Download - ITERS
-
QQuuaalliiddaaddee eemm CCoonntteexxttoo ddee CCrreecchhee::
IIddeeiiaass ee PPrrttiiccaass
SSllvviiaa AArraajjoo ddee BBaarrrrooss
Dissertao apresentada na Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao da Universidade do
Porto, para obteno do grau de Doutora em Psicologia.
O estudo aqui apresentado foi subsidiado pela Fundao para a Cincia e a Tecnologia
(referncia BD/10721/2002).
OOrriieennttaaddoorreess:: PPrrooffeessssoorr DDoouuttoorr JJooaaqquuiimm BBaaiirrrroo ee PPrrooffeessssoorraa DDoouuttoorraa TTeerreessaa BBaarrrreeiirrooss LLeeaall
22000077
-
RESUMO
Este trabalho teve como objectivo geral contribuir para o estudo da qualidade das creches em
Portugal, tendo em conta que poucas investigaes tm centrado a sua ateno neste contexto de
educao e desenvolvimento das crianas com menos de 3 anos de idade.
Participaram neste estudo 160 salas de creche do distrito do Porto, 110 responsveis pelas
salas de creche (educador de infncia ou auxiliar de educao) e 110 pais (pai ou me). Pretendia-se
(1) estudar as caractersticas mtricas dos dados recolhidos atravs do instrumento de avaliao da
qualidade Escala de Avaliao do Ambiente de Creche - Edio Revista (ITERS-R), (2) descrever a
qualidade das salas de creche do distrito do Porto, (3) identificar as caractersticas da creche
valorizadas por pais e por educadores de infncia/auxiliares de educao, (4) determinar a avaliao
que os pais e os educadores de infncia/auxiliares de educao fazem das creches e (5) comparar a
avaliao efectuada por pais, por educadores de infncia/auxiliares de educao e por observadores
externos. Para alm da ITERS-R, que permite avaliar a qualidade do ambiente de creche, foram
utilizados: uma medida do envolvimento do grupo de crianas, uma grelha para registo de
caractersticas estruturais da sala, guies de entrevistas semi-estruturadas para pais e para
educadores e questionrios para pais e para educadores.
De acordo com os resultados obtidos, (1) a ITERS-R permite a obteno de dados fidedignos
e vlidos, (2) as salas observadas possuem qualidade baixa, no tendo sido observadas salas de boa
qualidade, (3) os pais e os responsveis pelas salas de creche atribuem elevada importncia aos
critrios includos na ITERS-R, sendo os aspectos mais valorizados pelos pais e pelos responsveis
pelas salas de creche aqueles que se relacionam com as interaces e com as rotinas, (4) os pais e
os responsveis pelas salas de creche avaliam positivamente a creche que os filhos frequentam ou
onde trabalham, respectivamente, e (5) os observadores externos avaliam mais negativamente a
qualidade das salas de creche do que os pais e do que os responsveis pelas salas de creche.
Os resultados obtidos sugerem a efectiva necessidade de se investir na avaliao e promoo
da qualidade em contexto de creche, na formao dos educadores de infncia e dos auxiliares de
educao no que diz respeito ao trabalho com crianas com menos de 3 anos de idade e na
(in)formao dos pais, de modo a que estes sejam capazes de recolher informaes relevantes e
precisas sobre as creches, quer no momento da sua escolha, quer enquanto usufruem dos servios.
-
ABSTRACT
This work's main goal has been to contribute to the study of the quality of Portuguese child care
centers, keeping in mind that few studies have been focusing their attention on this type of educational
and developmental context for toddlers.
One hundred and sixty child care classrooms from the district of Porto, 110 classroom lead
teachers (trained or non-trained teachers) and 110 parents (mother or father) participated in this study,
which intended to (1) study the metric characteristics of the data collected using the Infant/Toddler
Environment Rating Scale - Revised Edition (ITERS-R), (2) describe the quality of child care classrooms
in the district of Porto, (3) identify the child care classrooms characteristics which parents and teachers
value the most, (4) determine how parents and teachers perceive the quality of child care centers and
(5) compare parents, teachers and external observers ratings of child care quality. Besides ITERS-R,
which assesses child care quality, other instruments were used: a group engagement measure, a form
to register the classroom's structural characteristics, a semi-structured interview and a questionnaire for
parents and teachers.
Results indicate that (1) the ITERS-R can be used to gather valid and reliable data, (2) the
observed classrooms show low quality, and no good quality classrooms were observed, (3) parents and
teachers give high importance scores for the criteria used in ITERS-R, with higher importance scores for
interactions and routines, (4) lead teachers, as well as parents, give high quality scores to classrooms,
and (5) parents and teachers assign substantially higher quality scores to those classrooms than the
external observers do.
These results suggest a real need to invest in the evaluation and promotion of child care quality,
in the training of teachers who work with children under 3 years of age, and in the education of parents,
so that they will be able to gather the necessary and specific information that helps them choose a child
care center and intervene while using the services.
-
RSUM
Le principal objectif de la prsent recherche est de contribuer ltude de la qualit des
crches au Portugal, le nombre dtudes menes sur ce contexte de lducation et de dveloppement
des moins de 3 ans tant assez faible.
Cent soixante salles de crche de la rgion de Porto, dont 110 responsables des classes
(lassistante maternelle ou laide maternelle) et 110 parents (le pre ou la mre) ont particip cette
tude. On prtendait alors (1) tudier les caractristiques mtriques des donnes recueillies par le biais
de lEchelle dEvaluation de lEnvironnement de la Crche Edition revue (ITERS-R), (2) dcrire la
qualit des classes de crche de la rgion de Porto, (3) identifier les caractristiques de la crche, telles
que perues comme importantes par les parents et par le personnel de la crche (lassistante
maternelle ou laide maternelle), (4) connatre lvaluation que les parents et le personnel de la crche
(lassistante maternelle ou laide maternelle) font des crches et (5) comparer lvaluation faite par les
parents, le personnel des crches et par des observateurs extrieurs. Outre l ITERS-R, qui permet
dvaluer la qualit de lenvironnement de la crche, ont aussi t utiliss dautres instruments dont une
mesure de lengagement du groupe denfants, une fiche dvaluation des caractristiques structurelles
de la salle de classe, des guides pour les interviews semi structures conduites auprs des parents et
du personnel de la crche, et des questionnaires qui ont t rpondus par les parents et par le
personnel de la crche .
Les rsultats indiquent que (1) l ITERS-R permet dobtenir des donnes valables et fiables,
(2) les salles observes sont de mauvaise qualit, nayant pas t observes des salles de bonne
qualit, (3) les parents et les responsables des salles de crche donnent beaucoup dimportance aux
critres voqus dans l ITERS-R, les critres les plus valoriss par les parents et par les responsables
des salles de crche tant les aspects qui concernent les interactions et les routines, (4) les parents et
les responsables des salles de crche classent positivement la crche o sont placs leurs enfants ou
celles o ils travaillent, respectivement et (5) les observateurs extrieurs valuent plus ngativement la
qualit des salles de crches que les parents et les responsables des mmes.
Les rsultats obtenus suggrent quil y a un besoin urgent ce que lon investisse dans
lvaluation et la promotion de la qualit dans les crches, dans la formation continue des assistantes
maternelles et des aides maternelles en ce qui concerne leur travail avec les enfants de moins de 3 ans
et dans linformation et la formation des parents pour quils puissent tre capables de recueillir des
informations importantes et prcises propos des crches, soit au moment de choisir, soit quand ils
sen servent.
-
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Doutor Joaquim Bairro, meu orientador desde o primeiro momento, por todas as
oportunidades de aprendizagem que proporcionou quer aqum quer alm-fronteiras.
Professora Doutora Teresa Leal pelo apoio inestimvel como orientadora deste trabalho j na
sua recta final.
A todos os participantes no estudo: creches, educadores, pais e crianas.
Aos investigadores da Universidade da Carolina do Norte (Chapel Hill), nomeadamente aos
Professores Doutores Thelma Harms, Richard Clifford e Debby Cryer, com quem tive
oportunidade de discutir este trabalho.
Carla e Mnica que tornaram a fase de recolha e introduo de dados menos penosa e,
acima de tudo, deram um novo significado palavra patroa.
Ceclia e Manuela pelo estmulo, pela amizade e por desde a primeira hora terem apoiado
este projecto.
Ao meu tio Antnio Brito, Joana Cadima, Catarina Grande, Carla Caetano, ao Mark Poole
e Doutora Adelina Barbosa, que de algum modo colaboraram na reviso deste trabalho.
Aos outros colegas e amigos, companheiros de investigao no CPDEC (Cristina Nunes, Ana
Madalena Gamelas, Helena Rosrio, Isabel Novais, Albino Lima, Ana Isabel Pinto, Isabel
Macedo Pinto, Maria Jos Alves, Patrcia Silva, Pedro Lopes dos Santos, Orlanda Cruz), pelas
oportunidades de reflexo e pelas interaces de elevada qualidade.
Aos meus pais, ao Hugo, Sofia e minha famlia em geral, por me apoiarem ao longo de todo
este percurso.
Ao Leandro, por ter respondido ao desafio de fazer a capa desta dissertao e por, nas fases
boas e, principalmente, nas menos boas, ter mantido a serenidade e ter tornado este trilho mais
agradvel.
