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Investigação de Acidentes – Qual método adotar?
Accident investigation – Which should method be adopted?
Resumo: Selecionar um método de investigação de acidente a partir de um grande número de
métodos disponíveis não é um processo simples. Alguns fatores, entretanto, podem ajudar nesta
seleção, como por exemplo, a facilidade de utilização, a adequabilidade ao sistema sócio-
técnico onde ocorreu o acidente e ao tipo acidente que será investigado. O objetivo deste artigo
é apresentar uma visão geral de alguns métodos desenvolvidos na literatura e sugerir critérios
que podem ajudar a escolher um método que deve ser adotado em uma investigação de
acidentes.
Palavras-chave: prevenção, critérios, seleção, sistema
Abstract: Accident investigation method selection from many available methods is not a
simple process. Some factors, however, may help it, such as easy to apply, suitability to the
socio-technical system where the accident occurred and the type of accident. The purpose of
this article is to present an overview of some methods developed in the literature and to suggest
criteria that may help investigator to choose an accident investigation method.
Keywords: prevention, criteria, selection, system
Resumen: La selección de un método de investigación de accidentes a partir de un gran número
de métodos disponibles no es un proceso simple. Algunos factores, sin embargo, pueden ayudar
en esta selección, como, por ejemplo, la facilidad de uso, la adecuación al sistema socio-técnico
donde ocurrió el accidente y el tipo accidente que será investigado. El objetivo de este artículo
es presentar una visión general de algunos métodos desarrollados en la literatura y sugerir
criterios que pueden ayudar a elegir un método que se debe adoptar en una investigación de
accidentes.
Palabras clave: prevención, criterios, selección, sistema
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1 INTRODUÇÃO
Acidentes de trabalho se constituem um problema de saúde pública em todo o mundo,
por serem potencialmente fatais, incapacitantes e acometerem, em especial, pessoas jovens e
em idade produtiva, levando a grande impacto sobre a produtividade e a economia. No Brasil,
morrem em média 2.800 trabalhadores anualmente vítimas de acidentes, considerando apenas
o setor formal da economia (BRASIL, 2014). Mensurar as perdas com os acidentes envolve
uma equação complexa, pois uma parcela das perdas é invisível (como a perda da vida,
mudança na vida e na atividade de trabalho do acidentado, impactos na vida da família e
diminuição de sua qualidade de vida), que não é possível quantificar (WEIL, 2001). No entanto,
estas perdas devem e podem ser prevenidas. Neste contexto, a investigação de acidente é
importante meio para ajudar a entender como eles ocorrem, identificar os fatores contribuintes
que levaram ao sinistro e propor medidas apropriadas para prevenção de novos acidentes no
futuro (SALMON et al., 2012).
A investigação de acidentes deve seguir um método, pois este é essencial para o
entendimento de como o acidente ocorreu (HSE, 2004; LUNDBERG et al., 2009). Assim,
muitos métodos têm sido desenvolvidos e descrito na literatura nas últimas décadas, motivado
principalmente pela incapacidade de se estabelecer métodos que possam ser aplicados em todos
tipos de sistemas sócio-técnicos e em diferentes tipos de acidentes, além da ineficiência de
alguns deles de propor recomendações que tenham o efeito desejado (HOLLNAGEL e
SPEZIALI, 2008). Autores com Svedung e Rasmussen (2002), Hollnagel (2004) e Leveson
(2004) desenvolveram seus próprios métodos, enquanto Wagenaar e Schrier (1997), Benner
(1985), Sklet (2004) e Katsakiori et al. (2009) pesquisaram e analisaram diversos métodos.
Destarte, muitas organizações e autoridades desenvolveram seus métodos e manuais.
