belo Horizonte iniciaram então um processo de reuniões
de rua, estabelecendo sólidos laços com este segmento da população. As
mobilizações culminaram com a participação dos catadores na discussão da
nova Lei Orgânica do Município, em 1990, quando conseguiram incluir na pauta
de discussões e depois fazer aprovar uma indicação que os tornava atores
privilegiados junto ao serviço de limpeza urbana da cidade ( ver anexo I ).
Durante os anos de 1991 e 1992 a nascente Associação amadureceu obtendo
as primeiras conquistas ao negociar com o Poder Público a cessão de um
imóvel para sede. Os anos seguintes assistiram à progressiva consolidação da
Associação, marcados pelo estabelecimento de diversas parcerias com ONGs,
além de outras instâncias do Poder público - bem como pelo aumento do
número de associados e o decorrente aumento da produção.
A partir de 1993, com a vitória de uma coligação político-partidária que incluía
o Partido dos Trabalhadores, o Partido Socialista e o Partido Comunista do
Brasil foram aprofundadas ações no sentido de enfrentar os inúmeros
problemas da população de rua. Uma pesquisa feita pela Superintendência de
61
Limpeza Urbana e pela Secretaria Municipal do Desenvolvimento Social traçou
um novo perfil da população de rua, notadamente dos catadores de papel.
Segundo esta pesquisa 82% dos entrevistados era composto de homens; do
total 22% eram analfabetos e 57% cursaram até a 4a. série do 1o. grau. No
entanto, apesar de trabalharem e muitas vezes dormirem na rua, 56% disseram
possuir imóvel próprio, 13% afirmaram residir em imóvel alugado, 5% em casa
de parentes e amigos, e apenas 24% responderam morar realmente na rua.
Essa pesquisa forneceu para a SLU subsídios acerca das rotinas de trabalho
dos catadores, além de outros dados que se mostraram adequados para a
formulação de uma parceria com a ASMARE - parceria essa que acabou
convertendo-se em uma verdadeira rede de atores institucionais envolvidos na
implementação de uma política pública específica - a coleta seletiva de
materiais do município de Belo Horizonte.
Dentro da história recente da SLU o ano de 1993 marca o momento em que o
modelo de gestão de resíduos sólidos sofreu uma transformação conceitual,
passando a incorporar várias iniciativas de participação da sociedade.
Contam-se hoje mais de 80 parcerias em projetos estratégicos para a limpeza
da cidade, com a iniciativa privada, ONG’s, outras instâncias do poder público,
etc.
Dentre essas parcerias aquela constituída junto à ASMARE foi pioneira para a
construção da viabilidade da coleta seletiva de materiais no município de Belo
Horizonte. A própria ASMARE tornou-se mais tarde um centro em torno do qual
gravitam outras parcerias.12 Em virtude desse fato foi natural a escolha da
ASMARE como o outro foco, além da SLU, para realização deste estudo.
12 Além da SLU são dignas de nota as parcerias efetuadas com a Cáritas - Regional Minas Gerais; oPrograma LIFE - Nações Unidas, o Unicentro Newton Paiva, a Secretaria Municipal de DesenvolvimentoSocial, a Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte, o ProjetoCOSPE - Cooperazione per lo Sviluppo dei Paesi Emergenti (Itália), o Instituto Marista de Solidariedade(IMS) e o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Particular de Belo Horizonte (SINEP).
62
Hoje a ASMARE possui um estatuto geral aprovado em assembléia que
regulamenta a adesão de associados - em número ilimitado - e uma estrutura
administrativa constituída por um conselho fiscal e seis comissões: educação
cultura e lazer; finanças; imprensa e divulgação; infra-estrutura; saúde; e meio
ambiente. Cada comissão tem um coordenador e 5 integrantes.
O estatuto garante que somente pessoas físicas possam se filiar, vedando este
direito a depósitos de papel ou firmas intermediadoras do processo de
reciclagem.
4.2 A Implantação do Modelo
A Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte - MG implantou, a
partir de 1993 um modelo de gestão de resíduos sólidos, que além de
“reinventar” o manejo dos resíduos procurou incorporar iniciativas de
participação da sociedade, de formação de uma consciência ambiental do
cidadão e de valorização dos trabalhadores do setor. No total são mais de 80
parcerias em projetos estratégicos para a limpeza da cidade, com a iniciativa
privada, ONG’s, outras instâncias do poder público, etc.
Entre as parcerias mencionadas inclui-se aquela feita com a ASMARE -
Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Reaproveitáveis -
destinada a viabilizar a coleta seletiva de materiais prevista pela Lei Orgânica
do município. Em torno dessa parceria outras foram construídas - com
empresas privadas, com Organizações Não-Governamentais, além de várias
instâncias do Poder Público nos âmbitos municipal, estadual e federal . Várias
das entidades envolvidas participam do Fórum de População de Rua, instância
colegiada de discussão composta por representantes de ONG’s e do Poder
Público.
63
SUBSTÂNCIAConhecimento
técnico
PROCESSOMetodologiasparticipativas
MICROFormulação eimplementação
de projetos
MACROFormulação de
políticas públicas
Modelo de implementação de políticas públicas
O modelo está ancorado em três pontos básicos. O primeiro - a consistência
tecnológica - traduz-se no aprimoramento constante dos processos
tecnológicos do manejo do lixo, o que inclui a compostagem simplificada, a
reciclagem do entulho, a coleta seletiva dos materiais inorgânicos e o
aprimoramento e adequação dos veículos utilizados na coleta. O segundo
ponto diz respeito à qualificação e valorização do trabalhador da limpeza
urbana, o que inclui o orçamento participativo interno, diversos projetos de
comunicação interna, incentivo às atividades artísticas, a criação de uma
moderna infra-estrutura de apoio operacional, programas de saúde e
segurança no trabalho e de qualidade nos serviços. O terceiro ponto -
cidadania e participação social - engloba as diversas parcerias com os setores
público e privado, a criação de frentes de trabalho em vilas e favelas e o uso de
instrumentos e procedimentos de sensibilização e educação ambiental.
A concepção de gestão do lixo adotada inclui assim a busca de eficiência
administrativa e a formação de uma nova cultura do funcionalismo público, mas,
principalmente, o estabelecimento de um novo estilo de relacionamento com a
64
sociedade e o investimento maciço num processo permanente de
comunicação, educação e mobilização social - com programas desenhados
para públicos específicos, tais como frequentadores de bares, camelôs,
feirantes, etc.
O modelo implementado pela Superintendência de Limpeza Urbana de Belo
Horizonte foi desenvolvido por um grupo interdisciplinar de técnicos
ambientalistas, sanitaristas, sociólogos, etc.
“ ... que se propuseram a pensar um modelo de gestão dos
resíduos sólidos que pudesse servir de referencia nacional, já
que não existe no país, uma política nacional de saneamento
de resíduos sólidos. O que acarreta, o que? Mais de 6000
lixões a céu aberto, nesse país inteiro. Quer dizer, aonde
prolifera, uma pobreza generalizada, um caos ambiental”.
(relato)
Esse grupo encontrou receptividade às suas idéias em administrações
municipais ligadas ao Partido dos Trabalhadores, onde os primeiros
experimentos foram feitos.
“Desde 89, a gente vem trabalhando nesse modelo
alternativo de limpeza urbana, com essa perspectiva. A
limpeza urbana como um problema social. Uma questão
social! Tá certo? E viemos desenvolvendo isso, em São
Paulo, Santo André, algumas favelas de São Paulo, mesmo,
capital. Monlevade, Ipatinga, foram um laboratório!
É...Coronel Fabriciano, é Betim ... enfim!” (relato)
Belo Horizonte foi na verdade a primeira experiência do modelo em uma
escala significativa de importância, dado o tamanho da cidade.
“ ... todos desse grupo, ligado, coincidentemente ao PT, aí em
93, quando o Patrus assumiu a Prefeitura, a gente convidou a
65
Heliana Kátia prá poder assumir a Superintendência de
Limpeza Urbana e foi quando nós implantamos, numa escala
maior, esse modelo que a gente vinha desenvolvendo nessas
outras cidades”. (relato)
A participação de amplos setores da população era um dos instrumentos
considerados necessários para o sucesso da iniciativa. Os processos
geradores de renda e emprego surgiram como consequência desse
pressuposto, e não como ação planejada. Foi a própria mobilização dos
catadores de papel e sua organização em uma associação que possibilitou a
sua profissionalização.
(A geração de emprego e renda) “... existia em potencial, quer
dizer, quando foi concebido o projeto, o modelo de
gerenciamento previa exatamente o potencial que existia no
lixo enquanto mercadoria! ... esse modelo gera emprego e
renda devido à forma de tratamento diferenciado do resíduo.
É tratar a coisa diferente, de forma diferente, né? E tem
outras possibilidades ainda, de se gerar ainda mais emprego,
ainda mais renda. Na medida em que os catadores evoluírem
não só prá fazer a coleta desses materiais, mas pra começar
a transformar esses materiais recicláveis, a agregar valor a
eles como processo de transformação. Do plástico, de uma
série de alternativas, do alumínio...” (relato)
Outras iniciativas da SLU geram renda ou redução de custo, mas não
necessariamente emprego, como por exemplo, o reaproveitamento dos
resíduos da construção civil e resíduos orgânicos.
“... dentro do pilar consistência tecnológica a gente dá um
tratamento diferenciado aos resíduos. Por exemplo, os
resíduos de construção civil! A construção civil é uma
atividade que gera muito resíduo, no Brasil, nos demais
países de 3º mundo. O que se perde na construção civil, é
66
uma coisa absurda. Pra cada três andares de um prédio, um
vira lixo. Então isso é um problema seríssimo! Então, por
exemplo, esse material tem um programa de reciclagem, de
entulho da construção! Então já contamos com duas oficinas
de reciclagem de entulho! Esse entulho que chega lá, ele é
transformado em base de pavimentação asfáltica, ele é
transformado em piquetes para pavimentar vias públicas!
Em meio-fio, tijolo , pra construção de baixa renda”. (relato)
Não constitui esse caso, no entanto, geração de emprego ou renda:
“Isso é pra diminuir o custo da construção, o que existe é
uma diminuição do custeio geral da Prefeitura. Essas oficinas
são gerenciadas pela própria SLU! Na verdade a gente tá
criando uma atividade comercial nova. Futuramente,
provavelmente, isso vai ser assumido pela iniciativa privada
como um veio muito produtivo de renda”. (relato)
Citando outra iniciativa na mesma linha:
“Tem por exemplo, a unidade de compostagem. Ele pega, ele
coleta separadamente, a matéria orgânica em alguns grandes
produtores, como supermercados, sacolões, e é feita junto
com o material da poda a compostagem, tem uma unidade
de compostagem, aonde toda a matéria orgânica é
transformada em composto orgânico. Esse composto
orgânico, produzido em escala maior, ele pode ser vendido, e
hoje, do jeito que ele é produzido, ele é repassado pra
Secretaria de Abastecimento, e é distribuído pras escolas,
órgãos comunitários, etc.”. (relato)
A diferença entre essas atividades e os processos da coleta seletiva que são
objeto da parceria com a ASMARE são definidas pelo fato de que
67
“...as atividades de consistência tecnológicas foram criadas
com o pessoal da casa, com a questão de qualificação e
treinamento. Aí não dá pra fazer uma medição exata ou
precisa porque ela entra no custeio geral da prefeitura. Agora,
por exemplo, quando se, se define uma parceria com a
ASMARE, aí sim, aí gera emprego e renda fora da instituição,
do portão pra fora!” (relato)
Para possibilitar a execução desse projeto a SLU teve de encontrar
mecanismos apropriados de gestão que se adequassem aos objetivos
propostos dentro da relativa rigidez do Poder Público, o que levou a algumas
inovações no que se refere aos princípios e instrumentos da administração.
4.3 A Estratégia dos Atores e Os Processos de Gestão: A Gestão do Modelo
“para dentro”
Da perspectiva da gestão podem ser considerados aspectos ligados à cultura,
à estrutura interna da instituição, ao planejamento, à comunicação, à tomada de
decisão, ao gerenciamento dos recursos humanos, aos relacionamentos
externos e aos processos de controle e avaliação internos ao modelo.
