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DEL POL CIV/RJ DAVID ANTHONY GONÇALVES ALVES

INTELIGÊNCIA EM NÍVEL ESTRATÉGICO NA

SEGURANÇA PÚBLICA: ANÁLISE E CRÍTICA

MONOGRAFIA APRESENTADA COMO EXIGÊNCIA CURRICULAR

PARA OBTENÇÃO DO DIPLOMA DO CURSO DE ALTOS ESTUDOS

DE POLÍTICA E ESTRATÉGIA

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

RIO DE JANEIRO - 2011

C2011

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DAVID ANTHONY GONÇALVES ALVES

INTELIGÊNCIA EM NÍVEL ESTRATÉGICO NA

SEGURANÇA PÚBLICA: ANÁLISE E CRÍTICA

Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Prof. José Amaral Argolo.

Rio de Janeiro 2011

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C2011 ESG

Este trabalho, nos termos da legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitida a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-lo, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG.

____________________________________

Biblioteca General Cordeiro de Farias

Alves, David Anthony Gonçalves

Inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

crítica / Del Pol Civ/RJ Anthony David Gonçalves Alves. – Rio de Janeiro:

ESG 2011.

61f.

Orientador: Prof. José Amaral Argolo. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2011.

1. Serviços de Inteligência. 2. Segurança Pública. 3. Inteligência Estratégica. I.Título.

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À minha esposa, VANESSA LYRIO BOECHAT ALVES,

companheira em todos os momentos, - pelo apoio, amor e compreensão que recebi.

À minha filha

LUISA BOECHAT ALVES, minha esperança,

com amor paternal.

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AGRADECIMENTOS

Aos profissionais de Inteligência de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro,

soldados das sombras, que mesmo com o sacrifício de suas carreiras e até de suas

vidas, dedicam-se ao trabalho silencioso de proteção da nossa sociedade.

Ao Cel Ref EB Romeu Antonio Ferreira, pela sua generosidade em compartilhar

seus conhecimentos orientando-me como verdadeiro Oficial – “mestre na arte do

ofício”;

Ao Delegado de Polícia Civil Nelsi de Freitas;

Ao Delegado de Polícia Civil Virgílio Alves da Silva;

Ao Procurador de Justiça Astério Pereira dos Santos;

Ao Delegado de Polícia Federal Pedro Berwanger;;

Ao Major PM Alexander Véras Vieira;

Ao Delegado Roberto Precioso;

Ao Professor José Amaral Argolo, meu orientador;

Ao Corpo Docente, aos funcionários da ESG;

E aos meus amigos da Turma Segurança e Desenvolvimento pela convivência sadia

e enriquecedora.

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A previsão era a razão pela qual o príncipe esclarecido e o general prudente venciam o inimigo, quaisquer que fossem os seus movimentos.

SunTzu

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RESUMO

Este estudo aponta de modo sucinto o grau de influência dos documentos de

Inteligência em Nível Estratégico, produzidos por Agências de Inteligência de

Segurança Pública, nas decisões tomadas por Secretários de Estado, com base em

seus planejamentos estratégicos. Os parâmetros doutrinários sobre a aplicabilidade

e contribuição da produção de conhecimentos do tipo Apreciação e Estimativa na

Inteligência de Segurança Pública bem como a avaliação do real emprego dos

conhecimentos do tipo Apreciação e Estimativa sob a ótica dos dirigentes de

Agências de Inteligência e dos respectivos decisores (Secretários de Estado). O

método aplicado se vale da pesquisa de fontes abertas relevantes para o tema, na

internet, complementado com a leitura de material primordial que fundamenta o

marco teórico utilizado na seleção de dados bibliográficos para resumo e

fichamento. A pesquisa tem por objetivo proporcionar maior familiaridade com o

problema, através de análise de dados de forma indutiva, para tanto, utilizou-se de

dados por meio de registros e da entrevista semi-estruturada com alguns ex-

diretores de Agências Centrais de Inteligência de Segurança e Sistema Penitenciário

do Estado do Rio de Janeiro, bem como de seus respectivos decisores, Secretários

de Estado do sistema de Segurança Pública. Como resultado da análise crítica e da

melhor compreensão do que seja inteligência em nível estratégico de Segurança

Pública busca-se um salto qualitativo no assessoramento aos decisores

governamentais como subsídio ao planejamento de políticas públicas em defesa da

sociedade.

Palavras-chaves: Serviços de Inteligência. Segurança Pública. Inteligência

Estratégica.

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ABSTRACT

This study points out succinctly the degree of influence of the Intelligence

documents at the strategic level, produced by the Intelligence Agencies of Public

Security, the decisions taken by Secretaries of state, based on their strategic

plans. The doctrinal parameters on the applicability and contribution of knowledge

production type and Estimation in consideration of Public Security Intelligence and

the evaluation of the real job of the type of knowledge assessment and estimate

from the viewpoint of heads of intelligence agencies and their makers (Secretaries

of State). The methodology takes advantage of open source research relevant to

the topic, the internet, complete with reading primordial material that underlies the

theoretical framework used in the selection of bibliographic data and summary

book report. The research aims to provide greater familiarity with the problem

through data analysis inductively. To this end, we used data through records and

semi-structured interviews with some former directors of Central Intelligence

Agencies Security and Prision System in the State of Rio de Janeiro, as well as

their makers, Secretaries of State System Public security. As a result of critical

analysis and understanding of what Intelligence Strategic level of Public Security is

seeking a step change in advice to government decision-makers as an aid to

planning policies in defense of society.

Key Words: Intelligence Agency. Public Security. Strategic Intelligence.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 11

2 INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA ............................................................... 15

2.1 INTELIGÊNCIA NO CAMPO EXTERNO..................................................... 15

2.1.1 Características da Inteligência ................................................................ 17

2.1.2 Conceitos de fontes e Dado ..................................................................... 19

2.1.3 Serviços de Inteligência ........................................................................... 22

2.1.4 Inteligência Estratégica antecipativa....................................................... 24

2.1.5 Agência Central de Inteligência................................................................ 26

2.2 INTELIGÊNCIA NO CAMPO INTERNO ..................................................... 28

2.2.1 Inteligência Policial ................................................................................... 28

2.2.2 Inteligência de Segurança ........................................................................ 29

2.3 INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA E INTELIGÊNCIA TÁTICA....................... 32

3 INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA ............................................ 34

3.1 SERVIÇOS DE INTELIGÊNCIA E DE SEGURANÇA ................................. 34

3.2 DOUTRINA NACIONAL............................................................................... 36

3.2.1 Definição .................................................................................................... 36

3.2.2 Modelo anterior .......................................................................................... 37

3.2.3 Criação da ABIN......................................................................................... 38

3.2.4 Subsistema de Inteligência de Segurança Pública................................. 40

3.3 DOUTRINA DE INTELIGÊNCIA NO RIO DE JANEIRO ............................. 42

3.3.1 Origem histórica ........................................................................................ 42

3.3.2 Fase recente ............................................................................................... 43

3.4 INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA ............................................. 44

4 ANÁLISE CRÍTICA ..................................................................................... 47

4.1 OPERADORES E DECISORES................................................................... 47

4.2 MÉTODO DE ENTREVISTA........................................................................ 48

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4.2.1 Apreciações e Estimativas nas Agências Centrais................................ 48

4.2.2 Análise Prospectiva – contribuição para a segurança pública............. 50

4.2.3 Produção de conhecimento em nível Estratégico – óbices................... 51

4.2.4 Inteligência em Nível Estratégico – legado para a Segurança

Pública.........................................................................................................

52

5 CONSIDERAÇÕES .................................................................................... 53

5.1 CRIME ORGANIZADO ................................................................................ 53

5.2 AÇÕES ESTRATÉGICAS ........................................................................... 54

6 CONCLUSÕES ........................................................................................... 56

REFERÊNCIAS .......................................................................................... 60

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1 INTRODUÇÃO

A Segurança Pública há um bom tempo, deixou de ser um problema

circunscrito aos Estados da Federação, para entrar de vez na pauta da política

brasileira como um dos desafios a serem enfrentados também pelo Governo

Federal.

Nessa trajetória, importantes instrumentos foram agregados ao arsenal dos

órgãos de segurança, dentre os quais, o emprego da Inteligência. Porém, muito se

tem falado nela, mas, poucos, de fato, entendem seu significado. Além disso,

quando encontra-se especializada, no campo da Segurança Pública, torna-se ainda

mais complicada a sua compreensão.

A Inteligência:

é atividade de exercício permanente e sistemático de ações especializadas orientadas, basicamente, para a produção, difusão e salvaguarda de conhecimentos necessários ao assessoramento para a decisão dos planejadores, nos respectivos níveis de decisão (Político, Estratégico, Tático e Operacional), campos de atuação e fontes utilizadas

1 .

A “atividade de Inteligência é importante para o estabelecimento de cenários e

estratégias de atuação nas áreas de segurança pública e institucional”, devendo

realizar operações de busca de conhecimentos protegidos e desenvolver “trabalhos

de análise estratégica, empregando procedimentos sistemáticos, estudos e

avaliações, com o objetivo de identificar e compreender as características e modos

de atuação das organizações criminosas e de seus componentes”2.

Joanisval Brito Gonçalves afirma que a Inteligência visa à obtenção, à análise

e à disseminação de conhecimentos, tanto dentro, como fora do território nacional,

“sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo

decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da

sociedade e do Estado”.

1 FERREIRA, Romeu Antonio. Inteligência Estratégica. In. Conferência para o curso de pós-

graduação em estratégia militar para gestão de negócios, Ribeirão Preto, SP: FAAP: 2011.

2 GONÇALVES, Joanisval Brito. A atividade de Inteligência no combate ao crime organizado. Revista

Jus Navegandi, 2003. Acessado em 5/8/2011. Disponível em:

http://jus.uol.com.br/revista/texto/8672/a-atividade-de-inteligencia-no-combate-ao-crime-organizado/2

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E entende por Contra-Inteligência a atividade voltada à "neutralização da

Inteligência adversa", seja de governos ou de organizações privadas3.

Contra-Inteligência:

é a atividade que objetiva salvaguardar dados e conhecimentos sigilosos e identificar e neutralizar ações adversas de qualquer natureza que constituam ameaça à salvaguarda de dados, informações e conhecimentos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, bem como das áreas e dos meios que os retenham ou em que transitem

4.

A Inteligência, em uma definição ampla, é a informação coletada, organizada

ou analisada visando atender às necessidades do tomador de decisões. Enquanto

que, para a ciência da informação, agrega e cuida do tratamento analítico da

informação, que passa de dados brutos a conhecimentos reflexivos. Tem o mesmo

sentido de segredo ou informação secreta quando realizada sem o consentimento, a

cooperação ou o conhecimento dos alvos da ação5.

Apesar da dificuldade doutrinária, o emprego da Inteligência na Segurança

Pública tem sido amplamente debatido, em especial, quando tratarmos da

Inteligência Operacional e da sua aplicabilidade na preservação da ordem pública,

bem como, da apuração de ilícitos criminais. No entanto, pouco se fala sobre a

Inteligência Estratégica, melhor dizendo, sobre a Inteligência em Nível Estratégico

como instrumento para a Segurança Pública.

Para tanto, a idéia central do presente trabalho consiste na verificação da

possibilidade do uso estratégico da Inteligência na Segurança Pública, por meio da

análise do estudo doutrinário e das críticas, utilizando-se possíveis experiências já

realizadas. Analisar-se-á, qual é o grau de influência dos documentos em nível

estratégico produzidos por Agências de Inteligência de Segurança Pública, nas

decisões tomadas por Secretários de Estado, com base nos planejamentos

realizados a partir destes documentos.

3 Ibid.

4 BRASIL. Resolução Nº 1, de 15 de julho de 2009, regulamenta o Subsistema de Inteligência de

Segurança Pública – SISP.

5 RIO DE JANEIRO. Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Estado de Segurança Pública do

Estado do Rio de Janeiro. DISPERJ – Manual. Aprovado através do Decreto n° 37.272, DE 01 de abril de 2005.

