IMPACTO DA REFORMA GERENCIAL NA ORGANIZAÇÃO DO
TRABALHO PEDAGÓGICO
Coordenadora: Jussara Marques de Macedo
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
E-mail: [email protected]
Eixo Temático 2: Didática, profissão docente e
políticas públicas
Subeixo 3: Políticas públicas, formação
continuada/desenvolvimento profissional docente
RESUMO
O painel resulta de discussões sobre o impacto do gerencialismo no trabalho docente.
Tomamos como pressuposto a crise do capitalismo nos últimos anos do século XX, que
coloca em xeque o modelo de administração pública burocrática, para dar lugar ao
modelo de administração pública gerencial. No Brasil, esta realidade se consubstancia a
partir de 1995, por meio do Ministério da Administração Pública e Reforma do Estado
(MARE). Nossa hipótese é de que o gerencialismo na educação, além de diminuir a
responsabilidade do Estado para com a educação pública, gera precarização e
conformação ética e moral no cotidiano do trabalho docente. Nosso objetivo é analisar o
impacto da reforma gerencial na organização do trabalho pedagógico, em especial no
trabalho docente. Para isso, analisamos o fenômeno para além da aparência, até
chegarmos a “coisa em si”, tomando como objeto de análise o Plano Diretor da
Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995) e a Gestão Integrada da Escola
(GIDE) – implantada pela Secretaria Estadual de Educação e Cultura do Rio de Janeiro
(SEEDUC-RJ), em 2011. Essas iniciativas de reformas gerenciais foram analisadas
tomando por base os fundamentos teóricos e metodológicos que apontam o impacto do
gerencialismo na gestão do trabalho pedagógico. A revisão de literatura sobre o tema e
as fontes empíricas corroboraram a ideia de que a reforma administrativa da educação
pública pautada no ideário gerencialista contribui para o desmonte das políticas públicas
em educação, de modo a alterar drasticamente o trabalho pedagógico, intensificando o
processo de precarização do trabalho docente. Nossa conclusão é de que, uma vez que
na perspectiva gerencialista o trabalhador docente deve ser capaz de gerir seu próprio
trabalho, responsabilizar-se por seu sucesso e, ainda, adquirir capacidade competitiva
entre seus pares, de modo a alcançar objetivos e metas estipulados heterononimamente,
temos como consequência a desprofissionalização do trabalho pedagógico.
PALAVRAS-CHAVE: Reforma do Estado; Gestão Educacional; Trabalho Docente.
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7565ISSN 2177-336X
REFORMA GERENCIAL DO ESTADO E SEUS IMPACTOS NA
GESTÃO DO TRABALHO DOCENTE
Jussara Marques de Macedo (UFRJ)
RESUMO
O debate educacional dos anos de 1990, no Brasil, pautou-se no compromisso de
atender às exigências de formação apresentadas pelos organismos internacionais como o
Banco Mundial (BM), com vista ao contexto da reestruturação produtiva e da
globalização da economia. O período foi fecundo em termos da formulação de políticas
educacionais, modificando, significativamente, o sentido do trabalho docente. Isso,
possibilitado pela reforma gerencial de 1995, cuja a ideia de atuação estatal se regula
por meio de uma “administração pública gerencial”, basicamente, por se concentrar nos
resultados. Nosso objetivo foi analisar as mutações referentes à realização do trabalho
docente a partir da reforma gerencial brasileira do ano de 1995, apresentada pelos
teóricos do capital, como única saída possível para promover, dentre outras coisas, uma
gestão por resultados na educação. Para isso, nos utilizamos da metodologia pautada no
materialismo histórico dialético, uma vez que permite a compreensão da essência do
fenômeno observado por meio do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
(BRASIL, 1995), material empírico que permitiu compreender as mutações
materializadas em relação ao trabalho docente. Trata-se ainda de uma pesquisa de
caráter bibliográfico com análise documental e enfoque qualitativo. Como resultado,
salientamos que a reforma na educação é fruto das modificações nos paradigmas
políticos, econômicos e jurídicos que provocaram uma nova forma de gestão
educacional, pautada na lógica do gerencialismo e, fundamentada nos princípios da
racionalidade administrativa, do planejamento, do orçamento, da descentralização, do
controle e dos resultados. Diante disso concluímos que o trabalho docente, hoje, é
moldado pela lógica da “participação cidadã” dos docentes. Nesta lógica, o gestor passa
a ser o “controlador” do trabalho docente cuidando para que os padrões de sucesso,
eficiência, eficácia, produtividade e a competitividade sejam garantidos, como prevê a
gestão educacional do tipo gerencialista.
PALAVRAS-CHAVE: Gestão Educacional; Reforma gerencial; Trabalho Docente
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REFORMA GERENCIAL DO ESTADO E SEUS IMPACTOS NA
GESTÃO DO TRABALHO DOCENTE
Jussara Marques de Macedo1
O artigo é fruto de pesquisa vinculada às mudanças experimentadas na
educação, em especial na gestão do trabalho docente, a partir dos anos de 1990 que
provocaram mudanças substanciais na prática desse trabalhador. Nossa finalidade foi
verificar em que medidas o processo de reestruturação produtiva e da globalização da
economia, em todo mundo, imprimiu novos paradigmas para as políticas educacionais
e, consequentemente, para o trabalho docente. Até que ponto o discurso oriundo dos
organismos internacionais de culpabilização do professor pelo fracasso do aluno, tem
servido para desresponsabilizar o Estado de suas funções sociais com a educação? De
que forma contribuiu, também, para implementação da reforma dos sistemas públicos
de ensino? A hipótese é que as propostas para o trabalho docente, implementadas pelo
gerencialismo e, colocadas em prática a partir da contrarreforma2 do Estado brasileiro
de 1995, funcionam como estratégia de subordinação e conformação desses
trabalhadores. Para melhor compreender tal processo, nosso objetivo foi estabelecer
relações entre o processo de reestruturação produtiva e a implantação do modelo
gerencialista de administração pública, com as novas exigências para o trabalho docente
a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96).
Metodologicamente, é resultado de uma pesquisa de caráter bibliográfico com
análise documental e enfoque qualitativo, cujo paradigma refere-se ao do materialismo
histórico-dialético por considerar o contexto histórico, fundamental para chegarmos à
essência do fenômeno, analisando-o a partir das categorias da totalidade, da
especificidade e da contradição. Buscamos compreender o fenômeno, qual seja, os
impactos do gerencialismo no trabalho docente, não apenas por meio da aparência, mas
principalmente, na sua essência, com a finalidade de analisar a coisa em si (KOSIK,
1969), principalmente quando nos referimos a precarização do trabalho docente, a
alienação e, consequentemente, ao processo de conformação. Elegemos, também, a
particularidade como elemento contribuinte do fenômeno analisado por compreender
que “[...] neste movimento, é necessário historicizar o particular que assegura à
veracidade à generalidade do conceito. Se abrirmos mão do específico, o conceito se
tornará uma expressão vazia que perde o conteúdo e o contato com a realidade
(CIAVATTA, 2001, p.149).
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O referencial teórico se pautou, principalmente, em autores que discutem a
administração pública gerencial (FALCÃO et al, 2013; BRESSER PEREIRA, 2008,
MOREIRA NETO, 2006; BRESSER PEREIRA. GRAU, 1999) e sua relação com atual
modelo de reestruturação do Estado capitalista e, que apresentam esse paradigma como
sendo o único capaz de solucionar os problemas oriundos do modelo de gestão
burocrática. Tais teóricos apresentam a reforma do Estado brasileiro de 1995 como
única saída possível para promover, dentre outras coisas, uma administração por
resultados. De posse deste referencial teórico, foi possível estabelecer um recorte
histórico que se deu a partir da implementação do Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado (BRASIL, 1995), no governo de Fernando Henrique Cardoso. Com
isso, buscamos elementos que justificam as mudanças na realização do trabalho
docente, desde então. Nesta empreitada nos embasamos, ainda, em referencias de
autores críticos que estudam o fenômeno da reestruturação produtiva (MACEDO, 2011;
ANTUNES, 2003; FRIGOTTO, 2001) e, também, sobre o trabalho docente
(MACEDO.LAMOSA, 2015; MACEDO, 2012; SHIROMA, 2004; CUNHA, 1999).
Para a discussão propriamente dita, partimos do pressuposto de que a
contrarreforma na educação é resultado das modificações dos paradigmas políticos,
econômicos e jurídicos. Passamos do modelo do Estado de Bem-Estar Social, não
plenamente consolidado no Brasil, para o Estado de Direito isso, imposto pelo modelo
de globalização e pela falência de determinadas ideologias estatais que promoveram
uma nova forma dos estados nacionais se reorganizarem, no sentido de prestar serviços
essenciais à coletividade.
Por meio da transformação do Estado, pressionado principalmente pelas
mudanças na sociedade desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, a administração
pública transcendeu no sentido de melhor atender a coletividade. Assim, houve o
resgate liberal da administração pública que se materializou, segundo Moreira Neto
(2006), por meio do fator sociopolítico, que toma a sociedade como um protagonista
necessário para o diálogo democrático e, do fator juspolítico que coloca o
constitucionalismo como instrumento necessário ao novo diálogo liberal. Para Falcão et
al (2013), tais mudanças são resultado, ainda, da revolução dos meios de comunicação
que proporcionou à população maior acesso à informação e a elevação dos índices de
escolarização. Do nosso ponto de vista, entretanto, havia necessidade de ajustamento
dos estados nacionais aos ditames das políticas internacionais, encabeçada pelo Fundo
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Monetário Internacional (FMI) e demais organismos internacionais como o Banco
Mundial (BM).
Na prática, o Estado passa a implementar novos meios de interlocução com a
sociedade, se utilizando de canais formais e informais, para garantir interesses
múltiplos, mas especificamente os do Estado, por meio de um procedimento que se
inicia com o convívio social para alcançar o convívio político. Desta forma, nasce “um
poderosíssimo fator de mudança, diretamente influente sobre a legitimidade das
decisões políticas, denotando uma retomada da ação e da responsabilidade da sociedade
na condução desses processos (FALCÃO et al, 2013, p. 21).