-
NDICE GERAL
RESUMO ................................................................................................................................................ 3
ABSTRACT ............................................................................................................................................. 5
RESUM................................................................................................................................................. 7
AGRADECIMENTOS .............................................................................................................................. 9
NDICE GERAL..................................................................................................................................... 11
NDICE DE QUADROS......................................................................................................................... 15
NDICE DE FIGURAS ........................................................................................................................... 19
INTRODUO ...................................................................................................................................... 21
CAPTULO I: Evoluo e situao actual da educao e dos cuidados para crianas com
idade inferior a 6 anos em Portugal....................................................................................................... 29
1. Evoluo histrica dos servios para a infncia ................................................................................ 31
2. Situao actual dos servios e sua organizao............................................................................... 42
CAPTULO II: Educao e cuidados de elevada qualidade para crianas com idade inferior a 6
anos ...................................................................................................................................................... 49
1. Definio de educao e cuidados de boa qualidade ....................................................................... 51
1.1 Dimenses da qualidade: caractersticas de estrutura e caractersticas de processo ................. 56
1.2 Prticas promotoras do desenvolvimento das crianas ............................................................... 58
1.3 A promoo da qualidade ............................................................................................................ 62
2. Avaliao da qualidade dos contextos de educao e cuidados....................................................... 65
2.1 Como avaliar a qualidade ............................................................................................................ 65
2.2 Alguns resultados obtidos ............................................................................................................ 74
2.2.1 A avaliao da qualidade em Portugal ................................................................................ 74
2.2.2 As relaes entre qualidade de processo e qualidade estrutural......................................... 77
3. Efeitos da qualidade dos contextos de educao e cuidados no desenvolvimento da criana ......... 84
3.1 Alguns estudos longitudinais desenvolvidos nos EUA ................................................................. 87
3.2 Alguns estudos desenvolvidos em Portugal ou outros pases europeus ..................................... 97
3.3 Efeitos da qualidade dos contextos de educao e cuidados no desenvolvimento
cognitivo e socioemocional das crianas ........................................................................................... 99
4. Ideias dos pais e dos educadores sobre a qualidade dos contextos de educao e cuidados ....... 108
4.1 Ideias dos pais sobre critrios de qualidade .............................................................................. 109
4.2 Ideias dos educadores sobre critrios de qualidade .................................................................. 115
-
4.3 Ideias das crianas sobre critrios de qualidade........................................................................117
4.4 Ideias da populao em geral sobre critrios de qualidade .......................................................119
4.5 A avaliao da qualidade: confronto entre ideias e prticas ......................................................120
4.5.1 As ideias dos pais sobre a qualidade e as prticas observadas........................................120
4.5.2 As ideias dos educadores sobre a qualidade e as prticas observadas............................126
CAPTULO III: Enquadramento e objectivos do estudo.......................................................................129
CAPITULO IV: Mtodo ........................................................................................................................141
1. Participantes....................................................................................................................................143
1.1 Caracterizao das instituies e das salas...............................................................................143
1.2 Caracterizao dos educadores.................................................................................................145
1.3 Caracterizao dos pais.............................................................................................................146
2. Instrumentos....................................................................................................................................147
2.1 Qualidade das salas de creche avaliada por observadores externos ........................................147
2.1.1 Escala de Avaliao do Ambiente de Creche ITERS-R..................................................147
2.1.2 Registo do Envolvimento de Grupo - Check II ...................................................................151
2.1.3 Grelha de registo de caractersticas estruturais da creche e da sala.................................152
2.2 Critrios de qualidade valorizados por pais e educadores .........................................................152
2.2.1 Entrevista semi-estruturada ...............................................................................................153
2.2.2 Questionrios sobre Importncia dos Itens da ITERS-R para Pais e para Educadores ....153
2.3 Qualidade das salas de creche avaliada por pais e educadores................................................155
2.3.1 Questionrios de Avaliao do Ambiente de Creche para Pais e para Educadores..........155
2.4 Caractersticas sociodemogrficas dos pais e dos educadores.................................................157
2.4.1 Questionrio sobre caractersticas sociodemogrficas......................................................157
3. Procedimento ..................................................................................................................................157
3.1 Treino e acordo interobservadores.............................................................................................157
3.1.1 Escala de Avaliao do Ambiente de Creche ....................................................................157
3.1.2 Registo do Envolvimento de Grupo ...................................................................................157
3.2 Recolha de dados ......................................................................................................................158
3.2.1 Escala de Avaliao do Ambiente de Creche ....................................................................158
3.2.2 Registo do Envolvimento de Grupo ...................................................................................159
3.2.3 Entrevistas e questionrios para os pais ...........................................................................160
3.2.4 Entrevistas e questionrios para os educadores ...............................................................160
3.3 Anlises dos dados ....................................................................................................................161
-
3.3.1 Estudo qualitativo .............................................................................................................. 161
3.3.2 Estudo quantitativo ............................................................................................................ 170
CAPTULO V: Estudo e adaptao do instrumento ITERS-R ............................................................. 175
1. Traduo e pilotagem...................................................................................................................... 177
2. Caractersticas mtricas.................................................................................................................. 177
2.1 Dados relativos normalidade da distribuio e existncia de outliers................................... 178
2.2 Estatsticas descritivas ao nvel da escala e das subescalas..................................................... 178
2.3 Sensibilidade/poder discriminativo dos itens.............................................................................. 179
2.4 Fidelidade .................................................................................................................................. 183
2.4.1 Acordo interobservadores.................................................................................................. 183
2.4.2 Anlise da consistncia interna ......................................................................................... 184
2.5 Validade ..................................................................................................................................... 185
2.5.1 Estrutura factorial .............................................................................................................. 185
2.5.2 Relao com outras variveis e comparao entre grupos ............................................... 188
CAPTULO VI: Resultados .................................................................................................................. 193
1. Qualidade das salas de creche avaliada por observadores externos ............................................. 197
1.1 Resultados descritivos ............................................................................................................... 197
1.2 Relao com outras variveis e comparao entre grupos........................................................ 199
2. Critrios de qualidade valorizados pelos pais ................................................................................. 204
2.1 Estudo qualitativo....................................................................................................................... 204
2.2 Estudo quantitativo..................................................................................................................... 220
2.2.1 Resultados descritivos....................................................................................................... 220
2.2.2 Relao com outras variveis e comparao entre grupos ............................................... 222
3. Critrios de qualidade valorizados pelos educadores ..................................................................... 226
3.1 Estudo qualitativo....................................................................................................................... 226
3.2 Estudo quantitativo..................................................................................................................... 242
3.2.1 Resultados descritivos....................................................................................................... 242
3.2.2 Relao com outras variveis e comparao entre grupos ............................................... 244
4. Qualidade das salas de creche avaliada pelos pais........................................................................ 247
4.1 Resultados descritivos ............................................................................................................... 247
4.2 Relao com outras variveis e comparao entre grupos........................................................ 249
5. Qualidade das salas de creche avaliada pelos educadores............................................................ 254
5.1 Resultados descritivos ............................................................................................................... 254
-
5.2 Relao com outras variveis e comparao entre grupos........................................................256
6. Comparao entre resultados dos observadores externos, dos pais e dos educadores.................261
6.1 Critrios de qualidade valorizados por pais e por educadores (estudo qualitativo)....................261
6.2 Importncia atribuda aos critrios de qualidade por pais e por educadores (estudo
quantitativo)......................................................................................................................................264
6.3 Qualidade avaliada por pais, educadores e observadores externos..........................................265
6.4 Apreciao global ao nvel dos itens da ITERS-R......................................................................270
CAPTULO VII: Discusso de resultados e concluses ......................................................................275
1. O estudo da Escala de Avaliao do Ambiente de Creche ITERS-R...........................................277
2. Qualidade das salas de creche avaliada por observadores externos..............................................284
2.1 Qualidade global ........................................................................................................................284
2.2 Qualidade ao nvel das dimenses: Interaco-Linguagem, Actividades-Rotinas e
Espao-Adultos ................................................................................................................................287