Cada método tem diferentes áreas de aplicação, qualidade e deficiências. Eles também
diferem entre si em relação a base teórica, tipo de representação dos fatores contribuintes e os
resultados que produzem (SKLET, 2004). Lundberg et al. (2009) argumenta que métodos
diferem como eles capturam a realidade do acidente. Um método pode focar sobre um fator X,
enquanto outro pode ressaltar o fator Y. Alguns métodos, devido a sua característica, podem
omitir fatores que para outros são importantes, ou seja, um método direcionará o investigador
para considerar certos aspectos e outros não. Para exemplificar, uns métodos podem enfatizar
aspectos técnicos, outros aspectos humanos e outros fatores legais. Estudos realizados por
Svenson et al. (1999) mostram que é evidente os efeitos nos resultados da investigação do
acidente pelo tipo de método utilizado.
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Selecionar um método de investigação de acidente a partir de um grande número de
métodos disponíveis não é um processo simples. Alguns fatores, entretanto, podem ajudar nesta
seleção, como por exemplo, a facilidade de utilização, a adequabilidade ao sistema sócio-
técnico onde ocorreu o acidente e ao tipo acidente que será investigado. (UNDERWOOD E
WATERSON, 2013).
O objetivo deste artigo é apresentar uma visão geral de alguns métodos desenvolvidos na
literatura e sugerir critérios que podem ajudar a escolher um método que deve ser adotado em
uma investigação de acidentes.
2 INVESTIGAÇÃO E ANÁLISE DE ACIDENTES
Segundo Hollnagel e Speziali (2008) a diferença entre investigação e análise de acidentes
está no escopo. Investigação de acidentes tem um escopo mais amplo, envolvendo o
planejamento da investigação, alocação de recursos, prazos, coleta e análise de dados e
informações, recomendações, implementação e avaliação dos efeitos das recomendações. A
análise de acidente, por sua vez, tem um escopo mais restrito, focando em entender como o
acidente ocorreu com base nos dados e informações disponíveis, ou seja, é uma fase ou parte
da investigação.
3 MODELOS DE ACIDENTE
Os modelos de acidentes proveem os princípios que podem explicar como os acidentes
ocorrem. Eles são uma forma de recorrer ao conjunto de axiomas, pressupostos, crenças e fatos
sobre acidentes, que formam as bases teórica para explicar e entender esses eventos
(HOLLNAGEL E SPEZIALI, 2008). Já os métodos descrevem como a investigação deve
realizada na prática, com a finalidade de produzir uma explicação para o acidente, é o passo-a-
passo da investigação, limitando as interpretações subjetivas. Alguns métodos podem estar
alinhado ou ser baseados em modelos de acidentes, como será descrito mais à frente.
Hollnagel (2004) classifica modelos de acidentes em três categorias: modelo sequencial,
modelo epidemiológico e modelo sistêmico. Outras classificações existem na literatura
(KATSAKIORI et al., 2009) e esta categorização não é obrigatória, mas ajuda a entender a
evolução dos diferentes tipos de modelos de acidentes e a sua influência no desenvolvimento
dos métodos de investigação. A seguir uma breve descrição sobre cada uma das categorias
citadas acima.
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3.1 MODELO DE ACIDENTE SEQUENCIAL
Este modelo assume que um indesejado evento, conhecido como causa raiz, inicia a
sequência de eventos que leva ao acidente e que a relação causa-efeito entre os eventos
consecutivos é linear e determinístico. Isto implica que resultado do acidente é uma causa raiz,
que se identificada e removida, o acidente não mais ocorrerá (QURESHI, 2007).
O primeiro modelo sequencial foi proposto por Heinrich (1941), o qual ele chamou de
teoria do dominó. Esta teoria representa o acidente por uma sequência de cinco pedras de
dominó posicionadas de modo que a queda de uma desencadeia a queda das subsequentes
(figura 1). Desta forma, um acidente pode ser prevenido se uma ou mais pedras do dominó for
removida ou parar de cair.
Figura 1 -Teoria do dominó de Heinrich
Fonte: Cooper (1998)
Os modelos classificados nessa categoria são atrativos por que eles estimulam a pensar o
acidente mais com uma serie causal do que uma rede de causas (HOLLNAGEL, 2004).
Ademais, são fáceis de representar graficamente, o que facilita a comunicação dos resultados.
