Maria Therezinha Nunes
GESTOS, IMAGENS E AÇÃO DAS PROFESSORAS PRIMÁRIAS
MINEIRAS: UMA LEITURA DO JORNAL
O DIÁRIO NA GREVE DE 1959
Belo Horizonte
Mestrado em Educação da PUC-Minas
2000
Maria Therezinha Nunes
GESTOS, IMAGENS E AÇÃO DAS PROFESSORAS PRIMÁRIAS
MINEIRAS: UMA LEITURA DO JORNAL
O DIÁRIO NA GREVE DE 1959
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado de Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para à obtenção de título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria Casasanta Peixoto
Belo Horizonte
Mestrado em Educação da PUC-Minas
2000
Dissertação defendida e aprovada, em 29 de novembro de 2000,
pela banca examinadora constituída pelos professores.
_______________________________________
Profª Dra. Ana Maria Casasanta Peixoto
_______________________________________
Prof ª . Dra. Maria Aparecida Paiva
_______________________________________
Prof. Dr. Carlos Roberto Jamil Cury
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu companheiro
Josadac e aos meus filhos Federico e Cristina.
AGRADECIMENTOS
Minha gratidão às pessoas que me acompanharam neste
empreendimento:
As minhas amigas Maria Alice Castelo Branco, Laura Nogueira
Oliveira e Nair A. de Castro, das quais recebi não apenas apoio
e incentivo, mas que me acompanharam em momentos felizes de
descoberta, e também de desânimo.
Aos meus colegas e professores do mestrado, em especial a
Patrícia Parreiras e às professoras Maria Auxiliadora Monteiro
de Oliveira e Sandra de Fátima P. Tosta pela amizade e
incentivo.
Um agradecimento especial à minha orientadora, Professora
Ana Maria Casasanta Peixoto, que soube incentivar, apoiar e
acompanhar com carinho e dedicação este trabalho.
Agradeço às ex-presidentes da APPMG D. Alaíde Lisboa, D. Ana
Coroacy Torquato e a Magda Campbel pelas informações
valiosas. Sou devedora, em especial, a Professora Marta Nair
Monteiro que me acolheu carinhosamente em sua casa
relatando a sua luta na greve de 1959 e nos movimentos
posteriores e que me cedeu o seu arquivo pessoal facilitando a
pesquisa nos jornais. Ao jornalista Edival Coelho Araújo, que
também forneceu valiosas informações para a leitura do “O
DIÁRIO”.
5
Não poderia deixar de registrar outras pessoas que muito
contribuíram neste trabalho:
Terezinha Taborda, que corrigiu o projeto; Rosilene Horta que
eu conhecia das greves da rede municipal e que generosamente
emprestou para mim todo o seu material de pesquisa; à minha
irmã Maria Célia Nunes Coelho que, apesar da distância em que
reside e de seus inúmeros afazeres, dispôs-se a ler o trabalho
ainda inconcluso, sugerindo e me incentivando; a Rogério da
Silva Marques, do setor de periódicos e microfilmes da
Biblioteca da PUC-Minas, sempre prestativo. A Tida Carvalho
que corrigiu o texto e por quem tive grande empatia. A Alba
Valéria Bibiano que não apenas formatou o texto mas cotejou
as referências com a perícia de detetive.
E, finalmente, agradeço ao meu querido companheiro Josadac
Figueira de Matos pelo apoio, carinho, compreensão, assim
como pela ajuda em muitas reflexões neste trabalho. Ao meu
filho Federico Nunes de Matos por ter me auxiliado e ensinado
a lidar com o computador e pelo scaneamento das fotos. À
minha filha Maria Cristina Nunes de Matos pelo apoio e
sensibilidade e pela sua constante preocupação em me retirar
de casa para ir a teatros e cinemas, na tentativa de aliviar
minha tensão. E aos três pela solidariedade que permitiu que
dividissem comigo os afazeres domésticos. À minha mãe,
presente nas minhas memórias, que foi a minha primeira
incentivadora no gosto da leitura.
