Índice
Resumo ................................................................................................................................. 1
Palavras-chave....................................................................................................................... 1
Abstract ................................................................................................................................. 2
Key-words ............................................................................................................................. 2
1.Introdução .......................................................................................................................... 3
2. Objectivo ........................................................................................................................... 3
3. Método ............................................................................................................................. 4
4. Das alterações genéticas à criminalidade ........................................................................... 4
4.1. Aspectos neurofisiológicos .......................................................................................... 5
4.2. Anomalias cromossómicas .......................................................................................... 6
4.3. A testosterona ............................................................................................................ 7
4.4. O sistema serotoninérgico........................................................................................... 8
4.5. A Monoamino Oxidase ...............................................................................................10
4.6. Outros moduladores do comportamento ...................................................................11
5. Quantitative Trait Locus ....................................................................................................13
6. Comentário final ...............................................................................................................13
7. Agradecimentos ................................................................................................................14
8. Bibliografia .......................................................................................................................15
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Resumo
Nos últimos anos a Genética Comportamental tem evidenciado alterações genéticas com
repercussões no comportamento agressivo, violência, e até, na criminalidade, em geral. Este trabalho
propõe-se a uma revisão bibliográfica dos recentes desenvolvimentos, com discussão das
implicações dos avanços nesta área. Anomalias cromossómicas, como o cromossoma Y
supranumerário, têm sido associadas à impulsividade e a formas de criminalidade mais agressivas,
porém tendo como possível viés o défice cognitivo dos mesmos indivíduos. A relação do nível dos
androgénios com a agressividade está mais bem estabelecida nos animais; em humanos há evidência
de uma potenciação do comportamento violento pelos mesmos, em que polimorfismos nos
receptores hormonais apresentam implicações fenotípicas. O sistema serotoninérgico, relacionado
com várias patologias psiquiátricas, tem sido amplamente investigado, nomeadamente no que
concerte à disponibilidade da serotonina e precursores no sistema nervoso, variações alélicas com
influência na síntese, transporte e nos receptores serotoninérgicos. A Monoamino Oxidase,
responsável pela oxidação de aminas biogénicas e da dieta, apresenta igualmente vários
polimorfismos, como a monoamino oxidase A, em que associados a determinados factores
ambientais potenciam o comportamento agressivo. Têm sido apontados como outros potenciais
genes candidatos os relacionados com a dopamina, catecol-O-metiltransferase, óxido nítrico, ácido
gama aminobutírico e neuropéptido Y. O recente desenvolvimento das técnicas de análise genéticas
possibilitaram uma abordagem alternativa, em que se parte do fenótipo para o genótipo
(Quantitative Trait Locus), permitindo ainda o estudo de vários polimorfismos conhecidos como um
todo. A Genética Comportamental perspectiva desenvolver novos métodos auxiliares na área da
criminologia (diagnósticos, preventivos, reabilitativos). Todavia é necessário continuar o incremento
do conhecimento na área, sendo ainda fundamental ter sempre patente que os testes genéticos, a
virem a ser aplicados, não devem ser encarados de forma determinística (colidindo com o conceito
de imputabilidade), já que o comportamento agressivo e criminal resulta da interacção do
património genético com o ambiente.
Palavras-chave
Genética comportamental, Androgénios, Serotonina, Monoamino oxidase, Quantitative Trait
Locus, Imputabilidade.
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Abstract
In recent years the Behavioral genetics has shown that some genetic alterations have impact
on aggressive behavior, violence, and even in crime in general. This paper proposes to a review of
recent developments, with discussion of the implications of advances in this area. Chromosomal
abnormalities, such as supernumerary Y chromosome, have been associated with impulsivity and
aggressive crime, but they have the cognitive deficit as a possible bias. The relationship between the
androgens’ levels and aggression is well established in animals; in humans there is an evidence of
violent behavior’s potentiation by them, in which hormone receptor polymorphisms have phenotypic
implications. The serotonin system is connected with many psychiatric disorders and it has been
widely investigated - serotonin and its precursor’s availability in the nervous system, influenced by
allelic variations in production, transport and serotonin receptors. The Monoamine Oxidase,
responsible for the oxidation of biogenic and diet amines, also presents several polymorphisms, such
as monoamine oxidase A, that potentiate aggressive behavior, linked to some environmental factors.
