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ISSN 1679-4214

CPGravura – IA / Unicamp novembro 2003 número 2

Artigos

Henrique M-S Luise Weiss

Ensaio de imagens

Amir Brito Cador André de Miranda

Lygia Arcuri Eluf Marcio Périgo

Entrevista

Armando Sobral, por Roberto Shwafaty

Documentos e Bibliografia

Seleção Bibliográfica

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cadernos de [gravura] ISSN 1679-4214 no 2, novembro de 2003 www.iar.unicamp.br/cpgravura/cadernosdegravura © Centro de Pesquisa em Gravura (CPGravura), Instituto de Artes, UNICAMP, 2003

Editora responsável: Paula Almozara Secretária: Valéria de Souza Cruz Revisão: Maria Alice da Cruz Paula (Monotipias: algumas considerações, Luise Weiss). Demais textos sob responsabilidade dos autores Layout: Paula Almozara Conselho Científico: Luise Weiss Lygia Arcuri Eluf Márcio Périgo Marco Francesco Buti Paulo Mugayar Kühl Universidade Estadual de Campinas Prof. Dr. Carlos Henrique de Brito Cruz Reitor Instituto de Artes Prof. Dr. José Roberto Zan Diretor CPGravura – Centro de Pesquisa em Gravura Profa. Dra. Lygia Arcuri Eluf Coordenadora Artigos, imagens, textos (com fontes e documentos) e resenhas para publicação devem ser enviados ao CPGravura e serão submetidos ao Conselho Científico; se aceitos, serão publicados nos próximos números. Endereço para correspondência: CPGravura – Instituto de Artes Departamento de Artes Plásticas Cidade Universitária “Zeferino Vaz” C.P. 6159 – CEP 13083-970 Campinas - SP - Brasil fax: (19) 3788-7827 e-mail: [email protected] IMPORTANTE O material aqui publicado é de propriedade intelectual de seus autores. A impressão da revista e sua distribuição, para fins acadêmicos, estão autorizadas e devem ser gratuitas; citações para fins acadêmicos estão autorizadas, desde que mencionada a fonte. As opiniões emitidas pelos autores são de sua exclusiva responsabilidade, não expressando necessariamente a opinião do Centro de Pesquisa em Gravura do Instituto de Artes da Unicamp.

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[editorial] No segundo número dos cadernos de [gravura] apresentamos trabalhos dos artistas e professores responsáveis pelas disciplinas de gravura do Departamento de Artes Plásticas do Instituto de Artes da Unicamp e do Centro de Pesquisa em Gravura da Unicamp: Luise Weiss, Marcio Périgo e Lygia Eluf. Também neste caderno encontramos os trabalhos de dois jovens pesquisadores e artistas: Amir Brito Cador e Henrique Marques-Samÿn. André de Miranda mostra imagens de seu trabalho com linóleo com um texto de apresentação da gravadora Anna Carolina Albernaz. Na seção de documentos e bibliografia realizamos uma primeira e pequena seleção bibliográfica, com referências sobre: ilustração, técnicas de gravura, história do livro, artistas gravadores etc.

Paula Almozara

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[sumário] cadernos de [gravura], no 2, novembro de 2003

artigos

HENRIQUE MARQUES-SAMŸN. A Modernidade na Pedra: representações do Fin-de-Siècle em litografias francesas do fim do século XIX

5

LUISE WEISS. Monotipias: algumas considerações 19

ensaio de imagens

AMIR BRITO CADOR. Mutus Liber 24

ANDRÉ DE MIRANDA. Reino misterioso do inconsciente 28

LYGIA ARCURI ELUF. Terra à vista 36

MARCIO PÉRIGO. Vigilar e ter uma leve esperança de idéias tangentes

44

entrevista

ARMANDO SOBRAL por Roberto Shwafaty 48

documentos e bibliografia

SELEÇÃO BIBLIOGRÁFICA 1 51

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[artigo]

A Modernidade na Pedra: representações do Fin-de-Siècle em litografias francesas do fim do século XIX

Henrique Marques-Samÿn

Bacharel em Filosofia, pós-graduando em Filosofia da Arte e Psicologia Social. Ensaísta, tem textos publicados sobre arte e cultura em várias revistas e periódicos. Colunista de fotografia nas revistas Fotosite e Moda Almanaque; editor, com a jornalista Laura Cánepa, da revista Anfiguri.

Resumo O presente artigo é um ensaio sobre representações de aspectos sociais e culturais do período histórico conhecido como fin de siècle (ou seja: o fim do século XIX) em litografias francesas do século XIX. Apresenta-se uma contextualização histórica do período mencionado, bem como análises sobre litografias de Eugène Grasset, Toulouse-Lautrec, Guydo e Honoré Daumier.

Abstract This article is an essay on representations of the historical period known as fin de siècle in french lithographs of the 19th. Century. Are analised some graphics of artists as Eugène Grasset, Toulouse-Lautrec and Honoré Daumier.

I. Introdução

“Glorificar a vagabundagem e o que se pode chamar o boemismo.” Charles Baudelaire, Meu coração desnudado

Este artigo pretende analisar algumas litografias francesas do fim do

século XIX, a fim de expor como nelas encontravam-se presentes representações de aspectos sócio-culturais característicos do Fin-de-Siècle. Começo com uma contextualização histórica do momento aqui abordado, concedendo especial atenção à idéia de decadência então em voga. A seguir, mostro as diferentes formas como os artistas reagiram ao ambiente niilista: alguns, criando uma arte inspirada em outros tempos, portadora de franco idealismo, como como os medievalistas ou os adeptos do japonesismo; outros, mergulhando no hedonismo e na decadénce, criando uma arte expressiva destas formas de vida. Analiso obras de Eugène Grasset, que curiosamente desenvolveu gravuras portadoras de referências para as duas citadas vertentes; Toulouse-Lautrec, Honoré Daumier e Guydo.

II. Fin de Siècle e Decadénce

Em seu estudo sobre a França da virada do século XIX para o XX, o historiador Eugen Weber dedica, sintomaticamente, várias das páginas iniciais ao estudo da noção de decadência. Embora seja esta uma idéia há muito conhecida pela humanidade, neste período ela adquire facetas muito peculiares – e particularmente próximas da vida cotidiana. Já desde a época da Revolução Francesa, era comum a crença de que vivia-se em uma época de decadência: preguiça, falta de bom gosto e excesso de capricho eram vistos como sintomas de uma sociedade que seguia o caminho para baixo sem sequer olhar para trás.

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Como bem percebeu contemporaneamente o sociólogo Emile Durkheim, a sociedade francesa vivia uma profunda crise moral. As gerações francesas mais antigas haviam vivido nada menos que duas significativas derrotas militares, em 1814-5 e 1870-1; várias formas de solidariedade haviam ruído junto com os valores que haviam sido abandonados – notavelmente, os valores religiosos. Ademais, houve o súbito crescimento das cidades: no início do século, Paris era a única cidade com mais de cem mil habitantes; em 1911, quinze cidades atingem este patamar, além de emergir um novo tipo de aglomeração urbana – a periferia. Este crescimento urbano foi acompanhado por toda a série de problemas decorrentes da industrialização: a divisão de trabalho industrial e os conflitos entre o empresariado e a classe operária. Por isso o termo Belle Époque utilizado como referência a esta época traz em si, como nota o sociólogo Renato Ortiz, um sentido nostálgico, “algo como um passado áureo perdido para sempre”1.

Tudo isso ajudou a disseminar a crença de que a época vivia uma franca decadência. Duas matrizes amplificaram esta percepção: de um lado, a vulgarização da teoria de Darwin, que concedeu um certo sentido hereditário ao elitismo social – “não se tratava simplesmente de os homens não serem iguais, mas de as desigualdades serem hereditárias. Não era o mérito, mas um elitismo predeterminado que traçava os destinos dos homens e das sociedades. Então para que se esforçar?”2 – ; de outro, a popularização, a partir da década de 1840, de estudos sociais que documentavam e dramatizavam a miséria e suas causas patológicas: a doença e o crime. A vida moderna, nas cidades, era responsabilizada pela deterioração física e psíquica. Em 1908, em um debate na Câmara, Louis Gérard-Varet falou em “uma espécie de neurastenia coletiva”, “um desarranjo da consciência coletiva” que o novo ritmo urbano suscitava em seus cidadãos3.

No entanto, os efeitos que esta sensação de inevitável decadência tiveram nos cidadãos mostraram-se diversos. Para alguns, tratava-se de uma falência social completa: o aumento da criminalidade, com o requinte do surgimento de novas modalidades de crime, como os ataques com ácido; a multiplicação de bares, com o conseqüente aumento do consumo de álcool; a impotência da força policial – que, não bastasse sua incompetência, ainda era mal vista pela população. Alguns buscaram outras formas alternativas de lidar com esta atualidade que parecia caminhar para o vazio: muitos encontraram saídas na idealização – medievalista ou orientalista. Outros decidiram render-se à sensação de inevitabilidade, o que teve como efeito uma aceitação de tal destino. Para estes, a vida transformou-se em uma espécie de afirmação da decadência: o vício tornou-se objeto de glorificação; o desregrado hedonismo, forma inevitável de existência. A inversão de valores a tal ponto chegou que, como nota Weber, a corrupção foi expurgada de todo o seu sentido negativo ou destrutivo; transfigurou-se em vivência redentora, caminho para a “transcendência da mediocridade sufocante das convenções de todos os dias” 4.

Estas duas saídas, como logo veremos, às variações artísticas presentes na Art Nouveau: de um lado, o chamado “Japonesismo” (ou “Japonismo”) e o Medievalismo, em verdade herdado da tendência Pré-Rafaelita; de outro, a exaltação da transgressão e do decadentismo. No entanto, antes de mergulharmos neste exame mais detido destas tendências, cabe compreender mais detidamente o papel da arte na modernidade – precisamente o momento histórico acerca do qual trata este ensaio.

