Universidade Federal Fluminense
Faculdade de Farmácia
Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas a Produtos Para Saúde
(PPG-CAPS)
Dissertação de Mestrado
Planejamento de derivados pirazolo[1,5-a]pirimidina com
potencial atividade antichagásica
Igor Ramon Lomba Barreto
Orientadora: Dra. Luiza Rosaria Sousa Dias
Co-orientador: Dr. Lucas Villas Bôas Hoelz
Niterói, RJ
2017
B 273 Barreto, Igor Ramon Lomba
Planejamento de derivados 1H-pirazolo[1,5-a]pirimidina com potencial
atividade antichagásica / Igor Lomba Barreto; orientadores: Luiza Rosário
Sabrina Sousa Dias e Lucas Villas Bôas Hoelz - Niterói, 2017.
71 f.: il.
Dissertação (Mestrado) Pós-Graduação em Ciências Aplicada a Produtos
para a Saúde - Universidade Federal Fluminense, 2017.
1. Tecnologia farmacêutica 2. Doença de Chagas I. Dias, Luiza Rosário
Sousa, orient. II. Hoelz, Lucas Villas Boas, orient. III. Título. CDD 615.19
Igor Ramon Lomba Barreto
Planejamento de derivados pirazolo[1,5-a]pirimidina com
potencial atividade antichagásica
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em
Ciências Aplicadas a Produtos para Saúde, da Faculdade
de Farmácia da Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre. Área de
concentração: Pesquisa e monitoramento de produtos para
saúde.
Aprovada em 24 de Abril de 2017.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________
Dra. Luiza Rosaria Sousa Dias (Orientadora)
Faculdade de Farmácia – UFF
______________________________________________________________
Dr. Lucas Villas Bôas Hoelz (Coorientador)
Instituto de Tecnologia em Fármacos – FIOCRUZ
______________________________________________________________
Dra. Magaly Girão Albuquerque
Instituto de Química – UFRJ
______________________________________________________________
Dra. Alcione Silva de Carvalho
Instituto de Tecnologia em Fármacos – FIOCRUZ
______________________________________________________________
Dr. Camilo Henrique da Silva Lima (Revisor e Membro Suplente) – UFF
AGRADECIMENTOS
À minha família, por me apoiar nessa etapa importante da minha vida.
À minha orientadora, Luiza Dias, por estar ao meu lado desde o meu quarto semestre de
universidade, me orientando em uma iniciação científica, em um estágio interno no Laboratório
de Química Medicinal, no meu trabalho de conclusão de curso e, por fim, como orientadora do
meu mestrado.
Ao meu coorientador, Lucas Villas Bôas Hoelz, pelo conhecimento oferecido na área de
modelagem molecular que foi tão útil nessa dissertação.
Ao companheiro de laboratório Camilo Lima, pela colaboração na produção do texto.
Aos meus amigos André Vilarinho, Bernardo Nascimento, Bernardo Neto, Bruno Ennes, Bruno
Vigorito, Damaso Cordeiro, Diego Almeida, Ian Matos, Leonardo Carvalho, Lucas Varidel,
Luis Rangel, Marcelo Silva, Pedro Leão e Ricardo Fernandes por sua amizade e
companheirismo incontestáveis.
Aos amigos do LTPN pelo suporte técnico.
Ao amigo e aluno de iniciação científica, Wesley Costa, pela experiência trocada e pelas
risadas.
Aos membros da banca examinadora, pela participação e contribuições apresentadas.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo
financiamento da bolsa de estudos concedida.
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS SÍGLAS E SÍMBOLOS ............................................................ i
LISTA DE EQUAÇÕES ........................................................................................................... iii
RESUMO ................................................................................................................................. vii
ABSTRACT ............................................................................................................................ viii
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 1
2. OBJETIVOS ........................................................................................................................... 2
2.1. Objetivo geral ................................................................................................................. 2
2.2. Objetivos específicos ....................................................................................................... 2
3. JUSTIFICATIVA ................................................................................................................... 3
4. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................................... 4
4.1. Epidemiologia da doença de Chagas ............................................................................... 4
4.2. Transmissão e sintomas ................................................................................................... 6
4.3. Ciclo de vida do parasita ................................................................................................. 7
4.4. Terapia disponível ........................................................................................................... 9
4.5. Cruzaína como alvo terapêutico para doença de Chagas .............................................. 10
4.5.1. Inibidores da cruzaína ............................................................................................ 14
4.6. Simulação por dinâmica molecular ............................................................................... 18
4.7. Planejamento de fármacos ............................................................................................. 20
5. MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................. 22
5.1. Planejamento dos novos compostos .............................................................................. 22
5.2. Modelagem molecular ................................................................................................... 23
5.2.1. Construção dos complexos entre a enzima cruzaína e os inibidores 1-5 e dos
complexos entre a cruzaína e os compostos planejados LQM1-4 ................................... 23
5.2.2. Construção e simulação por dinâmica molecular dos sistemas CRZAPO, CRZ1-5 e
CRZLQM1-4 ......................................................................................................................... 24
5.2.3. Análises dos sistemas simulados ............................................................................ 26
6. RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................................................... 29
6.1. Planejamento de novos compostos com potencial para atividade tripanocida tendo
como alvo a enzima cruzaína ............................................................................................... 29
6.2. Validação do protocolo de “docking” molecular e análise dos complexos de menor
energia entre a cruzaína e os inibidores 1-5 ......................................................................... 32
6.3. Estrutura secundária da enzima cruzaína nos sistemas CRZapo e CRZ1-5 ..................... 34
6.4. Análise do desvio da raiz média quadrática, flutuação quadrática média e raio de giro
da enzima cruzaína nos sistemas CRZapo e CRZ1-5 .............................................................. 35
6.5. Análise das interações nos sistemas CRZ1-5 .................................................................. 38
6.6. Energia livre de ligação dos sistemas enzima-ligante ................................................... 43
6.7. Análise dos complexos de menor energia nos sistemas CRZLQM1-4 obtidos por
“docking” molecular ............................................................................................................ 45
6.8. Estrutura secundária da enzima cruzaína nos sistemas CRZLQM1-4 ............................... 46
6.9. Análise do desvio da raiz média quadrática, flutuação quadrática média e raio de giro
da enzima cruzaína nos sistemas CRZLQM1-4 ........................................................................ 47
6.10. Análise das interações enzima-ligante nos sistemas CRZLQM1-4 ................................. 50
6.11. Variação de energia livre nos sistemas CRZLQM1-4 ..................................................... 55
6.12. Análise retrossintética para os compostos LQM1-4 ................................................... 56
7. CONCLUSÕES .................................................................................................................... 59
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 60
i
LISTA DE ABREVIATURAS SÍGLAS E SÍMBOLOS
ACPYPE “AnteChamber PYthon Parser interfacE” (Ferramenta do aplicativo
ANTECHAMBER)
ADME Absorção, distribuição, metabolismo e excreção
ADT “AutoDock Tools” (Ferramentas do aplicativo “AutoDock”)
AMBER “Assisted Model Building with Energy Refinement” (Pacote de aplicativo)
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Ar Arila
Asn Asparagina
CL Cadeia lateral
CP Cadeia principal
CRZ Cruzaína
Cys Cisteína
Cα Carbono-alfa
DM Dinâmica molecular
ESP Potencial eletrostático - “ElectroStatic Potential”
FDA “Food and Drug Administration”
GA Algoritmo genético - “Genetic Algorithm”
Glu Ácido glutâmico
Gly Glicina
Gln Glutamina
GROMACS “Groningen Machine for Chemical Simulations” (Pacote de aplicativo)
His Histidina
IC50 Concentração inibitória 50%
Ki Constante de inibição
Kinat Constante de inativação
ii
Leu Leucina
LINCS “Linear Constraint Solver” (Algoritmo)
MM Mecânica Molecular
NPT Temperatura e pressão constantes
OMS Organização Mundial de Saúde
PBSA Método “Poisson-Boltzmann Surface Area”
PDB Banco de dados de proteínas - “Protein Data Bank”
PEM Partículas Ewald-Mesh
RED “RESP and ESP charge derive server” (Servidor da web)
RESP Método “Restrained ElectroStatic Potential”
Rg Raio de giro
RMSD Desvio quadrático médio - “Root Mean Square Deviation”
RMSF Flutuação quadrática media - “Root Mean Square Fluctuation”
SAR Relação entre estrutura e atividade - “Structure-Activity Relationship”
Ser Serina
Thr Treonina
TIP Potencial intermolecular transferível - “Transferable Intermolecular Potential”
TNF-α Fator alfa de necrose tumoral - “Tumor Necrosis Factor alpha”
T½ Tempo de meia vida
WHO “World Health Organization”
iii
LISTA DE EQUAÇÕES
Equação 1 ................................................................................................................................ 23
Equação 2 ................................................................................................................................ 26
Equação 3 ................................................................................................................................ 27
Equação 4 ................................................................................................................................ 27
iv
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Distribuição geográfica de casos da doença de Chagas entre os anos de 2006 e 2010
(WHO, 2017a). ........................................................................................................................... 5
Figura 2. Ciclo biológico do Trypanosoma cruzi: (1) entrada do parasita no hospedeiro
definitivo; (2) diferenciação do parasita na forma amastigota; (3) eclosão da célula e retorno
do parasita para a forma tripomastigota metacíclica; (4) contaminação do barbeiro após a
picada; (5) replicação do parasita dentro do barbeiro (adaptado de MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2009). .......................................................................................................................... 9
Figura 3. Estrutura dos fármacos nifurtimox (1) e benznidazol (2) utilizados na terapia contra
a doença de Chagas. ................................................................................................................. 10
Figura 4. (A) Superfície molecular e subsítios S1’, S1, S2, S3 e S4 (amarelo) da enzima
cruzaína (CRZ). A cor vermelha indica que a superfície é eletronegativa (Retirado de DU et
al, 2000). (B) Representação em “new cartoon” da estrutura cristalográfica (código PDB:
4KLB). Subsítios S1’-S4 (em vermelho) e a tríade catalítica composta pelos resíduos de
aminoácidos cisteína 25 (Cys25), histidina 162 (His162) e asparagina 182 (Asn182). ........... 13
Figura 5. Composto peptídeo mimético K11777 (3), um inibidor covalente irreversível da
cruzaína (CRZ) com atividade anti-T.cruzi. ............................................................................. 15
Figura 6. Compostos não peptídicos que demonstraram atividade como inibidores reversíveis
da cruzaína (CRZ). ................................................................................................................... 15
Figura 7. Representação das interações entre os resíduos Gly66 e Asp161 da cruzaína (CRZ)
com o inibidor reversível NEQ176 (inibidor 4) (adaptado de HOELZ et al., 2015). (A)
representação do conteúdo de hélices- (H1-4, em roxo) e fitas- (em amarelo) da CRZ; (B)
representação das alças 1-10 (L1-10) da CRZ; Código de cores dos átomos: nitrogênio, azul;
oxigênio, vermelho; enxofre, amarelo; carbono, cinza (inibidor) e branco (resíduo da tríade
catalítica) (Retirado de HOELZ et al., 2016). .......................................................................... 17
Figura 8. Exemplo de uma equação usada para aproximar as forças atômicas que governam o
movimento molecular. (Figura adaptada de DURRANT & MCCAMMON, 2011). .............. 19
Figura 9. Mapa de estrutura secundária (eixo y) de uma proteína, feito no programa
DO_DSSP, em função do tempo de simulação (eixo x). Cada tipo de estrutura secundária é
representado por uma cor específica. ....................................................................................... 28
Figura 10. Critério geométrico para descrever uma interação do tipo ligação hidrogênio. D =
átomo doador de ligação de hidrogênio; A = átomo aceptor de ligação de hidrogênio; r =
distância interatômica (D – A); α = desvio da linearidade. ...................................................... 28
Figura 11. Planejamento dos compostos LQM1-4 como análogos estruturais de compostos
não peptídicos que demonstraram atividade como inibidores reversíveis de cruzaína (4, 5, 6 e
inibidor 4) e/ou antiparasitária (inibidor 4 e 7). ....................................................................... 31
v
Figura 12. Representação das principais interações do tipo ligação hidrogênio entre a enzima
cruzaína e os inibidores (A) 4 (NEQ176), (B) 1 (NEQ42), (C) 2 (NEQ165), (D) 3 (NEQ177) e
(E) 5 (NEQ172), mostrando os subsítios da enzima (S1’, S1, S2 e S3). ................................. 33
Figura 13. Estrutura secundária da cruzaína (CRZ) nos sistemas CRZAPO (A) e CRZ1-5 (B - F)
durante os 100 ns de simulação por dinâmica molecular. Cada tipo de estrutura secundária