Genes related to dopamine, catechol-O-methyltransferase, nitric oxide, gamma aminobutyric acid
and neuropeptide Y have been mentioned as possible candidate genes. The recent technical
development of genetic analysis allowed an alternative approach, from the phenotype to the gene
(Quantitative Trait Locus), allowing the study of several known polymorphisms as a whole. The
Behavioral Genetics has the perspective of developing new helper methods in criminology’s field
(diagnostic, preventive, rehabilitative). However, it is necessary improving the knowledge in this area
and it is still critical to have always present that genetic testing, if applied, should not be seen in a
deterministic way (colliding with the concept of liability), because either aggression as the criminal
behavior are consequence of the interplay of genetic heritage with environment.
Key-words
Behavioral genetics, Androgens, serotonin, monoamine oxidase, Quantitative Trait Locus,
Liability
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1. Introdução
A investigação na área da Genética Comportamental tem enveredado pela pesquisa de
factores biológicos que, interagindo com os factores ambientais, podem condicionar a variedade
interpessoal do comportamento humano.1,2 Os recentes avanços tecnológicos, compreendendo o
domínio de novos e desenvolvidos instrumentos, nomeadamente, no campo da avaliação
imagiológica cerebral e no campo da análise de ADN, têm estimulado a investigação na pesquisa de
candidatos a marcadores biológicos do comportamento humano3,4, designadamente naqueles que
possam influenciar o comportamento anti-social, violento e criminal.5 Relativamente a este aspecto,
têm sido apontados como genes candidatos a esta predisposição, ou potenciação, alguns associados
à acção da testosterona, da serotonina e da MAO, entre outros.1,6-10
A Genética Comportamental é, assim, uma disciplina emergente, com potenciais aplicações
na área criminal.11 Futuramente, decorrente de um maior conhecimento neste ramo, que interessará
não só à genética e neurociências, como à saúde pública, saúde mental, medicina legal, psicologia,
criminologia e direito, entre outras áreas do saber, poderão surgir mais ferramentas e
procedimentos que permitam aos técnicos destas áreas pronunciarem-se sobre a concordância
probabilística do perfil biopsicológico de um arguido com os actos criminais que lhe são imputados.
Também no campo da intervenção preventiva e da reabilitação criminal, bem como da segurança,
este conhecimento poderá proporcionar a definição de acções mais dirigidas e eficazes. Note-se,
contudo, que estarão sempre em causa valores éticos e deontológicos, pelo que nunca deverá ser
descurada a necessidade de confidencialidade, rigor, responsabilidade e de uma atitude preventiva
face a possíveis interpretações deterministas e redutoras do potencial desta área de investigação.11
2. Objectivo
Dada a importância e actualidade do assunto em causa pretende-se, através da revisão
bibliográfica dos recentes desenvolvimentos da área da Genética Comportamental, relacionados com
o comportamento criminal, assinalar os principais aspectos das aquisições mais recentes do
conhecimento nesta área, realçando e discutindo as suas futuras implicações não só em termos da
saúde como em termos éticos e legais tanto para vítimas como para indivíduos violentos e
considerados como potenciais ou efectivos criminosos.
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3. Método
Nesta revisão bibliográfica procedeu-se à consulta do livro de texto referido na 56ª
referência bibliográfica, dos documentos disponíveis no sítio online da World Health Organization e
das publicações online sobre o tema nas seguintes bases de dados: Pubmed, ScienceDirect, The
American Journal of Psychiatry, Journal of Psychiatry & Neuroscience (Canadian Medical Association),
Journal of Biobehavioral Medicine (The American Psychosomatic Society). Efectuou-se a pesquisa sem
limite de janela temporal (até Março de 2010), consultando artigos de revisão e de investigação
científica, em humanos ou animais, com abstracts ou artigos completos disponíveis, sem outros
limites estabelecidos. Utilizaram-se os seguintes termos isolados e em combinação nos motores de
busca supracitados: genetics, violence, agressive behavior, offenders, frontal lobe, crime, 5-HT, MAO,
testosterone, dopaminergic, COMT, QTL, NO, GABA, genetic tests, Neurobiological determinism.
