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Inserção do Brasil nas migrações internacionais contemporâneas: evidências
dos Censos Demográficos e notas sobre a relação Brasil-EUA1
Resumo
O artigo propõe uma reflexão sobre os fatores que atuam na seletividade dos migrantes internacionais. O texto apresenta uma revisão teórica sobre a seletividade migratória e explora as informações dos Censos de 1991, 2000 e 2010 para discutir a inserção recente do Brasil nas migrações internacionais contemporâneas. As evidências empíricas apontam para um crescimento substancial das relações migratórias do Brasil com os países desenvolvidos na América do Norte e Europa, além do Japão. Outros vínculos migratórios ainda se registram com os países da América do Sul e as nações africanas lusófonas. Segundo dados do Censo Demográfico de 2010, os EUA são o país com o maior número de emigrados brasileiros, bem como lidera as estatísticas de retorno internacional. A relação migratória entre os dois países é bem documentada na literatura, que já indicou a existência de clusters emigratórios em certas regiões do país cujo envio de migrantes é mais frequente do que no restante do território. Os dados sinalizam a emergência de uma cultura migratória em alguns municípios brasileiros ativos nos fluxos Brasil-EUA. O Censo de 2010 abriu novas possibilidades de compreensão desses fluxos ao introduzir informações sobre os emigrados. Além disso, a pesquisa foi capaz de captar um aumento substancial no retorno de brasileiros em função da crise global iniciada no mercado imobiliário americano em 2008. Palavras-Chave: Migração internacional, Seletividade migratória, Censo Demográfico.
1 Trabalho apresentado no VII Congreso de la Asociación Latinoamericana de Población e XX Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Essa pesquisa conta com apoio da Capes.
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Inserção do Brasil nas migrações internacionais contemporâneas: evidências
dos Censos Demográficos e notas sobre a relação Brasil-EUA
Introdução
É seguro afirmar que da época do descobrimento até meados do século XX o Brasil sempre
recebeu mais pessoas de outras partes do mundo do que enviou. O processo colonizador trouxe
para o território nacional reiterados fluxos de população branca europeia (colonizador) e também
de negros africanos (escravos), mudando radicalmente a composição étnica no território. Com o
fim da escravidão uma série de fatores confluíram para estimular a ocupação das frentes de
trabalho agrícola e urbano nas regiões Sul e Sudeste por imigrantes europeus, notadamente
portugueses, italianos e alemães. Os fluxos de trabalhadores estrangeiros perduraram até a década
de 1940, envolvendo ainda outras nacionalidades (eslavos, espanhóis, japoneses e árabes), quando
as migrações internas assumem o protagonismo na redistribuição da mão de obra e o Brasil torna-
se, para efeitos práticos, uma população praticamente fechada aos fluxos internacionais (BRITO,
1995).
A partir da década de 1980, contudo, o Brasil muda radicalmente a sua participação nas
redes migratórias internacionais e torna-se um país de característica emigratória. As perdas
populacionais ocorrem nos fluxos para os países desenvolvidos, especialmente Estados Unidos,
Japão e alguns países da Europa Ocidental (SALES, 1991, 1992; PATARRA, 1996; PACHECO e
PATARRA, 1997). Essa inserção nos sistemas migratórios internacionais, contudo, não é um caso
exclusivo do Brasil. De fato, a partir da segunda metade do século XX, as migrações internacionais
começam a exibir um novo padrão, marcado pelos fluxos de países em desenvolvimento para as
nações desenvolvidas. Países como México, China, Índia, Rússia e outras nações em
desenvolvimento também participam de sistemas migratórios similares, inclusive, com cifras bem
superiores às do Brasil (CASTLES e MILLER, 1993; MASSEY et al, 1998).
Essa, contudo, não é a única forma que a população brasileira participa das redes
migratórias internacionais. Cabe ainda considerar os movimentos fronteiriços e intracontinentais,
especialmente com os países do Mercosul (incluindo Bolívia e Chile), que são um transbordamento
das relações sociais e econômicas nas áreas de fronteira destes países (PATARRA e
BAENINGER, 2004, 2006). Além disso, cresce o papel exercido pelo Brasil como espaço de
atração de imigrantes de países com muito baixo desenvolvimento, a exemplo de Angola, Cabo
Verde, Nigéria, Congo, Haiti, etc., entre os quais há migrantes laborais e refugiados
(FERNANDES e RIBEIRO, 2015).
As migrações internacionais contemporâneas se diferenciam muito dos fluxos
internacionais do início do século XX, majoritariamente compostos por colonos que realizavam
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mudança permanente. Entre as migrações atuais predominam os movimentos de caráter reversível,
com idas e vindas e altas taxas de retorno (DOMENACH e PICOUET, 1990). Além disso, a
aceleração dos contextos e popularização dos meios de transporte tem feito emergir novas formas
de movimentos da população no espaço que oferecem um desafio a necessária tarefa de distinguir
a migração de outras formas de mobilidade (BILSBORROW et al, 1997; BILSBORROW, 2016).
Um fato novo nas migrações contemporâneas é a permanência das conexões entre origem
e destino, que ocorrem prioritariamente em três formas. A primeira delas é o retorno, já que muitos
migrantes internacionais claramente intentam passar uma temporada em outros países para
acumular capital e retornar as áreas de origem. A segunda ocorre enquanto os migrantes ainda
estão no destino e mantém fortes laços com a origem pela comunicação (cada vez mais facilitada
pelo uso da internet) e pelo envio de remessas. A terceira geralmente ocorre quando os fluxos
migratórios ganham porte e as comunidades de migrantes no destino passam a organizar estruturas
institucionais de apoio mútuo, com caráter transnacional, para facilitar a adaptação dos novos
migrantes da mesma origem e remeter ajuda para aqueles que não migraram (PORTES, 2009).