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A Inteligência de Segurança Pública:

é a atividade permanente e sistemática, via ações especializadas, que visa identificar, acompanhar e avaliar ameaças, reais ou potenciais, sobre a segurança pública e produzir conhecimentos e informações que subsidiem o planejamento e a execução de políticas de Segurança Pública, bem como ações para prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza, de forma integrada e em subsídio à investigação e à produção de conhecimentos

6.

Por sua vez a Inteligência Policial:

é o conjunto de ações que empregam técnicas especiais de investigação, visando a confirmar evidências, indícios e a obter conhecimentos sobre a atuação criminosa dissimulada e complexa, bem como a identificação de redes e organizações que atuem no crime, de forma a proporcionar um perfeito entendimento sobre a maneira de agir e operar, ramificações, tendências e alcance de condutas criminosas

7.

A origem histórica da formação da Inteligência de Segurança Pública, também

será estudada, por meio da experiência vivenciada no Estado do Rio de Janeiro e da

Doutrina Nacional.

Será avaliada a aplicabilidade e a contribuição da produção de

conhecimentos do tipo Apreciação e Estimativa, sob a ótica dos dirigentes de

Agências de Inteligência e seus respectivos decisores (Secretários de Estado)

A partir da hipótese de que a produção de Inteligência, em nível estratégico,

se apresenta como um instrumento de assessoramento para os decisores, serão

demonstrados os cenários prospectivos e de estudos interdepartamentais dos

assuntos que contribuem com o direcionamento do planejamento estratégico das

políticas de Segurança Pública.

O presente trabalho, assim, objetiva prospectar a melhor forma de fazer com

que o conhecimento em nível estratégico, produzido por Agências Centrais de

Inteligência, contribua como fator de incremento na Política de Segurança Pública,

por meio da sua implementação na política da Secretaria Estadual de Segurança

Pública. Ou seja, tem-se por objetivo a avaliação da melhor forma de se prover os

6 Brasil, Op.cit.

7 Ibid

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operadores de segurança pública, os membros da comunidade Inteligência, os

gestores de agências e, principalmente, os decisores, que são os dirigentes do mais

alto nível e responsáveis pela implementação das políticas de segurança pública, de

subsídios que permitam uma melhor tomada de decisão em situações de crise.

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2 INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA

O presente capítulo analisa o conceito da doutrina internacional sobre

Inteligência Estratégica, avaliando as vantagens no seu investimento, de modo a

produzir conhecimento de alto nível que permitirá a tomada de decisões estratégicas

do Estado.

2.1 INTELIGÊNCIA NO CAMPO EXTERNO

A literatura estrangeira clássica traz no conceito de Inteligência Estratégica a

idéia de produção de conhecimento voltado para a proteção do Estado soberano

frente às ameaças originárias do exterior. Assim, seria necessária a expansão do

conhecimento sobre nações estrangeiras de interesse, para a defesa do Estado8.

As informações estratégicas são, por conseguinte, “informações positivas de

alto nível do exterior”9 .

Sherman Kent afirma que, para serem consideradas informações

estratégicas, de alto nível, faz-se necessária a exclusão dos conhecimentos

produzidos pela Contra-Inteligência, além da exclusão dos níveis de decisão tático e

operacional e, por fim, sua matriz de produção deve estar focada no estrangeiro10.

Washington Platt e Sherman Kent, desconsideram que a natureza estratégica

do conhecimento se dá em função do nível de decisão, podendo o status de nível

estratégico estar presente, associado aos demais (político, tático e operacional) em

determinado campo de atuação. Logo, não é o nível de decisão que

qualifica/caracteriza o “tipo de Inteligência”, mas, sim, o seu campo de atuação.

8 PLATT, Washington. Produção de Informações Estratégicas. Tradução do major Álvaro Galvão

Pereira e Capitão Heitor Aquino Ferreira. Rio de Janeiro – GB: Biblioteca do Exército; livraria Agir Editora, 1974, p. 31.

9 KENT, Sherman. Informações Estratégicas. __ed, Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército; 1967

(Coleção General Benício), p. 18.

10 Ibid, p. 17.

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Dessa forma, tais autores, ao se referirem à Inteligência Estratégica como

atividade de produção de conhecimento voltado para o campo externo, visando à

proteção dos interesses nacionais, consideram-na mais adequada enquanto

Inteligência de Estado (em função do seu campo de atuação).

Além da literatura estrangeira, encontramos, ainda nos dias de hoje, raízes

desse entendimento no âmbito da Escola Superior de Guerra, em sua definição de

Conhecimento de Inteligência Estratégica, como sendo:

A resultante da obtenção, análise, interpretação e disseminação de conhecimentos sobre as situações nacional e internacional, no que se refere ao Poder Nacional, aos óbices, às suas vulnerabilidades, às possibilidades e outros aspectos correlatos, com possível projeção para o futuro

11.

Não se trata aqui de preciosismo acadêmico ou mero jogo de palavras, sem

efeito no mundo real. Na realidade, traz conseqüências significativas. À guisa de

exemplo, a produção de conhecimento do tipo Inteligência de Segurança Pública

(ISP) , nos termos dos conceitos aqui tratados, não poderia produzir conhecimento

estratégico, por não se tratar de Inteligência elaborada para o alcance dos objetivos

nacionais, em defesa do Estado e com o olhar direcionado ao campo externo.

Tal interpretação, limitaria diversos tipos de produção de Inteligência apenas

aos chamados conhecimentos correntes (tático e operacional), privando, assim, os

gestores governamentais, no âmbito dos Estados da Federação e dos municípios,

de poderoso instrumental para assessoramento às políticas públicas. Do que se

recomenda, como denominação mais adequada seria a Inteligência no Nível

Estratégico.

11 ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (Brasil). Manual básico: assuntos específicos. Rio de Janeiro,

2009. v. 2, p. 95.

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2.1.1 Características da Inteligência

A Inteligência, em seu conceito clássico, se diferencia da mera aquisição de

informação por sua capacidade explicativa e/ou preditiva. Seu fluxo é de

gerenciamento incerto e parcialmente estruturados, não permitindo, por isso, garantir

vitórias nem predições por serem condicionados à vulnerabilidade das fontes e do

alto grau de intervenção humana nas suas análises. O atendimento ágil aos usuários

é dificultado pela característica das informações processadas, que se apresentam

em grandes volumes e com razoável complexidade técnica. Por isso, os analistas

precisam produzir tanto conhecimento relevante para a decisão como, também,

alternativas específicas de curso de ação, o que é feito através de relatórios e

informes dirigidos aos comandantes militares e aos governantes. Por fim, as

contramedidas de segurança e as operações de Contra-Inteligência apresentam

riscos que obrigam sua coleta a “conviver com uma forte dose de segredo, auto-

refreamento e redundância”, que além de impor limites claros à agilidade, afetam a

transparência na condução das operações12.

A produção desse conhecimento se dá através da aplicação de um ciclo de

atividades, metodologicamente ordenadas, permitindo que o dado obtido através de

ações de busca, que traduzem a obtenção de dados não disponíveis ou através de

coleta dos dados disponíveis, receba um tratamento analítico do profissional de

Inteligência.

Cabe ser observado que os dados protegidos, normalmente sigilosos, num

universo antagônico e de difícil obtenção, são obtidos através de ações

especializadas realizadas pelo elemento de operações (ELO) de uma agência de

Inteligência (AI).

Recomenda-se começar, o chamado ciclo da produção do conhecimento, por

um planejamento que tem início observando-se o contexto geral para se saber onde

buscar os dados e os informes. Em seguida, se poderá seguir dois caminhos: num

deles, se divide o projeto em partes, dando início à coleta de dados para cada uma e

seguindo adiante; no outro, os dados são todos reunidos e depois trabalhados,

12 CEPIK, Marco Aurélio Chaves. Espionagem e democracia. 2003. Ed. Getúlio Vargas, Rio de

Janeiro, p. 67.

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sendo necessário avaliar de antemão o “tempo necessário para cobrir cada parte da

informação”13.

Seria ilusório retratar o processo de produção de informações simplesmente como fases regulares dentro de um ciclo bem definido. Um retrato mais fiel tem de ser feito. Um alto grau de realimentação e inter-relação dos elementos do conhecimento e das fases do processo

14.

Esse ciclo de produção do conhecimento de Inteligência, no Brasil, é

encontrado também nos manuais da Escola Superior de Guerra – ESG, e trata-se do

processo que põe à disposição dos usuários as informações coletadas pelas

Agências de Inteligência, sendo que suas duas grandes etapas: coleta e análise,

estão vinculadas a diferentes órgãos estatais15,, tudo em função dos diferentes

campos de aplicação da inteligência (Militar, Econômico, Segurança Pública,

Empresarial), dentre outros.

As dinâmicas operacionais e os fluxos informacionais, que caracterizam a

atividade de inteligência, seriam “como um „funil‟ que recebe informações de fontes

diversas, não necessariamente nem principalmente secretas, analisa e produz a

Inteligência”. Esta, busca avaliar tendências e descrever a realidade para antecipar

eventos relevantes, seja “fornecendo alerta avançado quanto contribuindo para a

formulação de políticas, planos operacionais e projetos de força”, o que se dá por

meio de “sumários diários/semanais sobre temas correntes até estudos mais

aprofundados sobre tendências e problemas delimitados a partir de critérios

espaciais ou funcionais”16.

13 PLATT, op. Cit, p.36.

14 RANSOM, Harry Howe. Central Intelligence and National security. Cambridge, Massachusetts:

Harvard University Press; 1958, p.28.

15 ANTUNES, Priscila Carlos Brandão. Capítulo 1 – A atividade de Inteligência: conceitos e

processos. In: SNI & ABIN: Entre a Teoria e a Prática. Uma leitura da atuação dos serviços secretos brasileiros ao longo do século XX. Rio de Janeiro; 2001. Acessado em: 25/05/2011. Disponivel em: Http://www.fafich.ufmg.br/pae/republica/bibliografia/capitulo1.pdf

16 CEPIK, op.cit, p. 55.

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Outra característica da atividade de inteligência é a sua independência,

originária nas guerras do final do século XIX, quando foi possível criar um “staff”

permanente, responsável pelo suporte e planejamento de informações para os

comandos tomarem decisões e as controlarem . Além dessa função externa, no

campo militar, também houve uma especialização na função policial e repressiva,

com o objetivo de evitar revoltas populares17.

Com a quantidade de informações geradas atualmente, a atividade de

Inteligência exige funcionamento permanente, tornado necessária uma organização

administrativa mais eficiente e efetiva, principalmente, que possa distribuir recursos

e produtos aos usuários em tempo hábil18.

Para se obter mais agilidade na coleta, análise e disseminação de

informações são necessárias: velocidade, capacidade e flexibilidade. O primeiro

caso demanda ciclos temporais mais curtos; no segundo, um aumento de

capacidade; e, no terceiro, deve haver maior integração entre as agências.

Por fim, as análises e as estimativas produzidas pela atividade de Inteligência

diferem daquelas realizadas pelos outros órgãos de assessoramento técnico e

governamental pelos seus fins, que são “aumentar o grau de conhecimento sobre os

adversários e os problemas que afetam a segurança estatal e nacional”. Também

exigem maior grau de intervenção humana na análise e na disseminação dos

dados19.

2.1.2 Conceitos de Fontes e Dado

Existem basicamente três fontes de obtenção de dados: fontes abertas,

fontes humanas e fontes eletrônicas. As fontes abertas são fontes de dados para a

produção de conhecimento de Inteligência que reúnem disciplinas de coleta e

análise de informações não classificadas através de níveis de segurança e

disponíveis para o público em geral.

