INUNDAÇÕES EM BACIAS URBANAS EM GOIÂNIA (GO): intervenção humana e a intensificação de fenômenos naturais
Kesia Rodrigues dos Santos1 - UFG - [email protected] Patrícia de Araújo Romão2 - UFG - [email protected]
Resumo
Edificada em sua maior parte na bacia do ribeirão Anicuns e densamente urbanizada, Goiânia pode ser caracterizada por ter apresentado um processo de urbanização acelerado. Nesse processo foram ocupadas áreas de preservação permanente (APP) próximas aos cursos d’água. Esse fato modificou as condições naturais e gerou impactos que são sentidos pela população. Moradores dessas áreas, bem como os de toda planície fluvial, convivem hoje com inundações e alagamentos. A porção sul de Goiânia apresenta grande quantidade de ocorrências de inundações. Destacam-se nessa porção, bacias que apresentam altos níveis de ocupação e ocorrência de eventos de inundação associados principalmente aos córregos Macambira, Cascavel e Botafogo, em diversos bairros. Assim, o objetivo central deste trabalho foi verificar as características do avanço urbano sobre as APP, inclusive em forma de obras de engenharia e sua relação com as inundações, a partir da identificação e análise de uma bacia representativa. Para realização do mesmo foram utilizados recursos de geoprocessamento na delimitação das APP, definidas de acordo com o Código Florestal. Após a delimitação e a identificação das áreas mais afetadas pela inundação, foi escolhida como bacia representativa a do córrego Cascavel, afluente do ribeirão Anicuns, que apresenta grande impacto decorrente da urbanização e das modificações empreendidas no sistema de drenagem urbana, bem como intervenções no leito do rio. Logo, a ocorrência de inundações tem provocado transtornos à população, em consequência da ocupação e das intervenções no meio físico, somadas às características naturais. Palavras-chave: inundações – bacias hidrográficas – ação antrópica;
Abstract
Built in the basin of the stream Anicuns, densely urbanized, Goiânia showed an accelerated process of urbanization, in that case, were occupied areas of permanent preservation (APP) close to water courses. This modified the natural conditions and generated impacts that are felt by the population. The residents of these areas, and the whole plain of river, now live with floods and flooding. The southern portion of Goiânia has a great number of occurrences of inundations. It is in this area the basins that have high levels of occupancy and occurrence of events of flooding associated with streams Macambira, Cascavel and Botafogo in several districts. So, the central objective of this study was to determine the characteristics of urban progress on APP, including in the form of engineering works and its relation to the floods, whith identification and analysis of representative stream basin. To achieve the same resources were used in the GIS division of APP, defined according to the Forest Code. After the delineation and identification of areas most affected by flooding, was chosen as the representative of the stream basin Cascavel, Anicuns tributary of the creek, which has great impact of urbanization and the changes undertaken in the urban drainage system, as well as interventions in the bed of the river. Therefore, the occurrence of flooding has caused inconvenience to the population as a result of the occupation and intervention in the physical environment, added to natural features. Keywords: inundations – hydrographic basin - human intervention
Introdução
Goiânia localiza-se na mesorregião Centro Goiano. O crescimento populacional e
consequentemente urbano da capital goiana foi acelerado nas últimas décadas, superando e muito a
previsão inicial da população que era de 50 mil habitantes, chegando a mais de 1,2 milhões de
habitantes nos dias atuais (IBGE, 2007). Esse crescimento proporcionou oportunidades em diversos
setores, porém a cidade tem enfrentado problemas relacionados à ocupação indevida e ao crescimento
desordenado. Esse não é um problema exclusivo de Goiânia, mas comum às grandes cidades. Como
1 Mestranda do programa de pós-graduação em geografia do Instituto de Estudos sócio-Ambientais da UFG. 2 Professora doutora do programa de pós-graduação em geografia do Instituto de Estudos sócio-Ambientais da UFG.
discute Santos (1996), “a cidade ao se tornar um pólo de atração populacional, se torna uma
centralidade quanto à oferta de serviços, empregos e também quanto à concentração de problemas
sociais, a segregação sócio-espacial é fato, nesse contexto. As áreas periféricas das cidades são
ocupadas por uma população desfavorecida”. Essa segregação em Goiânia levou à ocupação de áreas
impróprias à fixação de moradias, inclusive de áreas de preservação permanente, que devido a vários
fatores se tornaram áreas de riscos ambientais. Essas famílias em geral ficam à margem da organização
sócio-espacial da metrópole. Goiânia, no entanto, apresenta várias áreas com riscos geomorfológicos
relacionados à inundação (dados da defesa civil) também em bairros nobres como é o caso de setores
que se instalaram na bacia do córrego Cascavel, área de estudos do presente trabalho (figuras 1 e 2).
