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Universidade de So Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - FFLCH

Departamento de Sociologia

Laboratrio Didtico - USP ensina Sociologia

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Graffiti: a busca pela consagrao em So PauloDiego Novais Souza

1 semestre/2015ResumoO presente trabalho tem como objetivo investigar a recente trajetria de uma vertente do graffiti urbano em direo a um maior reconhecimento ou aceitao pela sociedade, processo que culminaria em sua consagrao social. Apresentaremos inicialmente um breve histrico do graffiti em sentido mais amplo, e em seguida resgataremos algumas leituras feitas em trabalhos sobre sociologia da arte e mais especificamente, no caso de um deles, sobre a consagrao social, em vias de realizao, de outra forma de expresso visual at h algumas dcadas emergente: a fotografia. Esses passos guiaro esta anlise sobre a prtica legalizada do graffiti na cidade de So Paulo, com a qual esperamos desvelar algumas das estratgias dos agentes sociais responsveis por essa transformao, desde o carter clandestino, subversivo e anarquista, em seus primeiros momentos, at se constituir como uma possibilidade de carreira mais ligada ao mundo das artes plsticas tradicionais, e explic-la tambm de um ponto de vista mais amplo, levando em conta o contexto histrico da prtica.Faremos uso dos conceitos de campo e de mundos da arte, de Pierre Bourdieu e Howard Becker, respectivamente, ao abordar as dinmicas de interao de parte dos praticantes do graffiti: aqueles que vm tentando, aos poucos, al-lo ao status de vertente das artes plsticas para assim ganhar acesso a novos espaos fsicos, a pblicos de diferentes camadas sociais, alm de estabelecer uma relao de tolerncia e at de parcerias (algumas vezes envolvendo at apoio financeiro) com o poder pblico. O fato que esses grafiteiros passam a buscar uma carreira e com ela um status antes destinado apenas aos artistas plsticos de trajetria e formatos mais tradicionais. Tentaremos delinear, por fim, as condies de aquisio desse status e as consequncias dele, incluindo a reao daqueles que tm outra concepo sobre a prtica, com caractersticas e objetivos diversos, como os defensores do graffiti ilegal.

Introduo

O graffiti surgiu, em seu formato atual, na segunda metade do sculo XX, com os primeiros traos em duas localidades distintas: a Paris de maio de 1968 (com escritas de ordem, feitas em um contexto de fortes protestos sociais) e Nova York de meados dos anos 1970 (RAMOS, 1994), de onde se espalhou por vrias outras metrpoles ao redor do mundo. Esteticamente, irrompe de uma concepo ligada Pop-Art e a outros movimentos artsticos de vanguarda, como o neoexpressionismo.

Em Nova York cria razes e ganha projeo como uma subcultura urbana ligada mais fortemente ao Hip Hop. Este movimento, por sua vez, com as transformaes urbanas que vinham afetando os mais pobres, entre eles latinos e os negros dos guetos, tornou-se, para esses grupos, uma das maneiras reconhecidamente mais crticas de se expressar culturalmente.

Antes indissocivel dos outros trs pilares do Hip Hop (a dana break e os elementos do DJ e do MC), o graffiti comea ainda em meados da dcada de 1970 a ganhar flego prprio, e um movimento ligado especificamente prtica se inicia, embora ainda trazendo elementos do estilo de vida das ruas das periferias das metrpoles e dos guetos, na medida em que reunia pessoas realizando atividades ligadas ao Hip Hop ao mesmo tempo que intervenes nas estruturas urbanas (paredes e muros, postes, caladas, viadutos, trens), usando-as como suporte material para dar vazo a uma necessidade de expresso, cujas motivaes passavam por aumentar o senso de pertencimento a um hostil e impessoal ambiente urbano, desafiar o poder pblico e em menor grau as convenes estticas vigentes - pelo carter subversivo da prpria prtica e pelos temas abordados nas obras - e ainda fazer parte da dinmica social dos subgrupos de jovens urbanos que se formaram em torno da prtica.

Hoje, cerca de quatro dcadas depois, o graffiti ramificou-se em uma variedade de estilos, passando por uma gama de estilos, mas sobretudo de coisas: uma vertente das artes plsticas, um "estilo de vida" que oferece uma forma de socializao entre jovens e tambm um movimento de cunho poltico ligado intrinsecamente chamada "cultura de rua" das grandes metrpoles, que busca apropriar-se de espaos pblicos e repensar seus usos. Como mencionamos, em sua gnese esto os protestos contra condies de vida deterioradas, nos mbitos social, poltico e econmico. Todavia, a contar do final da dcada de 1970, insere-se no contexto social mais amplo e passa a fazer parte da cultura do dia-a-dia de boa parte das grandes cidades na Europa e nas Amricas.

Esse carter transcontinental conecta o graffiti ao mundo das artes plsticas com as primeiras exposies em Nova York de artistas vindos das ruas. Nomes como Jean-Michel Basquiat e Keith Haring emergem do anonimato para se tornarem artistas plsticos reconhecidos por seus novos pares - aqueles que j ocupavam os espaos mais tradicionais - e conseguem insero em definitivo no terreno das artes consagradas (ao qual j pertenciam formas tradicionais como a pintura, a escultura, a msica clssica, a literatura, etc.).