17 ANTUNES, op.cit.

18 Ibid.

19 CEPIK op.cit, p. 29.

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Um especialista em informações, Ellis M. Zacharias, que durante a Segunda

Guerra Mundial foi Vice Diretor da Repartição de Informações Navais,

escreveu, há alguns anos, que na Marinha dos Estados Unidos, noventa e

cinco por cento das informações de tempo de paz provinham de fontes

ostensivas, quatro por cento de semi-ostensivas e somente um por cento,

às vezes menos, era obtido por meio de agentes secretos20

.

A Inteligência Eletrônica pode ser dividida em: Inteligência de Sinais,

Inteligência de Imagens e Inteligência de Dígitos. Na Inteligência Humana o ponto de

aplicação de esforço é o humano, mesmo que apoiado por equipamentos; enquanto

que na Inteligência Eletrônica, o ponto central é o equipamento que captura os

dados21.

Caso se empregue a versão inglesa para os conceitos, as informações

vindas de fontes humanas seriam Humint (human intelligence), as provenientes de

interceptação e decodificação de comunicações e sinais eletromagnéticos chama-se

Sigint (signals intelligence), as oriundas da produção e da interpretação de imagens

fotográficas e multiespectrais, Imint (imagery intelligence), e as vindas da

mensuração de outros tipos de emanações, como as sísmicas, as térmicas, etc.,

Masint (measurement and signature intelligence). Essas fontes podem ser tanto

clandestinas como ostensivas. Porém, se vierem de fontes públicas, impressas ou

eletrônicas, então tratar-se-iam de Osint (open sources intelligence). Esse autor

alerta que há relatórios, especialmente os de sigint e imint, que devem sair das

unidades de coleta diretamente para os usuários finais. Esse fato faz com que haja

sobreposição das etapas, no caso as de disseminação e as de avaliação,

contradizendo o esquema de estágios claros e papéis definidos22.

Na prática, o foco da Inteligência Eletrônica de Dígitos envolve a captura dos

dados pela interceptação de sistemas de informática e telemática, enquanto que o

reconhecimento é a Ação de Busca realizada para obter dados sobre o ambiente

operacional ou identificar visualmente uma pessoa.

20 RANSOM, op.cit. p.24.

21 RIO DE JANEIRO, op.cit.

22 CEPIK, op.cit. p. 32.

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Normalmente é uma ação preparatória que subsidia o planejamento de uma

Operação de Inteligência23.

Com relação à Humint, haveria uma estratificação que ascende a partir de

uma base composta por fontes “menos glamurosas”, de menor valor, de entrevistas

sistemáticas a pessoas que tenham tido acesso a países ou áreas negadas, como

turistas, viajantes ocasionais, acadêmicos, contatos de negócios, refugiados e

indivíduos oriundos de minorias oprimidas. Em situações de conflito armado os

informantes podem ser integrantes das populações de áreas ocupadas e os

prisioneiros de guerra. Numa camada intermediária, estariam os informantes

recrutados, exilados políticos, partidos de oposição etc., os quais podem ser

abordados formalmente ou então manipulados para passarem as informações sem

se darem conta de que estão tratando com um órgão de Inteligência. No ápice

estariam as fontes secretas que “transmitem regularmente informações que podem

não ser muito numerosas, mas tendem a ser de maior valor agregado e de alta

sensitividade”. Elas podem ser tanto recrutadas como voluntárias, pois tratam-se de

“agentes regulares, conscientes de que espionam seu próprio governo ou

organização e fornecem informações mais ou menos vitais”. Em algumas áreas de

Inteligência, como a de segurança, a policial e a externa sobre terrorismo, as únicas

fontes são os informantes e os agentes infiltrados. Além disso, a Humint é a forma

mais antiga e barata, e também a mais problemática, de se obter informações

secretas24.

Por fim, não se pode desconsiderar que, apesar dos avanços tecnológicos

alcançados, nenhuma máquina conseguiu revelar o desejo humano, ainda em

concepção racional25. Dessa forma, nada melhor que outra mente humana para

sintetizar os elementos fugazes de pensamento e emoção em um modo de agir,

dentro de um grau de previsibilidade.

23 BRASIL. Doutrina Nacional de ISP DNISP – versão para correção final.

24 CEPIK, op.cit. p. 39.

25 HIND,Alisson. A Short History of Espionage. New York: David Mackay Company; 1963, p.14.

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Mas enquanto é verdade que na era dos satélites e piratas de computadores , a informação tecnológica , o que não sai barato, tem de ser usada, os agentes humanos não podem ser substituídos por completo. A tecnologia só pode estabelecer a situação do momento; planos secretos, opções e outras considerações permanecerão ocultos até mesmo do mais sofisticado satélite26

.

Por sua vez, “Dado” pode ser conceituado como “qualquer representação de

um fato ou de uma situação, passível de estruturação, obtenção, quantificação e

transferência, sem exame e processamento pelo profissional de Inteligência”. Já

Informação “é o conjunto de dados que possui relevância e aplicação útil, exige

unidade de análise e consenso em relação ao seu conteúdo”. Enquanto que

Conhecimento “é a representação de um fato ou de uma situação, real ou hipotético,

de interesse para a atividade de Inteligência de segurança pública, com exame e

processamento pelo profissional de Inteligência”27.

2.1.3 Serviços de Inteligência

Na sua obra, Sherman Kent identifica o termo Intelligence em três

significados: produção de conhecimento, atividade e organização28,este último,

desenvolvido por instituições especializadas que buscam o dado negado, na

produção de inteligência e na salvaguarda dessas informações, os serviços

secretos.

Os famosos serviços secretos, nos moldes do estilo clássico criado por

Wilhelm Stieber, cederam o seu lugar no pós-guerra a organizações inteiramente

diferentes, cujas atividades se resumem, fundamentalmente, na pesquisa,

investigação e interpretação de fatos e dados concretos, oriundos da conjuntura

nacional e internacional.

26 WOLF, Markus . O homem sem rosto: a autobiografia do maior mestre da espionagem do

comunismo/ Markus Wolf; tradução de Gilson B. Soares – Rio de Janeiro:Record; 1997, p.427.

27 BRASIL. Resolução Nº 1, de 15 de julho de 2009, regulamenta o Subsistema de Inteligência de

Segurança Pública – SISP

28 KENT, Sherman. Informações Estratégicas. __ed, Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército; 1967

(Coleção General Benício).

Page 23: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

23

No sentido amplo, serviço secreto é toda uma organização: coletores de

informações, pesquisadores, compiladores, avaliadores, relatores,

analisadores, divulgadores e uma quantidade de outros tipos, juntamente

com todos os seus instrumentos, sistemas de comunicação, bibliotecas,

laboratórios, arquivos, escritórios de trabalho. No setor de proteção existem:

contra-espiões, censores, planejadores, decifradores de códigos,

verificadores de lealdade, especialistas em segurança e outros mais, com

seus próprios equipamentos e acessórios. [...] Em sentido estrito, serviço

secreto não é simplesmente a informação processada adequadamente, mas

a informação em sua essência29

.

Os órgãos de Inteligência orientam a produção do conhecimento na resposta

a três questões: o que estão fazendo, o que podem fazer e o que farão. Para esta

última é necessário saber avaliar o espírito do povo e ter um conhecimento da

situação particular, como um todo. Dessa forma, o objetivo é buscar tirar a

conclusão mais valiosa de todos os fatos disponíveis. O que demanda:

compreensão, julgamento e perspectiva30.

Por sua vez, o termo “intelligence” é considerado como específico,

significativo e derivado de uma informação, informe, fato ou dado, de relevada

importância para determinado problema de política nacional corrente, que foi

selecionado, avaliado, interpretado e expresso. Além disso, considera que deve

haver uma distinção entre o informe bruto (raw information) e a informação acabada

(finished intelligence)31.

Outra definição dos serviços de Inteligência:

são agências governamentais responsáveis pela coleta, pela análise e pela disseminação de informações consideradas relevantes para o processo de tomada de decisões e de implementação de políticas públicas nas áreas de política externa, defesa nacional e provimento de ordem pública

32.

29 HIND, op.cit. p. 15.

30 PLATT, op.cit. p.29.

31 PLATT, op.cit. p.30.

32 CEPIK, op.cit. p. 13.

Page 24: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

24

Os responsáveis pela coleta de informação precisam “planejar a utilização

dos meios técnicos e fontes humanas disponíveis para produzir a máxima sinergia

possível”, pois mesmo nos países mais ricos os recursos são escassos. E os meios

técnicos de coleta necessitam de gerenciamento especializado e complexo,

dependendo das plataformas utilizadas33.

2.1.4 Inteligência Estratégica Antecipativa

A primeira meta da Inteligência é proporcionar conhecimento antecipado,

suprindo aqueles que formulam e executam a política nacional, com avaliações

corretas sobre as situações presente e futura, incluindo as possibilidades e as

intenções adversárias. Na procura de tais informes, deve ser feita uma distinção

entre o cognoscível e o incognoscível, entre o que pode ser previsto com razoável

certeza e o que se apresenta apenas com certo grau de probabilidade34.

Essa expressão “Inteligência Estratégica Antecipativa” começou nas

empresas, onde é considerada genérica e englobando diversos tipos específicos

para a implantação. É um processo informacional coletivo e contínuo pelo qual um

grupo de indivíduos busca (de forma voluntária) e utiliza as informações

antecipativas relacionadas às mudanças suscetíveis de serem produzidas no

ambiente exterior da empresa, com o objetivo de criar oportunidades de negócios e

de reduzir riscos e incertezas em geral35.

Harry Howe Ransom apresenta como principais objetivos de uma agência de

Inteligência de Estado, em nível Estratégico, fornecer conhecimento antecipado

(informes), avaliações sobre a situação presente, também chamada de estimativa

cognoscível (apreciações), e avaliações sobre situações futuras, também chamadas

33 Ibid. p.33.

34 RANSOM, op.cit. p.16.

35 SOUZA, A. C. R.; SENTO-SÉ, J.O.; ACHAN, W. Núcleo de Inteligência: o papel da produção de

informações estratégicas como mecanismo de controle, transparência, eficiência e efetividade na gestão pública. In: III Congresso CONSAD de Gestão Pública, 2010, Painel 38/150. Modernização, inovação e impactos na melhoria da gestão pública no Governo do Estado da Bahia através da atuação de um sistema articulado de órgãos de controle e combate à corrupção. Salvador, 2010. Acessado em: 25/05/2011. Disponível em: http://www.consad.org.br/sites/1500/1504/00001958.pdf

Page 25: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

25

de estimativas incognoscível (estimativas strictu sensu) à respeito de possibilidades

e intenções de potências estrangeiras36. Tanto as apreciações como as estimativas

compõem o que se chama Inteligência Antecipativa.

A informação Estimada Nacional é um dos aperfeiçoamentos mais importantes dentre os introduzidos no sistema nacional de tomada de decisões, na década seguinte à Segunda Guerra Mundial. É verdade que tais estimativas ainda refletem as limitações inerentes a qualquer previsão sobre atos dos seres humanos ou governo, as deficiências de qualquer produto dependente do consenso

37.

Esse autor afirma ainda que o conhecimento de Inteligência, de caráter

antecipativo, deve ser produzido no âmbito da agência central38.

Tal fato se justifica não só pela complexidade e necessidade de tempo para a

elaboração das estimativas, mas, principalmente pela dificuldade dessa produção

em agências que tenham por missão precípua o fornecimento de informações em

nível tático e operacional, onde a oportunidade e utilidade do conhecimento são

extremamente passageiros39.

Outro aspecto ressaltado pelo autor versa no que tange à observância, na

Inteligência Estratégica Antecipativa, do seu duplo grau de falhabilidade e incerteza.

O primeiro é inerente à própria produção de conhecimento de Inteligência, quando

se funda em fragmentos de dados disponíveis, suficientes para tornar a informação

útil e oportuna para o seu destinatário; o segundo considera a imprevisível variável

humana.

A história está cheia de exemplos de políticos que, por uma razão ou por outra, recusaram-se a acreditar em informações estimadas, as quais, em muitos casos, se revelaram corretas

40.