1 Cf. Ortiz 1991: 52. 2 Weber 1988: 32. 3 Apud id. 4 Cf. ibid.: 26.

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III. Arte e modernidade

O conceito de modernidade – modernité – foi introduzido por Charles Baudelaire em sua obra “O pintor da vida moderna”. A modernité é caracterizada tanto como uma qualidade da vida moderna quanto como objeto de uma experiência artística particular; em um e em outro, é fundamental o papel da novidade, a nouveauté – na época, recentemente feita parte da vida cotidiana. Penso que há franca relação disto com a nova experiência moderna do consumo, que não existia no Antigo Regime na acepção que possui na modernidade. Em épocas anteriores, o vestuário e os acessórios pessoais faziam parte de uma escala hierárquica; traziam consigo a função simbólica de distinguir a nobreza; eram uma das formas de expressão do status ocupado pelos nobres no Estado. Mas isso muda com o decreto de 8 brumário ano II, de 1793 – onde se estabelece que nenhum cidadão ou cidadã poderá ser obrigado a vestir-se de uma forma particular: “cada um é livre de usar as roupas de seu sexo, que lhe convém”5. Com isso, abrem-se as portas para que a burguesia crie suas próprias normas, seus próprios princípios estéticos e códigos de vestuário; em outras palavras, nasce a moda – e, com ela, o consumo moderno. As magasins de nouveautés são importante produto destes novos tempos. Surgindo na década de 1830, são locais onde se encontram à venda todos os objetos e acessórios que podem ser comprados, organizados em seções e balcões específicos, e que logo começam a publicar nos jornais suas ofertas especiais. Não há mais roupas e acessórios padronizados; tudo agora visa ser diferente e inovador, ocupando um local singular no mercado. Quando, no início do século XX, surgirem os grands magasins, tudo isso será ampliado para uma escala monumental, movimentando mais de cem milhões de francos anualmente. Mas qual é o lugar do artista nessa nova sociedade? Para Baudelaire, o papel do artista é precisamente o de capturar o efêmero, a contingente novidade do presente. Como afirma em “O pintor da vida moderna”, o artista deve ser capaz de acompanhar a velocidade da modernidade em sua constante atualização; deve tomar como objeto a transitoriedade do momento e todas as “sugestões de eternidade” que nele existem6.

Há deste modo presente a exigência de uma contemporaneidade do artista. Se a vida moderna é transitória e efêmera, se gira em torno da incessante irrupção de nouveautés, é função do artista acompanhar este ritmo: seus passos devem acompanhar esta acelerada marcha. Essa inserção do artista no mundo em que habita foi objeto da reflexão de Georg Simmel, que encontrou a essência da modernidade precisamente nessa experiência e interpretação do mundo em uma esfera psicológica; quer dizer: a modernidade é uma forma particular da experiência vivida, que se dá nesta relação recíproca entre a “vida interior” e o mundo no qual se habita. E a arte é justamente a forma de expressão humana que pode capturar e dar forma à fluidez destas experiências interiores. Eis porque a arte moderna assiste ao fim do naturalismo: porque não mais pretende ser verdadeira em relação ao mundo, quer dizer, não é dele que tira sua referência, nem é para ele que pretende se afirmar como verdadeira. Por outro lado: a referência para a arte, na modernidade, é a própria interioridade humana. Daí Simmel afirmar que a arte moderna “não apenas possui a verdade, ela é a verdade”7.

A Art Nouveau representa uma primeira manifestação artística desta nova relação entre o homem e seu tempo justamente por não se limitar a ser um movimento na esfera artística; mas sim uma afirmação integrada, que se dá não só no campo das artes, mas que é simultaneamente a expressão de uma nova forma de vida. A Art Nouveau não estava apenas nas telas, mas no mundo de

5 Apud Ortiz ibid.: 129. 6 Cf. Frisby 1986: 16-7. 7 Apud ibid.: 47. Tradução minha.

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todos aqueles que a abraçaram. Estava em vasos, casas, móveis, talheres. Pensemos nas casas de Victor Horta, nos vasos de Auguste e Antonin Daum, nas mobílias de Eugène Vallin ou Charles Mackintosh. Não era preciso ir às galerias para contemplar a Art Nouveau; vivia-se dentro dela e rodeado por ela.

Sintomaticamente, não houve sequer uma variação artística relacionada à Art Nouveau que não fosse a legítima expressão de um ethos, de uma forma de vida. Aqueles que pintavam cenas dos Caf’concs, os cafés-concerto como o Moulin Rouge ou o Eldorado, estavam pintando suas próprias vidas, e em certa medida fazendo uma apologia desta – havia ali uma defesa de valores, uma afirmação axiológica. Da mesma forma, os Pré-Rafaelitas estavam, em suas telas, a defender os valores sobre os quais edificavam suas próprias vidas. Aprofundarei estes pontos com algumas análises sobre diferentes litografias deste período, que classificarei, de maneira ampla, em duas vertentes – idealista e hedonista – que identifico a atitudes diante daquela situação história.

IV. O Idealismo: Orientalismo e Medievalismo

O niilista ambiente da França do fin de siècle era, sem dúvida, fértil terreno para idealismos de toda a espécie. Não à toa, assistiu a um verdadeiro florescimento de seitas esotéricas e doutrinas do gênero; podemos até mesmo encontrar uma intitulada “Decadência Cristã” entre as “religiões” que surgiram na época. Isso pode parecer paradoxal, se pensarmos que o século XIX assistiu a tantos progressos tecnológicos; no entanto, as coisas não eram assim tão mutuamente excludentes. Ao menos para os que viviam naquele contexto, não parecia muito difícil resolver tais contradições. Charles Richet, professor da Sorbonne e cientista de renome na área médica, publicou um prefácio em um tratado de Metapsíquica de oitocentas páginas, em que pretendia colocar em um mesmo plano as pesquisas sobre ciência, física, botânica, patologia e paranormalidade; Alfred Russel Wallace tornou-se defensor das doutrinas de M. H. Rivail, vulgo Allan Kardec; Sir Oliver Lodge participou da fundação de uma Sociedade Britânica de Pesquisa Científica8.

Em Paris, assistia-se a (mais um) reflorescimento dos movimentos rosacrucianistas. O historiador Christopher McIntosh considerou Joséphin Péladan, um dos participantes deste renascimento, “uma personagem que encarnou tudo quanto era excêntrico e fin de siècle”. Depois de haver trabalhado como empregado em bancos, passou a nomear-se Sar Mérodack Péladan (sendo Sar um título assírio de nobreza e Mérodack o deus caldeu associado a Júpiter) e começou a desfilar pelos cafés de Montmartre, ora com hábito de monje, ora com um gibão com calções de veludo rendados. Quando fundou, em 1890, sua Ordem da Rosa Cruz Católica – cujas reuniões eram realizadas em seu apartamento na Rue Notre-Dame-des-Champs, onde Péladan oficiava vestido em um traje de monge com uma cruz rosada no peito – , começou a organizar exposições de arte com temas esotéricos e católicos, na qual não era admitido nada de naturalista ou experimental; e que eram freqüentadas por gente como Gustave Moreau e Georges Rouault9, além de garbosas damas vestidas à la néophyte, costumes martyre e saias “fantasmagóricas” feitas de seda Liberty. Estamos, afinal, a falar de uma sociedade onde os teatros encenavam peças pretensamente místicas (Péladan jurou haver reencontrado duas peças de Ésquilo, além de ser autor de Babylone, que considerava “uma tragédia wagneriana em quatro atos”); Sarah

8 Apud Weber: ibid.: 48-9. 9 McIntosh : 111-4.

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Bernhardt recitava o mistério da Paixão no Cirque d’Hiver10, e Erik Satie era fundador de uma certa Igreja Metropolitana da Arte de Jesus, o Regente11.

Não é possível falar no idealismo da Art Nouveau de modo satisfatório sem referir o movimento Pré-Rafaelita – ainda que, em meio a tantas excentricidades, a obsessão medievalista dos Pré-Rafaelitas possa até mesmo parecer um tanto quanto ingênua. A Confraria Pré-Rafaelita tem ultimamente sido lembrada apenas como um movimento artístico anti-acadêmico, um combate aos cânones que limitavam-se a reproduzir os princípios estabelecidos por Rafael. No entanto, o movimento é muito mais rico que isso. O grande teórico do Pré-Rafaelismo, John Ruskin, fora um seguidor das idéias de Augustin Pugin – este, um arquiteto católico de cuja pena surgiu, na primeira metade do século XIX, uma série de livros defendendo um retorno da arquitetura aos princípios medievais. Ruskin deu seguimento à missão de Pugin. Nascido em família rica, pôde dedicar seus anos de juventude a viagens através da Europa, nas quais defendeu a adoção, contemporaneamente, dos princípios arquitetônicos medievais. E tudo isto culmina em 1848, com a fundação da Confraria dos Pré-Rafaelitas.

É preciso dizer que, a princípio, Ruskin – autor dos principais textos teóricos do movimento – rechaçou veementemente que houvesse relações entre o Pré-Rafaelismo e o medievalismo. Mas tal recusa tinha sua razão de ser: nesta época, estava em moda o Romanismo, uma espécie de mania artística que tomava como modelo a arte Românica. No entanto, o tom dos discursos mudaria mais tarde; não que Ruskin aceitasse qualquer vinculação com o Romanismo; porém, estabeleceria uma franca relação com um outro tipo de medievalismo – na verdade, uma construção idealizada do que seria a arte medieval. A argumentação de Ruskin é elaborada: acusa Rafael de ser o autor de uma ruptura entre a arte e religião, referindo os afrescos rafaelitas que mostram Cristo presidindo o mundo teológico, enquanto Apolo preside o mundo da poesia; e utiliza, como referência para sua idéia de medievalismo, “um tempo em que as convenções da arte harmoniosamente incorporavam a devoção religiosa”12. Em um ponto mais extremo, Ruskin chega a comparar Rafael a Lúcifer. Rafael, consoante o pintor pré-rafaelita, foi o inaugurador de uma estética espúria, que sacrificou a verdade em nome do orgulho. E o argumento de Ruskin adquire matizes ainda mais religiosas quando afirma que Rafael serviu “à ímpia luxúria do Vaticano”, que espalhou um veneno que infectou milhões de cristãos13.