Figura 1 – Localização de Goiânia Figura 2 – Localização da bacia do córrego Cascavel
No contexto do meio físico, o município pode ser a princípio dividido em dois compartimentos,
quanto à geologia, um ao norte do ribeirão Anicuns e outro ao sul. Essa divisão é marcada por uma
falha (cisalhamento de direção geral E-W) na qual se instalou o curso da drenagem. Segundo Moreton
(1994), Goiânia encontra-se inserida em duas distintas unidades litoestruturais: o Complexo
Granulítico Anápolis-Itauçu (do Proterozóico inferior), correspondente a sua porção setentrional, e o
grupo Araxá - Sul de Goiás (do Mesoproterozóico), concernente ao setor meridional. O Complexo
Anápolis-Itauçu corresponde a rochas granulíticas individualizadas principalmente em ortogranulíticas
e paragranulíticas, enquanto o Grupo Araxá constitui xistos e, subordinadamente, quartzitos
(CAMPOS et al, 2003).
As unidades geomorfológicas do município de Goiânia foram compartimentadas por Casseti
(1992), que com base em aspectos morfométricos e de gênese individualizou cinco unidades: Planalto
Dissecado de Goiânia, Chapadões de Goiânia, Planalto Embutido de Goiânia, Terraços e Planícies
Fluviais da bacia do rio Meia Ponte e Fundos de Vale. A área de estudo está em sua maioria
representada pelo Planalto Embutido de Goiânia e subordinadamente pelo compartimento de Fundos
de Vale.
Em relação ao clima da região, as chuvas em Goiânia, como no cerrado, concentram-se de
outubro a março, apresentando principalmente nos meses de dezembro e janeiro chuvas de grande
intensidade (NASCIMENTO, 2002). Essa intensidade na precipitação aumenta o escoamento
superficial, pois dificulta a infiltração. Dentro do período chuvoso a precipitação pode ser ainda
irregular, havendo dias ou horas de chuva intensa, intercalados de períodos curtos de estiagem. Nas
chuvas intensas a infiltração é reduzida o que faz com que a água da chuva chegue aos canais fluviais
mais rapidamente e em maior quantidade, ocasionando assim uma vazão de cheia significativa. Desta
forma, o clima da região pode ser apontado como um dos fatores que favorece a ocorrência de
inundações.
Material e Método
Dentre as perspectivas teóricas, tem se destacado na Geografia, com mais ênfase na Geografia
Física, a abordagem sistêmica, incorporada na segunda metade do século passado, a qual trabalha com
a idéia de sistemas complexos, a partir das trocas de energia e matéria, abandona a visão fragmentada,
centrada no “elemento” e absorve a idéia de interatividade e conjunção (NUNES et al, 2006). Como
uma das abordagens do método sistêmico, utiliza-se neste trabalho o Método de Análise Integrada do
Meio Físico, que utiliza a cartografia ambiental e a análise dos processos, objetivando um
planejamento do uso e ocupação. Esse método por sua estreita relação com a cartografia e
consequentemente com o geoprocessamento possibilita uma análise integradora e de fácil manuseio
dos dados. Segundo Cunha e Mendes (2005), a proposta de integração dos dados físicos norteia-se
pelos pressupostos da Teoria Geral dos Sistemas. A visão sistêmica possibilita estabelecer e analisar as
inter-relações entre os elementos do meio físico e da atividade antrópica, assim como compreender os
vínculos de dependência entre os diversos fatores.