O estado democrático de direito, surgiu após a Segunda Guerra Mundial
impregnado pela lógica de maior participação do indivíduo, deslocando-o para o centro
da vida administrativa. Mais do que isso, pressupunha-se um tipo de administração
pública que estivesse, ao menos no discurso, a serviço do cidadão e da coletividade.
Para isso configurou-se todo tipo de cooperação e colaboração possível para a
materialização de tal fim. Reforça-se, assim, a lógica da “Constituição administrativa”
que visa assegurar o “primado do indivíduo e o da sociedade sobre o Estado”
(MOREIRA NETO, 2006), rompendo, desta forma, com a lógica tradicional de
administração pública onde o Estado, com sua supremacia pautada no princípio jurídico,
valorizava o interesse público sobre o particular. Assim, a atuação da administrativa
contemporânea busca por sua legitimidade não mais por meios tradicionais de atuação,
mas sobretudo, por meio da ampliação do poder discricionário3 que até então possuía
ação limitada às leis e às condições gerais previstas juridicamente. Desta forma, “a
discricionariedade deixa de ser um espaço de livre escolha do administrador para
convolar-se em um resíduo de legitimidade a ser preenchido por procedimentos técnicos
e jurídicos prescritos pela Constituição e pela lei, com vistas à otimização do grau de
legitimidade da decisão administrativa” (FALCÃO et al, 2013, p. 39).
Essa legitimidade se dá por meio do consenso estabelecido entre Estado e
sociedade civil. Na obra de Moreira Neto (2006), é possível identificar três gêneros e
espécies de administração consensual, a saber:
o primeiro volta-se ao consenso na tomada de decisão administrativa que
pode ser visto por meio do elemento coadjuvante – quando o
administrador escuta os sujeitos para com ele negociar as soluções, mas
tem a plenitude da decisão4 – e por meio do elemento determinante –
quando o administrador escuta os sujeitos, negocia as melhores soluções
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para o atendimento dos interesses protegidos juridicamente e a decisão
será tomada de acordo com o processo adotado5;
o segundo, consiste no consenso da gestão administrativa que pode ser,
“característica sinérgico-sociopolítica de potenciar a capacidade de ação
do Estado pela composição e pela soma de esforços; por contrato, em que
a associação, por ser, estável, produz uma parceria e, por execução mista
por coordenação e elaboração” (FALCÃO et al, 2013, p. 44).
o terceiro, antevê a prevenção de conflitos na administração que podem ser
evitados por meio de comissões e por acordos substitutivos.
Como se pode notar, a nova legitimidade da administração pública se delineia
pautada na consensualidade por meio do direito administrativo, provocando mudanças
substanciais na administração pública. Pode-se afirmar diante disso, que são
[...] tendências que vão modificando a administração pública tradicional,
fundada na imperatividade, na desigualdade, no privilégio e na
desconfiança entre as partes, que se baseava, em suma, na crença, quase
absoluta, de que a coerção seria fator civilizatório primordial, para torná-
la inspirada na flexibilidade, na colaboração, na competição e, sobretudo,
na confiança entre sociedade e Estado, como parceiros, na nova certeza
de que a consensualidade pode desempenhar papel tanto ou mais
importante que a coerção no progresso humano (FALCÃO et al, 2013,
p. 47).
Dentro desta lógica se materializou a contrarreforma do Estado brasileiro que,
mesmo com algum atraso, acompanhou os modelos implementados pelos planos
políticos e econômicos dos governos de Margaret Thatcher, na Inglaterra, no ano de
1979 e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, em 1980. A reestruturação ocorreu,
efetivamente, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), no ano de 1995, por
meio do Ministério da Administração Pública e Reforma do Estado (MARE) e ficou
conhecida como “reforma gerencial” cujo objetivo foi tornar o aparelho do Estado mais
eficiente. Os principais elementos da “reforma”, foram: 1) inserir o Brasil no “mundo
globalizado”; 2) promover o “estado social”; 3) promover o accountability e política de
responsabilização; 4) incentivar a competição administrativa; e, 5) expandir a lógica do
“público não estatal” (BRASIL, 1995). Com isso, o Brasil se colocou subordinadamente
frente aos países de capitalismo central para atender às necessidades do modelo de
produção capitalista hegemônico. Nesse processo, foi dado um valor exacerbado à
governança democrática pois, frente a intensificação das mazelas sociais, a mera
democracia representativa não daria conta das questões de governabilidade, tornando-se
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necessário o envolvimento ou o consenso de “todos”, dando à responsabilização um
papel político maior (BRESSER PEREIRA, 2008 e BRESSER-PEREIRA; GRAU,
1999).
O resultado de tudo isso é que a contrarreforma na educação brasileira se materializou a
partir da promulgação da Lei 9.394/96, com base nos princípios de uma modalidade
administrativa mais flexível na gestão pública e na gestão da educação. Se evidencia, portanto,
novas formas de controle do capital sobre a educação por meio do modelo gerencialista, que
trouxe à baila, uma nova forma de resolver os problemas da “má qualidade” da educação através
do controle da gestão educacional e do trabalho docente (MACEDO, 2012; MACEDO;
LAMOSA, 2015).
A lógica gerencial exige o envolvimento de “todos” na educação. Os empresários – que
a partir do “Pacto Global”6 são vistos como protagonistas fundamentais neste processo –
passaram a se autodenominar como os salvadores da “escola falida”. Inaugura-se, de forma
proeminente, o processo de mercantilização da educação (FRIGOTTO, 2001), que se realiza
não somente na venda da mercadoria ensino, mas também pela direção dos empresários na
formação do trabalhador de novo tipo, no contexto de “desemprego estrutural” (ANTUNES,
2003) e pela penetração da lógica do mercado no processo de ensino.
A este processo Santos (2012) denominou “pedagogia de mercado”, pois, pode-se dizer
que o processo de mercantilização da educação não ocorre apenas na “circulação” ou
“distribuição” da oferta de escolas privadas, trata-se de uma forma de mercantilização não
apenas do produto, mas, sobretudo, do processo. Assim:
Todo o processo de produção pedagógica é submetido à lógica do
mercado: gestão escolar, relações ensino-aprendizagem, conteúdos
programáticos, princípios pedagógicos do currículo e avaliação dos
resultados. O sentido e as finalidades da educação incorporam a
mercadorização já no âmbito da produção. A pedagogia do mercado
adentra a escola pública e privada desde a concepção curricular,
transpassa as práticas escolares e se evidencia nas políticas de avaliação
heterônomas (SANTOS, 2012, p. 20).
No que se refere à educação básica pública, esta lógica do mercado tem se
consubstanciado por meio de “parcerias público-privadas na gestão do trabalho pedagógico,
controle, avaliação [...] e subordinação da carreira docente aos critérios de „mérito‟ do mercado”
(SANTOS, 2012, p. 21). Aliás, tal encaminhamento já estava previsto no documento da
Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL), quando afirmou que é “[...]
necessário deixar de encarar a educação, a capacitação e a investigação como compartimentos
estanques, e avançar em direção a um enfoque sistêmico, que integre essas três dimensões entre
si e todas elas com o sistema produtivo” (CEPAL.UNESCO.MEC, 1993, p. 9).
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As definições de políticas públicas da educação básica brasileira em curso se deram
calcadas nas orientações dos organismos internacionais, cujas referências documentais surgiram
a partir da Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em Jomtien, na Tailândia, no
ano de 1990 como o documento da CEPAL (CEPAL.UNESCO.MEC,1993) que coloca a
educação e o conhecimento como eixo de transformação da sociedade ligado à equidade e, o
relatório da UNESCO de 1996 (DELORS, 2001), conhecido como Relatório Jacques Delors. No
Brasil, o marco regulador da contrarreforma educacional foi o Plano Decenal de Educação
(1993), com expressão máxima na Lei 9.394/96. Para Mello, a educação deve preparar para o
exercício da cidadania e para a competitividade. Por isso, afirma:
No Brasil, a tradução desses objetivos estratégicos em objetivos de
gestão deveria ter, como ponto de partida, os problemas de má qualidade
do ensino e baixo desempenho dos estabelecimentos escolares públicos,
que têm levado a educação a reforçar as desigualdades sociais, mais do
que a contribuir para compensá-las (MELLO, 2005, p. 64).
Ou ainda:
O padrão de gestão imprime uma forma de conduzir o processo de
formulação e implantação de políticas que deve permear o sistema como
um todo, embora algumas de suas características sejam mais importantes
a nível nacional ou regional e outras a nível local ou do estabelecimento
escola (MELLO, 2005, p. 80).
A necessidade de reforma da educação básica à luz da contrarreforma do Estado
justifica-se, segundo Mello (2005), pela pouca eficiência da escola, expressa nos elevados
índices de evasão, repetência, desperdício de recursos e despreparo do professor. As atribuições
relacionadas à capacidade de responsabilização na gestão educacional podem ser entendidas a
partir da capacidade do gestor de
[...] medir o desempenho, alocar recursos com maior eficiência e avaliar
os resultados. É necessário pensar em políticas dirigidas à
profissionalização e ao desempenho dos educadores, que passem por
uma elevação de suas responsabilidades, incentivos, formação
permanente e avaliação de seu mérito; em políticas de compromisso
financeiro da sociedade com a educação, com a capacitação e com o
esforço científico-tecnológico, que incluam financiamento de diversas
fontes, e também considerem a idéia de uma revitalização dos bancos de
desenvolvimento, que desempenharam um papel importante na
expansão latino-americana nas décadas passadas, e que hoje poderiam
retornar esse papel, voltando sua ação para as tarefas de formação de
recursos humanos e para o desenvolvimento do potencial científico
tecnológico (CEPAL. UNESCO. MEC, 1993, texto em html – grifos do
autor).
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Sendo assim, o gestor escolar, que também é controlador do trabalho docente,
contribuirá com a ideia de que a educação para o século XXI deve promover o desenvolvimento
do espírito humano, a competência para resolver problemas e ter um espírito criativo e flexível
para enfrentar os desafios colocados. Os docentes da educação básica deverão formar para a
empregabilidade (OLIVEIRA, 2001), ou seja, se o sistema produtivo se mostra incapaz de
suscitar empregos qualificados para todos, é papel do docente formar nos estudantes a
possibilidade de manterem-se ocupados por meio da informalidade, em tempos de desemprego
estrutural (ANTUNES, 2003).