2.3 Qualidade ao nvel dos itens ......................................................................................................288
2.4 Qualidade de processo e qualidade de estrutura.......................................................................296
2.5 Concluso e implicaes............................................................................................................302
3. Critrios de qualidade valorizados pelos pais..................................................................................306
4. Critrios de qualidade valorizados pelos educadores .....................................................................315
5. Qualidade das salas de creche avaliada pelos pais ........................................................................322
6. Qualidade das salas de creche avaliada pelos educadores............................................................327
7. Comparao entre resultados dos observadores externos, dos pais e dos educadores.................330
7.1 Critrios valorizados pelos pais e pelos educadores..................................................................330
7.2 Qualidade avaliada por pais, educadores e observadores externos..........................................336
8. Consideraes finais .......................................................................................................................346
CAPTULO VIII: Referncias bibliogrficas .........................................................................................355
-
NDICE DE QUADROS
Quadro 1. ITERS e competncias da CDA ........................................................................................... 68
Quadro 2. Correspondncia entre os contedos dos itens da ITERS-R e da legislao/outros
documentos aplicveis s creches ............................................................................................. 135
Quadro 3. Caractersticas estruturais das salas.................................................................................. 144
Quadro 4. Variveis sociodemogrficas dos educadores ................................................................... 145
Quadro 5. Caractersticas dos pais participantes................................................................................ 146
Quadro 6. Subescalas e itens da ITERS-R ......................................................................................... 148
Quadro 7. Coeficiente alfa de Cronbach de cada uma das subescalas .............................................. 151
Quadro 8. Coeficiente alfa de Cronbach das subescalas dos Questionrios sobre Importncia dos
Itens da ITERS-R ....................................................................................................................... 154
Quadro 9. Itens dos Questionrios sobre Importncia dos Itens da ITERS-R e de Avaliao do
Ambiente de Creche para Pais e para Educadores.................................................................... 155
Quadro 10. Sistema de categorias ...................................................................................................... 163
Quadro 11. Mdias, desvios-padro e amplitude dos dados ao nvel das subescalas da ITERS-R
(N = 160) .................................................................................................................................... 179
Quadro 12. Estatsticas descritivas dos dados da ITERS-R ao nvel dos itens................................... 180
Quadro 13. Percentagem de salas cotadas nos 7 pontos da escala em cada item ............................ 182
Quadro 14. Coeficiente de correlao corrigido entre os itens da ITERS-R e a escala ...................... 183
Quadro 15. Consistncia interna das subescalas da ITERS-R ........................................................... 185
Quadro 16. Anlise de componentes principais da ITERS-R, com rotao varimax........................... 187
Quadro 17. Teste t de Student para a qualidade mdia da creche, em funo do tipo de creche e
do estatuto profissional do educador.......................................................................................... 189
Quadro 18. Teste t de Student para o envolvimento de grupo, em funo dos resultados das salas
em trs componentes da qualidade............................................................................................ 190
Quadro 19. Testes univariados para a qualidade nas 3 componentes, em funo da faixa etria
das salas .................................................................................................................................... 192
Quadro 20. Consistncia interna dos dados das dimenses da qualidade ......................................... 196
Quadro 21. Estatsticas descritivas dos itens da ITERS-R.................................................................. 198
Quadro 22. Coeficientes de correlao de Spearman entre a qualidade das salas e outras
variveis ..................................................................................................................................... 200
Quadro 23. Teste t de Student para a qualidade avaliada por observadores externos, em funo
do estatuto profissional, do tipo de creche e da faixa etria ....................................................... 201
Quadro 24. Nmero e percentagem de pais que referiram cada categoria......................................... 204
Quadro 25. Nmero e percentagem de pais que referiram cada subcategoria ................................... 205
Quadro 26. Estatsticas descritivas da importncia atribuda pelos pais aos itens da ITERS-R ......... 222
Quadro 27. Coeficientes de correlao de Spearman entre a importncia mdia atribuda pelos
-
pais (34 itens) e variveis sociodemogrficas ............................................................................223
Quadro 28. Teste Mann-Whitney para a importncia mdia atribuda pelos pais (34 itens), em
funo do tipo de creche, da faixa etria da sala e do gnero do respondente..........................224
Quadro 29. Teste Mann-Whitney para a importncia mdia atribuda pelos pais s dimenses da
qualidade, em funo do tipo de creche, da faixa etria da sala e do gnero do respondente ..225
Quadro 30. Nmero e percentagem de educadoras que referiram cada categoria.............................226
Quadro 31. Nmero e percentagem de educadoras que referiram cada subcategoria .......................227
Quadro 32. Estatsticas descritivas da importncia atribuda pelos educadores aos itens da ITERS-
R.................................................................................................................................................243
Quadro 33. Coeficientes de correlao de Spearman entre a importncia atribuda pelos
educadores e variveis sociodemogrficas ...............................................................................244
Quadro 34. Teste Mann-Whitney para a importncia mdia atribuda pelos educadores (34 itens),
em funo do tipo de creche, da faixa etria da sala e do estatuto profissional do responsvel
pela sala .....................................................................................................................................245
Quadro 35. Teste Mann-Whitney para a importncia mdia atribuda pelos educadores s
dimenses de qualidade, em funo do tipo de creche, da faixa etria da sala e do seu
estatuto profissional....................................................................................................................246
Quadro 36. Estatsticas descritivas da qualidade avaliada pelos pais.................................................248
Quadro 37. Coeficientes de correlao de Spearman entre a qualidade avaliada pelos pais e
variveis de estrutura e sociodemogrficas................................................................................250
Quadro 38. Coeficientes de correlao de Spearman entre a importncia atribuda pelos pais aos
critrios de qualidade e a avaliao que faziam da qualidade da creche ...................................251
Quadro 39. Teste t de Student para a qualidade avaliada pelos pais, em funo do tipo de creche,
da faixa etria da sala, do estatuto profissional do responsvel pela sala e do sexo do
respondente................................................................................................................................251
Quadro 40. MANOVA para o efeito do tipo de creche, da faixa etria, estatuto profissional do
responsvel pela sala e do gnero do pai participante nas dimenses da qualidade avaliada
pelos pais....................................................................................................................................253
Quadro 41. Estatsticas descritivas da qualidade avaliada pelos educadores.....................................255
Quadro 42. Coeficientes de correlao de Spearman entre a qualidade avaliada pelos educadores
e variveis de estrutura e sociodemogrficas.............................................................................257
Quadro 43. Coeficientes de correlao de Spearman entre a importncia atribuda pelos
educadores aos critrios de qualidade e a avaliao que faziam da qualidade da creche.........257
Quadro 44. Teste t de Student para a qualidade avaliada pelos educadores (34 itens), em funo
do tipo de creche, da faixa etria e do estatuto profissional .......................................................258
Quadro 45. MANOVA para o efeito do tipo de creche, da faixa etria e do estatuto profissional do
responsvel pela sala nas dimenses da qualidade avaliada pelos educadores .......................259
Quadro 46. Nmero e percentagem de pais e de educadores que referiram cada subcategoria........263
-
Quadro 47. MANOVA para o efeito do estatuto do respondente (pais ou educadores) na
importncia atribuda s dimenses da qualidade...................................................................... 265
Quadro 48. Anlise de varincia univariada para medidas repetidas: qualidade das salas em
funo do avaliador .................................................................................................................... 267
Quadro 49. Coeficientes de correlao entre a avaliao efectuada por observadores externos,
pais e educadores ...................................................................................................................... 269
Quadro 50. Quadro-resumo das frequncias ou mdias relativas importncia atribuda (pais e
educadores) e avaliao efectuada (pais, educadores e observadores externos) para cada
item............................................................................................................................................. 271
-
NDICE DE FIGURAS
Figura 1. Exemplo de um item da Escala de Avaliao do Ambiente de Creche ................................. 150
Figura 2. Exemplo do Questionrio da Importncia dos Itens e da Avaliao do Ambiente de
Creche para Pais......................................................................................................................... 156
-
21
INTRODUO
O nmero de estruturas de educao para a infncia (nomeadamente creches e jardins-de-
infncia) existentes em Portugal tem vindo a aumentar. Se em 1996 a taxa de cobertura de estruturas
formais para crianas entre os 4 meses e os 3 anos de idade era de 12.65% (Vasconcelos, Orey,
Homem, & Cabral, 2002), a meta definida para 2010 de 33% (Instituto da Segurana Social, 2005a).
A expanso destas estruturas poder estar relacionada com a crescente procura de servios
extrafamiliares de cuidados para a infncia, associada ao elevado nmero de mes integradas no
mundo do trabalho. Adicionalmente, o crescente nmero de crianas que vivem com apenas um dos
pais e o crescente nmero de mulheres actuando como o nico ou principal responsvel por cuidar e
educar as crianas, garantindo ao mesmo tempo a subsistncia a nvel econmico, justificam tambm a
expanso dos servios de educao e cuidados (Organization for Economic Co-Operation and
Development [Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmicos OCDE], 2001). Por
outro lado, o reconhecimento da importncia das experincias educacionais durante os primeiros anos
de vida (Bairro & Tietze, 1995; Ministrio da Educao, 2000) tem tambm contribudo para o
aumento da taxa de cobertura da rede nacional de creches.
O investimento que se tem efectuado no sentido de aumentar o nmero de estruturas de
atendimento s famlias com crianas com idade inferior a 6 anos deve ser acompanhado por um
esforo de se melhorar a sua qualidade, tendo em considerao que os resultados da investigao tm
demonstrado que a qualidade das creches e dos jardins-de-infncia pode ter um impacto significativo
no desenvolvimento das crianas que os frequentam (e.g., Bryant et al., 2003; ECCE Study Group,
1997). Tem sido encontrado um relativo acordo entre os investigadores no que diz respeito s
condies que influenciam positivamente as crianas a curto e a longo prazo (OCDE, 2001), apesar de
as definies de qualidade no serem sempre consensuais. De facto, tm sido envidados esforos no
sentido de se definir qualidade em contexto de creche e de jardim-de-infncia, sem se obter uma
posio consensual. Diversos autores salientam o carcter transitrio das definies de qualidade, que
so influenciadas por factores como as crenas, as percepes sociais, os valores, os aspectos
culturais (e.g., Dahlberg, Moss, & Pence, 1999; European Commission Childcare Network, 1990; Moss,
1994). Melhuish (2001) refere que grande parte da investigao sobre educao em creche e jardim-
de-infncia assume que a qualidade reflecte o que propcio ao desenvolvimento da criana. No
mesmo sentido, a NAEYC (1998) define que um programa de elevada qualidade aquele que garante
um ambiente que promove o desenvolvimento das crianas nos vrios domnios, sendo igualmente
sensvel s necessidades e preferncias das famlias. A designao programas desenvolvimentalmente
-
Introduo
22
adequados utilizada pela NAEYC para se referir a estes programas.