J nos anos 1990, possvel observar uma exploso do uso da esttica "marginal" do graffiti pela indstria cultural, majoritariamente em investidas dos campos da publicidade e da moda na criao de produtos para consumo de massa. Nos anos 2000, ganha maior relevncia o movimento ao qual este trabalho se volta: no mundo das artes, dos galeristas aos curadores de museus, dos artistas plsticos j estabelecidos aos aspirantes, muitos comeam a acompanhar o trabalho dos grafiteiros. Estes adentram, assim, com cada vez maior frequncia espaos como museus de galerias de arte, que antes lhes eram negados, e comeam a receber o status destinado aos signatrios das artes consagradas, ou seja, a serem considerados artistas legtimos.

No Brasil, temos alguns casos paradigmticos deste "novo tipo" de praticante do graffiti. Celso Gitahy, Binho Ribeiro e Os Gmeos esto entre os mais destacados, especialmente os ltimos: os irmos gmeos Gustavo e Otvio Pandolfo, nascidos em 1974, conheceram o graffiti ainda na dcada de 1980, no incio do movimento Hip Hop no Brasil e em So Paulo, ao frequentarem crculos ligados ao movimento, de incio interessados em outras atividades, em especial o break dance. Originria do bairro do Cambuci, na regio central da capital paulista, a dupla alcanou reconhecimento mundial com suas pinturas (GIOVANNETTI NETO, 2011), e, em So Paulo, possui no currculo exposies em importantes museus e galerias do circuito de arte contempornea, como a Galeria Fortes-Villaa, a Fundao Armando lvares Penteado (FAAP) e o Museu de Arte Moderna (MAM-SP), entre outros; e, no exterior, em diversas outras instituies conhecidas mundialmente por abrigarem exposies de artistas clssicos das artes plsticas tradicionais, como a Tate Modern, em Londres, que abriga em seu acervo permanente obras de artistas como Pablo Picasso, Jean Mir, Henri Matisse, Roy Lichtenstein, Piet Mondrian, entre outros.

Hoje, com a presena incontestvel do graffiti nas principais cidades da Amrica e da Europa, pode-se observar que essa prtica - difcil de ser definida de maneira exata, mas que mais comumente aceita como o ato de desenhar e pintar sobre estruturas urbanas (muitas vezes incorporando-as como parte das obras), utilizando tcnicas executadas principalmente com tinta spray - bastante representativa do uso de seus espaos pblicos e da cultura dos grandes centros urbanos em geral. Com o destaque alcanado, certos grupos de praticantes inauguram um movimento no sentido de tornar a prtica do graffiti tolerada, legal e socialmente, ou at mesmo incentivada por meio de parcerias com rgos pblicos e agentes privados.

Graffiti e a sociologia da arteA sociologia da arte oferece mltiplas possibilidades de abordagem desse tema. Selecionamos algumas obras que, pela importncia na rea, nos ajudaram na construo do problema. importante contar, de incio, com uma breve introduo sociologia da arte, para compreendermos o estado das pesquisas atuais e onde uma abordagem do graffiti se encaixaria.

Nathalie Heinich (2008) traa um panorama geral da histria da sociologia da arte. A autora identifica trs momentos distintos para a disciplina: no primeiro (primeira metade do sculo XX), predomina a chamada esttica sociolgica, cuja problemtica trata da arte e a sociedade. Isto significa que busca-se um elo entre o artista-obra e a sociedade que o cerca. Duas palavras-chave para o que buscado: desautonomizao (no apenas a esttica que define a arte) e desidealizao (ela no mais um valor absoluto). Esta tentativa de estabelecer um elo entre arte e sociedade surgiu primeiro, segundo Heinich, na esttica e na filosofia, na tradio marxista e nos historiadores da arte "atpicos" na poca da Segunda Guerra Mundial.

No segundo momento (que se iniciou por volta da Segunda Guerra), a histria social da arte, que ir voltar-se arte na sociedade. Haveria a uma relao de incluso a se explicitar, no uma exterioridade a se reduzir ou denunciar. Esta segunda gerao "permitiu dublar ou substituir a tradicional questo dos autores e das obras pela dos contextos em que evoluem" (HEINICH, 2008, p. 27). Seu mtodo de trabalho era a investigao documental.

O ltimo momento ocorre a partir dos anos 1960, e ainda perdura: a chamada sociologia da pesquisa, que caracteriza-se por aplicar os recursos da pesquisa emprica no ao passado como a gerao precedente, "mas poca presente, com a estatstica, a econometria, as entrevistas, as observaes" (Idem, p. 28). Desenvolvida principalmente na Frana e nos Estados Unidos, sua problemtica diria respeito arte como sociedade, ou seja, o conjunto das interaes dos autores, das instituies, dos objetos, evoluindo juntos de modo a fazer existir o que chamamos comumente arte (Ibid, p. 28). Esta forma de trabalho implica aproximar-se do que o socilogo estadunidense Howard Becker denomina "mundo da arte".

Becker trata, em seu livro Art Worlds (1982), sobre a maneira pela qual o elemento da cooperao - intencional ou no - entre todos os envolvidos em uma determinada atividade o que torna possvel ver perspectivas (no sentido de possibilidades de perdurar) para ela. As formas de cooperao so, muitas vezes, efmeras, mas no raro tornam-se mais ou menos rotineiras, e do origem aos padres de atividade coletiva que se pode chamar mundos da arte. Temos algo que se aproxima de uma definio pelas palavras de Becker: Podemos pensar em um mundo da arte como uma rede estabelecida de laos de cooperao entre os participantes (p. 35).