36 RANSOM, op.cit. p. 20.

37 Ibid. p.124.

38 Ibid.

39 Ibid. p. 153.

40 Ibid. p. 179.

Page 26: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

26

2.1.5 Agência Central de Inteligência

Cabe à agência central do Sistema de Inteligência a coordenação das

informações entre agências.

O conhecimento por ela produzido não substitui as informações das agências

do sistema, mas aumenta a qualidade e eficiência delas, coordenando-as e

suplementando-as, evitando duplicações de esforços, assegurando a exploração de

todo o campo de análise atribuído, bem como participando, ativamente, na

consecução dos objetivos genéricos de recrutamento e treinamento de pessoal.

Esse conhecimento deve ser compilado em análises estratégicas, por meio de

apreciações ou estimativas nacionais. Tal tarefa apresenta grande complexidade,

não só pela dificuldade de superação da burocracia da administração pública na

difusão do conhecimento de maneira oportuna ao seu cliente final, o decisor

estratégico, mas, também pelo reconhecimento, por parte dele, com o útil e confiável

para a sua tomada de decisão41.

A agência central deve abster-se de realizar trabalhos substantivos primários

(inteligência no nível operacional e tático). Deve, sim, preocupar-se em manter as

agências do sistema unidas, como uma equipe, para a busca da solução de

problemas considerados de importância para o Estado, prestando assessoramento

técnico e fornecendo recursos materiais para a realização de trabalhos relevantes,

impondo-se e superando dificuldades.

Por fim, é importante salientar que as funções operacionais da agência central

não devem ser realizadas em competição com as demais agências do sistema.

Qualquer que seja o produto resultante do funcionamento da agência central, as

informações que o compõem deverão atender, primordialmente, as necessidades e

interesse das agências de Inteligência que compõem e/ou aquelas definidas e

constantes no Plano de Inteligência de âmbito estadual ou nacional.

41 Ibid.

Page 27: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

27

A função de coordenação desenvolvida pela agência central tem por

elementos básicos:

a fixação de uma jurisdição nítida para as seções de informações dos diversos ministérios; policiamento destas fronteiras jurisdicionais; avaliação permanente dos padrões de informação dos ministérios; auxílio na elevação dos padrões de informações dos ministérios; direção dos projetos interministeriais e estabelecimento dos padrões do governo para obter pessoal de informações de alto gabarito

42 .

O modelo norte-americano de atuação da agência central inclui outras cinco

funções específicas, a serem desempenhadas, sob a direção do Conselho de

Segurança Nacional, como funções legais:

Assessorar o Conselho de Segurança Nacional em assuntos de informações do governo relacionadas com a segurança nacional. Apresentar propostas ao Conselho de Segurança Nacional sobre coordenação das atividades de informações os ministérios e órgãos do governo. Correlacionar e avaliar informações e providenciar sua difusão adequada no âmbito governamental. Desempenhar em benefício dos órgãos de informações existentes, os serviços adicionais que, por determinação do CSN, possam ser realizados com mais eficiência sob forma centralizada. Desempenhar outras funções e obrigações relacionadas com as informações que interessem à segurança nacional, de acordo com a determinação do Conselho de Segurança Nacional

43.

O papel de integrador desempenhado pela agência central durante a

coordenação do trabalho das demais agências, permite, muitas vezes, que dados ou

informes, ainda dispersos, ganhem “corpo” e construam um conhecimento oportuno

e útil, tal como um artífice que restaura uma peça de porcelana quebrada, cujos

pedaços se encontram em diversos locais diferentes44.

42 Ibid. p. 189.

43 Ibid. p. 74.

44 HILSMAN, Roger. Strategic intelligence and national decisions. Illinois, EUA: The Free Press,

Glencoe, 1956. p.83.

Page 28: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

28

A coordenação permite, ainda, que se evite o retrabalho sobre o mesmo

tema, otimizando os meios disponíveis e, muitas das vezes, reorientando análises já

realizadas45.

A autoridade da agência central advém da existência de canais técnicos

estabelecidos entre as agências de um sistema de Inteligência, não havendo,

portanto, obediência hierárquica entre os integrantes do sistema46.

2.2 INTELIGÊNCIA NO CAMPO INTERNO

O trabalho de Inteligência está dividido nos âmbitos externo e interno, busca

“as informações sobre identidades, capacidades, intenções e ações de grupos e

indivíduos dentro de um país, cujas atividades são ilegais ou alegadamente

ilegítimas”. Entretanto, mesmo na democracia e com tolerância, existe uma tensão

entre a vigilância estatal e a privacidade e os direitos individuais47.

2.2.1 Inteligência Policial

O conceito e a abrangência da Inteligência Policial visam sua aplicação no

âmbito da investigação criminal (polícia judiciária) e no emprego do policiamento

ostensivo (polícia militar). No primeiro caso, é procurada a produção de provas; no

segundo, se busca uma otimização dos meios e a análise do fenômeno criminal.

Também é necessário desfazer a confusão conceitual na aplicação dos

termos “Inteligência Policial” e “Inteligência de Segurança Pública”. Esta, tem por

conteúdos a Inteligência Policial e a Análise Criminal. Diante dos níveis de decisão

(estratégico, tático e operacional), a Inteligência de Segurança Pública se materializa

no nível tático/operacional através da Inteligência Policial e da análise criminal.

45 PETTEE, George S. The Future of American Secret Intelligence. Washington –DC: Infantry Journal

Press; 1972. p.40.

46 Ibid. p.80.

47 ANTUNES, op.cit.p. 33.

Page 29: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

29

Assim, a ISP deve atuar em nível estratégico apenas no âmbito da agência central

de Inteligência da Secretaria de Estado.

De acordo com Resolução Nº 1, de 15 de julho de 2009, que regulamenta o

Subsistema de Inteligência de Segurança Pública – SISP, a Análise Criminal:

é um conjunto de processos sistemáticos direcionados para o provimento de informação oportuna e pertinente sobre os padrões do crime e suas correlações de tendências, de forma a apoiar a área operacional e administrativa no planejamento e distribuição de recursos para a prevenção e supressão de atividades criminosas

48.

2.2.2 Inteligência de Segurança

A Inteligência de Segurança, ou Inteligência Interna ou Doméstica, trata das

ameaças internas à ordem existente. Suas origens remontam o policiamento político

desenvolvido na Europa na primeira metade do Século XIX, quando os movimentos

inspirados na Revolução Francesa e os grupos operários anarquistas e socialistas

passaram a ser vistos como ameaça49.

A Inteligência de Segurança nada mais é que a Inteligência de Estado

voltada para o campo interno, atuando como serviço de contra-Inteligência na

proteção do Estado Nacional.

Nos Estados Unidos da América essa função é exercida por uma

organização policial, o Federal Bureau of Investigation (FBI). Mas as autoridades

mais responsáveis na formulação da alta política daquele país também não

consideram seus problemas de segurança interno no campo da estratégia,

parecendo muito satisfeitas em resolvê-los eficientemente com uma organização

policial como o FBI.

Na Inglaterra o mesmo não ocorre porque se produz conhecimento, em

nível estratégico, não somente no campo externo, mas, também, no campo interno,

através de sua organização de Inteligência, o MI 5 (Contra-Inteligência de Estado) ,

48 BRASIL. Resolução Nº 1, de 15 de julho de 2009, regulamenta o Subsistema de Inteligência de

Segurança Pública – SISP

49 CEPIK, op.cit. p. 99.

Page 30: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

30

ficando o MI 6 (Inteligência de Estado) com a incumbência de atuar no campo

externo.

Consideramos que muitas informações relativas ao campo interno são

estratégicas e, inevitavelmente, devem ser consideradas no trabalho de formulação

da política de segurança nacional, e compor o repertório de assuntos do Plano de

Inteligência Nacional.

O Brasil adotou o modelo norte-americano, deixando a cargo da Agência

Brasileira de Inteligência (ABIN) a missão de produção de Inteligência de Estado e

ao Departamento de Polícia Federal (DPF), além da sua missão precípua como

instituição policial, a operacionalização das ações repressivas, relativas à Contra-

Inteligência de Estado, dentro do território nacional.

Tal modelo tem gerado muita polêmica, no âmbito dos tribunais superiores,

quanto à participação da ABIN em ações conjuntas com o Departamento de Polícia

Federal (DPF). Tal confusão ocorre exatamente pela falta de compreensão sobre a

matéria. Em tese, tal atuação conjunta somente se justificaria nos casos em que o

DPF estivesse atuando na repressão a ações relacionadas com a Contra-

Inteligência de Estado, sendo inadequada a participação do órgão de Inteligência de

Estado na apuração de ilícitos criminais.

Diferencia-se a Inteligência de Segurança da Inteligência Policial, a qual está

“voltada para questões táticas e operacionais de repressão e de investigação de

ilícitos e grupos infratores” e é incumbência “das polícias estaduais, civis e militares,

e da Polícia Federal”. Estas auxiliam o trabalho do Poder Judiciário e do Ministério

Público ao atuarem na prevenção, obstrução, identificação e neutralização das

ações criminosas, obedecendo aos preceitos legais e constitucionais para a

atividade policial e para as garantias individuais. Entretanto, realça Rodrigo Carneiro

Gomes, no caso das organizações criminosas também é necessária sua

combinação com a Inteligência governamental50.

50 GONÇALVES, Joanisval Brito. A atividade de Inteligência no combate ao crime organizado: o caso

do Brasil. Florianópolis: ® BuscaLegis.ccj.ufsc.br; 2010. Acessado em 25/05/2011. Disponível em: https://www2.mp.pa.gov.br/sistemas/gcsubsites/upload/60/A%20atividade%20de%20intelig%C3%83%C2%AAncia%20no%20combate%20ao%20crime%20organizado(2).pdf

Page 31: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

31

É preciso que haja interação entre os órgãos internos do Departamento de

Polícia Federal e outros órgãos policiais e de segurança do Estado, assim como

comunicação, em tempo real, de possíveis ameaças ao Estado, com a finalidade de

neutralizar ações criminosas51.

Por exemplo, considera-se que o atentado às Torres Gêmeas, em Nova York,

somente foi possível devido à falta de comunicação entre o Escritório Federal de

Investigação (FBI), o Serviço de Imigração e a Agencia Central de Inteligência (CIA),

quanto à presença de terroristas em solo norte-americano52.

As informações mais relevantes da Polícia Federal para a investigação e a

Inteligência ainda permanecem restritas, havendo necessidade de colocá-las à

disposição para consulta, de modo organizado e sistematizado, sempre que for

preciso. Entretanto, esse problema ainda não foi resolvido visto que as polícias, em

geral, ainda se encontram mais preocupadas com o sucateamento crônico e a baixa

remuneração, sobrando pouco tempo para a produção de conhecimento de

qualidade que possa ser armazenado e utilizado53.

Para que as agências intergovernamentais possam cooperar entre si, será

necessário mitigar o “secretismo” oficial e investir maciçamente em recursos

tecnológicos e na área de Inteligência. Um exemplo prático da importância de se

superar esta situação está numa ação que poderia ter sido evitada, se estas

medidas já estivessem à disposição. No caso, foi a onda de ataques promovida pelo

Primeiro Comando da Capital (PCC), entre 1997 e 2006, no Estado de São Paulo,

que contou com rebeliões carcerárias e ataques mortais a agentes públicos54.

51 Ibid.

52 GOMES, Rodrigo Carneiro. Prevenir o crime organizado: Inteligência policial, democracia e difusão

do conhecimento. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v. 21, n. 8, ago. 2009. Acessado em: 25/05/2011. Disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/25248/prevenir_crime_organizado_inteligencia.pdf?sequence=1

53 Ibid.

54 Ibid.

Page 32: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

32

2.3 INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA E INTELIGÊNCIA TÁTICA

Em Inteligência é necessário distinguir estratégias, de táticas. Estas últimas

têm um aproveitamento prático e imediato, a chamada Inteligência Tática, enquanto

que os primeiros, ou Inteligência Estratégica, visam um conhecimento de longa

duração55.