4. Das alterações genéticas à criminalidade
A violência intencional e interpessoal refere-se a um comportamento voluntário, directo ou
indirecto, que surge num contexto de interacção ou relação entre duas (ou mais) partes envolvidas,
em situação de desigualdade de poder, e que se caracteriza pelo uso da força, coacção ou
intimidação, de carácter individual ou colectivo, comportando vários graus de gravidade e atingindo
a vítima nas suas necessidades, integridade física e moral, nos seus bens e/ou nas suas participações
simbólicas e culturais, causando prejuízo, dano e sofrimento.12,56 Assenta em níveis diversos como a
fé, a liberdade ou a integridade física, constituindo um ataque ao exercício de um direito
reconhecido como fundamental ou a uma concepção do desenvolvimento humano possível num
dado momento, ou seja, comporta sempre uma violação.12,56
A violência desde sempre integrou a experiência humana (provável vantagem evolutiva,
motivo pelo qual se perpetuou),13 o que não implica uma perspectiva de conformismo a respeito da
mesma. A violência é, ainda nos dias de hoje, em todo o mundo, uma causa significativa de
morbilidade e mortalidade. Por conseguinte, seu estudo revela-se importante, nomeadamente
enquanto objecto de interesse em disciplinas médicas como saúde pública, saúde mental ou
medicina legal. A pertinência deste objecto de estudo é evidenciada pela potencial aplicação do
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conhecimento na prevenção da violência, reconhecimento e reabilitação de agressores, bem como
na protecção das vítimas.14
A agressão é um comportamento social complexo, em que é manifesta a intenção de infligir
dano (ou outras experiências desagradáveis) sobre outro indivíduo. Esta ocorre enquanto
acontecimento episódico, ou constituiu a forma normal de reacção do indivíduo, podendo ser
explicada à luz de determinadas psicopatologias. Compreende comportamentos heterogéneos, quer
na fenomenologia clínica, quer nas suas características neurobiológicas.15
O comportamento agressivo e criminal pode ser compreendido através de diversas
explicações no âmbito da psicologia, da dinâmica social e da biologia, incluindo a genética, relevada
neste trabalho.16,17,18
A esmagadora maioria dos investigadores da área está de acordo quanto à dificuldade de
predição do comportamento criminal violento. No entanto são descritos vários factores de risco,
tanto a nível psicológico (e.g., perturbações de personalidade, alterações do humor, dependências
etílica e de estupefacientes), como social (e.g., problemas familiares, insucesso escolar, desemprego,
marginalidade), ou a nível situacional e biológico (estes últimos não pesquisados por rotina).19
4.1. Aspectos neurofisiológicos
Os estudos de indivíduos com lesões cerebrais específicas contribuíram para o avanço no
conhecimento da neurobiologia no âmbito da agressão impulsiva.66 Lesões no córtice pré-frontal
(CPF) medial, orbital, e nas áreas cerebrais relacionadas, incluindo a amígdala, foram associadas ao
desenvolvimento de comportamento agressivo e impulsivo, acoplados à diminuição do controlo
emocional e à inconsciência das implicações das acções do próprio indivíduo.15,20,64,66,70 Deste modo
se compreende que lesões no CPF orbital se correlacionem com tendência para desrespeitar os
princípios morais e sociais, por vezes, até infringindo a lei.67
Apesar da dificuldade de realizar estudos em humanos que estabeleçam cabalmente a
relação entre patologia no lobo frontal (traumática ou neurodegenerativa) e o seu contributo para o
comportamento violento e criminal (condicionados por questões éticas óbvias), a investigação
neuropsicológica realizada corrobora sua existência.68 Também a presença de sinais, ou de alterações
electroencefalográficas, sugestivos de anormalidades no LPF, está aumentada em indivíduos com
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comportamento violento, porém tais alterações documentadas não explicam de que forma as
mesmas se repercutiram no comportamento aquando do alegado crime.68 Tem sido ainda
correlacionada a diminuição espacial (neuroimagiologia) e funcional (PET, Positron emission
tomography) do LPF com algumas psicopatologias e estados mentais que podem predispor ao