Pensando com os conceitos de Becker (1982), listamos algumas caractersticas de todo mundo da arte. Iremos descrever alguns de seus pressupostos, a fim de utilizarmos posteriormente em nossa anlise sobre o que poderamos considerar como um "mundo do graffiti". Em primeiro lugar, para analisar um mundo da arte, preciso conhecer seus participantes - os trabalhadores caractersticos, nas palavras do autor - e as "tarefas" que competem a cada um. Os artistas - aqueles que possuem um status social diferenciado, e so tidos como possuidores de um dom - tambm se encaixam nesta classificao, mas diferem das demais pessoas, pois a eles so permitidos privilgios e direitos especiais. Existem instituies sociais (como o meio acadmico e a mdia de massas) que possuem a funo de conferir esse status aos indivduos julgados aptos.

Parte fundamental, tambm, dos mundos da arte, so os laos cooperativos que atuam medida que o artista depende de outros para realizar seu trabalho. Esses laos podem definir, at mesmo o tipo de trabalho que o artista ir realizar. Ademais, participantes de um mundo da arte costumam distinguir seu tipo de atividade, para dizer quem pertence a ele e quem no pertence. A anlise sociolgica deve apreender "o quando", "o onde" e "o como" os participantes decidem que caractersticas lhes pertencem e quais so para serem deixadas de fora da definio. Aqueles que esto inseridos nesse mundo tm suas prprias definies sobre o que arte e o que o seu tipo de arte. Como diria Bourdieu, h uma lgica prpria ao campo, uma doxa, que no faz sentido se aplicada fora dele.

Enquanto Becker enfatiza aspectos de cooperao que resultam em mundos da arte, Bourdieu fala em campos de produo simblica, enfatizando as disputas que neles ocorrem por um certo tipo de capital, e geram polos, com os dominantes e os dominados. Os conceitos de Bourdieu, em especial os de campo (espao social autnomo em que ocorrem disputas em torno de um capital especfico, ou seja, algo que tem valor para todos os participantes) e habitus (disposies incorporadas que fazem o indivduo sentir, pensar e agir de certas maneiras e no de outras), na medida em que servem de "ponte" entre a estrutura social e a prtica individual, e tambm o de capital simblico (o que permite diferenciar os agentes no campo, como prestgio, honra e no caso o prprio status de artista), so ferramentas valiosas para analisar o graffiti enquanto manifestao de carter artstico. Em outras palavras, os conceitos serviriam para verificar as lutas existentes no campo, para determinar qual o capital especfico e como se configuram os plos dos dominantes e dos dominados, e a maneira como essas lutas extrapolam para fora, o que evidenciaria a atuao de lutas mais amplas da vida social.

A figura dos outsiders (aqueles que desviam de normas vigentes) tambm ressoa em uma vertente dos trabalhos de sociologia da arte. A teoria interacionista desenvolvida por Becker (2008) considera que o comportamento desviante construdo em processos polticos, na medida em que leva em conta pontos de vista impostos por grupos, que definem a legitimidade. "Desvio no uma qualidade que reside no prprio comportamento, mas na interao entre a pessoa que comete um ato e aquelas que reagem a ele" (BECKER, 2008, p. 27). Enfocando trajetrias pelas quais passaram indivduos "desviantes", mais especificamente utilizando duas categorias (usurios de maconha e msicos de casas noturnas), Becker busca entender o modo como essas atividades so socialmente direcionadas, desenvolvendo culturas e subculturas prprias, que o autor define como "uma organizao de entendimentos comuns aceitos por um grupo" (Idem, p. 90).

Um artigo de Nathalie Heinich, "Outsider art and insider artists: gauging public reactions to contemporary public art" (1997), aproxima as concepes de dominantes e dominados, mais usadas por Bourdieu, dos termos outsider e insider. Complementa que, alm de social, essa distncia entre um e outro pode ser tambm geogrfica. Teramos, ento, um sentido fsico e um cognitivo para a noo de outsider. A ensasta analisa o caso da recepo, por parte do pblico, da obra de trs artistas contemporneos, nos Estados Unidos e na Frana. Destaca que as origens sociais dos artistas, os locais onde residem e onde expuseram, determinam se a recepo ser boa ou no. Parece certo que sempre h um jogo em que entram argumentos envolvendo a autenticidade artstica, a moralidade e a integridade de monumentos que carregam herana histrica. Esses so os valores invocados pelo pblico, direcionados aos trabalhos, situao de exibio, e s pessoas que os executam. So, tambm, aspectos interessantes para se levar em considerao quando da anlise da recepo das obras dos grafiteiros/artistas de rua que esto presentes nos espaos pblicos.

