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Universidade Tcnica de Lisboa
Instituto Superior de Agronomia
Contributos para uma hermenutica da paisagem
Relatrio do Trabalho de Fim de Curso de Arquitectura Paisagista
Andreia de Sousa Saavedra Cardoso
Orientador: Prof. Arquitecta Paisagista Manuela Raposo Magalhes
Orientador externo: Prof. Adriana Verssimo Serro
Lisboa
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Universidade Tcnica de Lisboa
Instituto Superior de Agronomia
Contributos para uma hermenutica da paisagem
Relatrio do Trabalho de Fim de Curso de Arquitectura Paisagista
Andreia de Sousa Saavedra Cardoso
Orientador: Prof. Arquitecta Paisagista Manuela Raposo Magalhes
Orientador externo: Prof. Adriana Verssimo Serro
Lisboa
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AGRADECIMENTOS
Ao meu pai, pela curiosidade insatisfeita que me soube nutrir, desde cedo, pela sabedoria
inscrita nos livros e pelo fascnio s palavras para a dizer.
minha me, sempre atenta paisagem em tempo real, livro aberto aos livros que abriu
quando estudante e professora-estudante, com os quais aprendeu a ver e a ensinar-me o
mundo, tambm pelos olhos das cincias naturais. A ambos, pela contnua confiana e pela
oportunidade de escolher o meu caminho.
minha irm, desde sempre companheira da vida quotidiana, presente, disponvel,
participante e ouvinte paciente dos novelos emaranhados de pr-ideias e ideias, de que este
trabalho tambm foi tecido, nem sempre claras e sobretudo digerveis, orientadora nas
perguntas e na calmia sbia que a experincia traz.
orientadora e coordenadora Prof. Arquitecta Paisagista Manuela Raposo Magalhes pela
oportunidade de realizar o projecto de Reabilitao do B Social da Bela Vista em Setbal,
primeira e enriquecedora incurso na experincia profissional acalentada pela confiana,
entusiasmo, responsabilidade e elevadas expectativas, que em mim e na restante equipa
envolvida soube depositar; bem como pela orientao prestada e pelo interesse que a sua
abordagem concepo da paisagem me suscitou, desde os primeiros anos do curso, pelas
temticas tericas abordadas.
orientadora Adriana Verssimo Serro, pela disponibilidade, interesse e empatia
demonstradas, contribuindo para o adensar da motivao, importante no redigir do trabalho,
como pela curiosidade suscitada para as prximas leituras.
equipa de trabalho do Centro de Estudos de Arquitectura Paisagista Caldeira Cabral, pela
ajuda e motivao nos momentos cruciais, mas em particular ao Duarte Mata exemplar nos
conselhos e na participao activa na fase terminal do projecto, companhia nas
preocupaes e guia nas escolhas, sempre sem interferir com a autonomia necessria ao
aprender; assim como Ana Mller, como profissional, companheira e amiga que descobri,
ao longo do desenrolar do projecto, que acompanhou e coloriu, com a sua forma particular
de encarar a vida.
Aos amigos em geral, que sempre me perguntaram pelo decorrer do trabalho e me
souberam escutar e sobretudo esperar pelo trminos, at que o meu tempo e entrega
voltasse a ser tambm ou de novo, um pouco mais deles; e em particular aos que pela sua
disponibilidade e envolvimento pessoal me auxiliaram na crucial fase de preparao final
para a entrega.
s bibliotecrias e funcionrios da Biblioteca Municipal Central do Palcio Galveias, pelo
profissionalismo e companhia nesse lugar singular, cenrio vivido onde tornei visvel a
pesquisa feita.
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(...) estejamos atentos velha e perigosa fbula conceptual que pressups um sujeito de
conhecimento puro, sem vontade, sem dor, sem tempo, estejamos atentos aos tentculos de
conceitos contraditrios como razo pura, a espiritualidade absoluta, o conhecimento em si;
pois eles pedem-nos sempre que imaginemos um olho que impossvel de imaginar, um olho que
supostamente no olha em nenhuma direco concreta, um olho que supostamente reprime ou no
tem poderes activos de interpretao que comeam por fazer a viso ver qualquer coisa pois aqui,
ento, pedido um disparate e um no conceito ao olho. A viso perspectivada a nica espcie de
viso que existe, o conhecimento perspectivado a nica espcie de conhecimento; e quantomais sentimentos em relao a um assunto deixamos tomar expresso, mais olhos, olhos diferentes
atravs dos quais conseguimos ver este mesmo assunto, mais completa ser a nossa concepo
dele, a nossa objectividade. (Nietzsche, 2002, p.107)
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RESUMO
A abordagem complexidade da paisagem, decorre da interpretao da sua face visvel
enquanto constelao objectiva de sinais que a arquitectura paisagista procura codificar,deles inferindo a actuao dos processos sistmicos como resultantes da actualizao de
padres ou configuraes mutveis de relaes existentes entre o mosaico de
ecossistemas, que na sua relao com os sistemas socio-culturais humanos se expressam
estruturalmente na paisagem.
O presente trabalho esclarece a necessidade de uma hermenutica da paisagem gerada
pela sua complexidade, abordando o conceito de evolues por instabilidade, implcito na
teoria dos sistemas auto-eco-organizados e elevada conexo entre escalas espaciais e
temporais, que caracteriza as interaces complexas e o determinismo-indetermismoenvolvido no seu comportamento autopoitico, que causa a necessidade de narrativas
ambientais.
Mas se a complexidade da paisagem patente na sua representao ecolgica considera as
interaces sujeito objecto, concebendo os sistemas socioculturais enquanto construtores
do conhecimento cientfico, reala-se igualmente a carncia de uma hermenutica, que
analise as representaes da paisagem como projectos possveis da paisagem real, que a
nossa aco deve considerar como obra aberta, pela integrao das dimenses ecolgica e
fenomenolgica, encarando a interveno na sua complexidade resultante de uma
estruturao ecolgica e de uma configurao existencial, como espao-tempo vivido eco-
estesiolgico.
Palavras-chave: filosofia da natureza, ps-modernismo, paisagem, auto-organizao,
complexidade, fenomenologia.
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ABSTRACT
The approach to landscape complexity, elapses from the interpretation of its visible face
while constellation of objective signs, which landscape architecture engages to code,
inferring the action of the systemic processes as the result of the actualization of patterns or
changeable configurations of existing relations between the mosaic of ecosystems, that in its
relation to socio-cultural systems have a particular expression on landscape structure.
The present work clears the need of a landscape hermeneutics generated by its complexity,
approaching the concept of evolutions by instability, implied on the self-organizing-systems
theory due to the high connection between spatial and temporal scales, that characterize the
complex interactions and the determinism-indeterminism involved in its autopoietic
behaviour, causing the need of environmental narratives.
But if the landscape complexity as an ecological representation takes into account the
subject object interactions, by conceiving the socio-cultural systems as builders of the
scientific knowledge, highlights the lack of an hermeneutics, that analyzes landscape
representations as possible projects of the real landscape, that our action must consider as
an open work, by the integration of ecology and phenomenology, as means to view the
intervention process in its complexity, and the landscape itself as a lived eco-aesthesiological
space-time.
Key-words: philosophy of nature, post-modernism, landscape, self-organization, complexity,
phenomenology.
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NDICE GERAL
0. INTRODUO 9
I A COMPLEXIDADE DA PAISAGEM COMO REALIDADE ECOLGICA12
01. Paisagem de realidade experienciada a representao cientfica 13
02. o naturalismo moderno o homem: observador ausente da natureza 16
02.1 O nascimento das cincias modernas e o materialismo mecanicista 16
02.2 A natureza do romantismo e o positivismo cientfico 21
02.3 Da natureza como paisagem paisagem como objecto cientfico 24
03. O naturalismo ps-moderno o papel do homem como conceptor da natureza 28
03.1 O ps-modernismo cientfico e a ideia de natureza contempornea 28
03.2 O aparecimento da ecologia: o conceito de ecossistema: para alm do reducionismo e doholismo sistmico
39
04. A concepo ecossistmica da paisagem do ecossistema paisagem
multidimensional
43
04.1 A paisagem como resultado de interaces entre sistemas auto-eco-organizados 44
04.1.1 Autopoiesis: a auto-eco-organizao sistmica 46
04.1.2 Estruturas dissipativas: a morfognese aberta e bifurcante 50
04.2 A paisagem multidimensional: integrao sistmica da bio-geo-noosfera 56
II A ECO-ESTESIOLOGIA DA PAISAGEM COMO ESPAO-TEMPO VIVIDO 59
01. A fenomenologia como hermenutica do mundo contribuies para uma teoriaps-moderna da paisagem
60
01.1 A intencionalidade do corpo prprio: enraizamento existencial e constituio metafrica 60
01.2 A complexidade da natureza como paisagem: estruturao ecolgica e configuraoexistencial 71
0.Concluses 88
Bibliografia 95
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LISTA DE FIGURAS
1. SILVA, M. H. Vieira da (1937) La scala - Les yeux. In LASSAIGNE, Jacques; WEELEN(1978) Vieira da Silva. [s.l.]: Publicaes Europa-Amrica. p.119.
2. TELLES, Gonalo Ribeiro [s.d.] [s.n.]. In TELLES, Gonalo R. (2000) Por umapaisagem global. Arquitectura e Vida. 3 28-35. p.31.
3. [s.a.] [s.d.] Colina da grande serpente. In JANSON, H. W. (1992) Histria da Arte.Trad. de J. A. Ferreira de Almeida e Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. Lisboa :Fundao Calouste Gulbenkian. p.35.
4. POUSSIN, Nicolas (1660-1664) Le quatro stagioni La Primavera. In THUILLIER,Jacques (1974) Lopera completa di Poussin. Milano: Rizzoli Editore.p.71.
5. COURBET, Gustave (1870) O vale do Loue sob cu tempestuoso. In BARDI, P.M.(1968) Gustave Courbet. So Paulo : Abril Cultural. p.21.
6. TURNER, William (1842) Chuva, vapor e velocidade O grande caminho-de-ferroOcidental. In SHANES, Eric (1995) Turner. Trad. de Isabel Teresa Santos. Lisboa :Editorial Estampa; Editorial Circulo de Leitores. p.127.
7. BRAQUE, Georges (1908) Casas de LEstaque . In BARDI, P.M. (1967) Braque. SoPaulo : Abril Cultural. p.12.
8. STEENBERGEN, Clemens (2000) [s.n.]. In STEENBERG, Clemens (2000) Doingresearch on the fatlands. Topos: European Landscape Magazine. Mnchen : CallweyVerlag. 32 86-93. p.87.
