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Nº062015

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06/2015Nº

nesta edição

Diário de bordo.........................................................pag. 03

Expedição ITACOATIARA......................................pag. 04

Receita: Paçoca de peixe......................................pag. 18

Astronomia indígena: o Setestrelo...................pag. 20

Todos os textos e as imagens, salvo quando especificadodiferentemente, são de autoria de Jack d’Emilia.

foto da capa: Tito Rosemberg

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Diário de bordo

Diário de bordo ( em inglês Log Book) é um instrumento utilizado na navegação para registro dos acontecimentos mais importantes. Geralmente é um caderno redigido pelo comandante, relatando a viagem que realiza e acabando com qualquer dúvida.Todos os que participaram de uma expedição IGARUANA devem lembrar-se de quando, à noite no acampamento, depois ter jantado e já prontos para dormir, me vêem deitar na rede, com a lanterna de cabeça ligada e meus caderninho e lápis nas mãos, para anotar os acontecimentos do dia.Sim, eu faço um diário de bordo de cada expedição: às vezes um relato lacônico, outras cheio de detalhes.Eu fico anotando tudo o que aconteceu de interessante ao longo do dia, além das informações gerais: clima, ventos, horários de

saída e chegada nos locais de parada intermédia e pernoite, distancia aproximada percorrida et cetera.Encontros com pescadores e/ou agricultores da região, em geral, merecem ser anotados, pois sempre trazem alguma informação inédita, além da boa conversa.Quando estou cansado e não tenho a força de escrever, durmo na rede com o caderno no peito para não esquecer de redigir meu relato logo que acordar, no amanhecer do dia seguinte... despertado pelos passarinhos que vem dar-me o bom-dia.Ter todas estas informações à disposição, nos permite, analisando os dados posteriormente, de obter úteis estatísticas sobre as expedições, assim como estudar os eventuais imprevistos, problemas e incidentes ocorridos, para planejar como evitá-los em futuro.

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Expedição

ITACOATIARAParte 2

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4º dia de expedição - Dia da Trilha Itacoatiara

No quebrar da barra¹, todos os passarinhos do pedaço vieram dar-me o bom-dia. Me levantei da rede e soltei duas amarras do meu abrigo para pode-lo deitar no chão e aproveitar da vista dos bichinhos, além do canto deles.Voltei para a rede e fiquei uma meia hora pensando nas coisas da vida, ao deleitoso som da paz natural. Enfim, depois de espreguiçar-me todo, passei pra ação.Numa relva pouco distante, catei um montão de gravetos secos. Lenha, eu tinha arrumado bastante na tarde anterior, e guardada aos pedaços num saco grande, pendurado num galho para não ficar úmida, se fosse chover de madrugada. Acendi o fogo e logo pus em cima das chamas a cafeteira e uma panelinha com água e quatro batatas-doces a cozer.Guardei a roupa de dormir na sacola vermelha e esta no saco estanque amarelo. Um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar.Vesti uma calça jeans folgada e uma camisa de mangas compridas. Por ser uma trilha sem muitas dificuldades, escolhi calçar um tênis comum, invés das botas de couro.No bolso anterior do bornal grande, coloquei o aparelho GPS e a câmera fotográfica compacta, cada um envolto numa bandana, e também meu caderninho preto, um lápis, um apito, e um isqueiro, entre outros cacarecos.No bolso traseiro, coloquei o chinelo, uma boa faca em sua bainha e a provisão de alimentos para um dia de caminhada: quatro maçãs, uma porção de queijo de coalho, dois pacotes de bolacha salgada e um bom pedaço de rapadura, energia pura e saudável.Decidi me arriscar e não levar a jaqueta impermeável, o que não fez falta.Tomei meu café da manhã com calma e arrumei direitinho o acampamento antes de sair para a caminhada. Estiquei de novo a lona azul acima da rede e pendurei a comida num galho bem alto, longe do alcance de alguma cabra, ou outro animal curioso, que fosse aparecer durante minha ausência. Apaguei o fogo e ainda joguei a água de cozimento das batatas nas cinzas para maior cuidado.Com o bornal a tiracolo, um cantil atravessado de um lado e um segundo do outro, o chapéu de palha na cabeça e a bengala de bambu na mão, dei bom-dia ao mundo e comecei a caminhar em direção à vila por uma estreita vereda.