Richard Lachmann foi autor de um artigo pioneiro (1988) sobre as caractersticas organizacionais e ideolgicas do graffiti enquanto carreira artstica na cidade de Nova York entre o fim da dcada de 1960 at por volta de 1986. Pudemos notar um elo de ligao com Heinich, quando destaca que os aspirantes a essa carreira so poca desviantes. Iniciativas para se posicionar como "dominantes", ou insiders, foram observadas. Houve, tambm, tentativas de cooptao pelo mercado (em sua constante busca por novidades e "inovao") para que os grafiteiros pintassem em telas e vendessem suas obras para colecionadores de arte. No entanto, chegou-se a um impasse: pela caracterstica incomum dos trabalhos, que transgrediam tantos cnones vigentes, tantas categorias hegemnicas das artes, como eles seriam avaliados em relao a outros mais tradicionais? O mercado de arte resolveu dar destaque ao background social dos artistas, muitos vindos de contextos de pobreza e crime, e mostrar como era "curioso" que eles pudessem pintar como os "verdadeiros artistas". De acordo com Lachmann, isso no foi suficiente para que os grafiteiros das ruas (que o autor chama de muralists) nos anos 1970 cedessem tentativa de julgamento e mediao dos empreendedores e do mercado a seus trabalhos. Predominava entre eles a ideia de que eram os trabalhos expostos nas ruas os mais importantes.

Segundo o autor, as ruas continuaram decisivas para moldar as carreiras dos grafiteiros nessa dcada, ou seja, os aspectos ideolgico e organizacional dos grafiteiros impediram a transformao do graffiti em produto comercial para as massas. Na dcada seguinte, com alguns aspectos polticos envolvidos (represso policial, principalmente), diminuiu a prtica nas ruas ao mesmo tempo que cresceram em nmero e tamanho as exibies em galerias e museus, o que tornou esse mundo do graffiti fragmentado e povoado por diferentes ideologias e aspectos organizacionais.

Lachmann e Heinich, vale reforar, trabalham sob a filiao terica de Becker, seus mundos da arte e sua teoria do desvio, embora o primeiro sugira, na concluso de seu trabalho, que so necessrias modificaes tanto na abordagem beckeriana quanto na subcultural sobre os desviantes, para darem conta dessa fragmentao (ocasionada principalmente por um fator externo: a presso exercida por aqueles que desejavam tornar o graffiti um produto comercial) que o autor observou. Vrios dos trabalhos com os quais nos deparamos utilizam-se desse arcabouo de anlise. O artigo de Heinich citado acima est em um livro que rene vrios outros deste tipo, organizado por Vera Zolberg e Joni Cherbo (1997): Outsider art: contesting boundaries in contemporary culture.

Como dissemos anteriormente, tambm agrada a Heinich (2008) o modo de abordagem proposto por Bourdieu, que ao invs de enfatizar essas redes de cooperao que caracterizam os mundos da arte, coloca a questo da lgica interna ao campo, do capital especfico e das disputas que ele gera, ocasionando a criao dos polos dominantes-dominados. Seria interessante pensar o cenrio atual do graffiti paulistano a partir dos conceitos propostos por Bourdieu (pertencentes a uma sociologia da dominao) e por Becker (prprios de uma sociologia interacionista), utilizando-os em conjunto. Diz Heinich (2008, p. 118):De acordo com o projeto positivista, as duas abordagens tm por objeto exclusivo a experincia real, e no as representaes que fazem dela os atores, estando elas presentes apenas como iluses a denunciar. Tambm tm em comum o que constitui a particularidade da postura crtica em sociologia, isto , buscar desmistificar as crenas de senso comum na autonomia da arte e a singularidade do gnio artstico ( o projeto "relativista, ctico e democrtico" como Becker o definiu).Outro modo de abordagem que, cremos, seja possvel utilizar em conjunto com esses outros o aplicado por Norbert Elias (1995): uma sociologia da identidade artstica que d conta de observar as constries sociais que podem ou no permitir a ascenso de determinadas prticas ao status de arte, e de seus praticantes ao status de artistas, com direito a prestgio e privilgios. Uma determinada atividade, assim, pode ser ou no considerada artstica, de acordo com o tipo de sociedade e a poca em que desenvolvida . O autor tenta, dessa maneira, trazer tona o papel social dos inovadores. Diz, em nota de rodap p. 19: "Ao apresentar sua [de Mozart] tragdia como tento fazer - e apenas um exemplo de um problema mais geral - pode ser que as pessoas se tornem mais conscientes da necessidade de se comportar com maior respeito em relao aos inovadores" (ELIAS, 1995, p. 19).

Ainda outro olhar interessante para todas essas questes o da "sociologia do reconhecimento", proposta pelo historiador de arte ingls Alan Bowness (1989). O autor identifica "crculos de reconhecimento" que influenciam os artistas. So quatro crculos concntricos: o primeiro diz respeito aos prprios artistas, quando trocam opinies e julgamentos entre si; o segundo ao mercado de arte, no que diz respeito a transaes privadas e contato direto com os artistas; o terceiro aos especialistas, conservadores, crticos, curadores, que se posicionam nas instituies pblicas e distncia dos artistas, tanto espacial como temporalmente; e o quarto ao grande pblico (iniciado ou no), que est mais distante dos artistas, no caso das artes plsticas tradicionais.Um dos trabalhos recentes de mais flego sobre graffiti de Giovannetti Neto (2011): uma extensa pesquisa de doutorado que gerou a tese Graffiti: do subersivo ao consagrado. O autor traa, nesta obra, um histrico da prtica no mundo, ligando suas origens s do movimento Hip Hop, que se desdobra culturalmente no estilo musical rap e na dana de rua, ou break dance, e nas figuras do DJ e do MC. Estas, destaca, so formas de expresso perifricas e surgidas de contextos de vulnerabilidade social. O pesquisador faz uma caracterizao da forma atual do graffiti e de suas diversas vertentes, com diferenas estticas e ideolgicas entre si, e aborda tambm modo como alguns grafiteiros paulistanos veem a prtica, atravs de entrevistas. Segundo o autor, um dos principais traos nos dias atuais o modo como os grafiteiros so cooptados legalidade e ao mercado da arte. Legalidade esta que pe o graffiti sob suspeita para parte de seus praticantes, j que consideram o elemento transgressor um de seus aspectos essenciais, presentes desde o incio e que no devem ser perdidos. Para estes, uma obra legalizada seria apenas algo como um mural de um artista plstico, no um "autntico" graffiti. Entre esse grupo tambm se v crticas cooptao do estilo grfico caracterstico do graffiti, cuja esttica foi desenvolvida livremente nas ruas, para servir indstria da moda e da publicidade, tornando-se produtos para o consumo de massas.