9. DERAIN, Andr (1905) LEstaque. In BERNARD, Edina (2000) 1905-1945 : A artemoderna. Trad. de Jos Lima. Lisboa : Edies 70. p.16.
10. GORMLEY, Antony (1984) Home. In CAUSEY, Andrew (1998) Sculpture since1945. Oxford : Oxford University Press. (Oxford History of Art).p.253.
11. FABRO, Luciano (1986) La doppia facia del cielo. In PRADEL, Jean-Louis (2001) Aarte contempornea. Trad.de Fernando Brazo. Lisboa : Edies 70. p.83.
12. HORN, Rebecca (1970)
Measure box. In CAUSEY, Andrew (1998)
Sculpture since1945. Oxford : Oxford University Press. (Oxford History of Art).p.165.
13. HEPWORTH, Barbara (1946) Pelagos. In CAUSEY, Andrew (1998) Sculpture since1945. Oxford : Oxford University Press. (Oxford History of Art). p.43.
14. HORN, Rebecca (2000) Ocean in my heart. In ZWEITE, Armin [et al.] (2005) Rebecca Horn : Bodylandscapes Desenhos, esculturas, instalaes 1964 - 2004 .Lisboa : Fundao Centro cultural de Belm. p.77.
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0. INTRODUO
A explicitao da complexidade da paisagem define-se consensualmente, no mbito da
arquitectura paisagista, pela sua representao cientfica como realidade ecolgica,decorrente da interpretao da sua face visvel, enquanto constelao objectiva de signos,
dos quais se infere a actuao dos processos sistmicos; concepo que se pretendeu
abordar atravs da incurso nas recentes abordagens da ecologia da paisagem, acometidas
no estudo da sua morfologia e da relao fundadora com os padres de organizao que a
geram, tidos como configuraes mutveis de relaes existentes entre os componentes de
um ecossistema e entre a multiplicidade de ecossistemas, na sua relao com os sistemas
socio-culturais humanos, que actuam numa determinada rea do territrio.
A actualizao processual destas inter-relaes e a no-linearidade introduzida no contextodo naturalismo ps-moderno pela teoria dos sistemas auto-eco-organizados, permitiu
conceber a necessidade de explicitao da existncia de uma causalidade complexa ou
finalidade interna, no seu dilogo com a causalidade externa e os determinismos e
aleatoriedades da envolvente polissistmica de um tracto de paisagem, influenciadora da
sua dinmica. Esta apesar de gerada por ligaes locais considera-se actualmente auto-
organizada, no sentido de estas relaes resultarem num comportamento coerente e guiado
por uma finalidade mutvel e indeterminada, devido elevada conexo, que caracteriza as
interaces resultantes da reconhecida ordem complexa, gerada sob o efeito das flutuaes
e seu cruzamento de escalas espaciais e temporais diferenciadas e mutveis consoante osprocessos em estudo.
A interveno da arquitectura paisagista deve procurar a compreenso do funcionamento
que permite a manuteno da identidade estrutural da paisagem em que opera, no sentido
de clarificar ou pelo contrrio conceber a incapacidade de prever deterministicamente a sua
evoluo face s intervenes projectuais directas sobre a paisagem ou indirectas, no
mbito do ordenamento do territrio, caso tipo em que no se projecta directamente na
paisagem, mas institui-se uma representao eminentemente funcional, que afecta
directamente a sua evoluo, ao determinar parcialmente as prticas humanas, procurandoo alcance no apenas dos factores antrpicos, mas tambm dos restantes produtores da
paisagem real e tanto quanto possvel concebendo a integrao sistmica e as
potencialidades da inscrio no linear de marcas estruturais no decorrer evolutivo dessa
paisagem determinarem a necessidade de uma hermenutica ou interpretao
reconstituinte, quer dos possveis passados da paisagem como objecto projectual, como dos
cenrios que o presente parece deixar em aberto, sobretudo em face das intervenes
concebidas.
No entanto, apesar da direco a dar ao trabalho parecer clara ao inico, a considerao dosconceitos de causalidade complexa remeteu para a necessria explicitao dos seus
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reversos contraditrios, cuja hegemonia gerou a tardia conceptualizao da complexidade,
que a abordagem inicial deste trabalho s filosofias da natureza anteriores ao ps-
modernismo procurou acometer, como gerada pela conflitualidade inerente ideia de
natureza, concebida na histria do pensamento ocidental, alternadamente sob a alada de
vises finalistas, ou por outro lado dominadas por uma causalidade linear, passvel deencerrar numa narrativa indiferente ao espao e intemporal, na ausncia plena de um tempo
diferenciador e expressivo de uma finalidade intrnseca.
Ao inflectir no sentido de uma narrativa das concepes passadas da natureza evidenciou-
se a relevncia de procurar a gestao da dissociao sujeito/objecto no pensamento
filosfico e na aurora da constituio das cincias, por constituir esta antinomia outro
impedimento paradigmtico plena emergncia conceptual da paisagem, procurando o
destrinar do parentesco e a distino entre esta e o conceito de natureza na histria do
pensamento ocidental; consideraes necessrias na constituio do percurso desta tese
gerada na interrogao da paisagem e da procura de uma concepo terica da sua
complexidade, necessariamente mais ampla que a ideia de natureza identificvel na sua
independncia da experincia esttica, legitimada pela ciso moderna entre o domnio do
sensvel e uma pretensa conscincia universal, legitimadora da existncia de um real em si
acessvel exclusivamente ao conhecimento positivo e absoluto das cincias.
Se as abordagens complexidade da paisagem efectuadas pela ecologia permitiram desde
o comeo acentuar a dialgica sujeito - objecto concebida de forma sistmica, considerando
os sistemas socioculturais enquanto construtores do conhecimento ou projectos possveis
do real, resultantes do encadeamento sistmico do objecto-sistema com o sujeito tido como
observador-conceptor, assumiram-se no decorrer da pesquisa restritivas na sua anlise
apenas materialidade da paisagem, focando o seu interesse sobre a forma como as
interaces natureza - cultura se expressam sob a forma de marcas no territrio, enquanto
usos do solo, condicionantes da sustentabilidade e biodiversidade; concebendo a
complexidade funcional e estrutural, inerentes ao funcionamento ecossistmico da
paisagem, mas insuficientes na concepo da complexidade da paisagem, por a exclurem
sob a forma de espao vivido, resultado de uma insero fenomenolgica e existencial.
Se a primeira parte do trabalho assumiu a sua relevncia pela compreenso do conceito de
complexidade esboado pelo pensamento do ps-modernismo cientfico e sua aplicao
paisagem, a segunda assumiu-se pela necessria exegese das representaes da
paisagem enquanto fundadas nos lugares de existncia, formados na inerncia paisagem
real, no sentido de colmatar a estreiteza da representao cientfica, que sempre est
latente como paradigma pronto a obliviar outras formas de aproximao ao real, procurando
clarificar a criao concreta da paisagem, que se podendo tomar como experincia inter-
subjectiva, esteada numa singularidade criada pelo indivduo, enquanto hermeneuta de
uma paisagem, reflexo das ligaes natureza-sociedade mas traduzidas numa vivncia
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corporal e nica, que a arquitectura paisagista enquanto interveniente na paisagem s mais
diversas escalas deve procurar abordar.
O caso prtico de reabilitao urbana do Bairro da Bela Vista, apresentado em apndice,
constituiu a experincia mesma de como as representaes da paisagem, neste casoeminentemente sociais, podem afectar no apenas a experincia do habitar, mas tambm
limitar a capacidade interventiva e insinuadora de paisagens possveis pelo projecto
arquitectnico, pelo que a hermenutica das representaes deve insurgir-se na descrena
gensica na universalidade e pretensa legitimidade absoluta de qualquer forma de
conhecimento, que face complexidade do real constitui sempre uma proposta ou
construo conceptual parcial e por isso inibidora de uma formalizao arquitectnica,
assente na leitura complexa das potencialidades inscritas na experincia da paisagem,
enquanto interpretao compsita de uma natureza espacializada por uma existncia
individual que, em suma, apenas se aproxima da complexidade pela considerao da
existncia dos outros e das suas representaes.
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I A COMPLEXIDADE DA PAISAGEM COMO REALIDADE ECOLGICA
2. Gonalo Ribeiro Telles [s.d.] [s.n.]
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01. PAISAGEM DE REALIDADE EXPERIENCIADA A REPRESENTAO CIENTFICA
As primeiras designaes de paisagem foram descobertas nas lnguas germnicas, emmanuscritos datados da Idade Mdia, encontrando-se ligadas traduo da palavra latina
regio, tida por rea, territrio, ou pas (Cf. Tress, B.;Tress, G., 2001, p.144), envolvendo um
cariz administrativo, que permitia a identificao da posse e regncia de uma determinada
extenso de terras, numa altura em que o traar de limites ou fronteiras, defensivas, assim o
exigia; mas o timo da palavra acumula outros sentidos, que j esboados nas designaes
anteriores permitem antever uma relao de apropriao, ao associarem-se a uma
ocupao humana, enquanto lugar ou local habitado, circunscrito a um horizonte de vida.
Assim, se inicialmente o termo paisagem surgiu pela necessidade prtica do registo escrito
da posse de terras, quer em manuscritos ou sob a forma de marcas no territrio, traduzia-seespacialmente na interligao do homem com este suporte fsico, sob a forma de prticas
concretas, que antecedendo o conceito, de alguma forma, o tero sucessivamente
ampliado. Na Idade Mdia, o termo alemo landschaft referia-se assim (...) a uma
associao entre o stio e os seus habitantes, ou se preferirmos de uma associao
morfolgica e cultural (...) (Holzer, 1999, p.152), j presente na palavra Landschaffen, que
resulta dos termos land ou terra e schaffen que significa criar, trabalhar ou produzir;
associao entre as caractersticas tangveis de uma regio e a sua modelao pelo
homem, resultando numa integrao espacial destas duas dimenses a natureza e a
cultura.
Apesar deste significado de paisagem, enquanto sedimentao das prticas sobre a terra
encontrar um liame com o timo latino regio, e com a concepo de espao de produo
romano, segundo alguns autores, a palavra surge nas lnguas latinas, apenas no
Renascimento, mas com um horizonte semntico limitado, pela sua origem nas artes
plsticas (Cf. Holzer, 1999, p.152); acepo contestada pela clara relao etimolgica
existente entre o termo latinopagus e a palavra paisagem em todas as lnguas latinas, com
o mesmo significado que a raiz Land, presente nas lnguas germnicas (Cf. Amaral, 2001,
p.75), indiciando antes um aditamento do termo, pela acentuao da componente visualatravs da pintura.
