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Alfabetizao no Brasil: conjecturas sobre as relaes entre polticas pblicas e seus sujeitos privadosMaria do Rosrio Longo MortattiUniversidade Estadual Paulista - Campus de Marlia, Programa de Ps-Graduao em Educao

Para J. F. Nash Jr. e G. Perelman

Alfabetizao e poltica A alfabetizao escolar entendida como processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita em lngua materna, na fase inicial de escolarizao de crianas um processo complexo e multifacetado que envolve aes especificamente humanas e, portanto, polticas, caracterizando-se como dever do Estado e direito constitucional do cidado. Em sociedades letradas contemporneas, essa relao tanto impe a necessidade de insero/incluso dos no alfabetizados no mundo pblico da cultura escrita e nas instncias pblicas de uso da linguagem, quanto demanda a formulao de meios e modos mais eficientes e eficazes para implementar aes, visando concretizar essa insero/incluso, a servio de determinadas urgncias polticas, sociais e educacionais. Embora possa parecer um trusmo, a caracterstica complexa e multifacetada desse processo parece no ter sido sempre to evidente por si no mbito de polticas pblicas1 para a alfabetizao, formuladas,1

implementadas e avaliadas em nveis local, estadual ou federal nas ltimas dcadas em nosso pas. Esse fenmeno, porm, no exclusivo de nossos dias e pode ser observado desde o final do sculo XIX. Ao longo desses aproximadamente 130 anos de histria da alfabetizao, em decorrncia do que se considerou a nova e a definitiva verdade cientfica sobre esse processo, pode-se constatar, em determinados momentos, a centralidade atribuda, no mbito do que hoje denominamos polticas pblicas, a um ou a alguns dos aspectos especficos da alfabetizao, tendendo-se a reduzir esse processo a aspectos neutros e meramente tcnicos, porque considerados correspondentes verdade cientfica comprovada e inquestionvel. Desconsidera-se, assim, que decorrem de opes e decises relacionadas a determinada(s) teoria(s) educacional(is), fundamentada(s) em determinada(s) teoria(s) do conhecimento e integrantes de determinado(s) projeto(s) poltico(s) que lheconfigurando um compromisso pblico que visa dar conta de determinada demanda, em diversas reas. Expressa a transformao daquilo que do mbito privado em aes coletivas no espao pblico (Guareschi et al., 2004, p. 180).329

Utilizo a expresso polticas pblicas no sentido de conjun-

to de aes coletivas voltadas para a garantia dos direitos sociais,Revista Brasileira de Educao v. 15 n. 44 maio/ago. 2010

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d(do) sustentao e motivao em determinado momento histrico. Nas dcadas que antecederam a Proclamao da Repblica brasileira, o ensino e a aprendizagem iniciais da leitura e escrita comearam a se tornar objeto de preocupao de administradores pblicos e intelectuais da Corte e de algumas provncias brasileiras, especialmente So Paulo. Entretanto, foi somente a partir da primeira dcada republicana, com as reformas da instruo pblica, especialmente a paulista, que as prticas sociais de leitura e a escrita se tornaram prticas escolarizadas, ou seja, ensinadas e aprendidas em espao pblico e submetidas organizao metdica, sistemtica e intencional, porque consideradas estratgicas para a formao do cidado e para o desenvolvimento poltico e social do pas, de acordo com os ideais do regime republicano. A partir dos anos de 1930, com o processo de unificao, em nvel federal, de iniciativas polticas em todas as esferas da vida social, a educao e, em particular, a alfabetizao passaram a integrar polticas e aes dos governos estaduais como reas estratgicas para a promoo e sustentao do desejado desenvolvimento nacional. De l para c, saber ler e escrever se tornou o principal ndice de medida e testagem da eficincia da escola pblica, laica e gratuita. E com diferentes finalidades, de diferentes formas e com diferentes contedos, visando a enfrentar as dificuldades das crianas em aprender a ler e escrever, para assim responder mais adequadamente a certas urgncias polticas, sociais e educacionais do pas, diferentes sujeitos foram atribuindo diferentes sentidos a esse ensino inicial da leitura e escrita. Como resultado de disputas polticas que tm sua face mais visvel na querela dos mtodos, ou seja, na disputa em torno do mtodo de ensino inicial da leitura (e escrita),2 considerado novo e melhor em

relao ao antigo e tradicional, seja para enfatizar um desses mtodos, seja para neg-los em bloco, em cada momento histrico, cada novo sentido da alfabetizao se tornou hegemnico, porque oficial, mas no nico nem homogneo, tampouco isento de resistncias, mediadas especialmente pela velada utilizao de antigos mtodos e prticas alfabetizadoras. Decorrente da complexidade e multifacetao do processo escolar envolvido, a histria da alfabetizao no Brasil se caracteriza, portanto, como um movimento tambm complexo, marcado pela recorrncia discursiva da mudana, indicativa da tenso constante entre permanncias e rupturas, diretamente relacionadas a disputas pela hegemonia de projetos polticos e educacionais e de um sentido moderno para a alfabetizao.3 Como resultado dessas disputas, em cadada alfabetizao no Brasil foi-se sedimentando a seguinte subdiviso classificatria desses mtodos: mtodos sintticos (de marcha sinttica): alfabtico, fnico, silbico; e mtodos analticos (de marcha analtica): da palavrao, da sentenciao, da historieta, do conto.3

Em Mortatti (2000), abordo a histria do ensino da leitura e

escrita na fase inicial de escolarizao de crianas no Brasil desde o final do sculo XIX at os dias atuais, com nfase na situao paulista, e proponho a diviso desse movimento histrico em quatro momentos que considero cruciais, cada um deles marcado por um novo sentido atribudo alfabetizao: o primeiro momento (1876 a 1890) se caracteriza pela disputa entre os partidrios do novo mtodo da palavrao e os dos antigos mtodos sintticos (alfabtico, fnico, silbico); o segundo momento (1890 a meados dos anos de 1920) marcado pela disputa entre os defensores do novo mtodo analtico e os dos antigos mtodos sintticos; o terceiro momento (meados dos anos de 1920 a final dos anos de 1970) notvel pelas disputas entre defensores dos antigos mtodos de alfabetizao e os dos novos testes ABC para verificao da maturidade necessria ao aprendizado da leitura e escrita, do que decorre a introduo dos novos mtodos mistos; o quarto momento (meados de 1980 a 1994) marca-se pelas disputas entre os defensores da nova perspectiva construtivista e os dos antigos testes de maturidade e dos antigos mtodos de alfabetizao. Como o ano de 1994 indica apenas o encerramento daquela pesquisa, uma vez que esse quarto momento da histria da alfabetizao no Brasil se encontra ainda em curso, em livro e em artigos posteriores

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Os mtodos de alfabetizao podem ser classificados em

dois tipos bsicos: sinttico (da parte para o todo) e analtico (do todo para a parte). Dependendo do que foi considerada a unidade lingustica a partir da qual se deveria iniciar o ensino da leitura e escrita e do que se considerou todo ou parte, ao longo da histria