O processo de legitimao ou consagrao socialBourdieu (1996) diz que, em matria de produes culturais, tudo que no legitimado acaba relegado s "arbitrariedades do gosto" e que h, de certa forma, um aval social, dado por instituies, por trs da legitimao. O que no recebe "anuncia", apoio ou ateno das entidades sociais detentoras do monoplio sobre a deciso a respeito do que legtimo acaba virando uma questo de opinies e dos gostos de indivduos. importante notar que Bourdieu por vezes usa o termo legitimao e por outras consagrao. Sendo assim, trataremos os dois como sinnimos.Segundo o autor, as formas de arte que j esto plenamente estabelecidas e so amplamente consideradas legtimas so a msica clssica, a pintura, a escultura, a literatura e o teatro. Existem algumas formas de arte que, ao menos poca da primeira publicao da obra (1965), esto na "esfera das legitimveis", ou seja, no meio-termo entre a arbitrariedade do gosto e as artes consagradas. Estas so o cinema, a fotografia, o jazz e as chansons francesas (BOURDIEU, 1996, p. 96). O foco nesta obra recai sobre a fotografia apenas. Um dos fatores chave que fizeram esta prtica tomar o caminho da legitimao foi, ainda de acordo com Bourdieu, o fato de ela ter se tornado uma prtica de grupo, com regras e esquemas de percepo, pensamento e apreciao comuns a um conjunto de indivduos. Assim, todas as obras fotogrficas, parte a inteno explcita do fotgrafo, carregam um ethos, ou seja, a internalizao no indivduo de regularidades comuns (a um grupo) e objetivas. Este, por sua vez, est associado a sistemas de valores mantidos por uma classe, uma profisso ou uma propenso artstica.Mas ser uma atividade de grupo, governada por regras compartilhadas, apenas, no basta. preciso ter o reconhecimento de instituies especficas do mundo social. As principais instituies responsveis pela legitimao so as universidades e o mundo acadmico em geral. Estas seriam, assim, as "autoridades legtimas da legitimao" (Idem, p. 96). Isto por conferir elevado grau de ateno a certas formas de arte, dedicando seu tempo e seus recursos para abord-las e adot-las como temas aptos pesquisa, como o caso da msica clssica e das demais que citamos h pouco. Com relao postura dos consumidores, o autor tem a acrescentar que(...) os vrios sistemas de expresso, do teatro televiso, so objetivamente organizados de acordo com uma hierarquia independente de opinies individuais, que define a legitimidade cultural e suas gradaes. Colocados diante de significados situados fora da esfera da cultura legtima, os consumidores sentem que tm o direito de permanecer puramente consumidores e julgar livremente; por outro lado, dentro do campo da cultura consagrada, eles se sentem avaliados de acordo com normas objetivas, e forados a adotar uma atitude dedicada, cerimonial e ritualizada (BOURDIEU, 1996, p. 95 - traduo nossa).Desse ponto de vista, o graffiti seria uma arte presente na esfera das "legitimveis", atualmente. Ainda no abordado com frequncia pela academia, no visto como um tema digno de ateno por ela, no recebe o grau de ateno correspondente das esferas sociais mais amplas, e muitos dos seus consumidores sentem que podem julg-la livremente, sem cerimnia. Este nosso texto, uma vez que produzido em ambiente acadmico, seria de certa forma - guardadas as devidas propores e comparaes levando em conta o alcance e repercusso que ter no mbito acadmico - um pequeno passo que a prtica e seu produto do em direo ao maior reconhecimento social to almejado por alguns agentes envolvidos no meio, em especial aos praticantes do graffiti legalizado.Estes parecem ainda no ter atentado ao fato de que sua legitimidade depende, tambm, da ateno que recebem da sociedade em geral, e que conseguida pela via das instituies acadmicas, ao menos segundo Pierre Bourdieu considerou para o contexto analisado em relao s obras fotogrficas e as demais citadas. Desde os anos 2000 so de certa forma pouco numerosos os trabalhos acadmicos centrados no tema, nas universidades do Brasil e tambm nas do exterior. Sendo So Paulo uma das principais cidades do mundo em produo de graffiti, no entanto, de se esperar que nos prximos anos o nmero de trabalhos acadmicos aumente de maneira significativa.De todo modo, vemos que a busca pela legitimao neste caso ainda bastante recente, e o que os agentes sociais envolvidos nessa demanda buscam em primeiro lugar o apoio, tanto em termos financeiros quanto apenas de tolerncia, de entidades pblicas e agentes privados, principalmente no que diz respeito obteno autorizao para pintarem suas obras em espaos externos, sejam muros de propriedades ou outras estruturas presentes em ruas, avenidas e praas, que acabam nesse processo acabam adquirindo algumas semelhanas com galerias de arte, que so em geral espaos fechados especializados na exibio de obras de pintura, escultura, e outros objetos relacionados. Assim comeam a surgir "galerias" e "museus" a cu aberto. Um exemplo significativo o projeto que abordaremos na seo seguinte.Graffiti legalizado: o momento atual