comportamento agressivo.68 Portanto, de um modo global, as alterações no LPF têm sido associadas
a maior manifestação de agressividade, que pode contribuir para o desenvolvimento de um
comportamento violento, não obstante sem evidência que essa mesma potenciação esteja associada
à capacidade de evitar praticar actos violentos e criminosos.68
Nos estudos em animais têm-se obtido resultados que suportam a importância do CPF, da
amígdala e da sua interacção, no desenvolvimento do comportamento agressivo. Por exemplo, em
primatas verificou-se a perda do controlo inibitório “afectivo” naqueles que apresentavam lesão no
CPF orbital; em gatos, a estimulação eléctrica da amígdala despoletou comportamento predatório de
ataque.69
As alterações funcionais ou anatómicas nas áreas cerebrais referidas (de forma isolada ou
múltipla), na comunicação entre as mesmas, ou noutras cujas variações se repercutam nas
anteriormente enunciadas, podem aumentar a susceptibilidade para o comportamento agressivo e
violência.15,20 Estudos de potenciais cerebrais relacionados com eventos (método neurofisiológico
não invasivo que avalia o processamento cognitivo em humanos), nomeadamente alterações dos
parâmetros da onda P300, têm sido relacionados com o comportamento agressivo impulsivo.71 Os
neurotransmissores, hormonas, citocinas, enzimas, factores de crescimento, entre outras moléculas
de sinalização, enquanto parte integrante na funcionalidade do sistema nervoso central (CFP e áreas
associadas), surgem como importantes elementos a estudar, no alargamento do conhecimento na
génese do comportamento agressivo e criminal (numa perspectiva biológica).15,20
4.2. Anomalias cromossómicas
As anomalias nos autossomas têm implicações no desenvolvimento mental ou noutras
manifestações gerais. Porém se ocorrerem nos cromossomas sexuais, podem verificar-se
repercussões comportamentais da personalidade, nomeadamente maior propensão para
personalidade anti-social. Por exemplo, cromossomas X supranumerários tendem a surgir associados
a um quociente de inteligência inferior, a comportamentos sexuais agressivos, entre outros
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transtornos psíquicos. Por seu lado, cromossomas Y supranumerários foram associados a maior
impulsividade, agressividade, tendência para o comportamento anti-social, etilismo, tendo recebido
inclusive o epíteto de “o cromossoma do crime” no século passado. No entanto, a associação destas
anomalias à criminalidade pode não estar directamente correlacionada com o aumento significativo
da agressividade, mas antes com o manifesto défice intelectual que caracteriza grande parte destes
indivíduos.21
4.3. A testosterona
Os androgénios desempenham um papel muito vasto no desenvolvimento humano, na
diferenciação sexual, desde a gestação até ao final da vida, diminuindo com o tempo a
preponderância dos mesmos. Exercem acção no eixo gónada-hipotálamo-hipófisário, alargando a sua
influência à maturação e desenvolvimento cerebral e comportamental, principalmente na
adolescência. As reacções emocionais, e a própria actividade do sistema nervoso simpático, estão
sob a influência desta hormona.52
Em vertebrados não humanos a correlação positiva entre a testosterona e o comportamento
agressivo está bem estabelecida. Alguns estudos em vários países evidenciaram relações
significativas entre a testosterona e o comportamento humano.53,54 No entanto a realização de
experiências em humanos não é tão exequível quanto em modelos animais. Adicionalmente o ritmo
circadiano de secreção desta hormona e a variação segundo o sexo e a idade, bem como as
experiências vividas, são factores que podem enviesar os resultados. Por isso, uma relação
causa-efeito não é assumida, tendo sido, não obstante, relevada a complexidade da relação entre a
secreção hormonal e a violência humana, em que pode inclusive haver uma conexão bidireccional
entre estas variáveis.53,54
Apesar da relação causal entre os níveis plasmáticos de testosterona e o comportamento
agressivo não estar definitivamente estabelecida, há evidências de uma potenciação do mesmo e de
que elevados níveis de androgénios aumentam a susceptibilidade individual à frustração, ou
ameaça20, podendo resultar num aumento da agressividade reactiva.