Com o objetivo de compreender a inserção do Brasil nos sistemas migratórios
contemporâneos, o artigo irá apresentar uma reflexão teórica sobre a seletividade migratória de
modo a apoiar a análise de informações censitárias sobre os fluxos internacionais que tem
participação do Brasil, com destaque para a relação Brasil-EUA. Esse trabalho é um esforço inicial
de uma pesquisa de maior porte que pretende discutir a formação dos lugares da cultura migratória
no Brasil e analisar as características domiciliares que aumentam a chance da migração.
1) O papel da seletividade nos fluxos internacionais de população
A seletividade migratória faz referência aos processos políticos, econômicos, culturais e
psíquicos que explicam a emergência de fluxos migratórios em meio a populações que gozam de
liberdade de movimento. De fato, a maioria das pessoas vive toda a sua vida no lugar de
nascimento, o que torna os migrantes um elemento mais ou menos raro entre as populações3. Daí
o grande interesse em construir modelos teóricos que expliquem como alguns indivíduos decidem
ou são constrangidos a migrarem.
Para os estudiosos da economia neoclássica, que inauguraram os estudos científicos do
fenômeno migratório (RAVENSTEIN, 1980), essa decisão está centrada nos indivíduos. O ato
migratório depende de considerar os fatores de expulsão na origem e de atração no destino, além
dos obstáculos intervenientes (distância, custos financeiros e psicológicos, etc.). Serão migrantes
3 A título de exemplo, Campos (2014) apresenta dados da população brasileira que nunca migrou, ou seja, que vivem e sempre moraram no mesmo lugar de nascimento. Essas pessoas representavam 58,4% da população brasileira em 1980, 61,4% em 1991, 59,4% em 2000 e 58,7% em 2010.
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aqueles indivíduos que perceberem vantagens na mudança e que possuírem uma personalidade
inclinada a assumir os riscos do projeto migratório (LEE, 1980). Nesta perspectiva, a migração é
encarada como um investimento em capital humano. Os indivíduos vão escolher migrar para os
lugares onde serão mais produtivos e obterão maiores retornos líquidos. Por essa razão, a direção
dos fluxos migratórios tende a ser das áreas de trabalho intensivo para aquelas de capital intensivo,
com os movimentos cumprindo um importante papel de equilibrar as desigualdades regionais em
termos de oferta de mão de obra e salários (TODARO, 1969; BORJAS, 1989; SJAASTAD, 1962).
Em clara oposição à perspectiva neoclássica, as teorias do Mercado-Dual e do Sistema-
Mundo propõem que a compreensão da migração não pode estar centrada na decisão individual,
mas nos constrangimentos estruturais do mercado de trabalho e/ou nos mecanismos de expansão
geográfica desigual da acumulação capitalista. No caso do Mercado-Dual, procura-se explicar a
migração por uma série de fatores de mudança no mercado de trabalho dos países desenvolvidos,
que torna-se cada vez mais segmentado em profissões de baixa e alta qualificação, algumas destas
últimas já se tornando “profissões de migrantes” (PIORE, 1979). Neste caso, são os fatores de
atração no destino e as regras de seleção destes mercados de trabalho que explicam como surgem
os migrantes.
A fundamentação da Teria do Sistema Mundo é a Teoria da Dependência, que fazia uma
crítica as teorias funcionalistas e desenvolvimentistas. Segundo essa visão, as nações mais pobres
estavam presas a relações de dependência com as nações mais ricas, sem alternativa para alcançar
um equilíbrio (BALAN, 1973; SINGER, 1985; GAUDEMAR, 1977). Os estudos sobre o Brain
Drain tentavam demonstrar que a emigração dos países mais pobres pilhava os melhores recursos
humanos das nações em desenvolvimento, privando esses países de construírem economias
competitivas e inovadoras. Da mesma forma, a visão quanto as remessas dos migrantes de baixa
qualificação era pessimista, já que a maioria desse capital acabava sendo investido em “atividades
não-produtivas”, mas no consumo e no mercado de terras, inflando os preços e piorando as
condições de vida das comunidades4.
Para as teorias estruturalistas, a decisão individual joga um papel muito pequeno na
explicação do fenômeno migratório. As áreas destinadas a serem focos de emigração são definidas
a partir da dinâmica geográfica dos investimentos de capital. O padrão proposto pelos teóricos é
que os movimentos migratórios ocorreriam nas conexões criadas pelos aportes de capitais nos
países em desenvolvimento, porém, em sentido contrário aos fluxos de capital (SASSEN, 1988).
Ao excedente populacional, criado pela modernização capitalista em áreas povoadas de
4 Segundo essa visão, a migração internacional era um instrumento do subdesenvolvimento. Ao contrário da visão neoclássica, as relações econômicas entre países que implicavam movimentação de mão de obra faziam o papel de aprofundar as relações de dependência econômica e minar a capacidade dos países dependentes de emergir destas relações desiguais. Esse era o desenvolvimento dos subdesenvolvidos (FRANK, 1970).
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comunidades tradicionais, resta a migração interna e internacional como estratégia de
sobrevivência.
A perspectiva atomista nos modelos de decisão migratória ganha novo folego na década de
1980 com a Nova Economia da Migração Laboral (NELM – New Economics of Labour
Migration). Para os teóricos da NELM a questão mais importante é que a decisão de migrar não é
tomada por indivíduos isolados, mas por grupos de indivíduos relacionados, geralmente
representados pelos domicílios ou famílias. Neste caso, o objetivo da migração não se restringe a
maximização da renda. Os chefes de domicílios podem recorrer a migração para minimizar os
riscos e reduzir as restrições em outros mercados. Quando as condições econômicas locais são
restritivas ao bem-estar das pessoas, as famílias podem recorrer a diversificação da inserção
econômica dos seus membros, o que pode envolver o deslocamento de um ou mais deles para
outras regiões no mesmo país ou em países estrangeiros. Em momentos de crise e redução de
renda, os domicílios com emigrados podem contar com remessas (STARK e BLOOM, 1985;
STARK e LEVHARI, 1982; TAYLOR, 1999).
