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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 920-STF

Márcio André Lopes Cavalcante Processo não comentado pelo fato de não ter sido ainda concluído em virtude de pedido de vista: RE 839950/RS.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA É inconstitucional lei municipal que institua loteria local. DIREITO À EDUCAÇÃO Lei estadual tratando sobre livre organização de entidades estudantis. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE A decisão do Relator que ADMITE ou INADMITE o ingresso do amicus curiae é irrecorrível.

DIREITO ADMINISTRATIVO

PRECATÓRIOS É possível aplicar o regime de precatórios às sociedades de economia mista?

DIREITO PENAL

CALÚNIA ELEITORAL Para configurar o delito de calúnia eleitoral é necessária a comprovação da lesividade da conduta e, se o suposto

atingido afirma não ter se ofendido, não há prova da materialidade.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO Regras para a aplicação da decisão do STF na AP 937 QO/RJ aos processos em curso no Supremo. EMBARGOS INFRINGENTES Excepcionalmente, se a Turma, ao condenar o réu, estiver com quórum incompleto, será possível o cabimento dos

embargos mesmo que tenha havido apenas 1 voto absolutório.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA Os imóveis vinculados ao Programa de Arrendamento Residencial (PAR) estão sujeitos ao regime de imunidade

tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, da CF/88).

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DIREITO CONSTITUCIONAL

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA É inconstitucional lei municipal que institua loteria local

É inconstitucional lei municipal que cria concurso de prognósticos de múltiplas chances (loteria) em âmbito local.

A competência para tratar sobre esse assunto (sistemas de sorteios) é privativa da União, conforme determina o art. 22, XX, da CF/88.

Sobre o tema, vale a pena lembrar a SV 2: é inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.

STF. Plenário. ADPF 337/MA, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 17/10/2018 (Info 920).

Lei municipal tratando sobre loteria O Município de Caxias (MA) editou a Lei nº 1.566/2005 criando, como um serviço público municipal, o “concurso de prognósticos de múltiplas chances”. Em outras palavras, o Município instituiu uma loteria em âmbito local com o objetivo de arrecadar verbas para financiar a assistência social na cidade. O que são “concursos de prognósticos”? Prognóstico é uma previsão de algo que ainda irá ocorrer. Concurso de prognóstico consiste em premiar aquela pessoa que consegue prever algo que irá acontecer. Ex: a Mega-Sena é um concurso de prognóstico que premia aquele que consegue prever os seis números que serão sorteados. Veja o conceito dado pela Lei nº 8.212/91:

Art. 26 (...) § 1º Consideram-se concursos de prognósticos todos e quaisquer concursos de sorteios de números, loterias, apostas, inclusive as realizadas em reuniões hípicas, nos âmbitos federal, estadual, do Distrito Federal e municipal.

Essa Lei municipal é constitucional? O Município poderia ter editado essa lei? NÃO. Competência privativa da União A competência para tratar sobre esse assunto (sistemas de sorteios) é privativa da União, conforme determina o art. 22, XX, da CF/88:

Art. 22 (...) XX - sistemas de consórcios e sorteios;

A expressão “sistema de sorteios”, constante do art. 22, XX, da CF/88, abrange os jogos de azar, as loterias e similares (STF. Plenário. ADI 3895, Rel. Min. Menezes Direito, julgado em 04/06/2008). O STF editou uma súmula vinculante sobre o tema:

Súmula vinculante 2: É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.

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É inconstitucional norma estadual ou distrital que regulamente o funcionamento de loterias, por ser matéria de competência privativa da União. STF. Plenário. ADI 3630, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/06/2017.

Veja como o tema já foi cobrado em prova: (DPE/MA 2015 FCC) A competência legislativa assegurada constitucionalmente à União para dispor sobre sistema de consórcios e sorteios impede legislação dos Estados que disponha sobre a matéria, mesmo que apresente caráter suplementar à legislação federal e seja voltada a atender às suas peculiaridades. (CERTO) A SV fala em Estado e Distrito Federal. Isso significa que os Municípios poderiam legislar sobre o assunto? NÃO. Os Municípios também não podem. A instituição (criação) de sistemas de consórcios e sorteios, como no caso das loterias, é matéria de competência legislativa privativa da União. Extrapola as competências dos Municípios para legislar sobre interesse local a instituição de loteria municipal, tendo em vista que a legislação federal não permite isso.

DIREITO À EDUCAÇÃO Lei estadual tratando sobre livre organização de entidades estudantis

É constitucional lei estadual que:

• assegure, nos estabelecimentos de ensino superior estadual e municipal, a livre organização dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais dos Estudantes.

• estabeleça que é de competência exclusiva dos estudantes a definição das formas, dos critérios, dos estatutos e demais questões referentes à organização dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais dos Estudantes.

• determine que os estabelecimentos de ensino deverão garantir espaços, em suas dependências, para a divulgação e instalações para os Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais Estudantis.

Vale ressaltar, no entanto, que esta lei não se aplica para as instituições federais e particulares de ensino superior considerando que elas integram o “sistema federal”, de competência da União.

Deve-se acrescentar, por fim, que é inconstitucional que essa lei estadual preveja multa para as entidades particulares de ensino em caso de descumprimento das medidas acima listadas.

STF. Plenário. ADI 3757/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/10/2018 (Info 920).

Lei estadual tratando sobre livre organização de entidades estudantis O Estado do Paraná editou a Lei nº 14.808/2005, com o objetivo de assegurar, “nos estabelecimentos de ensino superior, públicos e privados, a livre organização dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais dos Estudantes”. Confira o que diz a Lei:

Art. 1º É assegurada, nos estabelecimentos de ensino superior, públicos e privados, a livre organização dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais dos Estudantes, para representar os interesses e expressar os pleitos dos alunos.

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Art. 2º É de competência exclusiva dos estudantes a definição das formas, dos critérios, dos estatutos e demais questões referentes à organização dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais dos Estudantes. Art. 3º Os estabelecimentos de ensino a que se refere o artigo 1º da presente lei deverão garantir espaços, em suas dependências, para a divulgação e instalações para os Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais Estudantis, além de garantir: I – a livre divulgação dos jornais e outras publicações dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e do Diretório Central dos Estudantes, bem como de suas Entidades Estudantis Estaduais e Nacionais; II – a participação dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e do Diretório Central dos Estudantes nos Conselhos Fiscais e Consultivos das instituições de ensino; III – aos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e do Diretório Central dos Estudantes o acesso à metodologia da elaboração das planilhas de custos das instituições de ensino; IV – o acesso dos representantes das entidades estudantis às salas de aula e demais espaços de circulação dos estudantes, respeitando-se o bom senso. Art. 4º Os espaços aos quais se refere o artigo anterior, deverão ser cedidos, preferencialmente, no prédio correspondente ao curso que o órgão estudantil representa, um para cada curso, em local que permita fácil acesso do aluno ao Centro Acadêmico de seu curso. Art. 5º No caso de descumprimento das disposições desta lei, os estabelecimentos particulares de ensino superior estarão sujeitos à aplicação de multa, a ser fixada entre R$ 5.000,00 e R$ 50.000,00, corrigidos anualmente a partir da publicação desta lei. Parágrafo único. A multa prevista no caput será cobrada mensalmente, até o total cumprimento dos dispositivos previstos neste diploma legal.

ADI A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) ajuizou uma ADI contra esta Lei no STF. Segundo a autora, esta lei seria inconstitucional por tratar sobre “diretrizes e bases da educação nacional”, matéria que é de competência privativa da União, nos termos do art. 22, XXIV, da CF/88. Além disso, a Lei violaria a autonomia universitária e a livre iniciativa privada. O que decidiu o STF? A ação foi julgada procedente? O STF julgou parcialmente procedente a ADI para: • declarar a inconstitucionalidade do art. 5º; e • conferir interpretação conforme à Constituição aos arts. 1º a 4º, excluindo do seu âmbito de incidência as instituições federais e particulares de ensino superior. Arts. 1º a 4º O STF deu interpretação conforme à Constituição aos arts. 1º a 4º para excluir do seu âmbito de incidência as instituições federais e particulares de ensino superior. Isso porque tais instituições integram o “sistema federal”, conforme preevem os arts. 209 e 211 da CF/88 combinados com os arts. 16 e 17 da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional):

Art. 16. O sistema federal de ensino compreende: I - as instituições de ensino mantidas pela União; II - as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada; III - os órgãos federais de educação.

Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal compreendem: I - as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal; II - as instituições de educação superior mantidas pelo Poder Público municipal;

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III - as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada; IV - os órgãos de educação estaduais e do Distrito Federal, respectivamente. Parágrafo único. No Distrito Federal, as instituições de educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada, integram seu sistema de ensino.

Logo, a competência para reger e disciplinar as instituições federais e as instituições particulares de ensino superior é da União, não sendo permitido que uma lei estadual trate sobre o tema. Para as demais instituições, os arts. 1º a 4º não apresentam qualquer inconstitucionalidade. O art. 1º assegura a livre organização dos centros e diretórios acadêmicos nos estabelecimentos de ensino superior. No art. 2º, dispõe ser de competência exclusiva dos estudantes a definição das formas, dos critérios, dos estatutos e demais questões referentes a sua organização. Esses dois artigos não dispõem sobre matéria atinente a direito civil e versam apenas sobre liberdade de associação. Dessa maneira, ausente violação à competência da União (art. 22, I, da CF/88). O art. 3º preceitua que os estabelecimentos de ensino devem ceder espaço para instalações dos centros e diretórios acadêmicos e garantir: livre divulgação dos jornais e outras publicações; participação nos conselhos universitários; acesso à metodologia da elaboração das planilhas de custos; e acesso dos representantes das entidades estudantis às salas de aula. O art. 4º preconiza que os espaços cedidos devem ser preferencialmente nos prédios correspondentes aos cursos. O STF considerou que os arts. 3º e 4º não invadem a autonomia universitária (art. 207 da CF/88). Ao contrário, eles estimulam e protegem os valores constitucionais de liberdade de expressão, associação e reunião, asseguram a gestão democrática das universidades públicas e, por conseguinte, permitem a construção de tais universidades como um espaço de reflexão, de exercício da cidadania e de fortalecimento democrático. Art. 5º O art. 5º foi declarado inconstitucional. Isso porque ele prevê a aplicação de multa às instituições particulares que não observem as regras contidas nos artigos anteriores da Lei. Com isso, a norma viola a competência legislativa da União para dispor sobre o sistema federal, bem como a isonomia, uma vez que estabelece multa exclusivamente em desfavor das universidades privadas. Em suma:

É constitucional lei estadual que: • assegure, nos estabelecimentos de ensino superior estadual e municipal, a livre organização dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais dos Estudantes. • estabeleça que é de competência exclusiva dos estudantes a definição das formas, dos critérios, dos estatutos e demais questões referentes à organização dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais dos Estudantes. • determine que os estabelecimentos de ensino deverão garantir espaços, em suas dependências, para a divulgação e instalações para os Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais Estudantis. Vale ressaltar, no entanto, que esta lei não se aplica para as instituições federais e particulares de ensino superior considerando que elas integram o “sistema federal”, de competência da União. Deve-se acrescentar, por fim, que é inconstitucional que essa lei estadual preveja multa para as entidades particulares de ensino em caso de descumprimento das medidas acima listadas. STF. Plenário. ADI 3757/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/10/2018 (Info 920).

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE A decisão do Relator que ADMITE ou INADMITE o ingresso do amicus curiae é irrecorrível

Importante!!!

É irrecorrível a decisão denegatória de ingresso no feito como amicus curiae.

Assim, tanto a decisão do Relator que ADMITE como a que INADMITE o ingresso do amicus curiae é irrecorrível.

STF. Plenário. RE 602584 AgR/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgado em 17/10/2018 (repercussão geral) (Info 920).

Conceito e finalidade Amicus curiae é alguém que, mesmo sem ser parte, em razão de sua representatividade, é chamado ou se oferece para intervir em processo relevante com o objetivo de apresentar ao Tribunal a sua opinião sobre o debate que está sendo travado nos autos, fazendo com que a discussão seja amplificada e o órgão julgador possa ter mais elementos para decidir de forma legítima. Nomenclatura Amicus curiae, em uma tradução literal do latim, significa “amigo da corte” ou “amigo do tribunal”. Obs.: amici curiae é o plural de amicus curiae. Origem Alguns autores afirmam que esta figura surgiu no direito processual penal inglês, enquanto outros identificam uma origem mais remota, lembrando que havia figura assemelhada no direito romano (Marcelo Novelino). Natureza jurídica A maioria da doutrina defende que o amicus curiae seria uma forma de intervenção anômala de terceiros. Para o Min. Luiz Fux, no entanto, o amigo da Corte não é parte nem terceiro, mas apenas agente colaborador. Previsão legal O CPC 2015 passou a disciplinar expressamente a figura do amicus curiae. Quem pode ser amicus curiae? Pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada. (PGM Belo Horizonte 2017 – adaptada) O ingresso como amicus curiae em ADI depende da demonstração da pertinência temática entre os objetivos estatutários da entidade requerente e o conteúdo material da norma questionada. (CERTO) (DPE/PR 2017 FCC) A intervenção de amicus curiae é admitida em qualquer processo, desde que se trate de causa relevante, de tema específico ou que tenha repercussão social, e exige representação adequada, a qual não pressupõe concordância unânime daqueles a quem representa. (CERTO) Cabe recurso contra a decisão do Relator que ADMITE o ingresso do amicus curiae? NÃO. O art. 138 do CPC/2015 expressamente prevê que se trata de decisão irrecorrível:

Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação

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de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.

E da decisão que inadmite? Cabe recurso contra a decisão do Relator que INADMITE o ingresso do amicus curiae? Também NÃO.

É irrecorrível a decisão denegatória de ingresso no feito como amicus curiae. Assim, tanto a decisão do Relator que ADMITE como a que INADMITE o ingresso do amicus curiae é irrecorrível. STF. Plenário. RE 602584 AgR/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgado em 17/10/2018 (repercussão geral) (Info 920).

Argumentos: • O art. 138 do CPC é explícito no sentido de conferir ao juiz competência discricionária para admitir ou não a participação, no processo, de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, e de não admitir recurso contra essa decisão. • O art. 7º da Lei nº 9.868/99, de igual modo, é no mesmo sentido. • O amicus curiae não é parte, mas agente colaborador. Portanto, sua intervenção é concedida como privilégio, e não como uma questão de direito. O privilégio acaba quando a sugestão é feita. • Assim, o amigo da Corte, como mero agente colaborador, não possui direito subjetivo de ser admitido pelo Tribunal. • Haveria inúmeros prejuízos ao andamento dos trabalhos do STF se fosse admitida a possibilidade de recurso, sobretudo em processos em que há um grande número de requerimentos de participação como amicus curiae.

DIREITO ADMINISTRATIVO

PRECATÓRIOS É possível aplicar o regime de precatórios às sociedades de economia mista?

Importante!!!

É aplicável o regime dos precatórios às sociedades de economia mista prestadoras de serviço público próprio do Estado e de natureza não concorrencial.

STF. Plenário. ADPF 387/PI, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 23/3/2017 (Info 858).

É inconstitucional determinação judicial que decreta a constrição de bens de sociedade de economia mista prestadora de serviços públicos em regime não concorrencial, para fins de pagamento de débitos trabalhistas.