Nestas circunstâncias, a relação com seus alunos se torna desgastada e difícil, e o
trabalhador docente passa a viver, em seu ambiente de trabalho, um processo de
violência tão evidenciada, que poderíamos chamar de alienação. O processo de
alienação do trabalhador docente o descaracteriza como intelectual e passa a vê-lo,
apenas, como um profissional técnico que, no modelo gerencialista, reproduz as
informações e ideologias dominantes. Evidenciamos que este processo se inicia na
formação com suas formas aligeiradas, pautadas na prática e esvaziadas de conteúdos
que contribuam para sua formação humana.
Esta violência experimentada pelo docente evidencia-se, ainda, no momento em que
tiveram seu processo de trabalho fragmentado a tal ponto que não mais dominam o conteúdo do
seu fazer profissional. Para Costa (2009, p. 73), cada vez mais, estes trabalhadores perdem o
saber e o controle sobre o seu trabalho, ao passo que se “coisificam” e tornam-se meros
portadores da mercadoria força de trabalho, tornando-se mais subservientes ao modelo
gerencial. Para o mesmo autor, o trabalho alienado do docente pode apresentar as seguintes
características: exterioridade, imposição, estranhamento e auto alienação. É possível que, ao
chegar a este ponto, a violência vivida seja algo irreversível, provocando várias formas de
enfermidade, como bem comprovou Codo (1999), quando discutiu a síndrome de burnout.
Cunha (1999), identificou que uma marca do trabalho docente, hoje, é o individualismo
a que é reforçado no ambiente escolar. As atividades coletivas, foram substituídas por atividades
individuais, rompendo com qualquer possibilidade para desenvolver trabalhos com colegas e
para estabelecer um ambiente de troca. As situações-problema não são resolvidas coletivamente,
colocando sobre os ombros de cada trabalhador docente a responsabilização pelo sucesso ou
fracasso, criando assim, a competição entre os “pares”.
Está presente no modelo gerencialista um tipo de fetichismo referente à autonomia do
professor, uma vez que o trabalhador docente controla apenas parcialmente o seu trabalho; e a
divisão técnica do trabalho, presente na escola, provoca a fragmentação do trabalho pedagógico,
resultado da prática fragmentada entre execução e concepção.
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Cada vez mais, a autonomia do trabalhador docente vem sendo colocada em xeque,
principalmente pelo uso indiscriminado das Tecnologias da Informação e da Comunicação
(TIC) e pela visão gerencialista da gestão do trabalho escolar. Embora não haja possibilidade
concreta de substituição desse trabalhador, isso tem contribuído para a expansão e o
fortalecimento da venda de pacotes educacionais, fornecidos por empresários que se juntam ao
movimento Todos pela Educação (TPE)7.
Todas os impactos sofridos na gestão do trabalho docente estão alicerçadas nas teorias
oriundas da administração, materializadas portanto, no modelo gerencialista de gestão que
reforça o discurso e as noções de “qualificação”, “desqualificação”, “profissionalização”,
“valorização”, “certificação”, “avaliação”, “[...] responsabilização pelos resultados, prestação de
contas, accountability, captação e uso otimizado de recursos, gestão, gerência, eficácia,
performatividade [...]” (SHIROMA, 2004, p. 1), temas tão presentes no ambiente escolar e que
provocam novas exigências na realização do trabalho docente.
Concluímos que o modelo de gestão regulada no gerencialismo se orienta por
uma racionalidade técnica/subjetiva marcada e incentivada por modelos de competição,
aceleração das tarefas, flexibilização, participação, accountability e principalmente pela
precarização nas condições de trabalho. Também se investe na excelência da produção e na
mobilização psíquica do trabalhador como forma de manipulação atrelada às estratégias
específicas desse modelo contemporâneo de gestão. Além disso, o trabalhador orienta seu
trabalho por meio do alcance das metas.
No caso do trabalho docente, é incentivado que ele “vista a camisa da escola”
por meio do discurso da “participação cidadã” e que “faça sua parte” para o êxito da
mesma. Neste aspecto, o gestor educacional que acaba assumindo um papel de
“controlador do trabalho docente” passa a exigir deste trabalhador um comportamento
flexível, habilidade que deve ser incentivada também entre os estudantes. Ao docente é
apresentada “novas” formas de organização do seu trabalho porque espera-se que ele
esteja pronto a correr riscos e a investir em seu trabalho. Daí resulta, investimentos com
recursos próprios em relação à sua formação, seja inicial ou continuada. Subjacente a
estes princípios de comportamento, que imprimem um novo tipo de trabalhador
docente, os novos arquétipos de gestão gerencialista estabelecem padrões para o
sucesso, eficiência, eficácia, produtividade e a competitividade com vistas a melhoria da
“qualidade” na educação.
NOTAS:
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1. Professora adjunta do Departamento de Administração Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e compõe o quadro docente do Programa de Pós-graduação Strictu Senso Políticas Públicas em Direitos Humanos (PPDH/UFRJ). Pesquisadora associada ao Coletivo de Estudos e Pesquisas em Marxismo e Educação (COLEMARX/UFRJ) e do Grupo de Pesquisa Sobre Trabalho, Política e Sociedade (GTPS/UFRRJ). Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), tem experiência na área de Educação, com ênfase em Política Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: Trabalho e Educação, Trabalho Docente e Política e Gestão de Sistemas Educacionais.
2. Consideramos contrarreforma tendo em vista o caráter de retrocesso que se configurou na administração pública gerencial a partir de 1995. Utilizaremos a nomenclatura para nos referirmos às mudanças na gestão pública e, também, na gestão educacional.
3. Termo bastante utilizado na área do direito, especificamente aplicado ao novo modelo de ensino jurídico da Fundação Getúlio Vargas (FGV). De acordo com o Dicionário Online de Português, discricionário significa “irrestrito, sem regras ou limites [...]. Relacionado com discrição, com a capacidade de decisão; em que há liberdade de escolha: ato administrativo discricionário” (DICIO, 2016, texto em html).
4. Neste caso, a própria legalidade jurídica nesta forma de consenso, faz com que a vontade do Estado prevaleça sobre a sociedade civil. Como exemplo, salientamos a comissão de juristas que por meio da Portaria Nº 426, de 6 de dezembro de 2007, elaborou a o Projeto de Lei que visava disciplinar a nova estrutura orgânica da administração federal.
5. Como exemplo, citamos a Diretiva Nº 2004/18/CE da União Europeia que define as formas do diálogo concorrencial.
6. Pacto Global foi oficialmente lançado no Fórum de Davos, em 31 de janeiro de 1999. É “uma iniciativa desenvolvida pelo ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, com o objetivo de mobilizar a comunidade empresarial internacional para a adoção, em suas práticas de negócios, de valores fundamentais e internacionalmente aceitos nas áreas de direitos humanos, relações de trabalho, meio ambiente e combate à corrupção refletidos em 10 princípios. Essa iniciativa conta com a participação de agências das Nações Unidas, empresas, sindicatos, organizações não-governamentais e demais parceiros necessários para a construção de um mercado global mais inclusivo e igualitário. Hoje já são mais de 12 mil organizações signatárias articuladas por cerca de 150 redes ao redor do mundo” (PACTO GLOBAL REDE BRASILEIRA, 2016, texto em html).
7. Fundado em 2006, o Todos Pela Educação “é um movimento da sociedade brasileira que tem como missão contribuir para que até 2022, ano do bicentenário da Independência do Brasil, o País assegure a todas as crianças e jovens o direito a Educação Básica de qualidade” (TPE, 2016, texto em html).
REFERENCIAS
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Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação
dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos
contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços. Disponível em:
< http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=URISERV%3Al22009>. Acesso
em: 03/03/2016.
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? – Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do
mundo do trabalho. 9. ed. São Paulo: Cortez; Campinas (SP): UNICAMP, 2003.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Portaria Nº 426, de 6 de
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ELEMENTOS TEÓRICOS PARA UMA ANÁLISE DA REFORMA
GERENCIAL NA GESTÃO DO TRABALHO ESCOLAR
José dos Santos Souza (GTPS/UFRRJ)
RESUMO:
Vivenciamos ampla reforma do Estado que combina reconfiguração de mecanismos de
mediação do conflito de classes com implantação de renovado modelo gerencial de
administração pública, pautado na competitividade e na racionalização de recursos
materiais e humanos como critério de qualidade para o serviço público. No bojo dessa
reforma, destacam-se a racionalização e a flexibilização do trabalho e da produção; a
instituição do contrato temporário de trabalho, a terceirização e o trabalho voluntário; a
desregulamentação de direitos de servidores públicos; as parcerias entre setor público e
privado na implementação de serviços sociais. Neste contexto, os critérios de qualidade e
de produtividade do serviço público passam a ser referenciados pelas leis de mercado, sob
o argumento de que tais leis são a solução eficaz no combate a má aplicação de recursos
públicos. A administração educacional, neste contexto, não foge à regra. Mudanças
substantivas vêm sendo promovidas pelos governos para garantir a qualidade e a
produtividade do trabalho escolar, tendo no novo modelo gerencial sua referência para
implementação de estratégias de controle de resultados e de racionalização de recursos
humanos e materiais, impondo uma nova realidade à gestão do trabalho e da produção
escolar, o que merece uma análise mais aprofundada. Neste sentido, este trabalho tem
como propósito estabelecer um quadro teórico capaz de fundamentar uma análise do
impacto dessas mudanças na gestão do trabalho e da produção escolar na perspectiva do
materialismo histórico e dialético, tomando como referência empírica o novo modelo de
gestão educacional implementado por inúmeros governos estaduais e governo federal.
PALAVRAS-CHAVE: Reforma Gerencial; Gestão Educacional; Trabalho Docente.
