Transcript

Jardim Japonês shakkei

91 91

IV JARDIM JAPONÊS Os significados simbólicos dos elementos que aparecem nas diversas tipologias do Jardim

japonês foi já referido no capítulo anterior, assim a descrição destes espaço parte deste

pressuposto, explicando apenas a sua importância relativa e função de cada elemento

apresentado no espaço.

11. JARDIM DAS ALMAS - REI-EN Primórdios do Jardim Japonês - Período Yamato – Kofun – Século V.

No período Kofun aparecem as primeiras manifestações de um Jardim, em frente dos

Túmulos, uma área plana, situada num socalco com água, uma ilha artificial plantada donde

se levantam árvores. Nota-se já nesta época a presença de pedras e árvores de formas

distintas ou raras.

Este espaço, segundo as crenças religiosas era um jardim para as almas dos mortos. A

caracterização destes espaços como jardins é polémica. Para alguns autores, um jardim

deve estar associado a uma função de recreio e lazer; para outros, um jardim é uma forma

de natureza criada pelo homem, um espaço ao qual está associado um conceito de

“paraíso”.

Optou-se por registar, nesta tese a existência desta tipologia de Jardim (assumindo-a

como tal). Embora a exposição seja breve, dadas as lacunas de informação encontradas nas

pesquisas efectuadas, torna-se muito relevante a existência tão remota destes jardins e com

a tamanha expressão simbólica que demonstra, expressa no próprio nome “o Jardim das

Almas”.

Jardim Japonês shakkei

92 92

12. SANTUÁRIOS XÍNTO Período Asuka - Século VII

A Segunda, (para alguns a primeira), manifestação paisagística no Japão aparece

integrada no espaço natural, anteriormente ao século VIII.

Os espaços sagrados onde se dão os rituais estão ligados à natureza, em elementos

naturais espontâneos venerados como os go-shintai onde habitam os espíritos do Deuses -

“Kami” - para os crentes Xínto, como foi referido anteriormente.

Os espaços sagrados referidos, são constituídos por um rectângulo coberto de seixo

rolado, rodeado por pedras, e marcados por uma corda que une os quatro pilares extremos;

69. Imagem de um Santuário Xínto.

70. Corda Sagrada Shime na entrada do Santuário.

Jardim Japonês shakkei

93 93

no centro deste rectângulo encontra-se uma pedra (iwasaka ou iwakura), um pilar ou uma

árvore (himorogi). Os santuários - locais de culto - mais típicos estão localizados perto da

fonte de um rio no sopé de uma montanha. Rodeados por uma vedação (tamagaki), a sua

entrada está marcada por um portão de madeira (torii) de um estilo muito simples, onde

uma corda (shimenawa ou shime) se encontra pendurada. Os mosteiros são de arquitectura

muito simples, para que dê uma impressão de simplicidade e pureza.

Jardim Japonês shakkei

94 94

13. O JARDIM DO PARAÍSO Período Heian - Século VIII

As importações de conceitos da China, mitos e crenças têm muita influência no período

Heian, perdendo a sua força representativa para a frente, os símbolos continuam, os

materiais são os mesmos, mas os significados alteram-se em parte.

A pedra e vegetação venerada até aqui como possuidora dos Kami, ganha muitos outros

símbolos e significados, simbolizando um monte ou uma montanha, os três Budas ou

tartarugas sagradas, entre muitos outros referidos anteriormente.

Com a introdução e aparecimento das seitas budistas desenvolve-se o conceito do

71. Disposição das três pedras representando os três Budas.

72. Pedra simbolizando o Monte Horai.

Jardim Japonês shakkei

95 95

paraíso, que acreditando nele, não apenas como um conceito, mas com uma existência física

real. Neste paraíso existiam pavilhões elegantes que poisavam entre lagos cobertos de

flores de lotus, entre as quais os imortais andavam à deriva num barco animado pelo som

de musica celestial.

As imagens relatadas são de grande calma, paz e

harmonia, adoptadas pela corte e pelo povo, num

período em que se vivia a desordem e guerras civis.

O paraíso era representado em pinturas, onde os

antepassados os esperavam; estas imagens foram

transportadas para os jardins, e onde no início existiam

apenas lagos em frente de um edifício central, passam a

existir figuras e desenhos mais complexos e elaborados.