Céu azul, com apenas as nuvens brancas de um típico dia de sol; faltavam dez minutos para as sete da manhã.Cheguei à casa de Josemar pelos fundos, passando por dois currais de gado e um amplo quintal com cara de pomar, pela variedade de pés de fruta diferentes."Oi, de casa?!", chamei, mas ninguém me respondeu. O rádio estava ligado, mas aparentemente ninguém estava lá."Oi, de casa?!", repeti, já abrindo a porteira que dá na rua, e segui andando. A casa de Josemar é uma das últimas na rua principal do Sítio Mutamba, assim atravessei toda a vila, cumprimentando ora um ora outro morador. Bom-dia, bom-dia, bom-dia.Marcelo, um dos "Dois Irmãos", donos do barco homônimo, em pé no alto do madeiramento de um telhado em reforma, parou de trabalhar para perguntar-me: "Está indo lá na pedra?"."Estou sim. Só vou voltar mais tarde", respondi."Cuidado com as mutucas!", então ele acre-scentou logo."Você já me disse isso ontem, obrigado. Estou levando o repelente comigo" lhe disse, sem parar de andar.Isso é um meu pequeno segredo: em caso como este, eu não me demoro muito para conversar; ralento um pouco o passo, quando for o caso, para permitir um breve dialogo, mas geralmente sigo caminhando. Se eu fosse parar por dois minutos apenas, acabaria ficando, de repente, por uma meia hora naquela prosa boa de quem não tem nenhuma pressa e nada a fazer.Ainda escutei eles comentarem entre si. "Aonde é mesmo que ele vai? Que pedra é essa que ele disse?", perguntou um."Num sei não", lhe respondeu Marcelo. "Nunca fui acolá eu. Quem indicou o caminho pro italiano foi o finado Zezinho; quem foi lá pela primeira vez com ele foi Tetéu, isso já faz anos"."Vixe, Zezinho... descanse em paz", foram as derradeiras palavras que capturei no ar.Na rua da escola, virei à esquerda e segui caminhando pela estrada de barro até deixar para trás as últimas casas da vila.Depois de uma curva, avistei um ancião senhor, vindo pro meu lado com passos curtos e incertos, mesmo assim sem bengala."Bom-dia", falei, quando ficamos a uma distancia de dez a doze metros. Ele resmungou alguma coisa baixinho, parou e ficou me fitando.

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"Bom-dia", repeti, "Tudo bem?"."Hum, hum... bom-dia. Por que o senhor me cumprimentou de tão longe?", ele indagou, desconfiado.Eu abri um sorriso para ele e disse-lhe: "Pro senhor, que não me conhece, saber de longe que eu sou do bem... ou pelo menos educado"."Hum... tá certo", ele concordou e continuou: "E o senhor? Está perdido por este mundo?"."Tô nada.", respondi, "Estou indo até uma pedra, légua e meia daqui, perto de um riacho no pé da Serra do Cipó. A pedra está cheia de pinturas antigas. Coisas de índio, diz-lhe o povo do sertão. Eu chamo-a de itacoatiara, que em tupi quer dizer, justamente, pedra pintada, riscada"."Hum... não sei nada dessa pedra", ele disse."Poucos sabem da existência dela", expliquei. "Essa pedra está dentro de uma propriedade particular acolá, pela qual pouquíssimas pessoas andam, só os moradores mesmo. Quem me ensinou o caminho foi um caçador da região. Tem que passar por umas tantas porteiras, antes de chegar no local"."Entendi", falou o velho sertanejo, trocando a expressão desconfiada no rosto para aquela cara que o povo faz quando deduz que você é um maluco, mas não dos perigosos."E o senhor está indo pra rua? Mora na vila?", perguntei."Moro.", ele disse, "Seu Carlos, o doutô, mandou eu caminhar todo dia, de manhã, até o trevo e voltar" Explicou-se: "E assim eu faço. Todo dia vou até o trevo ali. Olho de um lado, olho do outro e volto para casa; tudo isso bem devagarzinho, que já ando pela casa dos oitenta".Despedimo-nos e seguimos cada um por seu caminho. Pouco depois, cheguei ao Check Point Alfa, o tal trevo, e segui para direita. Duzentos metros depois, aos pés de uma íngreme ladeira, encontrei a primeira porteira. Fechada. A lei não está escrita, mas é bem clara, todo mundo sabe: deixe aberta a porteira que achou aberta e feche de volta a porteira que encontrou fechada.A estrada de terra dura da caatinga, amarelo-alaranjado, serpenteia sinuosa no sopé do grupo montanhoso da Serra das Pinturas, cujos picos sobressalientes tem nome próprio, como a Serra do Bonito, a do Meio e a do Cipó, entre outros. A serra das Pinturas se estende nos territórios municipais de Assu, Triunfo Potiguar e Jucurutu, delimitando, pelo lado esquerdo, uma grande porção do vale.O sertão todo verde, após poucos dias de chuva