A acção dos androgénios é mediada por receptores que também apresentam polimorfismos
(número de repetições dos tripletos CAG e GGN), sendo que o menor número de repetições de CAG
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tem sido relacionado com o comportamento criminal violento (homicídios) e, também, com a
personalidade anti-social.55
4.4. O sistema serotoninérgico
A serotonina (5-HT, 5-hidroxitriptamina), amina biogénica, é o neurotransmissor mais
amplamente utilizado no cérebro, integrando os neurónios serotoninérgicos várias regiões cerebrais
(córtice, amígdala, hipocampo). O 5-HT desempenha propriedades reguladoras morfogenéticas no
desenvolvimento cerebral precoce, na neurogénese no adulto e na plasticidade cerebral
(proliferação celular, migração e sinaptogénese).15 Além das implicações cognitivas e
comportamentais, este sistema regula os ritmos circadianos e neuroendócrinos, assim como
impulsos primários, como a fome, o sono, e a actividade sexual a fome, o sono, a actividade sexual.22
Diversos estudos em humanos e outros mamíferos evidenciaram o papel da serotonina
enquanto modulador major do comportamento emocional e ainda nas funções cognitivas, no
processamento sensorial e na actividade motora. As repercussões comportamentais podem
manifestar-se por perturbações psiquiátricas minor (impulsividade, hostilidade, irritabilidade,
violência, traços de personalidade anti-social, borderline, narcisista, histriónica), ou major
(comportamento suicida, piromania, comportamento agressivo marcado, bulimia, uso excessivo de
álcool, ou estupefacientes).15,22,23
Atendendo à multiplicidade de funções deste neurotransmissor, é expectável o complexo
sistema de comunicação neuronal, mediado por várias unidades e subunidades constituintes dos
receptores pré e pós-sinápticos, regulado por várias enzimas envolvidas na síntese e transporte da
serotonina.15
O primeiro passo na biossíntese de 5-HT nos neurónios é catalisado pela enzima triptofano
hidroxilase (TPH). A disponibilidade de L-triptofano e a actividade da TPH, dos transportadores e
receptores da 5-HT têm sido implicadas em várias perturbações comportamentais.15,22 Níveis
plasmáticos de L-triptofano elevados, enquanto reflexo da ineficiência da metabolização do
precursor da serotonina, foram relacionados com a agressividade em indivíduos anti-sociais.24
Mutações/variações genéticas com influência na actividade da TPH, como a substituição 218A/C no
intrão 7, no gene da TPH, estão associados a patologias do humor e da ansiedade.25
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Estudos visando a caracterização do transportador (5-HTT) e das suas regiões reguladoras,
evidenciaram um polimorfismo na região promotora (5-HTTLPR) e na região 5-HTTVNTR, no segundo
intrão. Variações alélicas com repercussões funcionais no 5-HTT podem desempenhar um papel na
modulação do comportamento humano e patologias psiquiátricas.22,26,27 No seguimento da
identificação do polimorfismo 5-HTTLPR foram relevados dois alelos, o S (short) e o L (long), em que
o primeiro está associado a maior propensão para emoções negativas, ansiedade, depressão e para a
agressividade.16,28
Na mesma lógica, os vários polimorfismos nos receptores da 5-HT29 podem estar envolvidos
em patologias do comportamento.16 O polimorfismo no 5HTR2A, − 1438 A/G, foi relacionado com
perturbações afectivas sazonais e os ritmos sazonais no humor e comportamento (em sul-
coreanos).30 Foi sugerida a associação do alcoolismo e comportamento anti-social com o
polimorfismo G861C do gene HTR1B do receptor de serotonina 5-HT1B.15 Vários outros
polimorfismos com eco no comportamento e patologias psiquiátricas foram identificados: _1019C/G