Sociedade de economia mista prestadora de serviço público não concorrencial está sujeita ao regime de precatórios (art. 100 da CF/88) e, por isso, impossibilitada de sofrer constrição judicial de seus bens, rendas e serviços, em respeito ao princípio da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF/88) e da separação funcional dos poderes (art. 2º c/c art. 60, § 4º, III).

STF. Plenário. ADPF 275/PB, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 17/10/2018 (Info 920).

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Regime de precatórios O art. 100 da CF/88 prevê que se a Fazenda Pública Federal, Estadual, Distrital ou Municipal for condenada por sentença judicial transitada em julgado a pagar determinada quantia a alguém, este pagamento será feito sob um regime especial chamado de “precatório”:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

O regime de precatórios é um privilégio instituído em favor da Fazenda Pública, considerando que ela não terá que pagar imediatamente o valor para o qual foi condenada, ganhando, assim, um "prazo" maior. Quem tem o privilégio de pagar por meio de precatório? A quem se aplica o regime dos precatórios? As Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais. Essa expressão abrange: • União, Estados, DF e Municípios (administração direta); • autarquias; • fundações; • empresas públicas prestadoras de serviço público (ex: Correios); • sociedades de economia mista prestadoras de serviço público de atuação própria do Estado e de natureza não concorrencial. Aplicação do regime dos precatórios às sociedades de economia mista As sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado formadas majoritariamente com capital público, mas possuindo também capital privado. Em virtude dessas características, havia divergência se o regime dos precatórios poderia ser aplicado para as sociedades de economia mista. O STF pacificou o tema no sentido de que é possível, desde que essa sociedade de economia mista seja prestadora de serviço público de atuação própria do Estado e de natureza não concorrencial. Veja como vem decidindo o Plenário da Corte:

É aplicável o regime dos precatórios às sociedades de economia mista prestadoras de serviço público próprio do Estado e de natureza não concorrencial. STF. Plenário. ADPF 387/PI, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 23/3/2017 (Info 858).

É inconstitucional determinação judicial que decreta a constrição de bens de sociedade de economia mista prestadora de serviços públicos em regime não concorrencial, para fins de pagamento de débitos trabalhistas. Sociedade de economia mista prestadora de serviço público não concorrencial está sujeita ao regime de precatórios (art. 100 da CF/88) e, por isso, impossibilitada de sofrer constrição judicial de seus bens, rendas e serviços, em respeito ao princípio da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF/88) e da separação funcional dos poderes (art. 2º c/c art. 60, § 4º, III). STF. Plenário. ADPF 275/PB, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 17/10/2018 (Info 920).

Não atuar em regime de concorrência e não objetivar lucro Segundo o STF, para que a sociedade de economia mista goze dos privilégios da Fazenda Pública, é necessário que ela não atue em regime de concorrência com outras empresas e que não tenha objetivo de lucro. Confira:

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(...) Os privilégios da Fazenda Pública são inextensíveis às sociedades de economia mista que executam atividades em regime de concorrência ou que tenham como objetivo distribuir lucros aos seus acionistas. Portanto, a empresa Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. - Eletronorte não pode se beneficiar do sistema de pagamento por precatório de dívidas decorrentes de decisões judiciais (art. 100 da Constituição). (...) STF. Plenário. RE 599628, Relator p/ Acórdão Min. Joaquim Barbosa, julgado em 25/05/2011.

Assim, se a sociedade de economia mista atuar em mercado sujeito à concorrência ou permitir a acumulação ou a distribuição de lucros, neste caso ela se submeterá ao regime de execução comum aplicável às demais empresas do setor privado.

Exemplos Você pode estar com alguma dificuldade de visualizar o que seria uma sociedade de economia mista prestadora de serviço público próprio do Estado e de natureza não concorrencial. Por isso, vejamos três exemplos já enfrentados pelo STF:

1) Companhia de Saneamento de Alagoas (CASAL) Trata-se de uma sociedade de economia mista prestadora de serviços de abastecimento de água e saneamento que presta serviço público primário e em regime de exclusividade. O STF entendeu que a atuação desta sociedade de economia mista corresponde à própria atuação do Estado, já que ela não tem objetivo de lucro e o capital social é majoritariamente estatal. Logo, diante disso, o Supremo reconheceu que ela tem direito ao processamento da execução por meio de precatório. STF. 2ª Turma. RE 852302 AgR/AL, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15/12/2015 (Info 812).

2) Empresa de Gestão de Recursos do Estado do Piauí S/A (EMGERPI) A EMGERPI é uma sociedade de economia mista voltada à capacitação e redistribuição de servidores para órgãos e entidades da Administração Pública estadual. Tem como finalidade prioritária gerenciar recursos humanos da Administração Pública estadual, na medida em que seu objeto social é capacitar, aperfeiçoar, absorver, redistribuir e ceder pessoal para órgãos e entidades da Administração Pública do Piauí. Neste caso, o STF entendeu que a EMGERPI não exerce atividade econômica em regime de concorrência, devendo, portanto, ser submetida ao regime de precatório. STF. Plenário. ADPF 387/PI, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 23/3/2017 (Info 858).

No caso concreto envolvendo a EMGERPI, a Justiça do Trabalho condenou a empresa a pagar determinadas dívidas trabalhistas e, como estas não foram quitadas, o magistrado determinou a penhora de valores contidos na conta única do Estado do Piauí (sócio majoritário da EMGERPI). O STF cassou a decisão afirmando que a execução deveria seguir o rito dos precatórios e que a penhora efetuada poderia comprometer as finanças do Estado, além de acarretar dificuldades na execução de políticas públicas. O Min. Gilmar Mendes destacou que a decisão do magistrado afrontava diretamente o regime de precatórios estabelecido no art. 100 da CF/88 e também os princípios constitucionais da atividade financeira estatal, em especial o da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF/88). Além disso, a referida ordem de bloqueio constituía interferência indevida, em ofensa aos princípios da independência e da harmonia entre os Poderes (art. 2º, da CF/88).

3) Companhia de Desenvolvimento de Recursos Minerais da Paraíba (CDRM/PB) Trata-se de sociedade de economia mista que tem por finalidade executar programas e projetos de desenvolvimento de recursos minerais e hídricos no Estado da Paraíba. STF. Plenário. ADPF 275/PB, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 17/10/2018 (Info 920).

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DIREITO PENAL

CALÚNIA ELEITORAL Para configurar o delito de calúnia eleitoral, é necessária a comprovação da lesividade da

conduta e, se o suposto atingido afirma não ter se ofendido, não há prova da materialidade

O comitê de campanha do candidato Ronaldo foi arrombado e de lá furtados dois computadores.

Em entrevista concedida a um jornal, Ronaldo teria afirmado que o maior suspeito do crime era o governo.

Em razão das declarações, o Ministério Público eleitoral ofereceu denúncia contra Ronaldo pela prática de calúnia eleitoral (art. 324 do CE), figurando como suposta vítima Teotônio, Governador e candidato a reeleição.

O réu se defendeu alegando que apenas emitiu opinião sobre o ocorrido e que não citou o nome do Governador.

Vale ressaltar que Teotônio (suposta vítima) afirmou que não se sentiu pessoalmente ofendido.

Diante disso, o STF absolveu o réu afirmando que, para configurar o delito de calúnia é necessária a comprovação da lesividade da conduta e que, como o suposto atingido afirma não ter se ofendido com as declarações, não há prova da materialidade da conduta delituosa.

STF. Plenário. AP 929 ED-2º julg-EI/AL, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 17/10/2018 (Info 920).

Imagine a seguinte situação hipotética: De acordo com os autos, em outubro de 2010, o comitê de campanha do PDT foi arrombado e, na ocasião, foram furtados do local dois computadores. Em entrevista concedida a um jornal após o fato, Ronaldo Lessa (PDT-AL), então candidato ao cargo de Governador de Alagoas, teria afirmado que o maior suspeito do crime era o governo, referindo-se, de acordo com a denúncia, ao então Governador e candidato a reeleição, Teotônio Vilela Filho. Diante disso, o Ministério Público denunciou Ronaldo Lessa, imputando-lhe a prática do crime de calúnia eleitoral, delito tipificado no art. 324 c/c art. 327, III, do Código Eleitoral:

Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa.

Art. 327. As penas cominadas nos artigos 324, 325 e 326, aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: (...) III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa.

Por que a denúncia foi oferecida pelo Ministério Público (e não pelo suposto ofendido)? Porque os crimes eleitorais (inclusive os delitos eleitorais contra a honra) são de ação penal pública incondicionada, conforme prevê o art. 355 do Código Eleitoral, sendo desnecessária representação do ofendido para que o Ministério Público ofereça a denúncia. Veja a redação legal:

Art. 355. As infrações penais definidas neste Código são de ação pública.

O réu foi condenado ou absolvido pelo Plenário do STF? Absolvido.

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O Plenário do STF absolveu o Deputado da acusação de calúnia eleitoral. Ademais, o depoimento da vítima – sujeito passivo direto dos crimes contra a honra – assume papel de relevância, porquanto é o titular do bem jurídico protegido pela norma criminalizadora. No caso, a suposta vítima pronunciou-se nos autos expressando que tudo não passou de querela, inerente ao calor do debate eleitoral, e que seus efeitos se exauriram naquele contexto, sem sofrer qualquer ofensa a sua honra pessoal. Consectariamente, não há prova segura da materialidade da conduta. Suposto ofendido não se sentiu ofendido O Ministro Relator Luiz Fux afirmou que o suposto ofendido, Teotônio Vilela Filho, na qualidade de assistente da acusação, juntou petição aos autos pedindo a absolvição de Lessa alegando que “as afirmações do réu não lhe foram pessoalmente ofensivas”. A suposta vítima afirmou que o episódio “não passou de querela, inerente ao calor da campanha; que seus efeitos se exauriram naquele contexto, sem que tenha soçobrado ofensa alguma à sua honra pessoal”. Ausência de lesividade da conduta Para configurar o delito de calúnia, é necessária a comprovação da lesividade da conduta. Como o suposto atingido afirma não ter se ofendido com as declarações, não há prova da materialidade da conduta delituosa. Além disso, o réu, cujo comitê fora invadido, teria dito suspeitar do governo, mas de forma genérica, sem imputar especificamente a conduta a Teotônio Vilela Filho. A maior parte da gravação da entrevista é inaudível, ou seja, não dá para entender o que o réu falou. O único trecho audível da gravação da entrevista contraria a versão que foi publicada pelo jornal. “O simples fato de o acusado ter se referido, na parte audível da entrevista gravada, ao ‘governo’ como maior suspeito, não permite deduzir que a imputação do fato criminoso foi feita, especificamente, ao então governador do estado, Teotônio Vilela”, afirmou o Ministro Dias Toffoli. A prova da lesividade da conduta há de ser aferida no curso da ação penal, perquirindo-se, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, a configuração ou não da materialidade delitiva, acima de dúvida razoável. Em suma:

O comitê de campanha do candidato Ronaldo foi arrombado e de lá furtados dois computadores. Em entrevista concedida a um jornal, Ronaldo teria afirmado que o maior suspeito do crime era o governo. Em razão das declarações, o Ministério Público eleitoral ofereceu denúncia contra Ronaldo pela prática de calúnia eleitoral (art. 324 do CE), figurando como suposta vítima Teotônio, Governador e candidato à reeleição. O réu se defendeu alegando que apenas emitiu opinião sobre o ocorrido e que não citou o nome do Governador. Vale ressaltar que Teotônio (suposta vítima) afirmou que não se sentiu pessoalmente ofendido. Diante disso, o STF absolveu o réu afirmando que, para configurar o delito de calúnia, é necessária a comprovação da lesividade da conduta e que, como o suposto atingido afirma não ter se ofendido com as declarações, não há prova da materialidade da conduta delituosa. STF. Plenário. AP 929 ED-2º julg-EI/AL, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 17/10/2018 (Info 920).

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO Regras para a aplicação da decisão do STF na AP 937 QO/RJ aos processos em curso no Supremo

Com a decisão proferida pelo STF, em 03/05/2018, na AP 937 QO/RJ, todos os inquéritos e processos criminais que estavam tramitando no Supremo envolvendo crimes não relacionados com o cargo ou com a função desempenhada pela autoridade, foram remetidos para serem julgados em 1ª instância. Isso porque o STF definiu, como 1ª tese, que “o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”.

O entendimento acima não se aplica caso a instrução já tenha se encerrado. Em outras palavras, se a instrução processual já havia terminado, mantém-se a competência do STF para o julgamento de detentores de foro por prerrogativa de função, ainda que o processo apure um crime que não está relacionado com o cargo ou com a função desempenhada. Isso porque o STF definiu, como 2ª tese, que “após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.”

STF. 1ª Turma. AP 962/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 16/10/2018 (Info 920).

DECISÃO DO STF RESTRINGINDO O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO E ESTABELECENDO MARCO PARA PRORROGAÇÃO

DA COMPETÊNCIA

Como podemos conceituar foro por prerrogativa de função? Trata-se de uma prerrogativa prevista pela Constituição, segundo a qual as pessoas ocupantes de alguns cargos ou funções somente serão processadas e julgadas criminalmente (não engloba processos cíveis) por determinados Tribunais (TJ, TRF, STJ, STF). Razão de existência O foro por prerrogativa de função existe porque se entende que, em virtude de determinadas pessoas ocuparem cargos ou funções importantes e de destaque, somente podem ter um julgamento imparcial e livre de pressões se forem julgadas por órgãos colegiados que componham a cúpula do Poder Judiciário. Ex: um Desembargador, caso pratique um delito, não deve ser julgado por um juiz singular, nem pelo Tribunal do qual faz parte, mas sim pelo STJ, órgão de cúpula do Poder Judiciário e, em tese, mais adequado para, no caso concreto, exercer a atividade com maior imparcialidade. Ex2: caso um Senador da República cometa um crime, ele será julgado pelo STF. Dois problemas graves que havia em relação ao foro por prerrogativa de função 1) Número excessivo de autoridades com foro por prerrogativa de função e sua aplicação para todo e qualquer crime A CF/88 prevê um conjunto muito amplo de agentes públicos com foro privativo. Além disso, pela interpretação que até então vigorava, todo e qualquer crime praticado pela autoridade deveria ser, obrigatoriamente, julgado pelo Tribunal, ou seja, mesmo que o delito tivesse sido praticado antes da diplomação e mesmo que essa infração não tivesse nenhuma relação com o cargo ocupado. Esse grande volume de processos criminais no STF fazia com que a Corte não tivesse condições de julgá-los em tempo razoável, gerando morosidade, prescrições e, consequentemente, impunidade.