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ELEMENTOS TEÓRICOS PARA UMA ANÁLISE DA REFORMA
GERENCIAL NA GESTÃO DO TRABALHO ESCOLAR
José dos Santos Souza1
Mudanças substantivas vêm sendo promovidas pelos governos para garantir a
qualidade e a produtividade do trabalho escolar, tendo no novo modelo gerencial sua
referência para implementação de estratégias de controle de resultados e de
racionalização de recursos humanos e materiais, impondo uma nova realidade à gestão
do trabalho e da produção escolar. Esta conjuntura demanda a necessidade de uma
análise mais aprofundada acerca do impacto dessas mudanças na gestão do trabalho e da
produção escolar, tomando como referência empírica o novo modelo de gestão
educacional implementado por inúmeros governos estaduais e pelo governo federal. Um
propósito pertinente de uma análise desse porte seria verificar a existência de relação
entre a implantação desse novo modelo gerencial na gestão do trabalho escolar e a
intensificação da precariedade do trabalho em sistemas públicos de ensino. Nessa
perspectiva, neste trabalho apresentaremos elementos teóricos que possam servir de
fundamento para o desenvolvimento desta análise em uma perspectiva materialista
histórica e dialética.
Para a construção dessa fundamentação teórica, tomamos como referência o
conceito de precarização social do trabalho para a análise das transformações sofridas
na rede de ensino investigada – a Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro – e suas
implicações no trabalho educativo de seus docentes. Nossa preocupação é explicitar os
aspectos que caracterizam o trabalho docente realizado nas instituições de ensino dessa
Rede como mais uma expressão concreta da precariedade social do trabalho, mesmo se
tratando de um tipo de trabalho de caráter intelectual, de natureza imaterial, que se
desenvolve predominantemente em condições formais de trabalho, distinto de outras
formas de trabalho mais vulneráveis existentes na sociedade2.
Nossa compreensão acerca da precariedade social do trabalho segue na linha
analítica de Antunes (2011), que aponta a intensificação da precariedade social do
trabalho como decorrência de certo processo de estranhamento e/ou de alienação do
trabalhador, o qual promove seu embrutecimento e perda da sua dimensão humana,
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2
tanto no segmento considerado estável do mercado de trabalho, quanto nos segmentos
mais vulneráveis – obviamente, muito mais penalizados por esses efeitos da
recomposição do capital. A esse respeito, Antunes (2011, p. 128) afirma:
[...] se o estranhamento permanece e mesmo se complexifica nas
atividades de ponta do ciclo produtivo, naquela parcela aparentemente
mais “estável” e inserida da força de trabalho que exerce o trabalho
intelectual abstrato, o cenário é ainda mais intenso nos estratos
precarizados da força humana de trabalho, que vivenciam as condições
mais desprovidas de direitos e em condições de instabilidade cotidiana,
dada pelo trabalho part-time, temporário, precarizado, para não falar nos
crescentes contingentes que vivenciam o desemprego estrutural. Sob a
incerteza e a superfluidade dadas pela condição da precarização ou de
risco do desemprego, o estranhamento pode assumir formas ainda mais
intensificadas e mesmo brutalizadas, pautadas pela perda (quase)
completa da dimensão de humanidade [...].
Inúmeras são as mudanças promovidas no trabalho e na produção desde os anos
1970 para atender às demandas de produtividade e competitividade das empresas em um
mercado globalizado. A inserção cada vez mais intensa de ciência e tecnologia na
produção, combinada com a adoção de novos modelos de gestão empresarial, tem
propiciado redução substantiva do trabalho vivo, diminuição dos tempos mortos e maior
flexibilidade nos processos produtivos. Pautadas no paradigma da produção enxuta e
nas apologias do receituário neoliberal mediado pela terceira via, essas mudanças
proporcionam maior produtividade das empresas, ao mesmo tempo em que corrompem
a dinâmica das relações de produção, na medida em que aperfeiçoam os mecanismos de
subsunção real do trabalho ao capital, dando materialidade ao fenômeno que Alves
(2000) denomina de “captura da subjetividade operária”.
Em sínteses, esse fenômeno consiste na capacidade que as empresas adquirirem
para incorporar os conhecimentos, a capacidade criativa e a capacidade volitiva ao
processo de valorização do capital, a partir da adoção de novos modelos de gestão do
trabalho pautados no paradigma da produção enxuta. A captura da subjetividade
operária poderia ser explicada como uma forma contemporânea do trabalhador “vestir a
camisa” da empresa sem, contudo, ter da empresa qualquer contrapartida de proteção
social, bastando-lhe apenas prêmios e vantagens efêmeras, de caráter individualizado,
como recompensa ao seu êxito na competição entre seus pares. Isto explica o potencial
das empresas em obter o consentimento ativo de seus empregados na busca incansável
do aumento da produtividade e da qualidade dos produtos e serviços, em um ambiente
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altamente competitivo, fazendo com que os trabalhadores incorporem valores
empresariais para dar direção à própria vida pessoal, perdendo inclusive a noção de
limite entre o tempo do trabalho e o tempo da vida particular, entre trabalho e ócio.
Nesse caso, a empresa assume o papel de família.
Embora esse renovado regime de acumulação de capital comporte inúmeras
inovações beneficiadas pelo avanço da informática e da microeletrônica, ele também
conserva vários elementos típicos do moribundo regime de acumulação de capital
adotado no período pós-guerra. Exemplo disso são as evidências de que, mesmo em um
contexto de mudanças tecnológicas no trabalho e na gestão da produção, as estratégias
de extração de mais-valia absoluta se intensificaram, bem como, a complexificação da
divisão social do trabalho, de modo que o regime de acumulação na atualidade
comporta impressionante flexibilidade para a convivência de formas “arcaicas” de
organização produtiva com formas absolutamente inovadoras em um mesmo ramo
produtivo. Empresas que se destacam no mercado como aquelas de alta tecnologia de
produção, como as montadoras automobilísticas, por exemplo, por meio da
terceirização, comporta em sua linha de produção a materialidade de diversas formas de
trabalho – inclusive trabalho escravo em alguns casos –, se observamos a fabricação de
cada item particular que compõe seu produto final.
Como dimensão estrutural do modelo de desenvolvimento hegemônico, esse
regime flexível de acumulação de capital exige um modo de regulação social a ele
coerente, de modo a conferir-lhe institucionalidade. Isto significa um Estado mais
racional na gestão do fundo público, de modo a desonerá-lo gradativamente de gastos
com políticas sociais, garantindo-lhe maior potencial para estabilizar a moeda, controlar
a inflação e atender demandas imediatas das grandes empresas. Para isto, é resgatada de
modo mais agressivo a cultura do individualismo, da competitividade e do mérito
individual como fator de desenvolvimento social e econômico. O fomento ao
empreendedorismo e a apologia ao desenvolvimento sustentável são acionados como
ideologias capazes de dar validade ao argumento da lógica do mercado como elemento
suficiente para a regulação da sociedade.
Nesse contexto, o Estado combina ações de uso do fundo público para a garantia
da estabilidade das grandes empresas, controle da balança cambial e estabilização da
inflação, com o fomento a iniciativas de arranjos produtivos locais capazes de gerar
emprego e renda sem ônus público – fomento à geração de Capital Social. Para os
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4
segmentos mais vulneráveis que se encontram em risco social, em lugar de políticas de
pleno emprego e de assistência social consistente, o Estado dispensa programas sociais
compensatórios que, a pretexto de garantir-lhes empregabilidade, assumem a função de
ofuscar a percepção dos trabalhadores da causa real do desemprego estrutural e da
condição de vida precária. O protagonismo social, a participação cidadã e solidária e a
concertação social são ideias acionadas para promover maior participação da sociedade
civil nas decisões estatais, sem que isto implique maior controle social sobre tais
decisões, mas simplesmente garanta maior consenso em torno das diretrizes do modelo
de desenvolvimento hegemônico. Nesse aspecto, o Estado renova sua pedagogia política
para educar a sociedade civil para o consenso, conformando-a ética e moralmente ao
conjunto de mudanças em curso. Assim, sob condições renovadas, o Estado media o
conflito entre as classes sociais, combinando consenso e coerção, embora nessas
condições prevaleça seu potencial persuasivo.
Diante do processo de reestruturação produtiva em curso, combinado com a
renovação dos mecanismos de mediação do conflito de classes por parte do Estado, o
empresariado brasileiro passou a empreender esforços para ajustar a formação para o
trabalho no Brasil3, com vistas à formação do trabalhador de novo tipo, mais adaptado
às demandas do mercado. A preocupação é redimensionar o sistema educacional
brasileiro para atender de modo mais imediato às demandas de produtividade e
competitividade das empresas instaladas no país. Mas, além disso, há também a
necessidade de ajustar o ambiente escolar, seus currículos, sua estrutura organizacional
e seus profissionais aos códigos atuais de conformação ética e moral da sociedade civil,
mais coerentes com a reconfiguração dos mecanismos de mediação do conflito de
classes em curso. Isto implicava promover uma ampla reforma na educação básica, na
educação superior e na educação profissional brasileira, diante do surgimento de novas
demandas de qualificação do trabalhador.
A reforma educativa promovida para atender às novas demandas de
formação/qualificação do trabalhador brasileiro ganha contornos mais nítidos a partir
dos anos 1990, especialmente no decurso do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Trata-se de um conjunto de mudanças no planejamento e gestão educacional e nos
processos pedagógicos que se estenderam desde esse governo, passando pelo governo
Lula da Silva, tendo continuidade no atual governo Dilma Rousseff. Este processo
atinge de modo contundente o trabalho educativo realizado por instituições de ensino da
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Educação Básica e da Educação Profissional. Percebe-se certo esforço do empresariado
e do Estado, mediado por inúmeros intelectuais orgânicos seus, para conferir ao trabalho
pedagógico das diversas redes de ensino estaduais e municipais, bem como da Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, um caráter mais
“interessado”, mais preocupada em atender de forma mais imediata às demandas de
produtividade e competitividade das empresas.