A diferença básica consiste na qualificação do nível de decisão, através da

amplitude do conteúdo analisado, sua aplicação e técnica de processamento da

informação.

Na Inteligência Tática o conhecimento é produzido visando o assessoramento

para tomada de decisão em médio e até em curto prazo, assim, o tempo disponível

permite com que o conteúdo a ser analisado possua uma maior amplitude,

comparado com o produzido pela Inteligência Operacional (ou de combate), cujas

tomadas de decisão são de curto prazo ou até mesmo imediatas. Nem sempre a

distinção entre ambas é nítida56 por tratarem da parte prática das ações; no exemplo

militar, as ações de combate.

A aplicação, pelo decisor, da Informação Tática, processada, irá subsidiá-lo

no atendimento de objetivos intermediários, mais mutáveis que os estratégicos,

através do planejamento, gestão e controle do conjunto de ações operacionais a

serem executadas pelos órgãos operacionais.

Tanto para a Inteligência Operacional quanto para a Tática a técnica de

processamento e instrumentos de difusão (tipos de documentos de Inteligência), são

basicamente os mesmos, o que não acontece com a Inteligência Estratégica.

Na Inteligência Estratégica, o conteúdo a ser analisado é ainda de maior

amplitude que os demais níveis de decisão, muitas das vezes com o a necessidade

de participação de diversas agências em sua elaboração. Assim, exigem maior

tempo para sua elaboração, portanto destinado seu produto final para uma aplicação

de médio para longo prazo, sendo apresentada através de apreciações e estimativas

que projetam cenário futuro mais provável para o evento em estudo.

55 US Army Intelligence Center. Us Army Course – Strategic Intelligence. Edition Date: September

1997. p.06.

56 RANSOM, op.cit. p. 20.

Page 33: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

33

Considera-se que a informação estratégica abranja os oito ramos a seguir,

oriundos das ciências naturais e sociais: informação científica, geográfica, de

transporte e telecomunicações, econômica, militar, sociológica, política e biográfica.

Estas, em geral, têm mais tempo disponível para serem avaliadas que aquelas do

enfrentamento57.

Também pode ser empregado com sucesso o método científico, o qual consta

de coleta de dados, formulação de hipóteses, verificação destas e conclusões, as

quais podem ser utilizadas como fontes idôneas de previsão58.

Na concepção da Escola Superior de Guerra toda informação nacional é

estratégica, mas o inverso não é verdadeiro, pois, pelo critério de classificação, as

informações são estratégicas quanto ao nível de utilização e nacionais quanto ao

órgão de produção59.

57 PLAT, op.cit. p. 31.

58 Ibid. p.100.

59 RANSOM, op.cit. p. 16.

Page 34: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

34

3 INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA

Neste capítulo será estudado o desenvolvimento da Inteligência de

Segurança Pública, sua origem histórica, tendo por base seus fundamentos no

Estado do Rio de Janeiro e como se encontra a doutrina nacional nos dias de hoje.

3.1 SERVIÇOS DE INTELIGÊNCIA E DE SEGURANÇA

Os serviços de Inteligência e de segurança foram criados para resolver

problemas de informação relativos à defesa nacional e à ordem pública, tendo

havido disputas relativas à jurisdição e entre organizações similares subordinadas a

diferentes governos. Sempre foi difícil delimitar a jurisdição das polícias e dos

serviços de Inteligência. As culturas organizacionais, os mandatos legais e os

objetivos da coleta e análise de informações são diferentes nesses dois tipos de

organizações estatais. Há pelo menos duas diferenças entre ambas instituições, e

que tem se mantido nos diferentes contextos nacionais. Primeiro, as investigações

criminais buscam elucidar a autoria dos crimes e contravenções penais visando a

instrução de um processo criminal, enquanto os serviços de Inteligência são mais

abrangentes, auxiliando na elaboração de políticas públicas mais eficazes e

fornecendo um relatório sobre o conhecimento adquirido. Segundo, a polícia cuidaria

de problemas internos do país, enquanto a Inteligência (de Estado) das questões

exteriores60.

Segurança seria uma proteção para neutralizar ameaças discerníveis contra

alguém ou alguma coisa com razoável expectativa de sucesso, empregando

padrões e medidas de proteção “para conjuntos definidos de informações, sistemas,

instalações, comunicações, pessoal, equipamentos ou operações”. Essas medidas

devem ser proporcionais às ameaças percebidas para que não se tornem elas

próprias uma ameaça à efetividade, à autonomia e à própria existência do protegido,

60 CEPIK, op.cit. p. 128.

Page 35: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

35

pois, a proteção total contra tudo e contra todos é impossível do ponto de vista

material e psicológico, e indesejável enquanto totalitária61.

Haveria pelo menos três sistemas básicos de Inteligência nacional, o modelo

anglo saxão, o europeu continental e o asiático. No primeiro caso apresenta alta

centralização da autoridade sobre unidades do sistema, alto grau de integração

analítica, média separação entre Inteligência e política, e média efetividade dos

mecanismos de prestação de contas (accountability) e supervisão. No segundo,

média centralização da autoridade sobre as unidades do sistema, média integração

analítica dos produtos de Inteligência, alto envolvimento da atividade de Inteligência

com as instâncias de policymaking e baixa efetividade dos mecanismos de

“accountability” e de supervisão, este seria, de certo modo o modelo adotado pelo

Brasil. No terceiro, há baixa centralização da autoridade sobre as unidades do

sistema, alta integração analítica dos produtos de Inteligência, médio envolvimento

da atividade de Inteligência com as instâncias de policymaking e uma efetividade

dos mecanismos de “accountability” e de supervisão mais baixa que no tipo europeu

continental3.

Com relação à área internacional, segredo e Inteligência diferem nas

situações em que as operações de coleta de informações são difíceis ou não podem

ser obtidas através de meios corriqueiros de pesquisa. E a “rationale” do segredo na

área de Inteligência se assentaria “em três diferentes tipos de consideração a

respeito de fontes, informações, operações, métodos e tecnologias empregadas”.

Primeiro, o segredo como forma de regulação quando o valor da Inteligência obtida

depende do alvo não ficar sabendo o que efetivamente se sabe sobre ele. Cita-se

como exemplo, “o conhecimento prévio de um plano inimigo para um ataque

surpresa abre a possibilidade de se preparar uma emboscada”, desde que o inimigo

não saiba que a vítima sabe que será atacada. Em segundo, está na forma de se

obter informações, principalmente em tempo de paz, pois a espionagem, a vigilância

eletrônica e a invasão de redes de computadores contrariam as leis dos países-alvo

e as internacionais que “garantem a inviabilidade do território, do espaço aéreo e

das águas territoriais”. Em terceiro, a vulnerabilidade das fontes às contramedidas

61 Ibid. p. 138.

Page 36: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

36

de segurança que o alvo tomaria, caso soubesse do esforço adversário em obter

Inteligência. Aqui, não se protegeria qualquer informação em particular, mas a

continuidade dos fluxos de Inteligência62.

Com relação aos mecanismos de controle público sobre atividades de

Inteligência e segurança, listam-se sete: as eleições; a opinião pública informada

pela mídia; os mandatos legais delimitando funções e missões; os procedimentos

judiciais de autorização e de disputas de interpretação; as inspetorias e as

corregedorias nos próprios órgãos de Inteligência; outros mecanismos de

coordenação e de supervisão do Poder Executivo; e, o Poder Legislativo. Estes dois

seriam os mais efetivos, principalmente o último63.

3.2 DOUTRINA NACIONAL

3.2.1 Definição

A doutrina é constituída por marcos que guiam um oficial de Inteligência,

devendo este ficar atento ao fato de que a doutrina não se trata de “uma descrição

inteiramente acurada da prática”, pois sofre influencia, da mesma,, em alto grau e

“são os esquemas ao qual a prática se amolda”. Outra definição é a de “ideal” pelo

qual se luta64.

O corpo doutrinário é composto pelas “leis, diretrizes e regulamentos que

regem as diversas unidades de pesquisa de informações” e que orientam suas

“relações com os órgãos de governo formuladores de política e encarregados de

operações”65.

A apostila “Inteligência Policial” da Polícia Militar da Bahia define a doutrina de

Inteligência como “um conjunto de normas, valores, princípios e pressupostos éticos

62 Ibid. p. 157.

63 Ibid. p. 159

64 HILSMAN, op.cit. p. 01.

65 Ibid.

Page 37: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

37

que regem as Atividades de Inteligência, principalmente no que se refere ao

comportamento de seus integrantes”66.

3.2.2 Modelo Anterior

O único órgão de informações das forças armadas anterior a 1964 era o

Centro de Informações da Marinha (Cenimar). No final da década de 1960, para

combater a chamada subversão, foram criados o Centro de Informações do Exército

(CIE) e o Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA). Em 1967, se

uniu a estes o SNI. E assim, “a atividade de informações confundiu-se com a própria

segurança nacional”67.

A discussão sobre o tema Inteligência ganhou relevância a partir da década

de 1990, quando foi extinto o Serviço Nacional de Informações (SNI). Nesse

período, a atividade de informações estava muito atrelada à repressão e à violação

dos direitos civis do período anterior de regime militar, quando esses serviços

“converteram-se em estados paralelos com alto grau de autonomia, enorme poder e

grande capacidade operacional”68.

No período posterior à transição democrática, havia uma discussão na

produção acadêmica brasileira quanto ao controle e à subordinação do aparato

militar à sociedade civil, sendo desse período a maioria dos escassos trabalhos

nacionais sobre o assunto. Alguns autores consideraram que o controle civil deveria

agir sobre o cerne dos serviços de informações do regime militar, sendo que uns

avaliaram que esta iniciativa deveria vir do Legislativo, enquanto outros das próprias

forças armadas69.

66 MORAES, L.S.M.; JESUS, I.A.S.; REIS, J.H.B. Inteligência Policial. 2008. Coletado na internet.

Acessado em 25/05/2011. Disponível em: http://www.tok2.com/home/gr2008feira/arquivos/Intelig%EAncia/Apostila%20Intelig%EAncia.pdf. Acessado em 09/03/2010

67 ANTUNES, op.cit. p. 10.

68 Ibid. p. 05.

69 Ibid. p. 20.

Page 38: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

38

Outros autores consideram que o Legislativo não tem esclarecimento

suficiente sobre o assunto, e que o esgotamento do modelo do SNI ocorreu como

repercussão indireta da democratização e pelas contradições inerentes aos serviços

de informações. Outro livro prestigiado “A História da Atividade de Inteligência no

Brasil trata da importância da atividade de Inteligência, embora não aborde de forma

crítica a atividade dos órgãos de informações no governo militar”70.

Se houve pouca produção acadêmica sobre a atividade de Inteligência, o

debate político foi ainda menor. Houve um seminário promovido pelo Congresso

Nacional com universidades brasileiras e norte-americanas, em 1994, e uma

audiência pública, promovida pela Comissão de Defesa Nacional, em 199671.

O problema é que, devido à experiência autoritária anterior, houve resistência

a discussões abordando a atividade de Inteligência e a segurança nacional, o que

atrasou a criação da ABIN no Congresso Nacional, além de ter dificultado o debate

sobre os mecanismos responsáveis pelos “segredos governamentais”72.

3.2.3 Criação da ABIN

Para assessorar o Presidente da República com informações estratégicas,

foram criados, pela Lei nº 9883/99, o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) e

seu órgão central, a Agência Brasileira de Informações (ABIN), esta última

responsável pela missão de planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar

as atividades de Inteligência e de Contra-Inteligência, sendo que “com irrestrita

observância dos direitos e garantias individuais, fidelidade às instituições e aos

princípios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado”73.

No caso da ABIN, o mecanismo de controle externo é uma Comissão

Parlamentar, composta por membros da Câmara dos Deputados e do Senado

Federal, pelo Tribunal de Contas da União (gestão de recursos orçamentários) e

70 Ibid. p. 07.

71 Ibid. p. 22.

72 Ibid.

73 GONÇALVES, op.cit.

Page 39: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

39

pela Comissão Mista de Controle da Atividade de Inteligência - CCAI (Política

Nacional de Inteligência). Formam essa Comissão as lideranças majoritárias e

minoritárias do Congresso Nacional e os presidentes das Comissões de Relações

Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Senado Federal74.