Para alcançar o objetivo deste trabalho, foram utilizados recursos de geoprocessamento
inicialmente na delimitação das áreas de preservação permanente, de acordo com o Código Florestal
(Lei nº 4.771/1965). Após a delimitação e a identificação das áreas mais afetadas pela inundação, foi
escolhida como bacia representativa aquela que apresentou impacto significativo decorrente da
urbanização e das modificações empreendidas no sistema de drenagem urbana. Ao mesmo tempo, a
área escolhida também se destacou pela disponibilidade de imagens de satélite e/ou fotografias aéreas
de alta resolução espacial, do período anterior e posterior às modificações mais enfáticas, o que
possibilitou uma análise das modificações empreendidas na bacia e de suas conseqüências.
Também com recursos de geoprocessamento foram elaborados mapas que tiveram como base
cartográfica, dados planimétricos e altimétricos do Mapa Urbano Básico Digital de Goiânia – MUBDG
versão 20 – disponibilizado pela Companhia de Processamento de Dados de Goiânia - COMDATA.
As imagens utilizadas também disponibilizadas pela COMDATA consistiram em ortofotos digitais
datadas de 1988 e de 2006. Para complementar essas imagens foram também utilizadas imagens atuas
disponíveis no Google Earth, além de imagem de satélite Quickbird de Goiânia de 2002. Os
procedimentos e etapas seguidas foram: pesquisa bibliográfica; interpretação de imagem de satélite;
delimitação das APP; produção de mapas temáticos e análise dos resultados.
Cabe ainda ressaltar que as imagens (fotografias aéreas) utilizadas neste trabalho são de alta
resolução espacial (0.6m em média) e como afirma Antunes e Centeno (2007) todo aumento de
resolução implica em aumento da quantidade de informações que podem ser obtidas das imagens. No
caso da resolução espacial, a quantidade de detalhes possibilita análise mais precisa dos níveis de
ocupação de bacias urbanas. Além das imagens, foram utilizadas outras fontes de informações como
dados da defesa civil e de notícias veiculadas em jornais locais, onde são relatadas conseqüências
como danos materiais, sociais, revolta e medo da população atingida.
Assim, para o desenvolvimento do presente trabalho, os conceitos adotados para os termos
vazão, inundação, tipos de inundação e bacia hidrográfica partiram principalmente de Jorge e Uehara
(1998), Oliveira (2008), Tucci (1999) e Netto (2007) e são descritos de forma resumida a seguir:
Considera-se que vazão é o volume de água escoado na unidade de tempo, em uma
determinada seção do curso d’água. Devido ao comportamento sazonal das chuvas, a vazão de um rio
é muito variável ao longo do ano, mas também varia de ano para ano. As vazões podem ser
classificadas em vazões normais e vazões de cheia. As vazões normais são as que escoam comumente
no curso de água, enquanto as vazões de cheia são as que, ultrapassando um valor limite, excedem a
capacidade normal das seções de escoamento dos cursos d’água, configurando as cheias, podendo
provocar as inundações (JORGE e UEHARA, 1998).
A inundação pode ser entendida como um fenômeno que faz parte da dinâmica fluvial, e que
corresponde ao extravasamento das águas de um curso de água para as áreas marginais, quando a
vazão é superior à capacidade de descarga da calha. Nesses acontecimentos as águas dos cursos d’água
atingem as várzeas, também denominadas planícies de inundação (OLIVEIRA, 2008).
As inundações podem ser classificadas em três tipos, de acordo com Tucci (1999): O primeiro
tipo, que se refere às inundações devido à urbanização, ocorre devido à impermeabilização de
pequenas e médias bacias hidrográficas urbanas. O efeito da urbanização no ciclo das águas se dá pela
remoção da cobertura vegetal original e sua substituição por estruturas impermeáveis, resultando na
redução da infiltração de água no solo (impermeabilização) e diminuição da evapotranspiração. Isso
provoca aumento do escoamento superficial, que se traduz em condições de vazões de cheia dos cursos
d’água urbanos. O segundo, diz respeito às inundações em áreas ribeirinhas, que segundo a
classificação de Tucci (1999) são aquelas que fazem parte da dinâmica natural de uma drenagem.