O lixo carrega um estigma e tudo aquilo que o cerca, incluindo os órgãos
responsáveis pelo gerenciamento, também é estigmatizado.
“Em qualquer cidade do interior, na Prefeitura, tudo o que não
presta vai para o Departamento de Limpeza Urbana e fica
encostado lá. Quer dizer, o trabalhador da limpeza urbana
também é tratado como lixo! Não tem a menor dignidade!”
(relato).
Esse tipo de preconceito representou a primeira dificuldade. Por outro lado a
questão do lixo está inserida em um contexto cultural cuja concepção de lixo é
de “coisa imprestável”. O modelo implementado partiu então do pressuposto de
68
que para alcançar seus objetivos com sucesso seria preciso haver uma
mudança de mentalidade na população - e dentro da própria SLU - com relação
ao lixo.
“O que aconteceu de diferencial? É a mudança do conceito
de limpeza urbana! A limpeza urbana, ela deixou de ter aquele
conceito positivista de engenharia de limpeza, caminhão e
lixeiro na rua! Entendeu? Pra poder ter uma conotação social.
A limpeza urbana como problema social! Que pra ser
resolvido, tem que, necessariamente, é... participar da
solução, todos os que fazem parte do problema. (...) Por um
lado, obrigação do poder público, por outro lado a mudança
de hábito da população no que diz respeito ao padrão de
consumo, principalmente, padrão de produção e consumo”
(relato).
Uma das maiores dificuldades foi, segundo relatos, a inadequação da estrutura
da SLU para abranger as ações do novo modelo.
“... esse modelo o que acarretou? Como ele tem essa visão
mais ampla e diferenciada de limpeza urbana, ele esbarrou
numa série de dificuldades. Inclusive, no que diz respeito
próprio organograma da SLU que é todo voltado, todo
esquematizado, pra ser um serviço de engenharia,
exclusivamente. Dentro do próprio organograma, não tinha
espaço pros projetos relacionados à participação social e
cidadania. Tinha espaço, por exemplo, pra projetos
específicos de redução e reciclagem” (relato).
A solução encontrada foi criar uma estrutura paralela, “encaixada” no
organograma oficial:
Então, nós estamos criando, esse modelo nós estamos
implantando esse modelo à partir de unidades informais. Por
69
exemplo, a AMS, a assessoria de coordenação social, que
eu coordeno. É uma assessoria técnica, ligada ao gabinete,
e, e no entanto responsável por um dos pilares. E que tem
um assessor, que sou eu, e organicamente abaixo de mim
não tem ninguém! Ou seja, eu tenho 4 comitês, deveriam ser
4 departamentos, com seus coordenadores, com suas
divisões. Mas não existe nada disso. Existe isso
informalmente. Toda a estrutura operacional, da frente
operacional, ela trabalha hoje com um modelo informal de
organização. Porque a estrutura que existe ela não absorve a
proposta do modelo. Então, inclusive nós estamos
reelaborando um organograma interno pra poder adaptar ao
modelo de gerenciamento. (...) Então isso, foi uma
dificuldade, que nós encontramos!” (relato).
Para viabilizar o trabalho de mobilização social e de educação ambiental em
limpeza urbana foi preciso criar um núcleo de técnicos, para desenvolver e
implantar a proposta de organização social. Foi então criada uma Assessoria
de Mobilização Social (AMS) com a contratação de técnicos, em um primeiro
momento através de uma empresa de consultoria e depois através de
concurso público, com a criação do cargo de analista de mobilização social.
A partir de então o modelo foi sendo desenvolvido através de equipes e grupos
de existência informal e às vezes temporária.
“Tem equipe que cuida só da educação ambiental em
escolas, uma equipe que cuida só da questão da coleta
seletiva de materiais recicláveis. Uma equipe que cuida só da
implantação da coleta de saneamento em vilas, em favelas.
Uma equipe que cuida só das campanhas em massa, nos
coletivos urbano, nos espaços públicos... Na AMS, na parte
operacional, com a mudança da concepção de operação, foi
criada uma equipe p’ra administrar a usina de reciclagem,
p’ra administrar a usina de compostagem, p’ra administrar a
70
área de destinação final, que é o aterro da BR 040, que é
considerado o melhor aterro das Américas...” (relato).
Sendo o organograma da SLU bastante verticalizado o que ocorreu foi uma
horizontalização dos cargos, com redução do número de níveis hierárquicos.
Mas a SLU não esperou os procedimentos burocráticos oficiais para
implementação dos projetos.
“Está sendo estudado uma nova proposta organizacional pra
ser encaminhada pra Câmara, pra se adaptar ao modelo.
Porque na verdade é o seguinte, você implantar e a adaptar a
casa ao modelo é muito mais rápido do que você reformular
no papel e encaminhar pra Câmara , pra Câmara poder
aprovar e voltar! Então, agora o processo é este, de você
criar um organograma, criar um modelo organizacional, que
possa . consolidar o modelo de gerenciamento de tal forma
que crie esses novos espaços de trabalho, essas novas
divisões de trabalho!” (relato).
Existem assim um organograma oficial e uma organização informal paralela
(figuras seguintes). No entanto a estrutura paralela está inserida na estrutura
oficial. Não se constituiu assim uma polaridade entre grupos, ou uma oposição
entre modernidade e tradição.
“...essa organização paralela que existe se confronta com a
organização formal só na medida em que ela denuncia a
inadequação pra poder prestar um serviço de qualidade, pra
poder prestar um serviço eficiente de limpeza urbana...”
(relato).
Se a criação da AMS foi o grande diferencial - uma vez que não existia
anteriormente - foi necessária além disso uma reformulação total de toda as
áreas: jurídica, administrativa, operacional, técnica, social. Mesmo as áreas da
71
tecnologia e administrativa-financeira onde os cargos formais permaneceram,
foram também modernizadas e desburocratizadas.
CONSELHO MUNICIPALDE LIMPEZA URBANA
SUPERINTENDÊNCIA DE LIMPEZA URBANA
ASSESSORIATÉCNICA
DIRETORIA ADMINISTRATIVOFINANCEIRA
DIRETORIA DE OPERAÇÕES
DEPARTAMENTO DEADMINISTRAÇÃO
DEPARTAMENTODE PESSOAL
DEPARTAMENTOCOMERCIAL/ CONTÁBIL
DIVISÃO DEMATERIAL
SEÇÃO DE CONTROLES DECONTRATOS E VEÍCULOS
SEÇÃO DEALMOXARIFAD
SEÇÃO DECOMPRAS
SETOR DECOMUNICAÇÃO E
ARQUIVO
SETOR DEZELADORIA EECONOMATO
SEÇÃO DE SERVIÇOSGERAIS
SEÇÃOCOMERCIAL
SEÇÃO DE CONTROLEORÇAMENTÁRIO
SETOR DE COM.DE PROD. E SERV.
SEÇÃO DEPATRIMÔNIO
SEÇÃO DETESOURARIA
SEÇÃO DECONTABILIDADE
DIVISÃO DERH
SEÇÃO DERECRUTAMENTO,SELEÇÃO E TREIN.
SEÇÃO DEMOVIMENTAÇÃO
DE REGISTROS
SETOR DECONTROLE DEFREQUÊNCIA
SETOR DEENCARGOS SOCIAIS
SEÇÃO DE PREPARO EPAGAMENTO
SEÇÃO DEASSISTÊNCIA SOCIAL
SEÇÃO DESEGURANÇA DO
TRABALHO
DIVISÃO DE SEGURO EMEDICINA DOTRABALHO
DEPARTAMENTO DEDESTINAÇÃO FINAL DO LIXO
DEPARTAMENTO DETRANSPORTES
DEPARTAMENTO DELIMPEZA PÚBLICA
DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA CENTRO
SEÇÃO DE LIMPEZAPÚBLICA NOTURNA
SEÇÃO DE LIMPEZAPÚBLICA DIURNA
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A
SEÇÃO DE PREPARO EPAGAMENTO
DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA VENDA NOVA
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A
DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA SUL
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A
DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA LESTE
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A
DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA OESTE
DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA PAMPULHA
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A
DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA NOROESTE
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A
DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA NORDESTE
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A
DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA BARREIRO
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B
SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A
SEÇÃO DE ATERROSSANITÁRIOS
SETOR OPERAÇÃOMANUT. DE USINAS
SEÇÃO DE USINAS
DEPARTAMENTOJURÍDICO
SERV PROC LEGAISADMINISTRATIVOS
SERVIÇO DOCONTENCIOSO
DIVISÃO DEMANUTENÇÃO
SEÇÃO DE MANUTDE VEÍCULOS EMAQ PESADAS
SEÇÃO DE APOIOTÉCNICO
ORGANOGRAMA OFICIAL DA SLU (Fonte: Setor Administrativo)
72
ORGANOGRAMA INFORMAL DA SLU*
INDICANDO A POSIÇÃO DA AMS (ASSESSORIA DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL)
Setor
Seção
Divisão
Departamento
Dir. Tec Dir. Adm/ fin. Dir. Operac.
Gabinete Assessorias
BH Reciclando BH + Limpa Proj. Especiais Vilas
Coordenação Colegiada
Documentação Imprensa
Ass. Comunic. SocialAss. Mobiliz. Social
* Elaborado a partir de informações fornecidas pelo Setor Administrativo da SLU
73
A comunicação externa funciona simultaneamente como instrumento de
mobilização social, educação ambiental, divulgação e marketing. Segundo
pesquisas feitas pela Prefeitura desde 1993 até a última (em 1998), o índice de
aceitação SLU junto à população passou de 62% para 84%. O levantamento
da cobertura feita pela mídia sobre as atividades de limpeza urbana indica que
mais de 80% das notícias veiculadas em jornais e televisão são positivas,
representando um canal gratuito de divulgação.
Nesse processo a SLU procura se valer de instrumentos criados ad-hoc e
valorizar iniciativas dos próprios funcionários e da população.
Dentre essas iniciativas são dignas de nota os grupos de rap e pagode dos
funcionários da casa. Existe ainda o trabalho de artes plásticas com lixo e o
grupo de teatro da SLU, além de inúmeras outras iniciativas de caráter
eventual.
“ ... a nossa proposta de mobilização, ela usa tanto
instrumentos formais, quanto informais de educação. Usa o
lúdico, como forma de atingir o inconsciente coletivo de uma
forma mais ‘acachapante’, mais ativa, na verdade”. (relato).
Foi criado um centro de documentação que funciona como central de
informações e apoio para toda a instituição, responsabilizando-se ainda pelas
publicações regulares (Jornal da SLU, com 3 anos de existência) e eventuais.
A partir de 1996 a SLU incorporou o orçamento participativo interno como
instrumento de planejamento. O corpo de funcionários através de um processo
de mobilização e reuniões define as metas e o orçamento de cada ano. Os
seminários do orçamento participativo ocorrem nos meses de outubro a
dezembro. Inicialmente restrito a 50% do orçamento, hoje este processo define
a destinação de 100% do orçamento do órgão.
74
“O que que vai ser prioritário? O que vai ser , quais vão ser
as metas, e quais vão ser as prioridades? A gente define,
internamente...” (relato).
A participação se dá do seguinte modo:
“... normalmente participam deste processo as chefias dos
vários setores. Chefes de departamento, de seção, tá?! E
também os coordenadores da (AMS), dos seus vários
comitês e assessorias. Os coordenadores de projeto
também participam... Mas (anteriormente) a gente já discutiu
internamente com as todas as áreas, com os projetos, com
os técnicos que participam dos vários projetos, o que é a
necessidade da área. O que que precisa para poder ampliar e
crescer e quais são as metas. Isso tudo vai para o grupo e
cada um defende o que acha melhor...” (relato).
Segundo os coordenadores do processo um ponto fundamental é a gestão
democrática do projeto, sem ingerência direta por parte do Poder Público ou
qualquer outra instância.
“... iria contra os nossos próprios pressupostos de
participação querer impor algo que não tenha sido pelo
menos bastante discutido. A idéia não é impor, mas esperar
que as soluções possam surgir de um diálogo...” (relato).
Entretanto, subsiste uma ambiguidade, pois:
“...é claro que tem algumas coisas que passam por decisões
de instâncias superiores, né?! Por exemplo, na administração
pública, você sabe que a gente só pode fazer o que a lei
permite...” (relato).