é uma visão que regozija os olhos. Mas o calor resta grande. parei na sombra de uma oiticica na margem da estrada, para descansar alguns minutos e beber um pouco de água. Me sentei numa pedra, que estava lá pra isso, escolhi uma das maçãs para fazer um lanche. De repente, junto com o barulho do motor, apareceu na estrada uma motocicleta, guiada por um homem, poss ive lmente um caçador , carregando a tiracolo uma espingarda. Quando passou por mim, levantei a mão aberta para cumprimentá-lo. Ele respondeu com um aceno da cabeça e seguiu.Ultimamente, a motocicleta, nesses sertões nordestinos, tomou o lugar da cavalgadura e animal de carga típicos, tradicionalmente representados pelo cavalo e o burrinho. Muitos desses sertanejos trocaram o jumento pela moto sem passar do Detran e devem manter-se afastados das rodovias principais, onde podem ter seus veículos aprendidos.Não passaram nem três minutos e o caçador motorizado voltou. Eu estava já em pé, para continuar a caminhada."Se não lhe parecer muita ousadia minha", ele principiou, bem no estilo sertanejo, "eu gostaria de perguntar pro sinhó, se o sinhó sabe onde está andando, ou se o sinhó está meio perdido por esta banda".Ele ficou estudando me rosto, dando também umas rápidas olhadelas para minha roupa, meu sapato, meu chapéu de palha."Acho que não estou ainda perdido, meu amigo", respondi-lhe. "Eu tô indo para uma pedra pintada, que está mais um pedaço pra lá, à beira de um riacho no pé da Serra do Cipó. Eu tenho umas anotações aqui no meu caderno para não perder o rumo"."A Serra do Cipó ainda tá longe. Olha ela acolá!", disse o homem e indicou, levantando o braço, um ponto indefinido ao horizonte."Mas se o sinhó não está perdido, vá com Deus, que eu já vou pra casa", anunciou o caçador, encerrando o assunto, e arrancou com seu burrinho motorizado para a morada dele.Caminhei, caminhei por mais uns dois quilômetros e meio, passando por duas porteiras, ambas abertas, antes de chegar ao Check Point Charlie, um trevo no meio do nada, sem nenhuma indicação. No trevo à direita, diz a anotação no meu caderninho, e pra direita segui caminhando.Um quilômetro mais para frente encontrei o pri-

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meiro riacho, modesto, mas com água correndo, atravessando a estrada e seguindo por um amplo capão de mato fechado, por baixo do qual se perdia.Me refresquei com a água do riacho, agachado em equilíbrio numa pedra, mas não tomei banho. Explorei um rochedo na margem do riacho, à procura de alguma gravura, sem êxito. Sentei-me na sombra de um pereiro, encostado no tronco, chupando um naco de rapadura.De repente, das palhas de uma alta carnaubeira na outra margem do riacho, vencidos pela curiosidade, um grande papagaio verde e, logo em seguida, outro igualzinho saíram voando em algazarra, deram duas voltas amplas e foram pousar-se na carnaubeira ao lado da qual tinham saído.Tomei uns goles de café já morno e voltei a caminhar. Menos de um quilometro depois, precedido por outra porteira (aberta), esbarrei num riacho parecido ao anterior, só que com mais água correndo, que alagava a estrada com um palmo de altura.Umas pedras, postas pelos moradores na margem do caminho, me permitiram seguir para frente sem molhar os pés.Continuei caminhando por quase três quilômetros, subindo e descendo pelas encostas e quebradas de umas colinas no sopé das serras, até chegar a outro trevo no meio do sertão, sem nenhuma indicação. Em toda essa região, tem muitas poucas casas, ou outras construções, nenhuma na beira da estrada.A casa colônica mais próxima pela qual passei distava uns cento e cinquenta metros da estrada, ao lado de um açudeco, no dia que passei, cheio só pela metade.Um rebanho de cabras, pastando à beira da estrada, se afastou em correria desordenada, quando elas me viram chegar.Seguindo as indicações anotadas em meu caderninho, ao Check Point Delta, no trevo virei para esquerda. Quem sabe, sabe, e eu não sei, mas virando à direita nesse trevo dá para chegar à periferia da cidade do Assu.Virando à esquerda, embrenha-se sempre mais no pé da serra. A estrada não é mais que uma larga vereda, apenas marcada pela passagem de poucos veículos. Passei por mais duas porteiras (ambas abertas); subi e desci por um cerro pedregoso, no alto do qual um amplo rochedo, que arrodeei, por um momento me pareceu uma esfinge egípcia; enfim avistei o

riacho da pedra lavrada. No fundo do vale, o riacho forma um pequeno lago, com uns 50 metros de comprimento por 20 de largura, naquele dia, e depois segue correndo até um açude, que fica uns quilômetros mais pra lá, reservatório de água oficial dos moradores das cercanias.Por estar encravado nesse fim de mundo sertanejo, o laguinho é um recanto de rara beleza natural.Inclusive, vale a pena ressaltar que, ao longo de toda essa caminhada, não encontrei sequer um pedacinho de lixo, de plástico ou outra natureza, que infelizmente encontra-se com muita facilidade jogado por todo canto nos lugares mais frequentados pelo bicho-homem.Confesso que a ausência de lixo, me deixou feliz. Está tão difícil, nestes dias modernos, olhar para um canto sem avistar algum tipo de lixo deitado despreocupadamente por aí. Fui caminhando pelas pedras até uma grande aroeira, na margem direita do lago, cujos galhos desciam até o chão. Por baixo da grande copa da arvore, podem se abrigar muitas pessoas; escolhi umas largas pedras lisas, na sombra, para me aboletar e tirei do tiracolo as duas borrachas e o bornal. Depois tirei roupa e sapato e mergulhei no espelho d'água por um banho refrescante.Umas pedras escuras afloravam no meio do laguinho. Segundo o finado Zezinho, caçador do Sítio Mutamba, que conhecia a região palmo a palmo, quando o lago secar completamente, aparece no fundo outra pedra lavrada, que talvez num passado remoto indicara para quem soubesse interpretar os petroglifos, onde ir procurar uma fonte alternativa de água. Pessoalmente, nunca vi essa pedra lavrada no fundo do lago.Além do painel principal de inscrições rupe-stres, umas singelas gravuras acham-se em duas pedras vizinhas.A pedra lavrada principal encontra-se na margem esquerda do riacho. É a última de um desfiladeiro de pedras gigantes, cuja altura chega a ultrapassar os sete metros, que direciona toda a água corrente para o pequeno lago. A "itacoatiara" está apoiada, um tanto inclinada por um lado, numa laje alaranjada, polida pela passagem da água, praticamente horizontal. Da laje a água desce pro lago, criando pequenas quedas.Já muitas vezes fiquei imaginando-me os indíge-