Pela época em que o primeiro palácio imperial foi

construído em Kyoto, um jardim foi também concebido

com um lago e ilhas sagradas. Mais tarde os jardins da

aristocracia copiam este modelo. O gosto pelo natural

origina rituais que se instalam na sociedade, como o de

sair para o campo, passear nos montes, conhecer o

mar. Nesta altura a nobreza começa a recriar as

paisagens naturais em pinturas e nos seus jardins.

Um Templo ou palácio típico, encontra-se virado a sul, com um grande espaço aberto de

areia, atrás do qual pode encontrar-se alguma plantação, tal como podemos apreciar no

templo de Byodo-in, Kinkau-ji o pavilhão dourado ou Saiho-ji o templo do musgo, dos

poucos que chegou aos nossos dias.

73. Pavilhão Dourado, o lago chega mesmo ao limite da

Jardim Japonês shakkei

96 96

Segue-se à plantação o grande

lago, alimentado por um rio que

percorre desde um dos cantos da

propriedade, passando sob

divisões do palácio. Este rio é

embelezado com rochas, o

terreno na envolvente é modelado

criando pequenas elevações,

montes, atribuindo dinâmica e

surpresa ao jardim. Na

envolvência do lago são dispostas

pequenas copias de praias

naturais, contrastando com rochas dispostas nas margens

para salientar a natureza mais abrupta.

A modelação destes jardins é muito importante, não só

pelo simbolismo atribuído ás montanhas, mas porque esta

modelação atribui profundidade e perspectiva a um

jardim.

74. Pintura de uma paisagem.

75 e 76. Templo do Musgo – Saiho-ji.

Jardim Japonês shakkei

97 97

As vedações não existem nesta tipologia de jardins,

pois o contacto com a paisagem envolvente é tão

importante que criar barreiras seria extremamente

artificial. Para que este espaço seja especial não é

necessário barreiras, a especialidade e identidade de

cada espaço está na escolha do sítio, na escolha e

colocação dos elementos. A disposição dos elementos

tenta captar uma figura existente no Japão que é a

intima presença da natureza, rios entre florestas

densas, montanhas, vales e lagos onde não se espera.

Quando se pretende recriar um monte, sebes

redondas ou pequenas árvores podadas podem definir

uma curva de terreno aparente pela curva de

vegetação. A plantação de plantas da mesma espécie

pode dar a impressão de uma floresta, sugerindo uma

ideia de espaço ao mesmo tempo. A plantação de

pequenas árvores de flor em pontos específicos dirige o

olhar e cria uma impressão de um jardim muito florido,

sem sobrepovoar o espaço.

O lago contém tradicionalmente três ilhas que

comunicam entre si e com as margens por pontes que

77. Exemplo de uma praia de pedra e margens sugerindo promontórios

78. Exemplo de Modelação e Disposição da vegetação sugerindo

79. Modelação definida pela curva de vegetação.

Jardim Japonês shakkei

98 98

podem ser de várias formas como apresentadas no capítulo elementos e arquétipos do

Jardim Japonês.

Nos templos budistas o átrio principal do edifício encontra-se aberto para o exterior, onde

se encontra a estátua de Buda que avista o lago sereno com as suas flores de lotus e todo

o seu jardim.

No século XIII aparecem os jardins Zen, estes começam a ganhar muita influência e a

alterar os princípios do jardim japonês, muito embora continuem a ser desenhados Jardins

do Paraíso, estes são em parte alterados.

O espaço de ritos em areia na entrada desaparecem em alguns dos casos, começam a

aparecer pedras mais salientes, impostas na paisagem. As ilhas passam a ser representadas

por pedras apenas. Os caminhos começam a ser desenhados permitindo a definição de

variados pontos de vista. Outros componentes são introduzidos, como o musgo, as árvores

e arbustos, água, a edificação; todos estes elementos ganham um papel num espaço cada

vez mais complexo.

Com o aparecimento do Jardim do Chá, novas influências foram absorvidas no desenho

dos jardins do paraíso. Nesta fase o Jardim o Paraíso adquire no seu desenho pontes,

“stepping stones”, lanternas, bacias de água, paisagens em miniatura, tudo o que no jardim

do chá era simples e despretensioso ganha aqui um caracter de grandiosidade e ambição,

representando a alta nobreza, que vivia de impostos muito pesados.