Uma diferença importante entre a NELM e as abordagens anteriores é que essa perspectiva
pode ser considerada pluralista na consideração das causas e consequências da migração. Sem
dúvida, os domicílios estão expostos a contextos econômicos e sociais que podem estimular mais
ou menos a migração. Contudo, parte importante da decisão migratória relaciona-se as
potencialidades e a perspectiva dos membros do domicílio. Neste sentido, a migração pode ser
considerada como uma entre diversas opções de diversificação de riscos. As consequências da
migração também dependem da capacidade dos membros do domicílio em mobilizar seus
recursos. Desta maneira, a NELM não é pessimista ou otimista ao avaliar a relação entre migração
e desenvolvimento econômico, tampouco atribui a decisão migratória unicamente a procura por
maiores salários. Antes, os movimentos migratórios incluem-se entre um conjunto mais amplo de
estratégias domiciliares que respondem a variáveis de contexto econômico e a sensação de
privação relativa frente a outros membros da comunidade que obtém melhores padrões de vida
com a migração (DE HAAS, 2010).
Outra questão fundamental a ser considerada nessa discussão é que a seletividade
migratória não opera de forma linear no tempo. Sabe-se que os migrantes pioneiros sofrem maior
pressão das condições estruturais e das relações familiares do que aqueles que ingressam em um
fluxo migratório que já se tornou comum em meio a uma comunidade. Neste sentido, vale destacar
que os determinantes para o início de um fluxo migratório provavelmente são diferentes daqueles
que atuam para sustentar as migrações ao longo do tempo. Além disso, a migração parece ter a
capacidade de criar mecanismos autorreprodutores. Contrariamente às previsões dos economistas
neoclássicos, que afirmavam ser a migração um fenômeno transitório que cessaria ao produzir
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equilíbrios regionais, a história recente das migrações internacionais tem demonstrando que
migração gera mais migração (MASSEY, 1990).
As redes sociais são a forma mais eficiente pela qual as migrações se perpetuam no tempo,
isto acontece porque elas facilitam a mobilização do capital social, que é a soma do recursos, atuais
ou virtuais, que advém de um indivíduo ou grupo em virtude de participação em relações de mutuo
conhecimento ou reconhecimento (MASSEY et al, 1998). O capital social pode ser convertido em
outras formas de capital (especialmente o financeiro), o que ajuda os migrantes a superar os riscos
e dificuldades inerentes ao projeto migratório. As conexões entre os migrantes constituem uma
forma de capital social que pode ser usada para ganhar acesso a outras formas de capital: emprego
no exterior, altos salários, possibilidade de acumular poupança ou enviar remessas. Os imigrantes
pioneiros não possuem laços sociais para se protegerem e, por isso, a migração tem alto custo,
especialmente se for ilegal. Depois disto, contudo, os custos potenciais da migração tendem a ser
cada vez mais baixos para parentes e amigos que ainda estão na origem. Os migrantes estão
inevitavelmente ligados aos não migrantes, com os quais as obrigações morais decorrentes dos
laços de parentesco e amizade são a base para a oferta de trabalho e todo tipo de apoio nos locais
de destino (TILLY, 1990; KRITZ e ZLOTNIK, 1992; PORTES, 1995; GUILMOTO e
SANDRON, 2001).
Recuperando a leitura da teoria das causações cumulativas (MYRDAL, 1957), Massey
(1990) afirma que cada migração altera o contexto social no qual as próximas decisões migratórias
irão ocorrer, e essa alteração faz com que as próximas migrações sejam mais prováveis. Os
mecanismos principais pelos quais isso ocorre são: i) expansão da redes sociais; ii) sensação de
privação relativa na comparação dos não migrantes com os migrantes; iii) mudanças no mercado
de terras e na produção agrícola como efeito do investimento dos migrantes, gerando desemprego
e estimulando a migração; iv) cultura migratória, que se estabelece quando a migração torna-se
um elemento normativo e/ou um rito de passagem para os jovens, etc.
Finalmente, cabe ainda considerar a perspectiva das Comunidades Transnacionais. Em
diálogo com a abordagem do capital social e das causações cumulativas, essa corrente focaliza o
papel exercido pelas organizações de imigrantes constituídas nas áreas de destino. De fato, há
diversos exemplos ao redor do mundo de comunidades de migrantes internacionais que formam
verdadeiros enclaves étnicos. Em meio a estas comunidades constitui-se uma cultura própria,
demandante de serviços especializados (que geram mais migração) e com aporte de capital
suficiente para formar instituições de apoio a migração e ao país de origem (VERTOVEC, 1999;
FAIST, 2004).
Como vem sendo demonstrando por dados oficiais, as remessas de migrantes para os países
em desenvolvimento tem competido com a ajuda internacional oficial e os investimentos diretos
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de capital. A essa interação entre países capitaneada por indivíduos e comunidades, alguns autores
tem denominado de Globalization from Below (PORTES, 1997). Muito embora as comunidades
transnacionais tenham fundamental importância em remoldar a cultura dos países de destino no
choque, nem sempre pacífico, de ideias e interesses (HALL, 2006), há evidências de que a ajuda
das instituições transnacionais diminui ao longo do tempo por dois efeitos combinados: o alcance
de um ponto limite nas causações cumulativas e os efeitos da assimilação na segunda e terceira
geração de migrantes (PORTES, 2009).
Tentar conciliar essas perspectivas teóricas é uma tarefa necessária. Vale destacar que a
diversidade de explicações muitas vezes reflete, antes de um antagonismo insuperável, a
diversidade de pontos de vista dos diferentes especialistas que tratam do tema (economistas,
sociólogos, demógrafos, antropólogos, geógrafos, etc.). Sem negar os pontos discordância, cabe
considerar que certas diferenças se explicam apenas pela escala de observação/interpretação do
fenômeno (nível micro ou macro), além disso as teorias refletem muito das condições
socioeconômicas e do estado da arte na produção do conhecimento nos diferentes momentos
históricos em que elas foram elaboradas5.
