Download - Habitação de interesse social no Brasil
-
12
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
121.Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
-
13
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
1.Desafios da Habitao Popular no Brasil:
polticas recentes e tendnciasSrgio Azevedo
O artigo busca realizar um balano da poltica habitacional brasileira recente, para, posteriormen-
te, refletir sobre as tendncias e alguns dos novos desafios que se apresentam nesse incio de
sculo. Para tanto, na primeira seo discutimos as interfaces da questo habitacional com as
demais polticas urbanas. A segunda seo dedicada a contrastar de forma sucinta a retrica e a prtica da
poltica habitacional logo aps o perodo de redemocratizao do pas. Na terceira parte do texto, analisar-se-
a trajetria da poltica habitacional nos anos 1990, seus impasses, constrangimentos e desafios. Por fim, a ltima
seo do artigo ser dedicada avaliao de algumas das alternativas de enfrentamento da questo habitacional
com nfase nos setores populares e reflexo sobre as possibilidades e perspectivas de atuao dos dife-
rentes nveis de governo nessa rea.
-
14
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
1. As interfaces da questo habitacional com as demais polticas urbanas
A maioria das unidades habitacionais constru-
das no pas nos ltimos anos no contou com linhas
de crdito governamentais, e a autoconstruo foi o
tipo predominante do sistema construtivo1.
Ao definir formas de apropriao e utilizao
do espao permitidas ou proibidas no contexto de
uma economia de mercado extremamente hierar-
quizada e marcada por profundas desigualdades de
renda, a legislao urbana brasileira termina por se-
parar a cidade legal ocupada pelas classes mdias,
grupos de alta renda e apenas por parte dos setores
populares da cidade ilegal destinada maior parte
das classes de baixa renda. Assim, a legislao acaba
por definir territrios dentro e fora da lei, ou seja,
configura regies de plena cidadania e regies de ci-
dadania limitada (Rolnik, 1997, p. 13).
Essa hierarquizao espacial agrava tambm
as condies sociais dos mais pobres, ao desvalori-
zar fortemente tanto no plano simblico quanto
no econmico as reas no reguladas pelo Esta-
do. Nesse sentido, pode-se dizer que a ilegalidade
sem dvida um critrio que permite a aplicao de
conceitos como excluso, segregao ou at mesmo
apartheid ambiental (Maricato, 1996, p. 57).
Em funo da interdependncia da questo da
moradia com outras esferas recorrentes e comple-
mentares, nem sempre um simples incremento dos
programas de habitao se apresenta como a soluo
mais indicada para melhorar as condies habitacio-
nais da populao mais pobre. Em primeiro lugar,
porque esses programas podem ser inviabilizados
caso outras polticas urbanas, como as de transpor-
te, de energia eltrica, de esgotamento sanitrio e de
abastecimento de gua, no estejam integradas (Aze-
vedo, 1990). Em segundo lugar, porque em certas
ocasies, em funo do trade-off entre diversas pol-
ticas pblicas, mudanas em outros setores] como
maior investimento em saneamento bsico (esgoto e
gua), incremento no nvel de emprego, aumento do
salrio mnimo, regularizao fundiria, entre outras
podem ter um impacto muito maior nas condies
habitacionais das famlias de baixa renda do que um
simples reforo dos investimentos no setor.
Diante de um contexto desse tipo, no por
acaso que nas grandes metrpoles brasileiras os pro-
gramas de regularizao fundiria vinculados a
melhorias urbanas tm sido crescentemente vistos
como um instrumento de poltica habitacional extre-
mamente importante na luta de um grande contigen-
te de moradores de favelas e de bairros clandestinos
em busca da integrao socioeconmica.
1Mesmo no perodo do Banco Nacional da Habitao (BNH) (1964/86), quando foi marcante a presena do Estado, calcula-se que cerca de 26% das novas construes contaram com financiamento do Sistema Financeiro da Habitao (Melo, 1988).
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
-
15
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
2. Poltica habitacional e redemocratizao: retrica e prtica
No incio de 1985, quando se implantou a en-
to chamada Nova Repblica, o quadro existente
no setor habitacional apresentava, resumidamente,
as seguintes caractersticas: baixo desempenho so-
cial, alto nvel de inadimplncia, baixa liquidez do
sistema, movimentos de muturios organizados na-
cionalmente e grande expectativa de que as novas
autoridades pudessem resolver a crise do sistema
sem a penalizao dos muturios.
Em maro daquele ano, foi formado, por inicia-
tiva do ento presidente do Banco Nacional da Habi-
tao (BNH), um grupo de trabalho de alto nvel, com
atribuies de propor um encaminhamento para o
problema. Participavam desse grupo representan-
tes da Comisso Nacional dos Muturios (CNM), do
Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos
Scio-Econmicos (Dieese), da Associao Brasileira
das Companhias Habitacionais (ABC) e da Associa-
o Brasileira das Entidades de Crdito Imobilirio e
de Poupana (Abecip). Aps trinta dias de negocia-
es, as entidades envolvidas no lograram chegar a
um consenso sobre a melhor de forma de enfrentar
a inadimplncia, a falta de liquidez e o dficit do SFH.
Aps presses e contrapresses, mobilizao de par-
lamentares e partidos, e muita discusso interna, o
governo finalmente tomou a deciso final. Todos os
muturios teriam um reajuste de 112%, desde que
optassem pela semestralidade das correes (Uni-
camp, 1991).
Os que desejassem manter as indexaes anu-
ais teriam um aumento correspondente correo
monetria plena, ou seja, de 246,3%. Desnecessrio
dizer que, excetuando uma minoria de mal-informa-
dos e de decises no-racionais, a quase totalidade
dos muturios optou pela primeira alternativa, que
incorporava a principal reivindicao da Coordena-
o Nacional dos Muturios (112% de reajuste).
Analisemos brevemente os impactos dessa de-
ciso para o SFH e para os vrios atores envolvidos
nas negociaes. Ressaltando inicialmente os aspec-
tos positivos, podemos dizer que, no essencial, o plei-
to dos muturios foi atendido, tanto que podemos
considerar o primeiro ano da administrao Sarney
(1985) como o fim das mobilizaes e dos movimen-
tos regionais e nacionais de muturios. As entidades,
quando no se desintegraram, continuaram a existir
exclusivamente no papel, sem maior capacidade de
aglutinao. O SFH e as entidades de crdito imobili-
rio tiveram a curto prazo uma melhora sensvel, pois
diminuram-se os ndices de inadimplncia e cresceu
substancialmente a liquidez do sistema.
Entretanto, os efeitos perversos no podem
ser subestimados. Primeiramente, ao se conceder um
subsdio dessa magnitude aos muturios, sem nenhu-
ma outra medida compensatria de receita, agravou-
se substancialmente o j existente dficit do SFH. Em
segundo lugar, como a maioria dos muturios do en-
to BNH era composto por famlias de renda mdia
e alta, um subsdio nico para todas as faixas de fi-
nanciamento, na prtica, converteu-se numa poltica
-
16
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
pblica de redistribuio de rendas s avessas. Alis,
de conhecimento pblico que o valor da maioria
das prestaes de imveis situados em bairros no-
bres das principais cidades brasileiras adquiridos
atravs do SFH, poucos anos antes do citado reajuste
no era, alguns anos depois, suficiente para alugar
casas relativamente modestas em reas de periferia.
No mbito institucional, o governo Sarney to-
mou diversas medidas iniciais que aparentemente
indicavam uma predisposio a profundas reformas.
Foi criada uma comisso de alto nvel para propor su-
gestes, e, mais tarde, sob patrocnio federal e com o
apoio da Associao dos Arquitetos do Brasil, desen-
volveram-se debates regionais sobre as propostas em
pauta, envolvendo setores universitrios, entidades
de classe e associaes de muturios (Valena, 1992).
Os temas abordados eram os mais variados possveis:
discutiam-se medidas de descentralizao do BNH,
com o fortalecimento das delegacias regionais, e at
mudanas no sistema de financiamento, operao e
receita do sistema. Em funo da complexidade da
questo, da forma de encaminhamento das discus-
ses e dos diferentes interesses envolvidos, estava-se
ainda longe de se alcanar consenso sobre pontos
bsicos da reforma, quando o governo decretou a ex-
tino do Banco (Melo, 1990).
A forma como se deu essa deciso foi motivo
de surpresa para as entidades envolvidas na refor-
mulao do SFH, uma vez que ocorreu de maneira
abrupta e sem margem para contrapropostas. Esse
procedimento se chocava com as declaraes de in-
tenes e encaminhamentos anteriores, feitos pelo
prprio governo. No referente ao contedo, a perple-
xidade foi ainda maior, j que quase nada se resgatou
do controvertido processo de discusso em curso.
A maneira como o governo incorporou o an-
tigo BNH Caixa Econmica Federal tornou expl-
cita a falta de proposta clara para o setor. Em outras
palavras, nenhuma soluo foi encaminhada para os
temas controvertidos que permeavam o debate ante-
rior. Nesse sentido, a pura desarticulao institucional
do Banco, sem o enfrentamento de questes subs-
tantivas, somente agravou os problemas existentes.
Constrangimentos como o do desequilbrio financei-
ro do sistema no foram sequer tocados (Azevedo,
1988; Melo, 1988).
A incorporao das atividades do BNH Caixa
Econmica Federal fez com que a questo urbana, e
em especial a habitacional, passasse a depender de
uma instituio em que esses temas, embora impor-
tantes, fossem objetivos setoriais. Do mesmo modo,
ainda que considerada como agncia financeira de
vocao social, a Caixa possui, como natural, alguns
paradigmas institucionais de um banco comercial,
como a busca de equilbrio financeiro, retorno do ca-
pital aplicado etc. Nesse contexto, tornou-se difcil,
por exemplo, dinamizar programas alternativos, vol-
tados para os setores de menor renda e que exigem
elevado grau de subsdios, envolvimento institucio-
nal, desenvolvimento de pesquisas etc.