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2) Muitas autoridades com foro por prerrogativa de função, durante o curso do processo, deixavam o cargo ou mudavam de função, fazendo com que houvesse constantes alterações de competência Ex: o Senador estava respondendo processo criminal no STF; quando estava próximo do julgamento, este parlamentar renunciava ao cargo, fazendo com que o feito fosse remetido para a 1ª instância, acarretando mais demora e, quem sabe, a prescrição. Ex2: o Deputado Federal estava respondendo processo criminal no STF; quando estava próximo do julgamento, este parlamentar era eleito e diplomado Governador; com isso, o processo teria que ser remetido ao STJ (Tribunal competente para julgar Governadores), fazendo com que houvesse demora. Enfim, esses dois exemplos não foram únicos. Na verdade, não foram raros os casos em que o réu procurou se eleger a fim de mudar o órgão jurisdicional competente, passando do primeiro grau para o STF. De outro lado, alguns deixaram de se candidatar à reeleição, com o objetivo inverso, qual seja, passar a competência do STF para o juízo de 1ª instância, ganhando tempo com isso. E houve também os que renunciaram quando o julgamento estava próximo de ser pautado no STF. Isso gerava, muitas vezes, o retardamento dos inquéritos e ações penais, com evidente prejuízo para a eficácia, a racionalidade e a credibilidade do sistema penal. Houve, inclusive, casos de prescrição em razão dessas mudanças. Propostas para corrigir essas disfunções Diante disso, o STF, em maio de 2018, no julgamento de uma questão de ordem na AP 937, decidiu alterar esse panorama e fixar duas teses interpretativas para corrigir essas disfunções. 1ª tese: restringir o foro por prerrogativa de função para os crimes cometidos durante o exercício do mandato e que tenham relação com ele O art. 53, § 1º e o art. 102, I, “b”, da CF/88 preveem que, em caso de crimes comuns, os Deputados Federais e os Senadores serão julgados pelo STF. Ocorre que o Supremo conferiu uma interpretação restritiva a esses dispositivos e construiu a seguinte tese:

O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018 (Info 900).

Em outras palavras, os Deputados Federais e Senadores somente serão julgados pelo STF se o crime tiver sido praticado durante o exercício do mandato de parlamentar federal e se estiver relacionado com essa função. Vale ressaltar que essa decisão restringindo o foro por prerrogativa de função é aplicada também para outras hipóteses de foro privilegiado (e não apenas para os Deputados Federais e Senadores). O STJ, por exemplo, decidiu que:

Como regra, as hipóteses de foro por prerrogativa de função perante o STJ restringem-se àquelas em que o crime for praticado em razão e durante o exercício do cargo ou função. Exceção: os Desembargadores continuam sendo julgados pelo STJ mesmo que o crime não esteja relacionado com as suas funções. STJ. Corte Especial. AgRg na APn 866-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/06/2018 (Info 630). STJ. APn 878/DF QO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21/11/2018.

2ª tese: definir um determinado momento processual (fim da instrução) a partir do qual mesmo que o réu perca o foro privilegiado, ainda assim ele continuará sendo julgado pelo Tribunal Se a autoridade (ex: Deputado Federal) está respondendo a uma ação penal no STF e, antes de ser julgado, ele deixa de ocupar o cargo (exs: renunciou, não se reelegeu etc), cessa o foro por prerrogativa de função e o processo deverá ser remetido para julgamento em 1ª instância? Na discussão desta 2ª tese, o STF decidiu estabelecer uma regra para situações como essa: • Se o réu deixou de ocupar o cargo antes de a instrução terminar: cessa a competência do STF e o processo deve ser remetido para a 1ª instância.

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• Se o réu deixou de ocupar o cargo depois de a instrução se encerrar: o STF permanece sendo competente para julgar a ação penal. Assim, o STF estabeleceu um marco temporal a partir do qual a competência para processar e julgar ações penais – seja do STF ou de qualquer outro órgão jurisdicional – não será mais afetada em razão de o agente deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo (exs: renúncia, não reeleição, eleição para cargo diverso). Quando se considera encerrada a instrução, para os fins acima explicados? Considera-se encerrada a instrução processual com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais. Nesse momento, fica prorrogada a competência do juízo para julgar a ação penal mesmo que ocorra alguma mudança no cargo ocupado pelo réu. Desse modo, mesmo que o agente público venha a ocupar outro cargo ou deixe o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo, isso não acarretará modificação de competência. Ex: Pedro, Deputado Federal, respondia ação penal no STF; foi publicado despacho intimando o MP para apresentação de alegações finais; uma semana depois, o réu foi diplomado Prefeito; mesmo Pedro tendo deixado de ser Deputado Federal, o STF continuará sendo competente para julgar o processo criminal contra ele. A tese fixada foi a seguinte:

Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo. STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018.

Assim, se o Deputado Federal ou Senador estiver respondendo a um processo criminal no STF e chegar ao fim o seu mandato, cessa a competência do STF para julgar esta ação penal, salvo se a instrução processual já estiver concluída, hipótese na qual haverá a perpetuação da competência e o STF deverá julgar o réu mesmo ele não sendo mais um parlamentar federal. Essas duas teses foram definidas na sessão de julgamento do dia 03/05/2018. Ocorre que havia centenas de inquéritos e processos criminais tramitando no STF envolvendo autoridades com foro por prerrogativa de função. Daí surgiu a dúvida: essas duas teses já se aplicam imediatamente para esses processos? SIM. O STF decidiu que essas duas teses interpretativas deveriam ser aplicadas imediatamente aos inquéritos e processos em curso. O que significou isso, na prática? A assessoria dos Ministros fez o levantamento de todos os inquéritos e processos envolvendo autoridades e que estavam tramitando no Tribunal. Em seguida, foram analisados se os crimes imputados às autoridades estavam ou não relacionados com as suas funções. • Se o processo estivesse relacionado com as funções e a autoridade ainda estivesse no cargo: o feito permanecia no STF para ser julgado pelo Tribunal. Ex: processo envolvendo um Senador que teria recebido vantagem indevida para votar de acordo com os interesses de um grupo econômico. Isso porque, neste caso, a situação se amolda à tese 1 fixada pelo STF. • Se o processo não estivesse relacionado com as funções ou a autoridade não mais estivesse no cargo: neste caso, o feito foi remetido para ser julgado pelo juízo de 1ª instância. Ex: processo envolvendo um Senador que teria recebido vantagem indevida na época em que era prefeito. Essa situação não se amolda à tese 1 porque o crime não está relaciona com as funções de Senador. Logo, não existe aqui foro por prerrogativa de função, devendo o réu ser julgado em 1ª instância.

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Imagine agora uma situação que envolve as duas teses: Auxiliadora é Deputada Federal e estava respondendo a um processo criminal no STF pela prática de dispensa indevida de licitação (art. 89 da Lei nº 8.666/93). O suposto delito foi praticado antes de Auxiliadora ser Deputada, quando ela ainda era Secretária Estadual de Educação. Assim, o processo criminal só começou a tramitar no STF depois que ela foi eleita e diplomada Deputada Federal. Segundo a tese 1, o processo criminal de Auxiliadora deveria ser remetido para ser julgado em 1ª instância. Isso porque o delito supostamente praticado não tem relação com a sua função de Deputada Federal. Relembre o que diz a tese 1:

O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018 (Info 900).

Qual seria, então, a solução aqui? Remeter o processo de Auxiliadora para a 1ª instância. Ocorre que havia uma peculiaridade neste caso: o Ministério Público e a defesa já haviam apresentado alegações finais, ou seja, já tinha se encerrado a instrução processual. De acordo com a tese 2, se a instrução processual já acabou o processo continua no STF para ser julgado lá, mesmo que o réu deixe de ser “autoridade”. Relembre a tese 2:

Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo. STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018.

Em outras palavras, no caso do processo de Auxiliadora, pela tese 1, ele deveria ser remetido para o juiz. No entanto, de acordo com a tese 2, ele deveria ficar no STF. O que prevaleceu? A tese 2. Podemos definir o tema da seguinte maneira:

• Com a decisão proferida pelo STF, em 03/05/2018, na AP 937 QO/RJ, todos os inquéritos e processos criminais que estavam tramitando no Supremo envolvendo crimes não relacionados com o cargo ou com a função desempenhada pela autoridade, foram remetidos para serem julgados em 1ª instância. Isso porque o STF definiu, como 1ª tese, que “o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”. • O entendimento acima não se aplica caso a instrução já tenha se encerrado. Em outras palavras, se a instrução processual já havia terminado, mantém-se a competência do STF para o julgamento de detentores de foro por prerrogativa de função, ainda que o processo apure um crime que não está relacionado com o cargo ou com a função desempenhada. Isso porque o STF definiu, como 2ª tese, que “após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.” STF. 1ª Turma. AP 962/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 16/10/2018 (Info 920).

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16

EMBARGOS INFRINGENTES Excepcionalmente, se a Turma, ao condenar o réu, estiver com quórum incompleto, será possível o cabimento dos embargos mesmo que tenha havido apenas 1 voto absolutório

Importante!!!

Em regra, cabem embargos infringentes para o Plenário do STF contra decisão condenatória proferida pelas Turmas do STF, desde que 2 Ministros tenham votado pela absolvição. Neste caso, o placar terá sido 3 x 2, ou seja, 3 Ministros votaram para condenar e 2 votaram para absolver.

Excepcionalmente, se a Turma, ao condenar o réu, estiver com quórum incompleto, será possível aceitar o cabimento dos embargos infringentes mesmo que tenha havido apenas 1 voto absolutório. Isso porque o réu não pode ser prejudicado pela ausência do quórum completo.

STF. Plenário. AP 929 ED-2º julg-EI/AL, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 17/10/2018 (Info 920).

EMBARGOS INFRINGENTES NO CPP

Previsão O CPP prevê a possibilidade de interposição de embargos infringentes contra acórdãos do TJ e do TRF. Veja:

Art. 609. (...) Parágrafo único. Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência.

Em que consistem os embargos infringentes no CPP? No CPP, os embargos infringentes são: - um recurso exclusivo da defesa, - interposto contra acórdãos do TJ ou TRF - que tenham julgado apelação, RESE ou agravo em execução - sendo o resultado do julgamento contrário ao réu e - proferido por maioria de votos - sendo a divergência entre os Desembargadores quanto ao mérito da ação penal. Não cabem embargos infringentes no TJ ou TRF contra decisões proferidas no julgamento de: • habeas corpus; • revisão criminal. Também não cabem embargos infringentes em ações de competência originária do TJ ou TRF (foro por prerrogativa de função) Ex.: Deputado Estadual é denunciado e processado pelo TJ por crime praticado no exercício do mandato e com ele relacionado. Se esse parlamentar for condenado por maioria de votos, a defesa NÃO terá direito de interpor embargos infringentes. Não existe previsão para isso no CPP.

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17

Divergência parcial Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência. Ex: os Desembargadores, julgando a apelação interposta, condenaram, por unanimidade, o réu. Quanto à dosimetria da pena, houve divergência. Quanto à condenação, a defesa não poderá opor embargos infringentes, sendo este recurso restrito à discussão da pena imposta. Embargos infringentes x embargos de nulidade O art. 609 prevê dois recursos: embargos infringentes e embargos de nulidade. Os dois são praticamente idênticos, havendo uma única diferença:

Embargos infringentes Embargos de nulidade

São cabíveis quando a divergência no acórdão for sobre matéria de mérito.

São cabíveis quando a divergência no acórdão for sobre matéria de nulidade processual.

Prazo dos embargos infringentes no CPP 10 dias. Embargos infringentes contra decisões do STJ Como vimos acima, o CPP somente prevê os embargos infringentes contra decisão de segunda instância proferida contra o réu (art. 609, parágrafo único): TJ e TRF. Logo, interpretando esse dispositivo, a doutrina e a jurisprudência afirmam que não cabem embargos infringentes contra decisões do STJ. Vale ressaltar também que o Regimento Interno do STJ não trata sobre embargos infringentes. EMBARGOS INFRINGENTES CONTRA DECISÕES DO STF

Cabem embargos infringentes no STF? Vimos acima que o CPP somente admite os embargos infringentes no caso de acórdãos do TJ e do TRF que julguem, por maioria, apelação, RESE ou agravo em execução. Existe algum texto normativo que preveja embargos infringentes no STF? SIM. O Regimento Interno do STF afirma que são cabíveis embargos infringentes contra decisão do Plenário do STF que tiver julgado procedente a ação penal se houve, no mínimo, 4 votos divergentes (art. 333, inciso I e parágrafo único). Veja:

Art. 333. Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma: I – que julgar procedente a ação penal; II – que julgar improcedente a revisão criminal; III – que julgar a ação rescisória; IV – que julgar a representação de inconstitucionalidade; V – que, em recurso criminal ordinário, for desfavorável ao acusado. Parágrafo único. O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes (...)

Em outras palavras, se o Plenário do STF condenou algum réu e houve pelo menos 4 Ministros que votaram a favor dele, o Regimento Interno afirma que serão cabíveis embargos infringentes. Mas os recursos não devem ser previstos em lei? É válido que os embargos infringentes sejam previstos apenas no Regimento Interno do STF? SIM. Isso porque o regimento interno do STF possui força de lei. Explico. O regimento interno do STF foi editado em 1980, período em que estava em vigor a Constituição Federal de 1967 (ou CF/69, para alguns).

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A Constituição da época previa que o STF tinha o poder para regular, por meio de seu Regimento, matéria processual de sua competência. Em outras palavras, a Constituição permitia que o STF legislasse sobre direito processual relacionado com suas competências. Desse modo, o Regimento interno do STF, quando foi elaborado, possuía força de lei, conferida pela Carta Magna então em vigor. No momento em que a CF/88 foi editada, o Regimento Interno do STF foi recepcionado como lei ordinária. Logo, o art. 333, I, do Regimento Interno do STF, que prevê os embargos infringentes, possui força, valor, eficácia e autoridade de lei. Vale ressaltar que no julgamento do Mensalão, o STF entendeu que os embargos infringentes continuam existindo no Regimento Interno, que não foi revogado:

São cabíveis embargos infringentes contra decisão do STF que tiver condenado o réu em processo de competência originária daquela Corte, desde que tenha havido, no mínimo, quatro votos divergentes. Os embargos infringentes do STF estão previstos no art. 331, I, do RISTF, que foi recepcionado pela CF/88 com força de lei ordinária e não foi revogado pela Lei nº 8.038/90. STF. Plenário. AP 470 AgR - vigésimo quinto/MG, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki; AP 470 AgR - vigésimo sexto/MG, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso; AP 470 AgR - vigésimo sétimo/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, julgados em 18/9/2013 (Info 720).

Assim, o art. 333, I do RISTF, que prevê a existência dos embargos infringentes no STF, continua em vigor. Prazo: O prazo para os embargos infringentes no STF é de 15 dias. EMBARGOS INFRINGENTES E DECISÃO DE TURMA DO STF

Se você observar novamente a redação do parágrafo único do art. 333 do Regimento Interno, irá verificar que ele fala que cabem embargos infringentes contra decisão do Plenário do STF e se houve, no mínimo, quatro votos divergentes. E se a decisão for de Turma do STF? Imagine que o réu foi condenado, por maioria de votos, pela 1ª Turma do STF. Seria possível, em tal situação, que ele interpusesse embargos infringentes a serem julgados pelo Plenário? SIM. É cabível a interposição de embargos infringentes contra decisão proferida em sede de ação penal de competência originária das Turmas do STF. Qual é o “problema”? O parágrafo único do art. 333 do RI/STF afirma que cabem embargos infringentes se houve, no mínimo, 4 votos divergentes. Em outras palavras, para ser possível esse recurso, a decisão condenatória deve ter sido tomada por maioria e, no mínimo, quatro Ministros devem ter ficado vencidos. Assim, como são 11 Ministros no Plenário do STF, para caber embargos infringentes, a decisão deve ter sido 7x4, 6x5 ou 6x4 (neste último caso, se um Ministro não votou). O “problema” a que eu me referi é que a Turma, no STF, é composta por apenas 5 Ministros. Logo, é impossível que 4 Ministros fiquem vencidos. Em uma Turma do STF, se a decisão for por maioria, os resultados possíveis são 4x1 ou 3x2. Isso significa que, no máximo, 2 Ministros podem ficar vencidos na Turma. Diante dessa situação, qual foi a interpretação construída pelo STF? O STF construiu a seguinte solução, com base na analogia e nos princípios gerais do direito: deve ser admitida a interposição de embargos infringentes contra decisão condenatória proferida em sede de ação penal de competência originária das Turmas do STF.