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momento histrico fundou-se uma (nova) tradio que, comportando temporalidades mltiplas, era (), ao mesmo tempo, velha, porque constituda da que a antecedeu, e nova, porque diferente daquela e constitutiva da que a sucedeu (suceder), mesmo quando os defensores da (nova) tradio sustentam ter rompido definitivamente com a (velha) tradio, pois:O vigor da tradio, seu peso no pensamento do homem [...] nunca dependeram da conscincia que este teve dela. [...] O fim de uma tradio no significa necessariamente que os conceitos tradicionais tenham perdido seu poder sobre as mentes dos homens. Pelo contrrio, s vezes parece que esse poder das noes e categoria cedias e pudas torna-se mais tirnico medida que a tradio perde sua fora viva e se distancia a memria de seu incio; ela pode mesmo revelar toda sua fora coerciva somente depois de vindo seu fim, quando os homens nem mesmo se rebelam contra ela. (Arendt, 1979, p. 52-53)

atendimento s necessidades bsicas sociais, como direitos dos cidados. Aquelas constataes relativas ao movimento complexo da histria da alfabetizao no Brasil indicam ainda a necessidade de tambm se considerar que a face mais visvel do processo de ensino e aprendizagem iniciais da leitura e escrita (e seu calcanhar de Aquiles) se manifesta na relao especfica de ensinoaprendizagem que se estabelece entre professor e alunos na sala de aula. no nvel didtico-pedaggico que se podem melhor apreender e compreender as concretizaes de determinados projetos polticos em disputa, configurados por meio de polticas pblicas em determinado momento histrico, considerando que o princpio inspirador torna-se plenamente manifesto somente no prprio ator realizador (Arendt, 1979, p. 199). Polticas de alfabetizao no quarto momento: modelos tericos e propostas didticopedaggicas Especialmente a partir do final da dcada de 1970, com o fim do regime ditatorial imposto pelo golpe militar de 1964 e com a intensificao da luta pela liberdade poltica e social do pas, a luta pela democratizao da educao centrou-se na defesa do direito escolarizao para todos, da universalizao do ensino e da maior participao da comunidade na gesto da escola. A partir de ento, especialmente do incio da dcada de 1980, no mbito do que denomino quarto momento crucial da histria da alfabetizao no Brasil, passou-se a questionar, sistemtica e oficialmente, o ensino e a aprendizagem iniciais da leitura e escrita, j que nessa etapa de escolarizao se concentra(va) a maioria da populao brasileira pobre, que fracassa(va) na escola pblica e em relao qual se deveriam focalizar aes pblicas. A fim de buscar respostas a essas necessidades e questionamentos, a partir de ento foram engendrados e/ou adotados por pesquisadores brasileiros pelo menos trs modelos tericos principais de explicao331

Tais constataes indicam a necessidade de pensar nas polticas pblicas para o ensino e a aprendizagem iniciais da leitura e escrita com base no pressuposto bvio de que decises de ordem terico-epistemolgica ou tcnica so tambm polticas, ou seja, resultam de escolhas centradas em julgamentos de valor dentre opes tambm de ordem poltica, uma vez que:[...] a ao governamental reflete escolhas em um quadro de conflito, no havendo, portanto, governos imparciais, pois as escolhas sempre envolvero julgamento de valor, ainda que estejam ancoradas em avaliaes tcnicas. (Oliveira & Duarte, 2005, p. 283)

Tais decises polticas esto na base de polticas pblicas como manifestaes sintticas das relaes entre teoria e ao do Estado no que se refere ao

(Mortatti, 2004, 2007, 2008), apresentei ensaios de continuidade da abordagem das caractersticas mais recentes desse momento, incluindo, respectivamente, os principais aspectos envolvidos na introduo, em nosso pas, do termo letramento e as discusses mais recentes sobre o mtodo fnico.

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para os problemas da alfabetizao no Brasil, os quais podem ser denominados, sinteticamente, construtivismo, interacionismo lingustico e letramento. A partir desse momento, logrou hegemonia, por meio de sua oficializao no mbito de polticas pblicas para a alfabetizao, o modelo terico resultante da perspectiva epistemolgica construtivista em alfabetizao, ou simplesmente construtivismo, como ficou conhecido. Decorrente das pesquisas desenvolvidas pela pesquisadora argentina Emilia Ferreiro na Universidade de Genebra, sob orientao do epistemlogo suo Jean Piaget e com a colaborao de outros pesquisadores, esse novo modelo terico foi apresentado como revoluo conceitual. Os resultados dessas pesquisas se propem a explicar a psicognese da lngua escrita na criana, implicando conhecer como a criana aprende a ler e a escrever; elas vieram justamente questionar as concepes at ento defendidas e praticadas em alfabetizao, particularmente as que se baseavam tanto na centralidade do ensino e, em decorrncia, dos mtodos e cartilhas de alfabetizao quanto nos resultados do testes de maturidade para o aprendizado da leitura e escrita. Essa mudana de paradigma gerou um srio impasse entre o questionamento da possibilidade do ensino da leitura e escrita (e sua metodizao) e a nfase na maneira como a criana aprende a ler e a escrever, ou seja, como a criana se alfabetiza. E, diferentemente do que supunham muitos alfabetizadores, principalmente nos anos iniciais da divulgao entre ns dos resultados dessas pesquisas, o construtivismo no pode e no pretende ser nem um novo mtodo de ensino da leitura e escrita nem, portanto, comporta uma nova didtica (teoria do ensino) da leitura e escrita. Por esses motivos, do ponto de vista da histria da alfabetizao no Brasil, desse modelo terico decorre o que denomino desmetodizao da alfabetizao. Esse foi tambm o modelo terico assumido como correlato s mudanas administrativas e organizacionais que se implementaram a partir da dcada de 1980 em secretarias de educao estaduais, correspondendo s ento novas possibilidades de democratizao que, nesse nvel federativo, tornaram332

se possveis, com a realizao das primeiras eleies diretas para governadores aps o regime militar. Foi assim que ocorreu, por exemplo, no estado de So Paulo, quando da implantao, em 1983-1984, do Ciclo Bsico de Alfabetizao (CBA), que, alm de outras medidas, incorporou os resultados das pesquisas de Emilia Ferreiro e colaboradores como opo poltica derivada de pesquisas cientficas, consideradas a nova e definitiva verdade sobre esse processo. Apesar de o construtivismo em alfabetizao terse tornado oficial, outros estudos e pesquisas foram ganhando destaque tambm a partir de meados dos anos de 1980, no Brasil, como ocorreu com as propostas dos pesquisadores brasileiros Joo Wanderley Geraldi e Ana Luiza Smolka,4 fundamentadas no interacionismo lingustico e na psicologia sovitica, e com as propostas dos pesquisadores brasileiros Mary Kato, Leda Tfouni, ngela Kleiman e Magda Soares, fundamentadas no conceito de letramento.5 Propostas didtico-pedaggicas decorrentes desses modelos tericos foram sendo incorporadas e divulgadas, ainda que em menor grau e intensidade, como aspectos com-

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Desse ponto de vista centrado no interacionismo lingusti-

co, alfabetizao designa o processo de ensino-aprendizagem da leitura e escrita entendidas como atividade discursiva, que depende diretamente das relaes de ensino que ocorrem na escola, especialmente entre professor e alunos. A perspectiva interacionista prope, portanto, uma forma de compreender como se ensina e se aprende a lngua escrita e comporta uma nova didtica da leitura e escrita, centrada no texto e na qual se relacionam os diferentes aspectos envolvidos nesse processo discursivo: por que, para que, como, o que, quando, onde, quem, com quem ensinar e aprender a lngua escrita. A esse respeito, ver especialmente Mortatti (1999).5