Evidentemente, poder-se-ia argumentar que a
poltica urbana e habitacional estar sempre a car-
go do respectivo ministrio, atuando a Caixa apenas
como rgo gerenciador do sistema. Convm lem-
-
17
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
brar, entretanto, que tambm no passado a poltica
urbana e habitacional esteve vinculada formalmente
a outros rgos Servio Federal de Habitao e Ur-
banismo (Serfhau), Conselho Nacional de Desenvol-
vimento Urbano (CNDU) e Ministrio do Desenvol-
vimento Urbano.
Apesar disso, na prtica, por ter controle so-
bre recursos crticos, couberam ao BNH a definio
e a implementao concreta da poltica. No havia
por que supor que com a Caixa Econmica ocorres-
se uma situao muito diferente. Assim, apesar dos
discursos e das diversas mudanas ministeriais Mi-
nistrio do Desenvolvimento Urbano, Ministrio da
Habitao e Urbanismo, Ministrio da Habitao e
Bem-Estar Social , a Caixa Econmica Federal foi o
carro-chefe da poltica habitacional vinculada ao Sis-
tema Financeiro da Habitao.
Ressalte-se que no primeiro ano aps a extin-
o do BNH 1987 as Companhias Habitacionais
(Cohab) financiaram 113.389 casas populares. Du-
rante o primeiro semestre de 1988, esse nmero caiu
drasticamente para 30.646 unidades devido s mu-
danas da poltica habitacional a partir da Resoluo
1464, de 26/02/88, do Conselho Monetrio Nacional,
e normas posteriores (CAIXA, 2000). Sob a alegao
da necessidade de controle das dvidas dos estados e
municpios, essa resoluo criou medidas restritivas
ao acesso a crditos por parte das Cohab. Do mesmo
modo, ao criar novas normas para se adaptar cita-
da resoluo e a outras que lhe sucederam, a Caixa
Econmica Federal terminou, na prtica, no s por
transferir iniciativa privada os crditos para a habi-
tao popular, como tambm diminuiu a capacidade
dos estados e municpios em disciplinar a questo
habitacional. Assim, a transformao das Cohab de
agentes promotores em simples rgos assessores
e a obrigatoriedade dos muturios finais de assumi-
rem os custos totais dos terrenos e da urbanizao
acarretaram inmeras conseqncias negativas no
final dos anos 1980. Entre elas, podem-se citar:
a) a paulatina diminuio de poder por parte
das companhias habitacionais;
b) a elevao da exigncia de renda da cliente-
la dos programas tradicionais, que passaram a voltar-
se fundamentalmente para famlias com rendimen-
tos mensais acima de cinco salrios mnimos;
c) a desacelerao dos programas alternativos
(Azevedo, 1990).
Essa tendncia elitista da poltica de habita-
o popular vinculada ao SFH no significou, entre-
tanto, que os programas alternativos durante os pri-
meiros anos da Nova Repblica tenham tido pouca
importncia. Pelo contrrio, eles nunca foram to
fortes. Entre os desenvolvidos margem do SFH, me-
rece destaque especial o Programa Nacional de Mu-
tires Habitacionais, da Secretaria Especial de Ao
Comunitria (Seac). Apesar de suas especificidades
e dinamismo sem precedentes, ele apresenta muitos
pontos em comum com os programas alternativos
que o antecederam (Profilub, Promorar, Joo de Bar-
ro etc.), tanto no referente ao papel do poder p-
blico local, quanto no que diz respeito atuao da
populao beneficiada.
-
18
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
Por outro lado, em seus poucos anos de vida,
a trajetria institucional da Seac exemplifica bem
a falta de uma poltica clara para o setor. Vinculada
inicialmente Secretaria de Planejamento, ela passa
posteriormente para a Casa Civil da Presidncia da
Repblica, Ministrio da Habitao e do Bem-Estar
Social, Ministrio da Previdncia e, por fim, ao Mi-
nistrio do Interior.
O programa habitacional da Seac funcionava
com verba a fundo perdido do Oramento Geral
da Unio (OGU) e se propunha a atingir as famlias
com renda mensal inferior a trs salrios mnimos,
normalmente preteridas pelos programas tradicio-
nais. Seu formato institucional previa o estabeleci-
mento de um convnio entre a Seac, a instituio
conveniada que poderia ser a prefeitura ou um
rgo do governo estadual e a sociedade comu-
nitria habitacional, formada pelos participantes de
cada projeto.
Na maioria dos estados, o escritrio local da
Seac realizava diretamente convnios com as prefei-
turas. Em alguns deles, no entanto, as atividades da
Seac foram centralizadas em um nico rgo esta-
dual, que coordenava e promovia o programa, nor-
malmente com um nome de identificao estadual.
Do ponto de vista formal, pode-se dizer que
no curto espao de menos de dois anos o progra-
ma se props a financiar cerca de 550.000 unidades
habitacionais (Seac, 1988), enquanto nesse mesmo
perodo as Cohab financiaram menos de 150.000
(CAIXA, 2000). Supe-se que mais de um tero das
unidades financiadas no tenham sido construdas,
em razo, entre outros fatores, do baixo financia-
mento unitrio aliado inflao galopante e m
utilizao dos recursos.
O processo inflacionrio, por si s, dificultou
enormemente o cumprimento das metas fsicas
programadas, em virtude do aumento exorbitante
dos preos dos materiais de construo e servios.
Por outro lado, a dependncia exclusiva de verbas
oramentrias, somada situao de crise econmi-
ca e fiscal, levava ao temor de que no se consegui-
ria manter o programa com o mesmo dinamismo
dos dois anos anteriores. Havia ainda o desafio da
busca de um maior controle das metas quantitati-
vas do programa, sem tornar a sua estrutura pesada
e onerosa. Ressalte-se tambm que a inexistncia
de uma poltica clara de prioridades para alocao
de recursos tornou o programa uma presa fcil do
clientelismo e de toda sorte de trfico de influn-
cias (Valena, 1999).
A experincia histrica brasileira mostra que
sempre que um programa habitacional altamente
subsidiado permite um grau muito alto de liberdade
na alocao de recursos, as regies menos desenvol-
vidas e os estados com dificuldades polticas junto
ao governo central terminam seriamente prejudica-
dos, como ocorreu com a Fundao da Casa Popular
durante o perodo populista (1946/1963) (Azevedo
e Andrade, 1982). Assim, por exemplo, enquanto o
Nordeste abriga aproximadamente 35% da popula-
o brasileira, somente 15,6% dos recursos do Pro-
-
19
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
grama Nacional de Mutires Habitacionais (85.914
unidades) foram investidos na regio (Seac, 1988).
Apesar de todos esses constrangimentos e de-
ficincias, no se pode negar-lhe o impacto. Foi a
primeira vez na trajetria da poltica popular brasilei-
ra que um programa alternativo apresentou melhor
desempenho quantitativo do que os convencionais.
Devido ao seu frgil formato institucional, ele termi-
nou junto com o mandato do primeiro presidente
civil da chamada Nova Repblica.
3. A poltica habitacional nos anos 1990: as ambigidades e a busca de democratizao
O governo Collor pouco inovou nos seus dois
anos e meio de mandato em relao administrao
anterior no referente a mudanas no Sistema Finan-
ceiro da Habitao. Possivelmente, devido nfase e
primazia no combate inflao, todos os programas
sociais de maior envergadura, prometidos durante
a campanha, foram postergados para um segundo
momento. Em relao especificamente habitao
popular, houve o que Marcus Andr Melo chama de
banalizao da poltica, com dissociao das ativi-
dades de saneamento e desenvolvimento urbano e
sua transformao em uma poltica distributiva, ago-
ra vinculada ao novo Ministrio da Ao Social. Da
mesma forma que o governo anterior, a alocao das
unidades construdas tanto pelos programas popu-
lares convencionais quanto pelos alternativos es-
tes ltimos baseados na autoconstruo continuou
sendo feita por critrios aleatrios, no respeitando
na prtica a distribuio estabelecida pelo Conse-
lho Curador do FGTS, atravs da Resoluo 25, de
26/10/90 (Unicamp, 1991, p. 42). A construo de
unidades convencionais tambm continuou privile-
giando setores populares de renda mais elevada.
O Plano de Ao Imediata para a Habitao
(Paih), lanado em maio de 1990 e apresentado
como medida de carter emergencial, se propunha
a financiar em 180 dias cerca de 245 mil habitaes,
correspondente a investimento da ordem de 140 mi-
lhes de VRF, montante que significa um custo m-
dio de 570 VRF por unidade. Totalmente financiado
com recursos do FGTS, com juros reais entre 3,5%
e 5,55 ao ano para o muturio final, o plano tinha
como populao-alvo as famlias com renda mdia
de at cinco salrios mnimos. O Paih possua trs
vertentes: programa de moradias populares (uni-
dades acabadas), programa de lotes urbanizados
(com ou sem cesta bsica de materiais) e programa
de ao municipal para habitao popular (unida-
des acabadas e lotes urbanizados). Enquanto para
os dois primeiros programas os agentes promotores
eram variados (Cohab, Cooperativas, Entidades de
Previdncia, Carteiras Militares etc.), para o ltimo
este papel caberia exclusivamente prefeitura. A co-
ordenao geral ficaria a cargo do Ministrio de Ao
Social / Secretaria Nacional da Habitao, atuando a
Caixa Econmica Federal como banco de segunda
linha, isto , com a responsabilidade de implementar
os programas atravs dos agentes promotores. A CAI-
XApoderia atuar tambm como agente financeiro, do
mesmo modo que os bancos e as Caixas Econmicas
-
20
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
estaduais ento existentes, as sociedades de crdito
imobilirio e as companhias habitacionais.
A avaliao do Paih mostra o no-cumprimento
de vrias das metas estabelecidas: o prazo estimado
de 180 dias alongou-se por mais de 18 meses; o custo
unitrio mdio foi de cerca de 670 VRFs, bem supe-
rior ao previsto inicialmente (570 VRFs), ocasionan-
do uma diminuio de 245 mil para 210 mil unidades
(Unicamp, 1991). Por fim, por motivos clientelistas e
lobby de setores empresarias da construo civil de
regies menos desenvolvidas, especialmente do Nor-
deste, o plano no logrou seguir os percentuais de
alocao de recursos definidos pelo Conselho Cura-
dor do FGTS para os diversos estados da federao
(Schvasberg, 1993).