Da raizpagus possvel derivar uma profuso de ideias sobre o que a paisagem poderia ter
significado antes da prpria necessidade de demarcao militar, que remetem pelo verbo
pango ao acto de enterrar os mortos, estabelecendo sobre a paisagem visvel, as silhuetas
das pedras tumulares, com o sentido que o culto dos mortos poderia assumir nas
civilizaes pags ou praticantes do paganismus, similarmente derivado do timo pagus;
mas tambm o cultivo do campo, plantao e limitao por marcos, na sua ligao a um
paganicus, povoado ou aldeia, enquanto forma de sedentarismo e vnculo necessrio ao
acto de habitar.
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Pagus dsigne donc dabord la borne fiche, plante, dun champ, la marque de sa limite, pierreenterre demi, terme, stle qui, dans sa premire version, sleva sur la tombe de lanctre gisantl. Par cette trace verticale dont la fondation pntre sous le sol, le lieu se rfre la mort et le tre-lau ci-gt. Les sites apparaissent sur lespace ainsi rfr. Culte funraire des anctres, la religion laplus ancienne, notre langue lappelle, juste titre, paenne, de ce paganisme issu de nouveau dupagus.(Serres, 1999, p.58)
No entanto, alguns autores1 insistem numa origem ou inveno da paisagem ocidental
considerando apenas o liame com a pintura renascentista, qui merge au XVe sicle (...)
lorsquapparat ce moment incroyable u lhomme dcide de contrler ltendue spatiale
partir de son point de vue projet sur le tableau comme signe infini de sa matrise (...)
slectionne lintrieur du tableau un segment de pays et le transforme en paysage. (Tin,
2002, p.4); evidenciando a recriao pela perspectiva do espao tridimensional e dos
enquadramentos e estruturao perceptiva prprios do homem. A tcnica de representao
elaborada exigiria um cdigo pictrico, e uma seleco de elementos, que se pretendia
identificar com a realidade percebida ou institu-la e a paisagem passou assim,sucessivamente de fundo, para sujeito ou figura principal, na pintura paisagista do sc.XVIII.
Mas a perspectiva, enquanto tcnica, actualmente interpretada em estreita relao com o
paradigma de afastamento do sujeito, em relao ao seu meio, que teria caracterizado o
paradigma ocidental da cincia moderna, como refere Berque (Cf. Panofsky Ap. Berque,
2000, p.66).
Le milieu est alors devenu un environnement objectifi, donc objectivable par la science, doncmanipulable par la technique, et reprsentable par lart selon des rgles rigoureuses, non moinsmathmatiques que les lois de la nature daprs Galile (Berque, 2000, p.67).
Estes enunciados pictricos constituram ento, uma retrica da paisagem como refere
Cauquelin (2000), que derivava no apenas da tcnica de representao visual, entendida
na sua acepo de transcrio positiva da realidade, mas de uma traduo cultural, (...)
mobilizao dos sentidos, aprendizagem de cdigos de seleco, apreciao e valorizao
(...) (Salgueiro, 2001, p.38), que reflectia tanto o paradigma cientfico dominante, como o
que era entendido, por uma elite, como paisagem.
Ainsi le paysage, sa ralit sociale, une construction qui est pass par des filtres symboliques,hritages anciens. Une forme mixte, dautant plus prgnante quelle est finement tresse, au pointquon nen voit pas le dbut, et quelle peut passer pour originelle, nayant pas dorigine reprable.(Cauquelin, 2000, p.84)
Enquanto reflexo de uma ideia de natureza, a paisagem assume plenamente pelo
romantismo, no sc.XIX a categoria de objecto de fruio esttica, emergindo pela primeira
vez na literatura, e a sua expresso (...) tanto na pintura como nos modelos de cidade ideal
(...), passa a procurar (...) uma representao da natureza, tal e qual ela , na sua verso
natural, ou com uma reduzida interveno do homem. (Magalhes, 2001, p.51) Atravs da
pintura paisagista pretendia-se reproduzir a natureza, () comme si stablissait une
1 Sobre este assunto vid. Andresen (1992), Cauquelin (2000), Salgueiro (2001) e Tin (2002).
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transparence entre la nature et nous, sans intermdiaire. Nous aurions grce au paysage,
un regard vrai sur les proprits de la nature. (Cauquelin, 2000, p.108)
Entre territrio concreto, atravessado por fronteiras administrativas e naturais, espao rural
resultante da interveno humana, representao pictrica de espao rural, espao de lazerou de natureza; os conceitos de paisagem at ao sc.XIX, apareceram como um nexo entre
natureza e cultura, atravessando a concretude das prticas sobre a terra para chegar a ser,
apenas e tanto, a intangvel interpretao da natureza.
Se enquanto enunciado pictrico, a paisagem v-se reduzida a uma representao,
pretensa traduo da natureza para uma linguagem artstica, a desconsiderao desta
dimenso, como parte integrante do conceito, rejeita as componentes intangveis ou
simblicas da paisagem, enquanto construo mental, que se encontram inerentes a essa
traduo e fazem portanto parte do imaginrio individual do artista e ou do imaginrio
colectivo. Ser este o corte efectuado sobre o conceito de paisagem, aps a sua introduo
e necessidade de legitimao nas cincias, o que levaria a uma identificao redutora com
a envolvente natural objectivada, atravs da obliterao da ideia de cena e de
representao, que ao remeter para o simblico, estaria para alm do mbito circunscrito
destas. De facto, a partir da segunda metade do sc. XIX, a aparente pluralidade
contraditria do termo paisagem seria decomposta pela anlise cientfica, reduzindo a
complexidade inerente ao conceito apenas sua imediaticidade fsica, ela prpria
desarticulada, segundo as fronteiras recentemente delineadas entre as diversas reas
disciplinares (Cf. Tress, B.;Tress, G., 2001, p.145).
3. Colina da grande serpente (2000
a.C. - ?) colinas-efgies
Neolticas, realizadas pelos ndios
da Amrica do Norte, esculturas em
que o medium a prpria rocha da
colina, ilustrao de uma
interveno que se inscreve na
paisagem e que advm de umarelao de leitura especfica da
envolvente natural; arquitectura
paisagista que precede o conceito,
mas no ignora decerto a paisagem
experienciada-instituda por uma
cultura.
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02. O NATURALISMO MODERNO O HOMEM: OBSERVADOR AUSENTE DA
NATUREZA
02.1 O nascimento das cincias modernas e o materialismo mecanicista
A compreenso da conflitualidade inerente ao conceito de paisagem, enquanto objecto das
cincias, tem inevitavelmente de considerar, a caracterizao dessas mesmas cincias e a
viso de natureza, que o pensamento moderno descreveu e tornaria dominante, durante
cerca de trs sculos. De facto, o estabelecimento de uma concepo complexa de
paisagem tem de se fundar na compreenso da concepo simplificadora de natureza
mecanicista difundida pelas cincias modernas e na exigncia do paradigma de
objectividade inerente a estas, base legitimadora de um conhecimento, que se assumiu pela
necessria excluso do homem dessa mesma realidade; passvel de anlise apenas por
exumao das componentes subjectivas ou fenomnicas, intrnsecas apreenso humana
do real.
O materialismo mecanicista constituiu o projecto comum s mltiplas correntes do
pensamento moderno, insurgidas contra a escolstica e o naturalismo pr-moderno (Cf.
Lenoble, 1990, p.15), que desde o sc.XIII, atravs de Toms de Aquino, instituam a
reunio da doutrina crist com a viso de natureza orgnica, que caracterizava a filosofia
aristotlica. O pensamento medieval decorrente de uma adaptao das filosofias
naturalsticas gregas, baseava-se na projeco das qualidades humanas na natureza,
enquanto macrocosmo idealizado semelhana do homem, mediado por uma racionalidade
imanente (Cf. Collingwood, 1986, p.107), contra a qual se havia insurgido no sc.XIII, a
concepo teolgica de Toms de Aquino; atravs da distino do ser mundano da
natureza, do ser divino e eterno, causa do devir ou mudana, intrnsecos ao mundo
imperfeito da realidade terrestre.
Tal como no pensamento grego o devir ou processo inerente a toda a matria, decorria de
uma forma cclica, supondo-se uma interdependncia entre todas as coisas ditas naturais,
que permeadas por uma causa final, se desenvolviam processualmente, no sentido de uma
actualizao em direco a um forma ou essncia precisa, que proventa do acto criador
divino, seria primeira e transcendente a toda a matria. Ao movimento ordenado do mundo
celeste, perfeito na sua previsibilidade, distinguia-se a incompletude do mundo terrestre,
mutvel e imprevisvel, numa cosmologia apenas unificada pela ideia de causa final,
directora do devir imperfeito das coisas ditas naturais e terrenas; que tinham como nica
condio de inteligibilidade, o pressuposto da obedincia aos desgnios divinos.
O materialismo negaria este pressuposto de finalidade transcendente a toda a matria
postulando uma metafsica ausente de causas imateriais, e desde a desprovida da ideia de
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desenvolvimento, dando lugar a uma concepo da mudana, baseada meramente em
causas eficientes, distintas de uma orientao teleolgica, mas antes marcadas pelo acaso
do embate, atraco ou repulsa existente entre os corpos. (Cf. Collingwood, 1986, p.93)
A cincia moderna nasceu da ruptura de uma aliana animista com a natureza; no seio do mundoaristotlico, o homem parecia encontrar o seu lugar, simultaneamente como ser vivo e serconhecedor; o mundo era sua medida; o conhecimento intelectual atingia o prprio princpio dascoisas, a causa e razo ltima do seu devir, o fim que as habita e organiza. (Prigogine; Stengers,1986, p.128)
A concepo mecanicista da realidade encontrou os seus princpios fundadores, (...) no
atomismo antigo e nas concepes astronmicas dos Gregos e Alexandrinos (...) (Cabral,
[et al.], 1991, p.761), alcanando no entanto, a sua expresso mais desenvolvida apenas no
sc.XVII, mais concretamente na doutrina fsica do Iluminismo de Newton. Este
desenvolvimento implicou a ruptura da viso de natureza finalista da idade mdia e
renascena, imbuda ainda do pensamento aristotlico, em que o homem projectava a suaalma, dando lugar a uma natureza matematizada, por Galileu e objecto da mestria do
conhecimento cientfico, baseado no dilogo experimental, cuja veracidade era garantida
pela racionalidade divina. A experincia consistia para Galileu no estudo directo da
natureza, que deveria purificar-se no sentido de uma objectividade, apenas possvel pela
excluso das componentes subjectivas das qualidades sensveis, isto no quantificveis.