A qualidade da educao e cuidados frequentemente conceptualizada em duas grandes
dimenses: qualidade de processo e qualidade estrutural. As caractersticas estruturais referem-se aos
aspectos da estrutura da sala, incluindo o rcio adulto-criana, o tamanho do grupo, a formao e a
experincia do pessoal, o espao por criana e outras medidas da qualidade das instalaes (Cost,
Quality & Child Outcomes Study Team, 1995); a qualidade de processo refere-se s experincias que
efectivamente ocorrem nos contextos de prestao de cuidados, incluindo as interaces das crianas
com os prestadores de cuidados e com os pares e a sua participao em diferentes actividades
(Vandell & Wolfe, 2000).
Os estudos que avaliam a qualidade das creches e dos jardins-de-infncia em Portugal tm
revelado que os servios disponveis so de qualidade pobre ou mnima (e.g., Abreu-Lima & Nunes,
2006; Aguiar, Bairro, & Barros, 2002). Contudo, em geral, os pais com crianas a frequentar creches e
jardins-de-infncia portugueses tm-se revelado satisfeitos com a qualidade dos servios (e.g., Folque,
1995; Ojala & Opper, 1994), o que comum a outros pases (e.g., Cryer & Burchinal, 1997). Parece
haver tambm uma tendncia para se encontrarem discrepncias entre a avaliao efectuada por
observadores externos e por educadores de infncia, acerca das suas salas (e.g., Sheridan, 2000), e
para haver pouca correspondncia entre o que valorizam em termos tericos e as suas prticas (e.g.,
McMullen, 1999a).
Tendo como objectivo principal contribuir para o estudo da qualidade das creches em Portugal,
com este trabalho pretendia-se (1) estudar a Escala de Avaliao do Ambiente de Creche Edio
Revista (ITERS-R; Harms, Cryer, & Clifford, 2003), (2) descrever a qualidade das salas de creche do
distrito do Porto, (3) identificar as caractersticas da creche valorizadas por pais e por educadores de
infncia/auxiliares de educao, (4) determinar a avaliao que os pais e os educadores de
infncia/auxiliares de educao fazem das creches e (5) comparar as perspectivas de pais, de
educadores e de observadores externos. Assim, este trabalho centra-se num dos contextos onde se
processa o desenvolvimento das crianas, assumindo como referncias modelos conceptuais que
encaram o desenvolvimento da criana como o resultado da interaco entre a pessoa e o contexto,
ultrapassando a velha contenda da importncia da natureza vs importncia do meio. Deste modo, o
modelo transaccional proposto por Sameroff e Fiese (1990, 2000) e a perspectiva
ecolgica/bioecolgica de Bronfenbrenner (desenvolvida desde 1979) sero referncias tericas
importantes para a realizao de todo este trabalho, semelhana do que tem acontecido noutros
estudos. Bairro (1995) considera que se verificou, na Psicologia da Educao, uma progressiva
-
Introduo
23
adeso s abordagens transaccionais e, sobretudo, a perspectivas ecolgicas, na medida em que
estas fornecem modelos mais poderosos para a compreenso dos fenmenos.
Sameroff e Chandler, em 1975, expuseram as contradies existentes nos estudos que
tentavam demonstrar que era unicamente a natureza ou unicamente o meio que prediziam os
resultados desenvolvimentais, argumentando os referidos autores que a natureza e o meio eram, de
facto, indissociveis (Sameroff & MacKenzie, 2003). Consideravam, deste modo, necessrio
desenvolver um modelo mais complexo acerca do desenvolvimento e apresentaram um modelo
transaccional, que combinava influncias da herana biolgica da criana e da experincia de vida num
sistema dinmico. O modelo transaccional tem sido um modelo de referncia, conceptualizando,
portanto, o desenvolvimento da criana como o produto das interaces dinmicas contnuas entre a
criana e a experincia que lhe proporcionada pela sua famlia e pelo contexto social mais vasto onde
se insere. Deste modo, o contexto no qual o desenvolvimento ocorre to importante como as
caractersticas da criana na determinao do sucesso do desenvolvimento. De acordo com os autores
que desenvolveram este modelo de regulao desenvolvimental, o funcionamento da criana o
produto das transaces entre o fentipo (a criana no seu estado actual), o mestipo (a fonte da
experincia externa) e o gentipo (a fonte da organizao biolgica). Ao nvel do mestipo, a
experincia da criana em desenvolvimento determinada atravs de cdigos: (1) cdigo individual
dos pais (crenas, valores e personalidade dos pais), (2) cdigo familiar (padres de interaco da
famlia e histria transgeracional) e (3) cdigo cultural (crenas de socializao, controlo e apoio da
cultura) (Sameroff & Fiese, 1990, 2000). Desde a sua concepo, o indivduo participa nas relaes
com os outros, que fornecem os elementos necessrios para o seu desenvolvimento fsico e
psicolgico. O peso relativo das regulaes dos outros e das auto-regulaes vai sendo alterado com o
tempo, aumentando progressivamente a importncia das auto-regulaes. Sameroff e Fiese (2000)
dividem as regulaes desenvolvimentais em trs categorias: (1) macrorregulaes (mudanas
intencionais importantes na experincia, que se mantm por longos perodos de tempo, como por
exemplo a entrada na escola), (2) minirregulaes (actividades de prestao de cuidados que ocorrem
diariamente, como a alimentao e a disciplina) e (3) microrregulaes (padres quase automticos de
interaces momentneas).
Na mesma linha, Bronfenbrenner, em 1974, definiu a Psicologia como uma "cincia do
comportamento de crianas em situaes estranhas com adultos estranhos (Bronfenbrenner, 1974, p.
3), alertando para a importncia de ter em ateno os diversos contextos nos quais as crianas se
desenvolvem. Cairns e Cairns (1995) ao efectuarem uma retrospectiva dos trabalhos de
Bronfenbrenner fazem referncia primeira srie de publicaes do autor, nas quais expressou muitas
-
Introduo
24
das ideias-chave que serviram de base para o desenvolvimento da ecologia social moderna. Apesar de
haver (ainda presentemente) quem pretenda estudar o indivduo sem atender ao seu contexto,
Bronfenbrenner em 1942, na sua dissertao de doutoramento, especificou que o desenvolvimento dos
indivduos no poderia ser considerado independentemente das organizaes sociais das quais faz
parte e que o desenvolvimento se pode aplicar no s ao indivduo, mas tambm prpria organizao
social (Bronfenbrenner, 1942).
O modelo proposto por Bronfenbrenner (1979) alerta para a importncia do ambiente
ecolgico, concebido como um conjunto de estruturas interligadas, cada uma includa na seguinte
como um conjunto de bonecas russas. Este autor definiu assim 4 sistemas, organizados em nveis
progressivamente mais abrangentes: o microssistema, o mesossistema, o exossistema e o
macrossistema (Bronfenbrenner, 1979). No nvel mais interno encontra-se o contexto imediato que
contm a pessoa em desenvolvimento, como por exemplo a casa, a sala de aula, o laboratrio ou a
sala onde decorre um teste: trata-se do microssistema. O microssistema refere-se ao padro de
actividades, papis, relaes interpessoais e experincias vividas pela pessoa em desenvolvimento
num dado cenrio, com caractersticas fsicas e materiais particulares (Bronfenbrenner, 1979) e contm
outras pessoas com caractersticas de temperamento, personalidade e crenas distintas
(Bronfenbrenner, 1989). Os acontecimentos ambientais que influenciam de forma mais imediata o
desenvolvimento da pessoa so as actividades nas quais se envolve com outras pessoas ou que estas
desenvolvem na sua presena. Dito por outras palavras, o envolvimento activo em actividades ou a
exposio ao que outras pessoas fazem leva o indivduo a desenvolver actividades semelhantes
(Bronfenbrenner, 1979).
O mesossistema inclui as interrelaes e processos que ocorrem entre cenrios que contm a
pessoa em desenvolvimento. Para uma criana de 2 anos, o mesossistema poder incluir as relaes
entre a famlia e a creche. Em suma, um mesossistema seria um sistema de microssistemas
(Bronfenbrenner, 1977). A capacidade de um contexto, como a casa, a escola ou o local de trabalho,
funcionar como um contexto promotor do desenvolvimento depende da existncia e da natureza das
ligaes sociais entre contextos, incluindo a participao conjunta, a comunicao e a existncia de
informao em cada contexto sobre o outro (Bronfenbrenner, 1979).
O nvel seguinte, exossistema, definido como um contexto que no contm a pessoa em
desenvolvimento estruturas sociais, formais ou informais mas no qual ocorrem acontecimentos que
afectam o contexto que inclui a pessoa (Bronfenbrenner, 1977, 1989). Por exemplo, para uma criana o
exossistema pode ser o local de trabalho dos pais, a escola frequentada por um irmo, a rede de
amigos dos pais, a vida familiar do professor. Os exossistemas podem ser importantes por duas
-
Introduo
25
razes: (1) porque incluem os outros significativos da vida da pessoa ou (2) porque nesses contextos
so tomadas decises que afectam a vida da pessoa (Bronfenbrenner, 1978).
Finalmente, o macrossistema inclui os padres mais abrangentes de estabilidade, ao nvel da
subcultura ou da cultura como um todo, atravs da organizao social e dos sistemas de crenas e
estilos de vida associados (Bronfenbrenner, 1978). O macrossistema engloba crenas, valores e
ideologias de uma dada sociedade e de uma determinada poca, incluindo no s aspectos
legislativos, princpios gerais e polticas educativas, mas tambm as representaes sociais que os
diferentes agentes de socializao tm acerca da criana e da sua socializao (Bronfenbrenner, 1977,
1989).