Julguei pertinente fazer esta breve apresentação do Pré-Rafaelismo para chegar ao ponto crucial: o fato de que, escapando às limitações de um movimento exclusivamente artístico, havia ali a pretensão de realizar uma legítima reforma social. Tratava-se de um resgate de princípios, valores e ideais. William Morris, a grande ponte entre o movimento Pré-Rafaelita e a Art Nouveau, enfatizará este aspecto social do movimento. Se Pugin pretendia duplicar os princípios da arte medieval – a ponto de desencadear um revivalismo do gótico –, Morris preocupa-se com uma espécie de atualização de um sentido artístico há muito esquecido: o resgate do elo entre arte e artesanato; o fim da cisão entre artes “maiores” e “menores”; a recuperação do personalismo da manufatura contra o padronizado produto industrializado. Ainda que as pretensões sociais de Ruskin estivessem destinadas ao fracasso, devido às imensas vantagens econômicas da produção industrial, suas propostas estéticas efetivamente obtiveram sucesso. Seus tecidos, ornamentados com motivos naturalistas estilizados, foram um sucesso comercial; o “jardim inglês” espalhou-se por toda a Europa; o domestic revival arquitetônico, inimigo da arquitetura do ferro, consolidou-se como tendência inovadora.

10 Cf. Weber: op. cit.: p. 48. 11 Cf. McIntosh: op. cit.: 114. 12 Leahy 1999 (tradução minha). 13 Ibid.

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A influência do Pré-Rafaelismo na Art Nouveau, portanto, é dupla: diz respeito tanto ao “medievalismo”, no tocante ao resgate do artesanato e na construção de uma nova arquitetura – pensemos na Escola de Nancy ou em Hector Guimard – , quanto no tocante à própria temática desenvolvida por alguns de seus representantes na pintura e na gravura. Eugène Grasset, suíço naturalizado francês, é virtualmente o maior representante da tendência medievalista na arte gráfica francesa. Sua litografia na capa do periódico simbolista La Plume, em um volume publicado em 1894, aliás dedicado à sua obra, apresenta temática de nítida relação com o Pré-Rafaelismo. Não apenas os costumes são medievalistas, como também a composição é dominada por linhas curvas e motivos que sugerem folhas e caules, em uma estilização geométrica que remete aos padrões ornamentais consagrados por Morris e seus afiliados.

Todavia, não era esta a única vertente idealista do período. Uma outra, mais antiga, ainda encontrava-se em voga, encontrando amplos desenvolvimentos: o Japonesismo, ou Japonismo – em verdade, apenas uma nova variação do orientalismo que já se fazia presente, desde há muito, na arte européia. Pode-se, a princípio, encarar este olhar para o Oriente como uma busca por nova inspiração artística; entretanto, afirmá-lo é recusar o fato de que, muitas vezes, o que há ali não é meramente uma influência técnica ou formal, mas apenas um circular em torno de imagens e estereótipos que tentam criar cenas “tipicamente orientais”. Nesta medida, estamos a falar de um orientalismo na acepção que ao termo foi dada por Edward Said – o Oriente como “uma idéia que tem uma história e uma tradição de pensamento, imagística e vocabulário que lhe deram realidade e presença no e para o Ocidente”14. Em outras palavras, a questão não é o Oriente tal e qual, mas enquanto uma criação ocidental baseada “no lugar especial ocupado pelo Oriente na experiência ocidental européia”15. As japonaiseries criadas pelos artistas europeus desta época obedecem inegavelmente a este princípio. Ainda que tomem as gravuras japonesas como modelos, ainda que muitos se tornem conhecidos como especialistas na criação desta arte”tipicamente japonesa”, suas obras na maior parte das vezes não passam de pastiches. É o caso da litografia de Guydo que ilustra o cartaz por este criado para divulgação do licor Amara Blanqui. A composição, pobre e trivial, reduz a rica bidimensionalidade das gravuras japonesas a uma construção óbvia e ingênua; ademais, o traço não possui a delicadeza e a graça características da obras japonesas nas quais certamente esta obra foi inspirada.

V. O Combate à Burguesia

As origens da estética antiburguesa devem ser buscadas já nas primeiras décadas do século XIX; tratava-se de uma mescla, como bem notou Dolf Oehler, de “uma profunda perplexidade diante da burguesia como fenômeno e uma ingenuidade romântica diante da função histórica da nova classe dominante”16. Na França, nota Arnold Hauser, a boêmia atravessou três fases: a romântica, constituída por jovens artistas e estudantes “em quem a oposição à sociedade dominante era usualmente fruto de uma mera exuberância e rebeldia juvenis”; a naturalista, “gente que se situava além das fronteiras da sociedade burguesa e cuja luta contra a burguesia era não um jogo animado, mas uma necessidade amarga”; e a impressionista, talvez melhor se definida como “’pós-naturalista”, formada por artistas que já formavam “uma horda de vagabundos e marginais... um grupo de desesperados, que rompem não só com a sociedade burguesa mas

14 Cf. Said 1990: 17. 15 Cf. ibid. p. 13. 16 Oehler 1997: 11.

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com toda a civilização européia” 17. São principalmente estes últimos os que nos interessam. São eles que, para fortalecer esta linha que os separa da sociedade burguesa, cuidam de glorificar ao extremo tudo o que sugere decadência, tudo o que vai de encontro às convenções burguesas.

Na década de 1880, surge uma multidão de excêntricas confrarias com nomes que sugerem marginalidade e mistificação – Hidropatas, Hirsutos, Incoerentes. A fundação de Le Décadent, na mesma época, sintetiza o espírito que impulsionava o nascimento de tão estranhas crias: “Religion, moeurs, justice, tout décade...” A sociedade se desintegra sob a ação corrosiva de uma civilização deliqüescente... refinamento de apetites, sensações, gosto, luxo, prazeres; neurose, histeria, hipnotismo, morfinomania, impostura científica, extremo schopenhaeurismo, esses são os sintomas premonitórios da evolução social”18. Lembremo-nos da anotação de Baudelaire em seu diário: “do ódio do povo à beleza”19!. Decerto que, para boa parte destes apocalípticos, os culpados por esta degenerescência da sociedade eram... os burgueses! Principalmente porque estes haviam se aproximado perigosamente de um terreno antes ocupado apenas por uns poucos escolhidos – como nota Eric Hobsbawm, “o desejo crescente da burguesia em acercar-se das artes multiplicou os candidatos em abraçá-las – estudantes de arte, aspirantes a escritores, etc. ... talvez houvesse na segunda metade do século entre 10 e 20 mil pessoas em Paris denominando-se a si mesmos de ‘artistas’”20. Se havia uma cisão que perpassava a sociedade nesta época, era aquela que a dividia entre “os burgueses” e “os artistas” – “e era através do culto ao belo que o artiste se afirmava contra os desmandos do bourgeois”21.

Eis, portanto, as raízes dos ferozes ataques desferidos pelos artistas contra a burguesia. As principais formas que tais golpes assumiram foram virulentos ataques contra o estilo de vida burguês – seus valores, sua rotina; e os meios utilizados para tal combate foram essencialmente aqueles que, permitindo ampla reprodução, acompanhavam o surgimento dos meios de comunicação de massa, notavelmente as litografias. Tomaremos como objeto de análise aqui duas obras que atacavam frontalmente as convenções amorosas da burguesia: uma litografia de 1840, de Honoré Daumier, que representa ironicamente a falência do casamento burguês – certamente muito anterior ao período aqui analisado, mas na qual já encontramos um ataque com o mesmo espírito que encontraremos nas obras do fin de siècle; e um cartaz de Toulouse-Lautrec que, ao exaltar os espetáculos dos Cafés-Concerto, simultaneamente atacava frontalmente a moral burguesa.

Como nota Dolf Oehler, já desde a primeira metade do século XIX era comum representar formas não-convencionais de relacionamentos amorosos como antíteses dos relacionamentos burgueses, e encontrar naquelas um conjunto de valores que nestes já não se encontravam presentes. Daí, por exemplo, a exaltação baudelairiana do amor entre as mulheres. “Somente Lesbos... faz desabrochar os sonhos de profunda delicadeza e paixão que não sobrevivem a uma noite sequer na heterossexualidade, sobretudo no casamento. No amor lésbico, confiança, intimidade, delicadeza, dedicação, paixão e volúpia, na relação sexual burguesa, insensibilidade, egoísmo, brutalidade, violência, terror e barbarismo”22. E esta ruína do casamento burguês é o que encontramos em As sabe-tudo, dos Costumes Conjugais de Daumier. A legenda da gravura (“Ah, quer dizer que você passou a noite no escritório?”); o marido acuado; a esposa pouco atraente e com ar de megera, os objetos partidos no chão – elementos do patético 17 Hauser 1994: 919-21. 18 Apud Weber ibid.: 36. 19 Baudelaire 1981: 94. 20 Hobsbawm 1979: 305-6. 21 Oehler ibid.: 13. 22 Apud ibid.: 248.

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cenário do “inferno conjugal”, mergulhado na mediocridade da rotina e na indiferença dos compromissos assumidos à força. Perfeita antítese, decerto, do festivo cenário que encontramos na gravura de Lautrec – que, aliás, adequa-se ainda mais à nossa análise por sintetizar praticamente tudo o que a boemia exaltava contra a burguesia. A lasciva abertura de pernas da dança de Louise Weber, sugestão de uma sexualidade intensa que permanecia distante dos frios lares burgueses (ou assim indubitavelmente acreditavam os boêmios); a apologia à vida de vício e excessos, dado que o apelido La Goulue com o qual a dançarina fora batizada fazia referência justamente à facilidade com que esvaziava taças de bebida no Moulin Rouge; e mesmo uma indireta referência ao amor não-convencional, já que era conhecido o fato de que Louise vivia com uma mulher – a gorducha Môme Fromage23. Se o casamento burguês habitava uma casa em ruínas, o palácio dos cafés-concerto era o refúgio onde ainda era possível viver de uma forma menos monótona...