está representado por uma cor específica descrita na região inferior da figura. ...................... 35
Figura 14. Desvio quadrático médio (C-RMSD) dos átomos de carbono alfa da cruzaína
(CRZ) nos sistemas CRZAPO (linhas pretas) e CRZ1-5 (linhas vermelhas) durante os 100 ns de
simulação por dinâmica molecular. .......................................................................................... 36
Figura 15. Gráfico da flutuação quadrática média dos átomos de carbono-alfa (C-RMSF) da
cruzaína (CRZ) nos sistemas CRZAPO (linha preta), CRZ1 (linha vermelha), CRZ2 (linha
verde), CRZ3 (linha azul), CRZ4 (linha amarela) e CRZ5 (linha marrom) durante os últimos 90
ns de simulação por dinâmica molecular. ................................................................................ 37
Figura 16. Raio de giro (Rg) da enzima CRZ nos sistemas CRZAPO (linha preta), CRZ1 (linha
vermelha), CRZ2 (linha verde), CRZ3 (linha azul), CRZ4 (linha amarela) e CRZ5 (linha lilás)
durante os 100 ns de simulação por dinâmica molecular. ........................................................ 38
Figura 17. Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e o inibidor 1, durante os
últimos 90 ns de simulação por dinâmica molecular. .............................................................. 39
Figura 18. Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e o inibidor 2, durante os
últimos 90 ns de simulação por dinâmica molecular. .............................................................. 40
Figura 19. Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e o inibidor 3, durante os
últimos 90 ns de simulação por dinâmica molecular. .............................................................. 41
Figura 20. Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e o inibidor 4, durante os
últimos 90 ns de simulação, por dinâmica molecular. ............................................................. 42
Figura 21. Interações do tipo ligação de hidrogênio entre a cruzaína e o inibidor 5, durante os
últimos 90 ns de simulação por dinâmica molecular. .............................................................. 43
Figura 22. Gráfico de correlação entre os valores experimentais de IC50 versus os valores de
variação de energia livre de ligação calculados (GLIGAÇÃO) para os inibidores 1-5, mostrando
o valor do coeficiente de correlação (R). ................................................................................. 44
Figura 23. Representação das principais interações do tipo ligação hidrogênio entre a enzima
cruzaína e as moléculas planejadas (A) LQM1, (B) LQM2, (C) LQM3 e (D) LQM4,
mostrando os subsítios da enzima (S1’, S1, S2 e S3). ............................................................. 46
Figura 24. Estrutura secundária da cruzaína (CRZ) nos sistemas CRZLQM1-LQM4 (A-D),
durante os 100 ns de simulação por dinâmica molecular. Cada tipo de estrutura secundária
está representado por uma cor específica descrita na região inferior da figura. ...................... 47
Figura 25. Desvio quadrático médio (C-RMSD) dos átomos de carbono-alfa da cruzaína
(CRZ) nos sistemas CRZAPO (linhas pretas) e CRZLQM1-4 (linhas vermelhas). ........................ 48
vi
Figura 26. Gráfico da flutuação quadrática média dos átomos de carbono-alfa (C-RMSF) da
cruzaína (CRZ) nos sistemas: CRZAPO (linha preta), CRZLQM1 (linha vermelha), CRZLQM2
(linha verde), CRZLQM3 (linha azul) e CRZLQM4 (linha amarela).............................................. 49
Figura 27. Raio de giro (Rg) da enzima cruzaína nos sistemas: CRZAPO (linha preta),
CRZLQM1 (linha vermelha), CRZLQM2 (linha verde), CRZLQM3 (linha azul) e CRZLQM4 (linha
amarela). ................................................................................................................................... 50
Figura 28. (A) Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e LQM1, durante os
100 ns de simulação por dinâmica molecular. (B) Representação da interação por ligação de
hidrogênio entre LQM1 e Glu208. (C) Representação da interação por ligação hidrogênio fora
do sítio com Phe39. .................................................................................................................. 51
Figura 29. (A) Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e a molécula planejada
LQM2, durante os 100 ns de simulação por dinâmica molecular. (B) Representação da
interação por ligação de hidrogênio entre LQM2 e a enzima CRZ. ........................................ 52
Figura 30. (A) Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e LQM3, durante os
100 ns de simulação por dinâmica molecular. (B) Representação da interação por ligação de
hidrogênio entre LQM3 e Glu208. (C) Representação da interação por ligação hidrogênio
entre LQM3 e Asp161. ............................................................................................................. 53
Figura 31. (A) Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e LQM4, durante os
100 ns de simulação por dinâmica molecular. (B) Representação da interação por ligação de
hidrogênio entre LQM4 e Glu208 e Gly66. (C) Representação do LQM4 fora do sítio de
ligação da enzima ao final da simulação. ................................................................................. 54
Figura 32. Retrossíntese proposta para os compostos planejados LQM1 - LQM4. ............... 58
vii
RESUMO
A doença de Chagas, causada pelo parasita Trypanosoma cruzi, é uma infecção que possui
maior impacto na América Latina, onde a doença é endêmica em vários países. No Brasil, há
um grande número de casos, que representam aproximadamente 23% da população mundial
infectada. O desenvolvimento de novas substâncias para o tratamento desta doença é de grande
relevância, especialmente por apenas o benznidazol ser disponibilizado no Brasil. A enzima
cruzaína, uma cisteíno protease essencial para a sobrevivência do parasita, é considerada um
alvo terapêutico para a pesquisa e desenvolvimento de novos agentes antichagásicos e a
determinação dos grupos ligantes e modos de interação contribui com a busca de novos
fármacos com ação nesse alvo terapêutico. Este trabalho teve como objetivo o planejamento de
novos compostos pirazolo[1,5-a]pirimidinas com potencial atividade antichagásica, visando a
cruzaína como alvo terapêutico. No planejamento dos compostos, foram utilizadas, como ponto
de partida, moléculas sintéticas com atividade inibitória reversível sobre a enzima cruzaína e/ou
antiparasitária e o conceito de bioisosterismo. Na simulação de possíveis interações entre
ligantes e enzima, foram utilizadas as técnicas computacionais de "docking" e dinâmica
molecular. Foi realizado o mapeamento dos pontos de interação entre a cruzaína e uma série de
cinco inibidores descritos na literatura para validação do protocolo de simulação. Na
investigação computacional dos compostos planejados, foram encontradas interações
semelhantes às descritas para os inibidores utilizados no protocolo de validação. Os resultados
apontam o composto planejado 5-amino-2,7-dimetil-N-(pirimidin-2-il)-pirazolo[1,5-
a]pirimidina como o mais promissor para a inibição da cruzaína do T. cruzi e com viabilidade
sintética para a sua obtenção.
viii
ABSTRACT
Chagas' disease caused by the parasite Trypanosoma cruzi is an infection with a greater impact
in Latin America, where the disease is endemic in several countries. In Brazil, there are many
cases, representing approximately 23% of the people worldwide infected. Accordingly, the
development of new substances for the treatment of this disease is of great relevance, especially
since there is only benznidazol available in Brazil. The cruzain enzyme, a cysteine protease
essential for the survival of the parasite, has been considered as a therapeutic target in the
research of new antichagasic agents, and the determination of the binding groups and modes of
interaction contributes to the to the search for new drugs with action in this therapeutic target.
The present work aimed the design of new pyrazolo[1,5-a]pyrimidines with potential
antichagasic activity, hinting at cruzain as therapeutic target. Synthetic compounds with
reversible inhibitory activity on the cruzain and / or antiparasitic activity, in addition to the
concept of bioisosterism, were used as a starting point for new compounds design. The
computational techniques of "docking" and molecular dynamics were used in the simulations
of possible interactions between binders and enzyme. Validation of the simulation protocol was
carried out by mapping of interaction between the cruzain and a series of five inhibitors
described in the literature. The computational investigation of the designed compounds showed
interactions with the enzyme in a similar way to those described for the inhibitors used in the
validation protocol. The results point to the 2,7-dimethyl-N-(pyrimidin-2-yl)-pyrazolo[1,5-
a]pyrimidin-5-amine as the most promising inhibition activity against cruzain and synthetic
viability for its preparation.
1
1. INTRODUÇÃO
A implementação de um projeto na área de planejamento de fármacos é essencial para
a descoberta de novos agentes terapêuticos contra a doença de Chagas, uma doença parasitária,
cujo agente etiológico é o Trypanosoma cruzi. Considerada como doença negligenciada por
diferentes Instituições, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização não
governamental Médicos sem Fronteiras, é endêmica em populações de baixa renda, gerando
graves impactos sociais e econômicos, sobretudo na América Latina (SOUZA, 2012;
MARTINS-MELO, RAMOS; ALENCAR, 2014; CHATELAIN, 2015).
A terapia disponível foi introduzida na década de 1970, consistindo de compostos
nitroaromáticos que apresentam sérios efeitos adversos, além de demonstrarem ação limitada
na fase crônica da doença (BIGATÃO, 2011; SOUZA, 2012). Além disso, as pesquisas por
alternativas a essa terapia ainda não surtiram resultados satisfatórios e há um baixo interesse
das indústrias farmacêuticas pelo desenvolvimento de medicamentos contra a doença de
Chagas. Portanto, justifica-se a ampliação da pesquisa por novos fármacos que sejam mais
eficazes e seguros no tratamento dos pacientes infectados por essa parasitose. Tal iniciativa
teria impacto especial nos países da América Latina em que essa doença é endêmica (SOUZA,
2012; WIGGERS et al., 2013).
Uma abordagem para o desenvolvimento de fármacos com melhor eficácia contra a
doença de Chagas envolve o estudo do ciclo de vida do T. cruzi, identificando alvos
enzimáticos. Entre as diversas enzimas importantes para o desenvolvimento desse parasita, tem
sido descrita a presença de cisteíno-proteases, sendo a cruzaína (CRZ) reconhecida como um
alvo terapêutico validado (DU et al., 2002; OLIVEIRA et al., 2008; BRYANT et al., 2009;
ROMEIRO et al., 2009; FERREIRA et al., 2014). Dentre os compostos antiparasitários
descritos na literatura como inibidores reversíveis de CRZ, destacam-se a presença de
2
heterocíclicos e dos grupamentos amina e amida (MOTT et al., 2010; WIGGERS et al., 2013;
FERREIRA et al., 2014).
Através da análise por métodos computacionais de compostos com atividade inibitória
sobre a CRZ, neste projeto, propomos o planejamento de novos compostos heterocíclicos,
contendo padrões estruturais relevantes para a atividade, os quais foram planejados como
prováveis inibidores reversíveis dessa enzima.
2. OBJETIVOS
2.1. Objetivo geral
Tendo em vista a importância da enzima cruzaína como alvo para o planejamento de
fármacos contra a doença de Chagas, este trabalho teve como objetivo o planejamento de novos
compostos 1H-pirazolo[1,5-a]pirimidinas com potencial atividade antichagásica.
2.2. Objetivos específicos
1) Mapeamento, em nível atômico-molecular, por técnicas computacionais, dos pontos de
interação entre a cruzaína e cinco de seus inibidores (NEQ42, inibidor 1; NEQ165, inibidor
2; NEQ177, inibidor 3; NEQ176, inibidor 4; NEQ172, inibidor 5) utilizando as atividades
descritas por Wiggers e colaboradores (2013).
2) Planejamento de compostos por análise combinada de compostos descritos na literatura e
seus dados de atividade biológica.
3) Investigação computacional das interações entre os compostos 1H-pirazolo[1,5-
a]pirimidinas planejados e a enzima cruzaína.
3
3. JUSTIFICATIVA
O desenvolvimento de novas substâncias para o tratamento contra doenças parasitárias,
em especial, de novos agentes contra a doença de Chagas, enfermidade do grupo das doenças
negligenciadas, em que há apenas dois medicamentos disponíveis para o tratamento em nível
mundial e apenas um autorizado para uso no Brasil, desde a década de 1970, é de interesse
nacional e internacional (SOUZA, 2010; GRIFFITHS & ZHOU, 2012).
Nesse sentido, a triagem em larga escala de novos compostos e o desenvolvimento pré-
clínico de substâncias com atividade antiparasitária estabelecida encontram-se entre as
prioridades para apoio à pesquisa, presentes no programa de Ciência e Tecnologia para o
Desenvolvimento Nacional - Estudos estratégicos, apresentado pela Academia Brasileira de
Ciências ( SOUZA, 2010; GOMES FIGUEREDO et al., 2014).
Sabendo do reconhecimento da CRZ como um alvo terapêutico para o tratamento da
doença de Chagas, a pesquisa de novos inibidores da CRZ, assim como a determinação dos
grupos de ligação com a enzima, contribui com a busca de novos fármacos com ação nesse alvo
terapêutico, auxiliando no desenvolvimento de agentes antichagásicos.
Uma vez que a maioria dos inibidores de CRZ foi desenvolvida como inibidores
peptídicos irreversíveis, interagindo por ligação covalente, como o K11777 (DUSCHAK &
COUTO, 2009), neste projeto, visamos o planejamento de novos compostos heterocíclicos com
potencial atividade de inibição reversível da CRZ, de maneira a contribuir na área da química
medicinal com a busca de candidatos a novos fármacos para o tratamento contra a doença de
Chagas.
4
4. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
4.1. Epidemiologia da doença de Chagas
No início do século XX, o pesquisador Carlos Chagas identificou o protozoário
Trypanosoma cruzi (T. cruzi) como o agente etiológico da Tripanossomíase Americana,
também conhecida como doença de Chagas. Esta descoberta foi feita em uma expedição do
pesquisador focada no estudo da malária, em Minas Gerais. Relata-se que Chagas deparou-se
com um parasita hemoflagelado, o qual apresentava cinetoplasto grande e intensa
movimentação, quando fazia análise de um inseto comum da região, o “barbeiro”. Após a
descoberta, Chagas aprofundou suas pesquisas sobre as características biológicas e
morfológicas do T. cruzi (STEVERDING, 2014).