no promotor do gene do 5-HTRA27, ainda no 5-HTR2A o silenciamento 102C/T e a _1338A/G no
promotor.16
De facto, vários estudos correlacionam o comportamento agressivo e a diminuição da
actividade serotoninérgica central.15 Níveis extracelulares de serotonina cerebrais, concretamente no
córtice pré-frontal, reflectem-se em uma desinibição do comportamento. O metabolito da
serotonina 5-HIAA diminuído no LCR está associado ao comportamento impulsivo e agressivo. A
quantidade do metabolito no LCR é proporcional à quantidade de serotonina extracelular no SNC. A
densidade do receptor 5-HT2A no SNC (estimada pelo potencial de ligação do receptor 5-HT2A,
medido por PET) é inversa à disponibilidade serotonina extracelular, pelo que o aumento da
densidade do referido receptor está relacionado com a depleção da mesma. Os índices de densidade
deste último são influenciados pelo uso de antidepressivos e episódios depressivos major, o que
enviesa os estudos realizados com a finalidade de estabelecer relação entre a densidade do mesmo e
a agressividade.20
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4.5. A Monoamino Oxidase
A monoamino oxidase (MAO) é responsável pela oxidação de aminas biogénicas e da dieta.31
Exercem a sua actividade catalítica, a nível do SNC, nas mitocôndrias das extremidades neuronais
pré-sinápticas, desempenhando um papel fulcral na libertação e degradação da dopamina, da
serotonina e da norepinefrina, intervindo na regulação das mesmas.32,33
Existem duas formas de MAO, a A, que oxida preferencialmente a serotonina, importante
durante desenvolvimento cerebral, enquanto a B oxida preferencialmente a feniletilamina, com
actividade mais importante após o nascimento.31,34 A MAO A regula o metabolismo dos
neurotransmissores serotonina, dopamina, norepinefrina, pelo que modula o controlo emocional,
bem como as funções cerebrais em geral.65 Dadas as suas propriedades catalíticas sobre os
neurotransmissores, a nível central, despertou o interesse para o estudo das suas implicações no
comportamento humano, em várias patologias psiquiátricas e nas respectivas intervenções
farmacológicas (inibidores da MAO no tratamento de patologia depressiva).32,35,36 O estudo destas
enzimas foi intenso, e com o desenvolvimento da biologia molecular, os genes da MAO A e B foram
inclusive clonados e sequenciados.36,37 Os genes mencionados estão localizados no braço curto do
cromossoma X, entre as bandas Xp11.23 e Xp11.4.33 Vários estudos associaram as variações
genotípicas da MAO com a variabilidade interpessoal da agressividade.38,16
O gene MAO A apresenta vários polimorfismos: repetição de dinucleótido no exão 2 (CA di-
repeat), 23 pares de bases VNTR no exão 1, fragmento de restrição do ADN (Fnu4HI e o EcoRV). Foi
ainda descrito um polimorfismo localizado no promotor do gene MAO A, com 30pb. Recorrendo à
PCR foram identificados fragmentos com 2, 3, 3.5, 4 e 5 cópias da sequência. Os alelos com 3,5 ou 4
repetições apresentam uma transcrição 2 a 10 vezes mais eficiente (high), comparativamente aos
com 2, 3 ou 5 cópias de repetições (low).33,34,39,40,41 Nos últimos anos o polimorfismo funcional (VNTR)
no promotor do gene da MAO A foi bastante estudado e o genótipo low MAO A foi associado ao
comportamento impulsivo, quando acoplado a factores stressores ambientais na infância (interacção
gene ambiente, o genótipo influencia a sensibilidade das crianças à agressão do ambiente), tal
relação não se verificou na vida adulta.32,34,35,42 A manifestação de traços de agressividade na
personalidade poderá estar mais relacionada com os níveis de MAO A, in vivo, do que propriamente
com o genótipo high ou low,65 o que corrobora a preponderância da interacção do genótipo com o
meio.