Assim, a concepção da relação entre ciência e vida, entre trabalho e educação,
entre empresa e escola que passa a predominar na gestão do trabalho escolar ganha um
caráter mais pragmático, mais de acordo com a lógica mercantil, mais coerente com os
princípios neoliberais de competitividade como fator de qualidade, conforme as
indicações de Friedman (1985) e de Mello (2005), dentre outros. Obviamente, essas
ideias, na medida em que passam a dar direção à vida cotidiana das escolas, reforçadas
por campanhas ideológicas e programas de qualificação docente, provocam certo
reordenamento dos princípios éticos e morais que norteiam o trabalho escolar, dando
novos significados às relações pedagógicas e políticas ocorridas no cotidiano das
escolas, de modo a instituir certa mudança na cultura da escola com o intuito de
conservar, em condições renovadas, o potencial da escola como instituição privilegiada
de mediação do conflito de classes e de propagação do consenso em torno da concepção
de mundo burguesa. Assim, em um contexto de reestruturação produtiva e de reforma
do Estado, a gestão do trabalho escolar é reconfigurada de modo a garantir, nas
condições objetivas e subjetivas da conjuntura atual, a manutenção da escola como
aparelho privado de hegemonia burguesa.
Nesse contexto, muitos profissionais da educação apresentam relativa
conformação às novas condições de trabalho emanadas dessas transformações, o que
configura a ocorrência no cotidiano das escolas daquilo que Alves chama de “captura
da subjetividade operária” (ALVES, 2000), ao se referir a essas mudanças no ambiente
fabril. Não se percebe ações organizadas de resistência às mudanças ocorridas na gestão
do trabalho escolar. As poucas manifestações de resistência perceptíveis partem dos
sindicatos. Por outro lado, é possível que existam outras manifestações de resistência
não tão perceptíveis, mas, justamente pela dinâmica instituída pelas reformas gerenciais
do Estado e da gestão do trabalho escolar, essas manifestações normalmente se dão de
forma fragmentada, atomizada, sem articulação coletiva, distanciadas do movimento
sindical. Entretanto, sejam essas resistências perceptíveis ou não, frequentemente, elas
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se expressam de modo desconexo, sem qualquer vinculação ao estágio atual do
desenvolvimento do capital. O efeito mais perverso deste fenômeno é a intensificação
da precariedade social do trabalho desenvolvido pelos profissionais que atuam nessas
escolas.
À propósito, a precarização do trabalho muitas vezes é explicada a partir de sua
materialidade em forma de terceirização, de trabalho informal, de trabalho temporário
(HIRATA, 2011); ou em forma de atividades produtivas desenvolvidas em condições
insalubres e/ou degradantes (FERNANDES, 2011; LEMOS, 2011); ou mesmo em
forma de desregulamentação de direitos trabalhistas e de flexibilização das relações de
produção (KESSELMAN, 2010; CARELLI, 2011; THEBAUD-MONY, 2011). Outras
vezes, a precarização do trabalho é explicada a partir de fenômenos de ordem social, tais
como: redução de empregos (POSCHMAN, 2001; 2008), instabilidade laboral
(MATTOS; BIANCHETTI, 2011), vulnerabilidade social de massa (GUIMARÃES,
2011). Em busca de uma tipologia da precarização do trabalho, Druck (2011) indica seis
categorias possíveis para classificar estas formas de materialização da precariedade do
trabalho: 1) vulnerabilidade das formas de inserção e desigualdades sociais; 2)
intensificação do trabalho e terceirização; 3) insegurança e saúde no trabalho; 4) perda
das identidades individual e coletiva; 5) fragilização da organização dos trabalhadores;
6) a condenação e o descarte do Direito do Trabalho (DRUCK, 2011). Algumas vezes,
estas características ocorrem combinadas, de modo que uma mesma realidade pode se
enquadrar em mais de uma categoria dessas indicadas por Druck; outas vezes elas
ocorrem isoladamente. Isto tem levado alguns autores a considerarem a ideia de que a
precarização do trabalho não está circunscrita ao universo do trabalho e da produção,
mas atinge outras dimensões da vida social, o que os leva à indicação da ideia de
precarização social do trabalho:
Se comumente a noção de trabalho precário se reporta ao trabalho
desqualificado e inseguro, a noção de precarização aqui adotada remete a
um processo social de institucionalização da instabilidade. O conceito
coloca em perspectiva um duplo processo: um de precarização
econômica que resulta da flexibilização salarial e das reestruturações
produtivas, outro da institucionalização da precariedade, procedente das
transformações legislativas referentes ao trabalho e à proteção social.
Nosso argumento é que o conceito de precarização social permite ainda
definir a institucionalização da instabilidade e configurar a sua
justificação como se fosse um valor moral aceitável, a ser dirigido
individualmente por cada ator na autogestão das carreiras e de sua
inserção social. O processo de precarização social alça o trabalho a uma
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dimensão de valor moral, o que nos permite inserir as questões relativas
ao trabalho em uma teoria social de maior alcance (ROSENFIELD,
2010, p. 14-15).
Entretanto, independente da forma como a precarização do trabalho se apresenta,
esta tem sido explicada pela literatura da área, de modo geral, como consequência do
processo de reestruturação produtiva verificado no mundo capitalista a partir dos anos
1970, a qual se tornou mais evidente ao final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Esta
percepção poderia ser assim sintetizada:
As transformações do trabalho inscritas no marco da globalização
neoliberal e da reestruturação produtiva nas últimas décadas podem ser
sintetizadas nos processos de flexibilização, desregulamentação e
precarização social. Diversos estudos e pesquisas têm evidenciado a
consolidação da flexiprecarização e o seu caráter multidimensional –
compreendendo as dimensões econômica, política, social, cultural – que
se realiza nos planos macro, microssocial e do indivíduo (intra e
interpsíquico), assumindo configurações específicas de etnia, gênero,
geracionais e de novas inter-relações entre família e indivíduo,
redefinindo as relações sociais e o tecido social. Trata-se de um processo
mundial, com traços e características que perpassam invariavelmente as
diversas configurações do mundo do trabalho, apresentando, entretanto,
nuances e especificidades nacionais, regionais e setoriais (DRUCK;
FRANCO, 2011, p. 09).
Esta compreensão predominante acaba por atribuir à precarização do trabalho
um caráter conjuntural, como se ela fosse mera consequência da reação burguesa à crise
de acumulação de capital desencadeada nas últimas décadas4. Não obstante, não se deve
desconsiderar que a precarização do trabalho é um fenômeno imanente ao processo de
desenvolvimento do modo capitalista de produção e reprodução social da vida material.
Assim, em cada estágio do desenvolvimento do sistema capitalista, a
precarização do trabalho se expressou de modo específico, de acordo com o patamar de
desenvolvimento das forças produtivas e do nível de organização coletiva e luta dos
trabalhadores. A luta permanente do empresariado para ampliar suas taxas de
lucratividade sempre implicou a inserção cada vez mais intensa de ciência e tecnologia
nos processos de trabalho e de produção. O desenvolvimento científico e tecnológico da
sociedade burguesa sempre esteve diretamente ligado ao aumento da produtividade e da
lucratividade das empresas, ao mesmo tempo em que também esteve diretamente ligado
à intensificação da exploração da classe trabalhadora, de modo a promover
sistematicamente a precarização do trabalho.
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Na realidade, a ordem capitalista de produção e reprodução social da vida
material sempre teve por característica a potencialidade para tornar precária a vida dos
trabalhadores. Justamente por isto, nem sempre a precarização do trabalho se dá pela
ausência de contrato de trabalho ou pela desregulamentação deste contrato. Existem
situações em que a precarização do trabalho se dá inclusive em condições formais de
trabalho.
Nesse aspecto, a contribuição de Sennett (2004) é fundamental para a
compreensão dos efeitos desorientadores do estágio atual do capitalismo. O autor faz
uma análise sociológica das transformações mais recentes do mundo do trabalho, a
partir de entrevistas com executivos demitidos da IBM em Nova York, funcionários de
uma padaria ultramoderna em Boston e outros trabalhadores. Sennett argumenta que o
capitalismo vive um novo momento caracterizado por uma natureza flexível, que ataca
as formas rígidas da burocracia, as consequências da rotina exacerbada e os sentidos e
significados do trabalho, o que provoca uma situação de ansiedade nas pessoas, que não
sabem os riscos que estão correndo e a que lugar irão chegar, colocando em xeque o
próprio senso de caráter pessoal.
A partir dessas considerações, Sennett (2004) aborda aspectos da subjetividade
do trabalhador no contexto da rigidez do fordismo, em contraposição à formação de
uma nova subjetividade no contexto atual da reengenharia das corporações, com risco,
flexibilidade, trabalho em rede e equipes que trabalham juntas durante um curto espaço
de tempo, onde o que importa é cada um ser capaz de reinventar-se a toda hora. Senett
nos leva à percepção de quão precário é o mundo do trabalho em que prevalece a
ideologia do “admirável mundo novo da reengenharia das corporações”, com riscos
constantes, onde predomina o trabalho flexível, polivalente, desenvolvido em rede, a
partir de equipes que trabalham juntas e se autocontrolam durante um curto espaço de
tempo, onde impera o individualismo, a gana empreendedora, onde o que importa é
cada um ser capaz de reinventar-se a toda hora. Esta seria uma forma contemporânea da
precarização do trabalho que tem sido muitas vezes desconsiderada. Na maioria das
vezes, a precarização do trabalho é explicada apenas pela “desordem do trabalho”
conforme foi caracterizada por Mattoso (1995).
Quando se trata do trabalho docente, muitas vezes se pensa precário apenas
aquele realizado em condições adversas, o que ocorre inclusive em diversas unidades
escolares em diferentes Redes de ensino. Entretanto, deve-se considerar que, algumas
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vezes, na atualidade, a precarização do trabalho se dá até mesmo em condições de
contrato estável de trabalho, com disponibilidade de condições aceitáveis para sua
realização, mas que se torna relativamente precário devido ao grau de captura da
subjetividade operária pela lógica renovada da racionalidade/irracionalidade da
produção capitalista, agora pautada nos princípios da produção enxuta, do livre
mercado.
É nesse aspecto que as reformas gerenciais do Estado e seu impacto na gestão do
trabalho escolar, na medida em que traduzem para a Educação Básica os princípios
norteadores da produção enxuta, em busca do aumento de produtividade e de
competitividade das empresas no mercado globalizado, também promovem novas
condições de captura da subjetividade docente que configuram a precarização do
trabalho pedagógico nestas instituições de ensino. Isto é o que nos conduz,
inevitavelmente, ao que Senett (2004) chamou de corrosão do caráter, quando
observamos as mudanças em curso na gestão do trabalho escolar.