A matemtica torna-se o critrio de objectividade e Galileu procede efectiva (...)
eliminao de toda e qualquer considerao finalstica ou antropomrfica do mundo natural
(...) realizou completamente a reduo da natureza objectividade mensurvel e conduziu a
cincia moderna sua maturidade. (Abbagnano, 1982,p.19)
A excluso de todas as caractersticas que no pudessem ser quantificveis tratou-se da
eliminao, das qualidades fenomenais ou dependentes da observao, e da sensibilidade
esttica, que caracterizam a experincia sensorial e vivida da realidade; destituda assim de
existncia objectiva e reduzida, pelo conhecimento cientfico emergente, a aparncia sem
lugar designvel no mundo real. Ao contrrio da cincia aristotlica, na dependncia de uma
atitude contemplativa, prpria da apreciao intrnseca relao humana de mundanidade
com a natureza, a cincia moderna procede exumao dos dados qualitativos da
experincia, que (...) pertencem unio dos espritos com os corpos. (Descartes Ap.Collingwood, 1986, p.116) e limita-se (...) a desenvolver e a consumar aquilo que j est
em grmen na metafsica; (...) a tarefa que consiste em denunciar as opinies ingnuas,
sensveis, em nome de uma verdade oculta acessvel apenas razo do homem da
cincia. (Ferry, 2003, p.191)
A unio grega da matria e do esprito deu lugar, com o pensamento teolgico
transcendncia do esprito em relao ao corpo, pela necessria introspeco que o
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encontro com o divino, tido como imanente ao esprito2, exigia, gerando um pensamento
dualista, que tornado pleno com a doutrina das substncias cartesiana, opera uma disjuno
na realidade; patente na incapacidade de conjugar o pensamento cientfico e a reflexo
filosfica, a fsica e a metafsica, a natureza e a cultura ou sociedade, atravs da eliminao
positivista do sujeito pelo realismo das cincias e pela negao metafsica do objectoatravs do idealismo moderno, e consequentemente do corpo, enquanto constitutivo do
nosso lugar de encontro com o real.
A natureza desta realidade cientfica poderia ser totalmente determinada pelo conhecimento
das leis da mecnica, articulantes dos acontecimentos naturais tidos como independentes
entre si, que formuladas matematicamente por Newton, atravs do clculo diferencial,
resultavam da sntese de dois desenvolvimentos anteriores da fsica as leis do movimento
de Kepler e a queda dos corpos formulada por Galileu (Cf. Prigogine; Stengers, 1986, p.99).
O carcter reducionista, implcito nesta formulao independente dos fenmenos, teria sido
primeiramente delineado por Francis Bacon (1620), atravs da sua teoria da induo das
formas, segundo a qual o esclarecimento da forma caracterstica de uma propriedade
natural implica o isolamento, (...) eliminando progressivamente, por sucessivas
experincias, tudo o que, na realidade no tem relao com ela. (Ducass, 1963, p.63), at
obter o resduo ou forma experimental da caracterstica em estudo. A induo requeria
portanto uma fragmentao prvia, para que pudesse prosseguir atravs da eliminao das
diferenas, sob o controle da experincia, ao entendimento do que era similar e compunha
as leis gerais explicativas, da aparente diversidade dos fenmenos.
Mas, apenas a sntese newtoniana permitiu o abandono da metafsica aristotlica,
combinando o experimentalismo de Galileu e Bacon, com (...) a cincia das mquinas
ideais, onde o movimento se comunica entre peas j em contacto, sem choques, nem
atritos, e a cincia dos astros que se influenciam distncia (...) (Prigogine; Stengers, 1986,
p.108), permitiria a reduo de todos os fenmenos aco de foras, constituindo uma
explicao total e coerente, que caracterizaria o paradigma da cincia moderna. A
concepo do mundo, enquanto massa inerte em movimento, poderia ser explicitada
atravs da (...) reduo da mudana a um conjunto de trajectrias (...) (Prigogine;
Stengers, 1986, p.102), cuja totalidade de estados, passados e futuros, o determinismo e a
reversibilidade, como atributos fundamentais do sistema, permitiriam determinar, a partir do
conhecimento de um dado inicial e da aplicao directa das leis universais.
O espao dos fenmenos fsicos descritos pela dinmica, correspondia ao espao abstracto
da geometria euclideana, destitudo de propriedades e inaltervel pelos prprios fenmenos
fsicos, que nele ocorriam, absoluto, uniforme e matematizvel que, assim como o tempo,
2 Na fsica pr-socrtica supunha-se a pertena e unio ntima do esprito ao corpo, mas o pensamentomoderno vai designar a transcendncia da alma em relao matria, seguindo uma orientao platonista,
presente na obra filosfica de Santo Agostinho (sc. IV), em que o conhecimento de Deus e da verdade soconsiderados os objectivos nicos da reflexo e forosamente inacessveis sem uma procura unicamenteinterior.(Cf. Abbagnano, 1999, p.122-123)
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constitua uma dimenso vazia, com funo apenas referencial, onde os elementos se
movimentavam perpetuamente. De facto, o sistema newtoniano no [daria] sentido algum
diferenciao do espao, constituio de limites naturais, apario de um funcionamento
organizado, em resumo, a nenhum dos processos que o desenvolvimento de um ser vivo
implica. (Prigogine; Stengers, 1986, p.136)
Em contraponto a uma mudana ou devir orientados para uma viso aristotlica de
actualizao de uma tendncia estruturante, organizadora da matria e origem da
diversidade da natureza, o mecanicismo substitui uma ordem imutvel, a das (...) mquinas
simples de movimento perptuo e igualmente as trajectrias dos planetas, que de ora em
diante, so assimilados a seres naturais.(Prigogine; Stengers, 1986, p.362) semelhana
da legalidade eterna, que antes definia o movimento dos corpos celestes em redor da terra,
o mecanicismo postula a previsibilidade do mundo terreno, unificando-o esfera celeste,
atravs da necessria universalidade das leis, que passam a determinar integralmente a
evoluo do sistema a partir do conhecimento das condies iniciais; expressando uma
causalidade linear, em que causa e efeito so equivalentes ou proporcionais, no
determinismo prprio da natureza descrita pela dinmica clssica, (...) desprovida de
histria e inteiramente determinada pelo seu passado; uma natureza indiferente, para a qual
todo o estado equivalente, uma natureza sem relevo, plana e homognea (...)(Prigogine;
Stengers, 1986, p.130).
A fsica clssica realizaria a omisso do homem nesta descrio da natureza enquanto
sistema dinmico, (...) totalmente independente da actividade experimental, da escolha dos
pontos de vista e da seleco das propriedades pertinentes [mas tambm] o homem, na
qualidade de habitante num devir natural nele inconcebvel (...). (Prigogine; Stengers,
1986, p.131) A actividade cientfica desenvolvia-se sobre as fundaes do realismo
moderno, na considerao dos factos isentos da sua interpretao, numa acepo positiva
da independncia do dado em relao ao sujeito; o objecto de conhecimento no reside no
sujeito, nem afectado pelas diferentes aproximaes, que consideram assim uma
individualidade ahistrica, unidimensional e annima. Existe uma total transcendncia do
objecto em relao ao sujeito, este reside para alm dele, atravs de uma identificao
moderna do sujeito com a conscincia, com o pensamento, (...) por oposio ao objecto,
que realidade em si das coisas independentemente do pensante que as pensa ou
conhece. (Cabral [et al.], 1991, p.1339) Esta eliminao do sujeito emprico do prprio
processo de conhecimento, efectuada pela cincia clssica, viria a ser assumida pela
filosofia transcendental de Kant, cuja reflexo sobre as cincias culminaria na distino
destas da filosofia, atravs da delimitao precisa dos seus objectos as cincias tratavam
o fenomnico, encarregando-se a filosofia do numnico.
O fenomnico, objecto do conhecimento cientfico para Kant, no corresponderia s coisas
em si, mas sim ao que dado experincia, enquanto material ou emprico, e que
modelado por uma ordem a priori, que determina (...) a linguagem nica que a cincia
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decifra na natureza, o conjunto nico de pressupostos, que condicionam a fsica (...)
(Prigogine; Stengers, 1986, p.146) e que caberia a uma crtica da razo esclarecer. Kant
reconhecia a autenticidade do conhecimento fsico-matemtico da natureza e justificaria o
realismo cientfico atravs do seu idealismo transcendental, j que este assentava nos
elementos formais do conhecimento, a priorida experincia e logo imanentes ao esprito,garantiam uma veracidade e uniformidade universais, que (...) a crtica da razo pura
[deveria] alcanar e realizar a possibilidade fundamentadora da cincia, o autntico saber
humano. (Abbagnano, 2000a, p.111)
Ainda que considerando os limites da experincia e reconhecendo a cincia, enquanto
actividade activa de imposio de um cdigo sobre o real, este deriva das categorias a priori
da razo o que lhe doaria a sua validade e carcter positivo, j que, segundo o filsofo, a
investigao da razo (...) estar em grau de justificar a prpria experincia na sua
totalidade, portanto tambm os conhecimentos universais e necessrios que se encontram
no seu mbito. (Abbagnano, 2000a, p.111) Estaria, no entanto reservada filosofia a
reflexo sobre o numnico, isto a realidade em si, ou antes o pensamento sobre os limites
e possibilidades do conhecimento fenomnico ou cientfico, determinando a incapacidade
reflexiva da (...) empresa cientfica como muda e sistemtica, fechada sobre si prpria.
(Prigogine; Stengers, 1986, p.146) A filosofia consagra e estabiliza assim a situao de
ruptura, abandona cincia o campo do saber positivo a fim de reservar para si a meditao
sobre a existncia humana (...) (Prigogine; Stengers, 1986, p.146), ao rematar o que havia
sido comeado, no sc.XVII, por Descartes, atravs da disjuno entre o sujeito pensante
ego cogitans, tornado transcendente pela sua excluso do mundo objectivo, e a matria ou
res extensa.