Com a expansão agrícola e o consequente desmatamento, o inseto vetor migra para
novas áreas, aumentando a área de abrangência da doença. O acompanhamento desse ciclo
transitório da população deve então ser feito para que se possa ter controle de possíveis casos
de transmissão pelo inseto vetor.
A OMS estima que existam cerca de 7 milhões de pessoas infectadas pelo T. cruzi no
mundo e uma taxa anual de 10 mil mortes (WHO, 2016). Esta parasitose é endêmica nas
Américas do Sul e Central, com maior taxa de prevalência no Brasil, Argentina e México,
porém, devido ao intenso fluxo migratório, vem sendo também detectada nos Estados Unidos,
Europa, Ásia e Oceania (Figura 1) (SERAFIM, 2011; MARTINS-MELO et al, 2014;
CHATELAIN, 2015, WHO, 2016). Os países da América Latina concentram o maior número
de mortes por essa doença e há uma estimativa que 23% dos pacientes infectados encontrem-
se no Brasil (MARTINS-MELO et al., 2014).
5
Figura 1. Distribuição geográfica de casos da doença de Chagas entre os anos de 2006 e 2010
(WHO, 2017a).
Incentivos de instituições, como a OMS, para o controle da doença têm sido feitos para
reduzir o número de casos, principalmente nas Américas. Medidas como a eliminação do vetor,
estudos para determinação de tendências de transmissão, controle de bancos de sangue, entre
outras, ajudaram a reduzir em cerca de 50% a taxa de prevalência dessa doença
(STEVERDING, 2014; CHATELAIN, 2015).
Graças aos esforços dos setores de saúde no controle da doença em áreas endêmicas, o
número de pessoas com risco de infecção foi reduzido nos últimos 30 anos. Entretanto, apesar
desse significativo avanço no controle da infecção vetorial e por transfusão de sangue, ainda
existe um grande número de pessoas infectadas anualmente (MARTINS-MELO et al, 2014).
6
4.2. Transmissão e sintomas
A transmissão da doença de Chagas pode ocorrer principalmente pelas vias: cutânea,
pela picada do inseto vetor contaminado com o parasita; oral, pela ingestão de alimentos
contaminados com material fecal do inseto vetor; venosa, pela transfusão de sangue
contaminado. Adicionalmente, outras vias de contágio possíveis são: a transmissão congênita,
na qual a mãe infectada pode contaminar do feto (BITTENCOURT, 1992; NISIDA et al., 1999),
e a doação de órgãos (LENNOX et al., 2007; SERAFIM, 2011a).
O inseto vetor da doença de Chagas é um artrópode do gênero dos triatomíneos,
podendo ser das espécies Triatoma infestans (principal vetor), T. dimidiata, T. pseudomaculata
e Panstrogylus megistus (URBINA & DOCAMPO, 2003; BIGATÃO, 2011). Logo após o
artrópode picar o indivíduo, para se alimentar do seu sangue, ele evacua, eliminando o parasita
em suas fezes na forma tripomastigota metacíclica. Ao coçar o local da picada,
involuntariamente, o paciente promove a entrada do parasita na circulação sanguínea,
caracterizando o contágio. Essa picada geralmente ocorre na região do rosto, por ser uma pele
mais delicada e fina, por isso, no Brasil, o inseto vetor é denominado “barbeiro” (SERAFIM,
2011).
Na transmissão por via oral, o indivíduo contrai a doença pela ingestão de alimentos
contaminados com material fecal do inseto “barbeiro”. Isso ocorre pelo fato de que no momento
da prensagem, ou colheita de alimentos, como açaí e cana de açúcar, o “barbeiro” contaminado
com T. cruzi é incorporado ao produto de consumo (BIGATÃO, 2011; LENNOX et al., 2007).
Além disso, as transfusões de sangue também são responsáveis pela transmissão dessa
doença em aproximadamente 20% dos casos. Em geral, essa via de exposição acontece em
países que não fazem controle dos bancos de sangue, pois o parasita permanece vivo por mais
7
de duas semanas após a doação e tem potencial de infecção nesse período (LENNOX et al.,
2007).
Após a infecção pelo parasita, a doença apresenta duas fases, uma fase aguda,
geralmente assintomática e com alguns meses de duração, e uma fase crônica que não tem cura
e é muito mais grave (NUNES et al. 2013; CHATELAIN, 2015; SALVADOR et al., 2016).
Durante a fase aguda, o indivíduo pode apresentar feridas no local da picada do
“barbeiro”, e ainda ser acometido por febre e inchaço nos gânglios linfáticos. Caso a picada
seja na região próxima aos olhos, pode gerar conjuntivite ou ocorrer a formação de edema
(inchaço) inflamatório unilateral nas pálpebras, identificado como sinal de Romaña, além de
haver um grande número de casos assintomáticos (AMATO-NETO, YASUDA, AMATO,
1997; NUNES et al., 2013).
A próxima fase da doença é conhecida como fase crônica, que apresenta mais riscos
para a saúde, devido ao seu longo tempo de duração. Nessa fase, o parasita invade órgãos do
corpo humano, como o intestino, esôfago e coração, causando danos irreversíveis. A infecção
de órgãos viscerais provoca diversas síndromes, particularmente, no coração, cólon e esôfago,
sendo a insuficiência cardíaca uma enfermidade muito comum em pacientes infectados
(BRENER & ANDRADE, 1979). Nessa fase, quando se identifica a presença do parasita, não
há uma terapia eficaz para a cura do paciente e, em muitos casos, os danos causados ao coração
são graves, culminando na morte do paciente (HIDRON et al., 2010; NUNES et al., 2013).
4.3. Ciclo de vida do parasita
O protozoário T. cruzi possui um ciclo de vida complexo, transitando entre hospedeiros
mamíferos e insetos (BRENER & ANDRADE, 1979). O contágio inicial pode ser feito pelo
inseto vetor, hematófago, que ao picar o indivíduo ou animal deposita suas fezes contendo a
forma tripomastigota metacíclica (1) do T. cruzi (Figura 2). Assim, ao coçar o local da ferida
8
causada pela picada do inseto vetor, o indivíduo promove a entrada do parasita na corrente
sanguínea.
Quando presente na circulação sanguínea, o parasita penetra nas células e se diferencia
em sua forma amastigota (2), a forma replicativa no hospedeiro definitivo. O T. cruzi, então, se
reproduz em grande quantidade causando o rompimento da célula. Com o extravasamento do
conteúdo intracelular, o parasita volta à circulação na forma tripomastigota (3) que, por sua vez,
pode infectar outras células ou, em caso de nova picada pelo barbeiro, vir a infectar um novo
inseto que passará transmitir a doença (4) (CLAYTON, 2010).
No intestino delgado do inseto, ocorre a diferenciação da forma tripomastigota para a
forma epimastigota (5), onde ocorre intensa multiplicação parasitária que, posteriormente,
segue para o intestino grosso do triatomíneo. Assim, haverá uma nova diferenciação para a
forma tripomastigota que será eliminada nas fezes no momento da picada, perpetuando o ciclo
de vida do agente etiológico da doença de Chagas (GRAYSON, 2010; MUÑOZ et al., 2013).
9
Figura 2. Ciclo biológico do Trypanosoma cruzi: (1) entrada do parasita no hospedeiro
definitivo; (2) diferenciação do parasita na forma amastigota; (3) eclosão da célula e retorno do
parasita para a forma tripomastigota metacíclica; (4) contaminação do barbeiro após a picada;
(5) replicação do parasita dentro do barbeiro (adaptado de MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009).
4.4. Terapia disponível
Passados mais de cem anos da descoberta do Trypanosoma cruzi, ainda não existe um
fármaco com eficácia comprovada no tratamento contra a doença na fase crônica. Essa
patologia é considerada como negligenciada, atingindo, geralmente, países subdesenvolvidos
ou em desenvolvimento (CHATELAIN, 2015).
Há apenas dois fármacos que podem ser indicados para o combate dessa parasitose
disponibilizados no mercado: nifurtimox (1) e benznidazol (2) (Figura 3). Entretanto, apesar
desses fármacos demonstrarem uma boa eficácia na fase aguda, eles não produzem o mesmo
resultado na fase crônica, sendo eficazes em apenas 20% na dos casos (URBINA &
DOCAMPO, 2003; BIGATÃO, 2011).
10
Figura 3. Estrutura dos fármacos nifurtimox (1) e benznidazol (2) utilizados na terapia contra
a doença de Chagas.
Tanto o benznidazol quanto o nifurtimox atuam através de formação de radicais livres
e/ou metabólitos eletrofílicos, apresentando uma elevada toxicidade para o paciente (URBINA;
DOCAMPO, 2003; DIAS et al., 2009; BIGATÃO, 2011). Ambos os medicamentos foram
desenvolvidos na década de 1970 e, até hoje, são os únicos compostos utilizados no tratamento
da doença de Chagas. Somando-se a essa escassez de terapias, temos o fato de que, no Brasil,
a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) autoriza a utilização de apenas um dos
medicamentos, o benznidazol (SERAFIM, 2011; SOUZA, 2012). Tendo em vista esse cenário,
o desenvolvimento de novos agentes terapêuticos é necessário para um tratamento mais eficaz
contra essa parasitose (CHATELAIN, 2015).
4.5. Cruzaína como alvo terapêutico para doença de Chagas
Atualmente, a partir do estudo das vias bioquímicas do parasita, diversas enzimas de
vias metabólicas importantes estão sendo explorados para o desenvolvimento de novas
substâncias capazes de combater o T. cruzi. Geralmente, o planejamento de fármacos
antiparasitários é baseado na investigação das vias bioquímicas do parasita e comparação dessas
com a do hospedeiro, de maneira a avaliar a seletividade do alvo molecular. A partir do
desenvolvimento científico foi possível aprofundar os conhecimentos sobre a fisiologia do T.
(1) (2)
11
cruzi. Com esses conhecimentos, começaram a surgir estudos sobre potenciais alvos
terapêuticos contra a doença de Chagas, em geral, enzimas (TOLEDO et al., 2016).
As enzimas são importantes alvos biológicos no planejamento de fármacos, em virtude
do seu papel em vias bioquímicas e adequação para ensaios biológicos. Nesse sentido, dados
da “Food and Drug Administration” (FDA) demonstram que cerca de 25% das novas entidades
químicas registradas tinham enzimas como alvo (ROGERS et al., 2012).
Em várias etapas do ciclo de vida do T. cruzi tem sido descrita a presença de cisteíno
proteases, enzimas proteolíticas dependentes do grupo nucleofílico tiol de um resíduo de
cisteína para exercer sua atividade enzimática (TROSSINI et al., 2009). CRZ (EC 3.4.22.51) é
a cisteíno protease majoritária do T. cruzi, encontrada nos reservossomos (organelas
semelhantes aos lisossomos), sendo também conhecida como cruzipaína, quando sua estrutura
apresenta uma extensão C-terminal, não requerida para a atividade proteolítica (WIGGERS et
al., 2013).
A enzima CRZ tem sido reconhecida como um possível alvo terapêutico contra a doença
de Chagas, por desempenhar um papel essencial em todas as fases do ciclo de vida do parasita
(diferenciação, invasão celular, multiplicação intracelular e evasão imune), catalisando, por
exemplo, reações de hidrólise de ligações peptídicas de proteínas do hospedeiro para nutrição
do T. cruzi (McKERROW, 1999; CAZZULO, STOKA, TURK, 2001; ROGERS et al., 2012;
FERREIRA et al., 2014; MARTINEZ-MAYORGA et al. 2015).
Em uma estrutura cristalográfica da CRZ complexada com o inibidor reversível não-
covalente (NEQ176) (Figura 4), pode-se observar que a enzima apresenta uma cadeia
polipeptídica com 215 resíduos de aminoácidos, organizados em uma arquitetura típica de
proteases lisossomais de mamíferos pertencentes à superfamília da papaína (WIGGERS et al.,
2013). O sítio ativo possui dois resíduos catalíticos (Cys25 e His162), sendo auxiliado por um
12
terceiro resíduo (Asn182) na função proteolítica da enzima. Além disso, um quarto resíduo
(Gln19) desempenha a função de estabilizar o grupo oxiânion do intermediário tetraédrico
formado durante a reação enzimática.
Para mapear as regiões envolvidas na clivagem do substrato peptídeo, o sitio ativo é
dividido de acordo com a região que interage com a cadeia lateral, sendo denominado de
subsítios (SCHECHTER & BERGER, 1967). No caso da CRZ, o resíduo de Cys25 encontra-
se no subsítio S1, enquanto os resíduos His162, que está envolvido diretamente com a reação,
e o resíduo de Gln19, que estabiliza o oxiânion formado, estão no subsítio S1' (WIGGERS et
al., 2013). Os subsítios S2-S4 e S2’-S4’ da enzima CRZ apresentam característica mais
hidrofóbica quando comparados com os subsítios S1 e S1’ (DU et al., 2000; ROMEIRO et al.,
2009).
13
Figura 4. (A) Superfície molecular e subsítios S1’, S1, S2, S3 e S4 (amarelo) da enzima cruzaína
(CRZ). A cor vermelha indica que a superfície é eletronegativa (Retirado de DU et al, 2000).
(B) Representação em “new cartoon” da estrutura cristalográfica (código PDB: 4KLB).