O Subsistema de Inteligência de Segurança Pública foi instituído pelo Decreto

nº 3.695, de 21 de dezembro de 2000, no âmbito do SISBIN, com a finalidade de

"coordenar e integrar as atividades de Inteligência de segurança pública em todo o

País, bem como suprir o governo federal e os estaduais de informações que

subsidiem a tomada de decisões neste campo". Seu órgão central é a Secretaria

Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (SENASP) e dele fazem os

Ministérios da Justiça, da Fazenda, da Defesa e da Integração Nacional e o

Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, podendo ainda

integrá-lo os órgãos de Inteligência de Segurança Pública dos Estados e do Distrito

Federal75.

Os Comandos Militares – do Exército, da Marinha e da Aeronáutica – e o

Ministério da Defesa, têm setores voltados para a Inteligência Militar. A Receita

Federal, o INSS e o IBAMA têm áreas de Inteligência voltadas para a fiscalização. O

Banco Central do Brasil e bancos estatais, como a Caixa Econômica Federal, têm

setores direcionados à Inteligência na área financeira, sendo o COAF encarregado

da coordenação das atividades de combate à lavagem de dinheiro. A Polícia

Federal, a Polícia Rodoviária Federal e as polícias estaduais, civis e militares, têm

unidades de Inteligência Policial76.

Muitos desses órgãos de Inteligência governamental e policial estão

conectados com congêneres estrangeiros, alguns com adidos em representações

brasileiras no exterior. Compõem, dessa forma, um alicerce para a cooperação

internacional na prevenção e no combate a organizações criminosas e terroristas77.

74 Ibid.

75 Ibid.

76 Ibid.

77 Ibid.

Page 40: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

40

3.2.4 Subsistema de Inteligência de Segurança Pública

Em consideração à “manifestação favorável do Conselho Especial do

Subsistema de Inteligência de Segurança Pública”16, o Subsistema de Inteligência

de Segurança Pública - SISP foi regulamentado pela Resolução Nº 1, de 15 de julho

de 2009. Esta, segundo seu Art.1º, § 4º, “compõe o Sistema Brasileiro de

Inteligência – SISBIN”, que é “constituído de rede própria”, sendo “responsável pelo

processo de coordenação e integração das atividades de Inteligência de segurança

pública no âmbito do território nacional”. Seu objetivo é:

fornecer subsídios informacionais aos respectivos governos para a tomada de decisões no campo da segurança pública, mediante a obtenção, análise e disseminação da informação útil, e salvaguarda da informação contra acessos não autorizados

78.

Conforme dispõe o § 1º do referido artigo, o SISBIN está comprometido com o

Estado Democrático de Direito e a promoção dos direitos e garantias individuais.

Sua Agência Central é a “Coordenação-Geral de Inteligência - CGI, da Secretaria

Nacional de Segurança Pública - SENASP, destinatária direta dos dados,

informações e conhecimentos decorrentes das atividades de Inteligência de

Segurança Pública”. Tem como “fundamentos a preservação e a defesa da

sociedade e do Estado, das instituições, a responsabilidade social e ambiental, a

dignidade da pessoa humana”79.

De acordo com o § 3º do art. da citada Resolução, são elementos

constituintes do SISP, originariamente:

I - Conselho Especial do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública;

II - a Rede Nacional de Inteligência de Segurança Pública - RENISP;

III - a Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública,

Justiça e Fiscalização - INFOSEG;

78 BRASIL. Resolução Nº 1, de 15 de julho de 2009, regulamenta o Subsistema de Inteligência de

Segurança Pública – SISP

79 Ibid.

Page 41: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

41

IV - o Sistema Nacional de Identificação de Veículos em Movimento -

SINIVEM;

V - os Organismos de Inteligência de Segurança Pública e suas agências, o

respectivo pessoal e estrutura material;

VI - a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP); e

VII - os sistemas de informações, os bancos de dados de propriedade e ou

cedidos à SENASP;

VIII - Conselho Nacional de Chefes de Organismos de Inteligência de

Segurança Pública – CNCOI80.

Segundo o artigo 6º da precitada Resolução “As Agências de Inteligência

subordinam-se à chefia da unidade organizacional respectiva e a sua atuação

sempre deverá obedecer as diretrizes contidas na DNISP e nas deliberações do

Conselho Especial do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública”. Essa

Doutrina é definida como:

um conjunto de normas, métodos, valores e princípios orientadores que, associados aos pressupostos éticos, regem as atividades de Inteligência de segurança pública, voltadas para a produção e proteção de conhecimentos relativos à Segurança Pública, tanto do ponto de vista estratégico quanto tático

81.

Embora a DNISP conste como “elemento constituinte do SISP”, tem ela a

mesma valoração normativa, e serve “como um modelo orientador às Agências de

Inteligência dos Estados e componentes do SISP”, estabelecendo sua

regulamentação a “obrigatoriedade de obediência às diretrizes dela emandadas”82.

De acordo com o Decreto Federal n.º 3.695/00, o Conselho Especial do

Subsistema deve propor a integração de todos os Órgãos de Inteligência de

Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal e estabelecer normas

80 Ibid.

81 WENDT, Emerson. Inteligência de Segurança Pública e DNISP – Aspectos iniciais. 15 de março de

2010. Acessado em 5/8/2011. Disponível em: http://www.inteligenciapolicial.com.br/2010/03/inteligencia-de-seguranca-publica-e.html

82 Ibid.

Page 42: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

42

operativas e de coordenação da atividade de Inteligência de Segurança Pública,

acompanhando e avaliando o desempenho desta83.

3.3 DOUTRINA DE INTELIGÊNCIA NO RIO DE JANEIRO

3.3.1 Origem histórica

Iniciada e comandada pelo Chefe de Polícia Euzébio de Queiroz, a polícia

secreta surgiu sem um regulamento formal e uma hierarquia definida. Os agentes

secretos, ou espiões, trabalhavam em conjunto com a população que era

incentivada a delatar crimes e criminosos em troca de prêmios em dinheiro. O

incentivo era estendido aos policiais cujos baixos salários poderiam melhorar

mediante a premiação84.

Após a reforma do Código de Processo Criminal em 1841, que ampliou a

atividade secreta da polícia, os agentes secretos infiltravam-se à paisana no meio da

população, constituindo uma espécie de trabalho de detetive85.

As atividades de polícia secreta eram executadas por dois grupos de agentes.

O primeiro era formado por uma equipe regular, convocada pelo Chefe de Polícia ou

pelos Delegados para espreitar certas atividades suspeitas e prestar apoio a

operações policiais. O segundo, era provisório, formado por homens contratados e

pagos para executarem determinados serviços86.

A exposição ao ambiente criminal mostrou-se nociva a alguns destes agentes,

que acabaram aproveitando-se do cargo para obter vantagens. Muitos agentes

foram dispensados, acusados de facilitar a continuidade das casas de jogos e de

prostituição, e até de incentivar o crime, chegando-se ao extremo de, em 1880,

serem todos dispensados pelo Chefe de Policia. Em 1890, já na república, este

83 BRASIL. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Cria o

Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência, e dá outras providências. D.O. Eletrônico de 22/12/2000, P. 77.

84 REZNIK, Luis. 200 anos da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro 2008. 1ª ed. Rio de Janeiro:

Editora Ideorama, 2008.

85 Ibid.

86 Ibid

Page 43: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

43

modelo de polícia secreta foi substituído por outro, composto de 35 agentes secretos

que recebiam salários fixos87.

3.3.2 Fase recente

No Rio de Janeiro, a necessidade de se dispor de um Sistema de Inteligência

de Segurança Pública que pudesse fazer um processamento contínuo de dados

para assessorar o Secretário de Estado de Segurança Pública e as polícias, surgiu

na Operação Rio, de 1994.

Operação Rio demonstrou que a ação policial de massa a nada conduz se não for alicerçada pelo conhecimento preciso, objetivo, oportuno e seguro. Os órgãos de Inteligência das Forças Armadas, desorientados pelo "know-how" perdido e pela inexperiência na atuação contra a criminalidade, em nenhum momento conseguiram alimentar as tropas com o conhecimento necessário para prender os chefes do tráfico

88.

Somente no ano seguinte, esse processo teve início na área federal, quando

foi criada a ABIN, órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN). No

âmbito desta, o Decreto Federal nº 3.695, de 21 de dezembro de 2000, criou, o

Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (SISP), cujo órgão central é a

Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) do Ministério da Justiça89.

A ABIN atua na identificação de ameaças do crime organizado e contra a

segurança pública, na neutralização da espionagem estrangeira e na vigilância de

pessoas ou grupos vinculados ao terrorismo internacional dentro do Brasil. Também

é o órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), que congrega os

órgãos da comunidade de Inteligência do País90.

87 Ibid

88 FERREIRA, Romeu Antonio. Situação da Inteligência. In. Conferência para o curso de pós-

graduação em estratégia militar para gestão de negócios, Ribeiro Preto, SP: FAAP: 2011.

89

RIO DE JANEIRO, op.cit.

90 GONÇALVES, op.cit.

Page 44: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

44

O Rio de Janeiro está integrado ao governo federal por meio Sistema de

Inteligência de Segurança Pública (SISPERJ), através da SSINTE, no SISP e no

SISBIN91.

O Estado do Rio de Janeiro saiu na frente, criando, em 01 de Janeiro de 1995, um órgão de Inteligência diretamente ligado ao Secretário de Segurança, o então Centro de Inteligência de Segurança Pública (CISP), atual Subsecretaria de Inteligência (SSINTE). O sucesso alcançado pelo CISP/RJ provocou a criação de órgãos similares, em diversos estados do País

92.

Para que o SISPERJ pudesse orientar e padronizar sua atuação, permitindo

elevar seus padrões de eficiência e de eficácia, foi adotada, formalmente, a Doutrina

de Inteligência de Segurança Pública, publicada no Boletim Reservado 40, de 22 de

novembro de 2002, da SSP/RJ, posteriormente aperfeiçoada pela nova Doutrina de

Inteligência de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (DISPERJ),

publicada na Portaria nº 0001, de 15 de setembro de 200493.

3.4 INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA (ISP)

A Inteligência de Segurança Pública (ISP) trata da aplicação da atividade de

Inteligência clássica à Segurança Pública, e, vem sendo utilizada pela Secretaria de

Segurança do Estado do Rio de Janeiro no combate à criminalidade e ao crime

organizado. Emprega “o conjunto de conceitos, características, princípios, valores,

classificações, normas, métodos, medidas e procedimentos”94.

91 RIO DE JANEIRO, op.cit.

92 FERREIRA, op.cit.

93 RIO DE JANEIRO, op.cit.

94 Ibid.

Page 45: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

45

A atividade de ISP, segundo a Disperj (Doutrina de Inteligência de Segurança

Pública do Rio de Janeiro), é conceituada como:

o exercício permanente e sistemático de ações especializadas para a identificação, acompanhamento e avaliação de ameaças reais ou potenciais na esfera de segurança pública, orientadas, basicamente, para a produção e para a salvaguarda de conhecimentos necessários à decisão, ao planejamento e à execução de uma política de segurança pública e das ações para neutralizar, coibir e reprimir atos criminosos de qualquer natureza

95.

Deve estar “alicerçada em valores éticos e morais, estando compromissada

com a vida, a verdade, a justiça, a honra, a integridade de caráter, a família, a

solidariedade, o patriotismo, a democracia, a legislação e o respeito aos direitos

humanos”96.

A ISP tem dez características que a identificam e a qualificam como tal, a

saber: produção de conhecimento, assessoria, verdade com significado, busca de

dados protegidos, ações especializadas, economia de meios, iniciativa, amplitude,

flexibilidade e segurança97.