A identificao da cincia com a vertente mecanicista, presente nas mltiplas correntes do
pensamento moderno, viria a afectar todos os ramos do conhecimento, na sociedade
iluminista do sc. XVIII e XIX, desde as cincias da natureza s cincias da sociedade, que
ao se basearem no seu modelo de cientificidade, assimilavam as vicissitudes do
determinismo e reducionismo, que lhe eram inerentes, participando da ntida excluso do
homem, enquanto sujeito emprico e participante na construo desse mesmo
conhecimento.
4. Nicolas Poussin (1660-1664) Le
quatro stagioni La Primavera, obra do
pintor classicista, que procurava
representar a paisagem atravs de uma
natureza ideal, rigidamente ordenada
como cenrio ou fundo para enredos
mitolgicos, acentuando as
preocupaes formais, ligadas
inteligibilidade, em detrimento da
exuberncia cromtica, relacionada pelopintor com os sentidos.
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02.2 A natureza do romantismo e o positivismo cientfico
O paradigma mecanicista, permaneceria a base dominante do pensamento cientfico do
sc.XIX, usufruindo dos desenvolvimentos posteriores, que aplicavam o seu modelo s mais
diversas reas do conhecimento, mesmo entre aquelas, que na tentativa de compreenso
do funcionamento dos seres vivos, supunham a existncia de uma fora vital, inerente ao
desenvolvimento vivo, mas entendiam, que esta no podia ser objecto de estudo cientfico,
por no intervir de forma causal (Cf. Prigogine; Stengers, 1986, p.149).
Mas, nos finais do sc.XVIII - incios do sc. XIX, surgem na Alemanha os indcios de um
movimento literrio, artstico e filosfico, que pela sua transversalidade, se oporia a umaviso meramente materialista da natureza, enquanto puro sistema de foras mecnicas,
constituindo a base do movimento romntico, enquanto (...) primeiro grande protesto contra
o mundo moderno, isto a, civilizao cientfico-racional que comeara a formar-se no
sc.XVII, e que assumira grandes propores no sc.XVIII. (Baumer, 1990, p.23).
Designado por Sturm und Drang ou tempestade e impulso, este movimento procurava a
(...) compreenso e esclarecimento daquilo que a razo no abarca, a vida, o sentimento, a
arte e a natureza. (Abbagnano, 1978, p.223) Schiller e Goethe, seriam as principais figuras,
que perfilhando este movimento, desenvolveram o tema da unidade entre natureza e
esprito, e ao afirmarem a impossibilidade de alcanar a alma seno atravs do corpo (Cf.Abbagnano, 1978, p.228), desafiariam a ruptura cartesiana entre alma e matria, num
revivalismo clssico da ideia de imanncia do esprito na substncia corprea.
A ideia da irredutibilidade da experincia sensvel e esttica razo, consistiria a base
fundamental do pensamento Romntico, que via nestas a forma privilegiada de
compreenso profunda do mundo, reconhecendo, no seguimento do pensamento iluminista,
os limites da razo, j formulados por Kant, no conhecimento das coisas ditas superiores ou
identificadas com o numnico. Ao contrrio de Kant, que considerava a finalidade da
natureza uma questo sem validade objectiva, Goethe cria que esta finalidade constitua aprpria estrutura dos fenmenos naturais (Cf. Abbagnano, 1978, p.229), definindo a
existncia de um arqutipo ou linguagem da natureza, uma origem comum a todas as
formas vivas e a partir da qual se processaria o desenvolvimento e metamorfose inerente a
uma ideia romntica de natureza como processo, formulada pelo autor na obra A
metamorfose das plantas.
A ideia de evoluo inerente aos estudos naturais de Goethe, tornar-se-ia, fundamental no
pensamento do sc.XIX, baseada no pensamento sobre a histria introduzido nas cincias
naturais, atravs das descobertas da geologia e estudo dos fsseis, nomeadamente atravsdos trabalhos precursores de Hutton (1785), Lyell (1830) e Cuvier (1815), que indicavam o
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pressuposto inegvel do desenvolvimento da terra, derivado da aco no tempo das foras
naturais. De facto, at cerca do sc.XIX, como refere Engels (1882), na obra Dialctica da
natureza, esta (...) no era, de forma alguma, considerada como algo que se desenvolvia
historicamente, que tinha uma histria em termos de tempo; somente a extenso no espao
era tida em conta; (...) a histria natural era vlida para todos os perodos, tal como asrbitas elpticas dos planetas. (Engels Ap. Baumer, 1990, p.103) A ideologia do
evolucionismo relacionou-se ainda com a revoluo burguesa, que se expressou no declnio
da sociedade feudal, atravs da alterao das relaes sociais e formas de ascenso ao
poder, que implicitamente veicularam uma imagem de sociedade, que j no se pautava por
relaes fixas, permitindo uma concepo dos sistemas naturais, sujeitos constncia das
leis da mudana, numa perptua competio pela vida. (Cf. Lewontin; Levins, 1985, p. 236)
A formulao em biologia do pensamento evolucionista, seria avanada por Lamark, no
comeo do sc. XIX, que ao considerar a evoluo como resultado da aco do meio sobreos organismos, desencadeou a falncia da at ento aceite teoria da mudana, que
postulava um universo esttico e imutvel desde a criao, sujeito apenas a alteraes
infligidas pontualmente por aco divina. (Cf. Lewontin; Levins, 1985, p. 234) O papel dado
ao meio, na diferenciao tanto dos organismos vivos como na alterao da superfcie
terrestre, definia uma interaco, que permitiu conceber o devir dos seres, assim como
traduzia a capacidade de um contexto mutvel influir sobre este mesmo desenvolvimento,
servindo como contraponto viso de espao amorfo descrita pela dinmica. Darwin, em
A origem das espcies (1859), ao sintetizar as obras anteriores do pensamento
evolucionista, forneceria as provas necessrias para o abandono da concepo cartesianade mundo finalizado, como mquina construda pelo criador, sugerindo um universo
enquanto sistema em evoluo e em permanente mudana, no qual a complexidade
organsmica se desenvolvia a partir de formas mais simples, mas ainda assim, no
cumprimento de leis fixas. (Cf. Capra, 1982, p.67)
A ideia de evoluo em filosofia, desencadearia ainda no perodo romntico, uma viso da
histria enquanto progresso, cedendo lugar substituio da razo limitada de Kant, por
uma razo infinita existente em potncia e em estado de realizao contnua (Cf.
Abbagnano, 1978, p.246). A cincia recupera o seu estatuto de actividade paradigmtica,desta razo ilimitada, atravs do positivismo, que enquanto manifestao filosfica do
romantismo, abraa a ideia de progresso e identifica-o com a cincia tornada alvo de culto e
expresso mxima das possibilidades humanas; ideia acentuada pelos avanos
tecnolgicos, que sustentavam o auge da poca industrial, enquanto domnio humano da
natureza atravs da mquina.
Se o mecanicismo presidiu constituio de uma cincia positiva, isto uma cincia, que
determina as relaes causais entre factos, depurados pelo mtodo cientfico da observao
e manipulao humanas, seria a partir do sc. XIX, que o positivismo, enquanto exaltaoromntica da cincia (Abbagnano, 2000, p.70), determinaria a convico de que (...) o
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homem deve regular-se pela natureza; e uma vez que a natureza no depende seno da
cincia, da resulta que a cincia diz tudo e que as nossas certezas j no carecem de
metafsica (Lenoble, 1990, p.317).
5. Gustav Courbet (1870) O vale do Loue sob cu tempestuoso, este pintor exemplo do movimento
realista assumia a representao do real em si, procurando silenciar, alis como o positivismo
cientfico seu contemporneo, o acto representativo como interpretao baseada neste caso num
cdigo icnico, procurando a similaridade com a paisagem real acedida pela experincia perceptiva,sempre parcialmente limitada pelo conhecimento ou representaes do real.
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02.3 Da natureza como paisagem paisagem como objecto cientfico
Paralelamente s representaes de natureza veiculadas pelo pensamento cientfico da
realidade, que atravs do evolucionismo haviam encontrado uma ordem histrica e
genealgica na realidade, j desde o Quattrocento as artes haviam descoberto na realidade
uma ordem espacial representada na pintura, atravs da tcnica da perspectiva, que se
assumiu como paradigma de representao no mundo ocidental. Enquanto tcnica, que
visava a similitude com o real objectivo atravs de uma viso unidimensional e restrita a um
ponto de vista fixo, no espao e no tempo, tornar-se-ia smbolo precedente da viragem, que
constituiu a formao do individualismo moderno ou a (...) metafsica da subjectividade em
que o homem ocupa um ponto de vista sobre o mundo a partir do qual este ltimo aparececomo um material manipulvel e dominvel sua vontade. (Francastel Ap. Ferry, 2003,
p.230) As representaes pictricas viram o seu realismo acentuado, atravs das regras da
perspectiva e a paisagem enquanto espao pictrico pode emergir, segundo o conceito
positivo de espao tridimensional, onde o posicionamento dos objectos ou elementos definia
a deformao segundo linhas de fuga e a atribuio de cor e valor, que permitiam a
recriao da profundidade e distncia prprias de uma percepo esttica da realidade; tida
enquanto espectculo que se desenvolvia defronte ou para alm do observador, numa
relao de distanciamento caracterstica do paradigma de subjectividade moderno.
Devido esttica naturalista do romantismo, a paisagem enquanto objecto esttico j
presente na pintura, encontra um lugar proeminente na literatura, na transio do sc.XVIII-
XIX, inicialmente sob influncia das narrativas de viagens, tornadas populares pelos estudos
em geografia, rcem-criada disciplina cientfica, na Alemanha do sc.XIX.. (Cf. Salgueiro,
2001, p. 40) A cristalizao da noo de paisagem veiculada pelas representaes
pictricas, v-se assim ampliada ao campo do texto narrativo, onde a sua expresso
encontra uma formulao distinta do sentimento de natureza, identificado por Buescu
(1990), como situao de distanciamento entre o sujeito e o exterior natural. (Cf. Buescu,
1990, p.88)
Segundo a autora, o organicismo, desencadeou na esttica romntica, um progressivo apelo
s sensaes, enquanto forma de contacto com a paisagem, sobrevindo o incio de uma
indefinio entre o sujeito e o espao, que deixa de constituir o cenrio sobre o qual as
personagens evoluem, para passar a ser um espao ou paisagem vivenciados (Cf. Buescu,
1990, p.86). O pitoresco associado viso e j patente na pintura paisagista assim
seguido no texto narrativo, de um investimento na descrio das sensaes de todos os
sentidos, e a sinestesia surge como forma fundamental de expressar uma paisagem
romntica corporizada atravs do sujeito. Esta integrao do sujeito romntico na natureza
evidenciada pela literatura de fico, permitiu a explorao de uma dimenso at a oculta
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da paisagem, enquanto forma de experincia sensorial, mas esta permaneceria reservada
ao campo das artes, adiando a formulao de um conceito de paisagem, que ao abranger
as vivncias humanas, considerasse esta, enquanto construo de sentido ou apreenso
simblica.