NOTAS
1 Doutor em Sociologia pela UNICAMP. Atua como professor de Economia Política da Educação e de Política Educacional do Departamento de Educação e Sociedade do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ; é Coordenador do Programa de Pós-graduação em Educação Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc/UFRRJ) e líder do Grupo de Pesquisas Sobre Trabalho, Política e Sociedade (GTPS). E-mail: [email protected]
2 Se bem que, a cada dia mais, novas formas de contratação tem surgido no ambiente escolar que diferem da forma tradicional de contrato de trabalho por tempo indeterminado, estabelecido pelo ingresso por meio de concurso público de provas e títulos, configurado como quadro efetivo do serviço público. Trata-se de contratos temporários de trabalho, estágio, bolsa etc. A legislação tem sido bastante flexibilizada para viabilizar essas formas inusitadas de contrato de trabalho, de modo a aferir caráter legal a elas, mesmo que os contatados não pertençam ao quadro efetivo de servidores públicos. Apesar disso, acredita-se, o trabalho escolar na Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro ainda é desempenhado majoritariamente por profissionais da educação pertencentes ao quadro efetivo de servidores da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro (SEE/RJ).
3 Talvez seja pertinente demarcar que, o que entendemos por “formação para o trabalho” seja a formação geral básica, que no Brasil compreende a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio somada a formação profissional dos mais variados níveis e modalidades. Trata-se, portanto, de uma concepção ampliada da formação para o trabalho que ultrapassa a visão simplista de que a formação para o trabalho se restringe à Educação Profissional. A propósito, nem mesmo o empresariado, tampouco o Estado partilha dessa visão restrita de formação para o trabalho. Só mesmo os mais desavisados insistem em apreender a formação para o trabalho apenas como Educação Profissional.
4 Obviamente, críticas a essa visão fenomênica existem, a exemplo disso poderíamos citar Franco (2011); Antunes (2011); Harvey (1992).
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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
7589ISSN 2177-336X
GESTÃO INTEGRADA DA ESCOLA E INTENSIFICAÇÃO DA
PRECARIEDADE DO TRABALHO DOCENTE NO RIO DE JANEIRO
Rodrigo de Azevedo Cruz Lamosa (GTPS/UFRRJ)
RESUMO
Este artigo apresenta os resultados de investigação acerca da insurgência de novos
modelos de gestão do trabalho escolar e seu desdobramento sobre o trabalho docente. A
pesquisa realizada teve como delimitação o processo de desenvolvimento e
implementação do modelo denominado Gestão Integrada da Escola (GIDE) na
Secretaria Estadual de Educação e Cultura do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ). O objetivo
deste artigo foi analisar a relação entre a introdução deste novo modelo de gestão do
trabalho escolar e a intensificação da precariedade do trabalho docente na rede estadual
de ensino do Rio de Janeiro. A hipótese da pesquisa é que esta relação tem se
desdobrado em processos de desprofissionalização do trabalho docente, refletidos em
taxas crescentes de adoecimento e afastamento entre os professores, além de números
significativos de pedidos de exoneração. Metodologicamente, tratou-se de uma pesquisa
básica, de análise qualitativa, de caráter explicativo, que se insere na categoria de
pesquisa de tipo documental. Para coleta de dados, utilizou-se de revisão de literatura e
de análise de fontes bibliográficas primárias e secundárias em materiais de referência da
GIDE. A pesquisa que resultou neste artigo identificou que a GIDE resulta da
formulação de um conjunto de intelectuais comprometidos com a reorganização da
gestão do trabalho na administração pública, tendo representado a inserção de novos
instrumentos de controle do trabalho docente. O novo modelo de gestão do trabalho
escolar vem se desdobrando em um processo de intensificação do trabalho docente,
submetido a instrumentos de controle que contribuem para um sentimento de
desprofissionalização entre os profissionais da rede estadual de ensino do Rio de
Janeiro.
PALAVRAS-CHAVE: Gestão Educacional; Gestão Integrada da Escola; Trabalho
Docente.
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7590ISSN 2177-336X
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GESTÃO INTEGRADA DA ESCOLA E INTENSIFICAÇÃO DA
PRECARIEDADE DO TRABALHO DOCENTE NO RIO DE JANEIRO
Rodrigo de Azevedo Cruz Lamosa1
INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta os resultados de investigação acerca da insurgência de
novos modelos de gestão do trabalho escolar e seu desdobramento sobre o trabalho
docente. A pesquisa realizada teve como delimitação o processo de implementação do
modelo denominado Gestão Integrada da Escola (GIDE), formulado por um conjunto de
intelectuais reunidos numa organização da Sociedade Civil responsável por inseri-lo em
sistemas estaduais de ensino, através de parcerias com agências da Sociedade Política,
como é o caso da Secretaria Estadual de Educação e Cultura do Rio de Janeiro
(SEEDUC-RJ).
O objetivo deste artigo foi analisar a relação entre a introdução deste novo
modelo de gestão do trabalho escolar e a intensificação da precariedade do trabalho
docente na rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. A hipótese da pesquisa é que esta
relação tem se desdobrado em processos de desprofissionalização do trabalho docente,
refletidos em taxas crescentes de adoecimento e afastamento entre os professores, além
de números significativos de pedidos de exoneração. Metodologicamente, tratou-se de
uma pesquisa básica, de análise qualitativa, de caráter explicativo, que se insere na
categoria de pesquisa de tipo documental. Para coleta de dados, utilizou-se de revisão de
literatura e de análise de fontes bibliográficas primárias e secundárias em materiais de
referência da GIDE. Espera-se com este estudo construir um quadro de referências
explicativas sobre o novo modelo de gestão educacional e seu impacto sobre o trabalho
docente.
A pesquisa que resultou neste artigo identificou que a GIDE resulta da
formulação de um conjunto de intelectuais comprometidos com a reorganização da
gestão do trabalho na administração pública, tendo representado a inserção de novos
instrumentos de controle do trabalho docente. O novo modelo de gestão do trabalho
escolar vem se desdobrando em um processo de intensificação do trabalho docente,
submetido a instrumentos de controle que contribuem para um sentimento de
desprofissionalização entre os profissionais da rede estadual de ensino do Rio de
Janeiro.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
7591ISSN 2177-336X
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NOVOS MODELOS DE GESTÃO DO TRABALHO ESCOLAR: AGENTES E
AGÊNCIAS
Desde os anos 1990 um processo de reorganização do Estado brasileiro vem se
caracterizando pela inserção na administração pública de modelos gerenciais de gestão
do trabalho sob o argumento da ineficiência estatal, em contraposição à eficiência dos
mecanismos e instrumentos da gestão empresarial. Este processo tem sido denominado
por alguns autores como a contra-reforma do Estado brasileiro, alçada à prioridade de
governo ainda na presidência de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), quando a
partir da formação do Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública
(MARE) foram publicitadas as linhas norteadoras deste movimento dirigido pela classe
dominante, tanto em níveis internacionais, a partir de agendas e receituários
estabelecidos em eventos, como aquele que originou o “Consenso de Washingtons”
(BEHRING, 2003), como em termos nacionais, mobilizando diversos intelectuais,
coletivos e individuais, para assumir a mediação entre o movimento geral do capital e as
condições nacionais. De acordo com Coutinho (2010), os intelectuais da contra-reforma
se apresentam como portadores da melhor resposta às “exigências da modernidade (ou,
mais precisamente, da chamada pós-modernidade) e, portanto do progresso. ” (Idem, p.
35).
O desdobramento da contra-reforma do Estado na educação brasileira tem se
materializado na insurgência de novos modelos de gestão do trabalho escolar. A partir
destes modelos vem se instituindo no interior das escolas instrumentos de controle do
trabalho sob o argumento do aumento da eficiência dos investimentos públicos em
educação. Entre estes modelos de gestão do trabalho escolar, foi elaborado e vem sendo
difundido no país a “Gestão Integrada da Escola” (GIDE), formulada pelo instituto
Falconi.
A GIDE foi largamente difundida no país, através de parcerias entre seus
formuladores e as secretarias de estaduais de ensino, sendo instituído de forma
diversificada em cada estado. Alguns estados vêm implementando a reforma gerencial
da educação através do modelo da GIDE. O modelo GIDE foi elaborado por um grupo
de intelectuais, organizados na Fundação de Desenvolvimento Gerencial (FDG). A FDG
foi fundada em 1998 com a responsabilidade de difundir técnicas e metodologias
gerenciais no país. Em 2003, a Fundação redirecionou sua atuação para projetos
eminentemente assistenciais, sem nenhuma contraprestação financeira por parte das
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7592ISSN 2177-336X
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escolas. A FDG passou a atuar somente em projetos sem fins lucrativos, prestando
serviços a instituições carentes. Naquele momento, foi fundado o Instituto de
Desenvolvimento Gerencial (INDG), organização que se tornou líder em consultoria de
gestão com foco em resultados no Brasil. O INDG era uma sociedade anônima, de
capital fechado, não familiar. A instituição era especializada na transferência de
conhecimento gerencial voltados à obtenção de resultados nas organizações privadas
(indústria e serviços) e públicas, incluindo diversas prefeituras, governos estaduais e no
próprio governo federal.
O INDG realizou consultoria em centenas de empresas privadas e órgãos
públicos brasileiros, bem como em vários países, especialmente na América do Sul,
América Latina, América do Norte e Europa anunciando os seguintes fins:
Redução de gastos, sem redução do serviço prestado (fazer mais com
menos); Redução de preços de insumos e contratos (comprar melhor);
Melhoria do consumo, redução do desperdício e/ou aumento do
benefício à população (otimizar consumo); Padronização das
contratações de insumos e serviços; Melhoria da análise e controle do
gasto público; Aumento da eficiência da arrecadação (aumento de
receitas sem aumentar impostos); Melhoria do processo de cobrança de
tributos e redução da inadimplência; Melhoria na produtividade da
equipe fiscal; Reestruturação de processos com grande impacto nas
despesas e arrecadação; Adoção e disseminação de melhores práticas
(FALCONI, 2015, texto em html).
