Jornalismo profissional e amador no Facebook1
Alexandre Bonacina2
Resumo: O crescimento do jornalismo cidadão e o aumento do consumo de mídia nos meios online, com destaque para a rede social Facebook, são duas das tendências atuais do jornalismo, apontadas por diversas pesquisas. Este artigo analisou postagens de dois jornalistas cidadãos e de dois jornais tradicionais no Facebook, com o intuito de identificar semelhanças e diferenças nas práticas jornalísticas de cada um, e verificar como a rede social pode ser melhor aproveitada como canal noticioso. Traz como referencial teórico autores que têm tratado de questões relativas ao jornalismo, como Traquina (2013); ao ciberespaço, como Jenkins (2008) e Lévy (2011); e ao jornalismo cidadão, como Gillmor (2004). O procedimento metodológico se ampara na Teoria Fundamentada, de Glaser e Strauss (1967), abrindo mão de pressupostos para permitir que o cenário seja construído a partir dos dados empíricos. A constatação do estudo é que as publicações do jornalismo cidadão – o amador – e da mídia tradicional – o profissional – adotam temáticas e critérios de noticiabilidade parecidos, mas os jornalistas cidadãos usam de maneira mais eficaz os recursos da linguagem digital, o que ajuda a explicar o motivo de, em muitos casos, as publicações de jornalistas amadores repercutirem mais do que as de profissionais no Facebook.
Palavras-chave: Jornalismo cidadão. Mídias Sociais. Facebook.
1 Artigo enviado na modalidade Mídias Sociais
2 Graduado em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo; Mestrando em Jornalismo e
Pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]
2
1 INTRODUÇÃO
Desde a circulação das primeiras Actas Diurnas – publicações surgidas em 59 a.C. que
informavam aos cidadãos da Roma Antiga os principais acontecimentos do Império Romano,
e consideradas precursoras do jornalismo atual (HAMILTON, 2002) – os processos
tecnológicos que possibilitam à sociedade se manter a par dos eventos cotidianos têm
passado por transformações consideráveis: da invenção da prensa, pelo alemão Johannes
Gutenberg, em 1447, à comunicação em escala global proporcionada pela internet nos dias
atuais.
Dentre essas transformações, e talvez aquela de traço mais marcante, está o novo
papel do público dentro do jornalismo: leitores, ouvintes e espectadores deixam no passado
a passividade do receptor, para assumir uma função ativa na crítica e produção de conteúdo.
A mídia tradicional não detém mais o monopólio de decidir o que é ou não notícia, e as
informações não são mais disseminadas individualmente, de um para um, como em cartas e
telefonemas, ou de um para todos, como em jornais, rádios e TVs; elas são disseminadas de
muitos para muitos, de todos para todos (GILLMOR, 2004; LÉVY, 1999).
Essa participação popular e ativa do público em diferentes graus tem recebido
diversas denominações dos pesquisadores e teóricos da área: “jornalismo cidadão”,
“jornalismo em rede”, “jornalismo de raiz”, “jornalismo amador”, “jornalismo participativo”,
“jornalismo colaborativo” e “jornalismo open-source” são algumas delas (MARQUES, 2008).
Neste artigo, utilizaremos “jornalismo cidadão”, prática que tem crescido conforme surgem
novos sistemas e dispositivos que simplificam tanto o acesso à rede quanto o processo de
publicação de conteúdos (CHRISTOFOLETTI, 2011; LOPES, 2011). Com essa facilidade, cada
vez maior, a tendência é que mais pessoas se tornem “jornalistas cidadãos”, como destaca
Gillmor:
A internet é o mais importante meio desde a prensa de impressão. Ela engloba tudo o que veio antes e é, de maneira mais fundamental, transformadora. Quando qualquer um pode ser um escritor, no sentido
3
mais amplo e para uma audiência global, muitos de nós serão3. (GILLMOR, 2005, p. 236)
Além dessa nova realidade – muitos produtores de notícia – com a qual a mídia
tradicional precisa concorrer, outra mudança que vai exigir adaptação são os novos hábitos
de consumo de notícia, no tocante às plataformas acessadas: o público tem abandonado,
progressivamente, os meios habituais – televisão, rádio e impresso – em favor das
plataformas online, que em países como Estados Unidos, Brasil e Japão, são acessadas com
mais frequência do que qualquer outra4. E dentre as plataformas online, tem aumentado a
importância das redes sociais, com destaque para o Facebook: a “Pesquisa brasileira de
mídia 2014”, levantamento da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República
(BRASIL, 2014), revelou que na internet o Facebook, em primeiro lugar, é o principal site
utilizado para o consumo de notícias no país – foi citado por 30,8% dos brasileiros, contra
apenas 19%, somados, da globo.com, G1, UOL e R7, quatro representantes da mídia
tradicional que figuram entre os cinco colocados seguintes na pesquisa (o outro site citado
entre esses é o Yahoo!).