A ordem genealgica pressuposta pelo pensamento evolucionista da natureza, adoptada no
domnio do pensamento cientfico, seria coetnea da emergncia nas artes, e
nomeadamente na literatura, do conceito de nature as landscape (Maltzahn, 1994, p.109),
motivado pela enfse dada ao sentimento e experincia esttica como complementares da
razo; sendo possvel a irrupo da experincia sensorial como intencionalidade, ou
construo mediada pelo imiscuir das categorias sujeito-objecto, na estruturao perceptiva
da paisagem.
Sob esta mesma herana da esttica naturalista do romantismo, a paisagem passa a ser
considerada enquanto objecto de estudo cientfico (Cf. Salgueiro, 2001, p.38), na geografia
de Humboldt e Vidal La Blache, mas como acepo reduzida soma total das
caractersticas fsicas de uma regio (Cf. Humboldt Ap. Tress, B.; Tress, G., 2001, p.145).
No seguimento destes estudos, a paisagem estudada pela geografia clssica, enfatizava a
tipificao de morfologias, que derivadas de variveis fsico-naturais e culturais pediam uma
sntese entre as cincias naturais e humanas, necessria a uma explicitao das marcas
sedimentadas, com base na actuao de uma cultura e expresso da sua identidade.
Da influncia da geografia clssica decorreu a abordagem morfolgica, que caracterizou a
escola de Berkeley, identificada com Sauer (1925), que considerava o conceito de
paisagem, enquanto associao de formas naturais e culturais: El paisaje cultural se crea,
por un grupo cultural, a partir de un paisaje natural. La cultura es el agente, el rea natural el
medio, y el paisaje cultural el resultado. (Sauer Ap. Anschuetz [et al.], 2001, p.164). O
estudo da paisagem, deveria no entanto, restringir-se ao seu carcter material concreto,
adoptando unicamente um ponto de vista cientfico, que restringia o estudo da interveno
humana na paisagem aos aspectos visveis desta aco. Este trabalho de sntese
naturalista e historicista, que inicialmente caracterizou o estudo descritivo das paisagens, foi
cedendo lugar a abordagens segmentadoras, devido emergncia de um paradigma neo-
positivista, que ao denunciar a subjectividade do discurso paisagstico, introduziu as noes
de territrio e espao geogrfico, enquanto objectos de estudo principais, na geografia do
sc.XX (Cf. Domingues, 2001, p.57).
De facto, a dualidade do conceito, seria criticvel pela comunidade cientfica, por evocar a
cultura enquanto agente interveniente na paisagem, o que introduzia dificuldades na procura
de uma definio directa, consensual e quantificvel do que participava da constituio
efectiva do objecto de estudo, que deveria necessariamente manter-se ao nvel da
concretude dos seus aspectos materiais. Este debate expressaria de forma significativa a
polmica, que caracterizou a procura e abandono da definio de paisagem ao longo do
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sc.XX, devido influncia de uma viso moderna da natureza, da qual o homem se
exclua, atravs da eliminao das componentes simblicas, enquanto parte integrante do
conceito. Apenas assim seria possvel uma definio total e nica, como o paradigma de
simplificao moderno assim o exigia, adoptando a via da racionalizao, que como Morin
refere, procura encerrar a realidade num sistema coerente, desviando as contradies aesse sistema pr-definido, em favor de uma viso unidimensional (Cf. Morin, 1991, p.85).
A persistncia do conceito, enquanto objecto disciplinar deve-se sobretudo emergncia da
arquitectura paisagista, presente enquanto escola paisagista desde o sc. XVIII, com um
mbito de aco restrito ao projecto de parques e jardins, viria a integrar na Europa os
cursos universitrios apenas a partir dos anos 30, incidindo sobre a interveno na
paisagem humanizada, tida como (...) figurao da biosfera [que] resulta da aco
complexa do homem e de todos os seres vivos (...) em equilbrio com os factores fsicos do
ambiente. (Cabral, 1984, p.1072) Enquanto figurao, a paisagem expressa no conceito de
Cabral (1984) apela para a sua dimenso esttica, pressupondo o homem enquanto agente
de uma cultura e origem dessa imagem, que integra j (...) significados ecolgicos e
culturais [ao] incluir por um lado os ecossistemas que lhe esto subjacentes e lhe deram
origem, e, por outro, os processos de humanizao (...) (Magalhes, 2001, p.51), numa
sntese que indicia o incio da superao da contradio fundamental inerente ao conceito
de paisagem; enquanto espao concreto e enquanto apreenso simblica da realidade, em
que sujeito e objecto se integram dialogicamente. A maior abrangncia do conceito, tida no
mbito da arquitectura paisagista, deriva necessariamente do facto de se ter constitudo, em
alguns pases da Europa, entre os quais Portugal, enquanto actividade assente numa
perspectiva transdisciplinar, englobando conhecimentos das cincias naturais e do
funcionamento ecossistmico subjacente paisagem, num mtodo que ao ter por objectivo
final a formalizao, inclui as disciplinas artsticas por mediadoras.
A concepo do funcionamento complexo inerente a uma perspectiva ecossistmica da
paisagem, emergeria apenas a partir da segunda metade do sc. XX, atravs da
constituio de uma ecologia holstica apoiada pelos avanos cientficos, que dispersos por
diversas reas, convergiram na reificao da sistmica, contribuindo para a construo de
uma acepo de natureza ps-moderna. O paradigma de objectividade das cincias
modernas afectaria, assim as abordagens da paisagem, ao longo do sc. XX, tida enquanto
territrio ainda actualmente, ignorando os pressupostos ecolgicos e os simblicos; quer por
uma concepo redutora do seu funcionamento, quer pela incapacidade de conceber o seu
carcter complexo, retalhado pelas fronteiras disciplinares ou pela coerncia, que privilegia
a unidimensionalidade contradio, respeitando a doutrina cartesiana de definio dos
conceitos pelos seus limites, em favor da clareza e distino, caracterizadoras do
pensamento disjuntivo (Cf. Morin, 1991, p.9).
A acepo de paisagem enquanto resultado da integrao criadora entre sujeito e espao-
objecto, exigiria assim uma nova concepo de objectividade cientfica ps-modernismo
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cientfico, que ao supor a interaco com a realidade derivada da observao da realidade
microfsica colocar, ao nvel da fsica a relatividade inerente observao, da at a
considerada, uniformidade do real. A expanso desta ruptura, teria por sua vez
consequncias, que reverberariam por todas as reas de conhecimento e levariam
sobretudo, a partir do aparecimento do paradigma da complexidade, na dcada de 70, noseio das disciplinas cientficas, viso das consequncias derivadas da mutilao de
conceitos, devida fragmentao operada no interior das cincias, mas sobretudo ciso
entre as cincias, filosofia e artes. Esta ocasionou a incapacidade de descrever o carcter
plural da paisagem, enquanto experincia corporal, esttica, e marcadamente cultural,
derivada de uma criao sujeito-objecto, fruto de experincias perceptivas singulares. Estas
primeiramente esboadas pela natureza como paisagem do romantismo literrio, sendo
claramente no redutveis s descries objectivas das disciplinas cientficas, sero a tempo
oportuno abordadas neste trabalho.
6. WilliamTurner (1844) Chuva, vapor e velocidade O grande caminho-de-ferro Ocidental, uma
das paisagens mais conhecidas do movimento romntico, que expressou o sublime da natureza, esse
excesso que preside a uma experincia da paisagem, em que imiscuindo as emoes do autor narepresentao,como forma de exaltao da sensibilidade, instituinte de uma paisagem intencional,
enquanto resultado da integrao criadora entre sujeito e espao-objecto.
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03. O NATURALISMO PS-MODERNO O PAPEL DO HOMEM COMO CONCEPTOR
DA NATUREZA
03.1 O ps-modernismo cientfico e a ideia de natureza contempornea
A transio do sculo XIX para o XX, seria caracterizada pela dominante perspectiva neo-
iluminista, mas assistiria formao de correntes antagnicas ao positivismo, que
designadas por fin-de-sicle (Cf. Baumer, 1990, p.129), incidiam criticamente sobre a
interpretao mecanicista da teoria darwiniana e implcito determinismo da natureza,
caracterizada pela permanente sujeio a leis fixas, num automatismo reactivo sperturbaes do ambiente, na qual a criao no encontrava lugar. A filosofia da mudana
de Bergson, presente na sua obra A evoluo criadora (1907) e influenciada pelo
pensamento de devir nietzscheano, constitui um dos focos da enfse dada por este grupo
de pensadores, ao papel da criatividade, que embora mencionada por Darwin, havia sido
ignorada em favor de uma viso mais consentnea com o pensamento cientfico; que
vinculado directamente com o progresso tecnolgico simbolizado pela mquina, persistia
numa viso da natureza rgida, sujeita mudana apenas pela actuao de mecanismos.
O cientismo, ou reduo de todas as formas de conhecimento ao modelo cientfico-racionalista, permitia assegurar a estabilidade e ocultava as ideias de indeterminao
natural, que persistiam com um carcter marginal, pela imposio da ideia de progresso,
num mundo onde a mudana ou devir j haviam, no entanto, irrompido e eram acentuados
pelas filosofias vitalistas, que como a bergsoniana contestavam a ideia de tempo, enquanto
(...) essncia eterna e inerte (...) uniforme como espao (...) (Baumer, 1990, p.138), que
patente nas ideias de mecanismo e tambm de finalidade rgida e necessariamente
progressista, impunham uma imagem de natureza onde (...) tudo dado; as foras pelas
quais a natureza animada esto todas determinadas e organizadas previamente.