O modelo bioecolgico, resultante da reformulao do modelo ecolgico, define o
desenvolvimento como o fenmeno de continuidade e de mudana das caractersticas biopsicolgicas
dos seres humanos, quer enquanto indivduos, quer enquanto grupos. Este fenmeno estende-se ao
longo da vida, atravs de geraes sucessivas e ao longo do tempo histrico, quer passado, quer
futuro (Bronfenbrenner, 2001). Ao longo da vida, o desenvolvimento humano ocorre atravs de
processos progressivamente mais complexos de interaco entre um organismo humano
biopsicolgico activo em desenvolvimento e as pessoas, objectos e smbolos do seu ambiente externo
imediato. Para serem eficazes essas formas de interaco, designadas processos proximais e
consideradas o principal motor do desenvolvimento, devem ocorrer numa base regular ao longo de
extensos perodos de tempo (Bronfenbrenner, 2001). A forma, o poder, o contedo e a direco destes
processos variam em funo das caractersticas da pessoa em desenvolvimento, do ambiente, da
natureza dos resultados desenvolvimentais em questo e das continuidades e mudanas no ambiente,
ao longo do tempo. Por outras palavras, o desenvolvimento visto como produto de quatro
componentes e das relaes entre elas: o processo (processos proximais), a pessoa, o contexto e o
tempo (Bronfenbrenner & Morris, 1998). O processo, mecanismo primrio do desenvolvimento, inclui as
interaces entre a pessoa e o meio circundante e a sua influncia depende das caractersticas das
outras trs componentes: caractersticas da pessoa em desenvolvimento, caractersticas do ambiente
imediato e mais distante e os perodos de tempo, nos quais os processos proximais ocorrem.
Encarar o desenvolvimento como o resultado de processos complexos de interaco entre um
organismo humano activo e o seu ambiente externo igualmente central nos modelos de
contextualismo do desenvolvimento (Ford & Lerner, 1992) e de interaccionismo holstico (Magnusson &
Stattin, 1998). O modelo do contextualismo do desenvolvimento salienta a influncia recproca ou
dinmica dos processos biolgicos e psicolgicos (ou organismo) e das condies ambientais (ou
contextuais). Devido a esta relao recproca, cada uma destas dimenses transformada pela outra,
-
Introduo
26
isto , como resultado da interaco quer o indivduo quer o contexto se alteram (Ford & Lerner, 1992).
O modelo ecolgico do desenvolvimento humano proposto por Bronfenbrenner fornece um meio de
representar a ideia de que a socializao bidireccional que ocorre entre a criana e as outras pessoas
(pais, pares, professores) se situa num sistema complexo de redes sociais e de influncias da
sociedade, da cultura e da histria (Lerner, 1997). De acordo com o modelo de interaccionismo
holstico de Magnusson e Stattin (1998) os fenmenos psicolgicos reflectem aspectos de dois tipos de
processos de interaco: (1) processos contnuos de interaco bidireccional entre a pessoa e o seu
ambiente e (2) processos contnuos de interaco recproca entre factores mentais, biolgicos e
comportamentais do indivduo. Esta perspectiva fundamenta-se em quatro proposies bsicas: (1) o
indivduo funciona e desenvolve-se de forma global e integrada; (2) o funcionamento individual e a
modificao desenvolvimental devem ser descritos como processos complexos e dinmicos; (3) o
funcionamento e o desenvolvimento do indivduo so orientados por processos contnuos de interaco
recproca entre aspectos mentais, comportamentais e biolgicos do funcionamento do indivduo e
aspectos sociais, culturais e fsicos do ambiente; e (4) o ambiente, que inclui o indivduo, funciona e
muda atravs de processos contnuos de interaco recproca entre factores sociais, econmicos e
culturais.
Conscientes da complexidade de estudos que considerem todas as dimenses propostas por
estes modelos, no se pretende com este trabalho estudar, de facto, as transaces no verdadeiro
sentido que lhes atribui Sameroff, os quatro aspectos do modelo pessoa-processo-contexto-tempo ou
os processos contnuos de interaco recproca entre as crianas e as caractersticas das creches.
Contudo, os pressupostos apresentados subjazem ao presente trabalho. Por limitaes prticas e pelos
objectivos inerentes a este estudo emprico, no sero estudadas as questes do desenvolvimento e
do impacto da qualidade dos contextos no desenvolvimento das crianas, tendo sido efectuada todavia
uma reviso bibliogrfica aprofundada sobre a temtica, por constituir um dado que torna pertinente o
estudo da qualidade dos contextos. O presente estudo centra-se, portanto, na componente contexto
das perspectivas descritas, procurando contribuir para a avaliao da qualidade das estruturas formais
de educao para crianas com idades entre 1 e 3 anos.
Bronfenbrenner (2001) prope tambm que as caractersticas de qualquer contexto
cientificamente relevantes para o desenvolvimento humano incluem no apenas as suas propriedades
objectivas, mas tambm o modo como estas propriedades so subjectivamente experienciadas pelas
pessoas que vivem naquele ambiente. A European Commission Childcare Network (1990) define que
h trs perspectivas principais acerca da qualidade: a das crianas, a dos pais/famlias e a dos
-
Introduo
27
profissionais que cuidam directa ou indirectamente das crianas. Neste estudo sero consideradas as
ideias dos pais e dos educadores de infncia relativas qualidade da educao e cuidados, no sendo,
contudo, abrangidas as ideias das crianas, que so os receptores directos desses cuidados.
A presente dissertao organiza-se de acordo com a estrutura que, seguidamente, se
descreve.
Os captulos I e II apresentam os principais contedos analisados ao longo do processo de
reviso da literatura. No primeiro captulo descrita a evoluo dos servios de educao e cuidados
para crianas com menos de 6 anos de idade em Portugal e a situao actual dos servios. No captulo
II aborda-se especificamente o tema da qualidade dos contextos de educao e cuidados de crianas,
focando: (1) a definio de educao e cuidados de boa qualidade, (2) a avaliao da qualidade dos
contextos de educao e cuidados, (3) os efeitos da educao e dos cuidados de elevada qualidade e
(4) as ideias dos pais e dos educadores sobre a qualidade.
O captulo III enquadra a investigao emprica realizada, tendo como base a reviso de
literatura efectuada. So apresentados os objectivos, as questes e as hipteses de investigao.
O captulo IV dedicado descrio detalhada do mtodo utilizado na presente investigao,
incluindo a caracterizao dos participantes (instituies e salas de creche, educadores/auxiliares de
educao e pais), a apresentao dos instrumentos utilizados para a recolha de dados e explicitao
dos procedimentos utilizados no decurso da preparao da recolha de dados e na prpria recolha de
dados. So descritos ainda, neste captulo, os procedimentos de anlise de dados utilizados.
No captulo V so apresentadas as caractersticas mtricas dos dados obtidos com a verso
portuguesa do instrumento ITERS-R, sendo apresentadas igualmente as suas potencialidades para a
avaliao da qualidade das creches em Portugal.
O captulo VI apresenta os resultados obtidos, tendo sempre como referncia as questes de
investigao formuladas para este estudo. Os resultados so apresentados em seis seces: (1)
qualidade das salas de creche avaliada por observadores externos, (2) critrios de qualidade
valorizados pelos pais, (3) critrios de qualidade valorizados pelos educadores, (4) qualidade das salas
de creche avaliada pelos pais, (5) qualidade das salas de creche avaliada pelos educadores e (6)
comparao entre resultados dos observadores externos, dos pais e dos educadores.
Finalmente, no captulo VII procede-se discusso dos resultados obtidos, referindo-se a
confirmao/infirmao das hipteses definidas. So salientados os aspectos considerados mais
relevantes, tendo em conta os objectivos da investigao e os resultados de investigaes anteriores.
Reflecte-se tambm acerca das implicaes deste estudo, bem como acerca das suas limitaes.
-
CAPTULO I: Evoluo e situao actual da educao e dos
cuidados para crianas com idade inferior a 6 anos em Portugal
-
31
1. Evoluo histrica dos servios para a infncia
A evoluo dos servios de educao e cuidados para crianas dos 0 aos 6 anos de idade em
Portugal est ligada sequncia de acontecimentos polticos e econmicos nacionais e internacionais.
Como referem diversos autores, a histria da educao pr-escolar no nosso pas semelhante
verificada noutros pases europeus, todavia com um atraso significativo no que se refere implantao
e ao nmero de jardins-de-infncia oficiais (Pessanha, 2005; Bairro, Leal, Abreu-Lima, & Morgado,
1997).
O incio e um maior desenvolvimento na criao de instituies para crianas pequenas
comearam por observar-se nos pases mais industrializados. A Revoluo Industrial acentuou a
necessidade, que j antes tinha comeado a evidenciar-se, de se pensar na guarda das crianas, em
consequncia da grande mobilizao de mo-de-obra feminina, tendo as primeiras instituies surgido
em Inglaterra (1816) e em Frana (1826) (Cardona, 1997). Apesar de haver vrios autores que
mencionam estas datas, Davidson e Maguin (1986) referem que a primeira creche conhecida foi criada
em 1770, em Frana, pelo proco de Ban de la Roche, para ajudar as famlias que estavam ocupadas
com os trabalhos no bosque.