Assim, esses modelos tornaram-se base para muito métodos de investigação de acidentes. No
entanto, eles foram adequados para explicar acidentes ocorridos em sistemas sócio-técnicos
simples até meados do século 20. A partir de então, sua capacidade tornou-se limitada para
explicar acidentes com o surgimento de sistemas sócio-técnicos mais complexos (exemplo:
petroquímicas, extração de óleo e gás, aviação civil), onde múltiplos fatores se inter-relacionan
de forma complexa, não linear, contribuindo para a falha no sistema (HOLLNAGEL, 2004;
QURESHI, 2007).
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3.2 MODELO DE ACIDENTE EPIDEMIOLÓGICO
Modelo epidemiológico ver o acidente como uma combinação de fatores latentes e falhas
ativas dentro do sistema sócio-técnico. Como o nome indica, os modelos desta categoria fazem
uma analogia do acidente com uma doença que se espalha no corpo do sistema. Fatores latentes
(exemplo: práticas gerencias, falta de manutenção) são “agentes patogênicos” que podem ficar
adormecidos dentro do sistema por longo período de tempo (REASON, 1998), mas criam as
condições no ambiente organizacional que influenciam negativamente na realização das tarefas,
induzindo o indivíduo a falhas ativas, como por exemplo, violações e erros. Portanto, as
consequências adversas dos fatores latentes somente se tornam evidentes quando combinadas
com as falhas ativas, para quebrar as defesas do sistema.
O mais conhecido exemplo de modelo epidemiológico apresentado na literatura é modelo
de Queixo Suíço desenvolvido por Reason (1998), o qual tem sido base conceitual para vários
métodos de investigação de acidentes. A figura 2 mostra uma representação deste modelo, onde
os queixos representam as defesas do sistema, os buracos nos queixos representam os fatores
latentes e as falhas ativas. Quando os buracos coincidem (combinação de fatores latentes e
falhas ativas), as barreiras do sistema são ultrapassadas e os acidentes acontecem.
Figura 2 -Modelo do queixo suíço
Fonte: Adaptado de Reason (1998)
Os modelos epidemiológicos superam as limitações dos modelos sequenciais, pois
apresentam melhor os fatores organizacionais como fatores contribuintes, indo além das causas
próximas aos acidentes, dando uma compreensão mais ampla do ocorrido (HOLLNAGEL,
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2004; UNDERWOOD E WATERSON, 2013). Entretanto, esses modelos ainda seguem o
princípio de causa-efeito, nos quais se baseiam os modelos sequenciais, isto é, descrevem uma
direção linear das causas do acidente, o que não consegue explicar os acidentes ocorridos em
sistema sócio-técnico complexos. Outra crítica aos modelos epidemiológicos é que eles têm
uma visão estática dos sistemas sócio-técnicos, que são dinâmicos (QURESHI, 2007). Por
essas razões, a partir do final da década de 1990, muitos pesquisadores, como Rasmussen
(1997) e Svedung e Rasmussen (2002), argumentam que os modelos epidemiológicos não têm
capacidade de explicar os acidentes ocorridos nos sistemas sócio-técnicos complexos. Os
modelos de acidente sistêmicos foram então propostos como uma solução.
3.3 MODELO DE ACIDENTE SISTÊMICO
Os modelos sistêmicos consideram o sistema como um todo e descrevem o acidente como
resultante de uma relação descontrolada de suas partes constituintes. Estes modelos surgiram
no final dos anos 1990 e refletem o aumento de complexidade dos sistema sócio-técnico, que
apresentam uma diversidade de fatores contribuintes para um acidente. Estes fatores estão
presentes em diferentes níveis do sistema e existe uma complexa interação entre esses fatores.
Fatores externos tais como político, cultural, econômico, financeiro e tecnológica também
contribuem para o acidente (BRANDFORD, 2011). A partir desta perspectiva, os acidentes não
acontecem pela combinação de fatores latentes e falhas ativas, e a simples remoção de causa
raiz na previne o acidente de ocorrer. Uma abordagem holística é requerida para que as
deficiências da segurança em todo sistema possam ser identificadas. Os modelos sistêmicos têm
sido base para desenvolvimento de muitos métodos de investigação de acidentes, como por
exemplo, Accimap (SVEDUNG E RASMUSSEN, 2002), FRAM (HOLLNAGEL, 2004) e
CAST (LEVESON, 2011).