Neste caso a ocupação não é a causa da inundação e o acidente ocorre porque áreas naturalmente
inundáveis foram ocupadas. Já o terceiro tipo relaciona-se às inundações localizadas, que podem ser
provocadas por: estrangulamento da seção do rio, remanso, erros de execução e projeto de drenagem
de rodovias e avenidas, entre outros. Dentre esses fatores pode-se destacar o estrangulamento da seção
por pontes e bueiros, a construção de aterros no leito do rio, assoreamento da drenagem por sedimentos
e/ou lixo.
Quanto ao conceito de bacia hidrográfica, é possível afirmar que pode ser considerada como
“um sistema hidrogeomorfológico, e pode ser definida como uma área da superfície terrestre que drena
água, sedimentos e materiais dissolvidos para uma saída comum, num determinado ponto do canal
fluvial [..] O limite de uma bacia é conhecido como divisor de águas” (NETTO, 2007, P.97).
Acrescenta-se a esse conceito a consideração de que a bacia hidrográfica deve ser compreendida como
um sistema tridimensional. Portanto, a partir dos conceitos adotados, considera-se que a bacia
hidrográfica transforma-se em unidade ambiental, pois nela podem-se estabelecer as melhores relações
entre causa e efeito, principalmente quando estas relações estão relacionadas aos recursos hídricos
(LANNA, 1995 apud LAMONICA, 2004).
Resultados e Discussões
A bacia do córrego Cascavel abrange 32,9 km2 em área e tem como característica ser uma bacia
urbana densamente ocupada. O padrão climático da região é fortemente sazonal, isto é, apesar da
elevada taxa de precipitação pluvial média anual (cerca de 1.500 mm), como já descrito há forte
concentração das chuvas nos período de novembro a março e no período de recessão das chuvas há
forte déficit. Esse quadro condiciona a recarga natural média apenas no período entre meados de
dezembro e março (CAMPOS et al, 2003).
Essa bacia apresenta altitudes que variam de 690 a 890 m, como pode ser observado no mapa
hipsométrico (figura 3). Comparada às variações altimétricas do norte de Goiânia, essa amplitude é
pequena, aproximadamente 200 m de desnível, levando-se ainda em consideração o comprimento da
vertente, que chega até a ordem de 2000 m, configurando extensas rampas. Além disso, a declividade
baixa é predominante, como discutido a seguir. Esses fatores em condições naturais, anteriores à
urbanização na bacia, favorecem a infiltração em detrimento do escoamento.
As declividades encontradas na área (figura 4) têm a seguinte distribuição: em quase toda a
bacia predominam declividades que variam entre 0 a 3% e 3 a 8%, com destaque para o relevo tabular
próximo à jusante, onde dominam declividades entre 0 e 3%. Nas proximidades dos canais de
drenagem ocorrem declividades mais acentuadas em vertentes convexas que bordejam quase todo o
curso d’água. Nesses locais as declividades variam de 8 a 12%, 12 a 20% 20 a 30% e de 30 a 45%,
sendo as duas últimas predominantes, próximo ao curso d’água. Além dessa faixa de alta declividade
que acompanha o curso do córrego Cascavel e de seus afluentes, há ainda outro ponto de exceção na
área, localizado na porção sudeste da mesma: um dos divisores de água, o morro da Serrinha. Esse
apresenta declividades superiores a 12%, atingindo 30 a 45% em alguns pontos. As baixas
declividades em quase toda a bacia por si só não apresentam contribuição significativa para que o
escoamento seja intensificado em relação ao aumento da velocidade em direção ao canal de drenagem.
Figura 3 – Hipsometria da bacia do córrego Cascavel, com variações de 690 a 890 m de altitude. Fonte (Base de dados): COMDATA (2007).
Figura 4 – Carta Clinográfica da bacia do córrego Cascavel. Fonte (Base de dados): COMDATA (2007).