Também são dez os princípios da ISP, que, vêm a ser as proposições

diretoras da orientação e da definição das atividades: precisão, imparcialidade,

objetividade, simplicidade, oportunidade, interação, permanência, controle,

compartimentação e sigilo98.

Assim como as moedas têm uma cara e uma coroa, indissoluvelmente ligadas,

a atividade de ISP, igualmente, possui dois ramos interdependentes, a Inteligência e a

contra Inteligência. O primeiro, ou “Inteligência positiva”, destina-se a produzir

conhecimentos para a atividade fim; enquanto que o segundo, ou “Inteligência

negativa”, busca proteger a própria atividade de Inteligência e a instituição a qual

95 Ibid.

96 Ibid.

97 Ibid.

98 Ibid.

Page 46: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

46

pertence. Seus esforços estão direcionados principalmente aos assuntos internos,

como desvios de conduta e ameaças de forças adversas99.

A atividade de ISP, quando integralmente implementada, deverá apresentar as seguintes principais vantagens: - reunir maior quantidade de dados; - produzir conhecimentos precisos, oportunos e seguros para os órgãos policiais, proporcionando economia de meios; - estabelecer a capilaridade, isto é, um fluxo de conhecimento da ponta à cúpula e vice-versa; - proporcionar um banco de dados diferenciado e suplementar ao criminal; - atuar num nível da criminalidade em que as polícias não atuam ou atuam muito pouco; - facilitar as ligações com os órgãos similares federais e estaduais

100.

99 Ibid.

100 Ibid.

Page 47: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

47

4 ANÁLISE CRÍTICA

No presente capítulo será traçada uma análise crítica ao real emprego dos

conhecimentos do tipo apreciação e estimativa durante o período de 10 anos (1996

a 2006), no Estado do Rio de Janeiro, obtida através de entrevistas aos ocupantes

dos cargos de dirigentes de agência central e decisores do respectivo período.

Serão levantados os pontos fortes e fracos no ambiente interno, ameaças e

oportunidades no ambiente externo que poderão contribuir para as políticas públicas

de segurança.

4.1 OPERADORES E DECISORES

Para o presente estudo a figura do operador se limita ao Diretor de Centro de

Inteligência, embora o conceito de operador seja bem mais abrangente, incluindo

todos profissionais que trabalham na produção de conhecimento de Inteligência e na

assessoria aos decisores.

Os decisores são as autoridades governamentais do Estado do Rio de

Janeiro na área da Segurança Pública, responsáveis pela elaboração e decisão das

políticas públicas.

Embora seja possível uma distinção entre as pessoas que tomam decisões

finais sobre a política e as que meramente recomendam políticas, e outra distinção

entre as pessoas que recomendam ou decidem sobre a política e aquelas que

meramente executam, não parece haver nenhuma finalidade útil em estabelecer

essas distinções aqui.

Ao analisarmos o grau de influência dos documentos em nível estratégico,

produzidos por Agências de Inteligência de Segurança Pública, consideramos os

conhecimentos do tipo apreciação e estimativa como sendo aqueles que permitem

um grau de elaboração intelectual e técnico possíveis de subsidiar planejamentos

estratégicos, traçados por Secretários de Estado para o alcance das políticas

governamentais na área de segurança pública.

Page 48: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

48

4.2 MÉTODO DE ENTREVISTA

O material usado neste capítulo deriva, principalmente, de entrevistas

realizadas com ex-diretores de Centros de Inteligência e de ex-Secretários de

Estado das Secretarias de Segurança Pública e Administração Penitenciária no

Estado do Rio de Janeiro, no período compreendido entre os anos de 1996 a 2006.

Embora as perguntas tenham se repetido, o questionário padronizado foi

utilizado apenas como uma orientação para o desenvolvimento do trabalho.

Após uma breve explanação sobre o tema da entrevista, o entrevistador

procurou manter, como referência, as informações estratégicas e a atuação na

agência central, sondando os pontos importantes e procurando extrair dos

entrevistados suas impressões pessoais, por meio das experiências vividas na

Secretarias que cuidam da segurança no Rio de Janeiro.

Este capítulo foi dedicado, primeiramente, à formulação da opinião dos

operadores e decisores sobre a regularidade da produção dos documentos,

apreciação e estimativa na agência central. A seguir, foi avaliada a contribuição para

a segurança pública pela produção de análises prospectivas. Posteriormente, foi

levantada a indagação quanto aos óbices encontrados para a produção de

conhecimento em nível estratégico e, por fim, foi analisado o legado da Inteligência

em nível estratégico para o incremento de políticas públicas na área da segurança.

4.2.1 Apreciações e Estimativas nas Agências Centrais

A pergunta formulada aos operadores e decisores entrevistados versava

sobre a freqüência com que a Agência Central do Sistema de Inteligência de

Segurança Pública foi demandada no assessoramento em nível estratégico, através

de documentos do tipo apreciação ou estimativa.

Os operadores, em sua grande maioria, reconheceram que a produção de tais

documentos foi bastante incomum no período em que dirigiram a agência central,

por diversos motivos: o caráter inovador, porque não dizer, pioneiro da atividade de

Inteligência de forma organizada no âmbito policial. Por tal motivo, na década em

análise, foram criadas estruturas para a organização do sistema de Inteligência de

Page 49: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

49

segurança pública: criação de órgãos, elaboração de planos, doutrina e treinamento

do efetivo. Tais medidas, inegavelmente, apresentaram caráter estratégico para a

gestão e cumprimento de uma política de segurança pública. Todavia, não podem

ser consideradas como produção de conhecimento, em nível estratégico.

Por conta de todo o planejamento e implementação da estrutura da agência

Central CISP e sua reestruturação como SSINTE, houve uma grande

demanda na produção de atividade em nível estratégico101

Outro argumento apresentado foi em função da necessidade de conhecer do

decisor que se apresentou de forma incidente, quanto à produção do conhecimento

Apreciação, em razão dele expressar opinião sobre o passado e/ou presente, mas,

também, segundo a doutrina, para prospecção no futuro imediato, ou seja,

raciocínios formulados para o futuro próximo, diferentemente da Estimativa, onde a

análise visa o futuro mediato, distante. me explique para que eu possa reescrever

Assim, era a busca por informações correntes que permitiam o

assessoramento imediato, inerente à própria dinâmica da segurança pública e à

administração penitenciária e suas interfaces, além de questões políticas que

acabavam por limitar no tempo o interesse do gestor.

O relato de um dos operadores retrata bem a situação da produção desse tipo

de conhecimento, in verbis:

Ao longo de 11 (onze) anos ininterruptos atuando na Inteligência Estadual,

nos seus diversos órgãos, seja como analista, gestor ou assessor (Polícia

Militar, Secretaria de Administração Penitenciária e Ministério Público),

nunca me deparei com uma Estimativa. A complexidade deste

conhecimento, somada a desestruturação dos dados (não estruturação

adequada em suas mais diversas bases) e/ou conhecimentos e a

descontinuidade de políticas na área, dificultava sua produção e uso

adequado102

.

101 ORAF

102 OAVV

Page 50: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

50

Quanto aos decisores, ao atribuírem a aplicação de ações estratégicas

durante a estruturação do sistema de Inteligência como produção de conhecimento

estratégico, consideraram uma boa frequência de tal atividade em suas gestões.

4.2.2 Análise Prospectiva – contribuição para a Segurança Pública

A Produção de conhecimento prospectivo ou antecipativo se refere ao aviso

de alerta, dado através das informações correntes, apontando uma grande crise em

planejamento, como, por exemplo, os ataques realizados pelo tráfico de drogas ao

Rio de Janeiro, no final do ano de 2006. Tanto os operadores, como os decisores

informaram que houve uma contribuição significativa do conhecimento antecipativo

para a tomada de decisão e na gestão do planejamento de políticas públicas na área

de segurança.

Mas, se a referência é feita à espécie de aviso oriundo de uma análise

estimativa de tendências, da análise de possibilidades e da dedução de intenções,

os pontos de vista dos operadores variaram.Quando instados especificamente sobre

esta espécie de advertência, muitos operadores disseram que a aprovavam, mas

com frequência acrescentaram que julgavam que outras funções eram mais

importantes.

Acreditamos que o emprego de conhecimentos, apesar de servir de insumo

ao nível estratégico, normalmente se desdobrava em ações nos níveis tático

e operacional. A necessidade constante de resultados e as naturais

demandas do dia-a-dia (apagar incêndios), em muito dificultavam a

aplicação estratégica. Sem esquecer que tal utilização, ainda possui dois

campos de aplicação, ou seja, o estratégico político e o estratégico

executivo. Neste a aplicação é ainda mais rara103

.

Um operador, por exemplo, declarou que um dos fatores que dificultou o

trabalho de produção de conhecimento prospectivo foi a própria figura do decisor.

Não havendo estímulo do decisor em requisitar à agência central a elaboração de

estudos que pudessem servir de base para o planejamento estratégico, mas, sim,

103 OAVV

Page 51: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

51

exigindo medidas urgentes sobre fatos pontuais e ocupando a agência central com

atividades típicas das polícias (civil ou militar), atuando como um terceiro organismo

policial no exercício de atividades incompatíveis com sua missão.

4.2.3 Produção de Conhecimento em Nível Estratégico – óbices

As entrevistas realizadas apontam o grau de fragilidade das políticas traçadas

para a área de segurança, deixando ao alvedrio do decisor político de plantão a

tomada de decisão, ainda com bases pouco sólidas. Logo, o sistema de Inteligência

ficou sujeito a tais mudanças de concepção, muitas das quais sem qualquer rigor

técnico, apenas pelo prazer de não se dar continuidade àquilo que não foi iniciado

em sua gestão.

Esse comportamento, associado à incompreensão da atividade, produziram,

em curtos períodos de tempo, significativos retrocessos no processo de estruturação

do sistema de Inteligência.

A incompreensão não se limitava à figura do decisor político, mas em

especial, ao conflito interno pela disputa de espaço e de poder, especialmente criado

pela ignorância e incompreensão da utilidade do sistema de Inteligência pelas

polícias Civil (PCERJ) e Militar (PMERJ). Dessa forma, os principais óbices

apontados pelos operadores e decisores foram a dificuldade de interlocução com o

canal técnico do sistema e a incompreensão, por parte do decisor político, quanto ao

real papel da atividade de Inteligência.

Para a Interlocução do sistema faz-se necessário que os gestores entendam o que é e para que serve um sistema. São pouquíssimos, ínfimos, os profissionais estaduais que possuem realmente habilitação na área. A grande maioria acha que sabe. É premente a necessidade de incremento na formação/especialização não só dos profissionais de Inteligência, mas também dos usuários/gestores. Muitos executivos não sabem como utilizar/demandar o serviço, que por vezes ficam esquecidos nos âmbito da burocracia. Tais fatores, dentre outros, poderíamos citar como os que são mais observados: a falta de mentalidade de informações, a vaidade pessoal, o egoísmo em não compartilhar dados, o problema cultural que mitiga a importância da atividade de Inteligência e a falta de preparo dos agentes

104.

104 DAPS

Page 52: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

52

A intensa e velada disputa pelo poder entre as duas macro corporações

(PMERJ / PCERJ) do sistema.

Basicamente a precariedade do canal técnico, isto nem tanto pela falha do

sistema,mas devido à existência de um modelo errado de segurança

pública, o que é um outro assunto105

.

4.2.4 Inteligência em Nível Estratégico – legado para a Segurança Pública

A indagação feita aos entrevistados limitou a atuação da Inteligência em nível

estratégico apenas no âmbito da agência central, muito embora as demais agências

possam produzir conhecimento no nível de decisão estratégico.

A agência central deve atuar na coordenação e fiscalização da atividade em

todos os níveis, sendo prioritários os níveis estratégico e tático. O nível operacional

somente deve ser desenvolvido pela agência central para atendimento das

demandas do decisor e por sua determinação direta.