Havia, no entanto, ainda uma outra trilha à disposição daqueles que haviam optado por habitar nestas niilistas paragens. Esta era, afinal, a época em que as drogas tinham entrado na moda, principalmente a partir de 1870, quando começaram a se tornar mais acessíveis. O haxixe, em voga desde tempos mais antigos, era o preferido dos “comedores de sonhos”; morangos embebidos em éter constituíam um requintado aperitivo, embora o éter também fosse consumido com conhaque e talvez injetado; a partir da década de 1880, a cocaína tornou-se de tal modo popular que Freud a usava até para “soltar a língua”24. Mas a preferida das mulheres, como vemos na gravura de Grasset Morphineuse, era a morfina. Tema de romances e poemas, amplamente utilizada em círculos elegantes, movia um comércio ao seu redor – eram fabricadas seringas especiais de prata banhadas ou folheadas a ouro para os mais requintados – e foi por Dumas Filho considerada “o absinto das mulheres”. Desta forma, a dama que vemos na litogravura de Grasset, ao injetar em sua coxa a adorada morfina, nada faz senão repetir um pequeno gesto em toda a grande celebração da Belle Époque – estes tempos em que, para muitos, o mundo parecia mergulhar no último abismo da degenerescência; mas que, para tantos outros, era uma época em que, mais que nunca, as emoções pareciam infinitas.

VI. Bibliografia Baudelaire, C. Meu coração desnudado. Trad. Aurélio Buarque de Holanda. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1981. Champigneulle, B. A “Art Nouveau”. Trad. Maria Jorge Viana. São Paulo: Verbo:

Edusp: 1976. Frisby, D. Fragments of modernity: studies in contemporany German social though.

Cambridge: MIT, 1986. Hobsbawm, E. A era do capital: 1848-1875. Trad. Luciano Costa Neto. 2a. ed. Rio

de Janeiro: Paz e Terra, 1979. Leahy, A. “Ruskin and the Pre-Raphaelites in the 1850s”. In: PaGes: Arts

Postgraduate Research in Progress. Vol. 6. University College Dublin, 1999. McIntosh, C. Os mistérios da Rosa-Cruz. Trad. Aydano Arruda. São Paulo:

IBRASA, 1987. Oehler, Dolf. Quadros parisienses (1830-1848): estética anti-burguesa em

Baudelaire, Daumier e Heine. Trad. José Macedo, Samuel Tintan Jr. São Paulo: Cia. das Letras, 1997.

Ortiz, R. Cultura e modernidade: a França no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1991.

23 Cf. Weber ibid.: 52. 24 Ibid.: 46.

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Said, E. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Trad. Tomás Bueno. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.

Weber, E. França fin-de-siècle. Trad. Rosaura Eichenberg. São Paulo: Cia. das Letras, 1988.

VII. Lista de Imagens Daumier, Honoré. As sabe-tudo. Litografia de Costumes conjugais. 1840. Grasset, Eugène Samuel. Morphineuse. Litografia de L’album d’estampes originales de la Galerie Vollard. 1897. Grasset, Eugène Samuel. Capa da revista La Plume. Litografia. 1894. Guydo. Cartaz para o licor “Amara Blanqui”. Litografia. 1893. Toulouse-Lautrec, Henri de. Au Moulin Rouge, La Goulue. Cartaz (litografia). 1892.

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Daumier, Honoré. As sabe-tudo. Litografia de Costumes conjugais. 1840.

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Grasset, Eugène Samuel. Capa da revista La Plume. Litografia. 1894.

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Grasset, Eugène Samuel. Morphineuse. Litografia de L’album d’estampes originales de la Galerie Vollard. 1897.

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Guydo. Cartaz para o licor “Amara Blanqui”. Litografia. 1893.

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Toulouse-Lautrec, Henri de. Au Moulin Rouge, La Goulue. Cartaz (litografia). 1892.

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[artigo]

Monotipias: algumas considerações

Luise Weiss Professora de Gravura do Departamento de Artes Plásticas da Unicamp e artista plástica com diversos prêmios e exposições coletivas e individuais.

Resumo Considerações sobre a monotipia, caracterizando-a como um procedimento rico em possibilidades que converge para um território experimental e híbrido. Abordagem de algumas questões técnicas e um pequeno relato sobre experiências pessoais.

A minha convivência com a monotipia ocorre tanto na prática do atelier como no ensino. Em ambas as situações, tenho desenvolvido projetos com a monotipia, refletindo e vivenciando questões relativas à linguagem expressiva da técnica. Afinal, o que é a monotipia? Onde ela se encaixa? Na gravura, na pintura...? São algumas perguntas que surgem ocasionalmente em aula. O fato de a monotipia ser utilizada freqüentemente - não a qualifica como material de uso exclusivo infantil, muito pelo contrário; trata-se de uma técnica rica em possibilidades: território com características híbridas, entre a pintura, o desenho e a gravura.

A questão a ser formulada seria então: como desenvolver um projeto artístico, rico, intensivo, com a monotipia? Como valorizar suas qualidades expressivas, antes de indagar a que território pertence?

Denomina-se monotipia uma placa sobre a qual uma imagem é executada com a tinta adequada. Esta imagem é impressa, tornando-se a cópia única, sendo impossível ser obtido novamente um exemplar igual. Desta maneira, a monotipia situa-se entre as áreas gráficas e o desenho (ou a pintura).

A monotipia, portanto, constitui-se de um processo híbrido, entre a pintura, o desenho e a gravura. Aproxima-se do gesto da pintura, da mancha de tinta, ou do traço, da linha; ao mesmo tempo possui características próprias da gravura, como a inversão da imagem. Apesar de o próprio nome esclarecer, mono (único) e tipia (impressão), ou seja, que se obtém de uma prova única, em alguns casos há a possibilidade de se conseguir mais de uma cópia, evidentemente cada vez mais tênue, mais clara, permanecendo apenas um "fantasma"/ vestígio da imagem.

Historicamente, a monotipia teve origem no século 17, com Giovanni Benedetto Castiglione (1616-1670), do qual foram preservadas algumas monotipias. Alguns artistas chegaram a utilizar monotipias em seus trabalhos, esporadicamente ou com maior freqüência, como foi o caso de Edgar Degas, que produziu uma série significativa de monotipias. Na gravura contemporânea, percebemos um novo impulso da monotipia, técnica simples, direta, poderia dizer até rudimentar, comparada aos avanços tecnológicos de outros recursos.

Esta impressão ou registro remete a gestos primordiais do homem, marcas que atravessaram os tempos, tornando-se tão atualizados, tão contemporâneos quanto a mão do homem pré-histórico gravada na caverna. Talvez seja este aspecto que atraia alguns artistas em relação à monotipia: gravar, "congelar" um gesto, uma idéia, uma emoção. De maneira rápida, fugaz, o

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"congelamento" de um momento, um instante transformado em mancha, linha, matéria.

Em relação às variações de monotipias, poder-se-ia dizer que um tipo se aproxima do traço, do desenho. A característica desta linha, ao observarmos suas qualidades físicas, constitui-se de linhas "aveludadas", linhas constituídas de infinitos pequenos pontos. Esta monotipia requer pouca tinta tipográfica, espalhada de maneira uniforme, com um rolo de impressão tipográfico sobre uma placa de vidro, acrílico, fórmica ou chapa metálica. A tinta tipográfica é espalhada uniformemente sobre a placa de vidro ou acrílico, utilizando-se para tal o rolo de impressão tipográfica. A folha de papel é colocada sobre a área entintada e, cuidando-se para não apoiar mãos e dedos sobre o papel, as linhas são traçadas, utilizando-se, para tal, uma ponta qualquer como o lápis, a caneta, uma ponta de madeira, o dedo, etc...

A folha é, em seguida erguida, surgindo, no verso do papel, a linha traçada, impressa com a camada fina de tinta. Percebe-se que, neste tipo de desenho, a mão deve ser conduzida com firmeza ou leveza, porém como a mão não pode ficar apoiada sobre a superfície do papel, tal gesto exige uma destreza da mão, um fluir de traços. Observando-se a qualidade física da linha monotípica, vê-se uma linha "pontilhada", o que caracteriza o traço típico da monotipia. Repetindo-se este procedimento várias vezes, a superfície da tinta tipográfica torna-se mais fina, possibilitando uma linha mais nítida, sem manchas e marcas paralelas. Estas manchas, marcas de dedos, etc podem ser observadas como vestígios da tinta na folha de papel; poderão até ser incorporadas eventualmente à produção das monotipias; porém, quando se tornam excessivas, atrapalham a visualidade da imagem.

Finalizada uma monotipia, e antes de iniciar-se outra, deve-se passar novamente o rolo de impressão, para apagar os vestígios da imagem anterior. Repetindo-se, assim, a operação, aos poucos, a superfície entintada ficará mais escassa, acrescentando-se mais tinta caso seja necessário.

Um outro tipo de monotipia aproxima-se mais da pintura, da mancha de cor, do gesto. Neste caso, a pintura será realizada com pincéis (ou outros recursos como retalhos de tecidos, pintura feita com dedos, etc...), sobre uma placa de vidro acrílico ou placa metálica. Há também outros materiais possíveis de serem utilizados como suportes: placas de off set, chapas de raio X, fórmica, acetatos, azulejos, etc.