Durante a administrao Collor, no houve tam-
bm nenhuma iniciativa para rediscutir em profundi-
dade o SFH. Houve apenas maquiagens de efeitos e
legalidade duvidosa como as contidas na Medida Pro-
visria 294, de 31 de janeiro de 1991. Em seu artigo
20, modifica-se o reajuste das prestaes, vinculadas
ao Plano de Equivalncia Salarial, supondo que o au-
mento real de salrios semestrais deve ser maior que
a remunerao da caderneta de poupana. Assim, as
prestaes seriam reajustadas mensalmente pela re-
munerao das cadernetas e na data-base seria acres-
cido o ganho real de salrio porventura existente.
Procurava-se, com esta medida, diminuir atravs de
artifcio legal contestado pelos muturios e poste-
riormente derrubado pela justia o rombo histrico
do Sistema Financeiro da Habitao. Ainda em 1991,
foi facilitada a quitao da casa prpria pela metade
do saldo devedor, ou pelo pagamento das mensalida-
des restantes, sem correo e juros. Normalmente, a
segunda opo de quitao foi a mais vantajosa, oca-
sionando na prtica subsdios substanciais. Permitiu-
se tambm o uso do FGTS para a quitao antecipa-
da. Boa parte dos muturios de classe mdia logrou
liberar seus imveis por preos bastante acessveis.
O governo conseguiu momentaneamente aumentar
o fluxo de caixa para financiamentos habitacionais,
mas seguramente isso significou maiores subsdios
e agravamento ainda maior da crise. O contra-argu-
mento do governo era que essa receita estava perdi-
da devido aos baixos valores das prestaes e que,
assim, pelo menos, fora possvel resgatar parte dessa
verba. Para os setores mdios, foi extinto o Plano de
Equivalncia Salarial e terminou-se com o perdo
dos resduos do saldo devedor, atravs do Fundo de
Compensao das Variaes Salariais (FCVS).
Com a destituio de Collor e a posse do pre-
sidente Itamar, houve uma busca de mudana nos
rumos da poltica habitacional especialmente no re-
ferente s classes de baixa renda, por meio dos pro-
gramas Habitar Brasil e Morar Municpio, que funcio-
navam por fora do Sistema Financeiro da Habitao.
Entretanto, pouco foi feito para mudar o qua-
dro conhecido de crise estrutural do SFH. Com a ex-
tino do FCVS, criou-se um plano de amortizao
baseado no comprometimento de renda (em subs-
tituio ao antigo Plano de Equivalncia Salarial) e
definiram-se percentuais mximos de cobranas de
taxas e despesas cartoriais etc. Alm disso, houve um
esforo de obrigar os bancos a respeitarem a lei e a
-
21
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
canalizarem pelo menos parte da arrecadao das ca-
dernetas para investimentos habitacionais direciona-
dos classe mdia. Esperava-se com isso alcanar, at
o final do governo Itamar, investimentos da ordem de
1,4 bilho de dlares (Azevedo, 1996).
Em relao produo de casas populares, a
administrao Itamar procurou atuar em duas fren-
tes. Primeiramente, buscou terminar at meados de
1994 cerca de 260 mil casas financiadas pelo gover-
no anterior, atravs das linhas de financiamento tra-
dicionais (FGTS), recursos do Fundo de Desenvolvi-
mento Social (FDS) e verbas oramentrias. Previa-se,
segundo declarao do ento secretrio Nacional da
Habitao, a aplicao de aproximadamente 800 mil
dlares para a concluso dessas casas. Em segundo
lugar, lanou o Programa Habitar Brasil, voltado para
municpios de mais de 50 mil habitantes, e o Morar
Municpio, destinado aos municpios de menor por-
te. O financiamento federal para esses programas
estimados em 100 mil dlares para o ano de 1993
previa verbas oramentrias e parte dos recursos
arrecadados pelo Imposto Provisrio sobre Movi-
mentaes Financeiras (IPMF), que terminou no
ocorrendo dentro do montante previsto, em funo
de prioridades do Plano de Estabilizao Econmica
(Azevedo, 1996).
Na verdade, apesar de nomenclaturas diferen-
tes, os referidos programas tinham as mesmas carac-
tersticas bsicas. Capitaneados, na poca, pelo Mi-
nistrio do Bem-Estar Social, previam a participao
de governos estaduais e prefeitura municipais. Sua
populao-alvo seriam as famlias de baixa renda e as
que vivem em reas de risco.
Para se ter acesso a estes financiamentos, en-
tre outras exigncias, era obrigatria a criao de um
Conselho Estadual ou Municipal de Bem-Estar Social,
bem como de um respectivo Fundo Estadual ou Mu-
nicipal de Bem-Estar Social, para onde os recursos
deveriam ser canalizados.
Alm dos custos de urbanizao dos terrenos,
legalizao, elaborao do projeto tcnico, pavimen-
tao de ruas e eletrificao era exigida uma contra-
partida claramente definida do governo estadual ou
municipal envolvido (10% do investimento federal
para as regies menos desenvolvidas e 20% para as
demais). Todo o projeto deveria ser feito em parceria
com organizaes comunitrias locais.
Os projetos poderiam prever construo de
moradias, urbanizao de favelas, produo de lotes
urbanizados e melhorias habitacionais, mas os bene-
ficirios desses programas deveriam ser propriet-
rios ou ter a posse dos terrenos.
No caso de construo de moradias ou melho-
rias habitacionais, o regime de trabalho deveria ser
de ajuda mtua ou auto-ajuda, enquanto caberia
ao governo estadual ou municipal a obrigao de
prestar assistncia tcnica, atravs de equipe inter-
disciplinar. Esse custo, no entanto, no poderia ultra-
passar 5% do financiamento fornecido pela Unio.
No caso de obras de infra-estrutura e equipamentos
comunitrios, alm das modalidades citadas, eram
-
22
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
permitidos administrao direta ou contrato de em-
preitada a firmas particulares.
Em se tratando de produo de moradias e lo-
tes urbanizados, seriam cobradas dos beneficirios
parcelas mensais de pelo menos 5% do salrio mni-
mo vigente, pelo perodo mnimo de cinco anos. Os
recursos arrecadados seriam reaplicados no Fundo
Estadual ou Municipal de Bem-Estar Social. Caberia
ao Conselho estadual ou municipal criar as normas
complementares necessrias matria.
Por fim, durante esse prazo de carncia mni-
mo de cinco anos, as casas e os lotes urbanizados
deveriam permanecer como patrimnio do fundo
estadual ou municipal. Nesse perodo, os benefici-
rios firmariam um contrato de concesso de uso, dis-
positivo que no se aplicaria quando o terreno fosse
de sua propriedade.
Apesar de apresentarem um avano significati-
vo, ao proporem a formao de Conselhos para gerir
a poltica habitacional em que, alm de membros
indicados pelo governo, previa-se a participao de
representantes da sociedade civil e a criao de
fundos especficos que permitiriam, em princpio,
verbas constantes e pontuais para a produo de
habitaes populares, alm de evitarem possveis
tentativas de desvios dos recursos repassados pela
Unio, os programas mencionados possuam vrios
constrangimentos. Mesmo sendo uma iniciativa de
poltica descentralizadora, eles pecavam por uma
excessiva padronizao. Em outras palavras, faziam
tbula rasa da enorme heterogeneidade dos muni-
cpios brasileiros, exigindo de todos a formao de
Conselhos e fundos. No h dvida de que, para a
maioria dos pequenos municpios, corria-se o risco
da criao apenas formal desses mecanismos, como
ocorreu nos ltimos anos com outras exigncias si-
milares feitas por leis federais e estaduais (Conselho
de Sade, Educao, Criana e Adolescente, Assistn-
cia Social etc.).
Convm lembrar que, apesar de propor a cria-
o de fundos estaduais e municipais, o governo
no logrou, at o final da administrao Itamar, a for-
mao de um fundo federal. Os mencionados pro-
gramas dependeram fundamentalmente de verbas
oramentrias ou de recursos provisrios (IPMF), o
que os fragilizou institucionalmente. Tampouco se
conseguiu avanar na formao de um Conselho
federal, similar aos propostos para os governos esta-
duais e municipais.
Ressalte-se, entretanto, que, com o objetivo de
reformar e criar um novo arranjo institucional para
o setor, tanto a proposta de criao de um Conselho
quanto a de criao de um fundo federal voltados
para a rea habitacional foram no incio dos anos
1990 questes em pauta na Cmara de Deputados.
Essa discusso, iniciada em 1992 por meio da
constituio de um Frum Nacional de Habitao,
envolvendo inmeras instituies da sociedade civil
e rgos pblicos vinculados questo habitacional,
se organizou em torno de trs propostas, cada uma
representando determinados blocos de interesses:
parte da burocracia pblica da poltica habitacional
(Frum dos Secretrios Estaduais de Habitao), os
construtores e o setor popular organizado. Elas ti-
-
23
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
nham como ponto comum a busca da restaurao de
uma nova aliana entre os interesses envolvidos no
financiamento, produo e uso da moradia, atravs
da criao de um Conselho Nacional de Habitao,
com a funo de gerir a poltica habitacional, e de
um fundo especfico para garantir o financiamento
do setor. Evidencia tambm a preocupao de no
deixar exclusivamente na mo de um rgo gover-
namental os rumos da poltica habitacional, abrindo
perspectivas de um tipo de participao neocorpo-
rativa em que segmentos da sociedade civil teriam
assento. As sugestes sobre o formato institucional
deste Conselho variavam bastante, e a proposta do
movimento popular era a nica em que os represen-
tantes da sociedade civil seriam majoritrios.