“Ao vermos como os professores e professoras ajudaram a construir sua própria história (ainda que contraditória) e ao restaurarmos a sua (e nossa) memória coletiva da amplitude e sucesso de suas lutas culturais e políticas particulares, estaremos dando um grande passo a fim de tornarmos outra vez estas lutas legítimas em uma época de restauração conservadora. Através da compreensão de nossas vitórias anteriores, mesmo que essas tenham sido apenas parciais, estaremos reforçando a possibilidade de um futuro democrático.”
Michael Apple (1995, p. 178)
SUMÁRIO
LISTA DE FOTOS........................................................................................................ 8 RESUMO..................................................................................................................... 9 ABSTRACT................................................................................................................ 10 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 11 CAPÍTULO I – A LEITURA DO DIÁRIO CATÓLICO NO MOVIMENTO DAS PROFESSORAS PRIMÁRIAS - CONTEÚDO E FORMA NA PRODUÇÃO DE SIGNIFICAÇÃO ......................................................................................................... 35 1.1 A leitura do jornal, em sua forma e conteúdo, de 1935 a1959 – “O maior
jornal católico da América Latina”...................................................................... 39
1.2 A família, a educação, o trabalho da mulher fora do lar – movimento
operário cristão.................................................................................................. 47
1.3 A seção Educação e Ensino no movimento de Desagrado em 1954 ................. 59
1.4 A missão do jornal católico – orientar, dirigir e transigir .................................... 67
CAPÍTULO 2 - A AVENTURA DO JORNAL CATÓLICO NA COBERTURA DO MOVIMENTO DAS PROFESSORAS PRIMÁRIAS .................................................... 75 2.1 O discurso do jornal no dia a dia da luta: entre a realidade e a idealização .... 76
2.2 O papel do jornal num movimento de mulheres............................................... 115
CAPÍTULO 3 – AS IMAGENS DAS PROFESSORAS NO JORNAL - PRESENÇAS MACIÇAS.......................................................................................... 129 3.1 De professorado a professoras primárias - da passividade à participação...... 132
3.2 Nos gestos e imagens do jornal, a leitura da ação das professoras como
protagonistas da greve de 1959 ...................................................................... 151
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 178 FONTES .................................................................................................................. 185 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 186
LISTA DE FOTOS
Foto 1 – Mesa da presidência da Assembléia Legislativa na aprovação do
projeto de Aumento do funcionalismo .....................................................79
Foto 2 – Professora anônima em sua sala de aula ...............................................80
Foto 3 – Assembléia no Instituto de Educação no dia 12/11/1959 ........................92
Foto 4 – Assembléia de pais no Cine Floresta no dia 15/11/1959.........................99
Foto 5 – Chegada de D. Serafim na Assembléia da Secretária de Saúde no
final da greve no dia 21/11/1959 ...........................................................107
Foto 6 – Platéia mostrando o entusiasmo das professoras na Assembléia
que deflagrou a greve no dia 16/11/1959. A foto foi publicada no
jornal do dia 19/11/1959........................................................................138
Foto 7 – Flashes de um grupo de professores no quartel general da greve no
dia 20/11/1959 ......................................................................................155
Foto 8 – No QG da greve um grupo de professores no dia 20/11/1959 ..............156
Foto 9 – No QG da greve um grupo de professores no dia 20/11/1959 ..............157
RESUMO
Este estudo analisa, de uma perspectiva histórica e cultural, uma greve de professoras primárias ocorrida no Estado de Minas Gerais, em 1959. A fonte escolhida para a pesquisa foi O DIÁRIO, um jornal pertencente à Igreja Católica. O objetivo era compreender o comportamento das professoras numa situação em que poderia ser percebida alguma resistência, embora aparecesse de forma ambígua e contraditória, como de fato aconteceu. Considerando a análise do discurso do jornal e a ausência de falas das próprias professoras, presumiu-se que a imprensa com freqüência apresenta sua própria versão dos acontecimentos, escolhendo e classificando os fatos. Como o jornal escolhido para a pesquisa tinha uma forma de missão pedagógica e formativa de acordo com a ideologia e a doutrina da Igreja Católica, a interpretação do papel e comportamento das professoras só foi possível com a “leitura” das entrelinhas e omissões na narrativa jornalística. Mesmo assim, as professoras mostraram com presenças, imagens, gestos e ações a convicção e tenacidade com que estavam dispostas a defender seus interesses e objetivos. Apesar de tudo, elas agiram, como protagonistas.