Embora a pesquisa não informe quais páginas dentro do Facebook – poderia ser as da
imprensa tradicional, por exemplo – os usuários utilizam como fonte de informação, os
dados dão uma dimensão da importância que o Facebook tem conquistado perante o
jornalismo, a ponto da empresa ter anunciado5 em maio desde ano que o The New York
Times, o The Guardian e a BBC, além de alguns outros veículos tradicionais de mídia,
começarão a publicar conteúdo diretamente na rede social, sem links para a fonte original,
em seus respectivos sites, como ocorre atualmente – o acordo prevê também que as
receitas provenientes de publicidade serão compartilhadas.
Diante desse cenário, no qual imprensa tradicional, jornalistas cidadãos e público
voltam suas atenções para o Facebook, faz-se importante analisar as práticas e tendências
do jornalismo na rede social, identificando semelhanças e diferenças que ajudem a explicar
3 The internet is the most important medium since the printing press. It subsumes all that has come
before and is, in the most fundamental way, transformative. When anyone can be a writer, in the largest sense and for a global audience, many of us will be. (GILLMOR, 2005, p.236, tradução própria)
4 Digital News Report 2013, do Reuters Institute – ver referências 5 ‘NYT’, ‘Guardian’ e BBC começam a publicar diretamente no Facebook, no El País – ver referências
4
êxitos e fracassos de diferentes iniciativas, profissionais e amadoras. Essa é a proposta do
presente trabalho, que irá comparar as postagens realizadas no Facebook pela mídia
tradicional e pelo jornalista cidadão, que segundo Marques (2008), pode ser definido como:
Um indivíduo sem formação acadêmica na área de jornalismo com uma vontade enorme de participação nas esfera social [e que] apresenta conteúdos informativos (de texto, imagem e som), onde exprime novas perspectivas e informação que, de outro modo, não teria visibilidade na esfera pública (MARQUES, 2008, p. 18)
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este estudo iniciou com uma pesquisa exploratória de campo, identificando
previamente jornalistas cidadãos e grupos de mídia com atuação no Facebook. Como objeto
empírico, selecionou-se dois representantes do jornalismo cidadão e dois da mídia
tradicional: o perfil pessoal do internauta Patrick von Hebert, de Itajaí (SC) e a página “Blog
do Jaime”, de Blumenau (SC), como exemplos de jornalismo cidadão; e as páginas dos
jornais “O Sol Diário” (de Itajaí) e “Jornal de Santa Catarina” (de Blumenau), ambos
pertencentes ao Grupo RBS, maior conglomerado de mídia da região sul do país. A seleção
das amostras foi intencional, por intensidade e conveniência (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL,
2013), de modo a atender os objetivos da pesquisa – no caso do perfil pessoal, foi levado em
consideração que as postagens realizadas pelo internauta são em modo público, ou seja,
estão disponíveis para qualquer pessoa no Facebook.
Definiu-se que o corpus da amostra seria composto por todas as postagens
disponíveis no Facebook de cada um e publicadas entre os dias 16 de abril e 25 de abril
deste ano. Não foi mantido contato prévio com os objetos analisados, optando-se por uma
“observação simples”, que “facilita a obtenção de dados sem produzir querelas ou suspeitas
nos membros das comunidades, grupos ou instituições que estão sendo estudadas” (GIL,
1999, p. 111). A coleta de todos os dados, por meio de capturas da tela das páginas, se deu
no dia 10 de maio.