A partir especialmente dos estudos e propostas de Magda

Soares, sabe-se que os primeiros registros de uso do termo letramento, no Brasil, so creditados a Mary Kato e a Leda Tfouni. Mas o termo passou a ser usado mais sistemtica e extensivamente na dcada de 1990, a partir de publicaes de Tfouni, Kleiman e Soares. Inicialmente restrita ao mbito dos estudos e pesquisas acadmicos, a palavra teve seu uso disseminado a partir de meados dos anos de 1990, sendo j de uso comum entre educadores. A esse respeito, ver, especialmente, Soares (2003) e Mortatti (2004).Revista Brasileira de Educao v. 15 n. 44 maio/ago. 2010

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plementares do construtivismo, no mbito de polticas pblicas de alfabetizao. Como se pode constatar, embora motivados por constataes semelhantes e apresentando certos aspectos em comum, trata-se de modelos tericos diferentes, porque fundamentados em diferentes perspectivas epistemolgicas, formulados por diferentes sujeitos, com diferentes finalidades e que tiveram diferentes ritmos de implantao, com diferentes modos e lugares de circulao. Trata-se, sobretudo, de diferentes opes polticas. Deve-se considerar, ainda, que foram objeto de apropriaes e concretizaes didtico-pedaggicas tambm diferentes entre si, demandando, nesse nvel, pensarmos em construtivismos, interacionismos lingusticos e letramentos. Apesar de seu carter plural e das diferenas entre esses modelos, em certas apropriaes e concretizaes eles vm sendo conciliados de maneira ecltica e apresentados como se fossem homogneos e complementares entre si e como se todos pudessem ser entendidos, de forma redutora, como correspondentes a trs novos mtodos de ensino. Apesar dessas diferenas e das eclticas propostas conciliatrias, possvel constatar, por um lado, mais divergncias do que diferenas e semelhanas entre construtivismo e interacionismo, assim como entre construtivismo e letramento; e, por outro lado, mais semelhanas do que diferenas entre interacionismo e letramento. Trato aqui, porm, de modelos relativamente objetivos e definidos apenas no nvel terico, pois, no nvel das apropriaes e concretizaes didticopedaggicas e mesmo em inmeras pesquisas acadmicas, assim como no mbito de documentos que condensam polticas pblicas, dificilmente se constatam ocorrncias e aplicaes puras de um ou outro modelo; alm do construtivismo e do interacionismo lingustico, pode-se ainda observar, nas prticas alfabetizadoras, atividades didticas baseadas nos antigos mtodos de alfabetizao sintticos, analticos e mistos utilizados no Brasil desde o sculo XIX. Nas propostas curriculares estaduais da dcada de 1980, incorporou-se o construtivismo, hegemonicamente, e o interacionismo lingustico e o letraRevista Brasileira de Educao v. 15 n. 44 maio/ago. 2010

mento complementarmente; semelhante processo de incorporao se verificou, na dcada de 1990, com a reorganizao e a centralizao, em nvel federal, de polticas pblicas para a educao e a alfabetizao. Desde a publicao, em 1997, dos Parmetros curriculares nacionais (PCNs), com maior ou menor grau de intensidade e explicitao, esses trs modelos foram incorporados nesse e em outros documentos oficiais expedidos por rgos do governo federal, nos quais se sintetizam polticas pblicas para a educao e para a alfabetizao no Brasil, ainda em vigncia. Assim, com o predomnio do construtivismo, esses modelos e as propostas didtico-pedaggicas para o ensino e a aprendizagem iniciais da leitura e escrita neles fundamentadas foram disseminados amplamente no Brasil. importante destacar, porm, que sua oficializao no os tornou unanimidade na prtica alfabetizadora, seja porque, como j apontei, no h nem pode haver, de um ponto de vista terico rigoroso, uma didtica construtivista nem um mtodo construtivista de alfabetizao, seja porque, mesmo com a hegemonia do construtivismo no Brasil, ou mesmo com aspectos do interacionismo lingustico e da proposta de letramento incorporadas nos documentos oficias a partir de ento, continuaram a ser utilizadas cartilhas e mtodos de alfabetizao, como j ressaltei. Estando ainda em circulao esses modelos tericos nos primeiros anos deste sculo, apoiados tanto nos resultados de avaliaes de instituies e organismos nacionais e internacionais realizadas com o objetivo de verificar o desempenho escolar de nossos alunos do Ensino Fundamental e Mdio e de sistemas de ensino quanto nos exemplos de pases desenvolvidos, outros pesquisadores brasileiros tentaram buscar novas explicaes e propostas de soluo para a crise da alfabetizao no Brasil. Dentre essas propostas, vem ganhando destaque, pela polmica gerada, a centrada no mtodo fnico, apresentada pelos pesquisadores brasileiros Alessandra Capovilla e Fernando Capovilla (2002),66

Anlise crtica dessa proposta se encontra, dentre outros,

em Mortatti (2008).333

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que problematizam dados sobre o fracasso escolar em alfabetizao na dcada 1995-2004 no Brasil e reiteram crticas tanto aos PCNs (1997) quanto ao construtivismo, que consideram ser o responsvel pelo fracasso em alfabetizao nas ltimas dcadas. No mbito da histria da alfabetizao no Brasil, no se trata de uma proposta nova nem pioneira, pois, como j informei, o mtodo fnico um mtodo de alfabetizao caracterizado por marcha sinttica conhecido no Brasil desde pelo menos o sculo XIX. E, a partir do que denomino segundo momento crucial na histria da alfabetizao no Brasil, esses mtodos sintticos foram veementemente criticados e combatidos por aqueles que propuseram e defenderam os mtodos de marcha analtica. Deve-se lembrar ainda que, durante o sculo XX, no se tratou mais de tendncia predominante a proposio e aplicao de mtodo sintticos ou analticos puros. A partir da dcada de 1930, a tendncia passou a ser a de rotinizao de mtodos mistos (analtico-sintticos ou sinttico-analticos) e de utilizao do mtodo global de contos, embora, em alguns estados brasileiros, a partir da segunda metade do sculo XX, tenha ocorrido a retomada entusistica do antigo mtodo fnico.7 A apresentao da atual proposta do mtodo fnico pode ser, portanto, caracterizada como indicativa de um processo que denomino remetodizao da alfabetizao. Trata-se de reposio/atualizao de um novo/velho discurso, j fartamente conhecido e utilizado ao longo da histria da alfabetizao no Brasil por aqueles que, em cada um dos quatro mo-