Desde outubro de 2012, o INDG passou a se chamar FALCONI Consultores de
Resultado. A experiência da FALCONI no trabalho de consultoria na área pública tem
se estendido a todos os entes da federação (federal, estadual e municipal) e Poderes
(Executivo, Legislativo e Judiciário). Essa parceria público-privada tem sido
responsável pela implantação de um sistema gerencial totalmente focado em resultados
de curto, médio e longo prazos. Em quase todos os casos, o foco de atuação está em
quatro frentes de trabalho: redução de despesas, identificação das “melhores práticas” e
eliminação dos “desperdícios”; aumento da eficiência da arrecadação com técnicas
modernas de análise e identificação de oportunidades para o combate à sonegação e
omissões no recolhimento dos tributos (aumentar receitas sem aumentar impostos);
aumento da eficiência operacional; planejamento estratégico com desdobramento de
metas; e gerenciamento de projetos por meio de um método estruturado, padronizado e
que garanta um bom planejamento e o atendimento dos prazos e orçamentos
estabelecidos.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
7593ISSN 2177-336X
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Em relação à educação pública, a FALCONI apresenta a GIDE como novo
modelo gerencial de gestão do trabalho escolar. Em 2015, a GIDE vem sendo
implementada nos seguintes estados: Ceará, Pernambuco, Sergipe, Minas Gerais, Bahia,
Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Ela é apresentada por seus formuladores como um
modelo de gestão com base científica que contempla aspectos estratégicos, pedagógicos
e gerenciais. No contexto mais amplo da reforma gerencial da educação, a GIDE é um
dos modelos que atualmente vem sendo implementado nas redes estaduais e municipais,
sob a justificativa da necessária reforma da administração pública em direção a uma
gestão mais eficiente, com o estabelecimento de metas e instrumentos de controle sobre
o trabalho escolar, capaz de assumir a histórica tarefa de desenvolvimento da educação
(LAMOSA; MACEDO, 2015).
O argumento sustentado pelos intelectuais do novo modelo de gestão do trabalho
escolar é que o estabelecimento de um novo modelo de gestão pautado pela capacidade
de identificar os fatores que impedem a melhoria dos resultados escolares possibilita
acompanhamento sistemático e estabelecimento de metas a serem atingida. Segundo
seus formuladores:
Com um trabalho focado em resultados, implementamos um
gerenciamento científico fundamentado em fatos e dados, previsibilidade
de resultados, acompanhamento sistemático e possibilidade de agir de
maneira corretiva. Entre os resultados alcançados nesse setor estão:
Identificação correta e precisa dos fatores que influenciam negativamente
os resultados da escola e que precisam ser trabalhados; Conversão do
esforço da equipe escolar para o aluno (solução de problemas e alcance
das metas); Otimizar o Trabalho: reduzir ou simplificar atividades
burocráticas dos profissionais da escola de forma a direcionar o tempo
para o ensino e aprendizagem (FALCONI, 2015, texto em html).
A promessa de maior eficiência e controle de resultados tem se materializado na
formação de novos modelos de gestão como a GIDE. A difusão destes modelos pelo
país ainda carece de maiores estudos e investigação. No caso da GIDE, em particular,
sua implementação em redes estaduais de ensino tem provocado inúmeros
desdobramentos, inclusive sobre o trabalho docente.
GESTÃO INTEGRADA DA ESCOLA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
No Rio de Janeiro, a GIDE foi apresentada como novo modelo de gestão da rede
estadual de ensino pela SEEDUC, em 2011, após ter sido divulgado, um ano antes, o
ranking dos estados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). O
Estado ficou na vigésima sexta posição e o novo modelo foi apresentado como a política
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7594ISSN 2177-336X
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pública para a melhoria na avaliação externa. A GIDE é definida pela SEEDUC-RJ
(2011) como o sistema de gestão para o conjunto de unidades escolares da rede estadual
que contempla os aspectos estratégicos, políticos e gerenciais inerentes à área
educacional com foco nos resultados, tendo como referência as metas do IDEB,
estabelecidas pelo Ministério da Educação (SEEDUC, 2011).
A principal intelectual do novo modelo de gestão do trabalho escolar
implementado a partir da GIDE é Maria Helena Pádua Godoy, tendo escrito todos os
livros de referência distribuídos nas escolas públicas da rede estadual de ensino do Rio
de Janeiro pela SEEDUC-RJ. Não foi possível, em função da delimitação proposta na
pesquisa que resultou neste artigo, verificar se os mesmos livros foram distribuídos nos
demais estados em que a GIDE vem sendo desenvolvida. Em “Gestão Integrada da
Escola” (GODOY. 2009) é possível identificar que há na formulação do novo modelo
de gestão do trabalho escolar uma clara centralidade nas estratégias que visam atender
as demandas provocadas a partir das avaliações internacionais produzidas pela
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE):
Mensagem aos educadores:
São um fato conhecido e amplamente discutido em nosso país os
resultados insatisfatórios da qualidade da educação básica, especialmente
se comparados aos índices consideráveis pela OCDE – Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – que utiliza o PISA
como parâmetro de desempenho na educação. O PISA é uma avaliação
internacional padronizada, aplicada em estudantes de 15 anos do ensino
regular dos países membros e convidados da OCDE. De acordo com
pesquisas recentes, estamos melhorando os níveis de aprovação e
abandono, mas, como mencionado anteriormente, a qualidade do
processo ensino-aprendizagem ainda deixa muito a desejar. Além disto, o
ritmo desses avanços é muito lento, se se considerar a importância
reconhecida do fator educação no desenvolvimento de qualquer nação
(GODOY, 2009, p. 11).
Nas duas últimas décadas as avaliações externas foram eleitas por diversos
intelectuais e governos enquanto instrumentos indispensáveis para o desenvolvimento
da educação. Segundo Mello (1998), a ausência de parâmetros de referência deveria ser
suprimida por um sistema de avaliação que instrumentalizasse as políticas públicas com
dados e estatísticas educacionais. Neste sentido, “as estatísticas sobre educação deixam
de ter sentido em si mesmas para dar sentido de viabilidade à ação que busca reforçar,
ajustar ou reverter a direção do desenvolvimento educacional” (MELLO, 1998, p. 11).
Os “dados” que derivam das estatísticas, no entanto, reconhece Mello, “não são dados.
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Isto é, não são oferecidos prontos. Há que trabalhar para interpretá-los como
sinalizadores de tendências ou movimentos” (MELLO, 1998, p. 10).
A participação do Brasil nas avaliações internacionais da educação, desde o
governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), até o governo Dilma
Roussef (2010-2016), provocou no país a instituição de um Sistema de Avaliação da
Educação Básica (SAEB), além da instituição de metas como o Índice de
Desenvolvimento da Educação (IDEB). Este processo internacional-nacional tem se
desdobrado na instituição nas instâncias estaduais e municipais de sistemas de avaliação
com o propósito de estabelecer mecanismos de controle e aferição de resultados.
A GIDE, enquanto um modelo de gestão do trabalho escolar, instituiu nas redes
de ensino em que foi implementada um sistema de gestão organizado a partir de
instrumentos de verificação de desempenho das escolas públicas. No Rio de Janeiro, o
Sistema de Gestão Integrada da SEEDUC-RJ é iniciado pela formulação do “Marco
Referencial” de cada unidade escolar, composto pelo “marco situacional”, “marco
doutrinal” e pelo “marco operativo”. O desempenho das escolas é medido pelo Índice de
Formação de Cidadania e Responsabilidade Social (IFC/RS) formado pelas avaliações
interna e externa, capacidade de auto sustentação, condições ambientais e aspectos
relacionados ao processo de ensino-aprendizagem. Com o objetivo de acompanhar a
avaliação da rede estadual do Rio de Janeiro, foi criado o Índice de Desenvolvimento da
Educação do Rio de Janeiro (IDERJ), em 2013. O IDERJ é a referência do Sistema de
Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (SAERJ), sendo definido a partir
da multiplicação de dois índices: índice que indica o tempo médio dos alunos para a
conclusão de um nível de ensino (IF) e índice que indica a proficiência dos alunos na
apreensão das competências ao final de um nível de ensino (ID). Em relação ao IF, o
SAERJ apreende as informações a partir do programa “Conexão”, através do qual
professores e diretores de escolas preenchem dados e informações. Em relação ao ID, o
governo submete os alunos dos 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e dos três anos do
Ensino Médio a prova denominada como “Saerjinho”. Desde a Portaria Nº 174, em 26
de agosto de 2011, os docentes estão impelidos a assimilar o SAERJ, introduzido pela
GIDE, como instrumento de avaliação dos alunos.
A avaliação interna é composta por quatro itens: índice de aprovação de alunos
sem progressão parcial (dependência), índice de permanência e evasão escolar, índice
de alunos alfabetizados no 3º ano do Ensino Fundamental e adequação idade série.
Destaca-se, na avaliação interna, a ênfase na regulação do fluxo escolar, aspecto
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considerado fundamental na Reforma Gerencial da Educação, devido ao custo
considerado financeiramente alto de uma repetência. Segundo Ribeiro (1994), a
repetência é um problema que deve ser respondido por uma severa reforma na gestão do
trabalho. De acordo com Ribeiro (Idem), “preciso rever algumas situações cristalizadas
na escola pública como, por exemplo, a estabilidade no emprego” que deveria ser
avaliada pelo mérito dos profissionais (RIBEIRO, 1994, p. 20).
Um dos aspectos centrais no sistema de gestão instituído através da GIDE é a
política de “remuneração variável” para os docentes, instituída pela Resolução 4669, de
4 de fevereiro de 2011. Embora a SEEDUC-RJ negue que o bônus esteja vinculado à
GIDE ou ao IFC-RS das escolas, no Planejamento Estratégico a “remuneração variável”
é apresentada como bonificação de acordo com o desempenho da unidade escolar. O
servidor que conseguir atingir o limite máximo das metas poderá receber até três
vencimentos-base a mais por ano (SEEDUC-RJ, 2011).