Em síntese, pode considerar que a seletividade na migração internacional é resultado de
fatores que atuam em diferentes escalas, quais sejam: i) dos processos decisórios sobre realizar ou
não a migração, que derivam fundamentalmente de uma dimensão micro – individuais,
domiciliares ou até comunitárias – a depender das inúmeras formas de associação entre os
indivíduos na sociedade; ii) da inserção destes indivíduos e/ou domicílios em redes sociais de
apoio a migração e da posse de capital social a ser usado nestas redes em trocas que vão diminuir
o risco do projeto migratório e iii) das condições estruturais nas áreas de origem e destino, que vão
tornar a migração mais ou menos provável. Essas condições são de natureza variada. Na origem:
desemprego, recessão econômica, imperfeição dos mercados de seguridade social e crédito,
reestruturação produtiva, etc. No destino: formação de enclaves étnicos, estruturação de um
mercado de trabalho segmentado com as “profissões de migrantes”; taxas de fecundidade baixas
e envelhecimento populacional, políticas de recrutamento, etc.
2) Aspectos metodológicos
Nos estudos sobre migração internacional o grande desafio é obter bases de dados que
permitam testar as hipóteses aventadas por essas premissas teóricas. Entre as três componentes da
dinâmica demográfica a migração é aquela que oferece maiores desafios a coleta de dados, já que
é um evento que pode acontecer várias vezes ao longo do ciclo de vida. Além disso, as informações
5 Ver Massey et al (1993) e Massey et al (1998) para tentativas de colocar em diálogo essas diferentes perspectivas teóricas.
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de interesse sobre os migrantes deveriam ser coletadas, simultaneamente, nas localidades de
origem e destino, o que é muito complexo no caso da migração internacional.
Propõe-se aqui utilizar as informações do Censo Demográfico do IBGE que, apesar das
inegáveis qualidades, especialmente no tocante a cobertura nacional, tem quesitos limitados sobre
a migração internacional que refletem apenas parcialmente a dinâmica aqui discutida. Ao tratar
dessa rede migratória em particular, as informações do Censo permitem refletir sobre as
característica dos domicílios e da estrutura social e econômica da sociedade de origem, que é a
brasileira.
Os migrantes são definidos pelos mesmos critérios do Censo Demográfico, que estão de
acordo com as sugestões de organismos internacionais (UNITED NATIONS, 1998). Há dois
critérios básicos que devem ser atendidos: mudança de residência e deslocamento entre países. Os
imigrantes aqui utilizados são os de última etapa, que declararam que o seu último lugar de
residência foi um país estrangeiro, desde que essa mudança tenha ocorrido no período
intercensitário. No caso dos emigrantes, eles são definidos como os indivíduos que já residiram no
Brasil e realizaram mudança de residência para outro país. Com os dado do Censo é possível
recortar apenas aqueles que realizaram a mudança no período intercensitário.
É fundamental considerar que o total de emigrantes internacionais do Censo de 2010 não
pode ser tomado como o total de emigrados brasileiros, seja no período intercensitário, seja no
estoque de migrantes lifetime. O método de coleta dos dados não possibilita estimar esse número,
já que são registrados apenas os migrantes que ainda estão ligados a um domicílio existente no
Brasil na data de referência do Censo. Ficam excluídos, então, os membros de domicílios que
migraram com todos os seus componentes, os domicílios que se dividiram com a migração, bem
como os emigrados cujos membros dos domicílios não sobreviveram até a data de referência6.
Desta maneira, o registro contém subenumeração e pode apenas apoiar o cálculo de uma estimativa
indireta do total de emigrantes internacionais7.
2) UMA DESCRIÇÃO DAS RELAÇÕES MIGRATÓRIAS DO BRASIL
2.1) As trocas do Brasil com o resto do mundo nos dados do Censo
Os últimos três Censos Demográficos do IBGE apresentam evidências consistentes de que
a participação do Brasil em redes de migração internacional tem aumentado consideravelmente.
Infelizmente, é apenas no Censo de 2010 que se pode fazer uma comparação entre imigrantes e
6 Oliveira (2013) afirma que o IBGE considerou a possibilidade de perguntar as mulheres se elas possuíam filhos residindo em outro país. Contudo, ao considerar as taxas de mortalidade materna, optou-se pela pergunta dirigida aos domicílios, que ofereceriam melhor cobertura. 7 Uma proposta de cálculo indireto do total de emigrantes internacionais brasileiros pode ser consultada em CARVALHO e GARCIA (2002). O estudo estimou que o total de emigrados do Brasil no período 1985-1990 foi de 764.270.
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emigrantes, já que nenhum dos censos anteriores questionou a população sobre pessoas vivendo
no exterior. Para 1991 e 2000, então, só existem dados diretos de imigrantes internacionais.
A Tabela 1 apresenta o total de imigrantes (1991 a 2010) e emigrados (2010) de acordo
com a distribuição destes nos continentes de origem e residência, respectivamente8. É possível
observar o aumento considerável no total de pessoas envolvidas na imigração internacional, de
122 mil pessoas para 455 mil. No caso dos emigrados, o total de pessoas estimado foi ainda maior,
cerca de 491 mil9. Sobre a distribuição entre países de origem, a tabela mostra algumas mudanças
importantes nos trinta anos em análise. A distribuição em 1991 e 2000 é bem similar, a exceção
do crescimento da participação de imigrantes provenientes da Ásia (de 11 para 17%) que, em
termos de distribuição, aumentaram o seu percentual com a redução de participação da América
do Norte e Europa. Nos dois períodos, os países da América Latina e Caribe sustentaram uma
participação bem mais elevada do que os outros continentes, com cerca de 43%.