75
Existe além disso uma grande preocupação com a documentação e o registro
de informações em relatórios mensais, disponíveis a todos e que vão dar
suporte ao processo decisório.
“A gente tem os relatórios estatísticos que tem ali todas as
atividades, os números, né?! Tem esse registro de
informações. E... periodicamente a gente realiza os
seminários para a gente estar tendo uma visão geral do
conjunto. Não só aquela de determinada área específica que
você está trabalhando no dia a dia, mas para ter uma visão
de conjunto, né?!” (relato).
Aos processos internos permanentes de controle e avaliação são creditados,
segundo os coordenadores, os méritos do modelo, uma vez que possíveis
falhas e desvios podem ser detectados e combatidos. Existem núcleos
internos de discussão permanente em todas as áreas - e esses grupos de
discussão desenvolvem ad-hoc a metodologia de correção de rota ou de
adaptação de projetos.
“São consolidados relatórios mensais das atividades. Tudo é
muito dinâmico, tal qual o lixo! O lixo é extremamente
dinâmico a gente nunca consegue acompanhar, a velocidade
com que aparecem novas espécies, novas qualidades de
lixo! Então é muito dinâmico o modelo de gestão, ele tem que
ter uma dinamicidade, tem que ter essa flexibilidade, pra
correção de rota, tem que ter essa flexibilidade de renovação
metodológica permanentemente”.
A qualificação do quadro de funcionários da SLU revelou-se fundamental para a
implementação do novo modelo de gestão. A instituição promove internamente
seminários de qualificação e incentiva a participação dos funcionários em
cursos externos. Segundo relatos a resistência ao novo modelo não foi
76
significativa em função da “cultura de mudança” instituída na organização. No
entanto:
“... é evidente que teve, que teve algumas dificuldades aí
nesse percurso. Mas na verdade, a assimilação do modelo
pelo corpo de funcionários de um modo geral foi, na minha
opinião pessoal, surpreendente! Foi muito mais fácil do que a
gente, do que eu imaginava! Agora, eu acho que alguma
resistência, sempre há aqui e ali, né? E quando houve, a
gente procurou isolar essas resistências”. (relato).
Em 1998 houve a troca do governo municipal. No entanto, a prefeitura foi
assumida por um grupo que representava a continuidade administrativa - e
dentro da SLU o novo modelo, que já tinha projeção e reconhecimento
internacional, alcançava sua maturidade. Segundo os coordenadores do projeto
essa continuidade político-administrativa foi importante para a consolidação
integral do modelo.
“Com a mudança de governo evidentemente mudaram
alguns cargos (...) Mas como esse governo, também, tinha a
mesma visão no que diz respeito à política de saneamento de
resíduos, e tinha como proposta dar continuidade de
consolidar o modelo, foi mantido uma série de pessoas, em
cargos estratégicos! Mudou a gestão maior da casa, algumas
diretorias, mas na verdade, manteve o corpo de técnicos!
Primeiro, o corpo técnico da casa é o mesmo! E nesses
cargos de recrutamento amplo, também foram mantido
alguns cargos estratégicos! Eu e minha equipe mesmo,
somos um exemplo disso!” (relato).
Existe uma percepção mais geral de que um dos grandes problemas é
77
“...a situação financeira também, de maneira geral, né? De
maneira geral, aí não é Belo Horizonte, é no país como um
todo, de modo geral a questão financeira é caótica!”
O orçamento da SLU (R$70.000.000 em 1999) é composto de recursos
próprios advindos das taxas de limpeza urbana cobrada no IPTU. Isso
representa aproximadamente 70% do orçamento. Os outros 30%, vem de
repasses da Prefeitura. Todos estes recursos vão para um mesmo fundo e sua
destinação é decidida pelo orçamento participativo interno anual.
O custo anual do Projeto de Coleta Seletiva representa cerca de 0,08% da
receita orçamentária do Município, que cobre 62% do total do projeto. O
restante é coberto por recursos próprios (9%) ou da iniciativa privada (29%).
4.4 A Estratégia dos Atores e Os Processos de Gestão: A Gestão do Modelo
“para fora” com a participação da ASMARE
A SLU tem hoje mais de 80 parcerias nas mais variadas áreas de atuação.
Dignas de nota são aquelas efetuadas com o programa LIFE, da Organização
das Nações Unidas (com aporte de recursos para projetos educativos), com o
Sindicato da Construção Civil (para reciclagem do entulho de obras), com a
Santa Casa de Misericórdia (reciclagem do vidro), com a Secretaria Municipal
de Desenvolvimento Social - órgão da prefeitura responsável pelo repasse de
recursos financeiros do Convênio - com a Secretaria Municipal da Indústria e
Comércio, outras Secretarias Municipais, as Administrações Regionais e
outras instâncias do poder Público. Participam do projeto além das instituições
mencionadas a Cáritas Brasileira - Regional do Estado de Minas Gerais e a
Cáritas Suíça, o Fundo Nacional do Meio Ambiente, o Centro Universitário
Newton Paiva, etc.
A parceria com a ASMARE foi a forma encontrada de viabilizar a coleta
seletiva de materiais preconizada pela Lei Orgânica do Município. Essa
78
parceria foi firmada em março de 1990 e inclui assessoria técnica, cursos de
capacitação e repasse financeiro. A contrapartida é, segundo cálculos da SLU,
uma economia mensal de cerca de R$ 9.000,00 - advinda da redução dos
resíduos sólidos reciclados recolhidos na cidade pelos catadores ou coletados
nos postos de entrega voluntária pela população.
“Nesse convênio a gente repassa pra ASMARE, uma
verba... Pra ela ... poder ter uma administração eficiente, pra
poder ter vale-transporte pros catadores, uniforme dos
catadores. Pra pagamento de todo pessoal administrativo
contratado. Aluguel dos galpões, luz água, enfim. A gente
repassa um recurso e esse recurso, ele é insignificante, se
você for ver, o retorno social dele, uma economia mensal de
cerca de R$ 9.000,00 - advinda da redução dos resíduos
sólidos reciclados recolhidos na cidade pelos catadores ou
coletados nos postos de entrega voluntária pela população.
E a economia que se faz também na limpeza urbana da
cidade! Deixa de ir pro aterro sanitário 560 toneladas de
materiais recicláveis! Por mês! Que dá mais ou menos 3,6 ou
3,7% do lixo geral da cidade”. (relato).
A SLU teve também de se relacionar com os depósitos de papel, empresas
que antes da organização da ASMARE compravam todo o material dos
catadores para revendê-lo para a indústria. Este setor foi o mais ameaçado
pela organização da ASMARE. Durante o processo de criação da associação
estes depósitos exerciam pressão velada sobre os catadores, passando a ser
alvo de atenção da SLU, para a qual
“...os atravessadores, sempre foram tratados como tal,
como atravessadores! Agora, não tinha nenhum projeto
direcionado pros atravessadores, a não ser, regulamentar a
atividade deles, no que diz respeito a triagem na rua! A
manter os locais limpos, enfim! Um trabalho de fiscalização
79
nas atividades deles! Mas não tinha um projeto direcionado
pra eles...”. (relato).
Um outro dado da parceria com a ASMARE foi a inclusão da associação no
modelo geral de coleta seletiva construído pela SLU para o município de Belo
Horizonte. Hoje o controle operacional da coleta seletiva é feito pela ASMARE.
Na parte física foram desenvolvidos containers destinados a receber os
materiais recicláveis - papel, metal, vidro e plástico. Esses recicláveis são
separados e levados voluntariamente pela população até os LEV’s - Locais de
entrega Voluntária - atualmente em número de 262, onde são coletados e
comercializados pela Associação dos Catadores de Papel e Santa Casa de
Misericórdia (somente o vidro).
Através da parceria com a Associação dos Catadores de Papel também foram
implantados três galpões de triagem que permitiram a eliminação de cerca de
50 pontos críticos de triagem nas calçadas da área central da cidade. O
material é conduzido dos LEV’s para os galpões por caminhões da SLU e da
ASMARE. O gerenciamento dos galpões é realizado de forma integrada entre
a SLU, a ASMARE e a Pastoral de Rua.
Além disso a SLU se prepara para o crescimento da atividade privada no setor
de reciclagem.
“A gente dá todo um incentivo a implantação de empresas ou
da indústria de reciclagem e de transformação, na cidade,
né? Então todo esse tipo de ação, de atividade, ela é muito
bem vinda! O objetivo é exatamente esse! É criar condição
para que apareça indústria, empresa de transformação e de
reciclagem”. (relato).
Inserida no modelo de gestão de resíduos sólidos de Belo Horizonte encontra-
se a coleta seletiva de materiais inorgânicos. O projeto de coleta seletiva
80
implementado pela SLU não incorpora no entanto a coleta porta-a-porta, mas
sim a entrega voluntária em pontos estratégicos da cidade.
Em consonância com a Lei Orgânica Municipal que prioriza a realização da
coleta seletiva por cooperativa de trabalhadores o programa implementado em
Belo Horizonte - inicialmente cobrindo a região central do município - visa
simultaneamente à geração de renda e profissionalização dos catadores de
papel, a redução da população de rua, a melhoria das condições de vida desse
segmento, a melhoria da limpeza urbana e o aumento da consciência ecológica
e da solidariedade social da população.
Os ganhos sociais do projeto beneficiam não apenas os catadores de papel
associados (cerca de 230, além de suas famílias - representando
aproximadamente 40% do total de catadores da região central do município)
mas também outros trabalhadores de rua em processo de inserção social.
Todo o material coletado - tanto nas ruas como nos LEV’s - é comercializado
pela ASMARE. O rendimento médio mensal para os catadores inscritos varia
entre 2 a 3 salários-mínimos, mais vales-transporte e ganhos de produtividade.
A ASMARE, cuja trajetória percorre um caminho que vai desde a sua fundação
em reuniões de rua até a consolidação como responsável pelo gerenciamento
da coleta seletiva em Belo Horizonte, incorporou ao longo da sua história
mecanismos de gestão analisáveis segundo o mesmo modelo utilizado no caso
da SLU.
Os traços culturais e a história de vida do catador, cujo modo de existência nem
sempre mostrou-se adequado às exigências de uma atividade profissional
foram obstáculos paulatinamente superados através de um longo processo de
capacitação que incluía diversos aspectos sócio-pedagógicos. A ASMARE
implementou um código de ética, cujo desrespeito pode levar à exclusão do
membro infrator. Este código inclui não recolher material roubado, não beber ou
81
fumar no local de trabalho e respeitar as normas de trânsito (lembrando que os
catadores frequentemente têm de circular em vias de grande movimento
puxando um “carrinho” cujo peso pode superar os 500 Kg).
Uma das dificuldades iniciais foi, ao viabilizar galpões de triagem na área
central da cidade, vencer o preconceito e a resistência às atividades dos
catadores demonstrado pela população do entorno das áreas identificadas
para construção. Outra dificuldade foi a falta de confiança dos catadores, da
Pastoral de Rua e da Cáritas no Poder Público, fruto de uma relação histórica
conflituosa.
A ASMARE conta hoje conta com 250 associados, funcionando num sistema
de pré-cooperativa, em transição gradual para uma cooperativa mista de
trabalhadores envolvidos nas várias atividades relacionadas ao
reaproveitamento de materiais recicláveis. A instituição emprega 28
funcionários que trabalham nos 3 galpões de triagem do material recolhido,
com funções administrativas e operacionais (operadores de máquinas), entre
os quais incluem-se agentes da Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo
Horizonte.
A produção média alcançada em 1998 foi de 350 toneladas por mês. Estima-
se que auto-sustentação será alcançada com uma média de 850 toneladas por
mês. Os gráficos abaixo ilustram a produção por galpão e os custos referentes
a cada um deles expressos em valores monetários (reais).