O mapa hipsométrico analisado juntamente com a carta clinográfica da bacia do córrego
Cascavel demonstram ainda que a área, em geral, possui relevo suave, com vertentes longas de baixa
declividade. A explicação para este relevo suave apóia-se na geologia, já que, como foi citada
anteriormente, a porção sul de Goiânia tem terrenos formados por xistos e esse tipo de rocha oferece
pouca resistência ao intemperismo químico. A geologia também explica a exceção que é o morro da
Serrinha (citado anteriormente). Ele apresenta características peculiares, como por exemplo, ter rochas
diferenciadas do restante da bacia. Enquanto quase toda a porção sul da cidade é formada por xistos, o
morro em questão é formado por quartzito. O fato dessa litologia ser resistente ao intemperismo
químico faz com que esse ponto tenha destaque altimétrico na bacia. O solo também se diferencia da
grande maioria da bacia, que tem predominância de Latossolo, solos bastante permeáveis, enquanto
nessa área o solo foi classificado como Neossolo Litólico (CAMPOS et al, 2003).
Por meio da análise das características do meio físico da bacia, pode-se observar que não está
na explicação morfopedológica a ocorrência de inundações nessa bacia. A baixa declividade, a
amplitude maior que em outras áreas de grande ocorrência de inundação em Goiânia, a grande
permeabilidade do solo (quando não impermeabilizado) e as vertentes em geral longas (com baixa
amplitude) contribuem para que a infiltração seja preponderante, dificultando assim o escoamento de
grande volume de água para o canal de drenagem. Porém a questão climática contribui para que
ocorram vazões de pico devido à concentração pluviométrica. Sabendo disso passa-se para a
urbanização o viés de análise das inundações nessa bacia.
Tendo em vista a não disponibilidade de dados socioeconômicos locais, o crescimento
populacional é aqui discutido no âmbito do município de Goiânia (tabela 1). A partir da década de
1970 o crescimento populacional no município é bastante acentuado. Percebe-se que já nessa década a
população já tinha ultrapassado 700% da previsão inicial de 50 mil habitantes. Porém nas décadas
seguintes esse crescimento foi ainda mais vertiginoso, ultrapassando um milhão de habitantes no ano
de 2000.
Tabela 1- Crescimento Populacional de Goiânia 1970-2007
Ano Município
1970 1980 1991 2000 2007*
Goiânia - GO 380.773 717.519 922.222 1.093.007 1.244.645 * estimativa
FONTE: IBGE (2009).
Esse crescimento populacional pode ser melhor visualizado no gráfico a seguir (gráfico 1), que
apresenta, além do número de habitantes a partir da década de 1970 (IBGE), a previsão inicial de
população feita na ocasião do planejamento e fundação da nova capital goiana. Vê-se que Goiânia não
foi diferente de outras cidades planejadas, que de igual forma costumam superar as expectativas
iniciais. Com o crescimento populacional, aumenta também a área urbana do município e
consequentemente o aumento dos equipamentos urbanos, bem como dos níveis de impermeabilização
do terreno. Dentro desse processo de urbanização foram ocupadas planícies de inundação, inclusive na
forma de habitações subnormais. Dessa forma, muitas dessas famílias acabam morando em áreas que
apresentam riscos relacionados à dinâmica fluvial.
Gráfico 1 – Crescimento Populacional de Goiânia 1970 - 2007
0
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
previsão
inicial
1970 1980 1991 2000 2007
População
Fonte: Elaborado a partir de dados disponibilizados pelo IBGE
Para relacionar esses dados à ocupação dessa bacia, é preciso entender quais são as
características de ocupação da bacia do córrego Cascavel. Para tanto serão identificadas a seguir
algumas características dessa bacia, bem como destacados os principais bairros nela instalados.
A bacia do córrego Cascavel desde as nascentes até a confluência com o ribeirão Anicuns
encontra-se, como já destacado, em área densamente ocupada. Soma-se a isso o fato da cabeceira da
bacia ficar no limite municipal com Aparecida de Goiânia, limite esse caracterizado como área de
conurbação entre os dois municípios. Bairros antigos e também outros ocupados por uma população de
maior poder aquisitivo estão localizados nessa bacia, dentre eles Campinas, a partir do qual foi
construída a capital goiana.