Palavras-chaves: história cultural, Roger Chartier, profissão docente, gênero, representação, greve, políticas da Igreja Católica.
ABSTRACT
This study analyses, from a historical perspective and cultural, a school-teachers strike occurred in the Brazilian state of Minas Gerais in the year 1959. The source chosen for the research was O DIÁRIO, a Catholic Church’s newspaper. The purpose was to understand the teachers behavior in a situation when some resistance could be perceived, although it would come to sight in ambiguity and contradiction. Indeed it happened so. Considering the analysis of the newspaper discourse and the absence of the teachers own speeches, it was assumed that the press usually presents its own version of the events by choosing and classifying them. As the newspaper chosen as source had a kind of pedagogical and formative mission, according to the Catholic Church ideology and doctrine, the interpretation of the teachers role and behavior was possible only by “reading” the implicit non-written purpose and interpreting the omissions in the newspaper narrative. Even so, the teachers showed the conviction and tenacity with which they want to mind their won interest and objective with their presence, images, gestures and actions. Notwithstanding, the teachers acted, as protagonists.
Key-words: cultural history, Roger Chartier, teacher profession, gender,
strike, Catholic Church policies.
INTRODUÇÃO
Final de novembro de 1959. Naquele ano as crianças dirigiram-se aos
grupos escolares, eu no meio de muitas delas, recebendo a notícia de que não
aconteceriam as provas finais. Todos passariam pela média anual para as séries
seguintes. O governo havia decretado o final do ano letivo em função da greve
das professoras primárias. Nossa alegria pelas férias antecipadas, sem passar
pelos sofridos testes finais, contrastava com a apreensão das professoras quanto
aos resultados da greve em curso.
Minhas lembranças desta época são fragmentadas. Era criança e as
brincadeiras absorviam grande parte do meu tempo, além da distância temporal,
tendo passado 40 anos daquele acontecimento. Das poucas recordações
permaneceram as atitudes de ansiedade da minha mãe e de suas colegas
professoras, aguardando as notícias da capital, vindas através do jornal O
DIÁRIO, com grande penetração na cidade em que eu vivia no interior. Da greve
em si não acompanhei o desenrolar dos fatos, porém pude pressentir que ao final
algo de bom havia acontecido. Isso ficou bem claro quando no natal ganháramos
presentes e muitas roupas novas. Essas despesas sempre ficavam por conta da
generosidade da minha mãe com as quatro filhas, todas mulheres.
Quando entrei no mestrado em Educação na PUC-Minas, em 1998,
levava comigo algumas questões originadas na vivência profissional e sabia que
era delas que iria buscar o objeto da minha dissertação. O que não sabia é que
iria buscar este tempo mencionado e pesquisar justamente a greve das
professoras primárias, em 1959, no jornal O Diário, fato que de certa forma
marcara a minha infância, como filha de professora.