A administrao Fernando Henrique, que to-
mou posse no incio de 1995, apresentou como
proposta para o trinio 1996-1999 a aplicao de
R$ 26,5 bilhes para beneficiar 1.394.900 famlias,
utilizando aproximadamente R$ 19,6 bilhes de re-
cursos oriundos do FGTS e R$ 6,9 milhes prove-
nientes da contrapartida de estados e municpios
(Sepurb, 1996c).
Em linhas gerais, do ponto de vista financeiro,
as iniciativas para viabilizar essa proposta seriam:
a) continuar os esforos visando o saneamento
do FGTS, com o objetivo de proteger os recursos dos
trabalhadores, bem como ampliar a capacidade de in-
vestimento habitacional do fundo;
b) securitizar a dvida do Fundo de Compen-
sao das Variaes Salariais (FCVS) com os agentes
financeiros e o FGTS;
c) implementar novas formas de captao de
recursos para o setor imobilirio a partir de empre-
sas de capitalizao e seguros, fundos mtuos e fun-
daes de previdncia privada, entre outros.
Como elemento chave da nova poltica, passa-
se a discutir a questo habitacional de forma inte-
grada poltica urbana e poltica de saneamento
ambiental, atravs da Secretaria de Poltica Urbana.
Nessa mesma linha de busca de articulao entre
polticas complementares e recorrentes, defende
uma poltica fundiria urbana adequada de modo a
desestimular a formao de estoques de terras para
fins especulativos.
Ainda, segundo o programa habitacional da
primeira administrao Fernando Henrique Cardoso,
sugeria-se reforar o papel dos governos municipais
como agentes promotores da habitao popular, in-
centivando-os inclusive a adotar linhas de ao diver-
sificadas, voltadas para urbanizao de favelas e recu-
perao de reas degradadas. Eram propostas, entre
outras, as seguintes medidas no campo da habitao
popular: apoiar programas geradores de tecnologia
simplificada que possibilitassem a construo de
moradias de qualidade a custo reduzido; privilegiar
as formas associativas e cooperativas de produo
de habitaes e incentivar programas de assistncia
tcnica aos rgos, entidades e organizaes comu-
nitrias, comprometidas com solues locais e inte-
gradas de interesse social.
-
24
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
Quanto s iniciativas de alcance social do in-
cio da primeira administrao FHC, merece desta-
que o Programa de Concluso de Empreendimentos
Habitacionais, que visava recuperar investimentos j
realizados com recursos do FGTS que no geraram
os benefcios esperados, especialmente para viabi-
lizar a comercializao de conjuntos habitacionais
contratados at 1991 por empresas privadas, que se
encontravam inacabados em virtude de problemas
de financiamento na poca.
Por sua vez, os Programas de Crdito Direto
ao Cidado, denominados Cred-Mac e Cred-Casa,
voltados para famlias com at oito salrios mnimos
de renda mdia mensal (atuando, inclusive, no setor
informal), possibilitariam a oferta de crdito para a
aquisio de materiais de construo, visando me-
lhoria ou construo de habitaes. Sua principal
caracterstica residia na forma de financiamento mais
simplificada, j que esses programas no seguiam as
regras do Sistema Financeiro da Habitao.
No setor social, destacam-se o Pr-Moradia e
o Programa Habitar Brasil, voltados para o poder p-
blico (estados e municpios) e financiados, respec-
tivamente, com recursos do FGTS e do Oramento
Geral da Unio. Seus principais objetivos seriam a
urbanizao de reas degradadas para fins habita-
cionais, a regularizao fundiria e a produo de
lotes urbanizados. Nessas duas iniciativas, buscava-
se beneficiar 677.100 famlias, investindo R$ 5,2
bilhes, sendo R$ 4 bilhes de recursos do FGTS
e R$ 1,2 milho da contrapartida de estados e muni-
cpios (Sepurb, 1996a, 1996b).
Entre 1996 e 2000, o desempenho do governo,
no que diz respeito poltica de habitao popular
stricto sensu, ficou aqum do inicialmente planejado,
pois para o Pr-Moradia foram investidos cerca de R$
830 milhes, em recursos do FGTS, para a construo
de 155.219 unidades residenciais, a um custo mdio
unitrio de R$ 5.400,00. No mesmo perodo, com re-
cursos a fundo perdido do OGU, foram alocados no
Morar Melhor / Habitar Brasil em torno de R$ 860
milhes que resultaram na construo de 294.595
moradias, com custo unitrio mdio de R$ 2.920,00
(CAIXA, 2000).
Ressalte-se, entretanto, que em polticas recor-
rentes e complementares s polticas habitacionais
populares os aportes da Unio foram bem mais subs-
tanciais. Por meio de financiamento do FGTS, o go-
verno federal investiu, entre 1996 e 2000, em torno
de R$ 2,7 bilhes em saneamento bsico (Pr-Sanea-
mento). No citado perodo, foram aplicados cerca de
R$ 2,5 bilhes de recursos oramentrios do OGU
em diversos programas de infra-estrutura e sanea-
mento (CAIXA, 2000).
Por fim, quanto s propostas no dinamizadas
de novas polticas habitacionais, deve ser lembrado
o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), vol-
tado para atingir uma clientela na faixa entre qua-
tro e seis salrios mnimos de renda familiar. Ainda
que proposto como forma de leasing habitacional,
esse programa parece no ter sido pensado com a
mesma filosofia de seus congneres europeus. O ar-
-
25
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
rendamento aqui teria mais o objetivo de facilitar a
retomada dos imveis em caso de inadimplncia do
muturio, evitando longas batalhas judiciais2.
Para os setores mdios (renda familiar mensal
de at 12 salrios mnimos), tem se destacado ao lon-
go dos ltimos anos o Programa Carta de Crdito,
que utiliza recursos do FGTS e das cadernetas de
poupana. Trata-se de fornecer uma linha de crdito
direta ao cidado, que pode escolher a melhor alter-
nativa para resolver seu problema de moradia, den-
tre as modalidades de aquisio de habitao pronta,
nova ou usada.
Merece tambm destaque o Programa de Fi-
nanciamento Produo e ao Crdito Individual,
voltado para apoiar a indstria da construo civil
na produo de projetos habitacionais destinados
parcela da populao de renda mdia e alta que
opte por um contrato de financiamento vinculado
ao imvel. Trata-se de programa praticamente similar
ao que foi hegemnico durante o perodo BNH para
os setores de maior renda, exceto no que respeita ao
financiamento que, alm dos recursos das cadernetas
de poupana, abre a possibilidade de outras fontes
complementares (Companhias Hipotecrias e Fun-
dos de Investimento Imobilirio).
Mas, a maior novidade na rea habitacional
nos anos 1990 foi a aprovao, atravs da Lei Fede-
ral 9.512 / 97, do denominado Sistema Financeiro
Imobilirio (SFI), em moldes totalmente diferentes
do SFH, criado junto com o extinto Banco Nacional
da Habitao e que at hoje financia a maior par-
te dos programas existentes, por meio de recursos
da caderneta de poupana e do FGTS. Inspirado na
experincia norte-americana, o novo sistema opera
exclusivamente com recursos da iniciativa privada
nacional e internacional. O ponto de destaque do SFI
a chamada alienao fiduciria, pela qual o mutu-
rio somente torna-se proprietrio do imvel quando
quita o financiamento. Com isso, o financiador pode
retomar rapidamente os imveis em inadimplncia.
Tanto o perodo permitido para atrasos quanto os
prazos de financiamento e as taxas de juros sero fi-
xados, atravs de contrato, entre os agentes fiducirio
e fiduciante, sem interferncia do Estado. Pelo texto
da lei, os assalariados podero utilizar os recursos
do FGTS para abater as dvidas. O objetivo de seus
mentores seria atrair no s capitais internacionais
como recursos dos fundos de penso, uma vez que
financiando apenas parte do custo do imvel (cabe
ao comprador arcar diretamente com parte dos cus-
tos) e com a possibilidade de rpida retomada em
caso de inadimplncia alm da inexistncia de re-
gulao governamental para prazos, taxa de juros e
comprometimento mximo de renda familiar com
as prestaes dificilmente haveria possibilidade de
prejuzo para o investidor.
2Tradicionalmente, nos casos graves de inadimplncia, a CAIXA tem optado pelo leilo com as residncias ocupadas, mas isso acarreta uma diminuio nos preos dos arremates das mesmas.
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
-
26
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
Um eventual revigoramento do atual Sistema
Financeiro da Habitao depende da resoluo de
uma complicada questo poltica sobre como co-
brir o dficit acumulado ao longo das ltimas dca-
das. Por outro lado, o desempenho do novo Sistema
Financeiro Imobilirio, ainda em fase de implemen-
tao, depende de inmeras variveis financeiras e
econmicas, bem como de alianas de interesses e
de um formato institucional que lhe permitam con-
ceder financiamentos em larga escala e em fluxo
constante. Evidentemente, este um sistema que
somente pode ser utilizado para setores de renda
mais alta, uma vez que seria duvidoso que, em uma
conjuntura de juros altos, fosse capaz de atingir uma
clientela mais ampla.
4. Perspectivas e cenrios para a questo da moradia no incio do novo sculo
A rpida urbanizao das ltimas dcadas do
sculo XX aliada a um processo de industrializa-
o tardia que incorporou somente uma pequena
parcela dos trabalhadores urbanos acarretou pro-
blemas urbanos complexos e de difcil enfrentamen-
to por parte do poder pblico.
Entre as diversas carncias da populao de bai-
xa renda vinculadas ao habitat (saneamento, abaste-
cimento de gua, energia eltrica, transporte etc.), a
que apareceu com mais evidncia e centralidade foi
o dficit de moradia. Esse contexto explica, em parte,
no s por que o poder pblico, em termos de poltica
urbana, priorizou historicamente a questo habitacio-
nal, como tambm a pouca amplitude e o fracasso da
maior parte dessas intervenes governamentais.