A comparação de imagens de satélite de duas datas, 1988 e 2006 (figuras 5 e 6), possibilita
demonstrar que a bacia do córrego Cascavel já estava ocupada na década de 80, porém a ocupação se
intensificou nas últimas décadas como mostra a imagem de 2006. As diferenças são visualizadas
principalmente na alta bacia, onde em 1988 há grande quantidade de lotes desocupados, com muitas
ruas sem pavimentação. Isso aparece com menor intensidade em 2006, demonstrando assim que os
níveis de impermeabilização da bacia cresceram significativamente em quase duas décadas. A
verticalização também é um fenômeno que pode ser percebido a partir da fotografia de 2006. Esse fato
também denota a valorização e o aumento da ocupação do solo urbano nessa bacia.
Figura 5 – Contorno da bacia do Córrego Cascavel com sobreposição da fotografia aérea de 1988 no mapa de sombras do relevo. Fonte (Base de dados): COMDATA (2007).
Figura 6 - Contorno da bacia do Córrego Cascavel com sobreposição da fotografia aérea de 2006 no mapa de sombras do relevo. Fonte (Base de dados): COMDATA (2007).
Para a construção de vias que desobstruíssem o trânsito da capital os córregos foram
canalizados e suas margens foram transformadas em marginais, como na foto detalhe da marginal
Cascavel (figuras 7 e 8) onde o córrego aparece canalizado. Segundo observação a partir do Google
Earth (2009), o córrego Cascavel possui hoje 2,54 km de leito canalizado. A partir de observação do
fotomosaico de fotografias aéreas, até 2006 eram 1,9 km, tomando-se essa medida a partir da
confluência com o córrego Vaca Brava. Destaca-se o fato de o último registro de inundação no córrego
Cascavel (dados de jornais locais) coincidir com o início da canalização. Como citado anteriormente, a
velocidade das águas dos rios também pode influenciar na ocorrência de inundações. Essa velocidade
depende basicamente da declividade, do volume das águas, da forma da seção e da rugosidade do
relevo (JORGE e UEHARA, 1998). Como o curso d’água em questão sofreu alterações, a sua
dinâmica também se alterou, como quando o canal do rio foi canalizado e retificado (figuras 9 e 10).
Isso contribuiu para o aumento da velocidade do escoamento e também de sua vazão de pico à jusante.
Figura 7 - Canal de drenagem com caracteristicas naturais em 1988. Fonte: Ortofoto digital (1988)
Figura 8 – Canalização do córrego Cascavel em imagem de 2006. Fonte: Ortofoto digital (2006)
Segundo dados do IBGE (2000), Goiânia no que diz respeito a serviço de drenagem urbana tem
um ponto de lançamento em curso d’água permanente e um ponto em curso d’água intermitente,
porém não há nenhum reservatório de acumulação ou detenção para essa água drenada de todo o
município. Toda a água de drenagem tem o mesmo destino, os cursos d’água, tanto a água de
escoamento superficial quanto a que é captada pela rede de drenagem urbana. Como já destacado, com
o aumento da urbanização, há também um aumento da impermeabilização e consequentemente do
escoamento superficial. Esse escoamento somado ao das redes de drenagem contribui para a
ocorrência de vazões de pico cada vez maiores e mais rápidas.
Logo, contribuíram para o aumento da vazão de pico no córrego Cascavel: a urbanização de
toda a bacia, a retirada e/ou substituição da cobertura vegetal, inclusive das áreas de APP (figura 11), o
lançamento da água captada pela rede de drenagem urbana diretamente no canal de drenagem e o
estrangulamento da drenagem por aterros e obras de engenharia.
Figura 9 - Canal de drenagem do córrego cascavel em 1988 apresenta sinuosidades naturais. Fonte: Ortofoto digital (1988), COMDATA (2000).
Figura 10 – Em 2006 o canal aparece retificado e canalizado. Fonte: Ortofoto digital (2006), COMDATA (2007).
A delimitação das áreas de preservação permanente as margens dos cursos d’água de acordo
com o Código Florestal, demonstrou que as principais modificações empreendidas nessas foram a
ocupação residencial (figura 13) e localmente industrial; a retirada da cobertura vegetal e a substituição
por estruturas impermeáveis com destaque para o asfalto (que acompanham o sentido da declividade
vindo dos bairros adjacentes); a construção de sistema viário acompanhando o curso d’água na forma
de marginal; e a construção de obras de engenharia que não só estrangularam a drenagem na forma de
canalização como também modificaram sua sinuosidade natural representada pelos meandros na fora
de retificação do canal (figuras 7, 8, 9 e 10). Além dessas modificações mais significativas, foram
realizadas ainda obras de menor porte, como a construção de pontes e bueiros para interligar bairros,
aterros pontuais para implantação de construções e canalizações de esgotos residenciais despejados in
natura no leito do córrego.