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nas da região, em sua vida nômade, aproveitar desse oásis sertanejo por semanas ou meses; em meus devaneios, vi também os índios de outrora pacientemente riscar toda a pedra com suas inscrições.Infelizmente, como já escrevi em um artigo sobre essa itacoatiara², alguém deturpou o que não deixa de ser um monumento arqueológico nacional, gravando suas iniciais e o ano da besteira, 1992, no painel principal da pedra lavrada. Realmente uma pena, mas que, de qualquer jeito, ao final das contas, nada tira ao valor do sítio arqueológico e às belezas naturais do lugar.Energizado pelo banho refrescante e por um lanche de fruta, castanhas e rapadura, remontei por umas centenas de metros o curso sinuoso do riacho, até onde a vegetação exuberante me fechou de vez a passagem.Escutei o canto e o bater de asas de muitas aves, mas sem avistar nenhuma delas, na penumbra da mata ciliar.O dia estava muito quente, com o Sol a pino no céu, e eu, só de calção de banho e chapéu de palha, senti o calor queimar-me o couro.Enquanto o fundo do lago deve estar cheio de lodo e suas águas nos parecem turvas, o riacho tem água cristalina e os seixos coloridos dão vida a um mosaico natural furta-cor.Voltei para a sombra da aroeira e consumi meu frugal almoço: bolacha salgada com queijo de coalho, rapadura e uma maçã. O café, que quando cheguei tinha colocado no sol, em sua garrafinha de vidro, ficou tão quente que faltou pouco para ferver.Da posição sentada, passei para a deitada sem nem perceber. Fiquei analisando por um pouco, em meus pensamentos, se tivesse sido um erro grave ou perdoável, não ter trazido uma rede para fazer a sesta; depois, peguei no sono. Dormi menos de uma hora. O que me acordou foi o barulho do motor de uma velha camioneta, que chegou ruidosamente, ralentou muito a velocidade para enfrentar a passagem molhada e continuou pelo seu rumo.Me sentei e bebi uns goles de água. Passados nem cinco minutos, pelo mesmo lado, apareceram quatro homens a cavalo, acompanhados por um cachorro. Pararam por alguns minutos na margem do laguinho, para abeberarem os cavalos, e ficaram lá conversando entre eles.Por um lado, eu fiquei com vontade de ir falar

com eles, moradores da região, e coletar alguma noticia interessante sobre o local e as redondezas. Por outro lado, como eu estava ainda apenas trajando meu calção de banho, fiquei com receio de apresentar-me assim. Comecei lentamente a vestir-me, primeiro a camisa e depois a calça jeans, deixando a decisão para o cachorro, um vira-lata amarelo de porte médio. Se ele fosse farejar-me e, latindo, sinalizar minha presença, eu não poderia eximir-me de sair do meu abrigo para ir conversar com eles.Fiquei assim, por alguns minutos intermináveis, nessa expectativa, mas o cachorro não me farejou e os quatro cavaleiros, sempre charlando entre eles, seguiram pelo seu caminho.Calcei o tênis e guardei todas minhas coisas no bornal, inclusive o único lixo produzido ao longo do dia: a embalagem de plástico do cream cracker, que carreguei comigo, junto com o resto dos resíduos que acumulei durante a inteira expedição, até o Sítio Araras.Conferi a hora no aparelho GPS; catorze e trinta e cinco: uma hora boa para começar a caminhada de volta. Numa bica na sombra, com água geladinha, enchi as duas borrachas. Coloquei um pouco de protetor solar nas mãos, na nuca e nas orelhas; chapéu de palha na cabeça e sai caminhando em direção ao Sítio Mutamba.Na ida, o aparelho GPS tinha registrado um "track" de 9,463km, do meu acampamento até a passagem molhada da lagoa da itacoatiara. Na volta me demorei menos que na ida, porque não parei tanto para tirar foto de cada arvore, cacto e flor que encontrei no caminho.As dificuldades do percurso se equivalem na ida e a volta: largos trechos planos se alternam com bastante subidas e descidas, sendo só algumas delas realmente íngremes.O chão que pisei, pedregoso e irregular, merece todo os cuidados. Eu gosto de sair por uma caminhada dessas sempre levando uma bengala, ou até um cajado.Estava caminhando tranquilo, pensando nisso e naquilo, quando a advertência, feita no dia anterior e renovada de manhã por Marcelo, se tornou de repente realidade. Do nada, centenas de mutucas vieram voando em minha direção, um enxame preto, zumbindo ao uníssono.Parece que o povo do sertão diferencia as mutucas em duas categorias: as "de cima" e as