5
De posse dos dados, procedeu-se a análise e a classificação de categorias – que não
foram determinadas previamente – de acordo com as características apresentadas. Essa
perspectiva metodológica se ampara na Teoria Fundamentada (Grounded Theory, no
original), dos sociólogos americanos Glaser e Strauss (1967). A Teoria Fundamentada
preceitua que o pesquisador vá a campo sem partir de pressupostos, defendendo que “a
teoria deve emergir dos dados, a partir de sua sistemática observação, comparação,
classificação e análise de similaridades e dissimilaridades” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL,
2013, p. 83). Passamos então aos objetos empíricos, detalhando outros procedimentos no
decorrer do texto.
3 JORNALISMO CIDADÃO X JORNALISMO PROFISSIONAL
Para a análise empírica e comparação dos dados, foram selecionados um jornalista
cidadão e um jornal, de dois municípios catarinenses (em todos os casos, restringindo-se a
análise às postagens no Facebook) – eles são descritos a seguir, de maneira breve. De Itajaí,
no litoral, escolheu-se o perfil do internauta Patrick von Hebert, técnico-administrativo, que
publica com frequência notícias da cidade; e a página de “O Sol Diário”, um jornal online do
Grupo RBS, com sede em Itajaí e foco nos municípios do litoral norte do estado. De
Blumenau, foram selecionados a página “Blog do Jaime”, do bancário Jaime Batista da Silva,
que declara praticar o jornalismo cidadão; e a página do “Jornal de Santa Catarina”, veículo
impresso, também do Grupo RBS, com sede em Blumenau e foco nos municípios do Vale do
Itajaí. Na sequência do artigo, por simplicidade, cada um deles será citado como “Patrick”,
“Blog do Jaime”, “Sol Diário” e “Santa”.
O corpus da amostra foi composto por um total de 136 publicações (que também
chamaremos de “postagem” ou “post”), sendo: 49, do Blog do Jaime; 40 do Sol Diário; 32 do
Santa; e 15 do Patrick. Foram registrados datas e horários das publicações, bem como as
quantidade de “curtidas” e “compartilhamentos” de cada postagem. Uma vez que as
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métricas são um fator relevante na internet, e embora esse item não irá ser aprofundado no
artigo, tomou-se nota do número de fãs/amigos/seguidores que os observados possuem na
rede, dando um dimensão do alcance que possuem – o processo de exposição das
publicações do Facebook, através dos algoritmos, não é claro, mas sabe-se que cada post
atinge um percentual do público, sendo correto supor que, potenciamente, quanto mais elos
alguém possui na rede, mais pessoas podem ver o que esse alguém postou. Na data da
coleta, o Santa possuía mais de 107 mil fãs; o Blog do Jaime, mais de 60 mil; O Sol Diário,
mais de 25 mil; e o Patrick mais de 4,5 mil amigos, além de 1,4 seguidores – usuários que
desejam receber as atualizações de um perfil, sem, necessariamente, criar um laço de
amizade com ele.
Observados os dados, e de acordo com as carecterísticas notadas, foram criadas
cinco categorias para análise e reflexão neste trabalho: “tipo de conteúdo”, “editorias”,
“critérios de noticiabilidade”, “recursos multimídia” e “linguagem digital”.
3.1 Tipo de conteúdo
Ao se analisar as postagens coletadas, identificamos três tipos de conteúdo: posts
noticiosos (inclusive os compartilhados de outros meios), com alguma informação de
interesse público; posts de teor publicitário, evidenciando mais algum serviço ou produto do
que uma informação; e posts de caráter pessoal – fotos ou mensagens que não se
adequavam nas outras categorias. No Blog do Jaime, identificamos 37 notícias, 11
publicidades, 1 publicação pessoal. No perfil do Patrick, 8 notícias e 7 publicações pessoais.
Nas páginas do Sol Diário e do Santa, todos os posts – 40 no primeiro caso e 32 no segundo –
foram considerados notícia.
7
Gráfico 1 – Tipo de conteúdo
Fonte: produção do autor.
Assim, constatou-se que os veículos de mídia tradicional praticam o jornalismo no
Facebook, mas ainda não encontraram uma maneira de rentabilizar a atividade na
plataforma – não encontrou-se posts publicitários nas páginas do Santa e do Sol Diário. Por
outro lado, a análise do Blog do Jaime mostrou que é possível utilizar-se da rede com esse
fim, uma vez que várias postagens do blogueiro tinham teor de propaganda (Figura 1) –
ressalva-se que, por não terem sido realizadas entrevistas com os responsáveis das páginas,
não é possível afirmar se o espaço foi comercializado, ou se o post tem outro tipo de acordo,
como alguma troca ou até mesmo favor a alguém. Já no perfil do outro jornalista cidadão
que compõe a amostra, notou-se a presença de muitas publicações pessoais, como um dia
de descanso na praia, demontrando que os jornalistas cidadãos não têm um foco restrito na
notícia.