Subsítios S1’-S4 (em vermelho) e a tríade catalítica composta pelos resíduos de aminoácidos
cisteína 25 (Cys25), histidina 162 (His162) e asparagina 182 (Asn182).
amarelo = folhas-β; roxo = hélices-α; branco e ciano = alças.
Cys25
His162
Asn182
S2
S3
S4
S1
S1’
B
S4A
14
4.5.1. Inibidores da cruzaína
CRZ é a cisteíno protease majoritária do T. cruzi, sendo ela essencial para a sobrevivência
do parasita e sua replicação. Inibidores da cisteíno protease do T. cruzi são potenciais
quimioterápicos contra a doença de Chagas, como os compostos peptídicos e não peptídicos
que inibem a enzima reversível ou irreversivelmente (DU et al., 2002; ROMEIRO et al., 2009;
ROGERS et al., 2012; FERREIRA et al., 2014).
Os inibidores peptídicos geralmente apresentam maior afinidade pela enzima, entretanto,
são mais susceptíveis a hidrólises químicas e enzimáticas, além de possuírem geralmente baixa
seletividade, podendo causar maior toxicidade (BRANQUINHA et al., 2017).
Entre as diversas classes de inibidores da CRZ, podemos observar diferentes modos de
inibição: ligação covalente irreversível, como o composto K11777 (3, Figura 5) (JACOBSEN,
CHRISTIANS, BENET, 2000; DUSCHAK & COUTO, 2009); ligação covalente reversível,
como o composto QL2, um derivado purina-2-carbonitrila (4, Figura 6) (MOTT et al., 2010);
e ligação reversível não-covalente, por exemplo o composto NEQ176, um derivado 2-
acetamidotiofeno-3-carboxamida (WIGGERS et al., 2013) (inibidor 4, Figura 6), D16, um
derivado do pirazol contendo o grupo ariluréia (5, Figura 6) (DU et al., 2000), e um derivado
benzonidazol contendo um grupamento amida (FERREIRA et al., 2010; FERREIRA et al.,
2014) (6, Figura 6).
Dentre estes, os compostos K11777 (3) e NEQ176 (inibidor 4) também demonstraram
atividade contra a forma tripomastigota do T. cruzi, com IC50 = 1 μM e 108,2 μM,
respectivamente (DUSCHAK & COUTO, 2009). Além destes, ainda há os que não interagem
com a CRZ, atuando por agregação.
15
Figura 5. Composto peptídeo mimético K11777 (3), um inibidor covalente irreversível da
cruzaína (CRZ) com atividade anti-T.cruzi.
Figura 6. Compostos não peptídicos que demonstraram atividade como inibidores reversíveis
da cruzaína (CRZ).
Embora o mecanismo de inibição promovido por estes compostos ainda não esteja
elucidado, sabe-se que a maioria dos inibidores de protease ligam-se ao sítio ativo bloqueando
K11777 (3)
IC50 = 0,06 μM (CRZ)
IC50 = 1 μM (T. cruzi)
QL2 (4)
IC50 = 10 nM (CRZ)
NEQ176 (inibidor 4)
IC50 = 68,5 μM (CRZ)
IC50 = 108,2 μM (T. cruzi)
D16 (5)
IC50 = 3,1μM (CRZ)
(6)
IC50 = 0,8μM (CRZ)
16
o acesso a sua protease alvo, mas eles não se ligam estritamente como substratos (FARADY &
CRAIK, 2010). Em vez disso, os compostos interagem com subsítios e resíduos catalíticos de
uma maneira não competitiva (LASKOWSKI & QASIM, 2000; GASPARI et al., 2010).
Teoricamente, os compostos inibidores da CRZ que não possuem um grupo funcional
suscetível a um ataque nucleofílico (para sofrer uma reação de adição ou substituição
nucleofílica), possuem o perfil de inibidores reversíveis. Os subsítios S2–S4 da enzima
possuem resíduos com características hidrofóbicas e numa região hidrofílica do sítio S3,
encontra-se o resíduo Gly66, passível de realizar interações por ligação hidrogênio no
reconhecimento molecular (HUANG; BRINEN; ELLMAN, 2003). A Figura 7 representa o
complexo formado pelo inibidor reversível competitivo NEQ176 (inibidor 4) e a CRZ,
mostrando as interações por ligação hidrogênio com os resíduos Gly66 e Asp161 pertencentes
ao subsítio S1’, o mais hidrofílico (HOELZ et al., 2016).
17
Figura 7. Representação das interações entre os resíduos Gly66 e Asp161 da cruzaína (CRZ)
com o inibidor reversível NEQ176 (inibidor 4) (adaptado de HOELZ et al., 2015). (A)
representação do conteúdo de hélices- (H1-4, em roxo) e fitas- (em amarelo) da CRZ; (B)
representação das alças 1-10 (L1-10) da CRZ; Código de cores dos átomos: nitrogênio, azul;
oxigênio, vermelho; enxofre, amarelo; carbono, cinza (inibidor) e branco (resíduo da tríade
catalítica) (Retirado de HOELZ et al., 2016).
Estudos têm demonstrado que os inibidores de CRZ ativos como tripanocidas
apresentaram toxicidade insignificante para mamíferos (DOYLE et al., 2011). Compostos das
classes das vinilsulfonas, sulfonatos, sulfonamidas, -cetoamidas, -cetoácidos e -cetoésteres
também apresentaram atividade inibitória com alta afinidade para esta enzima (CHEN et al.,
2008; ROGERS et al., 2012). No entanto, muitos destes potenciais fármacos, não são liberados
para uso clínico por não possuir um perfil farmacológico adequado e aqueles que são aprovados
estão sujeitos a crescente resistência parasitária (ROGERS et al., 2012). Consequentemente, se
faz necessário a proposta de novos candidatos terapêuticos.
18
4.5.1.1. Inibidores da enzima cruzaína: mecanismo de inibição
Entender o mecanismo de inibição de cisteíno proteases, incluindo a CRZ, é um passo
essencial para a proposta de novos agentes terapêuticos mais eficazes e seguros contra a doença
de Chagas.
O modelo chave-fechadura para a descrição do mecanismo de inibição de proteases
descreve que a maioria dos inibidores são moléculas pequenas que tendem a inibir as proteases
interagindo com os subsítios da cavidade onde se localiza a tríade catalítica, bloqueando a
interação do substrato com sua protease-alvo (LASKOWSKI & QASIM, 2000; FARADY &
CRAIK, 2010). Além disso, alguns trabalhos relatam que estes inibidores interagem em
subsítios das proteases, distintos dos sítios de interação com os substratos, impedindo que os
resíduos catalíticos realizem a reação enzimática (LASKOWSKI; QASIM, 2000). Esta
proposta de mecanismo de inibição baseia-se na observação de estruturas cristalográficas
rígidas de proteases, tanto na forma apo quanto complexadas com inibidores, que mostram
apenas pequenas diferenças na conformação da cadeia principal destas enzimas (GÁSPÁRI et
al., 2010; LASKOWSKI & QASIM, 2000).
No entanto, estudos de ressonância magnética nuclear (RMN) revelaram que complexos
inibidor-protease são flexíveis na escala de tempo entre picossegundos (ps) e nanossegundos
(ns) (ZHAO et al., 2007). Em geral, essas observações estão de acordo com os resultados
experimentais e teóricos descritos na literatura, enfatizando o papel essencial da dinâmica
interna na função enzimática das proteases (HENZLER-WILDMAN & KERN, 2007;
GÁSPÁRI et al., 2010).
4.6. Simulação por dinâmica molecular
A simulação por dinâmica molecular (DM) é uma técnica computacional em que se
19
determinam os movimentos das partículas de um sistema, conhecendo o potencial de interação
entre estas partículas e as equações que regem seus movimentos. Neste método, as interações
entre as partículas são descritas empiricamente por uma função de energia potencial, com a qual
é possível determinar as forças que agem em cada partícula, o que possibilita o cálculo do
comportamento dinâmico do sistema, usando a equação clássica da segunda lei de Newton
(KANDT et al., 2007).
Para um sistema macromolecular, a função de energia potencial consiste em um
conjunto de equações que descrevem, empiricamente, as interações entre átomos ligados e não
ligados. O conjunto formado por esta função de energia e seus respectivos parâmetros empíricos
é denominado de campo de força (KANDT et al., 2007). Um campo de força de dinâmica
molecular consiste em dois componentes principais: o primeiro descreve as interações entre
átomos em ligações covalentes (comprimento de ligação, ângulo de ligação e ângulo diedro) e
o segundo, as interações entre átomos não ligados, incluindo interações eletrostáticas e
interações dispersivas de Lennard-Jones.
Figura 8. Exemplo de uma equação usada para aproximar as forças atômicas que governam o
movimento molecular. (Figura adaptada de DURRANT & MCCAMMON, 2011).
Cada molécula durante a simulação é descrita por sua topologia, ou seja, pela descrição
de um conjunto de átomos com seus parâmetros de interação entre átomos ligados e não ligados
20
e suas conectividades (KANDT et al, 2007).
Por fornecerem resultados em nível de detalhamento atômico, as simulações por
dinâmica molecular tornaram-se uma ferramenta comum para se investigar o comportamento
dinâmico de sistemas biológicos (e.g., enzimas), auxiliando a interpretação de dados
experimentais, ou, mesmo, fornecendo informações importantes sobre um sistema, quando as
técnicas experimentais ainda não podem ser usadas (TROSSINI et al., 2009; FOWLER;
COVENEY, 2006).
4.7. Planejamento de fármacos
As etapas iniciais do processo de planejamento de fármacos envolvem a descoberta, e
são também conhecidas como fase da pesquisa básica ou fase pré-clínica. Etapas posteriores
estão relacionadas com o desenvolvimento. Inicialmente, a fase da descoberta é direcionada
para a identificação e otimização de moléculas capazes de representar novas entidades químicas
com potencial atividade farmacológica no alvo molecular selecionado, para posterior
prosseguimento dos estudos na fase de desenvolvimento (TOLEDO et al., 2016).
Dentre as possibilidades de pontos de partida para a descoberta de uma nova substância,
distinguem-se a química translacional, associada à observação de estruturas químicas de
substâncias já existentes, a pesquisa translacional, associada à observação no nível da biologia
molecular ou farmacologia, e a medicina translacional, relacionada à observação de respostas
biológicas na área clínica (ERHARDT et al., 2009).
No campo da química translacional, moléculas bioativas podem ser identificadas a partir
de observações em triagens biológicas ou bioquímicas, ou mesmo virtuais, de séries de
compostos obtidos por diferentes fontes naturais ou sintéticas, geralmente, mediante
planejamento. A etapa subsequente é a otimização dos compostos em relação às propriedades
farmacodinâmicas e farmacocinéticas (ADME), de maneira a eleger um composto protótipo
21
“lead compound” para posterior desenvolvimento de um novo candidato a fármaco (TROSSINI
et al., 2009).
As estratégias de planejamento de fármacos se baseiam na estrutura do alvo molecular,
quando este é conhecido, ou na estrutura do ligante, quando a estrutura do alvo eleito não é
conhecida, explorando propriedades e características estruturais das moléculas bioativas.
Entretanto, o uso integrado dessas estratégias leva a complementaridade de informações que
são muito úteis no planejamento de novas moléculas (TROSSINI et al., 2009).
No planejamento de moléculas potencialmente ativas, incluem-se os processos de
modificações moleculares relacionados à dimensão e conformação do esqueleto carbônico e às
alterações estruturais específicas quanto a natureza, o grau de substituição e configuração
molecular (PATRICK, 2013).
As estratégias de modificação relacionadas ao esqueleto molecular envolvem: aumento
ou diminuição da cadeia de carbonos, restrição/rigidificação ou simplicação/dissociação
molecular, e associações moleculares (adição, replicação ou hibridação (PATRICK, 2013).
Quanto às modificações relacionadas à natureza e ao grau de substituição, comumente, é
empregado o conceito de bioisosterismo (MEANWELL, 2011; PATRICK, 2013; ZAVOD,
KNITTEL, 2013).
No conceito de bioisosterismo, compostos ou grupos considerados isósteros por
possuirem formas e volumes iguais, ou quase iguais, e aproximadamente a mesma distribuição
de elétrons, capazes de afetar os mesmos sistemas bioquimicamente associados que agonistas
ou antagonistas demonstram relação entre as propriedades biológicas apresentadas (ZAVOD,
KNITTEL, 2013). O biosisosterismo é dividido em clássico e não-clássico.
No bioisosterismo clássico, anéis, átomos, moléculas ou grupos diferentes se equivalem
quanto ao número total de elétrons (regra do hidreto de Grimm) ou número de elétrons da
22
camada periférica (regra de Erlenmeyer), nos quais as características eletrônicas e espaciais
equivalentes contribuem para alcançar efeitos biológicos similares. O bioisosterismo não-
clássico não atende as regras eletrônicas e estéricas dos bioisósteros clássicos, mas produzem
atividade biológica similar. Sendo relacionado a um mimetismo bioquímico, os bioisósteros
não clássicos podem diferir substancialmente quanto às representações eletrônicas,
propriedades físico-químicas, estéricas e topológicas. Este se define pela substituição de grupos
interconversíveis na molécula como meio para alcançar atividades farmacológicas diferentes
(MEANWELL, 2011; ZAVOD, KNITTEL, 2013).