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11 | P á g i n a
Estudos realizados recorrendo à imagiologia cerebral, através de ressonância magnética,
evidenciaram a associação do genótipo low à redução do volume límbico, à hiperreactividade
amigdalina face ao stress emocional e à diminuição da regulação pré-frontral, observações que
corroboram a associação da variante low ao risco de comportamento agressivo. Indivíduos do sexo
masculino com a variante low foi ainda relacionado com alterações no volume orbito-frontal,
hiperreactividade amigdalina e do hipocampo face a recordações adversas e com activação
comprometida do cíngulo durante a inibição cognitiva.34 Foram identificadas diferenças no circuito
límbico da regulação das emoções e da cognição que podem estar envolvidas na associação da MAO
A com a agressão impulsiva, e sugeridos efeitos no sistema nervoso devidos à inactivação do X,
potenciais alvos da aproximação biológica no estudo da violência.16
Os referidos polimorfismos foram implicados nas doenças do humor, na agressividade, no
suicídio e no quociente de inteligência.33,39,40 Há a evidência de que o comportamento agressivo é
mais frequente quando a actividade da MAO está diminuída. Estudos com ratinhos MAO A knock-
out, ou com ratinhos fêmeas gestantes tratadas com clorgilina (inibidor MAO A) e deprenil (inibidor
MAO B) suportaram a referida evidência.32 A inibição da MAO durante o desenvolvimento apresenta
repercussões comportamentais sobreponíveis com as observadas na ablação do gene MAO, em
estudos com animais.37
Na investigação da actividade da MAO B, alguns estudos sugerem a baixa acção da mesma
com uma desinibição do comportamento humano.43 Saliente-se que a disrupção do gene MAO B, em
animais, resulta num aumento da feniletilamina, mas não da serotonina, norpepinefrina ou
dopamina.31
4.6. Outros moduladores do comportamento
Várias linhas de evidência indicam que a neurotransmissão dopaminergica está envolvida na
regulação da agressão impulsiva e da violência, relacionando-as com a variabilidade da expressão de
genes dopaminérgicos. Estudos sugeriram o envolvimento do polimorfismo nos genes do receptor
dopaminérgico D3 com a regulação da impulsividade e alguns aspectos da ADHD (Attention-Deficit
Hyperactivity Disorder) relacionados com o comportamento violento.44
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Há evidências da associação da agressividade em crianças com polimorfismo do receptor D4,
em que a variabilidade da susceptibilidade da criança à falta de afecto materno e manifestação de
agressividade se relaciona com o polimorfismo DRD4, havendo 7 repetições. É expresso
significativamente no sistema límbico, o que o associa a características temperamentais da
personalidade.16
O polimorfismo VNRT na região 3’ do exão 15 do gene SLC6A3, que codifica o DAT
(transportador da dopamina), foi estudado a fim de se averiguar a sua contribuição na
susceptibilidade individual para o comportamento agressivo e criminal. Os resultados apontaram que
o alelo com 9 repetições confere aumento da susceptibilidade para a agressividade e para o
comportamento anti-social.45 Também foi observada uma correlação positiva entres os
polimorfismos dos genes DRD2 e DAT1 em adolescentes com violência patológica.46
A COMT, catecol-O-metiltransferase está envolvida na degradação de catecolaminas a nível
do sistema nervoso central, incluindo a dopamina, pelo que se compreende a sua influência no
funcionamento do córtice pré-frontal (cognição, e, por conseguinte, no comportamento). Vários
estudos têm-na associado ao desenvolvimento de doenças psiquiátricas (e.g., esquizofrenia, doença
bipolar), e, ainda, à propensão para a dependência/abuso de substâncias psicoactivas.47
A COMT apresenta os polimorfismos Val158Met (alelo valina, maior actividade enzimática),
Ala146Val no exão 4, e outro na região reguladora do exão 6, candidatos a moduladores do
comportamento. Estudos comparativos dos polimorfismos da COMT entre indivíduos saudáveis e
com o diagnóstico de personalidade anti-social indicam que, de facto, a COMT desempenha um
papel significativo na variabilidade interpessoal da predisposição para o comportamento agressivo
em indivíduos sem patologia psiquiátrica grave.48
O neurotransmissor óxido nítrico (NO),63 o ácido gama aminobutírico (GABA) e o
neuropéptido Y, também têm sido implicados na regulação do comportamento agressivo.49 A título
de exemplo, em humanos, polimorfismos no gene que codifica a sintase do NO têm sido associados a
traços de personalidade relacionados com a impulsividade, ao aumento da agressividade e do