Esta placa será coberta com a folha de papel e poderá ser impressa manualmente ou prensada. As tintas podem ser variadas; desde tinta a óleo, de secagem mais lenta, até tintas acrílicas, tintas suvinil, de esmalte, ou de secagem rápida. A escolha da tinta e de sua qualidade de secagem, seja fluidez ou mais compacta, também depende da intenção do projeto. Esta pintura sobre a placa poderá ser impressa novamente, sendo que a segunda ou a terceira impressão ficarão mais claras, a imagem torna-se gradativamente enfraquecida, assim como ocorre com um carimbo que se utiliza várias vezes, sem entintá-lo novamente. Algumas vezes, dependendo do tipo de tinta, torna-se possível imprimir pequenas seqüências de imagens, do preto ao branco. A questão do tempo interage com a monotipia. Na impressão, por exemplo, capta-se um traço, uma marca, um gesto impresso, enquanto a tinta ainda está molhada. Este momento é decisivo e único, talvez um dos fatores que mais atraem nas monotipias.

A rapidez das impressões, segundo características da técnica, agiliza o processo da produção das monotipias, entretanto, é também seu perigo. Efeitos rápidos, borrões e manchas que escorrem, podem produzir efeitos superficiais, repetitivos; "fragilidades" de um acaso superficial.

Talvez seja este um dos motivos pelos quais a monotipia, muitas vezes, ganha uma aparência casual, de mero efeito: posso produzir várias impressões em pouco tempo. E então, como fazer para que todas estas qualidades sejam valorizadas? O que fazer para que o processo monotípico ganhe força de

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expressão, indo além de mero efeito produzido? Como valorizar os efeitos, as manchas, as linhas aveludadas e o aspecto "impreciso" desta técnica?

Estas são perguntas que acompanham o ensino da gravura e também são pertinentes ao "fazer" artístico.

Com relação à questão temporal, inerente à técnica, há pesquisas de alguns artistas que utilizam processos de corrosão de materiais metálicos; por exemplo, substituindo a tinta pela oxidação dos materiais. Neste caso, o tempo opera como agente determinante.

Vestígios impressos, "acasos" incorporados; a monotipia vê-se entrelaçada com o tempo. Este aspecto é interessante e instigante: tornar visível, imprimindo o tempo e os gestos.

Seguem-se algumas considerações relativas às questões técnicas: as tintas, os suportes, as cores.

a) Tintas e Papéis São utilizadas usualmente tintas de secagem lenta, à base de óleo, como

a tinta tipográfica, tintas off-set, tintas a óleo, podendo variar desde camadas espessas, camadas grossas até camadas finas; tintas mais diluídas, ou mesmo misturadas à base transparente. Nestes casos, como a secagem é mais lenta, a elaboração da monotipia pode ser efetuada com mais demora, diferentemente do que ocorre quando a tinta utilizada é de secagem rápida, como no caso do guache, da aquarela ou mesmo da tinta acrílica.

Como a tinta, aos poucos, pode secar, aconselha-se deixar os papéis separados, já prontos para o uso, próximos da mesa entintada. Não há tempo para vacilações, não há tempo para recortar, separar ou procurar os papéis.

Outros pigmentos, como a têmpera, podem ser incorporados no processo das monotipias, abrindo-se aqui um território amplo de pesquisa e adaptação a diferentes projetos artísticos.

À variação de suportes (por exemplo, utiliza-se como suporte uma placa de vidro, acrílico, fórmica, chapas de raio X, azulejo, acetato, plástico duro) segue-se uma grande variação de papéis utilizados nas impressões: sulfite, canson, vergê, papéis manteiga, color-set ou color-plus, papéis opacos, transparentes, lisos ou com estampas, coloridos ou brancos, etc...; papéis artesanais, papéis de gráfica, papéis de arroz, etc... Uma variedade imensa de papéis para impressão está à disposição dos artistas, alguns inclusive imprimindo as monotipias em tecido ou tela, para em seguida retrabalhar estas imagens com tintas.

Moldes recortados ou "pochoir" (molde vazado), podem ser utilizados quando, por exemplo, desejo imprimir um detalhe com forma nítida e limpa, sem resíduos de tinta ou manchas ao lado.

b) Processos Subtrativos

Nas técnicas das "maneiras negras" (tanto na litografia como na calcografia), partindo-se de uma superfície negra, na qual, com a utilização de panos (retalhos), esponjas, pedaços de papéis, as áreas de luzes são retiradas, ou seja, abrem-se as áreas claras, utilizando-se, quando necessário, para tal, um pouco de solvente.

As chapas metálicas (ou de acrílico) são em seguida impressas na prensa, obtendo-se assim áreas de pretos mais intensos.

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c) Monotipias Coloridas

Há diversos procedimentos relativos ao uso da cor na monotipia, desde o aquarelar, colorir uma monotipia, até as mais diversas impressões coloridas, realizadas em várias etapas. Sucedem-se as cores, indo das mais claras às mais escuras, ou vice-versa, das camadas mais escuras às mais claras, acrescentando-se branco às cores.

A impressão das monotipias, pode ser feita de diversas formas: uma das possibilidades da monotipia policromática é realizar a própria pintura (sobre a placa de alumínio, acetato, etc...) com diversas cores, mesclando-as ou justapondo-as.

Um outro procedimento é a realização de diversas etapas de impressão, feita gradativamente, ou seja, deixando-se secar uma camada de tinta para sobrepor outra. As cores sobrepostas, simultaneamente, ainda úmidas, favorecem um tipo de resultado, que é diferente da impressão de uma cor sobreposta à outra, porém estando uma camada já seca.

O momento da impressão, quando levanta-se a folha de papel, possui um aspecto "mágico", ou seja, por mais que planeje, a visualização contém uma surpresa, um suspense: o que será que ficou impresso no papel? Ou então, como ficou a impressão? As crianças denominam muitas vezes a monotipia como "desenho surpresa", o que vale tanto para o público infanto-juvenil como o adulto. Evidentemente, existe um planejamento prévio. Não estamos nos referindo a um acaso qualquer, a uma situação caótica, mas antes, estamos num território no qual alguns improvisos convivem e são integrados ao projeto artístico.

Por mais que se planeje, na monotipia sempre ocorre um momento de suspense: o que ficou impresso no outro lado do papel? Como não necessita de ferramentas de corte (muitas vezes é considerada como uma técnica de "soltura da mão", ou seja, como exercício preliminar ou preparatório), aliada à rapidez de execução; muitas vezes, a monotipia é caracterizada como algo preliminar, uma experimentação, um treino apenas. Quando, porém, as características expressivas da técnica são incorporadas ao projeto, quando a rapidez da execução e a consistência da tinta são aproveitadas, então, a "simplicidade", o aspecto rudimentar da técnica tornam-se vitais ao projeto. Percebe-se, pois, uma técnica passível de muitas experimentações, desde os tipos de tintas aos tipos de suportes (uma chapa de raio X pode ser transformada em matriz de monotipias, assim como a experimentação de diversos tipos de papéis para impressões). Assim como em outros momentos, ocorre uma escolha de materiais, com os quais o artista identifica-se mais.

Saber tirar proveito do improviso, do acaso, torna-se fundamental à monotipia, e aqui reafirmo as questões: como incorporar os acasos na monotipia? Como fazer desta mancha ou desta linha uma força expressiva importante, ultrapassando a questão do exercício do improviso? São perguntas que me acompanharam, tanto na escolha do uso da monotipia em projetos artísticos pessoais, como em atividades didáticas nas universidades. Perceber como a intenção do artista se entrelaça à escolha técnica é importante, fundamental. Assim, percebo que a escolha não foi aleatória, motivada pelas "facilidades" da técnica, ou apenas pelos efeitos visuais.

Anexo aqui um pequeno relato, um comentário que anotei por ocasião da realização de uma série de retratos em 1997:

"No exercício das monotipias, que desenvolvo há mais tempo, esse processo de mixagem evidencia-se ainda mais: gestos expressivos, manchas, pinceladas somam-se a essa imagem inicial, do referente visual que é o retrato. Cópias das monotipias e matrizes foram guardadas, colocadas uma ao lado da outra, como num jogo: olhando para o espelho, quem vejo? Eu, ou a imagem refletida no outro? Na monotipia, esse trabalhar a imagem do retrato, ora mais calcado num clima expressivo intenso, ora mais ameno, traduz em gestos, na força da prensa, passando por cima do retrato pintado, a angústia do destino

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humano da qual também faço parte. Em cada gesto, em cada impressão, as perguntas são lançadas e traduzidas em linhas, manchas, traços ou pinceladas."

Sem dúvida, a monotipia (como qualquer outra técnica) estimula pesquisas em relação à consistência da tinta; da pressão da prensa (ou impressão manual), os tipos de papéis, os suportes, etc. O preparo destes elementos torna-se fundamental para orientar projetos de monotipias, aproveitando as qualidades da mesma, intercalando em tempos diferentes a impressão de gestos, traços e pinceladas.

Bibliografia Consultada:

WISNESKI, Kurt. Monotype/Monoprint, History and Techniques. New York: Bullbrier Press, 1995.

KOSCHATZKY, Walter. Die Kunst der Graphik. München: Deustcher Taschenbuch Verlag, 1997.

LINDEN, Fons van der. DuMont's Handbuch der Grafischen Techniken. Köln: DuMont Buchverlag, 1990.

DIDI- HUBERMAN, Georges. L'Empreinte. Paris: Centre Georges Pompidou, 1997.

ADHEMAR, Jean e CACHIN, Françoise. Degas, Gravures et Monotypes. Paris: Arts et Métiers Graphiques, 1972.

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[ensaio de imagem]

Amir Brito Cador São Paulo, 1976. Graduando em Artes Plásticas na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Este texto foi apresentado como parte do projeto de Iniciação Científica "A imagem e a Escrita" e contou com o apoio da Fapesp.

Mutus Liber

Esta gravura surgiu a partir de um desenho de observação feito em um caderno de folhas finas, um pouco transparentes. O Marcos, meu amigo, foi me visitar e eu aproveitei para desenhá-lo em duas folhas consecutivas do caderno enquanto ele folheava um livro. Em uma página fiz apenas as pernas cruzadas e o livro aberto apoiado no colo, deixando a cabeça e o tronco na página seguinte. Ao virar a página, acontece uma inversão do desenho, ficando uma parte de frente para outra.