Uns dos mais citados exemplos na literatura de modelo sistêmico é o chamado Conflicting
objectives (objetivos contraditórios numa tradução livre) desenvolvido por Rasmussen (1997).
Segundo este modelo, os objetivos contraditórios, como por exemplo: pressões financeiras e
sobrecarga de trabalho, fazem as organizações migrarem para fronteira do risco aceitável, com
a degradação das defesas do sistema. Se a fronteira do risco aceitável for ultrapassada ocorrerá
o acidente (figura 3).
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Figura 3 - Modelo Conflicting objectives
Fonte: Cambraia et al. (2008)
4 MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO DE ACIDENTE
Como mencionado acima, muitos métodos de investigação de acidentes foram
desenvolvidos e descrito na literatura nas últimas décadas, sendo impraticável descrever todos
eles aqui. No entanto, para atendimento dos objetivos deste artigo, apenas alguns deles serão
descritos sucintamente a seguir, os quais foram selecionados com base nos seguintes critérios:
são descritos na literatura, mostram a evolução dos métodos de investigação e são
frequentemente citados.
4.1 ÁRVORE DE FALHAS
Neste método, um indesejado evento é selecionado e todos possíveis causas que
contribuíram para o evento são colocadas em um diagrama (árvore), com a finalidade de
mostrar uma conexão lógica entre elas (figura 4). A análise começa com o evento indesejado,
que é relacionado com as condições e os eventos precedentes. O resultado da investigação é
uma lista de possíveis combinação de causas ambientais, humanas e falhas de componentes,
que levaram ao acidente. É um método analítico, usado em muitos tipos de acidentes não muito
complexos, que está associado com o modelo sequencial de acidente.
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Figura 4 - árvore de falhas
Fonte: internet (http://alsconsultoria.net.br/analise-quantitativa-de-risco-aqr/)
4.2 ÁRVORE DE CAUSAS
Leplat (1978) desenvolveu o método de árvore de causas no final dos anos 1970 para o
Instituto Nacional de Pesquisa e Segurança (INRS) da França, por isto, este método é
frequentemente chamado de INRS método. A ideia básica do método é que os acidentes
resultam de variações ou desvios. Existem quatro tipos de variações: relativos ao indivíduo (I),
a tarefa (T), material (M) e o método de trabalho (MT).
A árvore começa com o acidente e fatos relativos ao acidente são usados na construção
da árvore (figura 5). O investigador deve identificar uma lista de variações e então colocá-las
na árvore, mostrando a relação causal entre elas. Como o método de árvore de falhas, descrito
no item anterior, está associado com o modelo sequencial e pode ser usado em diferentes tipos
de acidentes não complexos.
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Figura 5 - árvore de causas
Fonte: internet (http://rogeriobpaiva.blogspot.com.br/2016/03/artigo-sobre-o-metodo-de-arvores-de.html)
4.3 ANÁLISE DE BARREIRA
O objetivo deste método é identificar os perigos associados com o acidente e as barreiras
que deveriam existir para evitá-lo. As barreiras são meios usados para controlar, prevenir ou
impedir que o perigo se propaga. Os seguintes passos são seguidos na análise de barreira: 1)
identificar os perigos relacionados ao acidente; 2) identificar cada barreira para controlar,
prevenir ou impedir a propagação do perigo; 3) identificar o desempenho de cada barreira; 4)
identificar as causas das falhas ou ausência das barreiras; 5) identificar as consequências das
falhas das barreiras. O método é usado em diferentes tipos de acidentes e não está associado a
nenhum modelo de acidente citado acima.