O cenrio do graffiti paulistano atualmente bastante variado, contando com grupos que permanecem na ilegalidade e no querem mudar, pois no desejam perder a raiz subversiva, colocando-se, assim, em oposio aos outros grupos dos quais tratamos aqui. Podemos dizer, portanto, que h uma disputa neste campo que vai at as questes mais fundamentais como o que a prtica deveria ser. Uma vez que nosso foco sobre o graffiti legalizado, j que estamos tentando entender o movimento em direo consagrao social que engendrado por agentes favorveis a essa maneira de fazer, iremos nos deter sobre um exemplo bastante evocativo: o projeto do Museu Aberto de Arte Urbana (MAAU), que representa perfeitamente o movimento descrito na introduo deste texto, dos grafiteiros que querem se encaminhar legalidade em busca de poder exercer sua atividade com maior aceitao ou tolerncia da sociedade em geral, mas que entendem que a presena das obras na rua ainda fator primordial. Em abril de 2011, Binho Ribeiro, figura emblemtica do cenrio local do graffiti, foi detido junto com onze outros grafiteiros, por estarem pintando ilegalmente. Aps o episdio, o grupo props ao governo estadual e Companhia do Metropolitano de So Paulo (Metr) que as colunas de um viaduto localizado na Av. Cruzeiro do Sul, zona norte da capital, por onde passam os trens da Linha-1 azul do Metr entre as estaes Portuguesa-Tiet e Santana, servissem de maneira oficial (ali j, h bastante tempo, via-se graffitis ilegais) como suporte, com vistas a centralizar uma certa parte da produo de obras desse tipo na cidade. Com curadoria de Binho Ribeiro e Chivitz, o MAAU se tornaria realidade no final desse mesmo ano, trazendo algumas caractersticas pioneiras. Em primeiro lugar, marcou a materializao de uma das vrias iniciativas dos praticantes do graffiti de buscar um espao legalizado e pblico para a prtica. Em segundo, veio implementar um modelo segundo o qual o espao de exposio utilizado por dezenas de grafiteiros, que so trocados a cada ano. Atualmente, conta com cerca de 70 painis de mais de 60 grafiteiros, nacionais e internacionais. Binho Ribeiro, vale notar, foi tambm o curador da II Bienal Internacional de Graffiti Fine Art, que esteve em cartaz no Museu Brasileiro da Escultura (MuBE) entre os meses de janeiro e fevereiro de 2013, e tambm da terceira edio desse mesmo evento, desta vez realizado no Pavilho das Cidades, no Parque do Ibirapuera, entre 18 de abril e 16 de maio de 2015.Em trabalho de iniciao cientfica realizado entre agosto de 2012 e julho de 2013 pudemos realizar um levantamento com os nomes dos grafiteiros expositores e algumas informaes bsicas sobre eles (nem todos possuem informaes e/ou entrevistas disponveis), para tentar identificar um padro de origem geogrfica e social, de modo de pensar a prtica do graffiti, de idade e data de insero na prtica. Tudo isso ajudaria a esclarecer, ainda que parcialmente, quem so os "trabalhadores caractersticos" (dos quais nos fala Becker) deste mundo da arte especfico.

Abaixo est a lista dos grafiteiros, retirada de um vdeo de divulgao do projeto, juntamente com as informaes levantadas sobre eles (quando disponveis), em ordem alfabtica:

Alexandre "Anjo": 35 anos, paranaense, iniciou no graffiti em 1997, antes pixador; cursou design grfico na ABRA, mas no terminou; possui pgina pessoal no Flickr para divulgao das obras;

Apolo Torres (cujas obras esto localizadas no Parque da Juventude, ao lado do MAAU): 29, paulistano, possui formao em design industrial no Mackenzie; possui site pessoal com portflio;

Binho Ribeiro: um dos nomes mais centrais da cena do graffiti desde a dcada de 1980. Comeou a pintar nas ruas em 1984, e ainda hoje um dos mais reconhecidos criadores. Foi o curador nos projetos do MAAU e das duas edies da Bienal Internacional de Graffiti Fine Art, em So Paulo. J participou de campanhas publicitrias de marcas como Nescau, Ford, Brasil Telecom, Motorola, Red Bull, Nike, Skol, Ecko, Antrtica e Colorgin entre outras;

Celso Gitahy: 47, paulistano, formado em artes plsticas pela Belas Artes, um dos pioneiros do graffiti em SP e uma das figuras centrais do movimento grafiteiro e do "graffiti-arte" at hoje;