(Bergson Ap. Baumer, 1990, p.138) Em contraponto ao tempo reversvel marcado pelahomogeneidade dos estados, que dominava ainda o pensamento cientfico, Bergson define
a durao real, insistindo na persistncia de um devir espiritual, que derivado da sua
interpretao do evolucionismo naturalista, seria ao mesmo tempo conservao e criao
total, (...) uma vez que nela [memria] cada momento, embora seja resultado de todos os
momentos anteriores, absolutamente novo em relao a eles. (Abbagnano, 2000b, p.69)
O conceito de irreversibilidade intrnseco ao pensamento de Bergson, j havia sido
introduzido no pensamento cientfico, pela termodinmica, cincia da energia, emergida em
pleno sc.XIX, com os trabalhos de Sadi Carnot (1824), mas esta contribuiu inicialmente,
pela formulao do princpio de conservao da energia, para assegurar (...) a exignciageral de inteligibilidade da natureza (...) o postulado de uma invarincia fundamental para
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alm das transformaes naturais. (Prigogine; Stengers, 1986, p.179) Seria, no entanto a
partir desta cincia nova, que ocorreria a associao inovadora entre conservao e
irreversibilidade, como caso ampliador da dualidade conservao-reversibilidade tida como
conceito base da mecnica, que se provou no ser aplicvel s transformaes fsico-
qumicas, marcadas pela irreversibilidade; abordada por Clausius (1850) na suainterpretao do ciclo de Carnot, mas primeiramente conceptualizada atravs da segunda lei
da termodinmica por William Thomson (1852), ao acentuar a existncia de uma dissipao
irreversvel de calor, ou degradao da energia inerente s transformaes em sistemas
fechados, caractersticos desta termodinmica clssica (Cf. Prigogine; Stengers, 1986,
p.182-187). Os sistemas tenderiam para um estado final, caracterizado pela cessao de
toda a actividade e de todas as diferenas originrias passveis de gerar efeitos o estado
de equilbrio trmico. Essa dissipao tendencial a toda a transformao termodinmica,
seria associada por Clausius (1865) ao timo grego entropia, operando a introduo na
fsica de um objecto, que (...) contrariamente ao objecto dinmico, nunca controladoseno parcialmente; pode acontecer-lhe escapar-se numa evoluo espontnea, porque
para ele nem todas as evolues se equivalem. (Prigogine; Stengers, 1986, p.195) Este
princpio de degradao da energia, ou perda da capacidade de trabalho, seria associado
por Boltzman (1877), a um estado de desordem molecular, j que o calor a energia
prpria aos movimentos desordenados das molculas (...) todo o aumento da entropia um
aumento da desordem interna (...) [formulando-se] em termos de organizao e
desorganizao, visto que a ordem de um sistema constituda pela organizao
(...)(Morin, 1997, p.39)
Nos finais do sc.XIX, assumem-se desta forma duas vias diametralmente opostas e
complementares ao conceito de evoluo reversvel da mecnica o tempo entrpico e a
probabilidade crescente e irreversvel da desordem e desorganizao, caracterstica dos
sistemas fechados e a evoluo criadora da organizao viva. Esta ambiguidade
permaneceria em parte silenciada, pela crena na distino entre organizao fsica,
associada a uma evoluo irreversvel para a desorganizao entrpica e organizao viva,
que baseada numa matria especfica, tenderia inversamente para o desenvolvimento (Cf.
Morin, 1991, p.74). Essa especificidade permaneceu ignorada pela necessria
universalidade das leis, que evidentes no mbito da organizao fsica, permitiriam aindaexplicitar os processos naturais, que reduzidos ao nvel fsico, exprimiriam uma similar
simplicidade. A universalidade determinava uma equivalncia das leis inerentes a
fenmenos operados a escalas diferentes e ainda que se pudessem verificar nveis de
organizao distintos, como por exemplo os verificados no domnio biolgico, a contnua
reduo ao qumico e ao fsico, permitiria encontrar a inteligibilidade suficiente e completa. A
complexidade inerente s transformaes naturais era portanto encarada como apenas uma
dificuldade de clculo, inerente a um sistema em que o maior nmero de interaces,
constitua a nica diferena, mas apenas de uma forma quantitativa e logo passvel de ser
reduzida.
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A generalidade das leis clssicas, seria no entanto enfraquecida, no campo prprio da fsica
atravs da teoria da relatividade, formulada por Einstein no primeiro decnio do sc.XX,
atravs da descoberta da existncia de um comportamento diferenciado qualitativamente,
consoante a escala fsica dos objectos, ligado por sua vez sua velocidade, o que
determinava a impossibilidade da homogeneidade do universo (Cf. Prigogine; Stengers,1986, p.304). Segundo este autor, o isomorfismo de escala, que era implcito ideia da
universalidade, havia permitido explicitar comportamentos de objectos a escalas diferentes,
segundo leis comuns, e a mecnica newtoniana teria sido assim ampliada do domnio dos
objectos dinmicos, como os corpos celestes e os pndulos, a todo o universo; o que partir
da relatividade foi realado pela incapacidade de (...) imaginar o tomo como um pequeno
sistema planetrio. Os electres pertencem a uma escala diferente da dos planetas e do
conjunto de seres macroscpicos, macios e lentos, de que ns fazemos parte. (Prigogine;
Stengers, 1986, p.304)
Mas a teoria da relatividade, mais concretamente a relatividade restrita definida por Einstein
(1905), colocou em causa o prprio estatuto da objectividade cientfica, atravs da afirmao
(...) de que a distncia espacial ou temporal no uma entidade ou valor em si, sendo
antes relativa ao corpo que se escolhe como sistema de referncia; (...) [negando] a
existncia de qualquer sistema de referncia privilegiado. (Abbagnano, 2000c, p.101) Esta
formulao explicitava a dependncia de todos os conceitos fsicos em que o espao-tempo
intervinha, do sistema de referncia em que se encontrava o observador, sendo possvel a
passagem entre dois sistemas de referncia atravs das equaes definidas por Einstein.
Esta relao entre referenciais diferentes, consistia na abertura da ideia de que a
uniformidade no era inerente aos fenmenos, que de facto seriam percebidos de forma
diversa, por observadores diferentes, mas constitua atributo das prprias leis cientficas,
(...) transferindo assim a prpria noo de objectividade dos fenmenos para as leis.
(Abbagnano, 2000c, p.102)
Operava-se assim uma mudana fundamental no conceito de objectividade, que
pressupunha pela primeira vez a referncia ao observador, enquanto ser fsico, investido na
descrio dos fenmenos, em contraponto ao seu total apagamento na fsica clssica,
estabelecendo a entrada dos (...) procedimentos e mtodos de medida, assim como a
prpria aco do observador (...) na verdadeira anlise cientfica. (Abbagnano, 2000c,
p.101) A relatividade restrita, constituiu igualmente uma reforma, pela ruptura da ideia de
espao esttico, atravs da associao das duas variveis espao e tempo, no conceito
de acontecimento, onde estas constituam dimenses indestrinveis. A aplicao da teoria
precedente a sistemas gravitacionais, mediante a teoria da relatividade geral (1912),
permitiu completar esta mutao do conceito de espao, atravs da perda da
homogeneidade, pela assuno da sua descrio mediante geometrias no-euclideanas,
anteriormente formuladas por Riemann e agora aplicadas por Einstein, como modelo de
toda a realidade fsica.
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A confirmao do papel do observador/conceptor, na constituio da realidade cientfica
proposta pela relatividade de Einstein, seria efectuada pelos estudos dedicados fsica
atmica, nomeadamente atravs da interpretao da constante de Planck (1900) elaborada
por Heisenberg no princpio de indeterminao (1927), segundo o qual, escala do tomo, a
descontinuidade dos fenmenos tornaria imprevisveis os efeitos da observao, o queimpedia a clssica atitude de negligenciar os resultados dessa interaco (Cf. Abbagnano,
2000c, p.103). Desta forma, o determinismo absoluto banido das explicaes que
envolvem o esclarecimento do comportamento das partculas, pois devido aco do
observador sobre elas, introduzida uma indeterminao, que permite apenas uma
descrio probabilitria dos futuros estados possveis, inibindo a possibilidade de previso
rigorosa, como a causalidade inerente ao mecanicismo permitia.
A objectividade dos sistemas qunticos, estabeleceu-se assim pela acentuao no apenas
do papel do observador, mas numa dependncia das interaces entre partculas do todo
contextual, de uma forma tal, que as caractersticas do tomo no podiam ser induzidas das
partculas, mas os caracteres das partculas que s poderiam ser compreendidos em
referncia organizao do tomo (Cf. Morin, 1997, p.95). As partculas tidas enquanto
entidades ltimas e estveis, s podiam ser concebidas segundo inter-relaes ou
acontecimentos, verificando-se a existncia de relaes no-locais e no causais entre
elementos distantes (Cf. Bohm, 1983, p.175), portanto dependentes da dinmica total do
contexto envolvente e assumindo padres de comportamento duais enquanto corpsculo
ou onda, ou estados intermdios, sem que houvesse uma necessria continuidade entre
estados. Esta dualidade de comportamento introduziu uma contradio lgica, que aodesafiar o princpio da identidade indiciava a persistncia do domnio microfsico reduo a
um modelo ordenado, que se conformasse coerncia das leis; revelando uma desordem,
que segundo Morin, ao contrrio da desordem termodinmica associada a uma degradao
da energia, seria de carcter constitucional, inerente prpria existncia da matria fsica.
(Cf. Morin, 1991, p.42)
A descoberta da linguagem que permite a descrio do sistema quntico passa a ser
considerada como uma proposta parcial, ao contrrio da ideia clssica da possibilidade de
definio de uma frmula total, de onde seria possvel deduzir a diversidade dos fenmenos
naturais, encerrando a pluralidade de pontos de vista possveis de conceber, acerca daquele
aspecto da realidade. Seria a ideia de parcialidade da escolha da linguagem conceptual, que
Bohr (1928) esboa no princpio da complementaridade, segundo o qual, nenhuma
representao matemtica, (...) pode esgotar a realidade do sistema; as diferentes
linguagens possveis, os diferentes pontos de vista tomados sobre o sistema, so
complementares, todos tratam da mesma realidade, mas no podem ser reduzidos a uma
descrio nica. (Prigogine; Stengers, 1986, p.319) Esta incapacidade de unir
conceptualmente as vrias formas de manifestao do sistema reflecte apenas a forma
singular como cada observao afecta a realidade microfsica, excluindo-se assim a
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possibilidade de distinguir uma conexo causal entre acontecimentos, que legitime a
infinitude total de estados passveis de serem provocados.