Em uma sociedade extremamente heterognea
e desigual como a brasileira, questes aparentemente
universais como educao, servios de sade, sanea-
mento e habitao no so facilmente comparveis e
muito menos intercambiveis entre alguns dos diver-
sos submundos sociais. Assim, no referente ao habi-
tat, temas como necessidades habitacionais, aluguel,
habitao adequada, tamanho de terreno, infra-estru-
tura, entre outros que em geral so tratados como
se estivessem vinculados a um nico mercado , tm,
na verdade, significados muito variados, dependendo
dos setores sociais a que se referem.
Comecemos pelas alternativas que se abrem
para os setores populares, que mesmo durante a fase
urea do BNH foram os menos beneficiados. Nessas
condies, a opo habitacional para a maioria da
populao pobre, formada por um considervel con-
tingente de desempregados e de trabalhadores even-
tuais, tm sido os cortios, favelas e bairros clandes-
tinos, localizados fundamentalmente nas metrpoles
e grandes cidades. Assim, a autoconstruo torna-se
a soluo possvel para amplas camadas populares
resolverem seus problemas habitacionais. Em funo
da escassez de recursos e de tempo disponvel, essas
construes prolongam-se por um largo perodo de
tempo e se caracterizam pelo tamanho reduzido, bai-
xa qualidade dos materiais empregados, acabamento
precrio e tendncia deteriorao precoce (Marica-
to, 1979; Ribeiro e Azevedo, 1996).
-
27
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
A experincia tem demonstrado que, apesar
dos subsdios diretos e indiretos, nos pases subde-
senvolvidos as casas populares so ainda muito caras
para a maioria dos setores de baixa renda. Nessas cir-
cunstncias, a poltica habitacional enfrenta um di-
lema de difcil soluo: se subsidia em maior escala,
compromete drasticamente a produo quantitativa
de casas; se busca um nvel maior de eficcia atra-
vs do retorno de parte do capital aplicado , exclui
uma considervel parcela da populao dos progra-
mas tradicionais de habitao popular.
por esse motivo que, nas ltimas dcadas,
tanto no Brasil como em muitos outros pases em
desenvolvimento, pesquisadores, autoridades gover-
namentais e lderes comunitrios vem os chamados
programas alternativos de habitao popular como
uma das formas de tentar responder s necessidades
habitacionais das populaes de baixa renda.
Embora a retrica oficial continue a exaltar
as qualidades dos chamados programas alternativos
como forma de enfrentar os problemas habitacionais
dos setores populares, os impactos concretos dessas
iniciativas ainda necessitam de estudos mais detalha-
dos3. Em contraposio e como estratgia para en-
frentar a crise de moradia, parte dos setores mdios
e altos optou, entre outras alternativas, pela partici-
pao em condomnios fechados afastados das reas
nobres, mas com acesso relativamente rpido atravs
de servios de transportes (auto-estradas, metrs de
superfcie etc.), e pela recuperao de parte de an-
tigos bairros populares, bem localizados na estrutu-
ra das cidades, impondo-lhes uma nova significao
simblica, concomitante com a criao de externali-
dades exclusivas, que os diferenciariam do resto da
rea (Ribeiro e Azevedo, 1996).
As estratgias de parte dos setores mdios e
de alta renda supracitadas significam a criao de
ilhas de classe mdia incrustadas na periferia ou
em antigos bairros populares. Se atentarmos para
o fato de que, concomitantemente a esse proces-
so, est em curso o adensamento das favelas e dos
bairros populares j consolidados, podemos ante-
ver o que chamaramos de diminuio perversa da
segregao espacial. O maior convvio forado,
em espaos contguos, dos estratos mdios e altos
com setores populares, em um contexto de desa-
gregao social e de baixo crescimento econmico,
tende a desencadear um recrudescimento dos pre-
conceitos sociais e uma identificao mecanicista
de pobres como sinnimo de classes perigosas
(Ribeiro e Azevedo, 1996).
Parte desse comportamento das classes m-
dias est relacionada com a trajetria ascendente da
violncia urbana. Entretanto, a tendncia de ver o
3Durante o perodo BNH, esses programas corresponderam a cerca de 265 mil unidades habitacionais, significando apenas 5,95% do total dos financiamentos do Banco (Azevedo, 1988, p. 117). Convm lembrar, entretanto, que aps 1985 a maioria dos programas de habitao popular nos trs nveis de governo, imple-mentados fora do SFH, privilegiaram os programas alternativos (mutiro, autoconstruo, cooperativas de autogesto etc.) que, em muitos casos, apresentaram resultados satisfatrios (Azevedo, 1990).
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
-
28
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
outro de classe inferior como um inimigo em po-
tencial tende a cristalizar preconceitos ideolgicos
nas elites, que obscurecem a necessidade da busca
de solues econmicas e polticas de mbito mais
amplo (diminuio dos nveis de pobreza absoluta,
ampliao das possibilidades de ascenso social, re-
forma do Estado etc.) e terminam por enfatizar res-
postas individuais imediatistas, incapazes de atacar
as razes do problema. Alm disso, acarretam proble-
mas que no s afetam negativamente a estrutura
urbana das cidades como tambm as prprias con-
dies habitacionais desses setores. Ou seja, levam
a um aumento exacerbado nos servios de seguran-
a e de taxas de condomnios, ao aprisionamento
das pessoas em suas residncias e diminuio da
importncia da rua, enquanto espao pblico de
convvio social, intercmbio, socializao e lazer.
(Ribeiro e Azevedo, 1996).
Por outro lado, tambm se poderia supor al-
guns efeitos positivos no esperados decorrentes des-
sa conjuntura. Em primeiro lugar, uma maior presso
dos setores populares cobrando do poder pblico
maiores investimentos de infra-estrutura, equipamen-
tos comunitrios e outras melhorias habitacionais,
tendo em vista o efeito demonstrao. Numa con-
juntura democrtica, em que o voto possui o mesmo
peso, independente da classe social do votante, este
um cacife no desprezvel. Alis, apesar da crise fiscal
e econmica, a melhora dos indicadores sociais nas
duas ltimas dcadas pode ser explicada, em grande
parte, por fatores de ordem poltica.
O debate sobre as possibilidades de reforma
do SFH, iniciado em dezembro de 1992 na Cmara
dos Deputados por ocasio do Simpsio Nacional da
Habitao, do qual participaram parlamentares de v-
rios partidos, representantes de sindicatos e numero-
sas associaes da sociedade organizada, no logrou
restaurar uma aliana suficientemente forte entre os
diversos atores envolvidos no financiamento, na pro-
duo e no uso da moradia, para ensejar modifica-
es estruturais no Sistema Financeiro da Habitao.
Nas discusses sobre as reformas do SFH, des-
de a primeira metade dos anos 1990, as propostas
de descentralizao estavam sempre amarradas aos
possveis novos formatos institucionais da poltica
federal. Apesar de suas diferenas, no que diz respei-
to ao papel dos diferentes mbitos de governo, elas
apresentavam uma certa similitude. Unio caberia
definir a macropoltica e arcar com a maior parte dos
financiamentos; aos estados federados, realizar ativida-
de reguladora dentro de seus respectivos territrios,
suplementar uma parte dos recursos, desenvolver
os programas clssicos das Cohab e eventualmente
quando por fragilidade de setores organizados da
sociedade ou do poder municipal implementar di-
retamente alguns projetos alternativos para os seto-
res de baixa renda. Aos governos locais era destinada
uma grande responsabilidade pela implementao
da poltica na ponta da linha: seja oferecendo ter-
renos e/ou participando de obras de infra-estrutura
como contrapartida de recursos repassados de ou-
tros nveis de governo, seja se responsabilizando di-
retamente pela execuo das obras, seja ainda acom-
panhando ou orientando os setores organizados da
-
29
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
sociedade (cooperativas, grupos de mutiro etc.) en-
volvidos com os diferentes projetos.
Essas propostas de descentralizao no tinham
como objetivo a criao de sistemas autnomos em
mbito estadual e municipal. Entretanto, com a desar-
ticulao do Sistema Financeiro da Habitao, a par-
tir de 1987 tanto alguns estados, ao se organizarem
para fazerem jus a possveis repasses federais, quanto
muitos municpios de grande porte, para se habilita-
rem a repasses federais e estaduais, terminaram por
criar uma estrutura institucional que lhes permitiu a
criao de sistemas hbridos capazes, de um lado, de
se articularem com iniciativas oriundas de um nvel
mais alto de governo e, de outro, de experimentarem,
com diferentes graus de institucionalizao e de so-
fisticao, polticas habitacionais autnomas.
No que se refere aos governos estaduais, o n
grdio dessas polticas independentes foi a busca de
uma fonte de financiamento prpria, ao mesmo tem-
po significativa e constante, de modo a assegurar um
desempenho regular e consistente.
Nesse sentido, a experincia do estado de So
Paulo foi a nica que at o momento apresentou xi-
to na configurao de um completo Sistema Estadual
de Habitao. A experincia paulista incentivou ou-
tros governos por exemplo, Bahia, Minas Gerais e
Rio Grande do Sul a buscar, em suas respectivas
Assemblias Legislativas, apoio para a criao de Sis-
temas Estaduais de Habitao autnomos. O malogro
desses projetos se deveu, principalmente, s dificul-
dades dos governadores em obter, dos legislativos,
consenso sobre fontes de recursos oramentrios
permanentes (Arretche, 2000).
O governo paulista logrou, em 1989, aprovar
uma lei na Assemblia Legislativa que aumentava o
ICMS em 1%, com objetivo de criar uma fonte cons-
tante e livre para aplicao em habitao popular.
Isto permitiu que a Companhia Habitacional Estadual
(CDHU) elaborasse uma poltica prpria, abrangendo
programas, mecanismos de comercializao e formas
de subsdios prprios. Os recursos oriundos do ICMS
tm permitido desde ento um aporte constante e
extremamente significativo para a produo de ha-
bitaes de interesse social naquele estado. Basta ver
que os gastos oramentrios nessa rubrica passaram
de R$ 167 milhes, em 1988, para mais de R$ 400
milhes em 1994 (Arretche, 2000, p. 107-109).