As modificações moleculares podem fornecer características tanto benéficas quanto
deletérias às moléculas que estão sendo desenhadas, devendo, portanto, serem executadas
dentro de um contexto, de maneira a contribuir para o reconhecimento molecular. O emprego
da estratégia de isosterismo dependerá mais do contexto do que das propriedades físico-
químicas e/ou mimetismo bioquímico dos compostos isósteros (MEANWELL, 2011).
5. MATERIAL E MÉTODOS
5.1. Planejamento dos novos compostos
Na pesquisa básica, são empregados métodos de química medicinal que auxiliam nos
processos de planejamento, seleção e otimização de moléculas capazes de interagir com o alvo
molecular selecionado, com certo grau de afinidade e seletividade (LEACH et al, 2010; GUIDO
et al., 2010). Dentre os métodos de química medicinal que são amplamente empregados como
ponto de partida na descoberta de uma nova substância, tem-se o baseado no conceito da
química translacional (ERHARDT, 2009). Inclui-se nesse conceito a observação das atividades
de compostos com estruturas semelhantes e, se possível, a reatividade química e bioquímica
dos compostos em estudo.
23
Assim, o planejamento dos novos compostos 1H-pirazolo[1,5-a]pirimidinas foi baseado
na química translacional, pela análise combinada da estrutura química de compostos e dados de
investigação biológica destes relacionados a inibição da cruzaína e/ou atividade antiparasitária.
Ressalta-se que a alteração de posição de heteroátomos em compostos heterocíclicos já resultou
compostos com alterações substanciais nas propriedades físico-químicas e bioquímicas
relevantes à descoberta de fármacos (GRIFFEN et al., 2011; MÜLLER, 2012).
5.2. Modelagem molecular
5.2.1. Construção dos complexos entre a enzima cruzaína e os inibidores 1-5 e dos
complexos entre a cruzaína e os compostos planejados LQM1-4
As estruturas dos inibidores 1-5 e das moléculas planejadas LQM1-4 foram construídas
no programa Spartan’10 (Wavefunction, Inc., USA, CA). A estrutura cristalográfica da CRZ,
disponível no banco de dados de proteínas “Protein Data Bank” (PDB) e identificada pelo
código PDB 4KLB (WIGGERS et al., 2013), foi escolhida para a construção dos complexos.
O ancoramento ou docagem (“docking”) molecular dos inibidores 1-5 e das moléculas
LQM1-4 na estrutura da CRZ foi realizado no programa AUTODOCK 4.2 (MORRIS et al.,
2009). A função de pontuação deste programa é expressa como o somatório das energias
intermoleculares entre o complexo e a energia interna do ligante, de acordo com a Equação 1.
Edock = EVDW + ELIG-H + EELETROSTÁTICA + EINTERNA + ESOLVATAÇÃO
Equação 1
Na equação 1, EVDW = termo de repulsão/dispersão de Lennard-Jones 12-6; ELIG-H = termo de
ligação hidrogênio; EELETROSTÁTICA = potencial elestrostático de Coulomb; EINTERNA = energia
interna do ligante; ESOLVATAÇÃO = energia de dessolvatação.
Dos cinco parâmetros desta equação, os três primeiros (EVWD, ELIG-H e EELETROSTÁTICA)
24
constituem o campo de forças do AUTODOCK 4.2. O quarto termo (EINTERNA) é calculado a
partir da restrição dos graus de liberdade conformacional do ligante no complexo, que
influencia na entropia do mesmo. Por fim, o quinto termo representa a energia de dessolvatação
no momento da ligação e o efeito hidrofóbico (mudanças na entropia do solvente na interface
soluto-solvente) (MORRIS et al., 2009).
Dessa forma, a preparação da estrutura da enzima CRZ e dos ligantes foi realizada
utilizando a extensão “Python Molecular Viewer” do programa “AUTODOCK TOOLS”
(ADT). Para a enzima, foram adicionados os átomos de hidrogênios polares e as cargas parciais
dos átomos foram assinaladas pelo método Kollman (MORRIS et al., 2009). O mapa de rede
(“grid”) foi adicionado utilizando a extensão AUTOGRID 4.2 e foi centrado no átomo de
enxofre de Cys25 (x: 32,549; y: 32,549; z: -27,088), com espaçamento de rede de 0,375 Å e
dimensões de 40x40x40 Å3.
O potencial eletrostático foi calculado para cada tipo de átomo dos ligantes e o método
utilizado para o estudo de “docking” molecular foi o algoritmo genético (GA), utilizando os
seguintes parâmetros: população de 600, número máximo de 2500000 avaliações de energia,
número máximo de 27000 gerações, mutações de 0,02, taxa de cruzamento (“crossover”) de
0,8 e número de corridas de 100.
5.2.2. Construção e simulação por dinâmica molecular dos sistemas CRZAPO, CRZ1-5 e
CRZLQM1-4
A mesma estrutura cristalográfica da CRZ (código PDB: 4KLB), usada no
procedimento de “docking” molecular, também foi usada na construção do sistema da enzima
no estado apo (i.e., enzima na forma livre; sistema CRZAPO). Em seguida, todos os átomos de
água e de íons desse cristal foram excluídos, restando apenas a estrutura da CRZ. Dessa forma,
utilizando o servidor PDB2PQR (Dolinsky et al., 2004), foram adicionados átomos de
25
hidrogênio à estrutura da CRZ, de forma que o estado de protonação da enzima fosse compatível
com um meio com o valor de pH igual a 5,5 (pH do reservossomo) (WIGGERS et al., 2013).
Os complexos de menor energia, obtidos por “docking” molecular, entre a CRZ e os
inibidores 1-5, assim com entre a CRZ e as moléculas planejadas LQM1-4, foram usados na
construção dos sistemas CRZ1-5 e CRZLQM1-4, respectivamente. Posteriormente, a construção
das topologias dos inibidores 1-5 e das moléculas planejadas LQM1-4 foi feita no programa
ACPYPE (SOUSA DA SILVA & VRANKEN, 2012) e as cargas parciais foram calculadas no
servidor RED (VANQUELEF et al., 2011).
As simulações por dinâmica molecular dos sistemas (CRZAPO, CRZ1-5 e CRZLQM1-4)
foram realizadas no pacote de programas GROMACS 5.1.0 (HESS et al., 2008), usando o
campo de forças AMBER (LINDORFF-LARSEN et al., 2010), o modelo de água TIP3P
(JORGENSEN & MADURA, 1985) e contra-íons para neutralizar a carga do sistema.
Condições periódicas de contorno foram empregadas e todas as simulações foram realizadas no
“ensemble” NPT. A temperatura foi mantida a 300 K, utilizando o termostato Nose-Hoover
(NOSE & KLEIN, 1983) e a pressão de 1,0 atm foi conservada no acoplamento de pressão
isotrópico, utilizando o barostato de Parrinello-Rahman (PARRINELLO, RAHMAN,
PARRINELLO, 1980). As interações eletrostáticas entre as partículas dos sistemas foram
tratadas com o método de partículas Ewald-Mesh (PEM), utilizando um valor de corte (“cut-
off”) de 1,0 nm, sendo as interações de Lenard-Jones consideradas também dentro de um valor
de corte de 1,0 nm (HESS et al., 2008). Os algoritmos LINCS (HESS et al., 1997) e SETTLE
(MIYAMOTO & KOLLMAN, 1992) foram usados para restringir todas as ligações e as
moléculas de água, respectivamente. O intervalo de tempo de integração foi definido como 2,0
fs. As etapas de relaxamento das moléculas de água foram realizadas durante 5,0 ns, mantendo
a posição dos átomos da enzima CRZ restringida. As simulações dos sistemas foram realizadas
durante 100 ns, sem restrições das posições atômicas.
26
5.2.3. Análises dos sistemas simulados
5.2.3.1. Desvio da raiz média quadrática
O desvio da raiz média quadrática (RMSD; do inglês “root mean square deviation”) foi
calculado no programa RMS (HESS et al., 2008). A aplicação do RMSD neste trabalho foi para
comparar o desvio das coordenadas dos átomos de carbono-alfa (C) da CRZ, nos sistemas
CRZAPO e CRZ1-5, ao longo dos últimos 100 ns das simulações, tendo a estrutura inicial como
referência. O RMSD global é dado pela Equação 2.
𝑅𝑀𝑆𝐷 = {1
𝑁á𝑡𝑜𝑚𝑜𝑠
∑ [𝑟𝑖(t) − 𝑟𝑖(0)]2
𝑁á𝑡𝑜𝑚𝑜𝑠
𝑖=1
}
1
2
Equação 2
Na equação 2, 𝑁á𝑡𝑜𝑚𝑜𝑠 é o numero de C sobre os quais o RMSD é calculado e 𝑟𝑖(𝑡) e 𝑟𝑖(0)
são as coordenadas do átomo i no tempo t e 0, respectivamente.
5.2.3.2. Flutuação da raiz média quadrática
A flutuação da raiz média quadrática (RMSF; do inglês “root mean square fluctuation”)
dos átomos de carbono alfa da CRZ foi calculada no programa RMSF (Hess et al., 2008),
durante os últimos 70 ns de simulação. O RMSF se difere em relação ao RMSD pelo fato de
tomarmos como referência a estrutura média calculada após a simulação por dinâmica
molecular, calculando a flutuação da posição dos C de cada aminoácido em relação a sua
posição média. Nesse caso temos um gráfico da flutuação de todos os C da CRZ versus sua
posição média, segundo a Equação 3.
27
𝑅𝑀𝑆𝐹 = {1
ℑ∑[𝑟𝑖(j) − �̅�𝑖]
2
ℑ
𝑗=0
}
1
2
Equação 3
Na equação 3, 𝑟𝑖(𝑗) são as coordenadas do átomo 𝑖 no intervalo de tempo (“time step”) 𝑗, 𝑟�̅� é
a média de suas posições e ℑ é o tempo de simulação, expresso como o número total de
intervalos de tempo coletados.
5.2.3.3. Raio de giro
O programa GYRATE (HESS et al., 2008) foi usado para medir o grau de compacidade
(raio de giro, Rg) da CRZ nos sistemas: CRZAPO, CRZ1-5 e CRZLQM1-4, sendo calculado segundo
a Equação 4.
𝑅𝑔 = (∑ ‖𝑟𝑖‖
2𝑚𝑖𝑖
∑ 𝑚𝑖𝑖
)
1
2
Equação 4
Na equação 4, 𝑚𝑖 é a massa do átomo i e 𝑟𝑖 é a distância do átomo i em relação ao centro de
massa da proteína (i.e., região de localização da massa média de uma proteína).
5.2.3.4. Análise do conteúdo de estrutura secundária da enzima CRZ nos sistemas simulados
Os mapas da estrutura secundária da CRZ, em função do tempo de simulação, nos
sistemas CRZAPO, CRZ1-5 e CRZLQM1-4, foram feitos no programa DO_DSSP (HESS et al.,
2008). Este programa lê um arquivo de trajetória e calcula o tipo de estrutura secundária
relacionado com cada região da sequência primária, gerando um mapa em que cada uma destas
estruturas é representada por cores distintas (Figura 9).
28
Figura 9. Mapa de estrutura secundária (eixo y) de uma proteína, feito no programa DO_DSSP,
em função do tempo de simulação (eixo x). Cada tipo de estrutura secundária é representado
por uma cor específica.
5.2.3.5. Análise das interações por ligação hidrogênio entre ligante e enzima
As interações do tipo ligação hidrogênio entre a enzima CRZ e os inibidores 1 a 5, em
função dos últimos 90 ns de simulação, foram mapeadas usando o programa HBOND. Este
programa lista todos os possíveis grupos doadores (D) e aceptores (A) de ligação hidrogênio.
Para determinar se uma interação deste tipo existe, é usado um critério geométrico em
que a distância interatômica (D-A) é menor ou igual a 3,5 Å e o desvio da linearidade (ângulo
) é menor ou igual a 30º (Figura 10). As coordenadas foram coletadas a cada 1 picossegundo
de simulação (HOELZ et al., 2016).
Figura 10. Critério geométrico para descrever uma interação do tipo ligação hidrogênio. D =
átomo doador de ligação de hidrogênio; A = átomo aceptor de ligação de hidrogênio; r =
distância interatômica (D – A); α = desvio da linearidade.
H
D A
H H
HA B
29
5.2.3.6. Cálculo da energia livre de ligação ligante-enzima
A variação da energia livre de ligação (ΔGLIGAÇÂO) entre cada ligante e a CRZ foi
calculada considerando os últimos 90 ns de simulação, utilizando o método modificado do
cálculo da área de superfície acessível ao solvente por mecânica molecular Poisson-Boltzmann
(MM-PBSA), implementado no módulo G_MMPBSA (KUMARI, KUMAR, LYNN, 2014)
que foi adicionado ao pacote de programas GROMACS 5.1.0 (HESS et al., 2008).
5.2.3.7. Análises visuais, figuras e gráficos
Todas as análises visuais e figuras foram feitas no programa VMD 1.9.2 (HUMPHREY,
DALKE, SCHULTEN, 1996), enquanto que os gráficos foram gerados no programa GRACE
(GRACE DEVELOPMENT TEAM, 2016).