4.4 ANÁLISE DE MUDANÇA
Mudança é qualquer situação que perturba o equilíbrio do sistema, que estava operando
como planejado (SKLET, 2004). Em uma investigação na qual este método esteja sendo usado,
o investigador identifica as diferenças entre a situação livre de acidentes e a situação com o
acidente. As diferenças identificadas entre as duas situações são avaliadas, para determinar se
elas contribuíram para o sinistro. O método é usado em diferentes tipos de acidentes e não está
associado a nenhum modelo de acidente citado acima.
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4.5 WORK ACCIDENT INVESTIGATION TECHINQUE (WAIT)
WAIT, sigla em inglês de Work Accident Investigation Technique, foi desenvolvido em
Portugal por Jacinto e Aspinwall (2003), com a finalidade de investigação de acidentes no
trabalho. O método tem um questionário e prover um guia específico para coleta de
informações. Tem duas fases de investigação: A primeira permite a identificação de falhas
ativas, com sequência de eventos e consequências. Nesta fase, também são identificados fatores
associados com o ambiente de trabalho. A segunda fase, inclui a identificação de fatores do
indivíduo, gerenciais e organizacionais. Tem como base o modelo epidemiológico de acidente.
4.6 INVESTIGANDO ACIDENTE E INCIDENTE (HSE)
Health and Safety Executive da Inglaterra (HSE, 2004) desenvolveu este método com a
finalidade de prover um guia de investigação de acidentes para empregadores, sindicatos e
profissionais de segurança. É baseado no modelo epidemiológico Queixo Suiço desenvolvido
por Reason (1998). O objetivo do método é identificar as causas imediatas, subjacentes e causas
raízes, que levaram ao acidente. Uma lista com causas raízes e subjacentes mais comuns é
fornecida.
4.7 TRIPOD
Tripod foi desenvolvido nos meados dos anos 1990 (WAGENAAR et al., 1994), baseado
no modelo de acidente epidemiológico Queixo Suiço desenvolvido por Reason (1998), com a
finalidade de ser aplicado na indústria do petróleo. As causas organizacionais são o foco
principal deste método, pois são responsáveis pelas falhas ativas dos operadores, que levam ao
acidente. As causas organizacionais são latentes, existem na organização muito antes dos
acidentes, e quando contribuem para o acidente, são sempre seguidas de falhas humanas e
técnicas (figura 6).
Figura 6 – método Tripod
Fonte: Sklet (2004)
Falhas
latentes
Precondição Falhas
Ativas
Falhas de
controles e
barreiras
cid
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4.8 ACCIMAP
O método Accimap foi desenvolvido por Rasmussen (1997) e está associado com o
modelo sistêmico de acidente. Para aplicação do método, os seguintes níveis são analisados: 1.
Governo (inclui executivo, legislativo e judiciário), 2. Corpo regulatória (inclui órgãos do
governo responsáveis pela fiscalização), 3. Gestão da organização, 4. Gestão técnica e
operacional, 5. Processo físico e 6. Equipamentos e ambiente. São identificados fatores que
contribuíram para o acidente em cada um destes níveis, bem como a inter-relação entre eles. O
método é aplicado principalmente em sistema sócio-técnico e acidentes complexos.
4.9 CASUAL ANALYSIS BASED ON STAMP (CAST)
CAST é sigla em inglês que significa Causal Analysis based on STAMP, que, em uma
livre tradução, significa análise de causa baseado no STAMP (Systems-Theoritic Accident
Model and Process). CAST foi desenvolvido pela pesquisadora americana Levenson (2004). O
CAST tem nove passos que devem ser seguidos para a investigação do acidente (a descrição de
cada um deles foge do escopo deste artigo) e toda a estrutura de controle da segurança deve ser
construída (em todos os níveis, semelhante ao Accimap), para entender em qual nível houve
falhas e porquê. O método é aplicado principalmente em sistema sócio-técnico e acidentes
complexos.
4.10 FUNCTIONAL RESSONANCE ANALYSIS METHOD (FRAM)
FRAM foi desenvolvido por Hollnagel (2004) e descreve uma visão geral do sistema na
análise do acidente. O objetivo do método é entender as características das funções do sistema.