Chivitz: paulistano, iniciou em 1996, inicialmente foi tatuador, tambm ocupa papel proeminente na "cena" do graffiti paulistano atualmente. Fez parte da idealizao do projeto do MAAU juntamente com Gitahy, Binho Ribeiro, entre outros;

Crnio (Fbio Oliveira): 33, paulistano (Zona Norte), iniciou no graffiti em 1998, cita Dal como influncia, assim como desenhos animados (cartoons); tambm exps na II Bienal Internacional de Graffiti Fine Art em 2012, no MuBE (SP); possui pgina pessoal com portflio, teve exposio individual em Londres, em 2012, na Zero Cool Gallery;

Ddo: paulistano da Zona Leste, grafita desde 1996;

Feik (Jos Augusto): comeou na pixao (1996) e depois foi para o graffiti (1997). Influenciado por: Osgemeos, Escher e Dal;

Graphis: incio no graffiti se deu em 1998, poca em que foi s ruas fazer pinturas relacionadas Copa do Mundo. Tambm exps na I Bienal Internacional de Graffiti Fine Art, realizada no MuBE, em 2009;

Gueto: paulistano, iniciou em 1998, diz-se influenciado por Osgemeos, entre outros. "Graffiti foi, e sempre ser na rua";

Markone: comeou no graffiti em 1995 e esteve ligado a coletivos desde 1999, quando fundou o N.U.C. (Neurose Urbana Crew) junto com Chivitz e Marone. Tambm tatuador;

Nick (Fabio Rogrio Marques): paulistano, inicialmente pixador (a partir de 1995), comeou a pintar graffitis em 1997;

Ozi: um dos veteranos, pinta graffiti desde a dcada de 1980, comeou com Alex Valauri, grande cone da cena paulistana em seu incio;

Presto (Mrcio Penha): paulistano (zona norte), atua nas ruas desde 1996. possui pgina no Flickr;

Speto (Paulo Cesar Silva): 43, paulistano, comeou no graffiti em 1985. um dos pioneiros na cidade, est ligado cultura do skate e da tatuagem. Cita como influncias Picasso e Portinari, entre outros;

"Tikka" Meszaros: 27, comeou a pintar em 2002, com 15 anos; possui portflio no Flickr. Uma fala de sua entrevista para o Sampa Graffiti nos chamou a ateno: "Graffiti pra mim estilo de vida. Tem gente que j parou de pintar e ainda grafiteiro, tem gente que pinta h 'm' tempo e no vai ser grafiteiro nunca";

Zezo (Jos Augusto Amaro Capela): 40, comeou a grafitar em 1995, incentivado por Binho Ribeiro. Declara influncia de Jean-Michel Basquiat (1960-1988), artista plstico e grafiteiro norte-americano. um dos fundadores da Galeria Choque Cultural.

Outros artistas participantes do projeto: Ana K, ZN Lovers (Ras/Leon), Akeni, Minhau, Highraff, Ciro, Locones, Marone, Pifo, Jey, Socidas, Zizi, Flip, Brisola, Gafi, Opni, Nem, Pan, Suzue, Icone, Tinho, Nove, Onesto, Evol, Armamento Visual, Arlin, Dek, Shock e Ise.

Desta breve biografia de alguns dos grafiteiros, podemos verificar que grande parte deles comeou a grafitar entre a segunda metade da dcada de 1980 e a dcada de 1990. Muitos utilizam o graffiti como meio de vida, fazendo inclusive trabalhos de design grfico para grandes empresas, participando em larga medida do circuito das artes consagradas, j bastante conhecidos do pblico que frequenta as galerias e museus que abrem espao a este tipo de pintura. Muitos so, tambm, provenientes da zona norte da capital paulista, o que nos mostra que pode haver um forte componente geogrfico atuando na composio desse grupo. O elemento da cooperao aparece fortemente, tambm, na medida em que muitas das histrias esto entrelaadas, em que houve e h influncia e ajuda direta dos pioneiros para que os que viessem depois pudessem ganhar espao no campo, e pudessem vir a ocupar posies destacadas.

Quanto posio dos rgos oficiais sobre o Museu Aberto de Arte Urbana, temos apenas trechos de um depoimento do Secretrio de Estado da Cultura responsvel pela aprovao do projeto, Andrea Matarazzo. No vdeo de divulgao, Andrea declara: "sempre gostei muito do graffiti quando colocado no lugar certo". Ainda destaca que o trabalho "profissional", pois possui curadoria. Lembra tambm os aspectos pioneiros do projeto, como ser um museu sem portas e sem horrio de funcionamento, e que faz "simbiose" com a cidade. Outra fala, da Diretora de Paisagem Urbana da Emurb (Empresa Municipal de Urbanismo - atual SP Urbanismo), Regina Monteiro, reconhece que trata-se de uma "novidade para o poder pblico, que at ento no admitia que se fizesse uso das coisas que so da cidade. Essa insero era muito complicada".

No mesmo vdeo, vrios dos grafiteiros participantes fazem depoimentos, em geral destacando a infraestrutura oferecida, como materiais e apoio tcnico. Um dos grafiteiros, Presto, destaca que sentiu-se valorizado como artista, que no teve interferncias quanto ao contedo de sua obra, e que teve sua liberdade de expresso respeitada.