8
Figura 1 – Exemplo de post com teor publicitário
Fonte: captura da tela do computador – arquivo do autor.
Além da identificação do tipo de conteúdo, observou-se que, no geral, os posts dos
dois jornalistas cidadãos costumam ter mais curtidas e compartilhamentos do que os posts
dos jornais tradicionais de suas cidades, apesar de, potencialmente, os jornais possuírem um
público maior, como o número de elos de cada um deixa claro. Uma característica que pode
contribuir para essa maior popularidade dos jornalistas cidadãos é o aprofundamento que
dão às notícias dentro do Facebook: enquanto os jornais na maioria das vezes publicam
apenas o título e alguma informação adicional, incluindo um link para a matéria completa
em seus sites, os posts dos jornalistas cidadãos trazem mais detalhes diretamente na rede
social (Figura 2).
9
Figura 2 – Exemplo de post com informações detalhadas
Fonte: captura da tela do computador – arquivo do autor.
3.2 Editorias
Para a categorização das editorias, bem como para as outras categorias que serão
tratadas a partir deste ponto, foram considerados apenas os posts noticiosos, descartando-
se os demais. No total, identificou-se a presença de oito editorias nas postagens,
categorizadas conforme foram surgindo os temas. São elas (com alguns dos assuntos
abordados em cada uma apresentados entre parênteses): Cotidiano (notícias da cidade,
obras, trânsito, previsão do tempo); Cultura e Entretenimento (eventos, cinema, novelas,
famosos); Esportes (futebol, MMA, atletas); Economia (pesca, Petrobrás, financiamentos);
Internacional (Indonésia, líderes internacionais, relação EUA x Cuba); Política (partidos,
vereadores, impeachment); Polícia (homicídios, tráfico de drogas, prisões) e Obituário
(informe de falecimento e velório).
No Blog do Jaime, das 37 notícias, 19 foram de Cotidiano, 15 de Cultura, 1 de Esporte,
1 de Economia e 1 de Cultura. No perfil do Patrick, das 8 notícias, 3 foram de Cotidiano, 3 de
10
Internacional, 1 de Cultura e Entretenimento e 1 de Esporte. No Santa, entre 32 notícias,
Cotidiano teve 17 posts, Esporte 6, Cultura 3, Internacional 3, Política 1, Economia 1, Polícia
1. No Sol Diário, de 40 notícias, Cotidiano teve 14 publicações, Cultura e Entretenimento 9,
Esporte 6, Economia 4, Polícia 4, Política 2 e Internacional 1.
A análise e comparação dos dados demonstrou que a editoria de Cotidiano, com
notícias que envolvem o dia a dia das comunidades, é a que mais ganha destaque no
Facebook, tanto no jornalismo profissional quanto no amador. No entanto, nas publicações
dos jornalistas cidadãos, ela parece ter mais relevância, uma vez que não ocorrem muitas
postagens de outras editorias, enquanto na mídia tradicional, ainda que Cotidiano apareça
com mais frequência, há uma diversidade maior de temas abordados.
Outro fato que chamou a atenção no jornalismo cidadão, e neste caso tomando
como referência o Blog do Jaime, foi a presença de muitas notícias de Cultura e
Entrenimento: diversos posts realizado por ele informam a comunidade de feiras, eventos,
congressos, missas, exposições e festas que acontecem na cidade. O Santa, que compete
pela atenção do mesmo público, não divulgou no Facebook nenhum desses eventos – dos 3
posts de Cultura e Entretenimento do jornal, um tratava da série Game of Thrones, um de
uma curiosidade (o casamento do homem mais alto do Brasil com uma mulher de 1,52m) e
um, sobre gastronomia, trazia uma entrevista com uma chef de cozinha.