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"de baixo", pelas partes do homem ou do animal que esses insetos costumam atacar.De fato, as que me atacaram deviam ser mutucas das "de baixo", pois todas voaram para minhas pernas, dos joelhos para baixo. Nenhuma delas atacou minhas mãos, ou meu rosto. Protegido pela calça jeans, o tênis e as meias , não leve i nenhuma mord ida . Simplesmente, às dezenas e dezenas, as mutucas pousaram nos meus pés e pernas, dos joelhos para baixo, deixando-se levar para onde eu fosse. Como, depois de mais de duzentos metros, estavam todas ainda grudadas na minha roupa, comecei a marchar, batendo os pés no chão com força, e só assim consegui que as mutucas se soltassem aos poucos de minhas pernas.Encontrei fechadas algumas porteiras, que de manhã estavam abertas, e aberta uma que estava fechada. Quando cheguei perto da chácara de Seu Vicente, na periferia do Sítio Mutamba, três cachorros brancos correram latindo em minha direção, lembrando-me minhas cadelas praianas, Branquinha, Cabeça e Olhinho. Os cachorros não ultrapassaram a cerca e eu continuei caminhando até a vila.Passei batido na frente do barzinho, porque estava todo mundo entretido, assistindo a novela na tv; mas, da porta da vendinha, a nora de Seu Geraldo me perguntou, quando passei:«E aí? Conseguiu chegar à pedra?".

"Consegui, sim", lhe respondi. "Foi uma bela caminhada, mas valeu a pena"."Que bom!"."O sertão está todo verde. Os riachos que passei, todos com água correndo. Onde tem a pedra lavrada, o riacho formou um belo lago", eu falei."É surpreendente.", então disse a mulher: "A gente, que mora aqui, nasceu na região, nada sabe dessa pedra bonita...". Parou, para escolher as palavras. "Aí tem que vir o senhor de longe para dar valor ao que a gente despreza"."Pois é, amiga", encerrei o assunto: "O povo só está preocupado com o que passa na tevê e se esquece das belezas do seu quintal"."É verdade", disse a mulher.Segui caminhando. Seu Arnaldo, em pé na frente da casa, estava esperando para conversar comigo, certamente. No dia anterior, eu tinha contado para ele, que é o dono da propriedade ao lado da de Josemar, onde eu estava acampado, meu plano do dia e ele tinha ficado muito interessado. Dono de uma das canoas grandes da vila, agricultor, pescador, pequeno criador de gado e miunças³, Seu Arnaldo me disse que nunca saiu da vila pela estrada de terra. Ele sempre foi para São Rafael, ou Jucurutu, de barco. Bem que ele sabe, falou pra mim, que os moradores do Sítio Mutamba, que tem motocicleta, podem ir para Jucurutu e Assu pela estrada de terra, mas ele ficou fiel ao

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seu costume. Seu Arnaldo me chamou para tomar um café no alpendre, que, todo mundo já sabe, é um convite ao qual eu nunca digo não. Sorte maior foi que o café estivesse sem açúcar, como eu gosto, invés que bem adocicado, como é uso popular no sertão. O medico cortou o sal e o açúcar da dieta do Seu Arnaldo, eu soube da mulher; assim, já faz meses que o café vai para a garrafa térmica sem açúcar.Contei para os dois o meu dia, e a parte que ambos mais gostaram foi o ataque das mutucas, talvez porque eu usei muita mímica nessa hora. Tomadas duas xícaras de café, me despedi do casal para chegar ao meu acampamento antes do escurecer.Cheguei um pouco cansado, não posso negar, mas muito mais feliz que cansado. Maior da sensação de ter vencido o desafio de chegar acolá sozinho, foi a alegria geral de caminhar por um dia inteiro no meio de tanta beleza natural, o sertão todo verde, a água correndo nas veredas, a harmonia do oásis na caatinga assolada e o legado ancestral do sítio arqueológico, esquecido pelo Homem.Mecanicamente, acendi o fogo e preparei um café. De manhã, tinha deixado guardados dois pedaços de batata-doce cozida. Pro jantar mesmo, eu preparei uma sopa de lentilhas, que esperei cozinhasse deitado na rede. Dormi cedo. O que sonhei não me lembro.