mentos cruciais que proponho, buscaram convencer seus contemporneos de que eram portadores de nova, cientfica e definitiva soluo para os problemas da alfabetizao no pas. Alm disso, a atual discusso sobre mtodos de alfabetizao, provocada pela apresentao da proposta do mtodo fnico em oposio ao construtivismo, recoloca no centro dos debates a disputa pela hegemonia de projetos polticos na formulao e implementao de polticas pblicas para a alfabetizao no Brasil. Esses recursos e objetivos tambm no so novos e caracterizaram disputas ocorridas em cada um dos quatro momentos cruciais na histria da alfabetizao no Brasil. Talvez por isso mesmo se tenha sedimentado a expresso querela dos mtodos em referncia a essa discusso. Um novo tipo de parceria entre rgos pblicos e docentes pesquisadores das universidades pblicas Analisando a reforma do Estado brasileiro a partir do primeiro mandato (1995-1998) do presidente Fernando Henrique Cardoso e avaliando aspectos da reconfigurao das relaes entre as esferas pblicas e privadas geradas pelo novo papel atribudo ao Estado a partir de ento, com base na justificativa de maior eficincia e racionalizao de gastos, Oliveira e Duarte (2005, p. 286) consideram que, no quadro de reformas decorrentes, passou-se a defender que o Estado desenvolveria polticas sociais focalizadas, atuando apenas por meio de medidas compensatrias nas consequncias sociais mais extremas do capitalismo contemporneo, pois, alm de[...] alterar o padro de regulao social e assentar as bases para uma nova atuao do Estado frente s polticas sociais, o Estado brasileiro, no governo Fernando Henrique, buscou mostrar a necessidade de deslocar o seu papel histrico de provedor para o de indutor e articulador das polticas sociais, significando, nas palavras do prprio presidente da Repblica, aquele que aproxima o privado do pblico. (Toledo, 1998 apud Oliveira & Duarte, 2005, p. 286, grifos meus)

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A respeito especialmente do mtodo global de contos

criado pela professora Lcia Casasanta e sua adoo no estado de Minas Gerais, entre as dcadas de 1930 e 1960, ver Maciel (2001). A respeito da retomada do mtodo fnico na segunda metade do sculo XX, inicialmente no Rio de Janeiro, mas com repercusses em outros estados brasileiros, at os dias atuais, tm-se: o mtodo Iracema Meireles, criado, na dcada de 1950, pela professora Iracema Meireles e apresentado na cartilha Casinha feliz (1963); e o mtodo da abelhinha, criado em 1965 pelas professoras Alzira S. B. da Silva, Lcia M. Pinheiro e Risoleta F. Cardoso, sob influncia de modelo adotado na Itlia.

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Esse processo de redefinio do papel do Estado decorre de uma nova racionalidade poltico-econmica, influenciada pela teoria neoliberal e pela teoria da Terceira Via, que, embora partam de diagnstico comum, propem estratgias diferentes de superao da crise do Estado.O neoliberalismo defende o Estado mnimo e a privatizao, e a terceira via, a reforma do Estado e a parceria com o terceiro setor. Ocorre que, tendo o mesmo diagnstico de que a crise est no Estado, nas duas teorias, este no mais o responsvel pela execuo das polticas sociais: o primeiro a repassa para o mercado e o segundo, para a chamada sociedade civil sem fins lucrativos. (Peroni et al., 2009, p. 763)

execuo para o setor pblico no estatal e para o setor privado. Assim, na poltica educacional brasileira, a partir da dcada de 1990, articulam-se processos de descentralizao e centralizao (administrativa, financeira e pedaggica), caractersticos do contexto de[...] transio de uma forma de regulao burocrtica e fortemente centralizada para uma forma de regulao hbrida que conjuga o controle pelo Estado com estratgias de descentralizao, autonomia e autorregulao das instncias educacionais e das instituies escolares. (Bonamino, 2003, p. 253)

Assim, especialmente a execuo de polticas pblicas pode passar a ser de responsabilidade do setor privado, por meio do mercado, ou da sociedade civil, por meio do setor pblico no estatal (Peroni et al., 2009). E, com a participao da sociedade civil como novo agente das funes pblicas no estatais, configuram-se tambm novas formas de regulao entre o pblico e o privado, as quais[...] complexificam o cenrio das polticas sociais e, particularmente, das polticas educacionais, a partir do aparecimento de novas formas de implementao de bens pblicos com nfase no estabelecimento de parcerias de mltiplas combinaes como alternativa para suprir a combalida e ineficiente atuao do poder pblico, assim identificada pela prpria fala governamental, e o desinteresse do mercado na coordenao de determinados servios, sem que se perca, contudo, o papel do Estado como ente regulador e transferidor de recursos para o terceiro setor. (Dourado e Bueno, s.d., p. 7)

De fato, no que se refere formulao, implementao e avaliao de polticas pblicas, especialmente para a educao, o Estado brasileiro vem exercendo, desde meados da dcada de 1990, a funo tanto de agente direto, que assume a responsabilidade de induo, articulao e regulao, quanto de agente indireto, que tambm repassa a responsabilidade de

Como uma das consequncias dessa reforma do Estado brasileiro e da solidificao do processo descentralizador na gesto da educao, tem-se a tendncia a se configurarem diferentes sistemas educacionais autnomos, fomentados por um discurso participacionista [que] tem elevado a presena de organizaes filantrpicas e organizaes no governamentais e empresariais no setor da educao nos anos 1990. Nesse contexto, o setor privado no lucrativo (filantrpico, confessional ou comunitrio) aparece legalmente como forma institucional do servio pblico no estatal (Rodriguez, 2009, p. 112). Essas novas formas de regulao entre o pblico e o privado, assim como entre o pblico estatal e o pblico no estatal, tm ainda assumido outros contornos especficos, propiciando o engendramento de outro tipo de relao hbrida entre esses setores, especialmente a que vem ocorrendo internamente ao setor pblico estatal, com o estabelecimento de um novo tipo de parceria entre Estado e subsetores pblicos. Do ponto de vista dessa reforma do Estado, no que se refere educao, esse tipo de parceria pode ser observada j na dcada de 1980, predominantemente no mbito de sistemas estaduais de ensino, cuja reorganizao integrou a agenda poltica dos governadores eleitos por pleito direto aps o fim da ditadura militar. Tomando como exemplo o caso paulista, na formulao e implementao de polti-

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cas pblicas estaduais para a educao e correlatas propostas didtico-pedaggicas, para as diferentes disciplinas do currculo do ento ensino de 1 e 2 graus, estabeleceu-se processo de formalizao de parcerias entre rgos da Secretaria Estadual de Educao responsveis por definir, induzir e articular demandas prioritrias compatveis com diagnsticos da situao educacional no Estado e regular a execuo de polticas pblicas e especialmente universidades pblicas, responsveis pela oferta de servios especializados, como atividades de extenso dos conhecimentos cientficos produzidos nas atividades de pesquisa. Esse tipo de parceria ampliou-se a partir de ento, tendo se solidificado tambm em mbito federal na dcada de 1990, como ocorreu, por exemplo, no processo de elaborao dos PCNs e de tantas outras iniciativas, das quais participaram e participam diretamente docentes e pesquisadores vinculados a universidades pblicas, de forma individual ou por meio de convnios institucionais de assessoria ou consultoria. Com esse tipo de parceria estabelece-se ainda, no mbito das polticas pblicas para a educao, um novo tipo de regulao focalizada (Oliveira & Duarte, 2005, p. 283) por parte do poder pblico estatal em relao ao subsetor pblico representado pela universidade pblica. Aquele agente institucional com funo definidora, indutora, articuladora e reguladora de demandas da sociedade; esta agente institucional da produo de conhecimentos disponibilizados ao Estado, que, como agente institucional, contrata os servios de assessoria ou consultoria de docentes pesquisadores vinculados universidade. E ambos esto a servio no apenas da sociedade brasileira mas tambm da comunidade internacional, a quem prestam contas por meio de avaliaes externas de estudantes e sistemas de ensino, conforme demandas de insero do Brasil no ranking de pases com altos ndices de desenvolvimento social e educacional, a servio de interesses nacionais e internacionais tambm. Considerando, porm, que esse processo envolve diretamente a atuao de docentes pesquisadores da