3.3 Critérios de noticiabilidade
Para categorização dos critérios de noticiabilidade, usamos como referência os
valores-notícias conceituados por Nelson Traquina, restringindo a análise aos critérios
substantivos, “que dizem respeito à avaliação direta do acontecimento em termos da sua
importância como interesse ou notícia” (TRAQUINA, 2013, p. 75). São eles: morte;
notoriedade (acontecimentos relacionados a pessoas de destaque na sociedade);
proximidade (geográfica e cultural); relevância (que afeta diretamente a vida da
11
comunidade); novidade (situação que nunca ocorreu antes); tempo (a atualidade, bem como
efemérides); notabilidade (algo visível, tangível); inesperado (aquilo que surpreende);
conflito (violência física ou simbólica); infração (quebra das regras); e o escândalo.
Foram distribuídos os critérios conforme os valores-notícia eram identificados na
publicação, sendo que, geralmente, cada post possuía mais de um valor-notícia, justificando
o porquê da quantidade de critérios adotados ultrapassarem o número de postagens. Para
facilitar a compreensão dos dados, os resultados obtidos serão apresentados visualmente,
dos gráficos 2 a 5.
Gráfico 2 – Valores-notícia na página do Blog do Jaime
Fonte: produção do autor.
34 33
5 5 5 3
1 1
Blog do Jaime valores-notícia
12
Gráfico 3 – Valores-notícia no perfil do Patrick
Fonte: produção do autor.
Gráfico 4 – Valores-notícia na página do Santa
Fonte: produção do autor.
8
2 2 2 2
1
Tempo Morte Proximidade Inesperado Notabilidade Notoriedade
Patrick valores-notícia
29
15
8 7 5
3 2 1 1
Santa valores-notícia
13
Gráfico 5 – Valores-notícia na página do Sol Diário
Fonte: produção do autor.
Constatou-se que tanto jornalistas cidadãos quanto os veículos da mídia tradicional
valorizam o critério de tempo, priorizando acontecimentos que sejam mais atuais, e também
o critério de proximidade, dando mais destaque a fatos próximos dos seus leitores. Outros
critérios que apareceram com alguma frequência foram o de relevância, o de notabilidade e
o inesperado, mostrando que fatos que impactam a vida das pessoas, que são evidentes ou
então inusitados, também recebem bastante atenção.
Outra observação pertinente é de que o Blog do Jaime dá mais importância que os
demais ao critério de proximidade – das 37 notícias analisadas, apenas quatro não tratavam
de assuntos locais (todas as quatro eram sobre um tornado que atingiu o município de
Xanxerê, no oeste de Santa Catarina, no dia 20 de abril). Este é outro fator que pode ajudar a
explicar o motivo dos jornalistas cidadãos, ao menos neste estudo, terem mais curtidas e
compartilhamentos em seus posts – diversos autores têm destacado que diante da grande
quantidade de informação disponível atualmente, a tendência é que exista uma audiência
cada vez mais segmentada, com o público preferindo as notícias diretamente de seu
interesse, àquelas de caráter mais abrangente. O repórter de economia Anthony Bianco, por
exemplo, observa que “blocos monolíticos de espectadores não existem mais. Em seu lugar
39
19
7 5 3 2 2
O Sol Diário valores-notícia
14
há um mosaico de microssegmentos de público, em constante transformação” (BIANCO,
apud JENKINS, 2008, p. 100).
3.4 Recursos multimídia
Também observou-se nas postagens quais recursos multimídia – como fotos, vídeos e
áudios – cidadãos e jornais acrescentam em suas publicações, no intuito de valorizarem seus
posts. Mais uma vez, foram considerados apenas as postagens noticiosas, excluindo-se da
análise a publicidade e as publicações pessoais.
Percebeu-se que a maioria dos posts traz algum recurso adicional – foto ou vídeo –
além do texto. No Blog do Jaime, 26 posts tinha fotos, e 5 apresentavam vídeos. No perfil do
Patrick, 7 das notícias tinham fotos. Na página do Santa, foram 27 posts com fotos e 4 com
vídeos. E no Sol Diário, 36 publicações com fotos e 2 com vídeos. Cabe destacar, porém, que
enquanto nos dois jornais e no perfil do Patrick as publicações com fotos traziam apenas
uma imagem, no Blog do Jaime, vários posts incluem diversas fotos de um mesmo
acontecimento.