Dias seguintes

Sem pressa nenhuma, demorei dois dias para voltar ao Sítio Araras. Ainda remontei o rio Assu por uns oito quilômetros, para conferir que a chamada Ilha Timbaúba, por causa da seca, estava unida à margem por uma larga faixa de terra.Passando pelas ruínas da igreja da antiga cidade de São Rafael, à tarde, aproveitei para fazer umas filmagens de dentro da canoa.Com o Campo Echo tão longe da ribeira, remei mais uma hora e cheguei até o Campo Quixó, onde raramente paramos para acampar.No outro dia, acordei bem cedinho e fui tomar banho atrás de uma trincheira, num canto da margem com a água sem lodo.Tomado pelo entusiasmo, lavei também minha calça comprida para remar e a camisa suada e empoeirada, que tinha usado no dia da trilha.Depois do segundo café, arrumei toda a tralha

d'Água. Na hora do almoço, sem acender o fogo, comi pão com queijo e uma salada de repolho, com sardinha, azeite e uva passa.Optei para remar um pouco nas horas mais quentes do dia, para não correr o risco de pegar o vento Norte, a chuva, ou ambos, pela parte da tarde.A silhueta do Sítio Araras, recortada no horizonte, é o aviso que mais uma aventura IGARUANA está chegando ao fim.

Notas

¹ Quebrar da barra = 5h da manhã² "Trilha Itacoatiara" em Revista IGARUANA #4³ Caprinos e ovinos, nos dizeres sertanejos

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Paçoca de peixe

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ou

O piracuí de Seu Basto das pitombas

Bem antes do europeu fazer morada no sertão, já o indígena tapuio por ali vagava e sentia a necessidade de conservar as sobras das suas caçadas e pescarias. Quando surgia o sobejo da comida, os caboclos brabos do interior, que não tinham fácil acesso ao sal, recorriam ao moquém: faziam assar e secar a carne ou o peixe numa grelha de varas, à moda de jirau, erguida sobre um braseiro. No nomadismo em que viviam, nas andanças no rumo das safras de fruta do mato, da piracema, de melhores pastos de caça, ou nas empreitadas guerreiras, os índios naturalmente precisavam carregar a sua ração de viagem ou guerra: era a paçoca."Alimento que consiste ordinariamente numa mistura conserva de carne seca e farinha de mandioca, às vezes acrescida de rapadura. Foram os aborígenes que no-la forneceram. Paçoca (corr. Poçoca): gerúndio supino de poçoc, esmigalhado à mão, desfiar, pilar, esfarinhar. Paçoca é pois o desfiado, o pilado, o enfarinhado. É o alimento preparado com carne assada e farinha, piladas conjuntamente, constituindo isso uma espécie de conserva, mui própria para as viagens no sertão " [T. Sampaio: "O Tupi na geografia nacional" 1901].A paçoca de peixe tinha o nome de piracuí e pouco diferia em seu preparo da outra: o peixe era moqueado, até ficar bem seco, pilado junto, ou não, à farinha de mandioca. Segundo Seu Basto, as qualidades de peixe que melhor se prestam para fazer o piracuí, são os peixes de escama, e, entre eles, os de médio tamanho, devendo-se escolher o que não for muito gordo, pois a gordura pode tornar rapidamente rançosa a farinha.A paçoca de peixe não se popularizou entre os colonos europeus, criadores de gado, tanto quanto aquela de carne, que de ração para viagem ou guerra, foi para a mesa e virou famosa iguaria da cozinha sertaneja.Na atualidade, o termo "piracuí" identifica a farinha de peixe (do Tupi, "pirá" = peixe e "cuí" = farinha), particularmente das espécies acarí e tamatuá, produzida na bacia amazônica pelos índios Tamua, que moram nas margens dos rios Uruára e Purus.

No Vale do Assu, aprendemos a fazer a paçoca de peixe moqueado, seguindo os ensinamentos de Seu Sebastião Barbosa, septuagenário morador do Sítio Barracos Novos, também conhecido pelo apelido juvenil de Basto das Pitombas.A preparação do piracuí do Seu Basto é um tanto laboriosa, mas o resultado final gratifica todo o esforço necessário. Para obter um quilo de peixe seco é necessário calcular aproximadamente quatro quilos de peixe fresco, limpo, escalado¹ e sem cabeça. Salgado de leve, o peixe é posto a secar ao sol por um dia inteiro (das 7h às 15h) e depois segue para o moquém, onde, após um período que vai das oito às doze horas, fica completamente desidratado. A farinha de mandioca é peneirada e torrada por alguns minutos num tacho de ferro, ou cobre. Coloca-se num capaz pilão a metade da farinha e acrescenta-se aos poucos o peixe seco, quebrado com as mãos em pequenos pedaços. É preciso socar os ingredientes por aproximadamente uma meia hora, ou até que todo o peixe fique bem desfiado. Enfim, deve-se acrescentar o restante da farinha, uma colher de sopa cheia de pimenta malagueta, seca e moída, o farelo de castanha de caju assada e misturar tudo muito bem com a colher de pau. Pronto. Só resta guardar o piracuí no bornal da farofa, um saco de couro ou lona, usado apenas para este fim. Dura por muitos dias. Uma mão cheia equivale a uma refeição completa. Seu Basto ainda deu duas sugestões muito boas. Se não tiver fogo à disposição, ele costuma acrescentar, só à porção separada para comer, duas bananas maduras picadas. Já tendo um fogo disponível, Seu Basto aconselha refogar uma cebola picada em duas colheres de manteiga da terra e misturar com a farofa de peixe. Nham, nham !!!