O impacto da Revoluo Industrial em Portugal no foi to significativo como noutros pases e,
apesar de a primeira instituio ter sido criada ainda durante o perodo da monarquia, apenas nos anos
70, do sc. XX, foi criada uma rede pblica de jardins-de-infncia dependentes do Ministrio da
Educao (Cardona, 1997).
A educao pr-escolar surgiu em Portugal no sculo XIX associada, segundo o Ministrio da
Educao (2000), ao desenvolvimento de novos valores relativos educao da criana e do cidado e
ao progressivo processo de industrializao, que foi acompanhado pelo movimento das populaes
para as zonas urbanas, pela procura de nveis de educao mais elevados, pelo acesso das mulheres
ao mundo do trabalho e por alteraes da estrutura da famlia. Assim, a educao pr-escolar foi
adquirindo maior reconhecimento e procura. Em 1834 foi criada a primeira instituio para crianas,
integrada na Sociedade das Casas da Infncia Desvalida, cuja funo era sobretudo assistencial, mas
sublinhando desde sempre a importncia da funo educativa. Em 1870 foi definido, num projecto de
lei, que, apesar da entrada para a escola primria ser aos 7 anos, se abria a possibilidade de as
crianas a poderem frequentar a partir dos 5 anos de idade. Somente num decreto de 1878 foram
definidas as condies para a criao dos chamados Asilos da Educao para as crianas dos 3 aos
6 anos, em todo o pas (Cardona, 1997).
-
Captulo I
32
Em 1882, ano comemorativo do centenrio de Froebel, foi criado em Lisboa um Jardim-de-
Infncia pblico. Com a publicao da Cartilha Maternal Joo de Deus, em 1876, foi criada a
Associao de Escolas Mveis, que tinha como principal finalidade a criao de jardins-escola que
funcionassem segundo o mtodo Joo de Deus (Cardona, 1997). Apesar de haver apenas um Jardim-
de-infncia (ou talvez dois, sendo difcil ter a certeza se o segundo chegou a funcionar), j em 1893,
Jos Augusto Coelho mencionava um currculo para a escola infantil, orientado para crianas dos 3
aos 8 anos de idade, bem como os princpios em que se deveria basear um currculo deste tipo
(Bairro, Barbosa, Borges, Cruz, & Macedo-Pinto, 1990).
Particularmente importante para o desenvolvimento de estruturas destinadas a crianas com
menos de 3 anos de idade foi a determinao em 1890, como resultado da Conferncia de Berlim, da
obrigatoriedade de todas as fbricas com mais de 50 trabalhadoras criarem creches, sendo definidas
as condies mnimas de sade e higiene para o seu funcionamento (Cardona, 1997).
At ao fim da monarquia, foram publicados vrios decretos que regulamentavam a educao
de infncia, nomeadamente no que se refere sua funo e seleco do pessoal, que deveria ser
constitudo por pessoas do sexo feminino, habilitadas com o curso de formao de professoras da
escola primria. No decreto que data de 1902 houve uma maior valorizao do papel da escola infantil
na promoo do desenvolvimento intelectual das crianas e na preparao para a entrada na escola
primria (Cardona, 1997).
Apesar de todas estas iniciativas, foi s aps a Implantao da Repblica (1910) que a
educao pr-escolar adquiriu um estatuto especfico no sistema oficial de ensino (Ministrio da
Educao, 2000). Durante o perodo da Primeira Repblica (1910 1932) observaram-se algumas
oscilaes no modo de conceber a educao de infncia: por um lado, a influncia do modelo escolar,
sendo definida como misso primordial a instruo e preparao para a escolarizao futura; por outro,
a tendncia para valorizar a especificidade a que este ensino deve obedecer, tendo em conta as
caractersticas psicolgicas das crianas. No decreto de 1911, foi valorizada a ligao da escola infantil
com a educao familiar da criana (Cardona, 1997). Nesta altura, foram dadas vrias orientaes,
nomeadamente de tipo escolar, mas salientava-se que as lies deveriam ter uma durao reduzida e
que deviam basear-se nos interesses das crianas, valorizando as caractersticas ldicas da escola
infantil. Tambm em 1911, foi criada a rede privada de Jardins-Escolas Joo de Deus e, paralelamente,
foi criado oficialmente o ensino infantil para crianas de ambos os sexos, com idades entre os 4 e os 7
anos (Ministrio da Educao, 2000). Apesar da preocupao dos republicanos em legislar, devido ao
estado econmico catico do pas, elevada taxa de analfabetismo e instabilidade poltica, entre
1910 e 1926 foram criados apenas 12 novos jardins-de-infncia (Bairro et al., 1990). Vasconcelos
-
Evoluo e situao actual dos servios
33
(2000) considera importante ressaltar, dessa poca, a actividade notvel da pedagoga Irene Lisboa,
inspectora das classes infantis oficiais.
A qualidade da formao de professoras era muito valorizada no perodo da Primeira
Repblica, de modo que, em 1916, foram enviadas professoras para o Curso Internacional de Maria
Montessori. O Estado, neste perodo, demonstrava atribuir elevada importncia a este nvel de ensino,
evidenciando-se um esforo notrio em definir detalhadamente as suas normas de funcionamento. Em
1923, salientava-se a importncia de a formao de todos os docentes passar a ser realizada em
Faculdades de Cincias da Educao, comeando pelas jardineiras de infncia das escolas infantis, o
que veio a acontecer apenas em 1986. Quanto ao ensino infantil, a proposta de lei de 1923 reforava a
necessidade de serem criadas mais escolas pblicas, tendo em conta que as poucas escolas
existentes, na sua grande maioria, tinham surgido de iniciativas privadas. Em 1924, numa portaria
assinada por Antnio Srgio, ento Ministro da Instruo Pblica, foi sugerido que o trabalho dos
professores fosse influenciado pelos modelos de Maria Montessori e de Decroly, quando a principal
influncia que se fazia sentir era a de Froebel. A escolha destes autores reforava a ideia de que o
conhecimento da criana se deveria basear nos estudos realizados em Psicologia e no em reflexes
filosficas sobre a natureza humana (Cardona, 1997).
Em 1926, na altura do golpe de Estado, a taxa de crianas que frequentavam estabelecimentos
de educao infantil era de 1% (Ministrio da Educao, 2000). Durante o perodo do Estado Novo
(1933 1973), a educao passou a ser valorizada como doutrinao, como forma de propaganda das
ideias do regime, devendo a instruo do povo restringir-se s noes mais bsicas. A educao das
crianas mais novas era considerada uma tarefa essencialmente destinada s mes de famlia,
devendo as mulheres ficar em casa para cuidar dos seus filhos. Seguindo esta ideia, em 1934 foi
publicado um decreto que terminava com a obrigatoriedade de as fbricas terem creches para os filhos
das mulheres trabalhadoras (Cardona, 1997). Em 1937 o ensino infantil oficial foi extinto e a Obra
Social das Mes para a Educao Nacional passou a ser responsvel pelo apoio s mes na tarefa de
educar os filhos (Ministrio da Educao, 2000), agindo de acordo com as ideias do regime (Cardona,
1997). Em 1944 foi criado o Fundo de Socorro Social e novamente determinada a obrigatoriedade de
as fbricas possurem creches para os filhos das trabalhadoras, mas as sanes em caso de
incumprimento eram irrisrias. As escolas infantis oficiais foram fechadas ou transformadas e as nicas
instituies que continuavam a funcionar sob a dependncia do Estado tinham uma funo
essencialmente assistencial, sendo menosprezada a sua funo educativa (Cardona, 1997).
Durante este perodo, os cursos de formao para o ensino infantil foram alterados, passando
em 1930 a ser um complemento do curso de formao para o ensino primrio e em 1932 passou a
-
Captulo I
34
funcionar de forma diferenciada, mas com a durao de apenas um ano. A criao da Escola Normal
Social, em 1939, reforou a funo assistencial atribuda a estas instituies, uma vez que as
assistentes de servio social eram formadas para poderem trabalhar em instituies de educao de
infncia. A Associao Joo de Deus, perante a necessidade de formar educadoras para os seus
jardins-escola, criou um curso de formao, para funcionar de acordo com as orientaes que
preconizava: mtodo centrado no desenvolvimento intelectual da criana, partindo duma concepo
integradora do processo educativo, sem a interrupo entre a educao pr-escolar e a escolar
(destinava-se a crianas dos 3 aos 8 anos de idade). Apesar de vrias vezes ter sido defendida a sua
adopo a nvel nacional, tal no veio a acontecer, ficando as educadoras circunscritas s instituies
da Associao (Cardona, 1997).
A educao foi muito desvalorizada desde os primeiros anos do Estado Novo, mas nos anos
50 iniciou-se um processo de mudana, alentado pela adeso ao Projecto Regional do Mediterrneo,
no qual participavam Portugal, Espanha, Grcia e Jugoslvia e que tinha, entre outros, o objectivo de
analisar a articulao entre as necessidades de mo-de-obra e a capacidade de resposta do sistema
educativo. Durante esta dcada o nmero de instituies privadas sofreu um grande aumento, o que
acarretou a criao de escolas de formao, tambm privadas. O Ministrio da Educao manteve a
sua posio, limitando-se a fiscalizar e conceder autorizao para o funcionamento das instituies
privadas (Cardona, 1997). Surgiram em 1954, em Lisboa, num contexto religioso, as duas primeiras
escolas de formao de educadoras de infncia de iniciativa particular: o Instituto de Educao Infantil
e a Escola de Educadores de Infncia (Bairro et al., 1990).