Tabela 1: Distribuição dos imigrantes e emigrantes internacionais de acordo com o continente dos
países de origem dos imigrantes internacionais de última etapa do Brasil em 1991, 2000 e 2010 e do
país de residência dos emigrados internacionais declarados no Censo de 2010
Em 2010, contudo, o equilíbrio se altera a favor dos países mais desenvolvidos. América
do Norte, Europa e Oceania concentram, juntas, cerca de 50,6% dos imigrantes internacionais,
enquanto a participação da América Latina e Caribe desce para 28,6% e a Ásia mantém 17%. Os
dados indicam que pode ter ocorrido alguma mudança no padrão das relações migratórias. Em
termos absolutos, registra-se um aumento do número de migrantes dos países latino-americanos
no período, o que descarta a hipótese de que esse laço migratório ficou menos dinâmico. Ocorre
8 É preciso compreender que o total de imigrantes e emigrantes internacionais do Censo de 2010 aqui apresentados não podem ser usados para o cálculo do Saldo Migratório entre o Brasil e o resto do mundo. Os imigrantes foram captados pela variável de última etapa, já que a prioridade era captar o fluxo direto de população. Por isso, não é possível localizar essa população em algum país no início do período, que foi o ano 2000. No caso dos emigrantes, o estoque é acumulado, ou seja, não há determinação de um período inicial. A questão que deu origem ao quesito verificou apenas se havia algum membro do domicílio que residia em outro país. Uma análise do quesito “data da última partida”, revela que cerca de 10% dos emigrantes declarados partiram para o exterior antes do ano 2000. 9 Alguns estudos que se utilizaram da base de dados do Censo, como Oliveira (2013) e Pereira e Siqueira (2012), tem usado apenas os dados do Universo, já que a amostra apresentou problemas de expansão.
Imigrantes % Imigrantes % Imigrantes % Emigrantes %América do Norte 19.864 16,2 39.805 14,2 84.294 18,5 126.722 25,8Europa 30.326 24,7 58.564 20,9 140.638 30,9 253.130 51,5América Latina e Caribe 53.631 43,7 121.242 43,3 130.310 28,6 44.655 9,1África 3.037 2,5 6.725 2,4 11.296 2,5 8.126 1,7Ásia 14.096 11,5 50.076 17,9 79.085 17,4 44.221 9,0Oceania 923 0,8 1.494 0,5 5.427 1,2 13.946 2,8Ignorado 947 0,8 1.917 0,7 4.282 0,9 354 0,1Total 122.824 279.823 455.332 491.154Fonte: Censos Demograficos de 1991, 2000 e 2010.
1991Continentes 2000 2010
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que as variações positivas no total de imigrantes da América do Norte e Europa foram expressivas.
Estudos como Siqueira (2009a e 2009b) e Pereira e Siqueira (2012) trazem evidências de que o
aumento destes valores se relaciona ao retorno de brasileiros como efeito da crise econômica
global que teve início com a bolha no mercado imobiliário americano a partir de 2007. No caso da
população de emigrantes, a distribuição pelos continentes mostra que a correspondência entre
fluxos e refluxos é maior no caso das trocas com a América do Norte e Europa, que juntas
concentram 77,3% dos emigrados.
A Tabela 2 mostra com mais clareza o peso da migração para países com renda mais alta.
Os dados são da distribuição dos imigrantes e emigrados a partir da classificação dos países
segundo níveis de renda, utilizada pelas Nações Unidas10. Os países de renda alta enviaram para o
Brasil 63,7 e 61,7% dos imigrantes no período 1981-1991 e 1990-2000. Essa proporção se eleva
para 72,4% em 2010, especialmente pela redução das entradas de países com renda média. No
caso dos emigrados, a concentração nos países de renda alta é ainda maior, com 91,4% dos
declarados vivendo nestes países. Os movimentos entre o Brasil e as nações desenvolvidas e com
alta renda evidentemente são os predominantes, especialmente ao se considerar os resultados do
Censo de 2010.
Tabela 2: Distribuição dos imigrantes e emigrantes internacionais de acordo com o nível de renda
dos países de origem dos imigrantes internacionais de última etapa do Brasil em 1991, 2000 e 2010 e
do país de residência dos emigrados internacionais declarados no Censo de 2010
Outra questão essencial nessa discussão é avaliar o papel do retorno de brasileiros na
imigração internacional. Diante do que já foi discutido anteriormente, é razoável supor que haja
prevalência do retorno nos vínculos migratórios com os países de renda mais elevada,
considerando o papel do Brasil como cedente de mão de obra temporária para esses países. Muitos
dos migrantes internacionais que se dirigem a Europa e Estados Unidos o fazem com clara intenção
de retornar e desfrutar dos ganhos de capital decorrentes da migração nos seus lugares de origem.
10 Conferir UNITED NATIONS (2015). Essa classificação não segue rigorosamente a dicotomia países Norte/Sul. Países petrolíferos como Arábia Saudita, Kwait, Emirados Árabes Unidos, Catar e Venezuela estão entre os de renda alta, bem como países do leste asiático como Hong Kong, Singapura, Polinésia Francesa. Algumas economias tradicionalmente consideradas como em desenvolvimento também comparecem, como Argentina e Chile. O Brasil encontra-se no grupo de Renda média – metade superior.
Imigrantes % Imigrantes % Imigrantes % Emigrantes %Renda Alta 78.156 63,6 172.698 61,7 329.797 72,4 448.994 91,4Renda média (metade superior) 32.363 26,3 89.944 32,1 83.009 18,2 25.056 5,1Renda média (metade inferior) 11.022 9,0 14.856 5,3 35.577 7,8 14.848 3,0Renda Baixa 336 0,3 408 0,1 2.667 0,6 1.902 0,4Ignorado 947 0,8 1.917 0,7 4.282 0,9 354 0,1Total 122.824 279.823 455.332 491.154Fonte: Censos Demograficos de 1991, 2000 e 2010.
Nível de renda dos países 1991 2000 2010
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A Tabela 3 apresenta os dados de retorno, juntamente com outras informações relevantes
sobre os 20 principais países de origem dos imigrantes internacionais registrados no Censo de
2010. Destaca-se, inicialmente, que em todos os períodos em análise esses países responderam por
mais de 80% da imigração internacional no país (81,2% em 1991, 87,9% em 2000 e 88,3% em
2010). Sem dúvida, são as nações com laços migratórios mais estreitos com o país e isso remonta
desde a década de 1980. Pelos dados do ranking pode-se perceber que, apesar de algumas trocas
de papel, a maior parte destes países figurava entre os 20 mais importantes nos três períodos11.