Operou-se assim atravs da teoria dos quanta, a distino que marcaria a ruptura do ideal
descritivo da cincia, da capacidade de descobrir a realidade fsica em si, isto independente do modelo que a actividade cientfica prope na forma escolhida de se lhe
dirigir; permitiu a considerao dos mtodos utilizados, introduzindo uma reflexividade num
conhecimento, que desde as suas origens no sc.XVII, sob o desgnio da legitimidade
divina, ou da razo infinita, se permitiu ver como decifrador das coisas em si. Mas esta
indeterminao no considerada como inerente ao real, ela releva da interaco das
condies de observao com o sistema alvo, pelo que passam a elaborar-se (...)
esquemas explicativos nos quais a conexo necessria entre os acontecimentos
substituda pelas conexes possveis e pela considerao do clculo dos seus respectivos
graus de possibilidade, isto pela sua probabilidade relativa. (Abbagnano, 2000c, p.104)
A alterao do quadro epistemolgico desencadeada pela mecnica quntica abrangeu no
apenas o conceito de objectividade cientfica, mas definiu um abandono do reducionismo,
numa acepo dupla, por conceber a organizao do tomo, como explicativa das
propriedades das partculas e escala da experincia, atravs da descoberta da inevitvel
integrao do observador, como interveniente na organizao do sistema quntico, no
apenas do ponto de vista formal, mas sobretudo fenomenalmente. A reforma permitida pela
teoria quntica, introduziria assim no campo da fsica, uma viso holstica da realidade,
enquanto composta por (...) estruturas cujos membros constituem funes relacionais.(
Cabral [et al.], 1991, p.1181)
A impossibilidade de um conhecimento positivo e infinito da realidade seria igualmente
confirmada pelas formulaes de Sahnnon (1948), na designada teoria da informao, que
ao demonstrar a deformao das mensagens pelo rudo durante o processo de transmisso,
viria a generalizar a existncia necessria da desordem, devido s inevitveis perdas de
informao, geradas por interferncia do acaso (Cf. Abbagnano, 2001, p.104). Ordem e
desordem surgem pela primeira vez associadas num modelo terico, que pautado pela
objectividade, previa a ampliao transversal aos vrios domnios do conhecimento e as
derivadas implicaes filosficas, inerentes a uma viso da experincia humana como
parcial, j que (...) uma informao infinita impensvel e impossvel (...) (Brillouin Ap.
Abbagnano, 2001, p.105). As perdas de informao seriam comparadas por Shannon,
Wiener e Brillouin degradao da energia nos sistemas fsicos fechados, exposta na
segunda lei da termodinmica (Cf. Abbagnano, 2001, p.104), associando-se assim a
informao efectivamente transmitida, a uma forma de entropia negativa, resduo de
significado que soobraria aps os efeitos do rudo, sendo de carcter improbabilitrio.
perda da capacidade de realizar trabalho devido degradao da energia sob a forma de
calor, estipulada pela termodinmica do equilbrio, equivale assim, na teoria da informao,
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perda da capacidade de comunicar, devido introduo perturbadora de elementos de
desordem no processo de transmisso da mensagem.
Atravs dos trabalhos de Wiener (1948), a teoria da informao foi associada pela
ciberntica ao estudo dos processos de comunicao, enquanto forma de auto-regulao econtrolo em sistemas artificiais ou naturais, introduzindo a noo de feedback, enquanto
forma de retardar os efeitos do rudo. Esta regulao estaria na base do funcionamento dos
organismos vivos, dependentes de um padro de organizao circular ou recursivo, que
Wiener (1950) supunha, numa analogia mecanicista, comum s mquinas e que permitia
quebrar a linearidade da relao entre causa e efeito. Atravs deste padro, os organismos
podiam corrigir erros, ou adequarem-se a alteraes, atravs da aco ou antes retroaco,
dos efeitos sobre as causas. Esta recursividade estaria na base do comando ou regulao,
baseado num sistema de informao fechado, que ao pressupor a influncia ou ligao
entre os seus elementos, mais uma vez assumia a ideia de interdependncia, interaco e
transformao das partes na constituio qualitativa do comportamento do todo.
A questo da organizao biolgica e a resoluo da aparente contradio inerente sua
evoluo, quando equacionada com a tendncia irreversvel para a desordem
termodinmica, seria abordada pelo bilogo Bertalanffy nos anos 40, ao efectuar uma
sntese dos conceitos da teoria da informao e da ciberntica, e sua aplicao ao estudo
dos sistemas vivos, considerados como sistemas abertos. Segundo os desenvolvimentos
desta concepo na sua obra Teoria geral dos sistemas dos anos 50, a evoluo para
ordens de crescente complexidade, intrnseca ao desenvolvimento dos sistemas vivos,estaria relacionada com a sua condio de abertura ao meio envolvente, que permitindo a
importao de matria, compensaria o acrscimo de entropia devida aos processos
irreversveis ocorridos no seu interior (Cf. Bertalanffy, 1968, p.106). Este tipo de sistemas,
ao contrrio dos definidos pela termodinmica, caracterizavam-se pela tendncia a procurar
um estado estacionrio de no-equilbrio, possvel por uma auto-regulao, que semelhante
definida pela ciberntica e formulada por Cannon (1932) sob a designao de
homeostasia, estabelecia uma aparente constncia possvel apenas, atravs de um
contnuo estabelecimento de fluxos de matria e energia com a sua envolvncia,
assegurando uma permanente regenerao dos constituintes.
Um dos caracteres definidores da singularidade da organizao viva, seria a equifinalidade,
propriedade que permitia, perante uma pluralidade de condies iniciais diferenciadas e
sujeio a perturbaes, o alcance sistmico de um estado estacionrio semelhante,
provento de fenmenos de auto-regulao. Este estado estacionrio de no-equilbrio havia
sido definido por Onsager (1931), ao esboar as primeiras formulaes da termodinmica
linear de no equilbrio, descrevendo o estado estacionrio, enquanto um comportamento
geral e previsvel, caracterizado por uma produo de entropia constante, possvel atravs
da compensao da entropia derivada dos processos irreversveis, por um fluxo de calor ou
matria vindo do meio (Cf. Prigogine; Stengers, 1986, p.215). A independncia do tempo
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que define o estado estacionrio, encontrava-se implcita na noo de equifinalidade,
mencionada por Bertalanffy, como caracterstica dos sistemas abertos, mas (...) como a
evoluo para o equilbrio a evoluo para o estado estacionrio significa o esquecimento
das condies iniciais particulares (...) [representando] uma evoluo para um estado
inteiramente dedutvel a partir de leis gerais (...) [identificando-se] com um devir geral, e demodo algum com um devir complexo (...) (Prigogine; Stengers, 1986, p.216).
A estabilidade que caracteriza o estado estacionrio implica que o comportamento do
sistema seja em si to simples, no que respeita ao papel do tempo, quanto o que se verifica
no estado de equilbrio, pelo facto de no se operarem alteraes singulares nas
propriedades estruturais It is therefore also impossible for him [the system] to develop an
intrinsic conception of time, for the perception of time involves an awareness of change, and
there is no change. (Prigogine; Nicolis, 1989, p.10) A irreversibilidade no seria portanto
considerada, enquanto condio da morfognese; o tempo irreversvel no possui em si umcarcter diferenciador, j que a evoluo para o estado estacionrio independente do
tempo, pressupe alis o esquecimento das condies iniciais e estabelece a indiferena ao
percurso de estados passados do sistema. A equifinalidade, enquanto regularidade e
previsibilidade inerente e caracterstica do comportamento dos sistemas vivos, surge como
expresso residual do paradigma clssico, que estabelece a invarincia entre estados
futuros de sistemas com diferentes histrias, como condio fundamental de controle, de
conhecimento total e absoluto. As cincias da mudana puderam nascer apenas enquanto
cincia do invariante (...)(Ceruti, 1995, p.167), disciplinadas por uma quadro epistemolgico
em que dominava: (...) uma perspectiva tendente a considerar a mudana como dedutvel, e mais, como controlvel, apartir do conhecimento o nico verdadeiramente cientfico dos aspectos invariantes enecessitantes dos fenmenos (...) [e] se viram na estranha condio de serem obrigadas a tentarreduzir a variedade e multiplicidade dos processos evolutivos por elas estudados a uma srie dencleos substancialmente invariantes e atemporais (Ceruti, 1995, p.167)
A termodinmica linear do no-equilbrio constitua a nica formulao matemtica
contempornea desta primeira sistmica, pelo que se encontrava adiada a resoluo, da
considerada dissidncia, entre a ordem e complexidade da organizao viva e a desordem
tendencial da fsica, que permaneciam assim, conceitos antagnicos e inconciliveis. Aformulao dos sistemas vivos enquanto abertos, permitiu conceber os fluxos enquanto
capazes de contrabalanar os efeitos da produo de entropia, atravs dos processos
irreversveis, mas na primeira sistmica encontra-se ainda ausente a funo basilar da
desordem, enquanto pr-condio gensica para o estabelecimento da organizao. O
paradigma da ordem clssica, com estatuto de lei, e da estabilidade permaneciam, ainda
que houvesse o salientar do estado de desequilbrio, enquanto caracterizador dos sistemas
vivos; a irreversibilidade no possui, na formulao inicial da sistmica, papel determinante
na criao ou morfognese, mas constitui antes facto inevitvel, da necessria conciliao
terica com a termodinmica, mero condicionamento solucionado pelo sistema, atravs dagesto dos fluxos dissipativos.
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S atravs da unio entre as ideias de coaco ou imposio e singularidade ou acaso, se
estabeleceria a base do pensamento da organizao viva ou complexa, cuja originalidade, j
para Von Neumann (1950), residia na capacidade para funcionar com a desordem. O papel
da desordem, seria tambm desta forma abordado no campo da ciberntica, atravs de VonFoerster (1959), que caracterizou a ordem prpria da organizao viva na dependncia
constitucional da desordem, atravs da expresso order from noise, mostrando (...) que o
encontro entre algumas coaces elementares e energias no-direccionais produz novas
formas de organizao, ou seja, desenvolve ordem. (Morin, 1984, p.84). O apelo
reconciliao destas antinomias, considerado desde os anos 50 como crucial na
compreenso dos funcionamento das estruturas vivas, em reas diversas do pensamento
cientfico, veio a ser confirmado nas ltimas dcadas, sendo actualmente assente, que no
existe uma ordem eterna, h antes um dilogo ordem-desordem pela organizao, uma vez
que (...) a inovao, que comporta um aspecto aleatrio, vai, suscitando a formao de uma
estrutura-forma estvel, [e inscreve-se] na repetio, ou sej