82
Jan
Fev
Mar
Abr Mai
Jun
Ago
0 Kg
2.000 Kg
4.000 Kg
6.000 Kg
8.000 Kg
10.000 Kg
12.000 Kg
14.000 Kg
16.000 Kg
Jul
Set
Ou
t
Nov Dez
Galpão ContornoGalpão Curitiba
Galpão Itambé
Produção dos galpões em 1998
Produção individual de cada galpão da ASMARE
Fonte: setor administrativo da ASMARE
Produção dos galpões em 1998 - Custo
R$ 0,00
R$ 2.000,00
R$ 4.000,00
R$ 6.000,00
R$ 8.000,00
R$10.000,00
R$12.000,00
R$14.000,00
R$16.000,00
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago Set
Out
Nov Dez
Galpão ContornoGalpão Curitiba
Galpão Itambé
Custo do material adquirido pela ASMARE
Fonte: setor administrativo da ASMARE
A estrutura administrativa é constituída por sete comissões: educação cultura e
lazer; finanças; imprensa e divulgação; infra-estrutura; saúde; religiosidade e
meio ambiente. Essas comissões agrupam-se em duas grandes áreas -social
e de produção. Cada comissão tem um coordenador e 5 integrantes, todos
associados da ASMARE e eleitos em assembéia-geral.
83
O trabalho dessas comissões é supervisionado por uma comissão
coordenadora cujos membros representam a ASMARE legalmente, sendo que
o coordenador de finanças responsabiliza-se oficialmente pela instituição. A
ASMARE possui ainda um conselho fiscal, composto por três membros eleitos
em assembléia e que controlam a prestação de contas, o balanço e o
orçamento da instituição.
O organograma completo da instituição está representado na figura seguinte.
84
ORGANOGRAMA DA ASSOCIAÇÃO DOS CATADORES DE PAPEL EMATERIAIS RECICLÁVEIS DE BELO HORIZONTE
Comissão deReligiosidade
Comissão deInfra-estrutura
Comissão de Divulgaçãoimprensa
Comissão de Saúde Comissão de Finanças Comissão de Educação,Cultura e Lazer
Comissãode Saúde
Comissão de Divulgaçãoe imprensa
Comissão de Educação,Cultura e Lazer
Área Social
Coordenação Social
COMISSÃO CENTRAL
ASMARE
AuxiliarAdministrativo
Contador
SetorAdministrativo
Comissão de finanças
Balanceiro
Gerente Operacional
Setor Operacional
Comissão deinfra-estrutura
Animador Geral
Suplentes
Titulares
Conselho Fiscal
Coordenação de Empreendimento
Prensista
Fonte: Setor Administrativo da ASMARE
85
A partir do convênio firmado com a Prefeitura esta arca com as despesas
estruturais da ASMARE, inclusive aluguéis e pagamento do pessoal
administrativo. As outras principais fontes de receita são a venda do material
recolhido, repasses de ONGs parceiras, doações de terceiros e mensalidades
dos associados. O Projeto COSPE (Cooperazione per lo Sviluppo dei Paesi
Emergenti) é uma articulação internacional que proporciona recursos para o
setor administrativo e para aquisição e manutenção de equipamentos.
DEMONSTRATIVO DA ASMARE ATÉ OUTUBRO DE 1998
ORIGEM VALOR %
Convenio Prefeitura de BHTE 281.745,15 23,65Convenio Projeto LIFE 8.500,00 0,71Vendas Materiais 604.102,68 50,70Mensalidades 1.105,60 0,09Projeto COSPE 52.477,10 4,40Outras Receitas 8.872,55 0,74Convenio Minas Tenis Clube 14.495,38 1,22Receita Marcenaria 5.374,08 0,45Receita Mercadinho 4.457,98 0,37Doação UNICEF 10.000,00 0,84Empresa Municipal de Turismo de BHTE 20.995,00 1,76Doação Projeto Solidários Comunitários 5.220,00 0,44Convenio Fundação Interamericana 141.219,25 11,85Superintendencia de Limpeza Urbana 9.442,15 0,79Doação Diversas Projeto Seminário Nacional 1.040,00 0,09Doação 13.000,00 1,09Receita da Casa Escolar 9.461,99 0,79
Total 1.191.508,92 100,00
Fonte: setor administrativo da ASMARE
A ASMARE compromete-se a comprar toda a produção dos catadores
segundo uma tabela de preços definida pela própria Associação. Como a
ASMARE tem total controle sobre a produção de cada catador este recebe
mensalmente de acordo com o volume recolhido, tendo que cumprir uma cota
mínima de 100 kg/dia e recebendo adicionais de produtividade. A figura abaixo
mostra a relação entre o preço de compra e venda dos materiais recolhidos,
indicando lucros médios em torno de 100% auferidos no negócio.
86
R$0,00
R$5.000,00
R$10.000,00
R$15.000,00
R$20.000,00
R$25.000,00
R$30.000,00
R$35.000,00
R$40.000,00
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
VendaCompra
Relatório de Resultados em 1998
Relação custo x preço de venda do material
Fonte: setor administrativo da ASMARE
Os dados de produção indicam um crescimento significativo (figura ) o que
aponta para uma autonomia progressiva da Associação frente ao Poder
Público, cujos repasses financeiros ainda são importantes para a manutenção
da entidade.
O envolvimento dos participantes da associação num projeto coletivo pode ser
considerado um dos pilares da instituição. A discussão e o diálogo estão na
base dos processos internos de tomada de decisão. Participar das reuniões
mensais é um pré-requisito para associar-se e manter-se associado. As
decisões mais importantes são sempre tomadas em assembléias gerais. A
participação de todos é estimulada pela percepção de que a força da
associação reside no esforço coletivo. A meta é alcançar o mais rapidamente
possível o status de cooperativa.
Desde a sua fundação - e mesmo antes dela - a Igreja Católica, através da
Pastoral de Rua foi sempre uma parceira importante da ASMARE, através de
uma cooperação que inclui assessoria, recursos humanos e financeiros.
A SLU também figura como parceira de importância significativa, procurando
viabilizar um suporte operacional para as ações, realizando cursos periódicos
de capacitação para os catadores e repassando, através de um convênio
87
firmado entre a ASMARE, a Prefeitura de Belo Horizonte e a Mitra
Arquidiocesana, recursos para pagamento de despesas administrativas ,
fretes, vales-transportes e uniformes para os catadores.
Inicialmente a ASMARE dependia integralmente dessas duas instituições para
sobreviver. Com os recursos gerados pela atividade de coleta de papel,
papelão e recicláveis a entidade tem se tornado progressivamente
independente. A perspectiva das parcerias hoje encaminha-se mais no sentido
de fortalecer a ASMARE para que ela possa se estruturar como uma
cooperativa. Segundo a própria coordenação da ASMARE hoje a associação
dos catadores está consolidada, sendo os parceiros colaboradores para que
ela possa atingir mais rapidamente objetivos mais ambiciosos.
Entre as instituições que mais contribuem nesse sentido estão a Cáritas
Brasileira - Regional do Estado de Minas Gerais, que participa das equipes
sociais dos galpões e a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social -
órgão da prefeitura responsável pelo repasse de recursos financeiros do
Convênio. Juntamente com outras entidades a ASMARE participa do Fórum
de População de Rua, instância colegiada de discussão composta por
representantes de ONG’s e do Poder Público.
Em momentos específicos a Cáritas Suíça viabilizou apoio financeiro para
construção dos galpões, o Fundo Nacional do Meio Ambiente financiou a
confecção dos containers para recebimento dos recicláveis (em número de 62)
e a Secretaria Municipal da Indústria e Comércio intermediou o contato da
ASMARE com o Centro Universitário Newton Paiva para a realização de um
estudo de viabilidade econômica de implantação de uma microindústria de
beneficiamento de papel e plástico.
Por outro lado, um outro tipo de instituições que gravita no ambiente externo da
ASMARE são os empresas intermediadoras do processo de reciclagem de
88
papel ou “aparistas”, isto é, os depósitos para os quais o catador de papel
trabalhava, vendendo sua produção antes do surgimento da ASMARE.
“O impacto que surgiu é o seguinte: eles passaram a ter a
competição dos catadores organizados, né? Quer dizer eles
tinham todos os catadores trabalhando pra eles! Sendo
pagos de forma que eles definiam, pelo preço que eles
definiam! E nas condições que eles definiam! Eles fizeram
muita pressão em cima dos catadores! Hoje isso já não
existe mais, porque a medida que eles vão se organizando,
eles vão se fortalecendo também, e ganhando espaço! Mas
no início, houve muita pressão sobre os catadores! De todo
tipo! De todo tipo que você imaginar! Na tentativa de
inviabilizar a ASMARE é claro! Essa... a coisa, essa tentativa
de desestabilização, ela existe ainda!
No entanto, o surgimento da ASMARE implicou uma mudança na postura do
trabalho mesmo fora dela:
Com isso, com a organização da ASMARE, esses aparistas,
evidentemente tiveram que melhorar as condições daqueles
que ainda fazem a catação pra eles! Eles fazem concorrência
com esses aparistas, né? Então esses aparistas, com isso
eles tiveram também, que melhorar as condições de trabalho,
daqueles que ficaram ainda com eles! Hoje e a postura deles
também, no que diz respeito ao comportamento, na triagem,
desses materiais todos mudou muito! E a SLU agora
fiscaliza! Não permite triagem na rua, quer dizer, têm que
criar condição pra poder exercer (o trabalho)” (relato).
À medida que a Associação ganha autonomia cresce a possibilidade de que
os catadores assumam integralmente o controle da ASMARE. O controle
operacional da coleta seletiva já é feito pela Associação. Isso cria uma série de
responsabilidades para as comissões administrativas, que progressivamente
89
buscam capacitar-se. No entanto a presença de assessores da Pastoral de
Rua e da SLU ainda faz-se necessária para que as funções administrativas
sejam bem-sucedidas.
O órgão que cuida da fiscalização da gestão é o conselho fiscal. Ele é
composto por 3 membros eleitos em assembléia que emitem pareceres
mensais sobre a prestação de contas, o balanço financeiro a execução e a
previsão orçamentária anual. Dados do conselho fiscal indicam que cerca de
45% do total de despesas constitui-se em pagamento aos catadores.
Demonstrativo das despesas da ASMARE em 1998
Descrição Valor em R$
Despesas gerais 212.527,34Pagamento aos catadores 179.955,54
Total geral 392.482,88
Fonte: setor administrativo da ASMARE
A mudança no status dos catadores de papel foi aclamada por todos os
entrevistados como uma das maiores conquistas do processo. Segundo
depoimentos a questão da profissionalização dos catadores de papel é de
difícil compreensão porque com o empobrecimento da população a “catação”
surge como uma alternativa da sobrevivência do dia a dia.
“Quando não tem mais nada (...) a pessoa cata, cata papel,
cata material reciclável e ganha o “rango” do dia ou a
cachaça do dia, seja lá o que for! Agora, os catadores de
papel profissionais, aqueles que vivem disso são os
profissionais que estão na ASMARE, associados que estão
lá no processo da cooperativa. Esses são os profissionais.
Esses por exemplo, esses trabalhavam pra esses aparistas,
agora eles trabalham pra eles mesmo” (relato).
90
Antigamente,
“...eram pagos por exemplo, o dia inteiro a troco de uma
garrafa de cachaça! E eles eram tratados pela população e
pela polícia de um modo geral como bandido! Não tinham
uma identidade profissional! Na medida que eles vão p’ra
associação, é passam ter uma ação coordenada, passam a
ter um uniforme, uma identidade com a qual ele se identifica
com o comerciante, se identifica com o crachá da
associação dos catadores, passa a ser treinado sobre
trânsito, sobre forma de abordagem, sobre comportamento
em vias públicas, ele muda a figura dele, né? Então eles são
tratados hoje, como profissionais, mesmo da limpeza
pública.” (relato).
Existe uma oferta constante de cursos de alfabetização para adultos, oficinas
de carpintaria e cursos de qualificação técnica, visando instrumentalizar os
catadores para identificar os materiais recicláveis e alcançar maior
produtividade.
O quadro abaixo sumariza os principais resultados quantificáveis com dados
comparativos dos últimos anos. Não foi feito ainda um balanço referente a
1999.