80. Pátio para ritos que antecipam o pavilhão

Jardim Japonês shakkei

99 99

Um exemplo de um jardim construído

nesta época é o Jardim Imperial de

Katsura, em Kyoto, onde “stepping

stones”, caminhos e pontes meanderizam

entre 5 ilhas grandes e pequenas.

O desenho de jardins mais pequenos

não deve ser tão ambicioso como os

espaços apresentados. Estes espaços

não devem conter todo o tipo de

elementos, parte do espaço deve ser

dedicado ao lago, como os jardins mais

tradicionais. O terreno deve estar coberto por musgo ou Ophiopogon, de forma a não ficar

tão preenchido por vegetação. Nestes espaços torna-se importante criar a ilusão de

continuidade do espaço para fora da propriedade, ou a ilusão de perspectiva, a modelação

pode criar esse efeito se elevada nos limites do espaço, ou o simples tratamento da

vegetação ou a disposição de lanternas ou pagodes, como referido anteriormente pode criar

a distância necessária.

81. Jardim de Katsura com todas as introduções simbólicas e formais adquiridas com os tempos

Jardim Japonês shakkei

100 100

14. JARDIM ZEN Período Muromachi – Século XIII

O Jardim Zen nos seus primórdios não se apresentam

tão austeros como os jardins que nos chegam através de

livros ou revistas. No seu princípios não eram

completamente secos contendo lagos e vegetação

luxuriosa. Apesar de simbólicas as pedras deveriam ser

dispostas de formas naturais.

O Jardim Zen teve o seu inicio em templos onde o acesso

a água era diminuto; a esta mesma razão deve ainda a sua

popularidade e divulgação.

No século XVII com a reforma no regulamento dos templos, o jardim a sul que dava para

o átrio de meditação perde a sua função em rituais religiosos, sendo transformadas nos

Jardins Zen, cobertos com areia, como originalmente. Estes muitas vezes incluíam musgo,

arbustos ou pinheiros, mas não tinham água na sua composição, esta existia apenas

representada em cascatas secas, ribeiras secas ou areia varrida em padrões estilizados. As

formas abstractas serviam para exercícios da mente, e o jardim transformou-se num auxilio

de meditação no tempo, eternidade, efemeridade e permanência.

Os Jardins Zen têm como principal função captar o que é

imutável e eterno. Estes espaços sugerem uma condição de

extraterreno, de desapego do mundano e de espiritualidade;

esta impressão é enfatizada pela existência de muros que

bem delimitam os seus limites.

Os Jardins Zen não podem ser percorridos, são

concebidos para serem contemplados das varandas, pois é

para esses pontos de vista que o espaço foi concebido

apresentando um maior equilíbrio.

Quando formas vegetais são incluídas no desenho, estas devem ser severamente

podadas para que apresentem sempre a mesma forma. Sebes de azaleas podem

representar a perfeição ou os discípulos à volta de buda representado por um grande bloco

de pedra arredondado.

82. Jardim Zen nos seus primórdios.

83. Jardim Zen Ryogen-in.

Daisen é um dos Jardins Zen mais simbólicos, e com mais elementos no seu desenho; cascatas, uma ribeira seca e vegetação, entre outros.

Jardim Japonês shakkei

101 101

84. Varandas de contemplação – Jardin Zen Daisen-in.

85. Um ponto de Vista do jardim Zen de Ginkaku.

Jardim Japonês shakkei

102 102

O Jardim de Daisen-in é um dos Jardins Zen mais ricos

em simbolismo e significação. O Jardim Zen de Ryoan-ji é

um dos mais depurados no seu desenho, não revelando

os seus significados e segredos de uma forma tão

simples como o anterior, pois é executado da forma mais

abstracta e esotérica do paisagismo Japonês, este tipo

de jardins vive essencialmente da escolha das pedras,

da sua forma e expressividade.

86. Composição simbólica

87. Origem da composição simbólica da fig. 86

Jardim Japonês shakkei

103 103

15. JARDIM DO CHÁ Período Edo– século XVI

A cerimonia do chá tem os seus princípios no século XV como um evento social, divulgado

pelos monges Zen, para evitar a sonolência durante a meditação. Depressa o ritual de beber

chá verde com os convidados se tornou numa arte. A casa do chá muitas vezes encontra-se

associada ao edifício principal, mas só tem acesso pelo jardim.