O método leva em consideração propagação não linear dos eventos que contribuem para o
acidente baseado no conceito de variabilidade normal da performance das funções do sistema
e a ressonância desta variabilidade. O método está associado modelo sistêmico de acidentes e
é aplicado principalmente em sistema sócio-técnico complexos.
O Quadro 1 mostra os métodos descritos acima com campo de aplicação e modelo ao
qual está alinhado.
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Quadro 1 – métodos de investigação de acidentes
Método Campo de aplicação Modelo de acidente associado
Árvore de falhas Diferentes tipos de acidentes Sequencial
Árvore de causas Diferentes tipos de acidentes Sequencial
Análise de Barreira Diferentes tipos de acidentes Nenhum
Análise de mudança Diferentes tipos de acidentes Nenhum
WAIT Acidentes ocupacionais Epidemiológico
HSE Acidentes ocupacionais Epidemiológico
Tripod Acidentes complexos Epidemiológico
Accimap Acidentes complexos Sistêmico
CAST Acidentes complexos Sistêmico
FRAM Acidentes complexos Sistêmico
Fonte: Autor
5 SELEÇÃO DE MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO DE ACIDENTE
O uso de um método para investigar acidente apoia o investigador durante o processo de
investigação, na apresentação dos resultados e na proposição de recomendações (SKLET,
2004). Assim, a seleção de um método, que atenda as expectativas do investigador (por
exemplo, facilidade de uso) e também seja adequado ao cenário do acidente (por exemplo, tipo
de acidente e complexidade do sistema sócio-técnico), é um importante passo para o êxito da
investigação, pois existem muitos diferentes métodos disponíveis. Para ajudar nesta escolha,
alguns critérios foram propostos na literatura (KATSAKIORI et al., 2009; HOLLNAGEL E
SPEZIALI, 2008; SKLET, 2004; UNDERWOOD E WATERSON, 2013), sendo descritos,
neste artigo, aqueles mais frequentemente citados.
5.1 REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DA SEQUÊNCIA DE EVENTOS
Os métodos que oferecem uma representação gráfica do acidente podem ser úteis durante
o processo de investigação, porque dão um fácil entendimento dos eventos que levaram ao
acidente e a relação entre eles. Além disso, facilitam a comunicação entre os investigadores e
possibilitam identificar facilmente eventuais falta de informações ou ausência de link entre os
eventos. Tripod, árvore de falhas, método de árvore de causas, função de barreiras e Accimap
são exemplos de métodos que apresentam essa característica.
5.2 NÍVEL DE ABRANGÊNCIA
Os níveis de abrangência de uma investigação podem variar da seguinte forma: nível 1: a
atividade e o sistema tecnológico (equipamentos, máquinas, etc); nível 2: os empregados,
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incluindo a supervisão; nível 3: a gestão; nível 4: a organização; nível 5: os reguladores
(incluindo os órgãos de fiscalização) e nível 6: o governo. Método de investigação selecionado
influenciará na abrangência alcançada. Por exemplo, os métodos Accimap, CAST e FRAM
abrangem todos os seis níveis de análise, com o objetivo de identificar os fatores contribuíram
para o acidente em cada um deles. Já os métodos Tripod e análise de mudança são menos
abrangentes e investigam somente os níveis de 1 ao 4, enquanto os métodos árvore de falhas e
análise de barreira têm uma abrangência ainda menor, investigando apenas os níveis 1 e 2.
5.3 NECESSIDADE DE TREINAMENTO
Alguns métodos são práticos e fáceis de usar, dispensando a necessidade de experts
treinados para usá-los. Árvore de falhas, árvore de causas, Accimap, CAST e FRAM são
exemplos de métodos que necessitam de expert para utilizá-los. Análise de mudança e HSE são
de fácil uso e podem ser usados sem maiores necessidades de treinamento, apenas com uma
introdução ao método.