¹ escalado = aberto pelas costas, o peixe é privado de toda espinha e recebe dois cortes compridos em cada face interna

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Ingredientes para 6 pessoas:1kg de peixe moqueado, bem seco750gr de farinha de mandioca150gr de castanhas de caju torradas1colher (sopa) cheia de pimenta malagueta, seca e moída2 colheres (sopa) rasas de sal fino

Opcional:6 bananas maduras3 cebolas brancas100gr de manteiga da terra

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o SetestreloAstronomia indígena:

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Em nossas andanças pelos sertões do Vale do Assu, acampamos muitas vezes em locais distantes, isentos da poluição luminosa das grandes cidades, e com a total visão da abobada celeste, ora iluminada pela Lua, ora cheia de estrelas brilhantes.Tivemos, assim, o prazer de apreciar em varias ocasiões as constelações e outros astros que aparecem nessa peculiar porção de céu visível no Vale do Assu, localizado na faixa sub-equatorial do continente, em torno dos 6º Sul.Foi a observação do céu nessas noites sertanejas que impulsionou nossa curiosidade a procurar, na modesta biblioteca à disposição, informações sobre a cosmologia indígena e a astronomia pré-cabralina.A astronomia sul-americana é bem inferior em fertilidade científica à da América Central. Os motivos são, em resumo: a falta de uma linguagem escrita e de um sistema de numeração, que permitisse o desenvolvimento de um calendário com o qual fosse possível marcar datas e ocorrências dos fenômenos astronômicos.A ausência de conhecimento matemático impossibilitou que se criassem as mais elementares correlações astronometricas. Por outro lado, a falta de uma escrita contribuiu para que as lendas e os mitos, ao se desenvolverem, permitissem a criação de uma cosmologia em nada inferior à de qualquer outra civilização primitiva. Todos esses mitos, sejam eles de origem greco-romana, asiática ou americana, constituíam o principio simbólico do pensamento astronômico de cada povo.Uma das características da cosmologia brasiliana é a representação no firmamento das particularidades terrestres. Quando não são heróis e deuses, é a imagem projetada da flora e da fauna local que povoa o céu. Para exemplificar isso, baste pensar que, ao lado da Pauí Pódole (Cruzeiro do Sul), pai do mutum, estão Camaiuá e Cunavá, respectivamente as estrelas Alfa e Beta do Centauro, uma vespa e uma planta trepadeira.Foi a necessidade de medir o tempo através da determinação do retorno das épocas de chuvas e secas, que conduziu esses astrônomos elementares a observar o movimento dos astros e relacionar o aparecimento de certas estrelas, ou constelações, com as mudanças das estações. Mesmo não tendo conhecimento maior do universo e da mecânica celeste, não

sabendo calcular matematicamente os eclipses e as orbitas dos planetas, os indígenas brasilianos criaram uma cosmologia bem desenvolvida, a que não faltam explicações pitorescas sobre a origem das fases da Lua, os cometas, os meteoros, a Via-Láctea etc.O mais importante agrupamento estelar que caracteriza o conhecimento dos aborígenes brasilianos, é o das Plêiades. Duas são as razões desta importância: a primeira, o fato das Plêiades constituírem um dos objetos de mais fácil identificação; a segunda relaciona-se com o fato que sua aparição no céu, em Junho, antes do nascer do Sol, no lado do nascente, indicava aos índios que, nesta época, tudo começava a se renovar e que em breve chegaria a primavera.São muitas as lendas relacionadas às Plêiades, popularmente conhecidas também como Sete Estrelo, por ser visíveis, a olho nu, apenas sete estrelas desse aglomerado celeste.Uma lenda Caxinauá, colhida por Capistrano de Abreu, relata a história de um irmão solteiro, Boró, que trai o irmão casado, Macari, ao brincar com a linda esposa deste, Iriqui. Desprezada pelo marido, Iriqui pede a seis araras-canindés que a conduzam ao céu. Lá chegando, Iriqui e as araras se transformam nas Plêiades.Para os índios Taulipangue, as Plêiades formam, com o grupo das Híades, a estrela Aldebarã e uma parte de Orion,a figura do perneta Jilicavaí, que tendo tido uma das pernas decepada pela esposa adultera, subiu ao céu. Antes de sua ascensão, Jilicavaí anuncia ao irmão e ao filho que seu desaparecimento anual seria o sinal do principio da época das chuvas.Segundo o relato do general Couto de Magalhães, que coletou a lenda entre os índios do Tocantins, a jovem virgem Ceiuci era a mãe de Jurupari, cujo pai era nada menos que Coaraci, o Sol. Coaraci encontrou em Ceiuci a mãe-modelo que deveria dar à luz o índio encarregado de modificar e corrigir os defeitos e males que assolavam o Mundo e, em particular, acabar com o domínio das mulheres sobre os homens. Depois de eliminar a influencia das mulheres, Jurupari estabeleceu uma série de cultos e festas sagradas proibidas ao sexo feminino. Caso ouvissem os cantos dessas festas, as índ ias morrer iam imediatamente. Embora soubesse deste perigo, Ceiuci desobedeceu ao filho, procurou assistir a um dos rituais e acabou morrendo por isso. Não