Tanto na fala do secretrio Andrea Matarazzo, quanto dos grafiteiros, aparece a inteno de tornar So Paulo uma cidade referncia da "arte urbana", para vir a se tornar destaque na Amrica Latina e no mundo. Isto no aconteceria, evidentemente, sem essa cooperao entre os grafiteiros e o poder pblico, sem o interesse de ambas as partes. Basicamente, o vdeo mostra os interesses de ambas as partes: relacionados ao potencial turstico, pelo lado do poder pblico, e relacionados exposio de seus trabalhos e construo de carreira, por parte dos grafiteiros.Essa juno de vontades a confirmao da transformao do graffiti paulistano de que falvamos: o processo que poderamos chamar de "galerizao" (criao das "galerias a cu aberto") vem sendo sistematicamente desenvolvido na cidade de So Paulo, e resultado de iniciativas tanto por uma parte dos grafiteiros, quanto pelo poder pblico (o componente verdadeiramente novo), e tambm por pessoas e instituies envolvidas no circuito tradicional das artes plsticas. H um claro movimento que busca fazer com que seja possvel um campo profissional e artstico, e tambm tornar o graffiti em definitivo uma vertente das artes plsticas, tambm em seu ambiente de origem, as estruturas urbanas, os espaos abertos da cidade. de extrema importncia notar, no entanto, que toda uma outra vertente do graffiti permanece na ilegalidade e composta por grupos de pessoas que, por vezes, tm posies contrrias a todas essas iniciativas. No ganham, portanto, a mesma projeo e a mesma divulgao. Para muitas delas, no entanto, isso no importa, pois no o que esto buscando.Consideraes finaisUma das coisas que mais surpreendem sobre o graffiti a maneira como se particulariza em relao a outras formas de arte, colocando-se em posio nica e de destaque no atual contexto urbano da cidade de So Paulo. Tem-se formas de socializao, expectativas dos agentes, condies de entrada e aceitao no campo, bastante diferentes em relao a outras artes. A dinmica do campo e a valorizao do capital especfico, para usar os termos de Bourdieu, so tambm diversos. Caracteriza-se por ser mais livre, mais dinmico, por vezes mais transgressor.

Ademais, no se deve deixar de destacar que h uma simbiose entre a cidade e esta forma particular de arte. Como dissemos anteriormente, ela surge com a proposta de, entre outras coisas, transformar a realidade urbana e tornar a cidade mais "hbitvel". Isto nos pareceu uma crena comum nos artistas, um princpio que guia suas atividades e as torna passveis de cooperao.

A respeito da evidenciao da existncia de um campo do graffiti na cidade de So Paulo, os dados por ns reunidos deixam este fato bastante evidente. Pelas informaes levantadas, no entanto, difcil dizer qual o polo dos dominantes e qual o dos dominados. Isto porque diferentes grafiteiros possuem diferentes concepes da prtica. H aqueles que valorizam o ato de pintar ilegalmente na rua e a integrao social que a comunidade formada em torno da forma de pintar mais arriscada e transgressora proporciona. Outros j valorizam o aspecto artstico mais amplo, e buscam ter suas obras em outras esferas que no a rua; que j frequentaram ou frequentam galerias e museus como expositores, curadores e trabalham em projetos que buscam promover o graffiti, junto a rgos governamentais e a iniciativa privada. Estes valorizam o status de artista plstico, e assim entram em certa discordncia com os daquele outro tipo. No possvel dizer que estes so os possuidores do capital especfico do campo. Poderamos considerar, assim, que h dois subcampos no graffiti paulistano atualmente, e em ambos o elemento da cooperao faz-se presente e de muita importncia, como mostra a existncia de diversos coletivos, chamados de crews.

Deixamos, intencionalmente ou no, de abordar vrios aspectos do mundo do graffiti, de fazer uma caracterizao mais detalhada, com descries dos coletivos, vocabulrio, etc. Isto pode e deve ser feito em novas pesquisas, e seria especialmente necessrio que a sociologia buscasse uma aproximao maior do tema, em relao que temos atualmente.

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Tikka: . Acesso em 25/07/2013.

Zezo: e . Acesso em 25/08/2013. De acordo com o dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa: " rabisco ou desenho simplificado, ou iniciais do autor, feitos, ger. com aerossol de tinta, nas paredes, muros, monumentos etc., de uma cidade; grafito".

Vale a pena nos determos um momento aqui para falar sobre o termo "consagrado" aplicado a este contexto. Para Bourdieu (1996), a consagrao social se d quando uma forma de arte referendada por instituies sociais incumbidas de tal funo, como a universidade e outros crculos acadmicos. Mais frente no texto elaboraremos melhor este ponto.

Entrevista disponvel em . Acesso em 15/05/2015.

"Grafiteiros criam Museu Aberto de Arte Urbana em So Paulo". Folha de S. Paulo, 03/10/2011. Disponvel em . Acesso em 20 de junho de 2015.

SOUZA, Diego N. A Street Art em So Paulo: os (no) contrastes entre o indoor e o outdoor. Pesquisa de iniciao cientfica com bolsa PIBIC-CNPq, 2013.

A lista foi retirada de um vdeo de divulgao do projeto, com falas de diversos grafiteiros assim como de alguns representantes do governo estadual de So Paulo. Disponvel em: . Acesso em 20/06/2015.

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