6. RESULTADOS E DISCUSSÃO
6.1. Planejamento de novos compostos com potencial para atividade tripanocida tendo
como alvo a enzima cruzaína
As propriedades mais importantes no planejamento de novos compostos bioativos e no
mimetismo biofuncional são as propriedades de doador e/ou aceptor de ligação hidrogênio, os
efeitos eletroatratores ou eletrodoadores, e o potencial para realizar interações π-π
(MEANWELL, 2011).
Na literatura científica, vemos que uma ampla variedade de classes de compostos pode
atuar como inibidores da enzima CRZ, sendo identificada como semelhança estrutural a
presença de dois grupos arila conectados por um grupo ligante. A presença de um grupo amino
livre também está relacionada com o aumento da potência dos inibidores, uma vez que o
subsítio S2 da CRZ é eletronegativo (DU et al., 2000).
30
Estudos computacionais, utilizando simulações por “docking” e dinâmica molecular
também identificaram em inibidores da CRZ a presença de grupos arila e amida, como
fragmentos moleculares importantes para a interação com o subsítio S2. O grupo arila é
requerido para interações hidrofóbicas e o grupo amida para interações por ligação hidrogênio
com os resíduos de aminoácidos Gly66, Glu208 ou Asn69 nesse subsítio (CHEN et al., 2008;
BRYANT et al., 2009; FONSECA, 2011).
O planejamento de uma nova estrutura molecular resulta da combinação de
características estereoeletrônicas complementares para aumentar a afinidade para um alvo ou
da combinação de partes de moléculas, que podem ter mecanismos de ação distintos (GASCO
et al., 2004)
Nesse sentido, utilizou-se como ponto de partida para o planejamento de novos
compostos heterocíclicos com potencial atividade antichagásica, tendo a CRZ como alvo, a
observação de estruturas químicas de compostos sintéticos já existentes e os estudos sobre
atividade inibitória destes sobre a enzima CRZ e/ou atividade antiparasitária, bem como a
importância da presença de grupos funcionais na elaboração estrutural desses inibidores.
No planejamento dos novos compostos foi considerado como estrutura base dois anéis
arila conectados por um grupo com característica de aceitar ligação hidrogênio (DU et al.,
2002). O anel heterocíclico foi construído considerando a estratégia de alteração de posição de
heteroátomos (MÜLLER, 2012) e o conceito de bioisosterismo de anéis (MEANWELL, 2011)
entre os anéis pirazolopirimidina (A e B Figura 11), quinolina (7), imidazopirimidina (5) e
benzimidazol (6). O grupo amino em C-4 (A) é capaz de fazer interação por ligações hidrogênio
como doador e está presente como grupo de ligação nos compostos (7), 4-amino-6-
arilquinazolina que apresenta atividade antiparasitária (IC50= 63 nM) (MOTT et al., 2009), e
(4), um derivado 4-(3,5-difluorofenilamino)-purina-2-carbonitrila ativo como inibidor da CRZ
31
(IC50 = 10 nM), que teve maior potência de inibição sobre a CRZ relacionada à substituição do
anel de seu análogo quinazolina (MOTT et al., 2010).
Uma vez que estudos de relação estrutura-atividade (SAR) relacionaram a presença do
grupo amida com aumento da atividade inibitória sobre a CRZ, como descrito para os inibidores
da CRZ 5’(1-metil-3-trifluorometilpirazol-5-yl)-tiofeno-3’-trifluorometilfenilureia (5), IC50= 3
μM (DU et al., 2000), e 2-(2-bromofenil-2-yloxi)-N-(2-(1H-benzo[d]-imidazol-2-il)etil)-
acetamida (6), IC50= 0,8 μM (FERREIRA et al., 2014), será avaliada pela substituição do grupo
amino da série (A) pelo grupo amido da série (B) (Figura 11).
LQM1 = A, Ar1; LQM3 = B, Ar1;
LQM2 = A, Ar2; LQM4 = B, Ar2
Figura 11. Planejamento dos compostos LQM1-4 como análogos estruturais de compostos não
peptídicos que demonstraram atividade como inibidores reversíveis de cruzaína (4, 5, 6 e
inibidor 4) e/ou antiparasitária (inibidor 4 e 7).
32
6.2. Validação do protocolo de “docking” molecular e análise dos complexos de menor
energia entre a cruzaína e os inibidores 1-5
Antes de realizar as simulações por “docking” molecular dos inibidores 1-5 na enzima
CRZ, foi realizada a validação do protocolo de simulação por redocagem (“re-docking”) do
ligante NEQ176 (inibidor 4; código PDB: 1RV; Figura 12A), co-cristalizado com a enzima
CRZ (código PDB do complexo ligante-proteína 4KLB) (WIGGERS et al., 2013). A validação
do protocolo é considerada satisfatória quando os valores de RMSD entre a pose do ligante co-
cristalizado e a pose predita no “re-docking” são inferiores a 2,0 Å, sugerindo que o algoritmo
e os parâmetros utilizados são confiáveis (MUKHERJEE, BALIUS, RIZZO, 2010). Dessa
forma, após o “re-docking”, a pose de menor energia (-4,71 Kcal/mol) obtida para o ligante
NEQ176 (inibidor 4) apresentou um valor de RMSD igual a 0,68 Å (Figura 12A), garantindo
a confiabilidade do protocolo de “docking” molecular.
Em seguida, os complexos de menor energia entre a enzima CRZ e os inibidores 1-5,
obtidos pelo protocolo de “docking” validado, foram selecionados para análise (Figuras 12B-
12E). Para facilitar a discussão dos resultados, o sítio de ligação da enzima CRZ foi dividido
em 4 regiões: subsítio S1’: Gln19, Ala141, Met145, Asp161, His162, Trp184; subsítio S1:
Gly23, Cys25, Trp26, Cys63, Gly65; subsítio S2: Gly66, Leu67, Met68, Asn70,
Ala138,Gln159, Leu160, Glu208 e subsítio S3: Asp60, Ser61, Ser64, Thr59 (Figura 12).
De um modo geral, todos os inibidores interagiram com a enzima, exclusivamente, via
ligações hidrogênio. Além disso, os resultados mostram que os inibidores 1 (Figura 12B) e 3
(Figura 12D), apresentam modos de interação com a CRZ semelhantes ao NEQ176 (inibidor
4). O inibidor 1 interage tanto com Gly66 (subsítio S2) quanto Asp161 (subsítio S1’), enquanto
que o inibidor 3 faz ligação apenas com Gly66 (subsítio S2; Figuras 12B e 12D). No entanto,
os inibidores 2 (Figura 12C) e 5 (Figura 12E) apresentam poses bastante diferentes da predita
para NEQ176. O inibidor 2 faz interações com Leu160 (subsítio S2) e o inibidor 5 interage
33
com Thr59 e Asp60 (ambos localizados no subsítio S3).
Figura 12. Representação das principais interações do tipo ligação hidrogênio entre a enzima
cruzaína e os inibidores (A) 4 (NEQ176), (B) 1 (NEQ42), (C) 2 (NEQ165), (D) 3 (NEQ177)
e (E) 5 (NEQ172), mostrando os subsítios da enzima (S1’, S1, S2 e S3).
S1’S1
S3
S2
Gly66 Asp161
S1’S1
S3
S2
Leu160
S1’S1
S3
S2
Gly66
S1’S1
S3
S2Thr59
Asp160
B C
D E
A
RMSD = 0,68 Å
S1’S1
S3 S2Inibidor 4
(NEQ176)
Inibidor 1
(NEQ42)
Inibidor 2
(NEQ165)
Inibidor 3
(NEQ177)Inibidor 5
(NEQ172)
Asp161
Gly66
Ser61
34
Tempo (ns)
Tempo (ns) Tempo (ns)
Tempo (ns)
6.3. Estrutura secundária da enzima cruzaína nos sistemas CRZapo e CRZ1-5
A análise da estrutura secundária da enzima CRZ para cada sistema simulado mostra
que não houve variação significativa na estabilidade durante todo o tempo de simulação, onde
a interação dos inibidores 1-5 com a CRZ não mudou o conteúdo de estrutura secundária da
enzima (Figura 13). Este resultado está de acordo com o descrito por Hoelz e colaboradores,
que realizaram simulações por dinâmica molecular de 100 ns da enzima CRZ, no estado apo e
complexa com o inibidor NEQ176 (inibidor 4), usando o campo de forças OPLS (HOELZ et
al., 2016).
CRZAPO (A) CRZ1 (B)
CRZ2 (C) CRZ3 (D)
35
Tempo (ns)
CRZ4 (E) CRZ5 (F)
Figura 13. Estrutura secundária da cruzaína (CRZ) nos sistemas CRZAPO (A) e CRZ1-5 (B - F)
durante os 100 ns de simulação por dinâmica molecular. Cada tipo de estrutura secundária está
representado por uma cor específica descrita na região inferior da figura.
6.4. Análise do desvio da raiz média quadrática, flutuação quadrática média e raio de giro
da enzima cruzaína nos sistemas CRZapo e CRZ1-5
Ao compararmos os valores de desvio quadrático médio de todos os átomos de carbono-
alfa (C-RMSD) da CRZ em relação às correspondentes estruturas de partida, observamos que
todos os sistemas atingem a estabilidade por volta de 10 ns de simulação, apresentando valores
de C-RMSD entre 0,1 e 0,15 nm (Figura 14), valores semelhantes descritos por Hoelz e
colaboradores (HOELZ et al., 2016).
Além disso, os valores de C-RMSD descritos em nosso trabalho também foram
semelhantes aos calculados por Durrant e colaboradores (2010), que realizaram simulações por
dinâmica molecular, usando o campo de forças AMBER FF99SB, com a enzima CRZ
complexada com inibidores não covalentes da classe das hidroximetilcetonas.
Tempo (ns)
36
Figura 14. Desvio quadrático médio (C-RMSD) dos átomos de carbono alfa da cruzaína
(CRZ) nos sistemas CRZAPO (linhas pretas) e CRZ1-5 (linhas vermelhas) durante os 100 ns de
simulação por dinâmica molecular.
Em seguida, para analisar a estabilidade da estrutura da CRZ em cada segmento,
calculamos as flutuações quadráticas médias de todos os átomos de carbono-alfa (C-RMSF)
ao longo dos últimos 90 ns de simulação (Figura 15). Em geral, esta análise mostra que não
houve uma diferença significativa em relação aos valores de C-RMSF da CRZ para os
sistemas (CRZAPO e CRZ1-5), com exceção da alça 4 (L4, região entre resíduos Asp87 e
Thr107). Como podemos observar na Figura 15, quando a CRZ está complexada com o
inibidor 4, há um aumento da flutuação dos C em L4 de, aproximadamente, 0,1 nm em
relação à sua posição média.
Cα
-RM
SD (
nm
)
Inibidor 1
Inibidor 2
Inibidor 3
Inibidor 4
Inibidor 5
Apo
Apo
Apo
Apo
Apo
Tempo (ns)Tempo (ns)
37
Figura 15. Gráfico da flutuação quadrática média dos átomos de carbono-alfa (C-RMSF) da
cruzaína (CRZ) nos sistemas CRZAPO (linha preta), CRZ1 (linha vermelha), CRZ2 (linha verde),
CRZ3 (linha azul), CRZ4 (linha amarela) e CRZ5 (linha marrom) durante os últimos 90 ns de
simulação por dinâmica molecular.
A análise do raio de giro (Rg) da enzima CRZ, em todos os sistemas (CRZAPO e CRZ1-
5), mostra valores próximos e constantes, entre 1,60 e 1,65 nm, ao longo dos 100 ns de
simulação por dinâmica molecular (Figura 16), sendo semelhantes também aos valores
descritos por Hoelz e colaboradores (HOELZ et al., 2016). Portanto, a interação dos inibidores
com a CRZ parece não alterar a compactação desta enzima.
Resíduo
C
-RM
SF (n
m)
ApoInibidor 1Inibidor 2Inibidor 3Inibidor 4Inibidor 5
38
Figura 16. Raio de giro (Rg) da enzima CRZ nos sistemas CRZAPO (linha preta), CRZ1 (linha
vermelha), CRZ2 (linha verde), CRZ3 (linha azul), CRZ4 (linha amarela) e CRZ5 (linha lilás)
durante os 100 ns de simulação por dinâmica molecular.
6.5. Análise das interações nos sistemas CRZ1-5
Durante os últimos 90 ns de simulação por dinâmica molecular, os inibidores
interagiram com a enzima CRZ, exclusivamente, via ligação hidrogênio (Figuras 17-21). As
análises dos complexos CRZ-ligante mostram que os inibidores formam ligações,
principalmente, com os resíduos Glu208 e Gly66, que estão presentes na estrutura
cristalográfica do complexo entre a CRZ e o inibidor NEQ176 (inibidor 4) (WIGGERS et al.,
2013).
No complexo com o inibidor 1 (NEQ42), os átomos de nitrogênio N1 e oxigênio O1
(do grupo amida na posição C-3 do anel tiofeno), estabelecem interações do tipo ligação
hidrogênio com o grupo -NH da cadeia principal de Gly66, com um tempo de vida de 27,60 ns
e 25,18 ns, respectivamente (Figura 17). Adicionalmente, o átomo de oxigênio O2 interage
1,7
1,75
1,65
1,55
1,8
1,6
1,5
Rg
(nm
)
39
com o átomo de oxigênio OE2 do grupo carboxila da cadeia lateral de Glu208 durante 17,41
ns.