Entre os vinte países, nove são da América do Norte ou Europa, sete são da América Latina, três
são da Ásia ou Oceania e apenas um é africano.
As tendências do retorno são bem diferenciadas. Os países com percentuais acima de 80%
de retorno na imigração em 2010 em ordem decrescente são: Austrália, Japão, Grã-Bretanha,
Canadá e Estados Unidos. Entre 80 e 50% tem-se: Espanha, Suíça, Portugal, Itália, França,
Alemanha, Paraguai. Entre os outros países em que o retorno não é predominante destacam-se
Peru, Colômbia e China, todos com percentuais abaixo de 20%.
No caso do ranking da emigração, as alterações são muito significativas para compreender
as diferenças entre os processos de entrada e saída de população. Entre os países que estavam
presentes na lista das 20 principais origens da imigração, seis não apareciam na lista da emigração,
são eles: Uruguai, Peru, China, Chile e Colômbia. No caso dos países que eram contados entre os
vinte principais destinos dos emigrantes, mas que não estavam no ranking da imigração tem-se:
Irlanda, Bélgica, Holanda, Guiana Francesa e Suriname. Fica evidente que na relação com alguns
países da América Latina e com a China, os fluxos de entrada não são compensados por fluxos
proporcionais de saída. As informações da emigração, então, reforçam que a tendência de saída de
população para os países desenvolvidos é a predominante.
2.2) Notas sobre as relações migratórias entre Brasil e EUA
Os dados apresentados na seção anterior mostram o protagonismo que os Estados Unidos
vem exercendo nas trocas migratórias entre o Brasil e os países de economia desenvolvida. A
importância dos EUA como destino de parte dos migrantes brasileiros só cresceu nas últimas
décadas. Em 2010 esse país alcançou o status de principal origem dos imigrantes (com 79.327
imigrantes provenientes deste país – dos quais 80,9% eram brasileiros), como também de principal
destino dos emigrados, totalizando 116.870 membros de domicílios brasileiros que foram
declarados como residentes nos EUA em 2010.
11 Os países que constavam entre as vinte principais origens em 1991 e não estão nesta lista são: Coreia do Norte (12), Outros países da Ásia (14) e Líbano (18). No caso de 2000 são: Outros países da África (16) e Venezuela (19).
12
Tabela 3: Ranking dos 20 principais países de origem dos imigrantes internacionais no Brasil em 2010 de acordo com a quantidade de imigrantes, o
percentual em relação ao total, o percentual de imigrantes brasileiros retornados e a posição no ranking em 1991, 2000 e 2010
Imigrantes % no total % retorno ranking Imigrantes % no total % retorno ranking Imigrantes % no total % retorno rankingEstados Unidos 18.526 15,1 73,3 2 37.219 13,3 79,5 2 79.327 17,4 80,9 1Japão 2.886 2,3 16,7 13 37.138 13,3 85,6 3 61.694 13,5 87,2 2Paraguai 18.732 15,3 79,7 1 61.357 21,9 81,8 1 44.336 9,7 59,3 3Portugal 6.401 5,2 28,1 5 9.801 3,5 56,2 6 35.654 7,8 74,6 4Bolívia 7.173 5,8 20,0 4 11.113 4,0 41,6 5 27.259 6,0 25,3 5Espanha 2.176 1,8 45,8 16 5.554 2,0 61,8 12 22.854 5,0 78,3 6Grã-Bretanha 4.294 3,5 73,1 9 9.256 3,3 79,8 8 21.284 4,7 86,4 7Itália 3.651 3,0 50,4 11 8.794 3,1 59,2 9 20.027 4,4 71,2 8Argentina 8.794 7,2 27,8 3 15.334 5,5 44,7 4 16.381 3,6 38,7 9França 4.661 3,8 62,2 7 8.175 2,9 62,3 10 12.227 2,7 65,5 10Alemanha 4.363 3,6 49,4 8 7.432 2,7 61,9 11 10.207 2,2 63,6 11Uruguai 3.700 3,0 20,7 10 9.666 3,5 43,8 7 9.016 2,0 28,3 12Peru 2.219 1,8 17,6 15 5.151 1,8 29,0 13 7.616 1,7 19,5 13China 1.331 1,1 1,3 22 3.623 1,3 19,7 15 7.261 1,6 18,4 14Chile 5.366 4,4 8,6 6 3.849 1,4 48,1 14 5.128 1,1 46,3 15Canadá 1.338 1,1 63,5 20 2.586 0,9 71,5 21 4.967 1,1 83,3 16Colômbia 1.231 1,0 30,0 23 3.049 1,1 40,6 17 4.875 1,1 18,6 17Suíça 1.359 1,1 40,2 19 2.986 1,1 67,2 18 4.373 1,0 78,1 18Austrália 474 0,4 71,3 34 1.093 0,4 81,6 32 3.781 0,8 89,8 19Angola 1.010 0,8 18,2 24 2.704 1,0 37,5 20 3.679 0,8 44,6 20Outros Países 23.139 18,8 33.943 12,1 53.386 11,7Total 122.824 279.823 455.332Fonte: Censos Demograficos de 1991, 2000 e 2010.
Países 1991 2000 2010
13
Entre os imigrantes, 45.116 eram homens e 34.212 eram mulheres (razão de sexo de 131,9).
Curiosamente, a emigração não registra um diferencial tão grande entre os sexos e mostra
superioridade entre as mulheres, com 57.632 homens e 59.238 mulheres (razão de sexo de 97,3).