Outra característica notada nesta categoria foi quanto aos direitos autorais: tanto
jornalistas cidadãos quanto jornais publicam algumas fotos com os seus devidos créditos (de
um autor, ou de “divulgação”), e algumas fotos sem qualquer indicação de autoria,
demonstrando que ainda não há um padrão definido de como publicar na rede social.
3.5 Linguagem digital
Nesta categoria foram observados elemento presentes nas notícias publicadas que
são característicos do texto digital, como links (considerou-se também como link, além
15
daqueles direcionando a sites fora do Facebook, a marcação de pessoas e páginas, que
direcionam dentro do próprio Facebook) e hashtags (palavras precedidas do símbolo #, que
passam a ser clicáveis, conduzindo a uma página com posts de diversos usuários com a
mesma hashtag), sendo que em um mesmo post, poderia haver tanto um quanto outro (não
foram contabilizados a quantidade de cada um, apenas se havia link ou hashtag ou não).
Na página Blog do Jaime, foram registrados links 21 vezes e hashtags 32 vezes. No
perfil do Patrick, link 8 e hashtags 7. No Santa, link 25 e hashtags 3. E no Sol Diário, links
apareceram 37 vezes e hashtags nenhuma. É importante ressaltar que os links utilizados
pelos jornais e contabilizados na pesquisa, em sua maioria, são aqueles que direcionam para
o conteúdo em seus próprios sites, ou então um canal do grupo de mídia (em alguns casos,
ao invés de direcionarem o leitor para os sites do Santa ou do Sol Diário, os links
encaminhavam para o “ClicRBS”, portal do Grupo RBS com foco nos estados de Santa
Catarina e Rio Grande do Sul). Já os links dos jornalistas cidadãos, incluem direcionamentos
tanto para outros sites quanto para o próprio Facebook.
Essa distinção grande no uso de links e hashtags por amadores e profissionais, sendo
que os profissionais utilizam menos a linguagem característica da internet, mostra que a
mídia tradicional, pelo menos tomando os dois veículos do Grupo RBS como exemplo, ainda
não encontrou um meio adequado de utilizar o Facebook na prática do jornalismo. Não se
trata aqui meramente de uma questão de estilo, mas de elementos que influenciam
diretamente a propagabilidade do conteúdo. O conceito de propagabilidade “se refere ao
potencial – técnico e cultural – de os públicos compartilharem conteúdos por motivos
próprios” (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 26), e é determinante na sociedade atual, uma
vez que na opinião de Jenkins, Green e Ford (2014, p. 23), “se algo não se propaga, está
morto”.
Links e hashtags exercem um papel importante na comunicação online. A marcação
de pessoas e páginas, interessadas ou relacionadas ao conteúdo que está sendo abordado,
faz com que o conteúdo possa aparecer no feed de notícias de mais usuários do Facebook,
potencializando sua popularidade e a relevância que pode adquirir perante o público. Já as
16
hashtags, que ganharam o mundo com o Twitter, não têm muita adesão do público no
Facebook, mas possibilitam, àqueles que sabem utilizá-la, a procura de notícias relacionadas
sobre o mesmo tema, sendo portanto um recurso relevante tanto para o público quanto
para jornais.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise das publicações do jornalismo cidadão e do jornalismo tradicional no
Facebook revelou que há semelhanças nas práticas de ambos, como as notícias de Cotidiano
e os valores-notícia “tempo” e “proximidade” sendo mais comuns nos posts noticiosos, mas
variando o grau de intensidade com que eles aparecem: enquanto no Blog do Jaime esses
fatores são muito acentuados, nos jornais Santa e Sol Diário eles dividem um pouco da
atenção com outros assuntos e critérios.
Também ficou demonstrado que existem diferenças consideráveis, sobretudo em
aspectos técnicos, como o uso de links e hashtags – enquanto os dois jornalistas cidadãos
observados demonstraram bastante afinidade com os recursos, característicos de meios
online e redes sociais, os dois jornais tradicionais pouco utilizaram os dois elementos,
demonstrando ainda não possuir o preparo adequado quanto ao uso de todo o potencial das
plataformas online.