Inicialmente, pensei em fazer uma gravura apenas, com o primeiro desenho, uma figura incompleta de pernas cruzadas. Comecei gravando como de costume, marcando um contorno com a goiva para depois remover o linóleo da parte circundante, deixando apenas as linhas grossas e irregulares formando um desenho. O material retirado seguindo um mesmo sentido criou linhas paralelas que dão movimento ao desenho, como se as pernas estivessem se cruzando indefinidamente. Para facilitar a remoção de uma parte maior da placa, utilizei uma serra tico-tico. A placa de linóleo foi recortada e o desenho apareceu como um quebra-cabeça, as três partes se encaixando para formar um retângulo, uma página. Daí veio a idéia de aproveitar as duas partes que restaram da matriz inicial para fazer outras gravuras com um formato irregular.

A gravura em linóleo oferece a resistência do material a ser vencida. Este embate é o que oferece a possibilidade de desenvolver um pensamento através das imagens, que é característico do meio escolhido. As marcas deixadas pelo linóleo evidenciam o gesto do gravador. Esta atitude e o seu registro se aproximam de um tipo de escrita, o que me faz lembrar do termo grego graphein, origem comum do desenho e da escrita.

Olhando para o caderno novamente, a imagem invertida sugeriu um leitor sendo refletido por um espelho. Para mim, uma imagem adquire significado pelo

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potencial que tem a ser desenvolvido, pela elaboração mental que permite depois de pronta, ela não se encerra em si mesma. A associação com o Mutus Liber, o livro mudo da alquimia, que o Marcos havia falado a respeito em outra ocasião, surgiu do ato de ler um livro em branco (um livro mudo) representado nesta gravura. Este livro é uma narrativa em imagens que mostra a transmutação da matéria, uma metáfora para a transformação espiritual do homem, que acontece através do autoconhecimento. Vejo o artista como uma espécie de demiurgo, que transforma a matéria de acordo com sua vontade, sendo também transformado neste processo.

É atribuída a Hermes Trismegisto (Thot para os egípcios) a criação da escrita, assim como da alquimia, da matemática, da medicina e da astrologia. Ler os sinais é fundamental em todas estas disciplinas.

"Ora, lê, lê, relê, trabalha e descobrirás". Esta é a única frase escrita do livro, que aparece inserida em uma imagem, como nas iluminuras medievais. Mesmo nas edições publicadas na França e na Alemanha aparece em latim. Preferi manter neste idioma, pois qualquer palavra escrita em um idioma desconhecido atrai o olhar pelo seu desenho. O latim acrescenta outra informação: era o idioma em que foi escrito o "Discurso do Método" de Descartes, obra que marca a cisão corpo-espírito, que se repete na divisão da figura em sua metade superior (cabeça-mente-espírito) e inferior (pernas, tronco, o sexo, o corpo).

As letras, ao serem gravadas, não foram todas invertidas como deveriam. Ao desenhá-las, escrevi da direita para a esquerda, como se escreve em árabe, mas ao invés da letra "g" gravei a letra equivalente ao "u" do alfabeto árabe. Preferi manter deste jeito, o acaso e os atos falhos fazem parte do processo, parte da obra.

Esta gravura foi realizada enquanto eu estudava a história da xilogravura e a história do livro, que caminharam paralelas até o início do século XX. A relação que se estabelece entre o olho e a obra é diferente da pintura. Pelas dimensões da gravura, ela foi feita para ter por perto, carregar consigo. É uma relação tátil: tocar com os olhos, ver com as mãos.

O formato retangular dos rolos e pergaminhos é algo que o olhar percorre, tem um sentido, uma direção. O espaço em branco, com as figuras dispostas lado a lado, permite uma leitura que avança em diversas direções. A imagem e o texto são integrados pela reflexão: o que o texto sugere é explicitado pela imagem refletida de uma pessoa lendo. O que ele vê? O livro aberto, em branco, o texto em latim no centro da folha ou ele olha para si mesmo? Ele parece ler, mas seus olhos estão fechados, o que remete à visão interior do Mestre Eckhart: " Nenhum homem pode ver Deus, a não ser que esteja cego".

Estudar as imagens em sua relação com os textos despertou o interesse pela história da leitura. Nos incunábulos, que marcam o início da xilogravura no Ocidente, a narrativa através de imagens tem um sentido didático, conta uma história com um determinado fim, deixar na memória uma cena conhecida, algo que instrua as pessoas como devem proceder. As imagens do Mutus Liber propõe uma narrativa ao mesmo tempo que negam, dizendo: "você só encontra aqui aquilo que é capaz de encontrar".

Eu aprendo com as imagens que crio, e a única lição que posso dar é esta: mostrar o caminho percorrido, afirmar esta possibilidade de prática da leitura.

Bibliografia BARTHES, Roland (trad. e posfácio de Leyla Perrone-Moises). Aula. São Paulo:

Cultrix, 1989. CARVALHO, José Jorge de (ensaio introdutório, comentários e notas). Mutus

Liber: o livro mudo da alquimia. São Paulo: Attar, 1995. CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: conversações com

Jean Lebrun. São Paulo : Ed. da UNESP, 1998.

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Amir Brito Cador Linóleo

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Amir Brito Cador Mutus Liber

Linóleo

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[ensaio de imagem]

André de Miranda Desenhista, pintor e gravador, considera-se autodidata, embora tenha estudado e freqüentado diversos ateliês de gravura, tendo aulas de xilo com Ciro Fernandes e Anna Carolina Albernaz, metal com Marcelo Frazão e Heloísa Pires Ferreira. Coordenou oficinas de Xilogravura em diversas cidades de MS, Rio e Porto Alegre. É membro Núcleo de Gravura do Rio Grande do Sul. Participou de diversas Bienais de gravura no exterior, além de inúmeras exposições individuais no Brasil e no mundo. Vive e trabalha na cidade do Rio de Janeiro. André de Miranda começou a estudar arte muito jovem, ainda adolescente. Com dezenove anos já participava da primeira exposição. Talentoso, sensível e interessado, André continuou estudando, enquanto seu trabalho ganhava qualidade e amadurecimento. Hoje (e já há bastante tempo) ele merecidamente ocupa lugar de destaque na arte contemporânea brasileira. Excelente desenhista, excelente gravador, excelente pintor, faz palestras e escreve artigos sobre arte, ilustra livros e jornais, além de ser professor de desenho e pintura. Com simplicidade ele me conta que continua estudando e pesquisando até hoje. Aprecio muito André e seu inspirado trabalho, de inquestionável valor. Sua obra é reconhecida através de exposições no Brasil e no exterior, e de participações em expressivos salões de arte nacionais e internacionais; mas aprecio também, e com imenso respeito, sua incondicional dedicação à arte, em tempo integral, fazendo dela a sua prioridade de vida. Quando penso nisso, me lembro de uma entrevista de Lygia Fagundes Teles, em que ela diz assim: "Só acredito em vocação e que vem a ser simplesmente a vontade de fazer isto e não aquilo. Cumprir essa vontade, obedecer a esse chamado é a alegria de se entregar a uma paixão: a destinação. O importante é ser feliz seguindo esse impulso. Esse chamado do amor" André de Miranda que ainda menino atendeu a esse chamado de amor, com toda a sua alma, tenho certeza, é um artista muito feliz.

Rio de Janeiro, primavera de 2001.

Anna Carolina Albernaz

gravadora

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Reino Misterioso do Inconsciente Livremente inventados, sem nenhuma derivação direta, tendo antes o caráter gráfico, meu pensamento está impregnado de adivinhações, mitos e mesmo visões, na procura da energia invisível da natureza e do universo, em linguagem determinada pela forma e pela composição: tensão entre a linha gravada e a estrutural. Interferência dinâmica da goiva e traços de puro grafismo. O lúdico nestas minhas gravuras é o signo do grande alvo sempre presente de dar uma direção estrutural. O desenho como território da confissão. Trata-se, pois, de trabalho no qual a figura-bicho se faz pela elaboração do construído, pelo interesse de desmistificar o processo, revelando-se como fruto e resultado de sua base estrutural. Assim, a inserção de pequenos sinais, sugere a idéia de movimento e provoca a dúvida à luminosidade do negro, a matéria como fruto da construção, gestual. Nesse território precioso da gravura - confissão e mistério, construo e reconstruo meu universo. Distancio das oscilações que alguns tentam impor à arte, porém, como qualquer mortal, chuvas e trovoadas, árvores, pedras e montanhas, compõe este meu mundo plástico. Toda gravura que eu crio tem sua origem numa experiência minha com a natureza, com a vida. Muito cedo via o ser humano como "feio"; o animal parecia-me mais belo, puro, mas também nele descobri tanta coisa feia, que minhas representações se tornaram instintivamente agressivas. Vivi por quatro anos em Três Lagoas, interior de Mato Grosso do Sul. Esta série relacionada aos animais foi desenvolvida neste período de minha vida. É uma região árida, mas de beleza fantástica e de um clima muito quente. São criaturas inspiradas nestes animais que vi, nos troncos retorcidos pelo calor, nas estórias que ouvia dos caboclos, mas na verdade, são criaturas do meu inconsciente, dos meus medos e na infinidade de animais que criamos internamente - energia primitiva. Do reino misterioso de minha vivência, surgem estes pequenos e intrigantes animalejos.

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"CAVALO DE AÇO" linoleogravura

15,5 X 20,5 cm 1996

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"GALINHA" linoleogravura 21 X 15,8 cm

1996

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"GALINHA LOUCA" linoleogravura

15 X 21 cm 1996

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"GALO MISTERIOSO" 15,7 X 21 cm

1996

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"DUAS IRMÃS" xilogravura

34,5 X 27 cm 2001

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"PICHULA" linoleogravura

20 X 16 cm 1999

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[ensaio de imagem]

Lygia Arcuri Eluf Professora de desenho e gravura do Departamento de Artes Plásticas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) desde 1990. Mestre e Doutora em Artes pela Universidade de São Paulo. Idealizadora e responsável pela implantação do Centro de Pesquisa em Gravura do IA/Unicamp.