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Como o quórum da Turma é reduzido, o requisito de cabimento desse recurso é a existência de apenas 2 votos minoritários. Assim, cabem embargos infringentes contra decisão proferida por Turma do STF se 2 Ministros votaram para absolver o condenado. Em suma:

Cabem embargos infringentes para o Plenário do STF contra decisão condenatória proferida em sede de ação penal de competência originária das Turmas do STF. O requisito de cabimento desse recurso é a existência de dois votos minoritários absolutórios em sentido próprio. STF. Plenário. AP 863 EI-AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 18 e 19/4/2018; HC 152707/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 18 e 19/4/2018 (Info 898).

O que é voto absolutório em sentido próprio? Significa que o Ministro deve ter expressado juízo de improcedência da pretensão executória. Se o Ministro votou, por exemplo, para que seja reconhecida uma nulidade processual ou a prescrição da pretensão punitiva, por mais que isso seja favorável ao réu, não é considerado como voto absolutório. Por que o STF fez toda essa “construção”? Por que o parágrafo único do art. 333 do RI/STF só prevê embargos infringentes contra decisões do Plenário do STF? Porque na época em que o Regimento Interno foi editado, somente o Plenário do STF julgava ações penais originárias. Naquela época, não era permitido que Turma do STF julgasse ação penal originariamente. Logo, não havia motivo para o parágrafo único do art. 333 do Regimento Interno falar em embargos infringentes contra decisões proferidas por Turma. DECISÃO CONDENATÓRIA DA TURMA COM QUÓRUM INCOMPLETO E EMBARGOS INFRINGENTES

Regra geral Como regra geral, podemos afirmar que cabem embargos infringentes para o Plenário do STF contra decisão condenatória proferida em sede de ação penal de competência originária das Turmas do STF, desde que 2 Ministros tenham votado pela absolvição. Neste caso, o placar terá sido 3 x 2, ou seja, 3 Ministros votaram para condenar e 2 votaram para absolver. Julgamento da Turma com quórum incompleto Entendida a regra geral acima, veja agora uma situação peculiar: A 2ª Turma do STF condenou o Deputado Ronaldo Lessa (PDT-AL) pela prática de crime. Conforme já explicado, as Turmas do STF são compostas por 5 Ministros. Ocorre que um Ministro estava ausente e, por isso, Ronaldo Lessa foi julgado por apenas 4 Ministros. 3 Ministros votaram para condená-lo e 1 votou pela sua absolvição. Pela regra geral acima explicada, o condenado não teria direito aos embargos infringentes. Isso porque não houve 2 votos pela sua absolvição. A defesa do réu, no entanto, não se conformou e alegou que se tratava de uma situação injusta, considerando que ele foi prejudicado em razão do quórum incompleto durante o julgamento do caso pela Turma. Argumentou que se o outro Ministro estivesse presente, ele poderia também ter votado pela absolvição e, assim, ele teria direito aos embargos infringentes. Logo, como ele não deu causa à ausência do Ministro, teria direito aos embargos infringentes mesmo tendo havido apenas 1 voto pela absolvição.

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20

A tese acima exposta foi acolhida pelo STF? Se a Turma, ao condenar o réu, estiver com quórum incompleto, será possível aceitar o cabimento dos embargos infringentes mesmo que tenha havido apenas 1 voto absolutório? SIM. A solução aqui passa pela aplicação da chamada técnica das distinções, conhecida como distinguishing, que permite distinguir as circunstâncias particulares de um caso concreto para o efeito de não subordiná-lo aos precedentes, mantendo-se, contudo, firme a jurisprudência já consolidada. Em palavras mais simples, significa dizer: a regra geral é esta que foi exposta no precedente, no entanto, existem peculiaridades no caso concreto que permitem que seja feita uma distinção e uma não aplicação do precedente que, no entanto, continua válido. Assim, o caso concreto impõe distinguishing (distinção), a permitir os embargos infringentes mesmo com apenas 1 voto absolutório em sentido próprio. Essa distinção pode ser feita porque o quórum na sessão estava incompleto. A Turma contava com 4 ministros e a exigência de 2 votos conduziria a um empate (2x2), de forma que o empate levaria à absolvição do acusado. Dessa maneira, excepcionalmente, o Tribunal admitiu os embargos infringentes mesmo tendo havido apenas 1 voto absolutório no julgamento da Turma. Isso porque o réu não pode ser prejudicado pela ausência do quórum completo. Em suma:

Em regra, cabem embargos infringentes para o Plenário do STF contra decisão condenatória proferida pelas Turmas do STF, desde que 2 Ministros tenham votado pela absolvição. Neste caso, o placar terá sido 3 x 2, ou seja, 3 Ministros votaram para condenar e 2 votaram para absolver. Excepcionalmente, se a Turma, ao condenar o réu, estiver com quórum incompleto, será possível aceitar o cabimento dos embargos infringentes mesmo que tenha havido apenas 1 voto absolutório. Isso porque o réu não pode ser prejudicado pela ausência do quórum completo. STF. Plenário. AP 929 ED-2º julg-EI/AL, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 17/10/2018 (Info 920).

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA Os imóveis vinculados ao Programa de Arrendamento Residencial (PAR) estão sujeitos ao regime

de imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, da CF/88)

Os bens e direitos que integram o patrimônio do fundo vinculado ao Programa de Arrendamento Residencial (PAR), criado pela Lei nº 10.188/2001, beneficiam-se da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal.

STF. Plenário. RE 928902/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 17/10/2018 (repercussão geral) (Info 920).

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA

Imunidade tributária Imunidade tributária consiste na determinação feita pela Constituição Federal de que certas atividades, rendas, bens ou pessoas não poderão sofrer a incidência de tributos. Trata-se de uma dispensa constitucional de tributo. A imunidade é uma limitação ao poder de tributar, sendo sempre prevista na própria CF.

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21

Imunidade tributária recíproca A CF/88, em seu art. 150, VI, “a”, prevê a chamada imunidade tributária recíproca. Isso significa que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem cobrar impostos sobre o patrimônio, a renda ou os serviços, uns dos outros. Vejamos a redação do dispositivo constitucional:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI — instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

Essa imunidade funciona como um instrumento de preservação e calibração do pacto federativo, impedindo que os impostos sejam utilizados como instrumento de pressão indireta de um ente sobre outro (Min. Joaquim Barbosa). Ex.: se os Municípios tomassem decisões administrativas que desagradassem o Governo Estadual, este poderia, em tese, aumentar os impostos que incidiriam sobre o Poder Público municipal. Sabbag menciona que essa imunidade tem como fundamento, ainda, o postulado da isonomia dos entes constitucionais. Ora, pelo fato de todos os entes estarem em pé de igualdade, não havendo hierarquia, nenhum deles pode estar sujeito ao poder de tributar do outro (Manual de Direito Tributário.5. ed., São Paulo: Saraiva, p. 254). A imunidade tributária recíproca possui status de cláusula pétrea, porque ela é um instrumento de proteção da forma federativa (art. 60, § 4º, I, da CF/88). Origem Segundo informa o Min. Alexandre de Moraes, a doutrina das imunidades intergovernamentais surgiu na Corte Suprema Americana, em 1819, no famoso caso Mac Culloch v. Marland, em que a Corte entendeu pela impossibilidade de o Estado de Maryland tributar filiais do Banco nacional. O juiz MARSHALL afirmou, na época, que existia na Constituição norte-americana uma previsão constitucional implícita que proibia “taxação” estadual em instrumentos federais. Conforme explicou o magistrado, se os Estados pudessem taxar instrumentos utilizados pelo Governo Federal, no exercício de suas atribuições, poderiam intervir no exercício de suas competências constitucionais. No referido julgamento, MARSHALL cunhou a famosa frase, citada internacionalmente, de que “o poder de tributar envolve o poder de destruir” (the power to tax involves the power to destroy), ao afirmar que “o direito de taxar, sem limite nem contraste, é, na sua essência, o direito e exterminar, ou de destruir; e, se uma instituição nacional pode ser assim destruída, todas as outras poderão, igualmente, ser destruídas”. Imunidade subjetiva Essa imunidade é classificada como subjetiva ou pessoal, considerando que é outorgada em função da condição pessoal da União, dos Estados, DF e Municípios. Em outras palavras, é imunidade subjetiva porque incide para beneficiar uma pessoa. O contrário da imunidade subjetiva é a imunidade objetiva, que incide sobre bens. É o caso, por exemplo, da imunidade sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão (art. 150, VI, "d", da CF). Autarquias e fundações As autarquias e fundações mantidas pelo Poder Público também gozam da imunidade tributária recíproca no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Isso está previsto expressamente no § 2º do art. 150 da CF/88:

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22

§ 2º — A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

Empresas públicas e sociedades de economia mista Embora a CF/88 reconheça a imunidade recíproca apenas às pessoas políticas (Administração direta), autarquias e fundações, a jurisprudência estende o benefício também às empresas públicas e às sociedades de economia mista, desde que prestadoras de serviço público. Assim, as empresas públicas e sociedades de economia mista que desempenham serviços públicos também desfrutam da referida imunidade. Por outro lado, se a empresa pública ou sociedade de economia mista explorar atividade econômica, não irá gozar do benefício, porque a ela deve ser aplicado o mesmo regime jurídico da iniciativa privada (art. 173, § 1º, II, da CF/88). Correios e Imunidade tributária recíproca O exemplo mais comum de empresa pública que goza de imunidade recíproca é a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos — ECT. Isso porque os Correios são entendidos como uma empresa prestadora de serviço público obrigatório e exclusivo do Estado e não como exploradora de atividade econômica, embora também ofereçam serviços dessa natureza. Concessionária de serviço público e Imunidade tributária As empresas concessionárias de serviço público NÃO gozam de imunidade tributária recíproca, considerando que são empresas privadas que desempenham tais atividades em busca do lucro. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL (PAR)

Lei nº 10.188/2001 O Governo Federal, por meio da Lei nº 10.188/2001, lançou um programa habitacional chamado de “Programa de Arrendamento Residencial” (PAR), com o objetivo de conferir moradia para a população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra. A gestão do Programa cabe ao Ministério das Cidades e sua operacionalização à Caixa Econômica Federal (CEF). Como a União não poderia gerir esse programa por meio de sua Administração Direta, ela outorgou essa tarefa à CEF, braço instrumental do programa. Vale ressaltar, no entanto, que não há exploração de atividade econômica, mas sim a prestação de serviço público, uma vez que se trata de atividade constitucionalmente atribuída à União e cuja operacionalização foi delegada, por lei, a empresa pública federal, visando à consecução de direito fundamental. A Caixa Econômica Federal fica responsável tanto pela aquisição como pela construção dos imóveis, que são arrendados por pessoas de baixa renda que pagam prestações mensais e têm, ao final do contrato, a opção de comprar o imóvel. Vale ressaltar, no entanto, que os recursos do PAR são mantidos por um fundo custeado pela União. O Anexo da Portaria 493/2007 do Ministério das Cidades, na redação da Portaria 258/2008, estabelece que o PAR destina-se à população cuja renda familiar mensal não ultrapasse a R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais), nos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo, e R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos demais municípios, não podendo o proponente ser “proprietário ou promitente comprador de imóvel residencial no município onde pretenda residir ou detentor de financiamento habitacional em qualquer localidade do país”. Fundo (FAR) A Lei nº 10.188/2001 determinou que a CEF deveria criar um fundo financeiro privado com o objetivo de separar o patrimônio e os valores que seriam utilizados para a realização do Programa (art. 2º).

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23

A CEF administra esse fundo, mas os bens e valores que o integram não compõem o patrimônio da CEF. São bens e valores vinculados à execução do programa. É isso o que determina o art. 2º, § 3º da Lei nº 10.188/2001:

Art. 2º (...) § 3º Os bens e direitos integrantes do patrimônio do fundo a que se refere o caput, em especial os bens imóveis mantidos sob a propriedade fiduciária da CEF, bem como seus frutos e rendimentos, não se comunicam com o patrimônio desta, observadas, quanto a tais bens e direitos, as seguintes restrições: I - não integram o ativo da CEF; II - não respondem direta ou indiretamente por qualquer obrigação da CEF; III - não compõem a lista de bens e direitos da CEF, para efeito de liquidação judicial ou extrajudicial; IV - não podem ser dados em garantia de débito de operação da CEF; V - não são passíveis de execução por quaisquer credores da CEF, por mais privilegiados que possam ser; VI - não podem ser constituídos quaisquer ônus reais sobre os imóveis.

A União participa, com recursos, para a formação deste fundo? SIM. O patrimônio desse fundo é constituído: I – pelos bens e direitos adquiridos pela CEF no âmbito do PAR; II – pelos recursos advindos da integralização de cotas. A Lei nº 10.188/2001 prevê que a União ficará responsável pela integralização de cotas para o fundo. Essa integralização pode ser em moeda corrente, em títulos públicos etc. (art. 2º-A). Assim, a União possui relevante participação financeira na manutenção do fundo, cujo patrimônio é utilizado para a consecução do PAR. O fundo é, na realidade, composto por recursos oriundos da União e afetados, por lei federal, à realização do PAR, cujo saldo positivo, ao fim, será integralmente revertido ao ente federal. A Caixa Econômica Federal (CEF), normalmente, ou seja, em suas atividades normais não relacionadas com o PAR, goza de imunidade tributária recíproca? NÃO. Isso porque a CEF é uma empresa pública que explora atividade econômica. Logo, ela não se enquadra no art. 150, VI, “a”, da CF/88. Assim, se a CEF tem um imóvel onde funciona uma agência bancária, por exemplo, ela deve pagar IPTU com relação a esse prédio.

Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação hipotética: A CEF adquiriu um imóvel para utilizá-lo no “Programa de Arrendamento Residencial” (PAR). O Município de São Vicente (SP) exigiu que a CEF pagasse IPTU em relação a esse imóvel. A CEF explicou que o referido imóvel pertence ao Programa de Arrendamento Residencial (PAR) e, portanto, é de propriedade da União, sendo abrangido pela imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, da CF/88). Em outras palavras, este bem imóvel está mantido sob a propriedade fiduciária da Caixa Econômica Federal, mas não se comunica com o patrimônio desta empresa pública. Isso porque este bem integra o Programa de Arrendamento Residencial - PAR, criado e mantido pela União, nos termos da Lei nº 10.188/2001. O Município não concordou com o argumento e afirmou que a CEF, como empresa pública exploradora de atividade econômica, deve pagar os impostos, não gozando de imunidade tributária recíproca.

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24

Existe imunidade tributária em relação a esse imóvel? Os imóveis vinculados ao Programa de Arrendamento Residencial (PAR) estão sujeitos ao regime de imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, da CF/88)? SIM.

Os bens e direitos que integram o patrimônio do fundo vinculado ao Programa de Arrendamento Residencial (PAR), criado pela Lei nº 10.188/2001, beneficiam-se da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal. STF. 1ª Turma. RE 928902/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 17/10/2018 (Info 920).

O STF entendeu que os fatores subjetivo e finalístico que justificam a imunidade estão presentes no presente caso. O reconhecimento da imunidade na presente situação não implica qualquer consequência prejudicial ao equilíbrio econômico. A imunidade aqui irá auxiliar a União a efetivar um dos mais importantes direitos sociais, qual seja, o direito à moraria, previsto no art. 6º da CF/88, ajudando a cumprir um dos objetivos fundamentais da República: erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CF/88). Vale ressaltar que o reconhecimento da imunidade recíproca na hipótese não trará um desequilíbrio na concorrência.