A avaliação externa proposta pelo IFC/RS é medida pelo desempenho dos
alunos na Prova Brasil, no caso das turmas de 5º e 9º ano do ensino fundamental, no
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e no Sistema de Avaliação da Educação do
Estado do Rio de Janeiro (SAERJ). A avaliação do item “Ensino-aprendizagem” no
IFC/RS divide-se entre quatro segmentos: gestores, professores, alunos e pais. Em
relação aos gestores o índice propõe medir a “lotação completa do quadro de
professores” em cada regional administrativa e pedagógica. Em relação aos docentes os
itens avaliados são mais numerosos, propondo medir: o registro das práticas bem-
sucedidas na sala de aula, a execução dos planos de curso, a frequência, atratividade das
aulas e o cumprimento do currículo mínimo definido para cada disciplina e enviado às
escolas no início do ano. A avaliação dos alunos mede, além do desempenho nas
avaliações externas (Prova Brasil, Saerjinho e ENEM), a capacidade da escola na
recuperação dos alunos e a frequência destes nos dias letivos. No caso do SAERJ, no
Rio de Janeiro, a SEEDUC-RJ criou o “Currículo Mínimo”, enviando para as escolas e
professores uma proposta curricular minimalista que deve servir de referência para as
avaliações externas. Em relação aos pais o IFC-RS propõe medir a participação destes
nas reuniões escolares.
A implementação da GIDE no Rio de Janeiro tem se desdobrado em dois
movimentos contraditórios. Por um lado, o governo estadual, responsável pela execução
do modelo gerencial de gestão do trabalho escolar, tem divulgado os resultados que
possibilitou o avanço para a segunda posição no ranking dos Estados no IDEB, como
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reflexo do exitoso desenvolvimento da GIDE na rede de ensino. Por outro lado, no
entanto, é possível verificar que o modelo gerencial de gestão tem tido desdobramentos
em relação ao trabalho escolar, sendo responsável pela intensificação da precariedade
do trabalho docente.
A INTENSIFICAÇÃO DA PRECARIEDADE DO TRABALHO DOCENTE
A principal implicação do novo modelo de gestão do trabalho escolar é a perda
do protagonismo dos professores. Este é o principal aspecto que atualiza as teses de
proletarização e desprofissionalização docente (LAMOSA, 2014). Neste contexto, os
professores vêm perdendo sua autonomia para conduzir o processo de ensino-
aprendizagem, elemento indispensável à carreira docente. Os estudos mais
significativos a respeito da reorganização do trabalho docente datam de três décadas
atrás. Foi nessa conjuntura que as teses de desprofissionalização e proletarização do
magistério se popularizaram no debate acadêmico brasileiro. Segundo Oliveira (2004),
esta formulação, contraditoriamente, foi difundida em um momento (décadas de 1970 e
de 1980) em que a história do movimento docente foi profundamente marcada pela luta
por profissionalização do magistério e reconhecimento dos direitos e deveres desses
trabalhadores. De acordo com Enguita (1991), um grupo profissional pode ser
considerado como uma categoria autorregulada de pessoas que trabalham diretamente
para o mercado numa situação de privilégio monopolista. Ressalta que, diferentemente
de outras categorias de trabalhadores, os profissionais são plenamente autônomos em
seu processo de trabalho, não tendo de submeterem-se à regulação alheia. A perda da
autonomia do trabalho docente, neste sentido, seria resultado da histórica expropriação
do saber docente.
Nas últimas décadas, o trabalho docente, assim como a escola pública, assumiu
as mais variadas funções que requerem deste profissional exigências que estão além de
sua formação2 (SHIROMA, 2003). Tais exigências contribuem para um sentimento de
desprofissionalização que se acentua com a perda da identidade profissional, resultando
em uma reestruturação do trabalho docente, alterando, inclusive, sua natureza e
definição (OLIVEIRA, 2004). É importante destacar que em momento algum na
história da carreira docente no Brasil os professores tenham gozado da autonomia
profissional desejada e pautada nos principais movimentos em defesa da educação
pública. Entretanto, a investigação realizada sobre os desdobramentos dos novos
modelos de gestão do trabalho escolar sobre o trabalho docente identificou que estes
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estiveram associados à introdução na administração pública, incluindo as próprias
instituições de ensino da Educação Básica, de novos instrumentos de controle do
trabalho.
No Rio de Janeiro, os processos de intensificação da precariedade do trabalho
docente têm sido acentuado a partir da implementação do novo modelo gerencial de
gestão do trabalho escolar. A GIDE, formulada em consonância com os pressupostos
gerenciais, tem promovido um sistema de diferenciação salarial entre os trabalhadores
da educação, incluindo os docentes, e concorrência entre as escolas. A política de
bonificação é a expressão do novo modelo de gestão do trabalho que “recompensa” os
servidores das escolas que conseguem atingir as metas estabelecidas, como é possível
depreender no plano estratégico da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro
(SEEDUC-RJ):
Com o objetivo de valorizar os servidores da Educação, o Estado poderá
investir, anualmente, cerca de R$240 milhões. O sistema de bonificação
vai recompensar os servidores da Educação por bons resultados e
trabalho de equipe. É a valorização dos profissionais ligados diretamente
à melhoria dos indicadores. Para toda a equipe escolar, será implantada
uma remuneração variável, com bonificação de acordo com o
desempenho da unidade escolar. O servidor que conseguir atingir o
limite máximo das metas poderá receber até três vencimentos-base a
mais por ano. E, no mês de junho, será pago um auxílio-qualificação para
utilização em bens pedagógico-culturais. São R$500 iniciais depositados
em um cartão de débito (SEEDUC-RJ, 2011).
A meritocracia é apresentada no plano estratégico da SEEDUC-RJ como o
princípio norteador da proposta de “valorização” do trabalho docente, premiando os
servidores que contribuem para a melhoria dos indicadores monitorados pela secretaria.
No entanto, os números relativos ao afastamento de docentes da Rede estadual de
ensino no Rio de Janeiro revelam o aumento da precariedade e a perda da autonomia do
trabalho no interior das escolas. O crescente número de pedidos de exoneração e
afastamento por motivos médicos tem caracterizado o contexto de implementação do
novo modelo de gestão do trabalho escolar. Segundo levantamento realizado pelo
Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (SEPE-RJ), no
primeiro ano de implementação da GIDE, dois mil e trezentos professores pediram
exoneração. Em 2016, os profissionais da educação do estado do Rio de Janeiro
reunidos em assembleia do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de
Janeiro (SEPE-RJ) deflagraram a greve da categoria denunciando as condições de
trabalho no interior das escolas públicas da rede estadual de ensino. Segundo Lamosa &
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Macedo (2015), o grande número de exonerações e o descontentamento dos
trabalhadores da educação da rede estadual de ensino é um desdobramento destas
condições de trabalho e do processo de implementação do modelo GIDE de gestão
escolar que vem impondo no interior das escolas um tipo novo de controle do trabalho
docente, se desdobrando na intensificação da precariedade deste trabalho.
A principal implicação da GIDE para o trabalho docente é a perda do
protagonismo dos trabalhadores da educação. A autonomia para conduzir o processo de
ensino aprendizagem, elemento indispensável à profissionalização da carreira docente e
cláusula pétrea no estatuto do SEPE-RJ, vem sucumbindo diante do estabelecimento de
metas, currículo mínimo e avaliações externas. A perda da autonomia nas escolas e seus
desdobramentos na intensificação da precariedade do trabalho docente no Rio de
Janeiro são decorrentes da expropriação dos instrumentos de gestão da educação.
CONCLUSÃO
A pesquisa que resultou neste artigo concluiu que existe uma relação de
causalidade entre a implementação do novo modelo de gestão do trabalho e a
intensificação da precariedade do trabalho docente. A inserção da GIDE na rede
estadual de ensino do Rio de Janeiro instituiu nas escolas novas formas de regulação
sobre o trabalho, sob a justificativa de que a execução do novo modelo de gestão do
trabalho escolar resulta na ampliação da eficiência e qualidade ofertada pelas escolas
públicas. A execução destas formas de regulação do trabalho vem produzindo como
efeito a reorganização nas estratégias educacionais, a inserção de novos instrumentos de
controle de resultados e racionalização dos recursos humanos e materiais. O
desdobramento deste processo tem resultado na ampliação do desgaste do trabalho
docente, na desprofissionalização da carreira e no aumento das tensões e adoecimento
do trabalhador no interior das escolas públicas.
NOTA:
1. Professor Adjunto do Departamento Educação e Sociedade (DES) e do Programa de Pós-
Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc) na
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Doutor em Educação pelo Programa de
Pós-graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com
apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES). Mestre
em Educação pelo PPGE-UFRJ (2010). Bacharel e licenciado em História pela Universidade
Federal Fluminense (UFF/2005). Ex-professor substituto do Departamento de Políticas
Públicas, Avaliação e Gestão da Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual
do Rio de Janeiro (UERJ/2014) e no Departamento de Didática da Faculdade de Educação da
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UFRJ (2012-2013). Experiência profissional na Educação Básica nas Redes Municipais de
Duque de Caxias (2006-2014) e Teresópolis (2006-2011), com atuação destacada na Educação
de Jovens e Adultos e junto aos movimentos sociais e sindicais em defesa a educação pública.
Pesquisador associado ao grupos de pesquisa Trabalho, Política e Sociedade (GTPS/UFRRJ) e
Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e Sociedade (LIEAS-UFRJ) e parecerista
de diversos periódicos.
2. Segundo o Censo Escolar, em 2012, eram ao todo 2.095.013 milhões de professores, dos quais
458 mil e 807 professores, ou seja 21,9%, sem diploma de Ensino Superior. Isto revela muito
das atuais condições do trabalho docente no Brasil. A formação dos profissionais da educação é
um problema que tem sido apontado como uma preocupação nas políticas públicas
educacionais desde pelo menos a LDB/1996 que, através do Art. 62, determinou que os
professores tivessem no mínimo Ensino Superior. Esta determinação gerou diversas
controvérsias e disputas jurídicas envolvendo os proprietários de cursos privados de formação
docente que argumentaram que no mesmo Art. 62 existia uma exceção que admitia como
formação mínima o nível médio. A referida determinação esteve clara somente nas “Disposições
Transitórias” quando estabeleceu o limite de dez anos para a transição. Através desta técnica
legislativa, os empresários encontraram o argumento legal para questionar a proposta legislativa,
pois estando presente apenas nas “Disposições Transitórias” o aumento da exigência mínima
não poderia se contrapor aquilo que havia sido fixado no corpo da lei. Assim, o Conselho
Nacional de Educação chancelou a interpretação empresarial.
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