Terra à Vista

Anotações As montanhas do Rio de Janeiro: esse era o pano de fundo para minhas novas investigações. Queria registrar aquele espaço ambíguo que existe entre as montanhas, o que as torna montanhas, o que se opõe ao céu. A luz que vinha do mar transformava a cor e impregnava tudo através do filtro da água. A linha que divide a montanha do céu vai sendo determinada pelo olhar a partir da observação (causa); os pontos de interesse são marcados, ora num desenho que privilegia a representação do real, ora num desenho que se aproxima da sensação; em algum momento essa linearidade é substituída pelo dois planos: o céu e a montanha (efeito). A construção da paisagem: processo - a observação e a contemplação: escolha do olhar - a linha: definição dos planos e formas

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- as cores: construção da matéria estrutura - a articulação individual e a relação entre céu e montanha - duas energias: a força da gravidade e a ausência de profundidade dimensões e verticalidade - o horizonte como realidade, como fato - a essência da escala no balanço não simétrico, na medida, no

caráter, no peso terra e ar - área estática (a montanha) x posição dinâmica (o céu) - a descrição dos movimentos ascendente e descendente A série Terra à vista, composta de vinte serigrafias impressas em vermelho e em azul é um dos resultados desse trabalho: a construção da cor se dá pôr camadas transparentes e a matéria se adensa como no processo da pintura à óleo. Essa série foi exposta em 2000, como parte das comemorações dos 500 anos de descobrimento do Brasil, em Portugal, na Fundação Convento da Orada, Monsaraz. Paisagem desconcertante, é o que me vejo 1. Matéria - A escolha do material determina a matéria: traduz significados e produz conhecimento /reflexão - A transgressão do material faz com com que diga exatamente o que você quer que ele diga: processo de transformação, que só existe pela ação poética. - Determino que a densidade do céu é construída pela luz e pelo movimento (a cor deverá se subjugar a isso e brahms no sexteto em si bemol maior, segundo movimento, andante ma moderato e na dramaticidade da manhã com a morte de um cachorro na estrada). 2. Cor - Procuro a medida exata entre as duas partes: o ar e a terra, entre os azuis e os vermelhos. - Construo um contraste cromático com amarelos rosados e os azuis esverdeados escuros. O vermelho como escolha final. 3. Forma - A simplificação da forma traduz o desenho da montanha e seus espaços entre; permite que a montanha contenha a matéria densa e imóvel e que o céu mantenha o movimento através da luz e da cor. - No desenho de observação as linhas e marcas registram as sensações físicas e tornam recorrente a paisagem (na tentativa de delimitar e controlar a natureza em sua pujante profusão de fenômenos). A origem do desejo de figurar está no desejo de dar figura ao desejo: ali vivemos a veemência do visível, o aparecer total exposto inteiro e aquilo que nem sequer ousávamos sonhar era o verdadeiro.

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Serigrafia 100 cm x 100 cm

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Serigrafia 100 cm x 100 cm

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Serigrafia 100 cm x 100 cm

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Serigrafia 100 cm x 100 cm

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Serigrafia 100 cm x 100 cm

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Serigrafia 100 cm x 100 cm

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[ensaio de imagem]

Marcio Périgo Gradua-se em comunicação Visual pela FAAP (São Paulo) em 1978. Cursa gravura em metal na FAAP em 1974 com Evandro Carlos Jardim. Mestre em Artes pela Unicamp em 2001.Realizou diversas exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior. É professor do Departamento de Artes Plásticas do IA-Unicamp e professor de gravura no Centro de Pesquisa em Gravura do IA-Unicamp.

Vigilar e ter uma leve esperança de idéias tangentes Trabalhamos com o olhar voltado para o lado oposto, para nós mesmos. No meio do fazer observamos, equilibrados em nossa memória a idéia. E então um ponto é feito e a procura para se chegar ao outor lado começa. Estes trabalhosforam iniciados há alguns anos atrás e para eles coloco a seguinte equação: matriz + multiplicação de

imagens . imagens

multiplicadas sem matrizes =

vento

ar

obra única matrizes potencialmente multiplicáveis :

matriz com imagens multiplicadas

. obra única com ação multiplicadora

matéria

pressão

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água 12,5 x 14,5 cm

buril e água tinta

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clavícula 24 cm x 11 cm

buril e água tinta

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paisagem 14 cm x 12,5 cm

água tinta e roulete

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[entrevista]

Armando Sobral Entrevista realizada por Roberto Shwafaty em 2000, como etapa do processo de pesquisa de uma Bolsa de Iniciação Científica da FAPESP, com foco em questões processuais e poéticas do universo da gravura. Título da pesquisa: Possibilidades da Gravura Contemporânea

Roberto Shwafaty Formado em artes plasticas pela unicamp 2000, desenvolve pesquisas ligadas à gravura, escultura e ao desenho. Pesquisador ligado ao Centro de Gravura da Unicamp, participa da mostra A gravura Vai bem obrigado (espaço Virgilio), Salao Revelação MAC Campinas 2002, DEZ 02, corredorgaleria, atelier Piratininga SP e premio Jovem Estampa, 1999, Havana CUBA.

Armando Sobral Gravador. Armando Sampaio Sobral (Belém PA 1963) conclui curso de graduação em artes plásticas pela Fundação Armando Álvares Penteado, Faap, São Paulo, em 1990. Nesse ano segue para Belém, onde participa de um projeto arte-educação coordenando o núcleo de artes plásticas e orientando cursos de desenho e gravura. Em 1992, retorna para São Paulo e freqüenta o Ateliê de Gravura da ECA/USP, coordenado por Evandro Carlos Jardim. Dedica-se principalmente à xilogravura e à gravura em metal - água-forte e ponta-seca. Desde 1994 integra, ao lado de Ernesto Bonato, Eliana Anghinah e Miguel Bonato, o grupo que funda o Atelier Piratininga, em São Paulo. Participa da Mostra de Gravura Cidade de Curitiba, Curitiba, 1994; Norwegian International Print Triennale, Fredrikstad, Noruega, 1995 e 1999; Salão Sesc de Gravura, na Galeria Sesc Copacabana, Rio de Janeiro, 1996 e 1998; Salão Paranaense, Curitiba, 1996 e 1997; International Triennial of Graphic Art, Praga, República Tcheca, 1998; Mostra Rio Gravura. São Paulo: gravura hoje, na Funarte, Rio de Janeiro, 1999; International Print Triennale Colour in Graphic Art, Cracóvia, 2000.

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Armando Sobral Ateliê Educativo do MASP

RS: Como ocorreu sua formação artística e quando você se aproxima da gravura ? Armando: Minha formação se deu na FAAP, entre os anos de 1986 e 1990. O primeiro contato com a gravura foi durante meu curso de Artes Plásticas e o que posso dizer desse período é que não dava continuidade às minhas experiências, preocupava-me apenas em pintar, desenhar, gravar, fazer instalações, tudo com muito prazer e sem o peso de querer ganhar o mercado. Pesquisava, estudava e fazia, era só. Vejo com certa reserva o que acontece hoje nas escolas; grupinhos em torno de alguns críticos que vão ensinar-lhes o caminho das pedras. O resultado é o que está aí, uma geração de artistas caóticos fazendo arte para a crítica, com uma produção insípida e incompreensível. Isso não deveria acontecer dentro da escola; ela é um espaço sagrado para a reflexão e a livre experimentação. É inevitável falar essas coisas, a memória é um dado muito presente e ativo. Mas voltando ao meu encontro com o Evandro Jardim em 87, foi de fato minha primeira aproximação com a gravura - encontro que dura até hoje. Sua disponibilidade em atender individualmente a todos aqueles que o procuravam é algo que trago comigo como princípio; sua forma educada e refinada contrastava - ele ainda é assim - com a sua crítica aguda e precisa, nada escapava aos seus olhos graúdos. Meu interesse pela gravura nasceu desse encontro. Tive aulas com o Nelson Leirner na faculdade e cheguei a freqüentar seu atelier com um grupo de colegas por alguns meses. Suas intervenções, na maioria das vezes, eram duras e difíceis, mas fundamentais para nos mantermos alertas e conscientes no desenvolvimento de nossos programas de trabalho. Durante a faculdade você vai tateando e construindo um olhar, que com o tempo se torna mais objetivo. RS: Como surgiu a atividade em ateliês coletivos, incluindo o ateliê Piratininga? Como essas experiências influenciaram seu trabalho? Armando: Na faculdade os ateliês são coletivos, o que não significa que exista entre os alunos uma vontade de agir coletivamente. Nossa formação nos ensina a competir e não a compartilhar; com isso, estabelecem-se as relações de poder nas conversas e, conseqüentemente, o distanciamento provocado pelo individualismo exacerbado. O hermetismo, produto desse individualismo, é bastante apreciado, hoje, nas escolas de arte e o resultado que vemos disto é a dimensão excessivamente pessoal do trabalho artístico. A faculdade foi importante para o desenvolvimento das minhas pesquisas; passava tardes inteiras trabalhando naqueles espaços vazios, quase ninguém fazia gravura fora dos horários das disciplinas. Quando saí da FAAP passei a freqüentar os ateliês públicos, trabalhei no Lazar Segall e na ECA. Na realidade, comecei a me dedicar à gravura em 92, após dois anos de formado. Retornei a São Paulo no final de 91, depois de passar um ano trabalhando em um projeto educacional em Belém. A primeira pessoa que procurei foi o Evandro, que ainda dava aula na ECA. Cheguei com uma chapa inteira de cobre e perguntei se podia trabalhar nas suas aulas... Comecei, então. Foi lá que conheci o Ernesto, a Giorgia, o Paulo e, mais tarde, a Eliana; desse grupo surgiu o Atelier Piratininga. Quando passei a trabalhar no galpão da alameda Barros, muitas questões já se encontravam em pleno desenvolvimento em meu trabalho. O que havia entre nós era uma admiração mútua que nos fortalecia e levava todos na mesma direção, mas quanto ao trabalho, éramos bem diferentes um do outro - e ainda somos. Não pretendo reforçar as diferenças, mas deixar claro que o Piratininga não aconteceu devido a afinidades de propostas estéticas - aqui deveria ouvir meus colegas - mas a partir da necessidade comum de dar suporte e de veicular nossa produção. Bom, esse foi o primeiro passo e quem está autorizado a contar sua história é o Ernesto Bonato. RS:Como você vê a questão do ensino, da veiculação do trabalho e da crítica e em seus diferentes níveis? Armando: Acho que já fiz alguns comentários a esse respeito. Ensino, mercado e crítica profissional não devem se misturar na escola. Ela, a escola, deve estar isenta do papel funcional de preparar a inserção do aluno no circuito. Essa interferência atrapalha na formação e segrega os "novos talentos" dos preteridos pela crítica, criando nichos e inviabilizando a troca de experiências entre indivíduos de uma mesma geração - é dessa convivência livre e fluente que surgem, de fato, os movimentos experimentais que renovam nossas bases. Beto: E as questões relacionadas ao desenho, seu pensamento plástico dentro dos meios escolhidos por você?