universidade pblica, que se caracteriza juridicamente como autarquia ou estabelecimento pblico autnomo, cujo objetivo desenvolver atividades centradas na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extenso, decorre que esse novo tipo de parceria relaciona-se tambm com uma forma de regulao social, caracterstica do estgio atual do capitalismo, que, por meio de poltica de negociao, busca a nova institucionalidade assentada na busca de consenso entre antagonistas (Silva Jnior & Sguissardi, 2005, p. 13). Nesse contexto, a universidade pblica, que nos anos de ditadura militar esteve fortemente empenhada na denncia dos efeitos sociais desastrosos de polticas autoritrias em educao, passou a ser chamada a participar do processo de construo da nova ordem social e poltica, aceitando, porm, no cumprimento de seu compromisso social, submeter a processo regulatrio a atuao de sujeitos, funcionrios pblicos na universidade, que so responsveis pela produo (individual-institucional) de conhecimento, do qual dispem como um bem privado, apreendido e construdo com financiamento pblico e que, na condio de assessores ou consultores de rgos pblicos, tornam-se responsveis tambm por sua divulgao, aplicao e avaliao, por meio da participao direta na formulao, implementao e avaliao de polticas pblicas. Vem-se caracterizando, assim, a tendncia a se configurar um quase terceiro setor ou um quase mercado, constitutivos de uma zona fronteiria em que se d a atuao desses sujeitos privados de polticas pblicas. Ou se trata de engendramento de um novo tipo de intelectual orgnico (Gramsci, 1966, 1968), com nova forma de atuao poltico-intelectual, derivada de uma nova dinmica social, instaurada com a reforma do Estado brasileiro, em tempos de neoliberalismo? Esse movimento est diretamente relacionado s polticas atuais de produo de cincia e tecnologia e de avaliao da produtividade acadmica, que por sua vez vinculam-se ao desejado crescimento econmico do pas, visando a sua insero no cenrio internacional. Nesse movimento, considerando as fortes marcas

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do neopragmatismo, pode-se entrever, mais uma vez, a mediao de polticas cientficas que impem a necessidade de as cincias humanas justificarem sua funo por meio de pesquisas aplicadas ao desenvolvimento econmico.H nesse movimento uma forma de atualizao da teoria do capital humano, com fortes marcas de neopragmatismo na formao humana pretendida nessas complexas relaes. Isso mostra, desde logo, alguns inegveis traos das polticas pblicas no campo da pesquisa no Brasil: maior aplicao de recursos em investigaes com resultados imediatos e que conduziriam a mais eficaz aplicao dos recursos voltados para o fortalecimento do capital nacional industrial e agropecurio exportador, investimento que privilegiaria, assim, as reas duras em detrimento das cincias humanas, dentre elas a educao. Seriam exigidas, tambm, do Sistema Federal da Educao Superior, em termos de formao profissional, respostas muito mais eficazes e rpidas do que as anteriormente dadas s supostas exigncias da competitividade no mercado mundial, em um contexto de transferncia dessa responsabilidade do Estado para a sociedade civil. Em contrapartida, esses traos de que se revestiria a educao superior brasileira atual tenderiam a afetar todas as reas do conhecimento, independentemente de suas especificidades, definindo como vil da histria as cincias humanas. (Silva Jnior e Sguissardi, 2005, p. 10)

Nesse sentido, uma das caractersticas mais evidentes do tipo de parceria a que me refiro e que hoje j est consolidada so polticas pblicas caracterizadas pela subsuno do discurso acadmico-cientfico no discurso oficial, constatveis, por exemplo, na autoria institucional de documentos oficiais, nos quais os docentes pesquisadores das universidades pblicas figuram como elaboradores do documento, mas no autores de polticas pblicas e propostas didticopedaggicas encomendadas pelo Estado.8 o qual se

8

Esse fenmeno pode ser mais bem visualizado quando, por

exemplo, elaboram-se, de acordo com normas da ABNT, referncias (bibliogrficas) de documentos oficiais.

torna, tambm e indiretamente, o detentor da autoria dessas propostas. Esse fenmeno no novo na histria da educao e da alfabetizao no Brasil. Especialmente no caso paulista, pois desde o final do sculo XIX pode-se observar uma quase coincidncia entre os sujeitos que tematizavam o ensino da leitura e escrita, os que normatizavam sobre esse ensino e os que propunham sua concretizao. Trata-se de professores formados pela Escola Normal de So Paulo que exerciam funes, por vezes concomitantemente, de administradores da instruo pblica, divulgadores das novas propostas oficiais e autores de livros didticos baseados nelas. Esses professores, que constituam a elite do professorado paulista e partilhavam da intelectualidade da poca, exerciam atividades de: normatizao, como parte de suas funes na administrao da instruo pblica, elaborando documentos oficiais e atuando em processos de regulao da instruo pblica e do ensino inicial da leitura e escrita e de elaborao e aplicao de critrios para adoo de livros didticos; de tematizao, em peridicos educacionais vinculados a entidades de professores, nos quais publicavam artigos tericos e orientaes didtico-pedaggicas relativos implementao daquelas normatizaes; e de concretizao, por meio da produo de material didtico-pedaggico (cartilhas, livros de leitura, livros didticos de outras matrias), na condio de autores ou editores, que apresentavam formas de concretizao das normatizaes e de acordo com tematizaes de cuja formulao e implementao tambm participavam. Especificamente em relao alfabetizao, a partir da dcada de 1980, inicialmente no mbito de secretarias estaduais de educao e, a partir da dcada de 1990, tambm em mbito federal, esse tipo de parceria entre rgos da administrao pblica e universidades pblicas, como j apontei, passou a integrar o movimento de reorganizao do ensino com base nas ento mais modernas teorias, resultantes de conhecimento produzido ou divulgado em universidades pblicas, de acordo com as quais se reafirmava a importncia estratgica da alfabetizao para a consecuo dos ideais de redemocratizao do pas.