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podendo restituir-lhe a vida, Jurupari conduziu a mãe para o céu, onde ela se transformou nas Plêiades.No Vale do Assu, interior do Nordeste, terra dos tapuios, principalmente dos grupos linguo-culturais Tarairiú e Kariri, o simbolismo das Plêiades estava estritamente ligado ao mundo invisível dos mitos ancestrais.Assim, para os Cariris, as sete estrelas das Plêiades representavam:1) Badzé, o pai, Padzu, deus do fumo, das florestas e do sonho;2) Poditã, o filho, Nhú, deus da chuva, das caças, da bonança;3) Warakidzé, o companheiro, amigo, símbolo do grupo que luta ao lado, na defesa da terra e da tribo vizinha;4) Popó, o irmão maior, representa o eventual substituto do pai;5) Birae, o irmão menor, símbolo da inconstância;6) Croroabe, o irmão gêmeo, o amigo inseparável, símbolo da união entre tribos do mesmo grupo étnico;7) Nhinhó, o deus que deu origem aos índios Cariris.Todos os bisamus¹ cariris colocavam seus mistérios nas Plêiades e na constelação de Orion, moradia celeste do deus Poditã, herói civilizador do grupo étnico Kariri. O mito de Poditã estava cercado de mistérios e sutilezas, que deixaram muitos intrigados, pois tinham os indígenas como regra sagrada guardar os ensinamentos do deus, conservando segredos que jamais foram revelados a quem não era do mesmo grupo étnico.Seja os Cariris que os Tarairiús começavam a contar o ano pelo nascimento das Plêiades, que nos sertões do Vale do Assu marcava o fim do inverno, estação da chuva, e a chegada da primavera, época de renovação da flora e da fauna.Cantos e danças faziam parte dos cultos em honra do Setestrelo realizados pelos tapuios. Eram as arcaicas festas juninas, depois sincretizadas e inseridas no calendário religioso da igreja católica.Segundo Marcgrave, quando os frutos silvestres já estavam na maior parte maduros, os Tara ir iús sa iam em romar ia do acampamento principal, situado nas margens do rio Otschunoch (Assu), caminhando por mais de dois dias até as cabeceiras do rio Quoauguho

(Mossoró), onde realizavam cultos de adoração ao Setestrelo durante semanas. Câmara Cascudo confirma que, em 1689, tal Lima Pacheco recebeu em sesmaria 24 léguas na ribeira do Upanema, ou Mossoró, "principiando de uma penedia que está onde o rio nasce, a qual o gentio denominava Sete Estrelas".Quando o rio Assu voltava ao seu leito, os Tarairiús dedicavam-se ao plantio do milho, jerimum, amendoim e fava, entre outros. Antes do plantio, havia umas cerimônias realizadas pelos feiticeiros, destinadas a propiciar a fertilidade do terreno; cerimônias que Jacob Rabbi descreveu em todos os pormenores no seu famoso relatório, dedicado ao conde Mauricio de Nassau, que foi a maior fonte de noticias sobre os Tarairiús para os cronistas da época.O aglomerado estelar das Plêiades (M45) é visível perto da constelação do Toro. Alguns desavisados podem confundi-lo com a Ursa Menor, invisível no hemisfério austral, da qual é muito menor e está muito distante. Trata-se de um agrupamento estelar relativamente jovem, na ordem dos 30-40 milhões de anos, que dista aproximadamente 450 anos-luz da Terra.Se a olho nu são visíveis apenas sete estrelas, com um telescópio elementar é possível contar mais de duzentos astros cintilantes. Mesmo assim, pela sua ampla extensão, o Setestrelo observa-se melhor com um bom binóculo, que com um telescópio.Mas então, dito isto... olhos pro céu e boa visão!

¹ bisamu = curandeiro, feiticeiro, autoridade espiritual, mesmo que pajé (tupi)

Bibliografia----------------------- Bernard Pellequer: "Pequeno guia do céu" - 1991- Ronaldo de Freitas Mourão: "Astronomia de Macunaíma" - 1984- Olavo de Medeiros Filho: "Índios do Assu e Seridó" - 1984- João Baptista Siqueira: "Os Cariris do Nordeste" - 1978- Luís da Câmara Cascudo: "Nomes da terra" - 1968

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