Com isso, tanto operadores, quanto decisores são unânimes quanto à

importância do papelada Inteligência em nível estratégico a ser desempenhado,

muito embora seus fundamentos não sejam os mesmos.

o conhecimento em nível estratégico, produzido por Agências Centrais de

Inteligência, devidamente qualificadas em pessoal e material, não só pode

contribuir para o desenvolvimento da Política de Segurança Pública, como,

na ausência dele – o conhecimento – e delas – as Agências que o

produzem – consideraria impossível a realização do trabalho da Segurança

Pública, transformando-o numa experiência totalmente empírica, despida de

qualquer fundamento racional106

.

105 Ibid

106 Ibid

Page 53: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

53

5 CONSIDERAÇÕES

No capítulo seguinte, procurar-se-á fazer considerações sobre a contribuição

da Inteligência em Nível Estratégico, para as políticas públicas de segurança e serão

apresentadas sugestões que permitam a implementação da Inteligência em Nível

Estratégico, como real instrumento de assessoramento de alto nível.

5.1 CRIME ORGANIZADO

As organizações criminosas vêm se tornando mais complexas e com caráter

transnacional desde o final da década de 1970, devido ao fortalecimento do

narcotráfico. Têm se ramificado em diversos outros tipos de atividades ilícitas, como

extorsão, corrupção, prostituição, tráfico de pessoas e órgãos, tráfico de armas e

lavagem de dinheiro. Adquiriram um caráter empresarial, que com a cooperação

entre si, acabaram formando verdadeiros conglomerados107.

Esse alto grau de complexidade e diversificação do crime organizado faz com

que a atividade de Inteligência tenha grande importância para a repressão e a

prevenção. O planejamento de estratégias de ação das autoridades da segurança

pública deve reunir Inteligência governamental e policial, em escala federal e

estadual108.

O planejamento estratégico das ações de segurança pública, com base na

coleta e no processamento de informações de caráter nacional e internacional, parte

por exemplo, de dados relativos a rotas de tráfico, ao consumo em várias regiões do

país e às novas tipologias, e busca fazer “um mapeamento das atividades das

organizações criminosas e das características dos diversos grupos que atuam em

variados setores, estabelecendo-se as conexões”.

A análise prospectiva identifica as tendências de ação do crime organizado e

suas tipologias, permitindo traçar linhas mestras de ação, no âmbito nacional, para

107 GONÇALVES, op.cit.

108 Ibid.

Page 54: inteligência em nível estratégico na segurança pública: análise e

54

prevenir e combater as organizações criminosas e para poder cooperar em escala

internacional109.

5.2 AÇÕES ESTRATÉGICAS

Os órgãos do Executivo com poder de polícia ou com atribuições que

envolvam fiscalização e controle devem dispor de setores de Inteligência110.

As informações táticas, ao serem reunidas e processadas no âmbito da

Inteligência de Estado, e não mais policial, assumem importância estratégica. Para

isso é preciso que um órgão federal, no caso a ABIN, agrupe as informações já

processadas pelas diversas Inteligências estaduais e federais. Essas informações

táticas, novamente processadas, voltariam para as Inteligências policiais, onde têm

mais utilidade. Esse sistema já vem sendo empregado por alguns estados no

combate ao crime organizado e no apoio ao Ministério Público e às polícias111.

As atividades de Inteligência são mais eficazes que as operações ostensivas

na identificação de esquemas criminosos e para desbaratar quadrilhas. Por isso,

deve haver divisão entre a Inteligência governamental e a policial, voltada para

táticas de repressão e investigação das quadrilhas, com ambas interligadas.

Entretanto, essa integração não é fácil sem um órgão central de Inteligência interna,

como ocorre nos EUA112.

Um órgão nacional de Inteligência deve trabalhar com:

centralização, processamento e distribuição de informações, e também com análises estratégicas que permitam aos órgãos de repressão, fiscalização e controle exercerem suas atividades na neutralização das organizações criminosas. Somente um órgão nacional, sem objetivos policiais e que preste contas diretamente ao Chefe do Poder Executivo e ao Congresso Nacional, poderá desenvolver, com devida isenção, a Inteligência de caráter estratégico essencial para a segurança pública e institucional

113.

109 Ibid.

110 Ibid.

111 Ibid.

112 Ibid.

113 Ibid.

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55

Um problema é a “ausência de Cultura de Inteligência entre os órgãos da

Administração Pública”. Quem trabalha com informações sigilosas e com segurança

deve ser capacitado através de treinamentos. E segundo esse autor, os cursos da

ABIN para “magistrados, membros do Ministério Público e servidores da

Administração Pública direta e indireta, federal e estadual” vêm gerando efeitos

positivos ao conscientizarem sobre os mecanismos de Inteligência disponíveis. Pois:

o estabelecimento de uma cultura de Inteligência na Administração Pública, o que é de significativa importância para a garantia do sigilo e da preservação e difusão de dados essenciais à segurança pública. Não se trata de restabelecer as "estruturas tentaculares danosas do antigo SNI", mas, sim, o incentivo à percepção da importância da atividade de Inteligência no Estado democrático e a aplicação desses conhecimentos no combate às organizações criminosas

114.

114 Ibid.

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56

6. CONCLUSÃO

Os modelos proporcionados por órgãos de Inteligência estrangeiros, em

especial, o norte-americano, influenciaram de forma significativa a formulação da

doutrina brasileira. Neste contexto, é preciso ser mencionada a notável influência da

Escola Superior de Guerra (ESG), na internalização de tais conceitos do

pensamento estratégico nacional aplicado à Inteligência. Não por acaso, o primeiro

curso de Inteligência, realizado no Brasil, teve início na ESG em 1959.

Através dos doutrinadores estrangeiros, com viés eminentemente voltado

para a produção de conhecimento de Inteligência para o campo externo e seus

conceitos restritos de Inteligência Estratégica, o Brasil deu início às bases para a

formação da sua própria doutrina, esta, extremamente influenciada pela doutrina de

segurança nacional imposta pela potência hegemônica do bloco capitalista (Estados

Unidos da América), em função da estratégia geopolítica da contenção em função

do mundo bipolar, então vigente.

O ambiente político brasileiro, no período de 1964 a 1984, alinhado com o

panorama internacional, já citado, fez com que a produção de conhecimento de

Inteligência de Estado estivesse mais próxima do conceito de Inteligência de

Segurança. Com a redemocratização do país, pós 1984, toda a estrutura de

Inteligência de Estado começou a entrar em colapso, culminando com a extinção,

em 1990 do Serviço Nacional de Informações (SNI).

As novas ameaças no campo interno, em especial a questão da segurança

pública nas grandes capitais brasileiras criou nova oportunidade para o

ressurgimento da Inteligência como instrumento do Estado, agora, sob um modelo

democrático, para o assessoramento aos decisores na aplicação de suas políticas

governamentais.

Como Wilhelm Stieber, o pai do modelo organizacional clássico de

Inteligência, que uniu conceitos da polícia secreta à Inteligência de Estado, o

Governo do Estado do Rio de Janeiro, objetivando o combate à criminalidade, em

1995, criou o primeiro órgão de Inteligência de Segurança Pública do país, o Centro

de Inteligência de Segurança Pública (CISP) que contou com o concurso de

profissionais experientes em Inteligência de Estado e Inteligência Militar.

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57

Dessa forma, foi dado início a um novo tipo de produção de conhecimento

que reunia a Inteligência clássica, a Análise Criminal e a Investigação Policial. A

junção de todos esses elementos e a evolução dos seus conceitos, permitiram a

construção teórica da Inteligência Policial, sob o enfoque dos níveis de decisão de

seus aplicadores, eminentemente tático e operacional, ao passo que à Inteligência

de Segurança Pública, por seu conteúdo a Inteligência Policial e a Análise Criminal

constituiu valioso instrumento de assessoramento ao decisor com ênfase no nível

estratégico.

Esse vanguardismo carioca trouxe consigo a responsabilidade do

desenvolvimento de novos conceitos e métodos. Assim, após quase 16 anos da

criação do CISP, já se encontra consolidada uma doutrina de Inteligência de

Segurança Pública, com a estruturação de um sistema, onde agências se

comunicam através dos canais técnicos, sob a coordenação da agência central, o

que permite um fluxo veloz do conhecimento, em especial no nível tático e

operacional, apontando para o momento de um novo salto qualitativo: a produção de

conhecimento no nível estratégico.

A análise de todos esses aspectos, nos leva à constatação de que a

Inteligência em Nível Estratégico na Segurança Pública somente consegue se

desenvolver em ambiente de assessoramento direto no mais alto nível de decisão,

qualificando a Agência Central de Inteligência de Segurança Pública como o centro

produtor desse tipo de conhecimento (Estratégico – possibilidade mediata e intenção

dos alvos de interesse), sem prejuízo da atuação eventual da mesma nos níveis

táticos e operacionais (situação atual e possibilidade imediata dos alvos de

interesse), casos que somente se justificariam quando da necessidade de integração

de dados disponíveis apenas em mais de uma agência, mediante manifesta

determinação do decisor.

Ninguém enfrenta uma provação mais rigorosa e constante do que os

serviços de informações. Se são importantes suas atividades de vigilância

sobre os acontecimentos durante as 24 horas do dia, igualmente importante

é a função das informações centralizadas de proporcionar estimativas a

longo prazo aos formuladores da política115

.

115 RANSOM, op.cit. p. 14.

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Com a designação da Agência Central do Sistema, a atividade de produção

precípua de conhecimento, em nível tático e operacional de Inteligência Policial e

Análise Criminal, ficaria a cargo das demais agências, até mesmo em função da

necessidade de informações correntes antecipativas com maior velocidade de

difusão.

Os resultados obtidos durante as entrevistas apontam exatamente para

essa direção, pois os decisores entrevistados entendem como fundamental a

produção desse tipo de conhecimento, muito embora tenham constatado a sua baixa

incidência de produção durante suas gestões. Por outro lado, os operadores de

agências centrais apontam a larga produção de informações correntes sob o

fundamento da precariedade de tempo para a produção de conhecimentos em nível

estratégico em função da própria peculiariedade da segurança pública.

Verifica-se a sub-utilização da capacidade de produção de conhecimento da

agência central, onde muitas das vezes teve uma atuação como mais um

instrumento policial, além das estruturas já existentes.

Nem todos ou mesmo a maior parte dos informes obtidos são do tipo ansiosamente procurado pelos que tomam decisões. Um serviço de informações verdadeiramente eficiente se antecipará às necessidades dos formuladores de política sem desperdiçar esforços em tentativas de reunir tudo o que se passa sob a luz do sol

116.

Por fim, a Inteligência em Nível Estratégico se ocupa do produto mais

ambicioso do nível de conhecimento, pois não só descreve a situação atual, mas

também tenta prever como vai evoluir.

Não se pode esquecer, que os estudos das estimativas ocorrem com base em

dados muitas das vezes parciais, envoltos em dúvidas, cabendo ao analista avaliar

da forma mais sensata possível, o que se vê e projetar para o futuro os próximos

eventos, sugerindo cenários possíveis para tomada de decisão do planejador,

operam como verdadeiros arquitetos do futuro.

116 Ibid. p. 42.

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Nenhuma política pública pode prescindir de informações estratégicas durante

a sua fase de elaboração; assim, o gestor público, em especial na área de

segurança, necessita desse suporte de assessoramento útil e disponível, sendo

dever do profissional da área de Inteligência de Segurança Pública buscar

assessorá-lo nesse sentido, com o máximo que boa técnica permitir.

Devemos, ainda, atentar para as palavras de Washington Platt:

Muitas pessoas passam a vida toda num setor de atividades, sem tentar compreender a filosofia básica dessa atividade, ou explorar suas possibilidades máximas, ou nem sequer pensar na solução dos problemas que lhes permitisse tornar os próprios pontos de vista mais claros. Quem deixa de pensar sobre o próprio setor de responsabilidade, e de pensar sobre o que o cerca, desperdiça, com certeza, o prazer de satisfações profundas e, provavelmente, realiza menos do que poderia realizar em outra forma

117.

117 PLATT, Op. cit. p. 27

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