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Armando: Prefiro tentar responder a esta pergunta transcrevendo o fragmento de um texto que fiz para a exposição que apresentei no Museu de Arte Sacra de Belém. Na ocasião, mostrei um conjunto de seis xilogravuras de grandes dimensões baseadas em registros dos antigos açougues, que dependuravam as mantas de pirarucu (...) O que posso associar à memória, quando caminho hoje no antigo mercado, converte-se em alguma forma de representação - 'meu corpo é o que se desenha no centro dessas percepções; minha pessoa é o ser ao qual se devem relacionar tais ações. As coisas se esclarecem se vamos assim da periferia da representação ao centro. Tudo se obscurece, ao contrário, e os problemas se multiplicam, se pretendemos ir do centro à periferia, como fazem os teóricos' (Bergson)... busco a imagem que possa significar o que apreendo como continuidade e transmissão - certos hábitos, modos de proceder, sotaque, morada. Gravar as mantas tem sido uma forma de representar minha paisagem, de transmitir um determinado modo de viver e agir - o que entendo por ser contemporâneo. Quando inicio um trabalho não elejo os procedimentos a priori; mas em conformidade à matéria apreendida pelos sentidos, estabeleço o modo de operar. Dessa forma, a xilogravura, técnica que escolhi para realizar as 'Mantas', não é apenas um modo de fazer, mas, fundamentalmente, de pensar.

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[documentos e bibliografia]

Seleção bibliográfica [1]

Seleção bibliográfica sobre gravura ou obras que contenham alguma referência iconográfica e/ou técnica. O objetivo desta primeira série de seleção bibliográfica é demonstrar algumas opções oferecidas atualmente pelo mercado editorial.

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DE HUMANI CORPORIS FABRICA / EPITOME. TABULAE SEX / Andreas Vesalius de Bruxelas

Ilustrações dos trabalhos anatômicos, esboço biográfico de Vesalius, anotações e tradução do latim: J. B. DeC. M. Saunders e Charles D. O’Malley

Pedro Carlos Piantino Lemos (Tradutor) Maria Cristina Vilhena Carnevale (Tradutor)

Mais importante tratado de anatomia da história, ilustrado por Ticiano,

Campagnola, Kalkar e pelo próprio Vesalius. Os trabalhos estão reproduzidos segundo a edição fac-similar da Academia de Medicina de Nova Iorque e da Biblioteca da Universidade de Munique. Marco inicial da anatomia moderna,

constitui rico exemplo do espírito inovador dos homens da Renascença. Acompanha esboço biográfico do autor.

ISBN 85-268-0643-2

Co-Edição: Imprensa Oficial do Estado e Ateliê Editorial Fonte: Editora da Unicamp

INTRODUÇAO A GRAVURA E HISTORIA DA XILOGRAFIA Autor: COSTELLA, ANTONIO F.

Editora: MANTIQUEIRA

SOBRE O AUTOR: COSTELLA, ANTONIO F.

Lecionou na Universidade de São Paulo (Escola de Comunicações e Artes e Faculdade de Direito), na Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e em

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outras instituições de ensino universitário, inclusive na Europa. Atualmente dedica-se de modo integral à atividade de escritor. Tem 23 livros publicados, além de

centenas de artigos e ensaios. Seus livros são destinados a públicos distintos - Obras técnicas - utilizadas por estudiosos das áreas de comunicações e artes.

Envolvem legislação e história da comunicação, bem como história e prática de artes plásticas. Sem diminuir o rigor científico, Costella tem procurado escrever de

modo objetivo e claro, para facilitar ao leitor o entendimento de questões complexas. Nesse sentido, chegou mesmo a escrever um livro - 'Para apreciar a

arte', todo ele destinado a destruir o medo que as pessoas costumam ter com relação ao mundo da arte. Como escritor para o público geral, publicou o campeão

de vendas - 'Patas na Europa'. É o livro de viagem, no qual o narrador é o cão de Costella. Recentemente, Costella começou a escrever obras de literatura infanto-

juveni e, para este terceiro público, já tem quatro livros publicados. Fonte: Livraria Cultura

OFICINAS GRAVURA Autor: FAJARDO, ELIAS , SUSSEKIND, FELIPE , VALE, MARCOS DO

Editora: SENAC SAO PAULO

Informação fornecida pelo editor: 'Gravura' faz parte de um projeto maior, chamado Oficinas, cujo objetivo é incentivar o desenvolvimento da habilidade

pessoal, na área da produção artesanal, como uma possibilidade efetiva de trabalho. Mais do que um simples manual de artesanato, o livro conta como a técnica surgiu e sua evolução através da História, traçando um panorama dos movimentos mais significativos e seus principais nomes. Apresenta ainda uma descrição das diferentes técnicas e informações sobre os materiais utilizados,

recursos necessários para montagem de ateliês, com indicação de equipamentos e materiais básicos. Além das técnicas, o livro traz reproduções de gravuras de

diversos e consagrados artistas do Brasil e do mundo, e o depoimento de três destacados gravuristas brasileiros - Fayga Ostrower, Rubem Grilo e Adyr Botelho.

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ETCHING, ENGRAVING, AND OTHER INTAGLIO PRINTMAKING TECHNIQUES Autor: Ruth Leaf

Editora: Dover Publications ISBN: 048624721X

Ano: OCT-1984 Número de páginas: 232

Acabamento: Paperback

Resumo do conteúdo: Instruções detalhadamente ilustradas sobre gravura em metal, cologravura e outras técnicas. Dicas sobre ferramentas, materiais,

equipamentos, papéis e materiais de consumo, como vernizes, solventes etc.

THE COMPLETE PRINTMAKER: TECHNIQUES, TRADITIONS, INNOVATIONS Autores: John Ross, Clare Romano, Tim Ross

Editora: Free Press ISBN: 0029273722

Ano: APR-1991 Número de páginas: 352

Acabamento: Paperback

Segundo o editor este livro é o mais atual guia de processos de gravura no mercado hoje em dia.

Edição revisada, ampliada com 40 ilustrações em cores e 600 em preto e branco. O livro tem a pretensão de abranger todos os aspectos da gravura.

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THE COMPLETE BOOK OF SILK SCREEN PRINTING PRODUCTION Autor: Jacob I. Biegeleisen

Editora: Dover Publications

ISBN: 0486211002 Ano: JUN-1963

Edição: 0 Número de páginas: 253 Acabamento: Paperback

Sinopse fornecida pelo editor: Informações detalhadas sobre as ferramentas,

materiais e equipamentos básicos. Instruções sobre a realização de processos fotosensíveis e estêncil, realização de impressão em várias cores. Livro com 124

ilustrações.

PRINTS AND DRAWINGS OF KATHE KOLLWITZ Kathe Kollwitz

Editora: Dover Publications

ISBN: 0486221776 Número de páginas: 72

Acabamento: Paperback

Edição com gravuras e desenhos de Kathe Kollwitz

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no 2 - novembro de 2003 cadernos de [gravura] 56 páginas CPGRAVURA INFORMAÇÕES Este arquivo está em formato pdf, pela internet pode ser visto normalmente em seu navegador. Para facilitar a leitura posterior e impressão dos cadernos, é possível salvar o arquivo em seu computador. O tamanho do arquivo é de aproximadamente 2 MB, o tempo de download irá variar de acordo com o tipo de conexão. Imprimindo o arquivo: O formato de papel para impressão é A4, verifique se sua impressora está configurada para esse tamanho. A posição do papel deverá ser "retrato" Os arquivos contém imagens, que podem ser impressas com melhor qualidade dependendo do equipamento de impressão (impressora jato de tinta colorido) e se o papel utilizado for apropriado. IMPORTANTE O material aqui publicado é de propriedade intelectual de seus autores. A impressão da revista e sua distribuição, para fins acadêmicos, estão autorizadas e devem ser gratuitas; citações para fins acadêmicos estão autorizadas, desde que mencionada a fonte. NORMAS PARA PUBLICAÇÃO O download das normas de publicação poderá ser feito no site dos cadernos de [gravura] O material para publicação poderá ser enviado por e-mail para: [email protected] O material entregue será submetidos ao Conselho Científico; se aceitos, serão publicados nos próximos números Endereço para correspondência: CPGravura - Instituto de Artes Departamento de Artes Plásticas Cidade Universitária "Zeferino Vaz" C.P. 6159 - CEP 13083-970 Campinas - SP - Brasil fax: 19 - 3289 3140 e-mail: [email protected]


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