Resumo dos principais resultados quantificáveis alcançados 1997/98
Principais resultados 1997 1998
Evolução do no. de associados da ASMARE 190 210Realização de cursos de capacitação 2 2No. de crianças c/ acompanhamento escolar 70 90No. de adultos em cursos de alfabetização 12 22No. de visitas p/ intercâmbio de experiências 2 2Produção média da ASMARE 162 t/ mês 350 t/ mêsNo. de comunidades religiosas envolvidas 10 12No. de escolas c/ coleta seletiva implantada 17 23
91
No. de containers instalados 79 105Aumento da produção nos LEVs 20 t/ mês 30 t/ mês
Fonte: AMS/ SLU
ANÁLISE DOS RESULTADOS
As informações obtidas permitem assinalar alguns pontos importantes. O
primeiro aspecto a ser destacado é que as categorias identificadas nos
discursos dos membros de ambas as instituições remetem - ainda que não
totalmente, às categorias utilizadas tradicionalmente no estudo da gestão de
organismos privados. Tal fato parece demarcar o fato de que, pelo menos
nesse caso, ambas as esferas - tanto o Estado quanto a Associação dos
Catadores de papel buscam proximidade da lógica da produção que privilegia
uma perspectiva gerencial para assegurar eficiência e eficácia.
Tal fato pode ser ilustrado na busca de “mais controle” ansiado por um dos
entrevistados na SLU:
“... a gente não tem uma prática muito grande de gerência. De
estar efetivamente acompanhando todos os trabalhos. Eu
acho que a gente pode melhorar muito nesta avaliação. Eu
pessoalmente procuro estar lendo os relatórios e me
baseando neles para fazer as avaliações. Mas eu acho que
isto é uma prática que a gente ainda tem que trabalhar
melhor. A gente tem um volume de dados muito grandes e eu
acho que nem sempre eles são avaliados...” (relato).
E ainda:
“..uma falha grande neste processo que é o controle do
orçamento. Por exemplo, o projeto de coleta seletiva não tem
um centro de custos específico para o projeto. Então é muito
difícil de você acompanhar o que você está gastando...”
(relato).
92
Por outro lado não se pode fazer uma redução da lógica do público ao privado.
Diversos tipos de procedimentos tais como o estímulo à participação e a
relativa democratização da tomada de decisões não encontram referência
direta na ordem do privado.
Chama a atenção no entanto uma similaridade significativa entre os
mecanismos de gestão nas duas instituições aparentemente bastante distintas,
visto ser uma delas um órgão gigantesco, integrante do aparelho estatal
municipal , enquanto a outra é uma pequena associação de pessoas
historicamente marginalizadas pela sociedade.
Foi sugerido pelos relatos uma certa circulação de valores entre as duas
instituições. As pessoas da SLU se referem aos catadores, particularmente à
Coordenação da ASMARE como “pessoas maravilhosas”, “batalhadoras”,
denotando uma evidente admiração pelo processo de construção da entidade.
Da parte da ASMARE a assimetria de conhecimento administrativo tornou-a de
certa forma tributária da forma de gestão inovativa desenvolvida pela SLU -
visto ser um alvo permanente da assessoria desta última.
Do perspectiva da estrutura interna observa-se que, assim como a SLU
abandonou o seu organograma formal, passando a estruturar-se sob a forma
de comissões semi-autônomas, a ASMARE assumiu o mesmo modelo.
No que diz respeito ao relacionamento com a sociedade ambas as instituições
encontraram na construção de parcerias um canal viável de conseguir recursos
dos mais variados tipos.
Um dos coordenadores da SLU afirma que:
93
“... a ASMARE hoje tem essa rede de parcerias que formam
um grupo que a gente chama de coordenação colegiada.
Então tem representantes destas várias entidades e a gente
procura estar discutindo os rumos e as estratégias para a
ampliação do trabalho...” (relato).
Observou-se em todos os discursos a incorporação do conceito de cidadania e
a valorização de processos “democratizantes”, tais como a participação na
tomada de decisões, na construção do orçamento e nos processos de
planejamento. Um entrevistado da SLU afirma que:
“Eu acho que a gente aqui tem muita liberdade aqui para
propor as coisas, tem autonomia para tomar decisões, que é
descentralização... estes comitês funcionam de maneira
bastante autônoma... Pra decidir também. E para estar
correndo atrás...” (relato).
De maneira similar ao orçamento participativo interno da SLU a ASMARE
instituiu o “diagnóstico participativo” com o objetivo de equacionar os
problemas internos e as demandas existentes.
Particularmente em relação ao gerenciamento dos recursos humanos
observou-se uma ênfase na valorização do pessoal como o capital mais
importante da instituição.
O discurso que valoriza o controle e a avaliação não impede uma celebração
da criatividade; ambas as instituições buscam formas lúdicas de
relacionamento externo e de comunicação interna. Na SLU foi relatado que:
“A gente tem muitos instrumentos de comunicação interna. A
gente tem o jornal. que é tipo um jornal mural, que é inspirado
até no jornal do ônibus, que é o Tá Limpo. Ali, no tá limpo,
94
são passadas as informações mais gerais sobre a SLU. O
que que tem sido feito em várias áreas, os eventos, o que
que tá acontecendo e tal. A gente tem um instrumento de
comunicação muito interessante que é o TV Gari... Tem
vários programas interessantes com muita participação,
né?!” (relato).
A ASMARE também incorporou formas diferenciadas de comunicação e
relacionamento com a comunidade, o que pode ser atestado pelo “carnaval dos
catadores de papel”, que já faz parte do calendário oficial da cidade.
O ingresso de novos sócios é decorrente de uma abordagem direta feita na rua
por integrantes da Pastoral de Rua, que procuram divulgar o trabalho da
ASMARE. No entanto constatou-se que atualmente as condições de trabalho
para o catador “não associado” são muito melhores que às da época em que a
ASMARE foi idealizada.
Segundo relatos são os ganhos suplementares (como por exemplo a repartição
dos lucro ao final do ano - uma espécie de 13o. salário) que podem atrair os
catadores de papel para o interior da ASMARE, visto que, exclusivamente sob
a ótica do “salário” mensal o catador “autônomo” pode auferir o mesmo ganho.
Coloca-se aqui uma questão de cunho “sociológico”. As interações sociais em
um e no outro caso são significativamente diferentes. O catador “fora da
ASMARE” estabelece vínculos com os intermediários do papel de natureza
pessoal, dificilmente interrompidos simplesmente pelo discurso da abordagem
direta feita pela Pastoral de Rua (que funciona neste caso como braço do
“marketing” da ASMARE para conseguir novos sócios). Segundo relatos de
catadores “fora da ASMARE”:
“... ele (o dono de um depósito) me deu força, me emprestou
o carrinho... eu tenho um compromisso com ele ... não posso
arriscar a vender prá outro senão fico marcado...” (relato)
95
Já o catador da ASMARE incorporou um discurso político:
“... a nossa força é a nossa associação... temos que brigar
pelo que é nosso...” (relato)
O catador “fora da ASMARE” vê a ASMARE como uma instituição que
aprisiona o indivíduo, pela severidade do seu “código de ética” :
“... se você falta um dia eles te dão um balão (suspensão) de
uma semana... “
Já o catador “fora da ASMARE” pauta sua conduta pela valorização da
liberdade individual, não se importando muito com valores coletivos.
Relatos do pessoal administrativo da ASMARE confirmam que vários
catadores abandonam a ASMARE “não porque vão ganhar mais lá fora”, mas
porque não se adaptam ao estilo profissional da instituição, que se choca com
o perfil “instável” de pessoas acostumadas ao morar na rua, ou migrantes não
afeitos à disciplina das organizações.
Os entrevistados da SLU demonstraram ter consciência da possibilidade de
uma ascendência sobre a ASMARE, o que foi revelado na preocupação de
assumirem progressivamente demandas mais técnicas, orientando a parceria
essencialmente na construção da autonomia da ASMARE. Daí a importância
de esclarecer que
“...o repasse de recursos municipais a gente entende que não
é subsídio. É pagamento por serviço prestado. Pela coleta
que hoje os catadores fazem na cidade, que ainda é a maior
parte... o material reciclado é coletado exatamente pelos
catadores...” (relato).
96
Para um dos coordenadores na SLU, por exemplo,
“...a gente hoje tem demandas mais técnicas, de estar
identificando os grandes geradores (de resíduos), fazendo um
trabalho de caracterização destes grandes geradores para
saber se realmente vale a pena estar coletando material lá...”
(relato).
Se as vitórias da Associação dos Catadores parecem inquestionáveis, no
entanto evidenciou-se certa fragilidade administrativa dessa instituição,
explicável em grande parte pela origem dos seus integrantes. Dessa
fragilidade administrativa decorrem certas dificuldade de inserção no mercado,
o que levou à constatação de que
“...se não aumentar a quantidade de materiais separados a
ASMARE não tem como competir no mercado. Hoje o forte
da associação é o papel, que é o material que é coletado em
maior quantidade e para comercializar diretamente com uma
indústria precisa de uma produção muito maior” (relato).
Além disso o material recolhido é simplesmente prensado e embalado, quando,
se recebesse tratamento adequado poderia ser revendido segundo avaliação
técnica da própria ASMARE por um preço três vezes maior. A SLU não
desconhece essa deficiência:
“Hoje o material vem ainda é vendido praticamente bruto,
né?! Sem agregar um maior valor porque não existe nenhum
processo de beneficiamento. Então esta também é uma das
linhas de ação, tentar trabalhar no beneficiamento do papel.
Isso já vem sendo discutido na ASMARE e a proposta é que
a gente comece o ano que vem a reservar recursos para
isso” (relato).
97
A participação da Igreja Católica deu-se desde o primeiro momento da
Associação; não pode dessa forma ser minimizada sua importância na
conformação estrutural e na definição dos princípios fundantes da ASMARE -
marcados por uma forte inspiração ética e por um discurso onde percebem-se
ecos das correntes mais progressistas da Igreja.
“A igreja para nós é o forte, né?! Porque quem enxergou nós
na rua foi a pastoral de rua, que está com nós até hoje”.
(relato).
Ambas as instituições têm forte consciência da importância social do projeto,
para além de sua eficácia econômica e da sua inserção no debate ambiental
ou, para um dos entrevistados na ASMARE:
“...o mais importante é sensibilizar as empresas pra questão
além de ambiental, o social, que é a ASMARE...” (relato).
Todas as ações institucionais são marcadas pelo viés da necessidade de se
procurar manter as “conquistas” dos trabalhadores e ampliar o alcance da
entidade, agregando mais pessoas.
Finalmente a “integração” entre as instituições parceiras dá-se também na
ocorrência de um sem número de atividades onde ASMARE e SLU atuam
conjuntamente, desde eventos institucionais como cursos e palestras, até
festividades como o carnaval.
“...Então a gente faz vários contatos, articula aí essa parceria
entre a ASMARE e as empresas. Fora isso a gente atua
também junto com a Pastoral e nos cursos de capacitação e
em eventos e outras oportunidades de comunicação, eventos
e seminários, propostas de trabalho que são feitas para trazer
a questão do lixo, da coleta seletiva para a ordem do dia.
Então tudo isso é feito junto com a ASMARE...” (relato).
98
O quadro seguinte sintetiza as atribuições da SLU e da ASMARE na coleta
seletiva de materiais.
Responsabilidades dos parceiros na coleta seletiva
População Prefeitura/ SLU ASMARE/ Pastoral de Ruaseparação dos materiais em casa garantia do catador como
parceiro quase exclusivotriagem eficiente
entrega dos materiais nos LEVs fabricação, instalação emanutenção dos LEVs
manutenção dos galpões
conscientização da população garantia de armazenamento ecomercialização do material
coleta dos materiais nos LEVs abordagem de ruacapacitação profissional doscatadores
acompanhamento socio-pedagógico
aluguel e equipamento dosgalpões
formação de lideranças
controle da coleta seletiva implementação de infra-estrutura
Fonte: A coleta seletiva de BH e sua articulação com os catadores de papel, SLU, s/d
99
CONCLUSÕES
O presente trabalho procurou fazer - através de uma pesquisa qualitativo-
descritiva - uma análise dos processos de geração de emprego e renda
embutidos no modelo de gestão de resíduos sólidos da Superintendência de
Limpeza Urbana de Belo Horizonte.
O objetivo foi perceber a articulação - através de uma parceria - de dois dos
atores diretamente envolvidos nesta iniciativa, bem como dos mecanismos de
gestão encontrados para viabilizar o programa.
Vários aspectos relevantes podem ser alinhados à guisa de conclusão.