CEF é mera administradora do programa A Caixa Econômica Federal é empresa pública que, em essência, explora atividade econômica. Todavia, não restam dúvidas de que o patrimônio afetado à execução do Programa de Arrendamento Residencial (PAR) é mantido por um fundo cujo patrimônio não se confunde com o da CEF, sendo formado por recursos da União e voltado à prestação de serviço público e para concretude das normas constitucionais anteriormente descritas. A CEF é apenas a administradora do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), constituído de patrimônio único e exclusivo da União Federal e somente administrado e operacionalizado pela empresa para fins de consecução do programa. A CEF não teve aumento patrimonial nem se beneficiou do programa. Não houve confusão patrimonial, e o serviço não concorreu com o mercado privado. Prestação de serviço público pela CEF O PAR não representa exploração de atividade econômica pela CEF, mas sim prestação de serviço público, uma vez que se trata de atividade constitucionalmente atribuída à União, cuja operacionalização foi delegada, por lei, a empresa pública federal, visando à consecução de direito fundamental. Eventual saldo positivo é, ao final, revertido em favor da União Ainda que os beneficiários do PAR façam o pagamento de contraprestação pelo uso e eventual aquisição das moradias arrendadas, o art. 2º, § 3º, da Lei nº 10.188/2001 determina que, deduzidas as despesas de administração, as receitas provenientes das operações de arrendamento e das aplicações de recursos destinados ao programa sejam utilizadas para amortização das operações de crédito contratadas com o FGTS, conforme autorizado pelo art. 2º, II, da Lei nº 10.188/2001. Não há, dessa forma, objetivo de aumento patrimonial da União ou da CEF. O art. 3º, § 4º, da Lei nº 10.188/2001 impõe, ademais, que o saldo positivo existente ao final do PAR seja integralmente revertido à União. Assim, não só o programa é financiado essencialmente por recursos da União, como também terá, ao seu final, seu saldo positivo integralmente revertido em benefício dela.

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25

Tais imóveis não pertencem definitivamente à CEF A CEF exerce, sob o patrimônio integrante do FAR, mera propriedade fiduciária, devendo administrar esse patrimônio segundo a finalidade para a qual ele foi constituído e apenas durante certo tempo. Desse modo, a propriedade fiduciária exercida pela CEF sobre os bens e direitos do fundo traduz-se, na verdade, em mera administração desse patrimônio com a finalidade de aplicá-lo na execução do PAR, nos limites definidos pela Lei nº 10.188/2001 e pelos regulamentos expedidos pelo Ministério das Cidades. Em resumo: 1) O Programa de Arrendamento Residencial configura prestação de serviço público operacionalizado pela Caixa Econômica Federal sem finalidade lucrativa; e 2) O fundo afetado à consecução do PAR é constituído por recursos da União, a quem reverterá o correspondente resíduo positivo, se for o caso. Essas circunstâncias demonstram que a imunidade tributária recíproca deve abranger os bens e direitos integrantes do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), em consonância com a jurisprudência do STF que impõe um requisito indispensável para a aplicação da imunidade recíproca: a blindagem deferida pela Constituição somente incide sobre o patrimônio, a renda ou os serviços não afetados à exploração de atividade econômica. Não confundir com o RE 594015

A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal, não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município. STF. Plenário. RE 594015/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 6/4/2017 (repercussão geral) (Info 860).

No julgamento do RE 594015, o STF Corte fixou a tese de que a imunidade recíproca não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público quando esta explorar atividade econômica com fins lucrativos. Esse precedente não se aplica à presente hipótese porque, com relação ao PAR, a concessão da imunidade não irá gerar qualquer consequência prejudicial ao equilíbrio econômico ou à livre iniciativa. Isso porque não há atividade comercial sendo desenvolvida no âmbito do PAR.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) É inconstitucional lei municipal que cria concurso de prognósticos de múltiplas chances (loteria) em

âmbito local. ( ) 2) (DPE/MA 2015 FCC) A competência legislativa assegurada constitucionalmente à União para dispor sobre

sistema de consórcios e sorteios não afasta legislação estadual que institua serviço público de loteria, pois se trata de atividade específica não alcançada pelo âmbito normativo do preceito que define a competência legislativa da União. ( )

3) (DPE/MA 2015 FCC) A competência legislativa assegurada constitucionalmente à União para dispor sobre sistema de consórcios e sorteios não veda que os Estados estipulem, mediante lei, regime de loterias, em face do preceito constitucional que autoriza a instituição de concursos de prognósticos como fonte de financiamento das ações da seguridade social. ( )

4) (PGE/PE 2018 CESPE) É expressamente proibida a participação de contribuições sociais sobre a receita de concursos de loteria no financiamento da seguridade social. ( )

5) A decisão do juiz ou do relator que admite a participação de amicus curiae é irrecorrível. ( )

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6) É inconstitucional determinação judicial que decreta a constrição de bens de sociedade de economia mista, prestadora de serviços públicos em regime não concorrencial, para fins de pagamento de débitos trabalhistas. ( )

7) Sociedade de economia mista prestadora de serviço público não concorrencial está sujeita ao regime de precatórios e, por isso, impossibilitada de sofrer constrição judicial de seus bens, rendas e serviços, em respeito ao princípio da legalidade orçamentária e da separação funcional dos poderes. ( )

8) Finalizada a instrução processual com a publicação do despacho de intimação para serem apresentadas as alegações finais, mantém-se a competência do Supremo Tribunal Federal (STF) para o julgamento de detentores de foro por prerrogativa de função, ainda que referentemente a crimes não relacionados ao cargo ou função desempenhada. ( )

Gabarito

1. C 2. E 3. E * 4. E 5. C 6. C 7. C 8. C

* Constituição Federal

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...) III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

OUTRAS INFORMAÇÕES

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada

do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam

despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Agravo regimental em habeas corpus. Penal. Dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses legais. Artigo 89 da

Lei nº 8.666/93. Pretendido trancamento da ação penal. Inépcia da denúncia. Atipicidade da conduta imputada. Ausência de

demonstração do dolo específico. Agravante que, na qualidade de chefe da Assessoria Técnica da Administração Regional,

emitiu parecer favorável a contratação. Manifestação de natureza meramente opinativa e, portanto, não vinculante para o

gestor público, o qual pode, de forma justificada, adotar ou não a orientação exposta no parecer. O parecer tem natureza

obrigatória (art. 38, VI, da Lei nº 8.666/93), porém não é vinculante. Ineficiência da denúncia na demonstração da vontade

conscientemente dirigida, por parte da agravante, de superar a necessidade de realização da licitação. Abusividade da

responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do

qual tenha supostamente resultado dano ao erário (v.g., MS nº 24.631/DF, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Joaquim

Barbosa, DJe de 1º/2/08). Agravo regimental ao qual se dá provimento para conceder a ordem de habeas corpus e trancar a

ação penal à qual responde a agravante.

1. É pacífico na Corte o entendimento quanto à possibilidade de trancamento de ação penal pela via do habeas corpus quando evidente a

falta de justa causa para seu prosseguimento, seja pela inexistência de indícios de autoria do delito, seja pela não comprovação de sua materialidade, seja ainda pela atipicidade da conduta imputada.

2. Demonstram os autos que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios ofereceu denúncia em face da agravante e de outros

imputando-lhes a prática do crime descrito no art. 89, c/c o art. 99, e no art. 84, § 2º, todos da Lei nº 8.666/93, porque, na qualidade de chefe da Assessoria Técnica da Administração do Paranoá/DF, emitiu parecer opinativo favorável à legalidade da contratação direta, por inexigibilidade de

licitação, da Federação de Jiu-Jitsu de Brasília (FJJB), visando à realização de evento denominado “Paranoá Fight”.

3. Não logrou êxito a acusação em demonstrar suficientemente na denúncia a vontade conscientemente dirigida, por parte da agravante, de superar a necessidade de realização da licitação.

4. A documentação acostada ao processo administrativo, cuja veracidade não foi questionada, sinalizou que a FJJB seria a única

Federação de Jiu-Jitsu de Brasília devidamente cadastrada e reconhecida pela Confederação Brasileira do esporte para a realização do evento na capital. 5. Toda a documentação acostada aos autos não permitia, até aquele momento, conclusão diversa de que o caso era mesmo de

inexigibilidade de licitação, por inviabilidade de competição, mormente se levada em conta a total ausência de notícia no bojo do processo administrativo

sobre a existência de outra entidade (Federação de Jiu-Jitsu Esportivo do Distrito Federal-FBJJ).

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27

6. A impossibilidade jurídica de haver competição entre eventuais interessados não é um plus que se agrega às hipóteses dos incisos

do art. 25 da Lei nº 8.666/93, e sim a consequência lógica da tipificação de uma dessas hipóteses.

7. Embora o Parquet tenha afirmado que a agravante teria agido dolosamente em seu parecer, diante da existência de contradições sobre a exclusividade da FJJB, o processo administrativo, em nenhuma de suas manifestações, sinalizou tais ocorrências, sendo certo, ademais, que a

denunciada somente detinha competência para emitir parecer técnico sobre inexigibilidade da licitação sob prisma estritamente jurídico, não cabendo

adentrar em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, tampouco examinar a veracidade das questões de natureza técnica (como a autenticidade da documentação acostada), administrativa ou financeira, salvo teratologia, que não ficou evidenciada na espécie.

8. Por outro lado, a manifestação levada a efeito foi de natureza meramente opinativa e, portanto, não vinculante para o gestor público,

o qual pode, de forma justificada, adotar ou não a orientação exposta no parecer. Ou seja, o parecer tem natureza obrigatória (art. 38, VI, da Lei nº 8.666/93), porém não vinculante.

9. Por essa perspectiva, como já sinalizado pela Corte, mutatis mutandis, é lícito concluir pela abusividade da responsabilização do

parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha supostamente resultado dano ao erário (v.g. MS nº 24.631/DF, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 1º/2/08).

10. Tal conclusão se robustece quando se torna evidente, para além do dolo simples necessário (vontade consciente de contratar

independentemente da realização de procedimento licitatório), que o Parquet não apresentou, na denúncia, elemento probatório mínimo que demonstrasse qualquer tipo de intenção por parte da agravante de produzir um prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento indevido da

licitação.

11. A ausência de observância das formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade da licitação somente é passível de sanção

quando acarretar contratação indevida e houver demonstração da vontade ilícita do agente em produzir um resultado danoso, o que não foi o caso.

12. Agravo regimental ao qual se dá provimento para conceder a ordem de habeas corpus e trancar a ação penal em relação à

agravante.

Hc 155.020 AgR/DF* RELATOR: Ministro Celso de Mello

REDATOR PARA O ACÓRDÃO: Ministro Dias Toffoli

VOTO:

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: De partida, rememoro o caso, visando à adequada compreensão da controvérsia. Impetrou-se na Corte o presente habeas corpus substitutivo contra julgado da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, a qual negou

provimento ao RHC nº 90.073/DF, Relator o Ministro Ribeiro Dantas. A ementa do aresto em questão foi assim redigida: “PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE

LICITAÇÃO FORA

DAS HIPÓTESES LEGAIS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.

ATIPICIDADE.

ALEGADA AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO. DEMONSTRAÇÃO DO ELEMENTO

SUBJETIVO. HIPÓTESE DE OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAÇÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO

PROBATÓRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART.

41 DO CPP.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas

corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da

conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a

materialidade do delito, o que não se infere na hipótese dos autos. Precedentes.

2. O reconhecimento da inexistência de justa causa para o exercício da ação penal, dada a suposta ausência

de elementos de informação a demonstrarem a materialidade e a autoria delitivas, exige profundo exame do contexto

probatório dos autos, o que é inviável na via estreita do writ. Precedentes.

3. Para o oferecimento da denúncia, exige-se apenas a descrição da conduta delitiva e a existência de

elementos probatórios mínimos que corroborem a acusação. Provas conclusivas da materialidade e da autoria do crime são

necessárias apenas para a formação de um eventual juízo condenatório. Embora não se admita a instauração de processos

temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio

do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o julgador, em juízo de admissibilidade da acusação,

termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o

exercício da ação penal.

4. A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41

do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e

com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua

tipificação, de modo que viabilize a persecução penal e o contraditório pelo réu. Precedentes.

5. ‘O delito tipificado no artigo 89 da Lei n. 8.666/1993 pune a conduta de dispensar ou inexigir licitação fora

das hipóteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade, sendo,

conforme entendimento desta Corte, crime material que exige para a sua consumação a demonstração, ao menos em tese, do

dolo específico de causar dano ao erário, bem como o efetivo prejuízo causado à administração pública, devendo tais

elementos estarem descritos na denúncia, sob pena de ser considerada inepta’ (RHC 87.389/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN

PACIORNIK, QUINTA TURMA, DJe 6/10/2017).

6. Hipótese em que a exordial acusatória preenche os requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP, porquanto

descreve a conduta atribuída à ora recorrente – que concorreu para a dispensa indevida de licitação, em hipótese obrigatória,

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28

pois existente outra entidade, a Federação de Jiu-Jitsu Esportivo do Distrito Federal - FBJJ, tornando, assim, viável a

competição, de modo a evidenciar o dolo específico em causar prejuízo ao erário e o efetivo prejuízo à Administração Pública

mediante emissão de parecer favorável à contratação da Federação de JiuJitsu de Brasília - FJJB –, tendo havido a explicitação

do liame entre os fatos descritos e o seu proceder, permitindo-lhe rechaçar os fundamentos acusatórios.

7. ‘A tão-só figuração de advogado como parecerista nos autos de procedimento de licitação não retira, por si

só, da sua atuação a possibilidade da prática de ilícito penal, porquanto, mesmo que as formalidades legais tenham sido

atendidas no seu ato, havendo favorecimento nos meios empregados, é possível o comprometimento ilegal do agir’ (HC

337.751/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 1º/2/2016).

8. Recurso em habeas corpus não provido” (anexo 12).

Nesta impetração, a defesa suscita, em síntese, a inépcia da denúncia e a atipicidade da conduta imputada à paciente Fernanda Rodrigues Zanini

Nazario, de modo que o trancamento excepcional da ação penal, em trâmite na 1ª Vara Criminal da Circunscrição Judiciária do Paranoá/DF, seria

admissível pela via do habeas corpus.

A esse respeito, aduz que

“[a] leitura da denúncia não deixa dúvidas de que a imputação da Paciente decorre única e exclusivamente do fato

de ter emitido parecer amparado em declaração de exclusividade apresentada pela proponente, sendo certo que tais hipóteses,

de fato, se enquadram nos casos de inexigibilidade de licitação, uma vez que não há possibilidade de competição”.

Afirma a necessidade de o

“Ministério Público demonstrar que FERNANDA NAZÁRIO sabia da irregularidade da declaração apresentada ou

que tinha conhecimento da existência de outra empresa prestando o mesmo serviço, tendo em vista que, sem as referidas

considerações, não há como se extrair o dolo específico da Paciente em lesar a Administração Pública”.

Portanto, “resta inafastável que a denúncia padece de flagrante vício de inépcia, não sendo necessária a análise de qualquer outra prova

documental para se chegar a esta conclusão”.