5.4 TIPO DE ACIDENTE E SISTEMA SÓCIO-TÉCNICO
A seleção do método deve levar em consideração o tipo de acidente que será investigado
e o tipo de sistema sócio-técnico onde ocorreu o sinistro. No caso de acidentes e sistema sócio-
técnico complexos, onde fatores contribuintes podem ser identificados em diferentes níveis,
como mencionado no item 5.2, e pode existir uma inter-relação complexa entre eles, é
recomendado um método que possibilite uma análise mais abrangente, como Accimap, CAST e
FRAM. Por outro lado, métodos menos abrangentes como o WAIT e HSE podem ser usados em
acidentes mais simples.
5.5 RECURSOS NECESSÁRIOS
A escolha do método deve levar em consideração os recursos necessários para utilizá-lo, tais
como a quantidade de pessoas, horas de trabalho, documentação e informações necessárias, uso
de software, etc. Cita-se como exemplo de um método que demanda muito recursos o CAST,
pois exige tempo para coleta de informações e de documentos necessários para sua utilização.
5.6 EXISTÊNCIA DE ACIDENTES SEMELHANTE ANTERIOR
A ocorrência anterior de acidentes semelhantes ao que será investigado deverá ser
considerada na escolha do método, pois se acidentes voltam a ocorrer, é interessante que a
investigação seja ampliada, com o objetivo de identificar fatores contribuintes em diferentes
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níveis do sistema. Para exemplificar, se foi usado um método com poucos níveis de abrangência
(exemplo, árvore de falhas) na investigação de um acidente que ocorreu em um sistema sócio-
técnico complexo, seria importante avaliar uso de método mais abrangente (exemplo,
Accimap).
O Quadro 2 mostra um resumo dos critérios descritos acima relacionando-os com cada
método apresentado anteriormente.
Quadro 2 – métodos de investigação e critérios de seleção
Método Representação gráfica Níveis de
abrangência
Treinamento Tipo de acidente e
sistema sócio-técnico
Recursos
Árvore de falhas Sim 1-2 Alto Simples Médio
Árvore de causas Sim 1-3 Alto Simples Médio
Análise de
Barreira
Não 1-2 Introdução Simples Baixo
Análise de
Mudança
Não 1-4 Introdução Simples Baixo
WAIT Não 1-4 Introdução Simples Baixo
HSE Não 1-4 Introdução Médio Baixo
Tripod Não 1-4 Médio Complexo Médio
Accimap Sim 1-6 Alto Complexo Alto
CAST Não 1-6 Alto Complexo Alto
FRAM Sim 1-6 Alto Complexo Alto
Fonte: Autor
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS E PROPOSTAS
Os acidentes quase nunca resultam de uma simples causa, muitos deles envolvem
múltiplos fatores complexos inter-relacionados, presentes em diferentes níveis do sistema, tais
como tais como governo, reguladores, organizacional e gerencial e suas interações com a
atividade do trabalho.
Essa complexidade deve refletir no processo de investigação, que deve ser realizado
utilizando um método que suporte o investigador a estruturar as informações e descreva a
realidade completa do acidente. Por conseguinte, a escolha do método pode ter um significante
impacto sobre a eficiência e efetividade de uma investigação. Assim, a seleção de método
requer atenção e deve ser baseada nas suas vantagens e limitações, considerando alguns
critérios, como os descritos acima e resumidos no Quadro 2.
Neste artigo foi abordado importância da escolha adequada do método e a influência deste
nos resultados da investigação. No entanto, outros fatores impactam nestes resultados, tais
como perfil do investigador (treinamento, experiencia, formação) e cenário (dados disponíveis,
tempo disponível, tipo de sistema sócio-técnico) (KATSAKIORI et al., 2009; SVENSON et al.,
1999), como ilustrado na figura 7.
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Figura 7 – fatores que influencia nos resultados da investigação
Fonte: Autor
Método de investigação
Perfil de investigador
• Treinamento
• Experiencia
• Formação
Acidente
Cenário
• Dados disponíveis
• Tempo disponível
• Tipo de sistema
Resultado da investigação
• Fatores contribuintes
• Recomendações
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