Alm do estado de So Paulo, tambm o Cea-
r, nas administraes Tasso e Ciro, utilizou primor-
dialmente verbas oramentrias para financiamento
de sua poltica de habitao popular com formato
institucional prprio e s margens das agncias fede-
rais, lanando mo dos recursos do FGTS apenas de
forma suplementar. Ainda assim, no se pode afirmar
que se tenha constitudo no estado do Cear um Sis-
tema Estadual de Habitao, dado que no se registra
a institucionalizao de recursos fiscais que garan-
tam um fluxo contnuo de oferta de bens (Arretche,
2000, p. 118).
Ao longo da dcada de 1990, a maioria dos es-
tados optou por manter sua dependncia de fontes
federais, ainda que muitos desses programas nacio-
nais tenham ganhado na esfera estadual nomes fanta-
-
30
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
sia, como estratgia de vrios governos para angariar
maior legitimidade poltica em suas respectivas po-
pulaes (Azevedo, 1996). Entre esses, alguns poucos
estados como foi o caso, entre outros, da Bahia, Per-
nambuco e Paran conseguiram, por diferentes mo-
tivos, angariar vultosos repasses do governo federal,
distintamente da maior parte das administraes es-
taduais, que, em virtude de questes endgenas, no
logrou captar recursos relevantes, como ocorreu, por
exemplo, com o Rio Grande do Sul (Arretche, 2000).
Deve ser ressaltado que, alm de programas fe-
derais e estaduais, h uma tendncia ao surgimento
de um sem-nmero de programas de mbito local,
para esta faixa de menor renda, abrangendo desde a
construo de conjuntos, reurbanizao de reas de-
gradadas, mutiro e lotes urbanizados (Pnud, 1996). A
crise fiscal do Estado, especialmente nos mbitos fe-
deral e estadual, e a conseqente diminuio de ver-
bas para as necessidades habitacionais, aliadas a um
contexto democrtico que amplia a presso popular,
acarretaram um processo difuso e no planejado de
descentralizao, que poderamos chamar de uma
municipalizao selvagem da poltica habitacional
para os setores de menor renda ou, como preferem
Adauto e Luiz Csar, de uma descentralizao por
ausncia (Cardoso e Ribeiro, 1999).
Esses programas podem apresentar diversas
vertentes e envolver diferentes agncias, esferas de
governo e mesmo Organizaes No-Governamen-
tais, bem como priorizar projetos tradicionais (cons-
truo de conjuntos) ou programas alternativos cls-
sicos: autoconstruo, mutiro, legalizao de lotes,
urbanizao de favelas etc.
As dificuldades de se realizar atualmente um
balano geral sobre a ao municipal na rea habi-
tacional no Brasil decorrem da amplitude dessa in-
terveno, da diversidade de programas, da carncia
de informaes e das distintas metodologias empre-
gadas nas diversas pesquisas realizadas, o que nem
sempre possibilita a comparabilidade dessas experi-
ncias. Apesar disso, os estudos j realizados explici-
tam no s diversos constrangimentos, mas tambm
potencialidades e impactos no negligenciveis des-
ses programas.
No que diz respeito aos constrangimentos,
para parte da literatura especializada, ainda que em
determinadas circunstncias essas aes possam at
vir a ter um impacto relevante, na maioria dos casos,
a dependncia de verbas oramentrias e a inexis-
tncia de fontes de recursos especficos e constan-
tes pressupem a sujeio dessas iniciativas s prio-
ridades conjunturais do governo. Por no possuir o
controle sobre verbas ou fundos especiais e por seu
carter distributivo, esses programas tenderiam a se
transformar a mdio prazo em um poo sem fun-
do, em que os recursos so sempre muito inferiores
s demandas. Alm disso, com o passar do tempo, a
disputa com outros programas sociais por dotaes
oramentrias possivelmente se tornaria constante e
acirrada (Azevedo, 1996).
A enorme clientela potencial dessas iniciativas,
aliada escassez e no previsibilidade de recursos, e,
-
31
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
em muitos casos, falta de critrios bem definidos de
prioridades, favoreceria o surgimento de prticas de
favoritismo e de clientelismo poltico. Assim, embora
a lgica de alocao desses recursos possa ser bastan-
te variada, o fator de legitimao poltica e de apoio
eleitoral tende a ter grande importncia na definio
da populao-alvo desses programas, na maioria dos
casos pontuais e/ou intermitentes e vinculados a
uma determinada administrao. Mesmo tratando-se
de bens escassos e de impacto pouco significativo
para a maioria da populao pobre dos respectivos
municpios, esse modelo teria a capacidade de criar
forte expectativa nos setores populares. No por
outro motivo que, nas ltimas campanhas eleitorais
municipais, muitos candidatos venham usando o so-
nho da casa prpria como uma das bandeiras para
lograr apoio popular (Azevedo, 1996).
No que se refere s potencialidades desses
programas municipais, desenvolvidos especialmente
nos anos 1990, estudos recentes tm demonstrado
as grandes possibilidades de inovao institucional
e de adaptabilidade s idiossincrasias locais. Em ou-
tras palavras, essas iniciativas tm funcionado como
um grande laboratrio que permite a socializao
de inmeras experincias bem-sucedidas, muitas das
quais premiadas internacionalmente (Bonduki, 1996;
Souza, 1997).
Alm disso, pesquisa recente envolvendo 45
cidades grandes e mdias nas diferentes regies do
pas revelou que em muitas delas o impacto dessas
aes est longe de poder ser considerado despre-
zvel para o pblico-alvo das polticas habitacionais
implementadas. Assim, do ponto de vista da origem
dos recursos utilizados, os municpios foram respon-
sveis, de forma autnoma, pelo financiamento de
aes que beneficiaram cerca de 37% das famlias, e
participaram do financiamento de outros programas,
que beneficiaram cerca de 21% das famlias (Cardo-
so e Ribeiro, 1999, p. 17. Grifo nosso). Em outras pala-
vras, nas cidades estudadas, em mdia, quase 60% das
famlias atendidas por projetos habitacionais tiveram
algum tipo de aporte oriundo dos cofres municipais,
e mais de um tero delas foi atendido exclusivamen-
te com recursos oramentrios dos governos locais.
Essa mesma pesquisa revela diferenas signifi-
cativas entre as vrias regies do pas. Nesse sentido,
o Nordeste, que apresenta um quadro de carncias
mais dramtico, justamente onde se localizam as
piores performances, em comparao s cidades do
Sul regio em que os municpios apresentam situa-
o financeira relativamente mais confortvel e onde
se pde constatar, em mdia, um melhor desempe-
nho. Segundo os pesquisadores, seria possvel supor
que esse diferencial
diz respeito, por um lado, ao volume de recur-
sos financeiros, tcnicos e administrativos
que esses municpios dispem para fazer face
s suas necessidades; por outro lado, no caso
do Nordeste, tambm conseqncia da cul-
tura poltica local, onde as prticas clientelistas
esto mais enraizadas no cotidiano e corres-
pondem a mecanismos ainda no superados
de reproduo do poder, a nvel local. (Ibid.)
-
32
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
No que concerne ao Nordeste, essa anlise basea-
da na cultura poltica local acaba sendo matizada
pelos prprios autores, quando afirmam encontrar
fortes similaridades em municpios metropolitanos
do Sudeste.
Outro fator que merece destaque diz respei-
to importncia da questo institucional, pois foi
constatada uma forte correlao entre a existncia
de estruturas administrativas mais sofisticadas (Co-
hab, rgos de planejamento, secretarias de habi-
tao, instrumentos de poltica urbana etc.) e um
melhor desempenho na rea habitacional. Ressal-
te-se, particularmente, a importncia da legislao
sobre as conhecidas reas Especiais de Interesse
Social, que foram responsveis por importantes
avanos na regularizao fundiria, permitindo
que considervel contigente de setores de baixa
renda se incorporasse cidade legal (Cardoso e
Ribeiro, 1999).
A poltica do novo governo seria a de estabe-
lecer parcerias com os estados federados e, especial-
mente, com os municpios envolvendo a partici-
pao de setores organizados da sociedade , como
forma tanto de democratizar o processo de acesso
casa prpria aumentando sua transparncia e
colaborando para minimizar as prticas clientelistas
tradicionais (Cardoso, 2003) quanto de dinamizar
a produo da habitao popular e a urbanizao e
regularizao fundiria de assentamentos precrios
(vilas, favelas e bairros clandestinos etc.).
5. Posfcio: guisa de concluso
A partir da ascenso do governo Lula e da cria-
o do Ministrio das Cidades, um cenrio baseado
na aproximao institucional da poltica urbana (lato
sensu), habitacional, de saneamento e de transporte,
com caractersticas de polticas regulatrias centra-
lizadas, buscando envolver as trs esferas de gover-
no, possibilitou avanos significativos nos primeiros
trinta meses de governo. Ressalte-se que a proposta
do Ministrio das Cidades apresenta desde o incio
do governo apoio de atores relevantes: possua de-
fensores nas burocracias estaduais (Associao Bra-
sileira de Cohab; Frum Nacional de Secretrios de
Habitao) e em setores organizados da populao
civil (Frum Nacional de Reforma Urbana, Movimen-
to Nacional de Luta pela Moradia, Frente Nacional
do Saneamento, movimentos voltados para trans-
porte pblico urbano de passageiros, alm de redes
voltadas para equacionar a governana metropolita-
na), estes ltimos aliados de longa data dos partidos
hegemnicos na coalizo governamental e, portanto,
com poder de presso no desprezvel sobre a atual
administrao federal.
O Ministrio capitaneado por Olvio Dutra,
tendo como secretria executiva Ermnia Maricato,
conseguiu recrutar tanto nos quadros efetivos da
Administrao federal quanto nos de outras institui-
es pblicas e universidades do pas uma equipe
extremamente qualificada. Apesar das idiossincrasias
das diferentes reas e de frices decorrentes das es-
pecificidades das lideranas das diversas diretorias, a
cpula ministerial, por meio de um trabalho de co-
-
33
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
ordenao interna apoiado por inmeros semin-
rios envolvendo entidades da sociedade organizada
de vocao urbana e especialistas e consultores de
diversas tendncias , logrou aparar arestas e avanar
em propostas de regulao de polticas essenciais
para as cidades brasileiras. Alm disso, percebendo
que muitas dessas polticas transcendiam o Minist-
rio, envidou-se para envolver no s outras agncias
e Ministrios que apresentavam fortes interfaces com
as aes em curso, como tambm buscou integrar
outros nveis de governo, sempre com a participao
dos diferentes movimentos urbanos.