Prossegue o impetrante argumentando que,

“[e]m que pese a exordial acusatória oferecida pelo Parquet possua narrativa truncada, o que, de fato, dificulta a

delimitação da conduta da Paciente, dúvida não há de que o argumento utilizado pelo órgão acusatório para afirmar a suposta

ilicitude no parecer diz com o fato de que a empresa proponente, a FEDERAÇÃO DE JIU-JITSU DE BRASÍLIA –

FJJB, ‘é federação de jiu-jitsu e não de MMA’.

Nesse contexto, o que o Ministério Público local parece sustentar é que a declaração apresentada pela FEDERAÇÃO

DE JIU-JITSU DE BRASÍLIA – FJJB seria insuficiente para atestar a exclusividade no serviço contratado tendo em vista

que o evento a ser realizado seria de MMA e não de jiu-jitsu.

Pela leitura da denúncia, é possível notar que não há qualquer menção à existência de outra empresa prestadora do

serviço contratado, sendo certo que o ato questionado pelo Ministério Público diz, tão somente, com a alegada

desconformidade entre o objeto do contrato e a exclusividade consignada na documentação apresentada pela proponente”.

Assevera, ainda, que

“a denúncia não oferece o contorno jurídico elementar mínimo que possibilite a identificação da conduta delitiva a

ela imputada, tendo em vista que o ato de elaborar parecer opinativo, por si só, não se enquadra na descrição do tipo penal

descrito no art. 89, da Lei n.º 8.666/93.

A configuração do crime do art. 89, da Lei n.º 8.666/93, depende, inexoravelmente, da demonstração do dolo

específico do agente, caracterizado pela vontade de dispensar ou inexigir licitação com a consciência de que a hipótese não

se amolda aos permissivos legais.

Nesse contexto, é evidente que o mero ato de assinar parecer opinando pela possibilidade de contratação em tal

modalidade não é suficiente para configurar o crime de dispensa ou inexigência indevida de licitação, sobretudo ao se

considerar que, na hipótese dos autos, a decisão final não cabia à Paciente, bem como sua manifestação não detinha caráter

vinculativo, que autorizam a inexigibilidade de certame.

Da narrativa apresentada pelo Ministério Público é possível dizer que a confirmação da ilicitude na conduta da

Paciente dependeria da demonstração de que ela tinha consciência de que a documentação que lhe fora apresentada continha

algum vício que impedia a inexigibilidade da licitação no caso concreto e que, ainda assim, proferiu parecer com o propósito

específico de burlar as exigências previstas pela Lei n.º 8.666/93.

Todavia, a denúncia, além de trazer relato truncado, não aponta qualquer circunstância da qual se possa inferir que

a Paciente tinha ciência de que a declaração apresentada pela proponente não era suficiente para atestar sua exclusividade,

sobretudo porque não há qualquer indicativo de que o serviço prestado pela empresa diferia do objeto do evento, bem assim

não há qualquer informação acerca da possível existência de outra prestadora do serviço”.

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29

Na visão da defesa

“a inépcia da denúncia decorre, justamente, da manifesta atipicidade da conduta narrada, sobretudo em relação à

Paciente, eis que o ato de proferir parecer, por si só, não se amolda ao tipo penal a ela imputado”.

Conclui que

“o parecer emitido pela Paciente não apresentou qualquer solução absurda e desarrazoada, eis que a declaração de

exclusividade apresentada pela proponente autorizava o enquadramento do caso à hipótese de inexigibilidade licitação

prevista na Lei n.º 8.666/93, justamente porque, não havendo prestador de serviço equiparável, é incontroversa a

impossibilidade de competição.

Nesse contexto, a única hipótese que autorizaria a imputação da Paciente seria acaso atestado o seu dolo específico

de emitir parecer voltado a possibilitar a celebração de contrato sem a prévia realização de licitação, mesmo diante da ciência

inequívoca de que o caso concreto não autorizaria a inexigibilidade do certame.

Ocorre que a denúncia não traz qualquer elemento a partir do qual seja possível atestar que a Paciente tinha

conhecimento sobre eventual vício da declaração de exclusividade submetida à apreciação da Assessoria Técnica, mesmo

porque a verificação da veracidade e da viabilidade da documentação também não era atribuição do seu setor.

Nem mesmo eventual falsidade da declaração de exclusividade juntada aos autos -- que sequer fora cogitada pelo

Ministério Público, cabe ressaltar -- seria suficiente para atestar a pretensa irregularidade na conduta da Paciente, eis que

consistiria em fato de terceiro, muito anterior à remessa dos autos à sua apreciação.

Por outro lado, tal circunstância, acaso existente, serviria apenas para atestar que a Paciente fora levada a erro, a

atrair a aplicação do art. 20, do Código Penal, corroborando, assim, a inexistência de dolo e a consequente atipicidade da sua

conduta”.

Por esses fatos, postulou-se o deferimento da liminar para

“suspender o curso da Ação Penal de nº 2017.08.1.0034669, com trâmite na 1ª Vara Criminal da Circunscrição

Judiciária do Paranoá-DF e, no mérito, que [fosse] concedida a ordem de habeas corpus, para os fins de determinar o

trancamento da ação penal, tudo com arrimo nas razões deduzidas na presente impetração”.

Com pedido de liminar indeferido e parecer da Procuradoria-Geral da República pelo não conhecimento do writ, o eminente Relator indeferiu

a impetração, em decisão assim fundamentada na parte que interessa:

“Sendo esse o contexto, passo a analisar o pleito em causa.

E, ao fazê-lo, entendo não assistir razão à parte impetrante, pois os fundamentos que dão suporte ao acórdão ora

impugnado ajustam-se, com integral fidelidade, à orientação jurisprudencial firmada por esta Suprema Corte.

Como se sabe, a denúncia que contiver todos os elementos essenciais à adequada configuração típica do delito e

que atender, integralmente, às exigências de ordem formal impostas pelo art. 41 do CPP não apresentará o vício

nulificador da inépcia, pois permitirá ao réu a exata compreensão dos fatos expostos na peça acusatória, sem qualquer

comprometimento ou limitação ao pleno exercício do direito de defesa.

O exame dos autos permite reconhecer, consideradas as premissas que venho de mencionar, que o E. Superior

Tribunal de Justiça, ao apreciar esse ponto específico da impetração, deixou evidenciado, sem qualquer dúvida, que a peça

acusatória ora questionada contém os elementos mínimos exigidos pelo art. 41 do CPP.

Não vislumbro, por isso mesmo, a ocorrência, na espécie, do vício de inépcia da denúncia, pois a peça acusatória,

que observou a regra imperativa inscrita no art. 41 do CPP, descreve, de maneira adequada, todos os ‘essentialia delicti’,

com as respectivas circunstâncias de tempo, de lugar, de pessoas e de modo de execução, revelando-se, portanto,

processualmente apta e juridicamente idônea.

Isso significa que a inicial acusatória em causa ajusta-se ao magistério jurisprudencial prevalecente nesta Suprema

Corte (HC 83.266/MT, Red. p/ o acórdão Min. JOAQUIM BARBOSA – RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO,

v.g.):

‘1. Não é inepta a denúncia que, apesar de sucinta, descreve fatos enquadráveis no artigo 14 da Lei n.

6.368/76, atendendo a forma estabelecida no artigo 41 do Código de Processo Penal, além de estar instruída com

documentos, tudo a possibilitar a ampla defesa.’ (HC 86.755/RJ, Rel. Min. EROS GRAU – grifei)

‘3. A descrição dos fatos cumpriu, satisfatoriamente, o comando normativo contido no art. 41 do Código

de Processo Penal, estabelecendo a correlação entre a conduta do paciente e a imputação da prática do crime de

quadrilha.’ (HC 98.157/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei)

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30

Acolho, de outro lado, como razão de decidir, além dos fundamentos expostos na presente decisão, também aqueles

em que se apoia, quanto ao mérito, o pronunciamento da douta Procuradoria-Geral da República – notadamente no que

concerne à alegada ausência de justa causa para a persecução penal –, em parecer do qual se destaca a seguinte passagem:

‘8. Por outro lado não cabe falar em ausência de justa causa para a ação penal, dada a existência de

indícios suficientes de autoria e materialidade delitivas hábeis a justificar a instauração e prosseguimento da

persecução criminal. Conforme bem pontuou o TJDFT ao analisar a questão, ‘Na hipótese, constam nos autos

elementos comprobatórios da materialidade e de indícios suficientes de autoria, tais como, Portaria de Instauração

de Inquérito (fls. 34/37), Teor do Despacho de Indiciamento (fls. 38/56) e

Cópia do Procedimento Administrativo nº

140.000.328/2013 (fls. 58/91).’

(…)

11. Vale registrar que em princípio a conduta imputada à paciente amolda-se ao tipo do art. 89 da

Lei nº 8.666/93 e maiores questionamentos a este respeito seguramente transbordam os estreitos limites de cognição

do ‘writ’ e devem ser remetidos à via própria da instrução criminal.

12. Assim, o prosseguimento da ação penal constitui medida imperativa a fim de que em sede

própria, à luz da ampla defesa e contraditório, os fatos sejam aclarados e precisamente delineados os ilícitos

apontados na denúncia, viabilizando-se a responsabilização criminal dos acusados caso as provas sinalizem neste

sentido.’ (grifei)

Ao adotar, como razão de decidir, os fundamentos em que se apoia a manifestação da douta Procuradoria-Geral da

República, valho-me, para tanto, da técnica da motivação ‘per relationem’, cuja legitimidade constitucional tem sido

amplamente reconhecida por esta Corte (AI 738.982- -AgR/PR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – AI 813.692-AgR/RS,

Rel. Min.

CELSO DE MELLO – MS 28.677-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE

MELLO – MS 28.989-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RE 172.292/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.).

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, pronunciando-se a propósito da técnica da motivação por referência ou

por remissão, reconheceu-a compatível com o que dispõe o art. 93, inciso IX, da Constituição da República, como resulta

de diversos precedentes firmados por esta Suprema Corte (HC 54.513/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RE 37.879/MG,

Rel. Min. LUIZ GALLOTTI – RE 49.074/MA, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI):

‘Reveste-se de plena legitimidade jurídicoconstitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica

da motivação ‘per relationem’, que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da

República. A remissão feita pelo magistrado – referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de

direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público, ou, ainda, a

informações prestadas por órgão apontado como coator) – constitui meio apto a promover a formal incorporação,

ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir. Precedentes.’

(AI 825.520-AgR-ED/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)’

Cabe salientar, nesse contexto, conforme diretriz jurisprudencial estabelecida por esta Corte, que a simples

instauração de “persecutio criminis” não constitui, só por si, situação caracterizadora de injusto constrangimento (RTJ

78/138 – RTJ 181/1039-1040, v.g.), notadamente quando iniciada por denúncia consubstanciadora de descrição fática cujos

elementos ajustem-se, ao menos em tese, ao tipo penal:

'EXTINÇÃO ANÔMALA DO PROCESSO PENAL. INDAGAÇÃO PROBATÓRIA EM TORNO DOS

ELEMENTOS INSTRUTÓRIOS. SUPOSTA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL.

EXISTÊNCIA, NO CASO, DE DADOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS, FUNDADOS EM BASE EMPÍRICA

IDÔNEA.

CONTROVÉRSIA QUE, ADEMAIS, IMPLICA EXAME

APROFUNDADO DE FATOS E CONFRONTO

ANALÍTICO DE MATÉRIA ESSENCIALMENTE

PROBATÓRIA. INVIABILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA

DO ‘HABEAS CORPUS’. PEDIDO INDEFERIDO.’

(HC 122.856/CE, Rel. Min. CELSO DE MELLO)’

Impende assinalar, ainda, que o reconhecimento da ausência de justa causa para a persecução penal, embora

cabível em sede de ‘habeas corpus’, reveste-se de caráter excepcional. É que, para tal revelar-se possível, impõe-se

inexistir qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal.

Registre-se, neste ponto, que não se revela adequado proceder, em sede de ‘habeas corpus’, a indagações de

caráter eminentemente probatório, especialmente quando se busca discutir elementos fáticos subjacentes à causa penal.

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 31

No caso, o E. Superior Tribunal de Justiça, no acórdão ora impugnado, destacou, precisamente, a ausência da

necessária liquidez dos fatos essenciais à corroboração das alegações deduzidas na impetração:

‘Com efeito, nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por

meio do ‘habeas corpus’ é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca

comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de

indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não se infere na hipótese dos autos.

(...)

O reconhecimento da inexistência de justa causa para o exercício da ação penal, dada a suposta ausência

de elementos de informação a demonstrarem a materialidade e a autoria delitivas, exige profundo exame do contexto

probatório dos autos, o que é inviável na via estreita do ‘writ’.” (grifei)

Não se pode desconhecer, consideradas as razões expostas pelo E. Superior Tribunal de Justiça, que a ocorrência

de iliquidez em relação aos fatos alegados na impetração basta, por si só, para inviabilizar a utilização adequada da ação

de ‘habeas corpus’, remédio processual que não admite dilação probatória, nem permite o exame aprofundado de matéria

fática, nem comporta a análise valorativa de elementos de prova produzidos no curso do processo penal de conhecimento

(RTJ 110/555 – RTJ 129/1199 – RTJ 136/1221 – RTJ 163/650-651 – RTJ 165/877-878 – RTJ 186/237, v.g.):

‘A ação de ‘habeas corpus’ constitui remédio processual inadequado, quando ajuizada com objetivo (a)

de promover a análise da prova penal, (b) de efetuar o reexame do conjunto probatório regularmente produzido,

(c) de provocar a reapreciação da matéria de fato e (d) de proceder à revalorização dos elementos instrutórios

coligidos no processo penal de conhecimento. Precedentes.’ (RTJ 195/486, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Cumpre acentuar, também, na linha de reiterados pronunciamentos desta Suprema Corte (RT 594/458 – RT

747/597 – RT 749/565 – RT 753/507, v.g.), que, ‘Em sede de ‘habeas corpus’, só é possível trancar ação penal em situações

especiais, como nos casos em que é evidente e inafastável a negativa de autoria, quando o fato narrado não constitui crime,

sequer em tese, e em situações similares, onde pode ser dispensada a instrução criminal para a constatação de tais fatos

(…)’

(RT 742/533, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – grifei).

Essa orientação – não custa enfatizar – tem o prestigioso beneplácito de JULIO FABBRINI MIRABETE ('Código

de

Processo Penal Interpretado', p. 1.426/1.427, 7ª ed., 2000, Atlas), cuja autorizada lição, no tema, adverte:

‘Também somente se justifica a concessão de ‘habeas corpus’, por falta de justa causa para a ação penal,

quando é ela evidente, ou seja, quando a ilegalidade é evidenciada pela simples exposição dos fatos, com o

reconhecimento de que há imputação de fato atípico ou da ausência de qualquer elemento indiciário que

fundamente a acusação (…). Há constrangimento ilegal quando o fato imputado não constitui, em tese, ilícito

penal, ou quando há elementos inequívocos, sem discrepâncias, de que o agente atuou sob uma causa excludente

da ilicitude. Não se pode, todavia, pela via estreita do ‘mandamus’, trancar ação penal quando seu

reconhecimento exigir um exame aprofundado e

valorativo da prova dos autos.’ (grifei)

Em suma: tenho para mim que os fundamentos subjacentes ao acórdão ora impugnado ajustam-se aos estritos

critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consagrou na matéria em exame.

Sendo assim, em face das razões expostas, e acolhendo, ainda, quanto ao mérito, os fundamentos do parecer da

douta Procuradoria-Geral da República, indefiro este pedido de

'habeas corpus'.