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Esse movimento acompanhou o avano dos estudos e das pesquisas sobre alfabetizao relacionados com a tendncia, verificada nas ltimas dcadas, de a alfabetizao se constituir como campo de conhecimento autnomo e interdisciplinar. Essa tendncia, por sua vez, relaciona-se com a expanso dos programas de ps-graduao em educao, os quais se tornaram responsveis pela formao de quadros de vrias universidades brasileiras; com a gradativa organizao dos servios de extenso universitria, visando aplicao e justificativa social da pesquisa cientfica; e com o fato de pesquisadores ligados s universidades pblicas terem passado a publicar textos de sntese e divulgao das novas ideias sobre alfabetizao, seja na forma de artigos publicados em coletneas oficiais ou em revistas especializadas, seja na forma de livros em colees de iniciao ou destinadas explicitamente a cursos de formao de professores, substituindo os antigos manuais de ensino. A prtica de traduo de livros e artigos com resultados de estudos e pesquisas de ponta tambm se disseminou rapidamente, fenmeno acompanhado pelo lanamento de colees especficas por editoras que se especializaram no ramo e pelo surgimento de vrias revistas especializadas em educao, ensino e leitura alm de nmeros e cadernos especiais dessas revistas dedicados alfabetizao que passaram a divulgar, alm de estudos e pesquisas, muitos relatos de experincias bem-sucedidas baseadas nos novos modelos tericos relativos alfabetizao. O principal efeito desse tipo de parceria pode ser depreendido, atualmente, na constatao de uma quase total coincidncia entre tematizaes e normatizaes sobre alfabetizao a partir da dcada de 1980. Mediante a busca de respostas didtico-pedaggicas coerentes com a necessidade formulada de superao dos problemas sociais e educacionais da poca, essa coincidncia encontra sua sntese no construtivismo, que, como apontei, entendido como revoluo conceitual, representada pelo postulado da construo do conhecimento lingustico pela criana, em decorrncia do qual o eixo da discusso deslocado para o processo de aprendizagem do sujeito cognoscente e

ativo, em detrimento dos mtodos de alfabetizao e da relevncia do papel da escola e do professor nesse processo. No entanto, ainda que devessem, para ser coerentes com a nova verdade cientfica, coincidir com tematizaes e normatizaes, as concretizaes encontram-se bastante diversificadas, seja pela nfase no discurso da autonomia didtica, seja pela natureza das novas teorias em educao e alfabetizao que impelem rejeio de receitas didtico-pedaggicas. Assim, mesmo com a hegemonia do construtivismo e suas implicaes relativas desmetodizao da alfabetizao, as cartilhas continuam a ser amplamente utilizadas, explcita ou disfaradamente, nas classes de alfabetizao da rede pblica de ensino, distanciando-se das orientaes oficiais. Deve-se ressaltar que estrutura e sequncia didtica semelhantes s das cartilhas antigas que continuam a ser utilizadas,9 podem ser tambm constatadas mesmo em cartilhas mais recentes apresentadas como construtivistas ou socioconstrutivistas ou construtivistas-interacionistas. E podem ser constatadas ainda em livros de alfabetizao aprovados pelas comisses de especialistas integrantes do Plano Nacional do Livro Didtico, das quais tambm participam docentes pesquisadores de universidades pblicas brasileiras e que tm a atribuio de estabelecer critrios de avaliao desses livros, dentre os quais os aprovados so distribudos s escolas pblicas do pas. Todos esses aspectos tm contribudo para a ampliao da discusso de questes referentes relao entre as opes tericas e polticas fundamentadas em verdades cientficas e a no exclusividade desse fator na tomada de decises, quando da formulao e implementao de polticas pblicas para alfabetizao, especialmente. Mas, sobretudo, tm contribudo para a discusso a respeito da identidade da universidade no mundo contemporneo, tendente a ser pautada pelas caractersticas de empresa e pela lgica de mercado.9

O caso mais contundente dessa permanncia de antigas

cartilhas o da Caminho Suave, de Branca Alves de Lima, cuja 1 edio data de 1948.

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Se o diagnstico neoliberal aponta a falta de competitividade como a grande fragilidade da economia na crise do Estado do Bem-Estar, essa caracterstica-chave da empresa econmica e do mercado que, aos poucos, vai se implantando na universidade e tornando-se constitutiva de sua identidade. A ideia de uma universidade organizada e gerida nos moldes empresariais, trabalhando com uma semimercadoria no quase mercado educacional est cada vez mais presente no discurso e nas prticas oficiais das polticas pblicas de educao superior. (Sguissardi, 2005, p. 215)

Conjecturas finais As reflexes e consideraes apresentadas at aqui e, em especial, a formulao e a disseminao oficiais dos trs modelos tericos que apresentei neste artigo, assim como sua apropriao/incorporao de forma menos ou mais direta em propostas didticopedaggicas no mbito de polticas pblicas para a alfabetizao no Brasil, resultantes da parceria entre rgos do poder pblico estatal e docentes pesquisadores das universidades pblicas, sugerem diferentes conjecturas sobre complexas questes, algumas das quais formulo a seguir. Como o Estado, em sua funo indutora, articuladora e reguladora de polticas pblicas (especialmente para a alfabetizao, tema deste artigo), baliza suas decises polticas, considerando tambm a relatividade das verdades cientficas e do conhecimento autnomo produzido nas universidades pblicas? Quais as formas de atuao do Estado na busca de consensos sobre alfabetizao, por meio do convencimento a respeito da cientificidade de modelos tericos, em funo direta de sua atuao como instncia reguladora, especialmente? Qual a influncia dos assessores e consultores vinculados a universidades pblicas nas tomadas de deciso relativamente hegemonia de um ou outro, ou de conciliao entre os trs modelos tericos referentes alfabetizao, que tm suas especficas fundamentaes terico-epistemolgicas e, portanto, polticas? De quem passa a ser a autoria intelectual e poltica da proposta didtico-pedaggica integrante de determinada poltica pblica para alfabetizao, decorrente de pesquisas vinculadas universidade pblica e financiadas com recursos pblicos? Qual a responsabilidade social dos docentes pesquisadores, cujo discurso se encontra subsumido em determinado discurso oficial?

Tais consideraes e tais questes fazem ressaltar a compreenso de que o novo tipo de parceria entre rgos do poder pblico e docentes pesquisadores das universidades pblicas decorre sobretudo de opes e decises polticas, no meramente tcnicas nem meramente derivadas da verdade cientfica do momento, a qual pode tambm ser considerada semimercadoria que circula no simblico mercado cientfico. Como exemplo recente, no mbito da alfabetizao, tem-se a tentativa dos propositores do mtodo fnico, que, no tendo conseguido impor sua proposta com base no estabelecimento de parcerias com rgos do Ministrio da Educao (MEC), por meio da mobilizao de setores da imprensa e de procedimentos lobsticos tiveram aprovado, na Cmara dos Deputados, relatrio que recomenda a adoo oficial desse mtodo no Brasil, conforme material elaborado por esses pesquisadores e apresentado no Seminrio O Poder Legislativo e a alfabetizao infantil, ocorrido em 2003. Apesar dessa aprovao por parte do Poder Legislativo (Brasil, 2003), em 2006, o Ministro da Educao, Fernando Haddad, por meio da Secretaria de Educao Bsica do MEC, promoveu o seminrio Letramento e alfabetizao em debate, a fim de avaliar, juntamente com pesquisadores da universidade, a pertinncia (ou no) de o MEC assumir oficialmente essa proposta do mtodo fnico na formulao e implementao de polticas pblicas para a educao e a alfabetizao no Brasil. Embora pesasse a aprovao por parte do Poder Legislativo, ao fim a proposta no foi assumida pelo MEC.