Em relao Habitao, esse tema passou a
receber uma viso mais holstica levando em conta
no s a construo de novas moradias, mas tambm
issues, que, por vezes, so at mais importante para
enfrentar a questo do habitat, como regularizao
fundiria, saneamento, infra-estrutura, transporte p-
blico, entre outros.
Como lembra Ermnia Maricato (Maricato, 2005),
nos 30 meses da gesto do Ministro Olvio Dutra, entre
os diversos xitos alcanados, podem-se ressaltar:
1. Nova poltica nacional de habitao: mudana de paradigma
Aps longa ausncia, o novo Sistema Nacional
de Habitao inclui o mercado privado (para ampliar
a oferta para a classe mdia) e a habitao de inte-
resse social. O novo marco regulatrio e a nova es-
trutura sero complementados pelo Fundo Nacional
de Habitao de Interesse Social (FNHIS) e o Sistema
Nacional de Habitao de Interesse Social (SNHIS)
previstos na Lei Federal 11.124/2005, aprovada no
Congresso Nacional aps 13 anos de tramitao. A
tese perseguida para a mudana de paradigma na
rea de habitao a seguinte:
a) buscar segurana jurdica e ampliar recursos
financeiros para o mercado privado de moradias para
a classe mdia. Dessa forma, espera-se que a classe m-
dia no dispute recursos federais com as faixas de bai-
xa renda, como aconteceu nos governos anteriores;
b) ampliar os recursos e dar prioridade de in-
vestimentos que esto sob gesto federal e nacional
para as faixas de rendas mais baixas (92% do dficit
habitacional est situado abaixo de cinco salrios m-
nimos). Dessa forma, espera-se conter o crescimento
das favelas e das ocupaes urbanas ilegais.
2. Ampliao dos recursos federais e nova orientao para o enfrentamento da questo habitacional
Com recursos geridos pelo governo federal,
em 2003 e 2004 foram contratados R$ 10,7 bilhes
para atender a 760 mil famlias com imveis novos e
usados, aquisio de material para construo, refor-
mas de moradia e urbanizao de favelas. Em 2005, as
metas de contratao so atender a 640 mil famlias
com a aplicao de R$ 10,6 bilhes.
Enquanto a aplicao dos recursos sob gesto
federal estava fortalecendo a concentrao da renda
no pas, j que a maior parte deles era dirigida para
as faixas de renda situadas acima de cinco salrios
mnimos, a atual administrao priorizou os inves-
-
34
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
timentos pblicos subsidiados abaixo dessa faixa,
em que se encontra 92% do dficit habitacional.
A mudana normativa nos programas habi-
tacionais federais (PSH, PAR), a criao de novos
programas (PCS, PEHP) e uma resoluo aprova-
da pelo Conselho Curador do FGTS (Resoluo
460/2005) permitiram ampliar os recursos de sub-
sdios para baixa renda.
Pela primeira vez o governo federal atuou ativa-
mente na questo da regularizao fundiria. O novo
programa j deu incio a processos para fornecer a
documentao do imvel habitacional para mais de
500 mil famlias de baixa renda moradoras de assen-
tamentos informais situados em 26 estados, em espe-
cial nas 11 maiores metrpoles brasileiras. O Minis-
trio das Cidades fez convnio com a Associao dos
Notrios e Registradores do Brasil (Anoreg) para o
registro gratuito de moradias sociais regularizadas.
3. Proposta de uma poltica nacional do sanea-mento ambiental e ampliao dos investimentos
A ausncia de regras no setor, que inviabiliza
investimentos pblicos e privados, pode ter um fim
com o Plano do Saneamento Ambiental, que aguar-
da votao no Congresso Nacional. O Plano institui
a obrigatoriedade de planos, metas, indicadores e
transparncia para a gesto. Esse instrumento no
inviabiliza as empresas estaduais, mas fixa deveres
e obrigaes para os titulares do servio. Essa pro-
posta, debatida em 11 audincias pblicas em todo o
pas, pretende proporcionar um horizonte sustent-
vel para o desenvolvimento do setor.
Convm assinalar que pela primeira vez o Mi-
nistrio das Cidades, em parceria com os Ministrios
da Sade, do Meio Ambiente e da Integrao Nacio-
nal, investiu em 2003 e 2004 uma soma indita de R$
6,1 bilhes de reais (gua esgoto, resduos slidos e
drenagem) integrando e racionalizando os diversos
programas.
A abertura de financiamentos com recursos do
FGTS mostra uma reverso de orientao em relao
aos governos anteriores, pois em apenas dois anos
(2003/2004) se investiu um montante de recursos
quase igual ao alocado entre 1995 e 2002 (Maricato,
2005, p. 1).
Tambm de forma inovadora, a seleo de pro-
jetos obedeceu a chamamento pblico via internet, e
a escolha das propostas ocorreu via pontuao com
critrios divulgados publicamente.
4. Campanha nacional sobre o Plano Diretor Participativo
Mais de 1.700 municpios aqueles com mais
de 20 mil habitantes e os metropolitanos de qual-
quer porte esto obrigados a elaborar seus planos
diretores at outubro de 2006, de acordo com o Es-
tatuto da Cidade. O Ministrio das Cidades, nos pri-
meiros 30 meses do governo Lula, conseguiu apoiar
diretamente um nmero no-desprezvel de munic-
pios nessa ao, seja por meio de financiamento (370
municpios), seja por meio de cursos de capacitao
s equipes (173).
A Campanha Nacional Plano Diretor Parti-
cipativo, coordenada pelo Ministrio das Cidades,
-
35
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
j conta com 25 ncleos estaduais formados por
gestores pblicos, tcnicos, lideranas sociais, uni-
versidades, parlamentares, promotores pblicos e
empresrios, abrangendo aproximadamente 900
municpios brasileiros.
5. Marco regulatrio da mobilidade, dos trans-portes coletivos e trnsito
As diretrizes da Poltica Nacional de Mobilida-
de e Transporte foram aprovadas no Conselho das Ci-
dades, e est em andamento a definio de um marco
regulatrio para o setor. As leis que tratam da acessi-
bilidade para idosos e portadores de deficincia fo-
ram regulamentadas, e uma parceria entre o Minist-
rio das Cidades e diversas entidades governamentais
e no-governamentais busca sua implementao.
Quanto preveno de acidentes no trnsito,
foram ministrados 47 cursos de capacitao para 5 mil
tcnicos de trnsito pertencentes a 400 municpios. A
resoluo 168 do Contran determinou a realizao de
cursos de habilitao para 25 milhes de condutores.
Essas medidas visam diminuir os acidentes de trnsi-
to, que matam aproximadamente 40 mil pessoas por
ano e incapacitam outras centenas de milhares.
6. Poltica nacional de desenvolvimento urbano com participao democrtica
Considerando a dimenso e a diversidade re-
gional e urbana do pas e considerando ainda o pou-
co conhecimento social acumulado sobre a poltica
urbana (ou o pouco conhecimento acumulado sobre
a participao social em polticas pblicas), o Mi-
nistrio das Cidades enfrentou dificuldades para
lograr uma participao democrtica ampla na de-
finio da Poltica Nacional de Desenvolvimento
Urbano (PNDU).
Em 2003, a Conferncia Nacional das Cidades
definiu as diretrizes e prioridades da Poltica Ur-
bana Brasileira. Participaram do processo de cons-
truo da Conferncia mais de 3.400 municpios e
26 estados da Federao. Os 2.800 delegados que
participaram da Conferncia Nacional, em Braslia,
foram eleitos nessas Conferncias Municipais e Es-
taduais, que alm de representantes de rgos do
poder executivo dos governos estaduais e munici-
pais de vocao urbana, das cmaras de vereadores,
das assemblias legislativas e das universidades e
centros de pesquisas possuam, majoritariamente,
representantes de entidades da sociedade organiza-
da, como, entre outras, ONGs, movimentos sociais,
associaes reivindicativas de polticas setoriais,
sindicatos e associaes profissionais.
A I Conferncia Nacional das Cidades (CNC)
elegeu o Conselho das Cidades, que conta com re-
presentantes de todos os segmentos supracitados.
Esse Conselho aprovou, em 18 meses de vida, as
principais aes e polticas definidas pelo Minist-
rio das Cidades.
Em relao II CNC, as conferncias munici-
pais ocorreram nos meses de junho e julho de 2005.
As conferncias estaduais devem ocorrer em agosto,
setembro e outubro, e a Conferncia Nacional est
-
36
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
programada para o ms de novembro, em Braslia.
Em suma, apesar das fragilidades enfrentadas
pela Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano,
que se prope envolver os trs mbitos de governo,
com o pressuposto de uma relao federativa de co-
operao ainda longe de ser uma realidade , o Mi-
nistrio das Cidades, por sua atuao nos primeiros
30 meses da gesto de Olvio Dutra, no pode, de
modo algum, ser qualificado de inoperante e pouco
objetivo, como tentou caracteriz-lo parte da mdia e
de setores aliados do prprio governo.
A ironia da histria que a citada administra-
o priorizou o enfrentamento de polticas regula-
trias, extremamente estratgicas a mdio e longo
prazo para melhorar a qualidade de vida e conferir
maior justia social s cidades brasileiras, mas que
no guardam uma relao simtrica com o calend-
rio poltico e eleitoral de curto prazo. E, alm disso,
causa espanto que mesmo os numerosos avanos de
aes concretas na rea de habitao e saneamento
no tenham sido devidamente capitalizados e divul-
gados pelo governo.
A explicao para esse fato pode ser debitada
relutncia do ncleo duro do governo em aceitar a
priorizao das atividades do Ministrio em relao
s demais polticas do governo federal.