A primeira constatação diz respeito ao discurso dos entrevistados, tanto na
SLU quanto na ASMARE. Embora o roteiro de entrevista não fizesse menção
explícita às categorias como “finanças”, “planejamento” ou “avaliação” esses
conceitos surgiram espontaneamente, denotando uma apropriação da lógica
da gestão tradicional. Surgiram no entanto categorias como “relacionamento
com a comunidade” e “resgate da cidadania”. Esses dados indicam que,
embora as assertivas de ANDION (1994), SERVA (1993) e TENÓRIO (1997)
sobre as especificidades da gestão nas organizações do Terceiro Setor
encontrem respaldo, a lógica da eficiência e eficácia do setor privado tenha
uma importância significativa.
Observou-se que a conscientização, a mobilização e participação da
população estão na base do modelo de gestão de resíduos sólidos da SLU.
Comparado com o modelo de coleta seletiva domiciliar - implementado em
outras cidades brasileiras, como por exemplo Porto Alegre, RS, um dos
coordenadores do projeto aponta que
“... o modelo que, que foi implantado em Porto Alegre de
coleta seletiva, é de porta a porta! O modelo aqui, é de ponto
a ponto! Então, porque que nós privilegiamos, isso? Porque a
100
gente apostou, exatamente na mobilização e no
desenvolvimento do sentido de cidadania social plena!
Mudança de hábito! Porta a porta é coleta convencional!
Então, a gente pretende ampliar o alcance, de serviço de
coleta convencional, pra 100% da cidade! Hoje, nosso
número é de 95%! Os outros 5% são áreas de vilas e favelas!
400.000 pessoas, ainda não tem! Então, se você for montar
uma estrutura de coleta seletiva, porta a porta, aonde não
existe a cultura da segregação interna, você vai dobrar o
custo do serviço de limpeza urbana! Porque? Porque o que
encarece, é exatamente o transporte! Muito poucos países
no mundo têm coleta seletiva porta a porta! Eu acho
absolutamente inviável! ” (relato).
Sobre os principais problemas os coordenadores afirmam que a maior
dificuldade é a relacionada com a mudança de hábito da população, no que diz
respeito à cada um assumir a sua parte de responsabilidade na coleta seletiva,
na manutenção da limpeza, nas atividades visando minimização da geração do
resíduo e maximização da reutilização.
Entre as perspectivas para o futuro inclui-se a expectativa de que a iniciativa
privada vá absorver algumas atividades da SLU, tais como a compostagem
orgânica e a reciclagem do entulho da construção civil, além de atuar em outras
áreas de reaproveitamento do lixo.
Constatou-se que os processos geradores de renda e emprego surgiram como
consequência da parceria entre a SLU e os catadores e não como ação
planejada. Foi a própria mobilização dos catadores de papel e sua
organização em uma associação que possibilitou a sua profissionalização.
Do ponto de vista da geração da renda e emprego o programa pode
seguramente ser considerado como bem sucedido uma vez que o quadro de
sócios da ASMARE passou de 31 (1993) para 250 (1999). Além destes
101
trabalham na ASMARE cerca de 28 pessoas, o que configura um benefício
direto para cerca de 280 famílias, que auferem da ASMARE um salário mensal
maior que a média do salário no setor informal da economia brasileira. A
Associação encontra-se atualmente em regime de pré-cooperativa.
A atuação das entidades parceiras buscou superar a visão preconceituosa da
sociedade sobre o trabalho dos catadores, através do trabalho educativo e
mobilizatório da população. Acrescente-se a isso a mudança de hábitos dos
catadores (redução do alcoolismo, aumento de atitudes solidárias) relatada. O
reconhecimento dos catadores como categoria profissional, concretizado nas
parcerias da ASMARE com os diversos setores da sociedade aponta para o
resgate da cidadania como uma das mais importantes conquistas do projeto,
pela incorporação de um estrato social historicamente marginalizado (incluindo
pessoas de difícil integração no mercado formal como idosos e mulheres com
muitos filhos, que encontram nos galpões atividades condizentes com sua
situação). Salienta-se a inclusão da problemática da mulher (cerca de 44% dos
catadores), cuja participação é ativa na coordenação e encaminhamento dos
trabalhos.
Entre os elementos que caracterizam uma sensível elevação da qualidade de
vida dos catadores está uma complementação, no valor de um salário-mínimo
mensal, da renda de cada catador que mantiver filhos menores na escola,
funcionando como um programa de renda mínima patrocinado pela Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Social.
O conceito de Desenvolvimento Sustentável está na base do projeto, uma vez
que a política de resíduos urbanos adotada reconhece que a situação social do
país é também consequência dos desperdícios da sociedade de consumo,
propondo alternativas não simplesmente tecnológicas, mas de sensibilização
para mudanças de posturas e hábitos. Através da coleta seletiva cerca de 225
toneladas/dia de resíduos deixam de ir para o aterro sanitário, assim
distribuídos: 200 t de entulho da construção civil, 12 t de sobras de restaurante,
102
mercados, podas de árvores e gramados, 3 t e 2 t de latas de vidro entregues
nos LEVs distribuídos pela cidade, e 8 t de papel e papelão.
Atualmente um dos fatores que vem interferindo na andamento do projeto é a
queda do preço do papel, que além de reduzir os ganhos per capita vem
dificultando o ingresso de novos membros na Associação. Em consequência a
ASMARE foi despertada para a necessidade da diversificação dos materiais
comercializados. Hoje já se coleta - além do papel, papelão e latinhas de
alumínio - plástico, embalagens de leite “longa vida” e metais ferrosos. Porém o
volume coletado ainda é irrisório diante da “grandeza” do volume de lixo gerado
na cidade.
Uma das mais significativas deficiências do programa é a fragilidade
administrativa da ASMARE, com relação ao controle de vendas, produção e
custos, bem como aos aspectos organizacionais de engenharia de produção e
distribuição de funções, que repercutem negativamente diante da premência da
ampliação da Coleta Seletiva em toda a cidade.
As dificuldades mercadológicas do produto reciclado vão de encontro às
afirmações de VALENTE (1999) acerca da complexidade de viabilizar
economicamente a coleta seletiva. No entanto, corroborando o ponto de vista
deste mesmo autor, os ganhos sociais do projeto são bastante eloquentes.
Embora tenham sido registrados avanços, ainda é significativa a importância
da SLU e de agentes da Pastoral como assessores administrativos - o que
reduz a autonomia da Associação.
No que concerne à análise de políticas públicas, no quesito implementação uma
análise preliminar aponta para o enquadramento da experiência SLU/ASMARE
como formuladores e implementadores de uma política pública específica
através de uma “rede política”, como no modelo desenvolvido por SUBIRATS
(1989) e compartilhado por FISCHER (1996) quando afirma serem as cidades
103
“...conjuntos complexos de teias organizacionais com diversidades e
singularidades que geram forte multiplicação de projetos e jogos
cooperativos...” (p. 14). Os dados obtidos permitem afirmar a configuração de
uma rede de atores institucionais agindo para implementação de uma política
específica.
Conforme LOIOLA E MOURA (1996) as redes de ação pública são exatamente
locus de emergência de parcerias e espaços públicos de negociação para
democratização da formulação e implementação e para mobilização de
recursos. A SLU e a ASMARE são instituições centrais nessa configuração,
juntamente com a Igreja Católica. Uma multiplicidade de parcerias viabiliza
todas as ações.
Por outro lado, conforme afirma SUBIRATS (1989) a assimetria de poder e
recursos cria uma situação particular no relacionamento entre essas
instituições, onde a ASMARE inequivocamente ocupa a posição mais frágil,
construindo lentamente sua autonomia.
No entanto as relações entre as instituições não se dão de forma clientelística
ou paternalista, uma vez que as atribuições de cada uma encontram-se bem
definidas.
Pela classificação de SANTOS (1989) a implementação da coleta seletiva
configura uma típica política social compensatória, no interior da matriz da
“teoria da cidadania” preconizada por COIMBRA (1989) e do modelo de
“conflito e negociação” sugerido por ELMORE (1983).
Pode-se afirmar que a fórmula encontrada de cooperação entre os setores
estatal, o Terceiro Setor e instituições privadas mostrou-se positiva na medida
em que possibilitou tanto uma maior democratização do processo quanto
favoreceu a adoção de uma forma de gestão mais ágil e flexível -
104
caracterizando a busca de eficiência e eficácia típicas do setor privado - bem
ao estilo da “reinvenção do governo” de OSBORNE e GAEBLER (1994).
A criação de mecanismos institucionais formais garantiu que, no contexto da
parceria, a discussão das questões relevantes fosse feita a partir de pontos
concretos - e não de princípios - o que também representou um ponto positivo.
Embora este estudo não tenha como objetivo a avaliação do programa
mencionado, as variáveis consideradas no modelo de SOUTO-MAIOR (1992)
parecem mostrar-se adequadas, embora alguns problemas possam ser
levantados. Se parece razoável falar em busca da equidade num contexto
plural, a questão da representatividade e legitimidade revela-se bem mais
complexa. Do ponto de vista da continuidade e da progressividade os dados
levantados permitem afirmar com relativa segurança a pertinência desses dois
aspectos no caso em questão.
Os resultados encontrados - embora não possam servir como um “modelo”
para a implementação de políticas públicas - podem funcionar como
indicadores não somente das possibilidades de uma gestão eficaz do setor
público como também das inúmeras dificuldades ainda existentes.
Cabe lembrar que durante a realização deste trabalho algumas possibilidades
de aprofundamento e continuidade do estudo foram aventadas.
A primeira delas diz respeito à possibilidade de se efetuar um estudo que
abrangesse um maior número de atores, seus papéis e sua articulação, dentro
do conceito de “policy network” sugerido por SUBIRATS (1989).
Entre esses atores a Igreja Católica - parceira privilegiada da ASMARE desde
sua criação - poderia vir a ser objeto de estudo dada a peculiaridade dos
fatores éticos que envolvem o contexto da gestão em que ela se inscreve.
105
Uma segunda possibilidade concerne à avaliação, segundo critérios que
compreendam a especificidade de experiências participativas, tanto do modelo
global de gestão de resíduos da SLU, como da rede institucional que viabiliza a
construção da coleta seletiva de materiais em Belo Horizonte.
Outros estudos sobre a especificidade da gestão em organizações do Terceiro
Setor poderiam ser elaborados, com a finalidade de tentar estabelecer
conexões no sentido de forjar uma teoria das organizações dessa natureza.
A problemática ambiental urbana oferece um campo fértil para estudos acerca
das organizações que aí atuam - suas articulações com o Estado e sua forma
específica de lidar com problemas cuja complexidade escapa muitas vezes da
instância municipal, alcançando as esferas nacional e até mesmo mundial.
Espera-se que o presente estudo possa contribuir tanto para uma ampliação e
aprofundamento dos estudos sobre políticas públicas no país, quanto contribuir
para a efetividade dos mecanismos de gestão no setor analisado, através da
análise dos desafios e dificuldades ainda existentes.
106
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113
ANEXO I
LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE (1990)
Artigo 151
O Município manterá o sistema de limpeza urbana, coleta, tratamento e
destinação final do lixo observado o seguinte:
I - a coleta de lixo será seletiva;
II - O Poder Público estimulará o acondicionamento seletivo dos resíduos;
III - os resíduos recicláveis serão acondicionados para a reintrodução no ciclo
do sistema ecológico;
IV - os resíduos não recicláveis serão acondicionados e terão destino final que
minimize o impacto ambiental;
V - o lixo séptico proveniente de hospitais, laboratórios e congêneres será
acondicionado e apresentado à coleta em contenedores especiais, coletado em
veículos próprios e específicos e transportado separadamente, tendo destino
final em incinerador público;
VI - os terrenos resultantes de aterro sanitário serão destinados a parques ou
áreas verdes;
VII - a coleta e a comercialização dos materiais recicláveis serão feitas
preferencialmente por meio de cooperativas de trabalho.