Arquivem-se os presentes autos” (grifos do autor).

Em razão dessa decisão, a impetrante interpõe, tempestivamente, o presente agravo regimental, no qual questiona os fundamentos da decisão

agravada, bem como reitera as teses suscitadas na inicial da ação.

O feito foi levado a julgamento em sessão virtual da Corte, oportunidade na qual o eminente Ministro Celso de Mello apresentou bem

fundamentado voto pelo não provimento do agravo.

O voto de Sua Excelência foi sintetizado na seguinte ementa:

“HABEAS CORPUS. PRETENDIDO

RECONHECIMENTO DA INÉPCIA DA DENÚNCIA E DA

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32

AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUTIO CRIMINIS. OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS FIXADOS

PELO ART. 41 DO CPP. PEÇA ACUSATÓRIA QUE ATENDE, PLENAMENTE, ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS.

EXISTÊNCIA, AINDA, DE SITUAÇÃO DE ILIQUIDEZ QUANTO AOS FATOS SUBJACENTES À ACUSAÇÃO

PENAL.

CONTROVÉRSIA QUE IMPLICA EXAME APROFUNDADO

DE FATOS E CONFRONTO ANALÍTICO DE MATÉRIA

ESSENCIALMENTE PROBATÓRIA. INVIABILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO HABEAS CORPUS.

PRECEDENTES.

ADOÇÃO DA TÉCNICA DE MOTIVAÇÃO PER

RELATIONEM. LEGITIMIDADE JURÍDICOCONSTITUCIONAL. DESSA TÉCNICA DE

FUNDAMENTAÇÃO. RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.”

Pedi vista dos autos para melhor analisar a questão posta.

Bem relatados os fatos, passo ao voto.

Como acertadamente advertiu o eminente Ministro Celso de Mello ao citar o saudoso Ministro Maurício Corrêa,

“‘[e]m sede de ‘habeas corpus’, só é possível trancar ação penal em situações especiais, como nos casos em

que é evidente e inafastável a negativa de autoria, quando o fato narrado não constitui crime, sequer em tese, e em

situações similares, onde pode ser dispensada a instrução criminal para a constatação de tais fatos (…)’ (RT 742/533,

(...) – grifei)”.

Portanto, a Corte tem admitido o trancamento de ação penal pela via do habeas corpus quando é evidente a falta de justa causa para seu

prosseguimento, seja pela inexistência de indícios de autoria do delito, seja pela não comprovação de sua materialidade, seja, ainda, pela atipicidade

da conduta imputada (v.g. HC nº 138.507/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 4/8/17; HC nº

94.752/RS, Relator o Ministro Eros Grau, Segunda Turma, DJe de 17/10/08; HC nº 148.604/SP, de minha relatoria, DJe de 1º/8/18).

Pois bem, segundo se infere dos autos o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios ofereceu denúncia em face da agravante e outros,

imputando-lhes a prática do crime descrito no art. 89, c/c o art. 99, e art. 84, § 2º, todos da Lei nº 8.666/93, porque, na qualidade de chefe da Assessoria

Técnica da Administração do Paranoá/DF, emitiu parecer opinativo favorável à legalidade da contratação direta, por inexigibilidade de licitação, da

Federação de Jiu-Jitsu de Brasília (FJJB), visando à realização de evento denominado “Paranoá Fight”.

A exordial acusatória narra os fatos da seguinte forma:

“Em 1º de maio de 2013, o denunciado ANTÔNIO

NATALINO DOS SANTOS JÚNIOR, na condição de presidente da FEDERAÇÃO DE JIU-JITSU DE BRASÍLIA - FJJB,

apresentou proposta ao denunciado CEZAR CASTRO LOPES, então exercendo o cargo em comissão de Administrador

Regional do Paranoá, com o seguinte teor, A Federação de JiuJitsu de Brasília, inscrita no CNPJ: 16.647.402/0001-12.

localizada na ONO 05 Conjunto O Lote 14 loja 02 - Setor ‘O’, através da pessoa do Presidente Antônio Natalino dos

Santos Júnior. CPF: 858.430.241-7, vem propor ao Administrador do Paranoá. Sr. Cezar Castro Lopes, apoio para o evento

de MAMA, denominado Paranoá Fight, que terá em seu card 07 lutas de MAMA, sendo que todos os lutadores são

profissionais, o evento terá um publico aproximado de 1000 pessoas, tendo seu inicio às 19:00hs e termino às 00:00hs.

Contamos com sua colaboração. Esta proposta perfaz o valor de 50.000.00 (Cinquenta Mil Reais) (PA 140.000.328/2013,

fl. 16).

Em 21 de maio de 2013, o denunciado SUENILSON SAULNIER DE PIERRELEVÉE SÁ, à época exercendo o

cargo em comissão de diretor da Diretoria Social da Administração Regional do Paranoá, elaborou projeto básico, já no

objeto, especificando que era Contratação da Federação de Jiu Jitsu de Brasília para realização do "Primeiro Paranoá

Fight", com participação de atletas profissionais federados, a ser realizado em 26 de maio de 2013 entre 18h e 0h, com

público estimado de 1.000 pessoas, superestimando os custos de contratação que contaria com 14 atletas profissionais

dispostos em duplas, quatro árbitros, e cinco mesários, tendo como estimativa de custo o exato valor da proposta

anteriormente apresentada pelo denunciado ANTÔNIO NATALINO DOS SANTOS JÚNIOR,

R$ 50.000,00. Esse projeto básico foi aprovado na mesma data, 21 de maio de 2013, pelo denunciado CEZAR CASTRO

LOPES, então Administrador Regional do Paranoá (PA

140.000.328/2013, fls. 3-15).

Com o objetivo de comprovar habilitação para realizar o evento por inexigibilidade de licitação, a FJJB

apresentou declaração de 7 de janeiro de 2013, firmada pelo Vice Presidente da Confederação Brasileira de Jiu-

Jitsu no sentido que a FJJB seria a única Federação de Jiu-Jitsu de Brasília devidamente cadastrada e reconhecida

por este Confederação e está autorizada a realizar eventos de Jiu-Jitsu no Distrito Federal.

Em 22 de maio de 2013, a FJJB apresentou declarações com o objetivo de justificar a diferença de preços de R$

30.000.00 para R$ 50.000.00, entre evento realizado em São Sebastião e o de Paranoá. Assim, em 23 de maio de 2013, o

denunciado SUENILSO SAULNIER DE PIERRELEVÉE SÁ elaborou documento acolhendo ditas alegações (PA

140.000.328/2013. fls. 52-53).

Em 24 de maio de 2013, o denunciado CEZAR CASTRO LOPES determinou que fosse informada disponibilidade

orçamentário para realização da contratação e, no dia seguinte e ANA CAROLINA NEVES DOS SANTOS, então no

exercício do cargo em comissão de Diretora da Diretoria de Administração Geral da Administração Regional do Paranoá,

determinou o encaminhamento dos autos à Gerência de Orçamento. Finanças e Contratos, solicitando informar a existência

de saldo orçamentário e financeiro no valor de R$ 50.000.00 (cinquenta mil reais para custear a contratação de empresa

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33

especializada para realização de evento Paranoá Fight de MMA no ginásio do Paranoá) (PA 140.000.328/2013 fls. 117 e

118).

A informação, da GOFIC dá conta que os recursos apontados como existentes se destinam a Apoio ao Desporto

e Lazer para a Juventude do Distrito Federal - Apoio ao Desporto Amador Paranoá (PA 140.000.328/2013. fls. 119-122).

Em 24 de maio de 2013. o denunciado CEZAR CASTRO

LOPES determinou o encaminhamento dos autos à Assessoria Técnica da Administração Regional do Paranoá,

para emissão de parecer (PA 140.000.328/2013. fl. 124). O parecer de mesma data, 24 de maio de 2013, da lavra da

então Chefe da Assessoria Técnica da Administração Regional do Paranoá, a denunciada FERNANDA

RODRIGUES ZANINI NAZARIO, em razão das ilegalidades flagrantes e das contradições sobre a exclusividade

da FJJB, que é federação de jiu-jitsu e não de MMA, haja vista a proposta inserida nos autos, a peça dita opinativa

foi favorável à contratação, configurando-se apenas como instrumento dolosamente elaborado destinado a

possibilitar a realização da despesa ilegal (PA

140.000.328/2013. fls. 125-130)” (grifos nossos).

Como visto a conduta imputada à agravante foi a de, na qualidade de chefe da Assessoria Técnica da Administração Regional, emitir parecer

favorável à inexigibilidade da licitação fora das hipóteses previstas em lei (art. 89 da Lei nº 8.666/93). Esse delito apresenta-se, normativamente, da

seguinte maneira:

“Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as

formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.”

De acordo com o ordenamento vigente, a denúncia, tal qual a queixa, deve conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas

circunstâncias, a qualificação do acusado (ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo), a classificação do crime e, quando for o caso, o rol

de testemunhas (CPP, art. 41). Tais exigências se fundamentam na necessidade de se precisarem, com acuidade, os limites da imputação, de modo a

viabilizar não só o exercício da ampla defesa, mas também a aplicação da lei penal pelo órgão julgador.

A verificação acerca da narração de fato típico, antijurídico e culpável, da inexistência de causa de extinção da punibilidade e da presença

das condições exigidas pela lei para o exercício da ação penal (aí incluída a justa causa) revela-se fundamental para o juízo de admissibilidade de

deflagração da ação penal, em qualquer hipótese.

É sabido que a presença de justa causa para a deflagração de uma ação penal é um dos pilares, da óptica da Lei Maior, de um processo penal

verdadeiramente legítimo, havendo a preocupação de se subsumir o comportamento do infrator ao previsto na lei penal, mas sem se descurar da

observância dos preceitos contidos no texto magno.

À luz dessas premissas e melhor sopesando os termos da denúncia em conjunto com os elementos fático-jurídicos demonstrados, estou

convencido da ausência do elemento subjetivo do tipo, essencial à configuração do delito imputado à agravante, com a devida venia do eminente

Relator.

Em meu sentir, o Parquet não logrou demonstrar suficientemente, na denúncia, a vontade conscientemente dirigida, por parte da agravante,

de superar a necessidade de realização da licitação, sendo certo, ademais, que a exordial acusatória apresenta certa contradição com essa

afirmação, quando traz em seu bojo a assertiva de que

“a FJJB apresentou declaração de 7 de janeiro de 2013, firmada pelo Vice-Presidente da Confederação Brasileira

de JiuJitsu no sentido que a FJJB seria a única Federação de Jiu-Jitsu de Brasília devidamente cadastrada e

reconhecida por este Confederação e está autorizada a realizar eventos de Jiu-Jitsu no Distrito Federal” (grifos

nossos).

Ora, se a documentação acostada ao processo administrativo, cuja veracidade não foi questionada, sinalizava que a FJJB seria a única

Federação de Jiu-Jitsu de Brasília devidamente cadastrada e reconhecida pela Confederação Brasileira do esporte para a realização do evento na

capital (anexo 5 - fls. 73 a 75), não haveria, naquele momento , conclusão diversa de que o caso era mesmo de inexigibilidade de licitação, por

inviabilidade de competição, mormente se levada em conta a total ausência de notícia, no bojo do processo, sobre a existência de outra entidade

(Federação de Jiu-Jitsu Esportivo do Distrito Federal-FBJJ).

E foi nesse sentido o parecer assinado pela agravante. Vide, na parte que interessa, excertos do documento em questão:

“(...) a contratação da Federação ‘Brasiliense de Jiu-Jitsu’, enquadra-se nas hipóteses de inexigibilidade de

licitação pública, ou seja, hipótese em que não se poderia exigir a licitação pública, uma vez que, mesmo que esta

Administração quisesse realizá-la, tal tentativa estaria fadada ao insucesso, pois a referida Federação é a única

representante dos profissionais a serem contratados (fls. 18), havendo portanto, inviabilidade de competição.

(…)

Ao compulsar os autos, verifica-se que a descrição do objeto é clara e objetiva; o Projeto Básico foi devidamente

aprovado; a ‘Federação Brasiliense de Jiu-Jitsu’ apresentou a documentação devida, sendo a única representante da

modalidade em Brasília, e há informação da existência de recurso orçamentário para custear a despesa.

(…)

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34

Diante do exposto, atendidas as recomendações acima citadas, SMJ não há óbice para que esta Administração

Regional do Paranoá proceda à contratação objeto desse processo por meio de inexigibilidade de licitação” (anexo 6 – fls.

6-7).

A doutrina, majoritariamente, aponta que as hipóteses elencadas no art. 25 da Lei nº 8.666/93 já caracterizam exemplos da inviabilidade de

competição.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello,

“[c]umpre salientar que a relação dos casos de inexigibilidade não é exaustiva. Com efeito, o art. 25 refere que

a licitação é inexigível quando inviável a competição. E apenas destaca algumas hipóteses. Por isto disse, em seguida:

’em especial (...)’. Em suma: o que os incisos I a III do art. 25 estabelecem é, simplesmente, uma prévia e já resoluta

indicação de hipóteses nas quais ficam antecipadas situações características de inviabilidade, nos termos ali

enumerados, sem exclusão de casos não catalogados, mas igualmente possíveis.

Outras hipóteses de exclusão do certame licitatório existirão, ainda que não arroladas nos incisos I a III, quando

se proponham situações nas quais estejam ausentes os pressupostos jurídicos ou fáticos condicionadores dos certames

licitatórios. Vale dizer: naquelas hipóteses em que ou (a) o uso da licitação significaria simplesmente inviabilizar o

cumprimento de um interesse jurídico prestigiado no sistema normativo e ao qual a Administração deva dar provimento

ou (b) os prestadores do serviço almejado simplesmente não se engajariam na disputa dele em certame licitatório,

inexistindo, pois, quem, com as aptidões necessárias, se dispusesse a disputar o objeto de certame que se armasse a tal

propósito” (Curso de Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 561 - grifos nossos).

Para Hely Lopes Meirelles,

“[o]corre a inexigibilidade de licitação quando há impossibilidade jurídica de competição entre os

contratantes, quer pela natureza específica do negócio, quer pelos objetivos sociais visados pela Administração” (Direito

Administrativo brasileiro. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 301 – grifos nossos).

Hely Lopes aduz, ainda, que, nos casos descritos no art. 25 da lei de regência, em que o contratado é o único que reúne as condições

necessárias à plena satisfação do objeto do contrato (incisos II e III), a licitação

“é inexigível em razão da impossibilidade jurídica de se instaurar competição entre os eventuais

interessados, pois não se pode pretender melhor proposta quando apenas um é proprietário do bem desejado pelo Poder

Público ou reconhecidamente capaz de atender às exigências da Administração no que concerne à realização do objeto do

contrato. Falta o pressuposto da licitação, que é a competição” (op. cit., p. 301 - grifos nossos).

No mesmo sentido, Marçal Justen Filho:

“Em primeiro lugar, os incisos do art. 25 desempenham função exemplificativa. Tratando-se de instituto complexo

como se passa com a inexigibilidade, o conceito de inviabilidade de competição pode ser muito mais facilmente

reconhecido mediante a análise dos exemplos contidos no elenco legal. Se não existissem os três incisos do art. 25, muitos

seriam tentados a restringir a inexigibilidade apenas aos casos de ausência de pluralidade de alternativas de contratação.