Antes do Censo de 2010, havia pouca informação sobre o perfil da emigração. De acordo com as
Nações Unidas (UNITED NATIONS, 2016), apesar da maior parte dos imigrantes internacionais
serem do sexo masculino, as mulheres predominam entre os imigrantes residentes na América do
Norte e Europa. Aparentemente, os dados confirmam essa assertiva para o caso brasileiro. Se isso
for verdade, pode-se inferir que há uma tendência maior ao retorno de homens do que de mulheres.
Não obstante, deve-se considerar que a metodologia utilizada para captar os emigrados deixa de
fora os integrantes de domicílios que se transferiram com todos os seus componentes para os EUA
e os emigrantes cujos membros dos domicílios não sobreviveram no período.
No Gráfico 1 pode-se observar a distribuição dos imigrantes e emigrantes de 2010 segundo
sexo e estrutura etária. Considerando que 80,9% dos imigrantes são brasileiros retornados e que
parte da migração de estrangeiros também é efeito indireto do retorno (casamentos e filhos tidos
no exterior), parece razoável tratar as tendências da imigração dos EUA como tendências do
retorno. As diferenças na distribuição mostram que a emigração tem um perfil jovem, com muito
baixa representatividade de indivíduos com menos de 15 anos e mais de 65. Mais uma vez, cabe
destacar que esse não é necessariamente o perfil dos emigrados brasileiros. Como os dados não
captam os membros de domicílios que se mudaram com todos os componentes, é natural que as
crianças e os idosos estejam subenumerados na amostra. No caso do retorno, ao contrário, nota-se
o perfil etário clássico da migração, com predominância de indivíduos em idades produtivas e
crianças com menos de 10 anos de idade.
Outra informação de interesse, que ajuda a explicar a o aumento do número de imigrantes
dos Estados Unidos, é o tempo de residência. O Gráfico 2 mostra, para os imigrantes, o ano que
se estabeleceu residência no município, que, como se trata de migração de última etapa, é o ano
da chegada no Brasil. Para os emigrantes o gráfico mostra o ano da última partida. No gráfico
estão representados apenas os dados referentes ao período intercensitário, o que excluí 29.494
emigrantes cujo ano da última partida foi anterior a 2001.
A distribuição dos imigrantes segundo o ano da chegada no Brasil mostra um expressivo
aumento do retorno na segunda metade da década, especialmente a partir de 2008, que tem o pico
nas taxas de retorno, com 15.394 pessoas. Essa informação corrobora a hipótese de que o aumento
no retorno de brasileiros é decorrente dos efeitos da crise econômica, o que provavelmente também
ocorreu com alguns brasileiros residentes nos países europeus. Com relação a emigração, fica
evidente que as declarações tem influência da atração digital. Os entrevistados foram questionados
14
sobre o ano da última partida do emigrado e houve grande concentração de respostas nos anos de
2005 e 2010.
Gráfico 1: Distribuição dos imigrantes e emigrados internacionais das trocas entre Brasil e Estados
Unidos por sexo e estrutura etária em 2010
Fonte: Censo Demográfico de 2010
Gráfico 2: Distribuição dos migrantes internacionais segundo ano da última partida (emigrante) e
ano da chegada (imigrante) em 2010
Fonte: Censo Demográfico de 2010
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Emigrantes Imigrantes
-0,12-0,08-0,040,000,040,080,12
0 a 4
5 a 9
10 a 14
15 a 19
20 a 24
25 a 29
30 a 34
35 a 34
40 a 44
45 a 49
50 a 54
55 a 59
60 a 64
65 a 69
70 a 74
75 a 79
80 e mais
-0,12-0,08
-0,040,00
0,040,08
0,12
0 a 4
5 a 9
10 a 14
15 a 19
20 a 24
25 a 29
30 a 34
35 a 34
40 a 44
45 a 49
50 a 54
55 a 59
60 a 64
65 a 69
70 a 74
75 a 79
80 e mais
Imigrantes masculino 2010
Imigrantes feminino 2010
Emigrantes masculino 2010
Emigrantes feminino 2010
15
Não obstante, e de forma aparentemente contraditória, foi também na segunda metade da
década que se registrou maior quantidade de emigrados. Segundo os dados, entre 2001 e 2010
emigraram para os Estados Unidos 87.318 pessoas, das quais 38.065 (43,6%) partiram até 2005 e
49.252 (56,4%) partiram entre 2006-2010. A contradição é aparente por um motivo simples.
Considerando que essas migrações, em grande maioria, são reversíveis, é possível que boa parte
dos emigrados até o ano de 2005 tenha realizado o movimento e retornado, sendo contabilizados
na estatística de imigrantes. Por inferência simples, é de se esperar que o aumento do retorno na
segunda metade da década tenha desestimulado parte da emigração, assim, caso esses dados
tivessem sido coletados no meio da década (antes da crise) é provável que os contingentes
envolvidos na emigração fossem maiores12.
Finalmente, destaca-se como os microdados podem ajudar a conhecer a dimensão espacial
da migração internacional no Brasil. As informações sobre imigrantes e emigrantes estão
disponíveis na amostra em várias unidades espaciais, incluindo os municípios. Como a teoria
prevê, a migração de brasileiros para os Estados Unidos não é um evento disperso no território
porque depende da existência de conexões entre os lugares de origem e destino, geralmente dadas
pelas redes sociais e institucionais. A Tabela 4 apresenta os 20 principais municípios de residência
dos imigrantes e dos domicílios dos emigrados. Entre os imigrantes, essas 20 localidades reúnem
48,5% do total, 41,8% entre os emigrantes. Os municípios se concentram nas regiões Sul e Sudeste,
a exceção de Recife, Fortaleza e Salvador (Nordeste) e Brasília, Anápolis e Goiânia (Centro-
Oeste). Apenas um deles não é uma cidade grande ou média (Conselheiro Pena-MG, com 22 mil
habitantes) e 12 são núcleos de regiões metropolitanas. Os dados sugerem que as conexões entre
Brasil e Estados Unidos ocorrem em municípios de grande e médio porte, integrantes de Regiões
Metropolitanas. Como poderia se esperar, a lista é bem similar para imigrantes e emigrantes. Em
negrito, aparecem os municípios que não se repetem nas duas listas.