114
ANEXO II
AGENDA 21 - CAPÍTULO 27
FORTALECIMENTO DO PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-
GOVERNAMENTAIS: PARCEIROS PARA UM DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
ÁREA DE PROGRAMAS
Base para a ação
27.1. As organizações não-governamentais desempenham um papel
fundamental na modelagem e implementação da democracia participativa. A
credibilidade delas repousa sobre o papel responsável e construtivo que
desempenham na sociedade. As organizações formais e informais, bem como
os movimentos populares, devem ser reconhecidos como parceiros na
implementação da Agenda 21. A natureza do papel independente
desempenhado pelas organizações não-governamentais exige uma
participação genuína; portanto, a independência é um atributo essencial dessas
organizações e constitui condição prévia para a participação genuína.
27.2. Um dos principais desafios que a comunidade mundial enfrenta na busca
da substituição dos padrões de desenvolvimento insustentável por um
desenvolvimento ambientalmente saudável e sustentável é a necessidade de
estimular o sentimento de que se persegue um objetivo comum em nome de
todos os setores da sociedade. As chances de forjar um tal sentimento
dependerão da disposição de todos os setores de participar de uma autêntica
parceria social e diálogo, reconhecendo, ao mesmo tempo, a independência
dos papéis, responsabilidades e aptidões especiais de cada um.
115
27.3. As organizações não-governamentais, inclusive as organizações sem fins
lucrativos que representam os grupos de que se ocupa esta seção da Agenda
21, possuem uma variedade de experiência, conhecimento especializado e
capacidade firmemente estabelecidos nos campos que serão de particular
importância para a implementação e o exame de um desenvolvimento
sustentável, ambientalmente saudável e socialmente responsável, tal como o
previsto em toda a Agenda 21. Portanto, a comunidade das organizações não-
governamentais oferece uma rede mundial que deve ser utilizada, capacitada e
fortalecida para apoiar os esforços de realização desses objetivos comuns.
27.4. Para assegurar que a contribuição potencial das organizações não-
governamentais se materialize em sua totalidade, deve-se promover a máxima
comunicação e cooperação possível entre elas e as organizações
internacionais e os Governos nacionais e locais dentro das instituições
encarregadas e programas delineados para executar a Agenda 21. Será
preciso também que as organizações não-governamentais fomentem a
cooperação e comunicação entre elas para reforçar sua eficácia como atores
na implementação do desenvolvimento sustentável.
Objetivos
27.5. A sociedade, os Governos e os organismos internacionais devem
desenvolver mecanismos para permitir que as organizações não-
governamentais desempenhem seu papel de parceiras com responsabilidade
e eficácia no processo de desenvolvimento sustentável e ambientalmente
saudável.
27.6. Para fortalecer o papel de parceiras das organizações não-
governamentais, o sistema das Nações Unidas e os Governos devem iniciar,
em consulta com as organizações não-governamentais, um processo de exame
dos procedimentos e mecanismos formais para a participação dessas
116
organizações em todos os níveis, da formulação de políticas e tomada de
decisões à implementação.
27.7. Até 1995, deve-se estabelecer um diálogo mutuamente produtivo no plano
nacional entre todos os Governos e as organizações não-governamentais e
suas redes auto-organizadas para reconhecer e fortalecer seus respectivos
papéis na implementação do desenvolvimento ambientalmente saudável e
sustentável.
27.8. Os Governos e os organismos internacionais devem promover e permitir
a participação das organizações não-governamentais na concepção, no
estabelecimento e na avaliação de mecanismos oficiais procedimentos formais
destinados a examinar a implementação da Agenda 21 em todos os níveis.
Atividades
27.9. O sistema das Nações Unidas, incluídos os organismos internacionais de
financiamento e desenvolvimento, e todas as organizações e foros
intergovernamentais, em consulta com as organizações não-governamentais,
devem adotar medidas para:
(a) Examinar e informar sobre as maneiras de melhorar os procedimentos e
mecanismos existentes por meio dos quais as organizações não-
governamentais contribuem para a formulação de políticas, tomada de
decisões, implementação e avaliação, no plano de organismos individuais, nas
discussões entre instituições e nas conferências das Nações Unidas;
(b) Tendo por base o inciso (a) acima, fortalecer, ou caso não existam,
estabelecer mecanismos e procedimentos em cada organismo para fazer uso
dos conhecimentos especializados e opiniões das organizações não-
governamentais sobre formulação, implementação e avaliação de políticas e
programas;
117
(c) Examinar os níveis de financiamento e apoio administrativo às organizações
não-governamentais e o alcance e eficácia da participação delas na
implementação de projetos e programas, tendo em vista aumentar seu papel de
parceiras sociais;
(d) Criar meios flexíveis e eficazes para obter a participação das organizações
não-governamentais nos processos estabelecidos para examinar e avaliar a
implementação da Agenda 21 em todos os níveis;
(e) Promover e autorizar as organizações não-governamentais e suas redes
auto-organizadas a contribuir para o exame a a avaliação de políticas e
programas destinados a implementar a Agenda 21, inclusive dando apoio às
organizações não-governamentais dos países em desenvolvimento e suas
redes auto-organizadas;
(f) Levar em consideração as conclusões dos sistemas de exame e processos
de avaliação das organizações não-governamentais nos relatórios pertinentes
da Secretaria Geral à Assembléia Geral e de todos os órgãos das Nações
Unidas e de outras organizações e foros intergovernamentais pertinentes,
relativas à implementação da Agenda 21, em conformidade com o processo de
exame da Agenda 21;
(g) Proporcionar o acesso das organizações não-governamentais a dados e
informação exatos e oportunos para promover a eficácia de seus programas e
atividades e de seus papéis no apoio ao desenvolvimento sustentável.
27.10. Os Governos devem tomar medidas para:
(a) Estabelecer ou intensificar o diálogo com as organizações não-
governamentais e suas redes auto-organizadas que representem setores
variados, o que pode servir para: (i) examinar os direitos e responsabilidades
118
dessas organizações; (ii) canalizar eficientemente as contribuições integradas
das organizações não-governamentais ao processo governamental de
formulação de políticas; e (iii) facilitar a coordenação não-governamental na
implementação de políticas nacionais no plano dos programas;
(b) Estimular e possibilitar a parceria e o diálogo entre organizações não-
governamentais e autoridades locais em atividades orientadas para o
desenvolvimento sustentável;
(c) Conseguir a participação das organizações não-governamentais nos
mecanismos ou procedimentos nacionais estabelecidos para executar a
Agenda 21, fazendo o melhor uso de suas capacidades particulares, em
especial nos campos do ensino, mitigação da pobreza e proteção e
reabilitação ambientais;
(d) Levar em consideração as conclusões dos mecanismos de monitoramento
e exame das organizações não-governamentais na elaboração e avaliação de
políticas relativas à implementação da Agenda 21 em todos os seus níveis;
(e) Examinar os sistemas governamentais de ensino para identificar maneiras
de incluir e ampliar a participação das organizações não-governamentais nos
campos do ensino formal e informal e de conscientização do público;
(f) Tornar disponível e acessível às organizações não-governamentais os dados
e informação necessários para que possam contribuir efetivamente para a
pesquisa e a formulação, implementação e avaliação de programas.
Meios de implementação
(a)Financiamento e estimativa de custos
119
27.11. Dependendo do resultado dos processos de exame e da evolução das
opiniões sobre a melhor maneira de forjar a parceria e o diálogo entre as
organizações oficiais e os grupos de organizações não-governamentais,
haverá gastos nos planos nacional e internacional, relativamente baixos, mas
imprevisíveis, a fim de melhorar os procedimentos e mecanismos de consulta.
Da mesma forma, as organizações não-governamentais precisarão de
financiamento complementar para estabelecer sistemas de monitoramento da
Agenda 21, ou para melhorá-los ou contribuir para o funcionamento deles.
Esses custos serão significativos, mas não podem ser estimados com
segurança com base na informação existente.
(b)Fortalecimento institucional
27.11. As organizações do sistema das Nações Unidas e outras organizações
e foros intergovernamentais, os programas bilaterais e o setor privado, quando
apropriado, precisarão proporcionar um maior apoio financeiro e administrativo
às organizações não-governamentais e suas redes auto-organizadas, em
particular para aquelas sediadas nos países em desenvolvimento, que
contribuam ao monitoramento e avaliação dos programas da Agenda 21, e
proporcionar treinamento às organizações não-governamentais (e ajudá-las a
desenvolver seus próprios programas de treinamento) nos planos internacional
e regional, para intensificar seus papéis de parceiras na formulação e
implementação de programas.
27.12 Os Governos precisarão promulgar ou fortalecer, sujeitas às condições
específicas dos países, as medidas legislativas necessárias para permitir que
as organizações não-governamentais estabeleçam grupos consultivos e para
assegurar o direito dessas organizações de proteger o interesse público por
meio de medidas judiciais.
120
ANEXO III
LEGISLAÇÃO PARA O TERCEIRO SETOR
Foi publicada no Diário Oficial de 23 de março de 1999 a Lei nº 9.790/99, que
cria a figura jurídica das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público,
também conhecidas como as Organizações do Terceiro Setor.
De acordo com o art. 1º, § 1º da nova lei, é considerada Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP, sigla não oficial) toda a pessoa
jurídica de direito privado, que não distribua entre seus sócios, diretores,
empregados quaisquer lucros ou dividendos que obtenha com suas atividades,
e que os aplique integralmente para atender aos fins previstos em seus
estatutos.
Para que uma sociedade seja considerada, nos termos do art. 3º da lei, como
de interesse público, deve ter, como objetivo social, ao menos uma das
finalidades abaixo assinaladas:
I- promoção da assistência social;
II- promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e
artístico;
III- promoção gratuita da educação;
IV- promoção gratuita da saúde;
V- promoção da segurança alimentar e nutricional;
VI- defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do
desenvolvimento sustentável;
121
VII- promoção do voluntariado;
VIII- promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;
IX- experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de
sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;
X- promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e
assessoria jurídica gratuita de caráter suplementar;
XI- promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da
democracia e de outros valores universais;
XII- estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas,
produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos
que tenham relação com as atividades mencionadas acima.
O art. 3º exige ainda que a atuação da OSCIP se realize em caráter universal,
ou seja, que as suas atividades sejam realizadas visando o maior número
possível de pessoas, dentro de sua área de atuação, sem discriminação de
qualquer natureza.
Como forma de controlar as atividades da OSCIP, seu estatuto social, de
acordo com o art. 4º, deve conter uma série de requisitos legais, muitos destes
também aplicáveis aos órgãos da administração pública. Deverá o estatuto
conter dispositivos sobre:
I- a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, economicidade e da eficiência;
122
II- a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a
coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens
pessoais, em decorrência da participação no respectivo processo decisório;
III- a constituição de conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de
competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e
contábil, e sobre as operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres
para os organismos superiores da entidade;
IV- a previsão de que, em caso de dissolução da entidade, o respectivo
patrimônio líquido será transferido a outra OSCIP, preferencialmente que tenha
o mesmo objeto social da extinta;
V- a previsão de que, na hipótese de a pessoa jurídica perder a qualidade de
OSCIP, o respectivo acervo patrimonial disponível, adquirido com recursos
públicos durante o período em que perdurou aquela qualificação, será
transferido a outra OSCIP, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social;
VI- a possibilidade de se instituir remuneração para os dirigentes da entidade,
que atuem efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam
serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados
pelo mercado, na região correspondente à sua área de atuação;
VII- as normas de prestação de contas a serem observadas pela entidade, que
determinarão no mínimo:
a) a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas
Brasileiras de Contabilidade;
b) que se dê publicidade, por qualquer meio eficaz, no encerramento do
exercício fiscal, ao relatório de atividades e das demonstrações financeiras da
123
entidade, incluindo-se as certidões negativas de débitos junto ao INSS e ao
FGTS, colocando-os à disposição para exame de qualquer cidadão;
c) a realização de auditoria, inclusive por auditores externos independentes se
for o caso, da aplicação dos eventuais recursos objetos do Termo de Parceria
que a lei cria para estabelecimento de vínculos entre o Estado e as OSCIP;
d) a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública
recebidos pelas OSCIP será feita conforme determina o parágrafo único do art.
70 da Constituição Federal.
Como se vê, muitas das exigências do art. 4º são iguais àquelas feitas para os
órgãos do poder público, como a exigência de observância dos princípios da
legalidade, moralidade e publicidade, igualmente exigidos pelo art. 37 da
Constituição a qualquer órgão dos poderes da União, estados e municípios.