O assoreamento da drenagem também pode ser percebido na análise das imagens de satélite e
fotografias aéreas. Esse ocorre devido a vários fatores com destaque para as erosões fluviais que
aparecem nas margens não canalizadas da alta bacia. Também ocorre com freqüência nessa porção da
bacia o despejo de entulhos e restos de construções às margens do córrego (figura 12), além de todo o
lixo e detritos trazidos pelas águas do escoamento superficial.
Apenas alguns pontos das áreas de preservação permanente permanecem com modificações
antrópicas menos agressivas, sendo eles duas das nascentes do córrego Cascavel e alguns resquícios de
vegetação natural que aparecem também próximos a estas nascentes. As demais nascentes sofreram
modificações no que diz respeito a represamento e a retirada da cobertura vegetal natural.
Figura 11 – Carta-imagem da bacia do córrego Cascavel com a delimitação das APP. Fonte: Imagem Quick Bird (2002).
Figura 12 – despejo de entulhos na margem do córrego, em área em que a cobertura natural foi modificada. Fonte: Google Earth (2008).
Figura 13 – Ocupação das margens por usos residenciais. Fonte: Google Earth (2008).
Após a análise das caracteristicas naturais e da ocupação desta bacia, é possível afirmar que a
forte sazonalidade climática da região resulta na necessidade da gestão adequada do sistema hídrico.
Iniciativas como a recuperação das várzeas, desenvolvimento de projetos de recarga artificial,
tratamento e condução adequados das águas de chuva com instalação de rede de águas pluviais e
instalação de sistemas de dissipação de energia, podem auxiliar na mitigação de impactos no que se
refere às inundações. Nesse sentido, também é fundamental um programa eficiente de limpeza urbana
para que os sistemas de águas pluviais instalados possibilitem o escoamento do excedente hídrico
gerado pela impermeabilização da área urbana (CAMPOS et al, 2003). No caso da bacia do córrego
Cascavel destaca-se, dentre outros, os fatores com maior contribuição para a ocorrência de inundações,
como o excesso de impermeabilização da bacia, o desmatamento, a ocupação das áreas de preservação
permanente e a modificação das condições naturais da calha do curso d’água. Dos bairros que
margeiam o córrego Cascavel, o Jardim América e parte do setor Bueno são aqueles que apresentam
maiores problemas, no primeiro, famílias que moram nas margens do córrego estão em área de alto
risco (Defesa Civil), o segundo apresenta problemas relacionados à travessia de pontes e invasão das
ruas pelas águas.
Conclusões
A bacia do córrego Cascavel apresentou nos últimos anos um intenso processo de adensamento
da urbanização, esse processo levou a implantação de equipamentos urbanos característicos de áreas
fortemente urbanizadas, essa ocupação provocou conseqüências que são sentidas hoje pela população.
No que se refere ao meio físico essa bacia tem condições excelentes para a ocupação, já que
apresenta declividades e valores de amplitude do relevo baixos, o que propicia condições ideais para
instalação de cidades. Porém a ocupação intensa e sem respeito a leis de proteção ambiental causaram
a intensificação de fenômenos naturais como é o caso das inundações.
A comparação entre as condições físicas e de uso e ocupação entre 1989 e de 2006, juntamente
com análise da rede de drenagem natural e artificial desses períodos, demonstraram que os canais de
drenagem do córrego Cascavel foram amplamente modificados, por meio de retificação, canalização e
construção de marginais. Como conseqüência da ocupação e das intervenções no meio físico, somadas
às características naturais, as inundações provocaram e provocam transtornos à população de Goiânia.
O homem não respeitou os limites da natureza e a natureza não aceita os limites impostos pelo
homem, cabe então aos seres humanos reverem seus conceitos de dominação do meio físico e
passarem a compreender que limites devem ser respeitados.
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