O Jardim tem uma função importante na preparação dos convidados para a cerimonia do

chá. Concebido para a aproximação da casa do chá o espaço propõe, pela sequência de

imagens, a purificação dos convidados, purificação do corpo e da alma, para que se possa

viver completamente a cerimonia do chá.

88. Monge Zen em posição de meditação.

Jardim Japonês shakkei

104 104

Duas qualidades devem prevalecer no jardim do chá, wabi e sabi. Wabi representa a

solitude na natureza e sabi a atmosfera criada pela idade.

O caminho que antecipa a casa do chá é chamado de roji, é tradicionalmente dividido em

duas secções, o jardim exterior e interior, divididos entre si por uma cerca ou vedação e por

um portão.

Um banco com um tejadilho é disposto nos jardins exteriores enquanto se espera pelos

89. Caminho no Jardim Interior Passando por elementos do Jardim do Chá uma Bacia de água e uma Lanterna.

90. Caminho e entrada para a casa e chá. 91. Portão e Banco que antecipam a chegada à casa de chá.

Jardim Japonês shakkei

105 105

convidados, este espaço é concebido para que possa haver uma pausa antes de se irem

encontrar com o seu anfitrião, à medida que passam o portão deixam para trás uma

existência caótica no exterior. Os portões devem sugerir que se entra numa zona de retiro

na floresta.

O jardim de interior deve ser diferente do jardim do

exterior, deve ter alterações de ritmos de plantação

aparentemente aleatórios representando uma floresta, a

presença de lanternas, de stepping stones com

espaçamentos e dimensões menores. O Jardim de

exterior pode ter stepping stones maiores, a presença

de elementos como pedras que podem aumentar a

rusticidade do espaço.

A cobertura do chão chega mesmo à base de

plantação da vegetação de maior porte e deve ser de

musgo ou ophiopogon. Uma das principais figuras neste

tipo de jardins é que cada planta deve ser apreciada pela sua forma natural de qualquer

ângulo. O tracejado deambulante dos stepping stones ajuda a criar estes diferentes pontos

de vista, da vegetação ou de qualquer elemento. O ritmo de pedras e distâncias entre estas

92. Imagem de Banco com Tejadilho

93. Jardim de Interior

94 e 95 . Elementos do Jardim do Chá: Stepping Stones e Lanterna.

96. Percurso do Jardim do Chá Ura Senke

Jardim Japonês shakkei

106 106

determina a velocidade do visitante, assim, a cada passo

dado, este é chamado a viver o momento, como

preparação para a cerimonia que vive de cada rito.

O Jardim não é desenhado para ser admirado da casa

do chá, mas durante todo o percurso. Onde o visitante é

confrontado com vários estímulos e elementos.

Devem ser colocados em pontos específicos bancos

ou espaços onde os visitantes se possam sentar

apreciando o jardim, estes podem estar associados a bacias de água, a lanternas, a

encruzilhadas de caminhos ou a portões.

Um jardim do chá tem como única função principal preparar os visitantes para a cerimonia

do chá, independentemente dos elementos que nele se colocam, ou da simplicidade com

que é apresentado. Sendo no entanto importante não esquecer, no desenho de um jardim

do chá, que as pessoas não se devem apressar pelo caminho fora e que vivam cada passo,

desta forma a casa de chá não deve estar completamente à vista nos diferentes pontos de

vista no caminho.

97. Cobertura do chão até ao limite de plantação.

98. Casa de chá 99 – Percurso no Jardim onde o pavimento se encontra coberto de musgo, à direita uma frondosa vegetação levanta-se acolhendo o espaço e atribuindo-lhe escala.

Jardim Japonês shakkei

107 107

A vegetação deve ser utilizada para filtrar o excesso de luz que acede á casa do chá, se

com muita luz é considerada uma distracção, ao inverso em zonas de pouca luz de inverno

deve optar-se por vegetação caduca e não persistente, de forma a haver luminosidade

suficiente. Geralmente planta-se um pinheiro nas traseiras da habitação, acima da linha do

telhado, de forma a aumentar profundidade ao jardim.


Top Related