Poderá também haver a necessidade de prestação de contas dos recursos
públicos recebidos pela OSCIP ao Congresso Nacional, por meio do Tribunal
de Contas da União, e ao sistema de controle interno de cada órgão público
responsável pelo repasse dos recursos.
Outra novidade trazida pelo art. 4º é a possibilidade dos dirigentes da OSCIP
receberem remuneração, prática hoje proibida nas ONGs. A exigência para o
pagamento é que esse diretor atue efetivamente na gestão executiva da OSCIP
ou a ela preste serviços técnicos de natureza específica.
Para que uma sociedade civil obtenha efetivamente a classificação de OSCIP,
deverá dirigir um requerimento ao Ministério da Justiça, instruído com os
documentos relacionados no art. 5º da lei, qual sejam:
I- Estatuto registrado em Cartório;
124
II- Ata de eleição de sua atual diretoria;
III- Balanço patrimonial e demonstrativos dos resultados financeiros;
IV- Declaração de isenção do Imposto de Renda;
V- Inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes.
Caso a instituição requerente já possua uma outra classificação, como por
exemplo, de utilidade pública, poderá obter a classificação como OSCIP,
mantendo as duas qualificações simultaneamente, pelo prazo máximo de 2
anos, quando deverá optar por uma ou outra (art. 18).
A lei abre também a possibilidade de a OSCIP formar vínculos de cooperação
com o Poder Público, para a execução das finalidades sociais, mediante a
celebração do denominado Termo de Parceria (art. 9º). Este termo deverá,
consoante determina o art. 10, § 2º, conter algumas cláusulas essenciais, que
são:
I- a do objeto, que conterá a especificação do programa de trabalho proposto
pela OSCIP;
II- a de estipulação das metas e dos resultados a serem atingidos e os
respectivos prazos de execução ou cronograma;
III- a de previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho
a serem utilizados, mediante indicadores de resultados;
IV- a de previsão de receitas e despesas a serem realizadas em seu
cumprimento, estipulando item por item as categorias contábeis usadas pela
organização e detalhamento das remunerações e benefícios de pessoal a
125
serem pagos, com recursos oriundos ou vinculados ao Termo de Parceria, a
seus diretores, empregados e consultores;
V- a que estabelece as obrigações da OSCIP, entre as quais a de apresentar
ao Poder Público, ao término de cada exercício, relatório sobre a execução do
objeto do Termo de Parceria, contendo comparativo específico das metas
propostas com os resultados alcançados, acompanhado de prestação de
contas dos gastos e receitas efetivamente realizados;
VI- a de publicação, na Imprensa oficial do município, do estado ou da União,
conforme o alcance das atividades celebradas entre o órgão parceiro e a
OSCIP, de extrato do Termo de Parceria e de demonstrativo da sua execução
física e financeira, sob pena de não liberação dos recursos previstos no Termo
de Parceria.
O Poder Público e o Conselho de Políticas Públicas atuante na área de
interesse da OSCIP serão os responsáveis pela fiscalização da execução do
objeto do termo de parceria. Neste âmbito, caso seja constatado desvio de
recursos, o art. 13 da lei prevê a decretação da indisponibilidade dos bens da
entidade civil e o seqüestro dos bens de seus diretores.
Ainda com o intuito de evitar fraudes, a lei determina que, no caso de compra
de imóveis por parte da OSCIP com recursos provenientes do Termo de
Parceria, o imóvel será gravado com cláusula de inalienabilidade, não podendo
em hipótese alguma ser vendido, conforme estipula o art. 15.
Por fim, o art. 16 da lei proíbe as OSCIP de participar, sob qualquer forma, de
campanhas de interesse político-partidário ou eleitorais.
Sérgio Leitão e Fernando Baptista
Instituto Socioambiental
126
ANEXO IV
Carta Aberta de Pieffe Galand, Secretário-Geral da OXFAM - Bélgica,
apresentando sua demissão do Grupo de Trabalho dos Organismos não
governamentais do Banco Mundial e de seu Conselho de Iniciativas
Aos Copresidentes do Banco Mundial
Srs. Maezide N'Diede e James Adams
Prezados Senhores,
Na véspera do qüinquagésimo aniversário de nascimento da Organização das
Nações Unidas e das instituições nascidas do Acordo de Bretton Woods,
desejo apresentar minha demissão do Grupo de Trabalho dos Organismos não
governamentais do Banco Mundial e de seu Conselho de lniciativas. Tomo esta
decisão por honestidade intelectual e coerência em face de muitos amigos com
os quais trabalho no Terceiro Mundo.
Depois de ter tido, nos últimos três anos, oportunidade de observar a conduta
do Banco Mundial, associo-me a alguns colegas das ONGs que acreditam ser
a dissidência a única estrada que conduz à justiça social e à coerência entre os
povos. Supus que colaborando estreitamente com o Grupo de Trabalho das
ONGs do Banco Mundial contribuiríamos para desenvolver uma
co-responsabilidade para com o destino dos povos menos favorecidos da
Terra. Isto não aconteceu. A pobreza aumenta, a fome mata - certamente mais
do que as guerras - e cresce todos os dias o número daqueles que não
conseguem atendimento médico, de jovens analfabetos e sem família,
alcançando cifras sem precedentes. Todavia, os remédios propostos pelo
Banco Mundial para o desenvolvimento são remédios envenenados que
agravam os problemas.
127
Na minha alma e consciência sinto o dever de dizer BASTA . Os Senhores se
apropriaram dos discursos das ONGs sobre desenvolvimento, sobre ecologia,
sobre a pobreza e sobre a participação popular. Ao mesmo tempo, propõem
uma política de ajustes estruturais que agravam o "dumping" social nos países
do Sul, deixando-os completamente sós e indefesos sob o domínio do mercado
mundial.
As empresas multinacionais chegam ao Sul porque os Senhores e seus
colegas do FMI criaram as condições necessárias para produzir com o "menor
custo social". A intervenção conjunta do Banco Mundial e do FMI representa
uma pressão contínua sobre as economias para que sejam mais competitivas e
produzam sempre mais.
"Os remédios propostos pelo Banco Mundial são remédios envenenados que
agravam os problemas."
Este objetivo é alcançado somente com a incessante coação que exercitam
sobre os governos para que economizem e reduzam os benefícios sociais
considerados muito onerosos. Do ponto de vista dos Senhores, os únicos
governos bons são os que aceitam prostituir suas economias no interesse das
multinacionais e dos ONIPOTENTES GRUPOS FINANCEIROS
INTERNACIONAIS. O Banco Mundial é uma instituição responsável pelo
desenvolvimento no mundo todo e é também uma instituirão cada vez mais
arrogante. Tem o poder, nunca visto antes na história, de intervir nos assuntos
internacionais e nos assuntos internos das nações. Fixa as condições do
desenvolvimento, mas não se
considera responsável pelas suas conseqüências. O Banco Mundial aprendeu
a elaborar excelentes análises e é capaz de falar de temas transcendentes
como participações populares - e em particular a da mulher - a luta dos povos
contra a pobreza e a necessidade de proteger o ambiente.
128
Mas vai além, defende os direitos humanos e os da minoria e faz pressão
sobre os governos para que os respeitem. É até capaz de tomar mais atraente
seus ideais, assinalando o quanto é importante para o desenvolvimento que
esta ou aquela nação o faça.
Diante de tudo o que foi dito, surge uma pergunta: por que são apresentadas
tão belas argumentações, seguidas de atuações tão escandalosas? Porque, na
prática, o Banco Mundial condiciona o seu apoio à aplicação de políticas de
ajustamentos estruturais socialmente criminosas. O Banco Mundial é muito bem
informado sobre a pobreza, sobre o empobrecimento e sobre
marginalização de enormes setores da população de nosso planeta. Portanto,
trata-se de puro cinismo, de mentiras políticas.
Pessoalmente, creio que existe uma profunda má fé, porque, afora os belos
discursos, o Banco Mundial não é nada mais do que um instrumento a serviço
de um modelo ortodoxo de crescimento baseado na competição e não na
cooperação.
É dever do Banco Mundial assegurar a todos - pequenos e grandes - a
participação no mercado mundial. Muito raramente, mas com certeza não
agora, crescimento econômico é sinônimo de desenvolvimento.
Neste fim de século, o crescimento e a competição são apenas meios para o
enriquecimento sempre mais rápido de uma minoria, sem que isto produza
efeito para o desenvolvimento, a cooperação ou a redistribuição das riquezas.
As desigualdades são cada vez mais profundas e a fome mata todos os dias
milhares de pessoas sem que este estado de coisas provoque rebelião ou
indignação. Enquanto o Banco Mundial mantiver sua insensibilidade política de
ajustamentos estruturais, temos o dever de nos mobilizar e de mobilizar o maior
número possível de vítimas de tais ajustes para lutar contra este tipo de
intervenção.
129
Depois de ter participado por três anos e meio de um diálogo com o Banco
Mundial na qualidade de membro de seu Grupo de Trabalho, apresento minha
demissão porque creio que não existe nenhuma possibilidade de humanizar o
Banco Mundial.
A África morre e o Banco Mundial se enriquece. A Ásia e a Europa Oriental
vêem suas riquezas saqueadas e o Banco Mundial apoia as iniciativas do FMI
e do GATT que autorizam este saque de riquezas materiais e intelectuais. A
América Latina, como outros continentes, vê com horror suas crianças sendo
usadas como força de trabalho e, o que é ainda mais horrível, como doadoras
forçadas de órgãos para o próspero mercado de transplantes da América do
Norte. Nas suas argumentações, o Banco Mundial fala dos inevitáveis
sacrifícios que a estabilização estrutural exige para que as nações participem
do mercado mundial globalizado, como se se tratasse de atravessar o duro
deserto para chegar à Terra Prometida do desenvolvimento. Não quero ser
cúmplice desta inexorável fatalidade pregada pelo Banco.
Prefiro contribuir para sustentar as organizações dos camponeses sem terra,
das crianças de rua, das mulheres que nas cidades asiáticas não querem
vender seus corpos, dos trabalhadores e dos sindicatos que lutam contra o
saque de seus recursos naturais e contra a desestruturação de sua capacidade
produtiva.
Sei, por longa experiência, que existem muitos amigos nas ONGs que pensam
que um diálogo com o Banco Mundial seja útil para mudar pouco a pouco sua
conduta institucional, orientando-a na direção do melhor julgamento dos
pedidos de colaboração e de desenvolvimento. Respeito essa posição e
respeito a atitude daqueles que, no interior do Banco Mundial, esperam que um
diálogo com as ONGs leve a mudanças nas análises; mas, baseado na minha
experiência no Grupo de Trabalho, prefiro abandoná-lo antes de terminar meu
mandato, porque não quero continuar a ser cúmplice.
130
" A África morre e o Banco Mundial enriquece."
Meus votos de fim de ano para o Banco Mundial são simples: cinqüenta anos
bastam. Os Senhores estão entre os principais inimigos dos pobres e dos
direitos que eles defendem no âmbito das Nações Unidas.
Os Senhores são a máquina mais extraordinária e sofisticada de relações
públicas que existe no mundo para impor a todos uma angustiante sensação de
fatalidade que leva ao conformismo e a aceitar que o desenvolvimento seja
reservado a poucos e que para todos os outros, que não são considerados
bastante competitivos nem domesticáveis, nada mais resta além da inevitável
pobreza. O lançamento de uma economia de desenvolvimento que promova a
justiça social mediante acessos do maior número de pessoas a um salário
justo nos obriga a procurar com urgência outra instituição. Uma instituição que
substitua o Banco Mundial deve consentir que os seres humanos participem e
se beneficiem de ações que lhes restituam a dignidade, garantindo-lhes
alimentação e direito à diversidade, no quadro de um desenvolvimento co-
dividido.
Deixando o Grupo de Trabalho, saúdo os colegas que ainda respeito e exprimo
o meu apreço aos numerosos empregados dessa instituição.
Só com uma reestruturação e um novo empenho para modificar as Nações
Unidas e os organismos nascidos do Acordo de Bretton Woods criaremos
condições para empreender a guerra contra a fome e a favor da solidariedade,
num desenvolvimento co-dividido entre todos os seres humanos.
Atenciosamente
Pieffe Galand
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Secretário-Geral da OXFAM - Bélgica