Os anos 60 marcaram o incio de uma nova mudana e a educao de infncia foi
particularmente valorizada como forma de promover o desenvolvimento cognitivo e como ajuda
fundamental na preparao para a vida futura das crianas. Comeou a falar-se da funo
compensatria, sobretudo em relao s crianas mais desfavorecidas. No incio dos anos 60,
comearam a organizar-se alguns grupos de trabalho de professores e educadores, inspirados pelas
ideias do Movimento da Escola Moderna, baseado na pedagogia de Freinet, e desenvolveram-se
experincias inovadoras, apesar de muito reprimidas pelo governo. Em 1963 criaram-se grupos de
trabalho, ainda na sequncia da participao de Portugal no Projecto Regional do Mediterrneo
(Cardona, 1997). No final dos anos 60, no mbito do Ministrio da Sade e Assistncia, foram criados
jardins-de-infncia e creches, como consequncia das mudanas ocorridas no pas e com uma funo
supletiva da famlia, substituindo-a durante o horrio de trabalho dos pais ou outros impedimentos,
datando igualmente desta dcada o servio de amas e a creche familiar (Ministrio da Educao,
2000). Foram criados cursos para auxiliares de educao em vrios locais, que foram encerrados aps
-
Evoluo e situao actual dos servios
35
o 25 de Abril de 1974 (Cardona, 1997). Nos anos 60, foram fundadas por todo o pas escolas privadas
para formao profissional de educadoras, que pertenciam maioritariamente a instituies religiosas
(Bairro et al., 1990).
Nos anos 70, aps a substituio de Antnio de Oliveira Salazar por Marcelo Caetano, sendo
Veiga Simo o Ministro da Educao, falava-se na necessidade de reforma do sistema educativo. Em
1971 foi criada a Comisso Coordenadora da Instalao de Infantrios e Jardins-de-infncia. No ano
seguinte o Gabinete de Estudos e Planeamento da Aco Educativa apresentou dois relatrios: um
referente aos objectivos da educao de infncia e o outro relativo criao e organizao de cursos
pblicos de formao para educadores. A formao de educadores de infncia passou, nessa altura, a
efectuar-se nas escolas do Magistrio.
Outros relatrios foram publicados nos anos 70, incluindo recomendaes para o
funcionamento das instituies. Em 1973 a Comisso Permanente Interministerial para o
Desenvolvimento Social publicou um documento no qual falava da existncia de Centros de Bem-estar
Social, que teriam as valncias de creche (para crianas dos zero aos 2 anos) e de jardim-de-infncia
(dos 3 aos 5 anos). Este documento privilegiava a funo social das instituies, focando a
necessidade de colaborao com as famlias, deixando a funo educativa em segundo plano. Nas
creches, os grupos de crianas deveriam ser orientados por enfermeiras, sendo considerado prioritrio
assegurar a qualidade dos cuidados de sade e higiene. Contudo, no mesmo ano foi divulgado outro
relatrio do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministrio da Educao que salientava a
necessidade de coordenar as funes educativa e social (Cardona, 1998). Ainda em 1973, com a
reforma do sistema educativo de Veiga Simo, a educao de infncia foi reintegrada no sistema
educativo, determinando-se que a educao pr-escolar se destinaria s crianas dos 3 aos 6 anos,
no sendo, porm, a sua frequncia obrigatria. Foram tambm institudas as Escolas Normais de
Educadores de Infncia (Ministrio da Educao, 2000). Foi atribuda Direco Geral do Ensino
Bsico a superintendncia na organizao, criao e funcionamento de estabelecimentos pblicos,
mas tambm a orientao pedaggica da educao particular com fins lucrativos ou com organizao
cooperativa, em colaborao com a Inspeco-Geral do Ensino Particular (at data responsvel pela
superviso dos estabelecimentos) (Ministrio da Educao, 2000).
Na sequncia do 25 de Abril de 1974 defendeu-se a necessidade de definir uma poltica
socioeducativa global de apoio maternidade e infncia (Cardona, 1997), tendo o sistema educativo
pr-escolar registado alteraes relevantes, nomeadamente: (1) aumento significativo do nmero de
jardins-de-infncia e creches, escolas de formao de educadoras e estabelecimentos de ensino
especial; (2) criao de novos estabelecimentos por iniciativa das prprias comunidades e do poder
-
Captulo I
36
local; e (3) tentativa de coordenao dos servios de educao infantil, que passaram a estar
dependentes fundamentalmente de dois ministrios, o Ministrio da Educao e o Ministrio do
Emprego [da Solidariedade] e Segurana Social (Bairro et al., 1997). Este desenvolvimento foi
acompanhado, segundo os mesmos autores, por uma progressiva consciencializao dos problemas
sociais e culturais com que se defrontava uma grande camada da populao e da necessidade de criar
alternativas de atendimento s crianas, nomeadamente em zonas econmica e socialmente
desfavorecidas. A Constituio da Repblica Portuguesa inclui um artigo, artigo 67., que reconhece a
obrigao do Estado de desenvolver uma rede nacional de apoio aos cuidados de infncia e atribui s
crianas, no artigo 69., um estatuto especial de proteco por parte da sociedade e do Estado face a
qualquer forma de discriminao (Cruz, Fontes, & Carvalho, 2003). Comeou a ser dada cada vez mais
importncia s caractersticas sociolgicas das crianas, para alm das psicolgicas, valorizando-se as
suas vivncias familiares e a necessidade de estas serem integradas como contedos fundamentais
das prticas educativas. A necessidade de se encontrar resposta para a questo da guarda dos filhos
das mulheres trabalhadoras era uma das grandes preocupaes. Em 1975 a UNESCO apresentou um
relatrio no qual foram apresentadas propostas para a generalizao do ensino pr-escolar, pelo
menos para as crianas de 4 e 5 anos (Cardona, 1997).
Os primeiros anos aps o 25 de Abril foram conturbados, em diversos sectores, incluindo o da
educao, tendo sido criados e anulados diversos organismos. Em 1977, a lei n. 5/77 definia a criao
da rede oficial de educao pr-escolar para crianas a partir dos 3 anos de idade, sem explicitar,
contudo, as condies necessrias para o seu funcionamento e no fazendo qualquer referncia s
crianas mais novas. Alm da funo compensatria, era preconizada a abertura das instituies
comunidade, nomeadamente atravs da participao dos pais. De facto, num relatrio tambm
apresentado em 1977, a perspectiva da educao compensatria comeava at a ser criticada.
Relativamente formao, foi criado o ensino superior de curta durao, mais tarde designado Ensino
Superior Politcnico, prevendo-se a criao das Escolas Superiores de Educao, o que veio a
acontecer apenas em 1986 (Cardona, 1997).
Em 1978, foi publicado um decreto que especificava as condies para a implementao da
rede pblica de instituies e deixava de utilizar a designao de centros de educao pr-escolar,
voltando a ser utilizada a expresso jardim-de-infncia (Cardona, 1997). Em Dezembro do mesmo ano
foi oficializada a criao das primeiras instituies da rede pblica do Ministrio da Educao,
regulamentada pela lei n. 5/77 (Ministrio da Educao, 2000). Com a criao desta rede pblica de
jardins-de-infncia, passaram a funcionar duas redes oficiais: uma dependente do Ministrio da
Educao e outra dependente da Segurana Social (Cardona, 1997). Esta situao continua hoje a
-
Evoluo e situao actual dos servios
37
existir: a primeira destinada a crianas a partir dos 3 anos de idade; a segunda destinada a crianas
com menos de 3 anos de idade. Segundo Cardona (1997), a multiplicidade de servios um dos
factores que afectam negativamente o funcionamento da educao de infncia em Portugal: h grande
diversidade de instituies, sendo diferentes as suas normas de funcionamento e as concepes
educativas subjacentes. Em 1997, Bairro et al. alertavam igualmente para esta dificuldade,
considerando que as estruturas pr-escolares que se encontram sob tutela do Ministrio do Trabalho e
Solidariedade Social se orientam segundo um modelo de tipo assistencial, atendendo sobretudo s
necessidades dos pais que trabalham, e que as instituies que se encontram sob tutela do Ministrio
da Educao apresentam um modelo de funcionamento do tipo educacional. De facto, esta situao
traz alguns inconvenientes, podendo a mesma instituio ser tutelada por dois ministrios diferentes.
Tal como defende Coelho (2004), o primeiro obstculo que, em Portugal, parece dificultar a
organizao adequada dos programas relaciona-se com a inexistncia, ao contrrio do que sucede na
grande maioria dos estados membros da Unio Europeia, de uma poltica educativa que considere
globalmente a infncia, pelo menos no que se refere s crianas com idade inferior de ingresso na
escolaridade obrigatria.
Retomando a sequncia histrica dos acontecimentos, em 1979 foi publicado o Estatuto dos
Jardins-de-infncia (Decreto-Lei n. 542, de 31 de Dezembro), no qual se regulamentava a educao
pr-escolar e se estabeleciam os critrios no sentido de garantir os direitos e deveres dos profissionais
e normas de funcionamento para uma educao de qualidade (Ministrio da Educao, 2000).