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Qual o lugar do discurso acadmicocientfico na parceria que se estabelece na fronteira entre um quase-terceiro setor e um quase-mercado, engendrada pela atuao, em rgos do setor pblico estatal, desses sujeitos privados, como, talvez, um novo tipo de intelectual orgnico? Qual o lugar ocupado pela produo de conhecimento livre e autnomo, mas com compromisso social, nesse novo tipo de parceria entre poder pblico e universidade pblica? Qual a relao entre patrocnio e regulao do Estado e produo livre e autnoma de conhecimentos que extrapolem o contexto de finalidades imediatistas e produtivistas estabelecidas pelo neopragmatismo? Quem formula, de fato, as urgncias educacionais e quem decide quais so as que devem ser includas na agenda de prioridades do Estado? Tais conjecturas, assim como tantas outras que podem ser formuladas, indicam, por fim, que a alfabetizao continua sendo um dos signos mais evidentes e complexos da ambgua relao entre deveres do Estado e direitos do cidado. E, como tal, rea estratgica para a consecuo de polticas de modernizao econmica e social que contemplem necessidades bsicas de todos. Talvez por isso mesmo, no limitado espao deste artigo, caibam apenas conjecturas que, como tais, demandem menos comprovao do que discusso, a qual somente pode ser devidamente enfrentada com o envolvimento e a participao de diferentes segmentos da sociedade, em especial os docentes pesquisadores brasileiros que vm estudando a alfabetizao. Por isso, penso que uma das urgncias de nosso tempo congregar esforos cientficos e energia intelectual no atrelados a rgos do setor pblico estatal, a instncias pblicas no estatais nem a empresas privadas para pensar sobre essas e outras conjecturas. E, com essa finalidade, proponho a criao da Sociedade Brasileira de Alfabetizao, como entidade sem

fins lucrativos, com os objetivos de congregar pesquisadores e grupos de pesquisa, promover a criao de um ncleo de pesquisas e estudos sobre alfabetizao de carter institucional e multidisciplinar e promover intercmbio com sociedades, pesquisadores, ncleos e grupos de pesquisa internacionais. Talvez ainda seja muito pouco. Mas considero ser essa uma ocupao fecunda, em tempos de produtivismo e privao do cio criativo, e necessria, para, ao menos, iniciar o debate. Referncias bibliogrficasAUDEN, Wystan Hugh. Poemas. Traduo Jos Paulo Paes. So Paulo: Companhia das Letras, 1986. ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Traduo M. W. B. Almeida. 2. ed. So Paulo: Perspectiva, 1979. BONAMINO, Alcia M. Cataloni. O pblico e o privado na educao brasileira: inovaes e tendncias a partir dos anos de 1980. Revista Brasileira de Histria da Educao. So Paulo, n. 5, p. 253-276, jul. 2003. BRASIL. Cmara dos Deputados. Comisso de Educao e Cultura. Grupo de trabalho - alfabetizao infantil: os novos caminhos - relatrio final. Braslia: Cmara dos Deputados, 2003. 166p. CAPOVILLA, Alessandra; CAPOVILLA, Fernando. Alfabetizao: mtodo fnico. So Paulo: Memnon, 2002. DOURADO, Luiz F.; BUENO, Maria Sylvia S. O pblico e o privado em educao. s.d. Disponvel em: . Acesso em: 1 out. 2009. GRAMSCI, Antonio. Cartas do Crcere. Seleo, traduo e apresentao. Nonio Spnola. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1966. ________. Os intelectuais e a organizao da cultura. Traduo Carlos N. Coutinho. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1968. GUARESCHI, Neusa et al. Problematizando as prticas psicolgicas no modo de entender a violncia. In: STREY, Marlene N. et al. (Org.). Violncia, gnero e polticas pblicas. Porto Alegre: Editora PUC-RS, 2004. p. 177-194 MACIEL, Francisca I. P. Lcia Casasanta e o mtodo global de contos: uma contribuio histria da alfabetizao em Minas Gerais. Tese (Doutorado em Educao) Programa de Ps-graduao em Educao, Faculdade de Educao, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.

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nova lei de educao superior: fortalecimento do setor pblico e regulao do privado/mercantil ou continuidade da privatizao e mercantilizao do pblico? Revista Brasileira de Educao, v.10, n. 29, p. 5-27, maio/ago. 2005. SGUISSARDI, Valdemar. Universidade pblica estatal: entre o pblico e o privado/mercantil. Educao & Sociedade, Campinas, v. 26, n. 90, p. 191-222, jan./abr. 2005. Disponvel em: . Acesso em: 5 abr. 2010. SOARES, Magda. Letramento: um tema em trs gneros. Belo Horizonte: Autntica, 2003.

MARIA DO ROSRIO LONGO MORTATTI, doutora em educao pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e livre-docente em Metodologia da Alfabetizao pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), professora adjunta da Faculdade de Filosofia e Cincias da UNESP, campus de Marlia, onde atua no curso de Pedagogia e no Programa de Ps-Graduao em Educao. tambm coordenadora do Grupo de Pesquisa Histria do Ensino de Lngua e Literatura no Brasil (GPHELLB). Publicaes recentes: Os sentidos da alfabetizao: So Paulo - 1876/1994 (So Paulo: Editora UNESP, 2000); Educao e letramento (So Paulo: Editora UNESP, 2004); Leitura, literatura e escola: sobre a formao do gosto (So Paulo: Martins Fontes, 2001); Em sobressaltos: formao de professora (Campinas: Editora UNICAMP, 1997). E-mails: [email protected]; [email protected]

Recebido em outubro de 2009 Aprovado em abril de 2010

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mudanzas en las relaciones entre la educacin popular y los movimientos sociales especialmente a partir de la dcada de 1990, cuando entran en escena nuevas formas de regulacin y control. Son destacados dos temas en este estudio: los territorios de resistencia y las respectivas pedagogas, y la cuestin de la nueva gobernabilidad y las implicaciones para la educacin popular. Palabras clave: educacin popular; movimientos sociales; Paulo Freire; Amrica Latina Mara Anglica Oliva poltica educativa chilena 1965 2009; o que essa trama oculta? Aborda-se a poltica educativa do perodo 1965-2009 a partir do questionamento sobre o que ocultaria essa trama. A hiptese de que a poltica educativa, excetuandose o perodo do governo Allende, demonstra que essa instituio da ordem neoliberal. So revisadas algumas antinomias, mecanismos dessa ordem que tiveram incio em 1965 com a pedagogia por objetivos e a teoria do capital humano. Essa pedagogia aprofundada na ditadura, paralelamente ideia subsidiria do Estado, regulamentado na Constituio de 1980, ainda vigente e presente na atual Lei Geral de Educao. A municipalizao, a transformao no financiamento e a perda de status de funcionrio pblico dos professores so um legado da ditadura. Tudo isso nega o desejo democrtico da atual poltica educativa, transformando-a em cmplice de um sistema que gera desigualdade e fragmentao social. palavras-chave: poltica educativa chilena; reformas chilenas do currculo, ordem educativa neoliberal no Chile. Chilean educative policy 1965-2009; what does that weft hide? It is discussed the Chilean educative policy from the period, enquiring, what