Figura 17. Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e o inibidor 1, durante os
últimos 90 ns de simulação por dinâmica molecular.
Entre o NEQ165 (inibidor 2) e a enzima CRZ, o átomo de oxigênio O2 da amida
estabelece ligação de hidrogênio com o grupo -NH da cadeia principal de Leu67 (tempo de vida
de 13,04 ns). O átomo de nitrogênio N4 (anel 1,2,4-triazol) interage com o -NH da cadeia
principal de Gly66 durante 10,29 ns. O oxigênio O1 (amida) realiza ligação hidrogênio, por um
período de 39,56 ns, com o átomo de oxigênio OD2 do grupo carboxila do Asp57. Por sua vez,
o átomo de nitrogênio N1 (amida) faz interações por ligação hidrogênio com o oxigênio de
cadeia principal do resíduo de Asp161 por 11,03 ns (Figura 18).
40
Figura 18. Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e o inibidor 2, durante os
últimos 90 ns de simulação por dinâmica molecular.
Com o NEQ177 (inibidor 3) existe a interação do tipo ligação hidrogênio entre o
oxigênio O2 do grupo amida e o oxigênio OE2 da carboxila da cadeia lateral do Glu208, com
duração de 24,83 ns. Além disso, nota-se, também, a presença da interação do grupo -NH2 (N1)
com o oxigênio da cadeia principal de Leu160, tendo essa interação um tempo de vida de 14,41
ns (Figura 19).
N1 / ASP161O
ASP57OD2 / O1
GLY66N / N4
LEU67N / O2
11,03
39,56
10,29
13,04
NCH3
NN
S
O
O NH2
S
NH
N1O1
N4
O2
Tempo (ns)
Doador / Aceptor Tempo de vida (ns)
NEQ165IC50 = 31,3 µM ± 1,2
41
Figura 19. Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e o inibidor 3, durante os
últimos 90 ns de simulação por dinâmica molecular.
Com o NEQ176 (inibidor 4), existem ligações hidrogênio do átomo de nitrogênio N2,
(amida), com o oxigênio da cadeia principal de Gly66 (10,95 ns) e com o grupamento -NH2 do
mesmo resíduo (18,67 ns). O oxigênio (O1) da amida faz interação por ligação hidrogênio com
o grupo -NH de cadeia principal de Gly66, com uma duração de 16,62 ns. Adicionalmente, é
possível observar duas interações via ligação hidrogênio do oxigênio OE2 da cadeia lateral do
resíduo de Glu208 com os átomos de nitrogênio N3 e N4 (com durações de 22,48 e 28,89 ns,
respectivamente), ambos do anel 1,2,4-triazol. O nitrogênio (N5) do anel 1,2,4-triazol faz
ligação hidrogênio com o oxigênio (OE1) da carboxila da cadeia lateral de Glu208 por um
período de 39,44 ns. Por fim, o oxigênio (O2) faz interação por ligação hidrogênio com o grupo
-NH de Gly66 por 42,35 ns (Figura 20).
N1 / LEU160O
GLU208OE2 / O2
14,41
24,83
N
N
N
O
O NH2
S
NH
S
N1
O2
Tempo de vida (ns)Doador / Aceptor
Tempo (ns)
NEQ177IC50 = 48,9 µM ± 10
42
Figura 20. Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e o inibidor 4, durante os
últimos 90 ns de simulação, por dinâmica molecular.
Entre a CRZ e o NEQ172 (inibidor 5), observa-se uma interação do tipo ligação
hidrogênio entre o átomo de oxigênio O1 e o grupo -NH de cadeia principal da Ser61 durante
11,0 ns. O nitrogênio N1 (amida) faz ligação hidrogênio com o oxigênio da carbonila da cadeia
principal de Leu160 (22,62 ns) e com o oxigênio OG do grupo hidroxila de cadeia lateral de
Ser61 (24,63 ns). Por fim, o nitrogênio N3 do grupo -NH realiza ligação hidrogênio com o
oxigênio do grupo carbonila da cadeia principal de Thr59, por um período de 77,26 ns (Figura
21).
GLY66N / O2
N5 / GLU208OE1
GLU208OE2 / N4
GLU208OE2 / N3
N2 / GLY66N
GLY66N / O1
N2 / GLY66O
42,35
39,44
28,89
22,48
18,67
16,62
10,95
NHO
O NH2
S
NH
S
N N
N1
O2
O1
N5
N4N3N2
Doador / Aceptor Tempo de vida (ns)
Tempo (ns)
NEQ176IC50 = 68,5 µM ± 3,0
43
Figura 21. Interações do tipo ligação de hidrogênio entre a cruzaína e o inibidor 5, durante os
últimos 90 ns de simulação por dinâmica molecular.
6.6. Energia livre de ligação dos sistemas enzima-ligante
A energia livre é considerada um termo importante nas propriedades termodinâmicas.
Esta quantidade é expressa, principalmente, como energia livre de Gibbs. As simulações por
dinâmica molecular foram utilizados para realizar cálculos energéticos pela área de superfície
de Poisson-Boltzmann por mecânica molecular (MM-PBSA), que é introduzida como uma
abordagem mais eficiente para os ensaios termodinâmicos (KRISTIANSEN, 2004). Assim, os
valores de energia livre de ligação calculados (GLIGAÇÃO) para os cinco complexos entre a
enzima CRZ e os inibidores 1-5 estão listados na Tabela 1.
N3 / THR59O
N1 / SER61OG
N1 / LEU160O
SER61N / O1
77,26
24,63
22,62
11,0
N1
O1
N3
Tempo (ns)
Doador / Aceptor Tempo de vida (ns)
NEQ172IC50 = 73,1 µM ± 4,9
N5 / THR59O
N1 / SER61OG
N1 / LEU160O
SER61N / O1
77,26
24,63
22,62
11,0
N1
O1
N3
Tempo (ns)
Doador / Aceptor Tempo de vida (%)
44
Para realizar uma comparação linear das atividades biológicas para esses inibidores com
os valores de GLIGAÇÃO, o valor de IC50 foi convertido para seu correspondente logaritmo
negativo (pIC50 = –Log IC50), expresso em unidade molar (M).
Os resultados mostram que existe uma alta correlação inversa entre pIC50 dos inibidores
1-5 e os valores de GLIGAÇÃO (R=-0,91; Figura 22). Este resultado indica que a atividade dos
inibidores, competitivos e não covalentes, aumenta com a diminuição do valor de GLIGAÇÃO,
indicando o aumento da afinidade com a enzima CRZ.
Tabela 1. Valores de variação de energia livre de ligação calculados (GLIGAÇÃO) e valores
experimentais de IC50 e pIC50 para os inibidores 1-5.
Inibidor GLIGAÇÃO (KJ/mol) IC50 (M) pIC50 (M)
1 (NEQ42) -180,29 4,15 21,6 5,4 4,14
2 (NEQ165) -163,54 3,96 31,3 1,2 4,16
3 (NEQ177) -156,47 4,33 48,9 10,0 4,31
4 (NEQ176) -76,02 1,03 68,5 3,0 4,50
5 (NEQ172) -77,20 1,40 73,1 4,9 4,67
Figura 22. Gráfico de correlação entre os valores experimentais de IC50 versus os valores de
variação de energia livre de ligação calculados (GLIGAÇÃO) para os inibidores 1-5, mostrando
o valor do coeficiente de correlação (R).
45
6.7. Análise dos complexos de menor energia nos sistemas CRZLQM1-4 obtidos por
“docking” molecular
Os complexos de menor energia entre a enzima CRZ e os compostos planejados LQM1-
4, obtidos pelo protocolo de “docking” validado foram selecionados para análise (Figura 23).
De um modo geral, os compostos planejados interagiram com a enzima, predominantemente,
via ligação hidrogênio, da mesma forma como descrito para os inibidores 1-5. Os compostos
LQM1 (Figura 23A) e LQM2 (Figura 23B) apresentam modos de interação semelhantes com
a CRZ, interagindo com Leu160 (subsítio S2), da mesma forma que o inibidor 2 (Figura 12C),
estando o anel pirazolo-pirimidina orientado para o subsítio S1.
No entanto, apesar de LQM3 (Figura 23C) e LQM4 (Figura 23D) também
apresentarem semelhanças entre seus modos de ligação com a enzima, suas poses são bastante
diferentes das preditas para LQM1 e LQM2, tendo o anel pirazolo-pirimidina orientado para o
subsítio S2. Além disso, LQM1 e LQM2 interagem com Gly66 e Asp161, presentes nos
subsítios S2 e S1’, respectivamente, se assemelhando ao modo de interação dos inibidores 1 e
4 (inibidor co-cristalizado com a enzima CRZ) (Figuras 23A e 23B).
46
Figura 23. Representação das principais interações do tipo ligação hidrogênio entre a enzima
cruzaína e as moléculas planejadas (A) LQM1, (B) LQM2, (C) LQM3 e (D) LQM4,
mostrando os subsítios da enzima (S1’, S1, S2 e S3).
6.8. Estrutura secundária da enzima cruzaína nos sistemas CRZLQM1-4
A análise da estrutura secundária da CRZ para cada sistema simulado mostra também
que não houve variação significativa na estabilidade durante todo o tempo de simulação, onde
a interação dos compostos planejados (LQM1-4) com a CRZ não alterou o conteúdo de
estrutura secundária da enzima (Figuras 24), como descrito para os inibidores 1-5 (HOELZ et
al., 2016)
Leu160Leu160
Asp161
Gly66
Asp161
Gly66
A
S1’S1
S3
S2
S1’S1
S3
S2
S1’S1
S3
S2
S1’S1
S3
S2
B
DC
LQM1
LQM3
LQM2
LQM4
47
CRZLQM1 (A) CRZLQM2 (B)
CRZLQM3 (C) CRZLQM4 (D)
Figura 24. Estrutura secundária da cruzaína (CRZ) nos sistemas CRZLQM1-LQM4 (A-D), durante
os 100 ns de simulação por dinâmica molecular. Cada tipo de estrutura secundária está
representado por uma cor específica descrita na região inferior da figura.
6.9. Análise do desvio da raiz média quadrática, flutuação quadrática média e raio de giro
da enzima cruzaína nos sistemas CRZLQM1-4
Ao compararmos os valores do desvio quadrático médio de todos os átomos de carbono-
alfa (C-RMSD) da CRZ em relação às estruturas de partida, observamos que todos os sistemas
48
também atingem a estabilidade por volta de 10 ns de simulação, apresentando valores de RMSD
entre 0,05 e 0,15 nm (Figura 25), de forma semelhante aos sistemas CRZ1-5 (Figura 14).
Figura 25. Desvio quadrático médio (C-RMSD) dos átomos de carbono-alfa da cruzaína
(CRZ) nos sistemas CRZAPO (linhas pretas) e CRZLQM1-4 (linhas vermelhas).
Adicionalmente, para analisar a estabilidade da estrutura da CRZ em cada segmento,
calculamos as flutuações quadráticas médias de todos os átomos de carbono alfa (C-RMSF)
ao longo dos últimos 90 ns de simulação dos sistemas CRZAPO e CRZLQM1-4 (Figuras 26). Em
geral, esta análise mostra que não houve uma diferença significativa em relação aos valores de
C-RMSF da CRZ para os sistemas CRZLQM1-4 em relação ao sistema CRZAPO, com exceção
da alça 3 (L3, região entre os resíduos Cys56 e Leu67) e da alça 4 (L4, região entre os resíduos
Asp87 e Thr107). Como podemos observar na Figura 26, há um aumento da flutuação dos C
em L3, em aproximadamente 0,1nm (1 Å), apenas quando a enzima está complexada com
LQM4 (Figura 26), não alterando a flutuação em L3, como descrito para o inibidor 4 (Figuras
Tempo (ns)
C
-RM
SD (
nm
)
LQM1
LQM2
LQM3
LQM4
Apo
Apo
Apo
Apo
49
15).
Figura 26. Gráfico da flutuação quadrática média dos átomos de carbono-alfa (C-RMSF) da
cruzaína (CRZ) nos sistemas: CRZAPO (linha preta), CRZLQM1 (linha vermelha), CRZLQM2
(linha verde), CRZLQM3 (linha azul) e CRZLQM4 (linha amarela).
Além disso, a análise do raio de giro (Rg) da CRZ nos sistemas CRZAPO e CRZLQM1-4
(Figura 27) mostra valores próximos e constantes entre 1,59 e 1,63 nm, ao longo dos 100 ns
de simulação por dinâmica molecular. Esses valores também se apresentaram muito
semelhantes aos descritos para os sistemas CRZ1-5 (Figura 16).
50
Figura 27. Raio de giro (Rg) da enzima cruzaína nos sistemas: CRZAPO (linha preta), CRZLQM1
(linha vermelha), CRZLQM2 (linha verde), CRZLQM3 (linha azul) e CRZLQM4 (linha amarela).
6.10. Análise das interações enzima-ligante nos sistemas CRZLQM1-4
A análise das interações dos compostos planejados (LQM1-LQM4) com a CRZ demonstrou
que esses compostos seriam capazes de interagir, principalmente, com o resíduo Glu208 por
ligação hidrogênio (Figuras 28–31). Este resíduo também foi descrito como ponto de interação
da série NEQ de inibidores não covalentes (inibidores 1, 3 e 4) (WIGGERS et al., 2013),
utilizados na validação do sistema.