Esses dois fatores ajudam a explicar porque, como já mencionado, os dois jornalistas
cidadãos conseguem, na maioria das vezes, mais curtidas e compartilhamentos do que os
dois jornais tradicionais. Curtidas e compartilhamentos significam mais propagabilidade, algo
fundamental na comunicação moderna (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 26) e que não
representa apenas popularidade, mas potencial econômico, uma vez que quanto mais
público, mais interesse dos anunciantes. Em tempos em que se fala constantemente na crise
17
do jornalismo – o próprio Grupo RBS cortou despesas e demitiu 130 funcionários6 em agosto
de 2014 – é preciso estar atento às oportunidades, mas mais do que isso, é preciso saber
aproveitá-las.
Claro que não se pode restringir a maior popularidade dos jornalistas cidadãos a
esses dois fatores (e aqui ressalva-se tanto o tamanho da amostra quanto o objeto do
estudo: o jornalismo no Facebook é um tema complexo e consideravelmente recente, que
necessita de mais estudos, mais aprofundados, para que se generalizem resultados) – o
jornalismo cidadão avança por existir também uma crise de confiança, de credibilidade na
mídia tradicional, como aponta Jenkins:
O jornalismo profissional em si, como os blogueiros se apressam em observar, está progressivamente menos confiável, movido por projetos ideológicos, em vez de padrões profissionais, omitindo informações que contrariam seus interesses econômicos, reduzindo um mundo complexo a uma grande matéria por vez, e banalizando a política ao se concentrar apenas nas disputas por poder. (JENKINS, 2008, p. 281-282)
Embora possa existir resistência a se aceitar o jornalismo cidadão como jornalismo,
diversos estudiosos, no passado e no presente, admitem que os “amadores” têm condições
de produzir notícia de qualidade. Otto Groth, que escreveu uma vasta obra no início do
século passado sobre a Ciência dos Jornais, afirmava:
Um “não jornalista”, por exemplo, um intelectual ou um funcionário público, pode se ocupar “jornalisticamente” trabalhando paralelamente, eventualmente ou ainda uma única vez nisto e fornecer um produto jornalístico. Ele pode escrever para um jornal e o seu produto literário pode carregar em si todas as características essenciais do “jornalismo”, ser altamente atual principalmente quanto ao conteúdo e à forma, bem como ser adaptado ao interesse e ao entendimento de um público amplo. (GROTH, 2011, p. 323)
E mais recentemente, no ensaio “O Jornalismo Pós-Industrial”, que analisa o atual
momento do jornalismo e seus desafios, incluindo a prática da profissão por jornalistas
cidadãos, Anderson, Bell e Shirky (2013, p. 42) sentenciaram: “Em certos casos, gente que
nem é jornalista se mostrou capaz de exercer o ofício com tanta tarimba quanto
profissionais da área – às vezes até mais”.
6Em comunicado aos funcionários, grupo RBS anuncia a dispensa de 130 trabalhadores, no Portal
Imprensa – ver referências
18
Se os jornalistas cidadãos demonstram condições de se equiparar aos jornalistas
profissionais em termos de qualidade, deve-se estudar o conteúdo e as práticas que eles
executam, para verificar o que pode ser agregado ao exercício profissional do ofício, no
intuito de aprimorar a imprensa tradicional. As grandes empresas de mídia evoluíram
estudando seus concorrentes e o passado. É hora de prestar atenção no presente e naqueles
que por muito tempo ficaram em segundo plano, para que o futuro, que por ora se
apresenta complicado, se torne promissor, e possamos falar mais de bonança do que de
crise.
5 REFERÊNCIAS
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CHISTOFOLETTI, Rogério. Ética hacker e deontologia jornalística em redes sociais. In: Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, 9., 2011, Recife. Disponível em: <http://sbpjor.kamotini.kinghost.net/sbpjor/admjor/arquivos/9encontro/CC_38.pdf>. Acesso em: 15 mai. 2015.
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FRAGOSO, Suely; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana. Métodos de pesquisa para internet. Porto Alegre: Sulina, 2013.
GIL, Antônio Carlos Gil. Métodos e técnicas de pesquisa social.5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
19
GILLMOR, Dan. We the media: grassroots journalism by the people, for the people. Sebastopol: O’Reilly Media, 2004.
GLASER, Barney G.; STRAUSS, Anselm L. The discovery of grounded theory: strategies for qualitative research. New York: Aldine de Gruyter, 1967.
GROTH, Otto. O poder cultural desconhecido: fundamentos da Ciência dos Jornais. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
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