Em 1986 foi publicada a Lei de Bases do Sistema Educativo, perodo em que a educao de
infncia comeou por ser valorizada pela sua funo de pr-escolarizao, considerando-se o papel
importante que poderia desempenhar no combate ao insucesso escolar. Esta perspectiva contradizia
as ideias defendidas pela maioria dos profissionais, que a consideravam redutora em relao s
finalidades mais vastas deste nvel de ensino (Cardona, 1997). A Lei de Bases do Sistema Educativo
(definida, portanto, em 1986 e alterada em 1997 e 2005) define que a educao pr-escolar
complementar e/ou supletiva da aco educativa da famlia, com a qual estabelece estreita
cooperao e tem como objectivos: a) estimular as capacidades de cada criana e favorecer a sua
formao e o desenvolvimento equilibrado de todas as suas potencialidades; b) contribuir para a
estabilidade e a segurana afectivas da criana; c) favorecer a observao e a compreenso do meio
natural e humano para melhor integrao e participao da criana; d) desenvolver a formao moral
da criana e o sentido da responsabilidade, associado ao da liberdade; e) fomentar a integrao da
criana em grupos sociais diversos, complementares da famlia, tendo em vista o desenvolvimento da
sociabilidade; f) desenvolver as capacidades de expresso e comunicao da criana, assim como a
-
Captulo I
38
imaginao criativa, e estimular a actividade ldica; g) incutir hbitos de higiene e de defesa da sade
pessoal e colectiva; h) proceder despistagem de inadaptaes, deficincias ou precocidades e
promover a melhor orientao e encaminhamento da criana. definida a faixa etria a que se
destinam os servios (dos 3 anos at ao ingresso no ensino bsico), sublinhada a necessidade de
articulao com a famlia e atribuda ao Estado a incumbncia de assegurar a existncia de uma rede
de educao pr-escolar (Lei n. 49/2005, de 30 de Agosto).
Ainda em 1986 foi criada a Comisso de Reforma do Sistema Educativo e em 1987 foram
criadas as Direces Regionais de Educao. Estas medidas no serviram para ampliar o nmero de
estruturas existentes, facto que veio a acontecer no ano lectivo 1988/89 com a criao de uma
comisso interministerial, com representantes do Ministrio da Educao e do Ministrio da Assistncia
Social (Cardona, 1997). Na verdade, no que se refere Reforma Educativa, e uma vez que esta incidiu
essencialmente na reestruturao dos currculos, a educao pr-escolar acabou por no ser
abrangida, devido no existncia de um currculo.
Em 1995, foi elaborado pelo Ministrio da Educao o Plano de Expanso da Rede de
Estabelecimentos de Educao Pr-escolar, com o objectivo de assegurar o acesso de um maior
nmero de crianas a estabelecimentos que garantissem a funo de educao e guarda (Ministrio da
Educao, 2000). Foram disponibilizados incentivos financeiros s entidades privadas, para a abertura
de salas de educao pr-escolar. No ano seguinte, com um novo Governo, o Ministrio da Educao
lanou o Programa de Expanso e Desenvolvimento da Educao Pr-escolar, em parceria com o
Ministrio do Trabalho e Segurana Social e o Ministrio do Equipamento, do Planeamento e da
Administrao do Territrio, com o objectivo de concertar esforos (Ministrio da Educao, 2000).
Em 1997 foi aprovada a Lei-Quadro da Educao Pr-escolar (Lei n. 5/97, de 10 de
Fevereiro), que considera que a educao pr-escolar a primeira etapa da educao bsica no
processo de educao ao longo da vida, sendo complementar da aco educativa da famlia, com a
qual deve estabelecer estreita cooperao, favorecendo a formao e o desenvolvimento equilibrado
da criana, tendo em vista a sua plena insero na sociedade como ser autnomo, livre e solidrio. A
Lei-Quadro refora o papel do Estado na criao da rede pblica de educao pr-escolar, no apoio a
outras entidades (na medida em que as ofertas da rede pblica sejam insuficientes), na definio das
normas gerais da educao pr-escolar e no apoio especial s zonas carenciadas. O Ministrio da
Educao assume a tutela pedaggica de toda a rede institucional, para crianas dos 3 aos 6 anos de
idade, definindo esta lei que as redes de educao pr-escolar so constitudas por uma rede pblica
e uma rede privada, complementares entre si, visando a oferta universal e uma boa gesto dos
recursos pblicos. A Lei-Quadro define, portanto, como redes do pr-escolar a rede pblica e a rede
-
Evoluo e situao actual dos servios
39
privada e ainda outras modalidades da educao pr-escolar: a educao de infncia itinerante e a
animao infantil comunitria. semelhana da Lei de Bases do Sistema Educativo, tambm esta lei
define os objectivos da educao pr-escolar: a) promover o desenvolvimento pessoal e social da
criana com base em experincias de vida democrtica numa perspectiva de educao para a
cidadania; b) fomentar a insero da criana em grupos sociais diversos, no respeito pela pluralidade
das culturas, favorecendo uma progressiva conscincia do seu papel como membro da sociedade; c)
contribuir para a igualdade de oportunidades no acesso escola e para o sucesso da aprendizagem; d)
estimular o desenvolvimento global de cada criana, no respeito pelas suas caractersticas individuais,
incutindo comportamentos que favoream aprendizagens significativas e diversificadas; e) desenvolver
a expresso e a comunicao atravs da utilizao de linguagens mltiplas como meios de relao, de
informao, de sensibilizao esttica e de compreenso do mundo; f) despertar a curiosidade e o
esprito crtico; g) proporcionar a cada criana condies de bem-estar e de segurana,
designadamente no mbito da sade individual e colectiva; h) proceder despistagem de
inadaptaes, deficincias e precocidades, promovendo a melhor orientao e encaminhamento da
criana; i) incentivar a participao das famlias no processo educativo e estabelecer relaes de
efectiva colaborao com a comunidade.
Na sequncia da Lei-Quadro da Educao Pr-escolar, foram definidos pelo Despacho
conjunto n. 268/97, do Ministrio da Educao e do Ministrio da Solidariedade e Segurana Social
(actualmente Ministrio do Trabalho e da Solidariedade Social), os requisitos pedaggicos e tcnicos
para a instalao e funcionamento de estabelecimentos de educao pr-escolar.
Tambm em 1997, o Ministrio da Educao publicou as Orientaes Curriculares para a
Educao Pr-escolar, definidas como um conjunto de princpios para apoiar o educador nas decises
sobre a sua prtica, ou seja, para conduzir o processo educativo a desenvolver com as crianas
(Ministrio da Educao, 1997). Este documento no considerado um programa, nem um currculo,
trata-se apenas de indicaes para o educador (Ministrio da Educao, 1997). As orientaes
curriculares tm constitudo uma importante referncia para a educao de infncia no nosso pas,
incluindo orientaes relativas organizao do ambiente educativo, s reas de contedo (rea de
formao pessoal e social, rea de expresso e comunicao, rea de conhecimento do mundo),
continuidade educativa e intencionalidade educativa.
Em 2001, foram publicados dois decretos-lei que regulamentam o perfil do educador de
infncia: Decreto-Lei n. 240/2001, que corresponde ao Perfil Geral de Desempenho Profissional do
Educador de Infncia e dos Professores dos Ensinos Bsico e Secundrio, e o Decreto-Lei n.
241/2001, que corresponde ao Perfil Especfico de Desempenho Profissional do Educador de Infncia.
-
Captulo I
40
Estes documentos constituam o quadro de orientao a que se encontravam subordinadas a
organizao e a acreditao dos cursos de formao inicial. O perfil do Educador de Infncia dever
ser considerado vlido para todos os servios destinados a crianas com idade inferior a 6 anos,
especificando que a formao do educador de infncia pode, igualmente, capacitar para o
desenvolvimento de outras funes educativas, nomeadamente no quadro da educao das crianas
com idade inferior a 3 anos, apesar de a sua formulao continuar, de algum modo, a privilegiar o
trabalho desenvolvido com crianas dos 3 aos 6 anos de idade. O Estudo Temtico realizado pela
OCDE referia o seguinte: nota-se a falta de formao especfica para os que trabalham com as
crianas dos 0 aos 3 anos de idade, embora os educadores de infncia, aps a licenciatura, tambm se
ocupem delas nas creches onde trabalham (OCDE, 2000). Os cursos de formao de educadores de
infncia (a par de todos os outros cursos do Ensino Superior) encontram-se actualmente em
reformulao, com o objectivo de serem adaptados de acordo com o Processo de Bolonha, cujo
objectivo a criao do Espao Europeu do Ensino Superior (cf. The Bologna Declaration, 1999). O
novo regime de habilitao profissional para a docncia exige que o mestrado seja o ciclo de estudos
mnimo para exercer funes de docente em qualquer nvel, o que abrange os educadores de infncia
(Decreto-Lei n. 43/2007).
No que diz respeito especificamente s creches, o Ministrio do Trabalho e da Solidariedade
disponibilizou, em 1996, os Guies Tcnicos para a creche, que definem as suas condies de
implantao, localizao, instalao e funcionamento (Rocha, Couceiro, & Madeira, 1996). Este
documento divide-se em 10 normas, sendo que a primeira define o mbito de aplicao do
regulamento, a segunda define os objectivos especficos das creches, a terceira define as condies
gerais de implantao, localizao e instalao da creche, a quarta enumera e descreve os espaos
que a creche deve compreender (trio de acolhimento, trio de servio, berrio, salas de actividades e
refeies, instalaes sanitrias, cozinha e anexos, gabinetes e espaos de apoio), a quinta refere
caractersticas g