Ao acompanhar as informações sobre o município de residência nos Censos de 1991, 2000
e 2010 pode-se ter uma boa noção da dispersão espacial dessa migração. Muito embora as redes
migratórias para os EUA estejam concentradas em municípios de grande e médio porte, o aumento
no número de imigrantes acompanhou uma expansão considerável no número de municípios
envolvidos com a migração.
12 Essa questão levanta um aspecto interessante dos dados de emigração. Apesar da inconsistências que aparecem no detalhamento dos dados (formas de coleta, problemas na expansão da amostra, problemas de memória dos declarantes, etc.) eles indicam os microespaços (setores censitários) em que os domicílios prosseguiram enviando migrantes a despeito da crise. Esse mapeamento proporciona uma enorme economia de recursos em futuras propostas de surveys a serem desenhados com o objetivo de pesquisarem estes domicílios.
16
Tabela 4: 20 principais municípios de residência dos imigrantes dos EUA e de localização dos
domicílios com emigrados para os EUA em 2010
As Figuras de 1 a 3 apresentam o total de imigrantes nos municípios e a Figura 4 o total de
emigrados nos municípios de localização dos domicílios declarantes. Com a finalidade de expurgar
os números pequenos, foram representados apenas os municípios cujo total de migrantes figurasse
acima do percentil 20.
Dois aspectos são essenciais na dispersão espacial demonstrada pelos mapas: 1) a
multiplicação de municípios vizinhos as áreas que já possuíam imigrantes em 1991, indicando que
os pressupostos da teoria das causações cumulativas provavelmente se aplicam a essa migração,
ou seja, a ativação de uma rede de migrantes em um determinado município tem sido capaz de
atrair para essa rede indivíduos dos municípios nas imediações. 2) A concentração do fenômeno
nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, apesar de se verificar aumento de municípios no Nordeste
e Norte, contudo, com valores bem inferiores aos da região centro-sul.
Município Imigrantes % Município Emigrantes %
São Paulo 7.496 9,4 São Paulo 8.424 7,2Rio de Janeiro 4.847 6,1 Rio de Janeiro 6.109 5,2Belo Horizonte 3.338 4,2 Governador Valadares 5.064 4,3Goiânia 3.080 3,9 Belo Horizonte 4.823 4,1Curitiba 2.646 3,3 Goiânia 4.245 3,6Governador Valadares 2.575 3,2 Curitiba 2.852 2,4Brasília 2.340 2,9 Brasília 2.192 1,9Porto Alegre 1.637 2,1 Porto Alegre 2.010 1,7Fortaleza 1.173 1,5 Ipatinga 1.929 1,7Campinas 1.132 1,4 Recife 1.448 1,2Salvador 1.121 1,4 Salvador 1.324 1,1Florianópolis 986 1,2 Fortaleza 1.321 1,1Recife 922 1,2 Campinas 1.017 0,9Ipatinga 840 1,1 Vila Velha 956 0,8Anápolis 803 1,0 Uberlândia 913 0,8Vila Velha 757 1,0 Conselheiro Pena 893 0,8Maringá 716 0,9 Niterói 883 0,8Londrina 712 0,9 Poços de Caldas 849 0,7Criciúma 688 0,9 Contagem 814 0,7Vitória 672 0,8 Anápolis 775 0,7Outros municípios 40.846 51,5 Outros municípios 68.028 58,2Total 79.327 Total 116.870Fonte: Censos Demograficos de 1991, 2000 e 2010.
17
Figura 1: Distribuição dos imigrantes de última etapa dos EUA nos municípios brasileiros em
1991, excluindo os municípios que se encontravam até o percentil 20
Figura 2: Distribuição dos imigrantes de última etapa dos EUA nos municípios brasileiros em
2000, excluindo os municípios que se encontravam até o percentil 20
Figura 3: Total de imigrantes de última etapa dos EUA nos municípios brasileiros em 2010,
excluindo os municípios que se encontravam até o percentil 20
Figura 4: Total de emigrantes residentes nos EUA em 2010 nos municípios dos domicílios
declarantes, excluindo o percentil 20
Total de Imigrantes1991
10.000
5.000
1.000
Total de Imigrantes2000
10.000
5.000
1.000
Total de Imigrantes2010
10.000
5.000
1.000
0 1.000 2.000
kilometers
Total de Emigrantes2010
10.000
5.000
1.000
18
Considerações Finais
Os dados aqui apresentados indicam como o Brasil tem aumentado a sua participação nas
redes migratórias internacionais. Apesar da importância fundamental de vínculos migratórios com
os países vizinhos e outras nações africanas, fica evidente a primazia da participação dos
brasileiros nos sistemas migratórios que envolvem o envio de migrantes laborais para as
economias desenvolvidas, com grande destaque para os Estados Unidos, mas também
participações significativas de fluxos para o Japão, Portugal, Espanha, Inglaterra, França e
Alemanha. As altas taxas de retorno nestes fluxos e a predominância mais absoluta deles entre os
dados emigração apenas confirma que tratam-se destes movimentos laborais contemporâneos,
caracterizados pela reversibilidade e re-emigração.
Os dados também apontam, no caso das relações entre Brasil e Estados Unidos, que os
fluxos migratórios são seletivos no território, com alguns poucos municípios em que as famílias
efetivamente tem acesso as redes sociais de apoio a migração para os EUA. Não obstante, os mapas
apresentados sugerem que o efeito das causações cumulativas tem favorecido a emergência de
mais clusters migratórios no território, especialmente na periferia das cidades já bem conectadas.
A seletividade dos migrantes é um processo complexo, que depende da atuação das
unidades domiciliares e da inserção das populações em determinados contextos sociais e
econômicos que estimulam a migração. De posse dos dados sobre imigrantes e emigrantes
internacionais é possível avançar na exploração das causas e consequências deste fenômeno.
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