suicídio.63,49
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5. Quantitative Trait Locus
A análise Quantitative Trait Locus (QTL) integra-se numa estratégia de estudo em que se parte
do fenótipo para o genótipo, isto é, inicia-se o estudo com base num fenótipo (comportamento
agressivo) procurando-se identificar regiões cromossómicas, e alelos nessas regiões, cuja variação
quantitativa tenha repercussões no fenótipo. Esta análise é um complemento às cuja estratégia parte
dos genes para os fenótipos.50
O contributo da hereditabilidade e da genética no comportamento agressivo está bastante
estudado e a relação estabelecida, não obstante tem havido muito pouco sucesso no mapeamento
de QTLs (identificadas nos cromossomas 10 e X), o que pode dever-se a várias razões: à
multiplicidade e complexidade de genes envolvidos e da sua interacção com o ambiente, ao facto de
alguns genes contribuírem em pouca medida para o fenótipo, o que dificulta a interpretação dos
resultados, ou à necessidade de aperfeiçoamento da técnica, com estudos em maior número de
indivíduos.50
Nesse sentido tem-se demonstrado fundamental o avanço da tecnologia e do conhecimento
do genoma humano, nomeadamente no âmbito da recombinação e sequenciação de DNA, incluindo
o uso de single nucleotide polymorphisms (SNPs), DNA microarrays, PCR em tempo real,
espectometria, Knockout de genes, estratégias de linkage disequilibrium.16
Alguns estudos têm relacionado vários polimorfismos entre si, como um todo que influencia
a personalidade, actuando como QTLs, como o recente estudo, recorrendo a um método de
genotipagem ECA (electrochemical DNA array chip), da relação de polimorfismos na MAO-A, COMT,
DRD2, DRD3 e traços de personalidade em mulheres japonesas.51
6. Comentário final
Alguns autores advogam que o comportamento criminal violento é substancialmente
condicionado por defeitos neurobiológicos, perspectiva estreitamente relacionada com o
determinismo, em detrimento da valorização da liberdade e responsabilidade de escolha, o que
colide com conceitos nos quais se baseiam a lei criminal, como o da culpa, da responsabilidade e da
imputabilidade.57,58,64 Os trabalhos desses mesmos autores revelaram algumas falhas metodológicas
e, não raras vezes, ausência de fundamentação empírica.57,58 De facto, a evidência científica refere-se
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ao comportamento agressivo e violento como o resultado da interacção do património genético com
o ambiente, abarcando os conceitos de plasticidade e adaptabilidade cerebrais, bem como o da
epigenética.59
O uso de testes genéticos revolucionou áreas como a identificação de indivíduos a partir de
material biológico, ou a confirmação da paternidade. Estes testes apresentam potencial
aplicabilidade na confirmação ou predição probabilística, feita a partir de condições genéticas, em
outros contextos (legais, criminais, civis, sociais, laborais, económicos). No contexto forense, o uso
de dados genéticos e da forma como influenciam a conduta pode apresentar um desafio a conceitos
legais como os acima enunciados (tanto maior quanto mais preponderar uma perspectiva
determinística), incorrendo-se no risco de despoletar discriminação, ou levantar questões
relacionadas com as implicações do conhecimento da informação genética (revelarem-se dados que
poderão, além do preconceito, comprometer a privacidade e direitos dos familiares dos indivíduos
testados). Sendo pertinente ainda a discussão quanto ao consentimento da recolha da mesma
informação. A decisão do recurso a dados de testes genéticos ou à informação genética deve ter em
consideração o valor científico e probatório dos mesmos, entendendo-se os resultados como
indicativos, sempre em termos probabilísticos, não determinísticos.60
A natureza multifactorial do comportamento agressivo, e da violência, faz antever a
dificuldade e complexidade na elaboração de uma estratégia diagnóstica, profilática e terapêutica
com base nos conhecimentos genéticos. A terapia genética está ainda longe de ser uma realidade e,
para além dos factores de risco, é necessário compreender melhor o processo neurobiológico de
modo integrado. Os estudos dos últimos anos, nomeadamente na identificação de vários
polimorfismos com repercussões, têm sido um contributo para o alargamento desse mesmo
conhecimento. 16, 61, 62
7. Agradecimentos
Tece-se os sinceros agradecimentos aos Exmos. Professores Doutores Teresa Magalhães e
Fernando Barbosa pela disponibilidade e colaboração essenciais para a realização deste trabalho.
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