Mas a existência do dispositivo do inc. III evidencia que o conceito de inviabilidade de competição tem de ser interpretado

amplamente, inclusive para abranger os casos de impossibilidade de julgamento objetivo. Em outras palavras, a análise

dos incisos do art. 25 permite identificar o conceito de inviabilidade de competição consagrado no caput do

dispositivo” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 485 a 486

- grifos nossos).

Doutrinariamente, portanto, estava bem alicerçada a posição da agravante pela inexigibilidade de licitação, calcada exclusivamente no art.

25, II e III, da Lei de Regência, o qual, por si só, descreve situação característica de inviabilidade de competição.

Em outras palavras, a impossibilidade jurídica de haver competição entre eventuais interessados não é um plus que se agrega às

hipóteses dos incisos do art. 25, e sim a consequência lógica da tipificação de uma dessas hipóteses.

Note-se que, embora o Parquet tenha afirmado que a agravante teria agido dolosamente em seu parecer, diante da existência de contradições

sobre a exclusividade da FJJB, o processo administrativo, em nenhuma das suas manifestações, sinalizou tais ocorrências, sendo certo, ademais, que

a denunciada somente detinha competência para emitir parecer técnico sobre inexigibilidade da licitação sob prisma estritamente jurídico, não

cabendo adentrar em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, tampouco examinar a veracidade das

questões de natureza técnica (como a autenticidade da documentação acostada), administrativa ou financeira, salvo teratologia, que não ficou

evidenciada na espécie.

Por outro lado, a manifestação levada a efeito foi de natureza meramente opinativa e, portanto, não vinculante para o gestor público, o qual

pode, de forma justificada, adotar ou não a orientação exposta no parecer. Ou seja, o parecer tem natureza obrigatória (art. 38, VI, da Lei nº 8.666/93),

porém não vinculante.

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 35

Por essa perspectiva, como já sinalizado pela Corte, mutatis mutandis, é lícito concluir pela abusividade da responsabilização do parecerista

à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha supostamente resultado dano ao erário (v.g. MS

nº 24.631/DF, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 1º/2/08).

Tal conclusão se robustece quando se torna evidente, para além do dolo simples necessário (vontade consciente de contratar

independentemente da realização de procedimento licitatório), que o Parquet não apresentou, na denúncia, elemento probatório mínimo que

demonstrasse qualquer tipo de intenção por parte da agravante de produzir um prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento indevido da

licitação.

Nesse sentido, invoco, mais uma vez, as precisas lições de Marçal Justen Filho, quando sustenta que

“o elemento subjetivo consiste não apenas na intenção maliciosa de deixar de praticar a licitação cabível. Se a

vontade consciente e livre de praticar a conduta descrita no tipo fosse suficiente para concretizar o crime, então seria de

admitir-se modalidade culposa. Ou seja, quando a conduta descrita no dispositivo fosse concretizada em virtude de

negligência, teria de haver a punição. Isso seria banalizar o Direito Penal e produzir criminalização de condutas que não

se revestem de reprovabilidade. É imperioso, para a caracterização do crime, que o agente atue voltado a obter um outro

resultado, efetivamente reprovável e grave, além da mera contratação direta. Ocorre, assim, a conduta ilícita quando o

agente possui a vontade livre e consciente de produzir o resultado danoso ao erário. É necessário um elemento subjetivo

consistente em produzir um prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento indevido da licitação. Portanto, não

basta a mera intenção de não realizar licitação em um caso em que tal seria necessário” (Comentários à Lei de Licitações

e Contratos Administrativos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008. p. 831)

Ademais, a ausência de observância das formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade da licitação somente é passível de sanção

quando acarretar contratação indevida e houver demonstração da vontade ilícita do agente em produzir um resultado danoso, o que entendo

não ser o caso.

A esse respeito, lembra Márcio dos Santos Barros que

“talvez seja este o crime que maior preocupação traga ao administrador público porque diz respeito a assuntos

absolutamente controvertidos, que dependem em grande parte de interpretação de questões não pacíficas. Assim, só pode

ser aplicável à hipótese a clara e dolosa violação à lei.” (Comentários sobre Licitações e Contratos Administrativos.

São Paulo: NDJ, 2005. p. 293)

Sobre a matéria, destaco decisão da Corte no HC nº 155.440/RS que, ao superar a Súmula nº 691/STF, concedeu a ordem e absolveu o

paciente da prática do crime do art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93, uma vez que não demonstrado o dolo específico da conduta, vale dizer, intenção

de produzir prejuízo ao erário por meio do afastamento indevido da licitação. Vide:

“Trata-se de habeas corpus com pedido de medida liminar impetrado por Marcelo Selhorst, em favor de Silvestre

Selhorst, contra decisão do Ministro Sebastião Reis Júnior, do

Superior Tribunal de Justiça (STJ), que indeferiu a liminar no HC 443.105/RS.

Consta dos autos que o paciente foi denunciado pela prática do delito descrito pelo art. 89, caput, da Lei

8.666/1993 (dispensa indevida de licitação).

Com efeito, o Juízo da 2ª Vara Federal de Santa Maria, da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, julgou

improcedente a denúncia e absolveu o paciente.

Irresignado, o Parquet interpôs apelação ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que reformou a decisão,

condenando o paciente ao cumprimento de 4 anos e 1 mês de detenção, a serem cumpridos em regime inicial semiaberto,

mais multa de 4% sobre o valor do contrato licitado, em acórdão assim ementado:

‘PENAL. DISPENSA DE LICITAÇÃO. ART. 89,

CAPUT, DA LEI Nº. 8.666/1993. DESNECESSIDADE DE

COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AOS COFRES PÚBLICOS. DOLO ESPECÍFICO.

INEXIGIBILIDADE. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO (GENÉRICO)

DEMONSTRADOS. CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA. MULTA.

1. O efetivo prejuízo aos cofres públicos não constitui elemento essencial do crime previsto no

artigo 89 da Lei nº 8.666/93, o qual tipifica delito formal e de perigo abstrato, de modo que sua consumação se

dá com a mera dispensa ou não-exigência da licitação - em hipótese na qual a lei não tenha autorizado tal proceder.

2. O delito previsto no artigo 89 da Lei de Licitações não exige dolo específico, bastando para

sua caracterização que o agente tenha, livre e conscientemente, atuado no intuito de burlar o procedimento

licitatório nos casos em que a lei não o tenha dispensado e/ou autorizado sua dispensa/inexigência; tal conclusão

decorre não apenas da simples leitura do citado dispositivo legal (que não traz em si qualquer expressão como

'com o fim de', 'com o intuito de', etc.), mas também porque, em casos tais, o desvalor da conduta se esgota no

dolo, sendo desnecessário - ao menos para efeito de sindicar-se a configuração típica - o exame da finalidade

almejada pelo agente quando da dispensa/não-exigência da licitação.

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 36

3. 'A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não

estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena.' (HC

107.409/PE, 1.ª Turma do STF, Rel. Min. Rosa Weber, un., j. 10.4.2012, DJe091, 09.5.2012), devendo o ser tomado

em conta os princípios da necessidade e eficiência, decompostos nos diferentes elementos previstos no art. 59 do

Código penal, principalmente na censurabilidade da conduta.

4. Caso em que a culpabilidade deve ser considerada elevada, na medida em que se trata de réus

que têm ampla possibilidade de comportar-se em conformidade com o direito.

5. Hipótese em que incide a causa de aumento prevista no art. 84, §2º, da Lei nº 8.666/93 para dois

dos três réus.

6. Considerando que a pena privativa de liberdade foi fixada próxima do máximo cominado, a

multa deve ser fixada igualmente em seu valor próximo ao máximo previsto.

7. Segundo recente decisão proferida nos autos do

Habeas Corpus nº 126.292/SP, datada de 17/02/2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu possível

iniciar a execução da pena após a confirmação da sentença em segundo grau, afastada a hipótese de ofensa ao

princípio constitucional da presunção da inocência. Esse entendimento foi consolidado nesta Corte no julgamento

dos Embargos Infringentes e de Nulidade nº 500857231.2012.4.04.7002/PR’.

Opostos embargos de declaração, estes foram rejeitados.

Na ocasião, a Corte determinou a execução provisória da pena.

Daí a impetração de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, requerendo-se, liminarmente, a suspensão dos

efeitos do acórdão proferido em sede de apelação criminal e, no mérito, o trancamento da ação penal por atipicidade do fato.

O relator indeferiu liminarmente o pedido. (eDOC 3)

Nesta Corte, o paciente impetrou habeas corpus, para que lhe fosse concedido o direito de aguardar o julgamento

em liberdade.

Ao referido habeas corpus neguei seguimento, com fundamento na Súmula 691 desta Corte. (HC 154.706/RS, de

minha relatoria, DJe 21.5.2018)

Quando ainda pendente de julgamento, o paciente impetrou o presente habeas corpus, por meio do qual aduz que a

defesa de dois dos corréus, Alberi Vargas e Antonio Sérgio Freitas Farias, impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de

Justiça, através do qual alegava a atipicidade da conduta e o acerto da decisão do Juízo de primeiro grau.

O Ministro Sebastião Reis Júnior, relator, concedeu a ordem para restabelecer a sentença e, com isso, absolver os

citados corréus, nos seguintes termos (HC 402.498/RS):

‘Pois bem. A jurisprudência mais recente do Superior

Tribunal de Justiça, firmada a partir do julgamento da APN n. 480/MG, em 29/03/2012, acompanhando o

entendimento do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal (Inq n. 2.482/MG, julgado em 15/9/2011), assevera

que a consumação do crime do art. 89 da Lei n. 8.666/1993 exige a demonstração do dolo específico, ou seja, a

intenção de causar dano ao erário e a efetiva ocorrência de prejuízo aos cofres públicos, decorrente da contratação

com dispensa ou fraude na licitação’. (eDOC 2, p. 6)

No presente writ, a defesa sustenta que a decisão do Superior Tribunal de Justiça deve alcançar o paciente,

exatamente porque foi fixada uma tese, segundo a qual a caracterização do crime de dispensa indevida de licitação exige a

presença do dolo e o dano ao erário.

É o relatório.

Decido.

Registre-se, de início, que não foi interposto agravo contra a decisão de relator no STJ.

Todavia, verifico constrangimento ilegal manifesto, a autorizar a superação da Súmula 691 desta Corte.

Com efeito, verifico que o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar habeas corpus de dois dos réus, concedeu a

ordem para restabelecer a sentença e, com isso, absolvê-los, conforme relatado.

Mais a mais, esta Suprema Corte tem entendido que não basta o dolo genérico, consistente na vontade consciente de

dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses legais. Exigese a demonstração de uma específica intenção de lesar o erário.

Nessa linha:

‘Ação penal. Dispensa de licitação (art. 89, caput e parágrafo único, da Lei nº 8.666/93). Tomada de preço.

Contratos de locação de veículos. Termos aditivos. Prorrogação do prazo de vigência. Alegada violação do art. 57

da Lei nº 8.666/93. Ausência de dolo. Fato atípico. Ordenação de despesas não autorizadas (art. 359-D do Código

Penal). Acusado que, à época dos fatos, não mais detinha qualquer poder para ordenar as despesas em questão. Ação

penal improcedente. 1. O tipo penal do art. 89 da Lei n° 8.666/93 pressupõe, além do necessário dolo simples

(vontade consciente e livre de contratar independentemente da realização de prévio procedimento licitatório), a

intenção de produzir um prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento indevido da licitação. 2. Não se

vislumbra, na conduta dos acusados de firmar termos aditivos, prorrogando a vigência de contratos de locação de

veículos precedidos de licitação na modalidade de tomada de preços, o dolo de causar prejuízo ao erário.

Atipicidade do fato reconhecida. 3. Uma vez que o acusado, à época dos fatos, não detinha mais poderes para ordenar

despesas não autorizadas por lei, está provado que não concorreu de qualquer forma para o crime descrito no art.

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Informativo 920-STF (25/10/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 37

359-D do Código Penal. 4. Ação penal julgada improcedente’. (AP 700, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, j.

23.2.2016, grifei)

No mesmo sentido: Inquérito 2.646/RN, Rel Min. Dias Toffoli; Inquérito 3.077, Relator Min. Dias Toffoli; Ação

Penal 409, Relator Min. Carlos Britto; Inquérito 2.588, Redator para acórdão Min. Luiz Fux; e Ação Penal 527, Rel. Min.

Dias Toffoli.

Esse posicionamento visa a estabelecer uma necessária distinção entre o administrador probo que, sem má-fé, aplica

de forma errônea ou equivocada as intrincadas normas de dispensa e inexigibilidade de licitação, previstas nos artigos 24 e

25 da Lei 8.666/93, daquele que dispensa o certame que sabe ser necessário na busca de fins espúrios.

Como dito, o simples cotejo das compreensões jurídicas do Supremo Tribunal Federal com aquela que prevaleceu

no ato apontado originariamente como coator, sobre a exigência de especial fim de agir (por alguns denominado dolo

específico) para a configuração da tipicidade subjetiva do delito previsto no art. 89 da Lei 8.666/93, demonstra que o Tribunal

Regional Federal da 4ª Região não seguiu a compreensão desta Suprema Corte, o que é causa bastante para obstar o imediato

cumprimento da pena privativa de liberdade.

Ante o exposto, concedo a ordem, a fim de restabelecer a sentença de primeiro grau e determinar a absolvição do

paciente” (Relator o Ministro Gilmar Mendes, julgado em 13/6/18).

Perfilhando esse entendimento, cito os seguintes julgados:

“PROCESSO PENAL. INQUÉRITO. ENVOLVIMENTO DE PARLAMENTAR FEDERAL. CRIME DE

DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO (ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93).

AUDIÇÃO PRÉVIA DO ADMINISTRADOR À

PROCURADORIA JURÍDICA, QUE ASSENTOU A

INEXIGIBILIDADE DA LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO DOLO. ART. 395, INCISO

III, DO

CPP. INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO

PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA” (Inq 3.753/DF, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de

30/5/17).

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. PREFEITO. DESMEMBRAMENTO DO PROCESSO. LICITAÇÃO.

INEXIGIBILIDADE. CRIME DO ARTIGO 89 DA LEI 8.666/93.

DOLO. AUSÊNCIA DE PROVA ACIMA DE DÚVIDA

RAZOÁVEL. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ABSOLVIÇÃO”

(AP nº 580/SP, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe de 26/6/17).

“Ação Penal. Ex-prefeito municipal que, atualmente, é deputado federal. Dispensa irregular de licitação (art. 89,

caput, da Lei nº 8.666/93). Dolo. Ausência. Atipicidade. Ação penal improcedente” (AP nº 559/PE, Primeira Turma, de

minha relatoria, DJe de 31/10/14).

“Ação Penal. Ex-prefeito municipal. Atualmente, deputado federal. Dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das

hipóteses previstas em lei (Art. 89, da Lei nº 8.666/93). Ausência do elemento subjetivo do tipo. Pedido julgado improcedente,

com a absolvição do réu com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal” (AP nº 527/PR, Tribunal Pleno, de

minha relatoria, DJe de 4/4/11).

Diante dessas considerações, por entender que a denúncia não apontou elementos mínimos que demonstrassem o dolo na prática do delito

definido no art. 89 da Lei nº 8.666/93, consistente na dispensa irregular de licitação, peço a mais respeitosa venia ao Ministro Celso de Mello para

prover o agravo regimental e conceder a ordem de habeas corpus para trancar a ação penal em relação à agravante. É como voto. *Acordão pendente de publicação no DJe.

Supremo Tribunal Federal - STF

Secretaria de Documentação – SDO


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