does the weft hide? The conjecture is, the educative policy, except the Allendes Government, shows the neoliberal order institution. Some antinomies are revised, mechanisms of that order, that is introduced in 1965 with the pedagogy by objectives and the human capital theory. This pedagogy is made deeper during the dictatorship period, with the subsidiarity idea, that instigate the change of the States role, ruled in the 1980 Constitution, still valid current, and present in the General Law of Education. The municipalization, the change in the financing and the lost of the status as public employee of teachers, are a legacy of the dictatorship period. This, unsharp the democratic desire of the current educational policy, transforming it into accomplice of a system that generates inequality and social fragmentation. Keywords: Chilean educative policy, curriculum Chilean reforms, neoliberal educative order in Chile poltica educativa chilena 1965-2009 Qu oculta esa trama? Se aborda la poltica educativa chilena del perodo 1965-2009, inquirindose, Qu oculta la trama? La conjetura es, la poltica educativa, a excepcin del gobierno de Allende, muestra la institucin del orden neoliberal. Se revisan algunas antinomias, mecanismos de ese orden, que se introduce en1965 con la pedagoga por objetivos y la teora del capital humano. Esta pedagoga, es profundizada en dictadura, junto a la idea de subsidiariedad, que impulsa el cambio del rol del Estado, regulado en la Constitucin de 1980, an vigente, y presente en la Ley General de Educacin. La municipalizacin, la transformacin en el financiamiento y la prdida del estatus de funcionario pblico del profesorado, son un legado de la dictadura. Ello, desperfila el afn democrtico de la actual poltica educativa, transformndola

en cmplice de un sistema que genera desigualdad y fragmentacin social. palabras clave: poltica educativa chilena; reformas chilenas del currculum; orden educativo neoliberal en Chile Maria do Rosrio Longo Mortatti Alfabetizao no Brasil: conjecturas sobre as relaes entre polticas pblicas e seus sujeitos privados As complexas e polmicas questes relativas a formulao, implementao e avaliao de polticas pblicas para a educao no Brasil, nas ltimas dcadas, vm sendo objeto de importantes estudos e pesquisas. Como resultado, tem-se acumulado significativo corpo de conhecimentos a esse respeito, o que propicia avanos no debate e possibilita novos estudos e pesquisas a respeito de aspectos cada vez mais especficos da temtica. Com o objetivo de contribuir para esse debate, apresentam-se neste artigo conjecturas a respeito da relao entre setores pblicos estatais decorrente especificamente do novo tipo de parceria entre rgos pblicos do Estado e docentes pesquisadores das universidades pblicas para formulao, implementao e avaliao de polticas pblicas para a alfabetizao, iniciada na dcada de 1980 e enfatizada a partir da dcada de 1990, com a reforma do Estado brasileiro. palavras-chave: alfabetizao; histria da alfabetizao; polticas pblicas para alfabetizao Literacy in Brazil: conjectures about the relations between public policies and their private subjects The complex and controversial issues concerning the formulation, implementation and evaluation of public policies for education in Brazil in recent decades have been the object of important studies and research. As a result, a significant body of knowledge has already been amassed on this subject, which has brought

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Resumos/Abstracts/Resumens

about advances in the debate and made possible new research and studies on increasingly more specific aspects involved in the issue. With the aim of contributing to this debate, the article presents conjectures with regard to the relationship between state public sectors, resulting specifically from the new type of partnership between state public organs and researchers in education from public universities, for formulating, implementing and evaluating public policy for literacy, starting in the 1980s and emphasized from the 1990s onwards, related to the reform of the Brazilian state. Key words: literacy, history of literacy, public policies for literacy Alfabetizacin en Brasil: conjeturas sobre las relaciones entre polticas pblicas y sus sujetos privados Las complejas y polmicas cuestiones relativas a la formulacin, implementacin y evaluacin de las polticas pblicas en la educacin de Brasil, viene siendo objeto, en las ltimas dcadas, de importantes estudios y pesquisas. Como resultado, se ha venido acumulando un significativo cuerpo de conocimientos a este respecto, lo que propicia avances en el debate y posibilita nuevos estudios y pesquisas a respecto de aspectos cada vez ms especficos de la temtica. Con el objetivo de contribuir para este debate, se presentan en este artculo conjeturas a respecto de la relacin entre sectores pblicos estatales en consecuencia especficamente del nuevo tipo de sociedad entre rganos pblicos del Estado y docentes investigadores de las universidades pblicas para la formulacin, implementacin y evaluacin de las polticas pblicas para la alfabetizacin, iniciada en la dcada de 1980 y enfatizada a partir de la dcada de 1990, con la reforma del Estado brasileo. palabras clave: alfabetizacin; historia de la alfabetizacin; polticas pblicas para la alfabetizacin

Gustavo Andrada Bandeira Um currculo de masculinidades nos estdios de futebol O artigo procura analisar diferentes masculinidades nos estdios de futebol e ver de que forma elas se hierarquizam, mostrando como as aes dos torcedores, seus cnticos, suas vestimentas e faixas esto envolvidos nas construes das masculinidades desses sujeitos. Os estdios exercem uma pedagogia: aprende-se quando gritar, quando calar, o que gritar, o que calar, o que e como sentir... Argumentase que o conceito de currculo construdo nos estdios de futebol pode ser pensado como prticas que os sujeitos so reiteradamente convidados a fazer. Essas prticas so sistematizadas no artigo em quatro eixos: raa, garra e luta; violncia e socializao; um amor de macho; masculinidades subalternas. palavras-chave: masculinidades; currculo; futebol A curriculum of masculinities in football stadia This article analyses different masculinities in football stadia and seeks to discern in what way they are hierarchised, revealing how the actions of fans, their songs, their clothing and their banners are involved in the construction of these subjects masculinities. The stadia develop a pedagogy: one learns when and what to shout, when to keep silent and about what, what and how to feel The article argues that the concept of curriculum constructed in the football stadia can be thought of as acts which the subjects are repeatedly invited to practice. These practices are systematized in the article in four axes: guts, determination and struggle; violence and socialization; a male love; subaltern masculinities. Key words: masculinities, curriculum, football Un currculo de masculinidades en los estadios de ftbol

El articulo busca analizar las diferentes masculinidades de los estados de ftbol y ver de que forma ellas se jerarquizan, buscando estar en evidencia con las acciones de los hinchas, sus cantos, sus ropas y carteles estn relacionados con las construcciones de las masculinidades de esos sujetos. Los estadios ejercen una pedagoga: se aprende cuando deben gritar y cuando callar, lo que gritar, lo que callar, lo que y como sentir Se argumenta que el concepto de currculo construido en los estadios de ftbol puede ser pensado como prcticas que los sujetos son reiteradamente invitados a realizar. stas prcticas, son sistematizadas en este estudio en cuatro puntos principales: raza, bro y lucha; violencia y socializacin; un amor de macho; masculinidades subalternas. palabras clave: masculinidades; currculo; ftbol Roberto Rafael Dias da Silva El Terezinha Henn Fabris O jogo produtivo da educabilidade/ governamentalidade na constituio de sujeitos universitrios O presente artigo resulta de uma pesquisa recente que buscava compreender alguns dos modos pelos quais os sujeitos universitrios so constitudos na contemporaneidade, tomando como materialidade os cadernos Vestibular/ZH. Consideramos, analiticamente, que a produo dos currculos escolares emerge de uma trama de relaes de educabilidade e governamentalidade. Dessa forma, entendemos que os enunciados emergentes dessa mdia impressa produzem sentidos produo dos sujeitos e tambm s prticas escolares contemporneas, ao que talvez encaminhe a produo de um currculo da conquista. Essa configurao conduz individualizao e responsabilizao dos sujeitos, mediados pela produo de uma pauta de consumo que posiciona o acesso ao saber universitrio no campo

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