A crise poltica que se abateu sobre o governo
e sua base de sustentao parlamentar e social, em
funo da torrente de denncias e da comprovao
de atos de corrupo ativa e passiva envolvendo r-
gos governamentais, parte da cpula do Partido dos
Trabalhadores e alguns partidos aliados, fragilizou
fortemente a administrao do presidente Lula.
Sem entrar na discusso do mrito e da efic-
cia das diversas iniciativas de defesa tomadas por
um governo acuado, uma delas foi tentar recompor
ou pelo menos minimizar a perda de sua base par-
lamentar, atravs de uma minirreforma ministerial.
No rol dessas iniciativas, o Ministrio das Cidades
foi oferecido a um partido conservador, aliado de
segunda hora, cabendo ao presidente da Cmara in-
dicar uma pessoa de sua confiana para ocupar o
cargo de ministro.
A nova administrao do Ministrio, prevale-
cendo o comportamento dos primeiros meses dessa
segunda gesto, deve priorizar as polticas habitacio-
nais distributivas, por meio de relaes tte--tte
com governadores e prefeitos, que acarretaro, en-
tre outros efeitos discutveis, a diminuio do papel
ativo da Caixa Econmica Federal nas polticas de
habitao popular, inclusive no que diz respeito
utilizao de critrios universalistas e explcitos na
definio de prioridades para alocao de recursos.
Tambm so provveis a supresso ou a desa-
celerao das aes voltadas para a discusso, a ela-
borao, a aprovao parlamentar e a implementao
de polticas regulatrias recorrentes e complementa-
res, agenda que marcou os primeiros 30 meses da
gesto do ministro Olvio Dutra, com apoio explci-
to de instituies, associaes profissionais, ONGs e
movimentos sociais, alm de parlamentares, tcnicos
e pesquisadores que vm atuando nas ltimas dca-
das na rea urbana.
-
37
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
Referncias
ARRETCHE, Marta. Interveno do Estado e o Setor Privado: o modelo brasileiro de poltica habitacional.
Trabalho apresentado no colquio Socits et Politiques dAjustement dans les Economies Semi-industriali-
ses, Amiens, Frana, dez. 1990.
__________. Estado Federativo e Polticas Sociais: determinantes da descentralizao. Rio de Janeiro:
Revan; So Paulo: Fapesp, 2000.
ASCHER, F.; LUCAS, C. LIndustrie du Btiment: des forces productives librer. Economie et Politique, n.
236, Paris, 1974.
AZEVEDO, Sergio de; ANDRADE, Luis A. Gama. Habitao e Poder: da Fundao da Casa Popular ao Banco
Nacional da Habitao. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.
AZEVEDO, Sergio de. Poltica de Habitao Popular e Subdesenvolvimento: dilemas, desafios e perspectivas.
In: DINIZ, Eli. (Org.). Polticas Pblicas para reas Urbanas: dilemas e alternativas. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1982.
__________. Vinte e Dois Anos de Poltica de Habitao Popular (1064-1986): criao, trajetria e extino do
BNH. RAP, Revista de Administrao Pblica, Rio de Janeiro, n. 4, out./dez. 1988.
__________. A Trajetria dos Programas Alternativos de Habitao Popular no Brasil. RAM, Revista de Admi-
nistrao Municipal, Rio de Janeiro, v. 195, Ano XXXVII, abr./jun. 1990.
__________. Planejamento, Cidades e Democracia: reflexes sobre o papel dos governos locais nos anos 90.
In: DINIZ, Eli; LOPES, Jos S. L.; PRADI, Reginaldo. (Org.). O Brasil no Rastro da Crise. So Paulo: Anpocs/
Ipea/Hucitec, 1994.
__________. A Crise da Poltica Habitacional: dilemas e perspectivas para o final dos anos 90. In: RIBEIRO, Luiz
Cesar de Queiroz; AZEVEDO, Sergio de. (Org.). A Questo da Moradia nas Grandes Cidades: da Poltica
Habitacional Reforma Urbana. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 1996.
-
38
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
BANCO MUNDIAL. Informe sobre el Desarrollo Mundial 1994. Infraestructura y Desarrollo. Indicadores del
Desarrollo Mundial, Washington, D.C., 1994.
BNH, Banco Nacional da Habitao. Departamento de Planejamento e Anlise de Custos, DPLAC, Rio de Janei-
ro, 1982.
BONDUKI, Nabil. Habitat: as prticas bem-sucedidas em habitao, meio ambiente e gesto urbana nas cida-
des brasileiras. So Paulo: Studio Nobel, 1996.
CARDOSO, Adauto Lcio; RIBEIRO, Luiz Cesar Queiroz de. (Org.). A Municipalizao das Polticas Habi-
tacionais: uma avaliao das experincias recentes (1993-1996). Rio de Janeiro: Ippur/UFRJ; Fase, abr. 1999.
(Relatrio de Pesquisa).
CARDOSO, Adauto Lcio. Poltica Habitacional no Brasil. Revista Proposta, Rio de Janeiro: Fase, n. 95, fev. 2003.
CAIXA, Caixa Econmica Federal. Programas com recursos do FGTS e do OGU (Setor Pblico), Belo Hori-
zonte, 2000.
CEPAL, Comisso Econmica para a Amrica Latina (Naes Unidas). Amrica Latina y el Caribe: stock de vi-
viendas y estimacin de dficit cuantitativo y cualitativo. Santiago: Instituto Latinoamericano de Planificacin
Econmica e Social (Ilpes), 1993.
COHN, Amlia. Gastos Sociais e Polticas Sociais nos anos 90: a persistncia do padro histrico de proteo
social brasileiro. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, GT, Estrutura Social e Desigualdade, XXIV., 2000, Petr-
polis. Anais..., Petrpolis, out. 2000.
FIBGE, Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Censos Demogrficos. 1980; 1991; 2000.
__________. Pesquisa Nacional de Amostra por Domiclio (Pnad) de 1995. 1995.
FONELLE, Regis; RAMOS, Lauro. Income distribution in Brazil. Rio de Janeiro: Pontifcia Universidade Catlica,
Departamento de Economia, 1992. (Texto para Discusso n. 288).
GUIMARES, B. M. Las Favelas en Belo Horizonte y La Accin del Gobierno: tendencias y desafios. Tra-
balho apresentado no Congrs International sur lHabitat, Montral, Canad, 1992.
-
39
Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias
LACERDA, Cristina Silveira de. A incorporao imobiliria para os setores de baixa classe mdia em
Belo Horizonte. Belo Horizonte, 1998. (Monografia de Especializao em Planejamento Urbano) Escola de
Arquitetura de UFMG, Belo Horizonte. 1998.
MARICATO, Ermnia. (Org). A Produo Capitalista da Casa (e da Cidade) no Brasil Industrial. So Pau-
lo: Alfa-Omega, 1979.
__________. Metrpole na Periferia do Capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violncia. So Paulo: Huci-
tec, 1996.
__________. Balano de 30 Meses de Governo. Ministrio das Cidades, Governo Federal. Braslia. 2005.
MEDICE, Andr; AGUNE, Antonio. Desigualdades regionais na dcada de 80: o Brasil no mais o mesmo?
In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, Grupo de Trabalho de Polticas Pblicas, 18., 1994, Caxambu. Anais...,
Caxambu, nov. 1994.
MELO, Marcus Andr Barreto Campelo. Classe, Burocracia e Intermediao de Interesse na Formao
da Poltica de Habitao. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, XII., 1988, guas de So Pedro, So Paulo.
Anais..., guas de So Pedro, out. 1988.
__________. Explicando a Formao de Polticas: atores, interesses, agendas e a anlise da poltica habita-
cional. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, XIV., 1990, Caxambu. Anais..., Caxambu, out. 1990.
ODONNEL, Guilhermo. Sobre o Estado, a democratizao e alguns problemas conceituais. Novos Estudos
Cebrap, So Paulo, n. 36, p. 123-146, jul. 1993.
PNUD, Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento. Relatrio sobre o Desenvolvimento Humano
no Brasil 1996. Braslia: Pnud/Ipea, 1996.
PRADO, Eleutrio da Silva; PELIN, Eli Roberto. Moradia no Brasil: reflexes sobre o problema habitacional
brasileiro. So Paulo: Ed. CBMN (Companhia Brasileira de Metalurgia e Minerao); Fipe (Fundao Instituto
de Pesquisas Econmicas), 1993.
-
40
Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX
REIS, Fbio W. Consolidao Democrtica e Construo do Estado: notas introdutrias e uma tese. In: REIS,
Fbio W.; ODONNEL, G. (Org.). A Democracia no Brasil: dilemas e perspectivas. So Paulo: Vrtice, 1988.
RIBEIRO, LUIZ Cessar de Queiroz; AZEVEDO, Sergio de. A Produo da Moradia nas Grandes Cidades Brasilei-
ras: dinmica e impasses. In: __________. (Org.). A Questo da Moradia nas grandes Cidades: da Poltica
Habitacional Reforma Urbana. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 1996.
ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei: legislao, poltica urbana e territrios na cidade de So Paulo. So Paulo:
Studio Nobel; Fapesp, 1997.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Razes da Desordem. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.
SCHVASBERG, Benny. Atores em Movimento na Disputa Territorial do FGTS nos anos 90: Estado, espao social
e planejamento em transformao. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, V., 1993, Belo Horizonte. Anais...,
Belo Horizonte, 1993.
SEAC, Secretaria Especial de Ao Comunitria. Administrao Central. Braslia, ago. 1988.
SEPURB, Secretaria de Poltica Urbana. Poltica Nacional de Habitao. Ministrio do Planejamento e Ora-
mento. Braslia, 1996a.
__________. Contexto da Poltica de Habitao. Ministrio do Planejamento e Oramento. Braslia, 1996b.
__________. Secretaria de Poltica Urbana. Principais Aes em Habitao (1995-1999). Ministrio do Pla-
nejamento e Oramento, Braslia, 1996c.
SMADU, Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano. Plano Diretor da Cidade. Prefeitura