Na simulação com LQM1 foram observadas duas interações do tipo ligação hidrogênio
com os resíduos Glu208 e Phe39 (Figura 28A). Nos primeiros 7,29 ns de simulação, há
interação entre o grupo -NH (N4) e o oxigênio OE1 do carboxila da cadeia lateral de Glu208
(Figura 28B), e nos 25,88 ns finais, observa-se a interação entre o grupo -NH (N4) e o
oxigênio de carbonila da cadeia principal de Phe39, que se encontra fora do sítio ativo da enzima
(Figura 28C), sugerindo que o composto proposto pode apresentar baixa afinidade pela enzima.
51
Figura 28. (A) Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e LQM1, durante os 100
ns de simulação por dinâmica molecular. (B) Representação da interação por ligação de
hidrogênio entre LQM1 e Glu208. (C) Representação da interação por ligação hidrogênio fora
do sítio com Phe39.
Na análise das interações por ligação de hidrogênio entre LQM2 e a enzima CRZ
(Figura 29A), observa-se que as interações entre os átomos de nitrogênio N4 (grupamento -
NH) e N6 (anel pirimidina) com os átomos de oxigênios OE1 e OE2 do grupo carboxila de
cadeia lateral de Glu208 (59,48 e 51,57 ns, respectivamente) são importantes para a manutenção
dessa molécula no sítio ativo da CRZ (Figura 29B). Adicionalmente, a interação com o resíduo
Leu160 (5,91 ns) demonstra menor importância na manutenção do ligante no sítio de ligação.
Entretanto, podemos observar que a cadeia lateral poderia interagir com o anel pirimidina por
interações hidrofóbicas.
52
Figura 29. (A) Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e a molécula planejada
LQM2, durante os 100 ns de simulação por dinâmica molecular. (B) Representação da
interação por ligação de hidrogênio entre LQM2 e a enzima CRZ.
Analisando em conjunto as Figuras 30B e 30C, é possível observar que a molécula
realiza um giro de 180°, resultando na mudança da interação por ligação hidrogênio entre o
LQM3 e o resíduos Glu208 e Asp161. Tal situação poderá influenciar na atividade da molécula
proposta em relação com a CRZ. A análise das interações por ligação hidrogênio entre LQM3
e a enzima CRZ (Figura 30A) mostra que ocorre uma interação entre o oxigênio do grupo
amida e o oxigênio OE2 do grupo carboxila da cadeia lateral de Glu208 (Figura 30B) durante
um período de 18,79 ns. Além disso, também é possível observar a presença de uma interação
entre o nitrogênio N4 do grupo amida de LQM3 e o oxigênio do grupo carbonila de cadeia
principal de Asp161 (Figura 30C) por 6,59 ns.
53
Figura 30. (A) Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e LQM3, durante os 100
ns de simulação por dinâmica molecular. (B) Representação da interação por ligação de
hidrogênio entre LQM3 e Glu208. (C) Representação da interação por ligação hidrogênio entre
LQM3 e Asp161.
Na simulação com a LQM4 também foram observadas interações do tipo ligação
hidrogênio com a CRZ durante os primeiros 22 ns de simulação (Figura 31). Dentre essas
interações, a com maior tempo de meia vida ocorre entre o nitrogênio N1 do anel 1H-
pirazolo[1,5-a]pirimidina e o oxigênio OE2 do grupo carboxila de cadeia lateral de Glu208
(Figura 31B) por um período de 19,22 ns. Além disso, o nitrogênio N2 de LQM4, átomo
54
presente na junção dos anéis pirazol e pirimidina, interage com o oxigênio OE2 do grupo
carboxila de cadeia lateral presente em Glu208 (Figura 31B), por 12,53 ns. Por último, o átomo
de oxigênio do grupo amida de LQM4 interage com o grupo -NH de cadeia principal de Gly66
durante 9,11 ns (Figura 31B). Entretanto, é possível notar que o composto LQM4 sai do sítio
ativo após cerca de 20 ns de simulação (Figura 31C).
Figura 31. (A) Interações do tipo ligação hidrogênio entre a cruzaína e LQM4, durante os 100
ns de simulação por dinâmica molecular. (B) Representação da interação por ligação de
hidrogênio entre LQM4 e Glu208 e Gly66. (C) Representação do LQM4 fora do sítio de
ligação da enzima ao final da simulação.
Dentre os compostos planejados (LQM1 - LQM4), foi demonstrado que aqueles
contendo o anel pirimidina (LQM2 e LQM4) (Figura 29 e 31) são capazes de fazer mais
interações por ligação hidrogênio com a enzima CRZ do que os análogos correspondentes
contendo o anel fenila (LQM1 e LQM3) (Figuras 28 e 30). Entretanto, ao comparar o período
de duração das ligações hidrogênio dos compostos LQM2 e LQM4 com a CRZ, pode-se
55
concluir que o LQM4 seria um ligante com pouca afinidade pela enzima. Essa hipótese é
sustentada pelo fato do ligante sair do sítio de ativo da enzima após os 20 ns de simulação,
indicando que ele deverá ter pouca interação com a CRZ (Figura 31C).
6.11. Variação de energia livre nos sistemas CRZLQM1-4
Os valores calculados de energia livre de ligação (GLIGAÇÃO) para os três compostos
planejados (LQM1-3) estão listados na Tabela 2, para fins de comparação com os valores de
GLIGAÇÃO e IC50 dos compostos da série NEQ (inibidores 1-5) (Tabela 1).
Os valores calculados de GLIGAÇÃO para os compostos LQM1-3, com exceção de
LQM4 que se desligou da enzima durante as simulações por dinâmica molecular, variaram de
-47,16 (LQM1) a -69,03 KJ/mol (LQM3). Os valores de GLIGAÇÃO obtidos para LQM2 (-
66,81 1,49 KJ/mol) e LQM3 (-69,03 1,27 KJ/mol) (Tabela 2) estão próximos dos obtidos
com os inibidores 4 (-76,02 1,03) e 5 (-77,20 1,40) (Tabela 1), sugerindo que esses
compostos possam apresentar valores de IC50 aproximados aos obtidos com esses inibidores.
Os resultados apontam que LQM2 se apresenta como o composto planejado mais
promissor. Esse composto, além de apresentar valor de GLIGAÇÃO próximo ao apresentado pelo
inibidor 4 (Tabela 2), possui potencial para fazer mais interações por ligação hidrogênio
(cinco) com a enzima CRZ e por maior tempo de meia vida do que os demais (Figuras 28-31).
A simulação mostra quatro interações por ligação hidrogênio do composto LQM2 com o
resíduo Glu208 da CRZ. Dessas, duas interações teriam tempo maior do que 50 ns, superior aos
demonstrados pelos inibidores 1, 3 e 4, da série NEQ (Figuras 17, 19 e 20, respectivamente).
Etapas posteriores de síntese e avaliação biológica dos compostos planejados, em
especial LQM2 e LQM4, são desejáveis para confirmação dos resultados obtidos “in silico”,
56
de maneira a validar o protocolo computacional de predição de atividade de inibição da CRZ
descrito nesta dissertação.
Tabela 2. Valores calculados de variação de energia livre de ligação (GLIGAÇÃO) para os
compostos planejados LQM1-4.
Compostos GLIGAÇÃO (KJ/mol)
LQM1 -47,16 1,50
LQM2 -66,81 1,49
LQM3 -69,03 1,27
LQM4 ND1
1 ND: Não determinado
6.12. Análise retrossintética para os compostos LQM1-4
Considerando etapas posteriores de síntese e avaliação biológica dos compostos
planejados (LQM1 - LQM4) desejáveis para a confirmação dos resultados obtidos “in silico”
apresentados nesta dissertação, a viabilidade de síntese desses compostos foi investigada.
Uma proposta de síntese dos derivados arilamino e arilamido do núcleo pirazolo[1,5-
a]pirimidina (LQM1 - LQM4) pode ser baseada em métodos convencionais de
ciclocondensação e substituição nucleofílica aromática (DIAS et al., 2000; DIAS et al., 2007;
SALVADOR, 2012).
As principais vias de obtenção deste sistema heterocíclico condensado consistem em
utilizar um derivado pirazol ou pirimidina e submeter a reações de ciclocondensação do outro
anel (MITYUK et al., 2010). Porém, o método de síntese iniciado a partir de amino derivados
do pirazol, encontra-se entre os mais descritos na literatura. Nesse sentido, os derivados
57
arilamino (LQM1 e LQM2) e arilamido (LQM3 e LQM4) podem ser obtidos a partir do
intermediário 5-amino-3-metil-1H-pirazol (D’OCA et al., 2010).
Na síntese do intermediário 5-amino-3-metil-1H-pirazol, geralmente são utilizados
blocos de construção do tipo “CCC” + “NN”, onde o bloco “CCC” provém de compostos
carbonilados 1,3-difuncionalizados e o bloco “NN” da hidrazina (Figura 32) (DIAS, 1996).
A formação do anel pirimidina parte de um princípio muito semelhante ao utilizado para
a formação do anel pirazol, utilizando um composto com dois centros nucleofílicos que irão
reagir, pelo mecanismo de substituição nucleofílica, com um composto que possui dois centros
eletrofílicos separados pela distância de um carbono. No caso, os centros nucleofílicos seriam
os nitrogênios do grupo amino e o N-1 do composto 5-amino-3-metil-1H-pirazol. Por sua vez,
dois diferentes compostos poderiam ser utilizados como centros eletrofílicos, um para obtenção
dos derivados arilamino (LQM1 e LQM2) e outro para obtenção dos derivados arilamido
(LQM3 e LQM4).
Na rota de obtenção dos derivados arilamino (LQM1 e LQM2) é apropriado a utilização
do reagente acetoacetato de etila (HORI, SAITO, MIDORIKAWA, 1970; ELNAGDI &
ERIAN, 1990). A literatura descreve que a reação de ciclocondensação de 5-amino-3-metil-
1H-pirazol com acetoacetato de etila, em meio básico, fornece o anel pirazolo[1,5-a]pirimidina
com um substituinte hidroxila na posição C-5 (SHIN et al., 2012). A substituição da hidroxila
por cloro pode ser obtida por reação deste com oxicloreto de fósforo (POCl3). Por fim, os
compostos LQM1 e LQM2 poderão ser obtidos por reação de substituição nucleofílica
aromática entre o derivado clorado e a amina correspondente (Figura 32).
Por outro lado, para a obtenção dos derivados arilamida (LQM3 e LQM4) seria
apropriado utilizar o reagente 2,4-dioxovalerato de etila para ciclocondensação com 5-amino-
3-metil-1H-pirazol, visando a obtenção de um intermediário carbonilado. Entretanto, a
literatura relata a possibilidade de obtenção dos regioisômeros 2,5-dimetil-pirazolo[1,5-
58
a]pirimidina-7-carboxilato de etila e o 2,7-dimetil-pirazolo[1,5-a]pirimidina-5-carboxilato de
etila, sendo este último o majoritário (CHIMICHI et al., 1992). Reação do ácido 2,7-dimetil-
pirazolo[1,5-a]pirimidina-5-carboxílico com a amina correspondente fornecerá os compostos
LQM3 e LQM4 (Figura 32).
Figura 32. Retrossíntese proposta para os compostos planejados LQM1 - LQM4.
59
7. CONCLUSÕES
Neste trabalho, realizamos estudos computacionais para mapear as interações entre os
inibidores 1-5 e a enzima CRZ. Foram encontradas apenas interações do tipo ligação
hidrogênio com os resíduos de aminoácidos Asp57, Thr59, Ser61, Gly66, Leu67, Asp161 e
Glu208. As interações com Ser61, Gly66, Asp161 e Glu208 corroboram com o descrito por
Wiggers e colaboradores (2013).
As interações encontradas entre os resíduos de aminoácidos e os compostos planejados
LQM1-3 (Gly66, Leu160, Asp161 e Glu208) foram semelhantes às descritas para os inibidores
1-5, com exceção do composto planejado LQM4 que apresentou interação com o resíduo Phe39
que está fora do sitio ativo da CRZ. A análise da simulação computacional demonstrou que
LQM2 e LQM4, que possuem o anel pirimidina, são capazes de fazer mais interações por
ligação hidrogênio com a enzima CRZ do que os análogos correspondentes planejados com o
grupo fenila (LQM1 e LQM4). Por outro lado, os derivados com o grupamento amida (LQM3
e LQM4) apresentaram poses com orientações diferentes do anel 1H-pirazolo[1,5-a]pirimidina
no sítio de ligação da enzima do que os derivados com o grupamento amina (LQM1 e LQM2).
As simulações por dinâmica molecular também demonstraram que LQM2 apresentou
GLIGAÇÃO próximo do inibidor 4, descrito na literatura, e interações com maior tempo de meia
vida do que esse inibidor.
Os resultados apontam o composto LQM2 como o mais promissor dentre os planejados,
com potencial para inibição da enzima CRZ do parasita Trypanossoma cruzi. Acreditamos que
estes resultados, aliados a posterior síntese e avaliação biológica dos compostos LQM1-4, irão
facilitar significativamente a compreensão do mecanismo inibição da CRZ.
60
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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