A formação da professora do ensino básico, antigo primário, foi uma das
preocupações e motivos de reflexões nos últimos anos da minha trajetória
profissional. As questões que surgiam e me desafiavam tinham origem na
escolha da profissão de professora. Graduei em História na Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas da UFMG. Trabalhei em várias escolas públicas e
12
particulares e entrei para a rede municipal de Belo Horizonte em 1981, dois anos
após a inauguração da Escola Municipal Geraldo Teixeira da Costa, em Venda
Nova, e nela permaneci até me aposentar no final de 1995. A escola mantinha um
clima organizacional favorável à formação continuada e à reflexão pedagógica e
nela participei da montagem e estruturação do Curso de Magistério. Os
professores da escola, em sua maioria, lutavam pela valorização profissional,
engajando-se nas campanhas salariais e nas greves e também na construção de
um espaço de formação e autonomia pedagógicas.
A criação do curso de magistério, em 1986, foi precedida da discussão de
uma proposta curricular e a postura da equipe era a de organização de um curso,
diferente dos demais, na preparação das professoras. A questão fundamental,
norteadora das discussões do grupo, era a formação para o compromisso político
e crítico. Procurávamos fugir, não apenas do tecnicismo, característica dos cursos
de formação de professores, como também da ideologia da vocação e do
sacerdócio, predominantes na socialização feminina nas escolas de magistério,
públicas e religiosas. Estruturar um currículo, acompanhando as mudanças de
valores na sociedade urbano-industrial era o desafio, dado que até mesmo as
escolas mais respeitadas de Belo Horizonte permaneciam formando professoras
do ensino básico nos padrões tradicionais.
Ser professora desse curso no Geteco, esta é a denominação carinhosa
que alunos e professores usam para referirem-se à escola, contribuiu para apurar
a minha sensibilidade frente à desvalorização do professor e, em especial, das
professoras que formávamos para as séries iniciais do ensino fundamental.
Percebi então o quanto a profissão deixava de ser atrativa e vinha sendo
abandonada pelas jovens que vislumbravam, na escolarização, possibilidade de
ascensão social e de reconhecimento profissional.
A desvalorização profissional manifestava-se claramente nos preconceitos
sociais acerca do professor e, de forma acentuada, contra a professora do antigo
curso primário. Era possível ver como os conflitos e discriminações em relação ao
Curso de Magistério e suas alunas estavam presentes, mesmo no cotidiano de
13
uma escola que se propunha inovadora em relação à prática social prevista para
esta professora.
Esses conflitos acabavam sendo transpostos para a própria categoria e
ficavam mais visíveis nos momentos de campanhas salariais e de greves, quando
as discussões envolviam todos os professores da rede municipal de Belo
Horizonte. No movimento salarial da categoria percebia-se claramente, a
separação entre os professores das séries iniciais, classificados como P1, e os
professores P2, como eram classificados os professores de 5a a 8a séries e de
Ensino Médio. Pode-se destacar que sempre houve, na rede municipal de Belo
Horizonte, tentativas de se formar um movimento paralelo de professores P2, mas
os promotores da proposta eram, no entanto, derrotados em todas as instâncias
de discussão da categoria1. Na verdade, o grupo separatista não percebia a
contradição do que defendia: o ensino fundamental era único, embora naquela
época ainda funcionasse seriado e muitas vezes em prédios separados. As
divergências entre os grupos tinham origens históricas diversas e se explicavam,
em parte, pela diferença na formação inicial, com exigência de curso superior para
os primeiros e de nível médio para as professoras do ensino básico.
Da complexidade dessa vivência nasceu meu interesse em pesquisar a
história da professora primária, procurando os contextos em que pudesse
contribuir para problematizar a visão das professoras do ensino fundamental como
passivas, acomodadas e apáticas às questões profissionais. Por isso, muitas
vezes, elas eram consideradas responsáveis pelo fracasso nas greves da
categoria.
Foi a partir desta vivência, buscando novas explicações e na tentativa de
encontrar lacunas na história das professoras, em situações em que elas
poderiam se revelar assumindo posições de resistência e de organização
profissional é que me deparei com a greve das professoras de 1959. A sugestão
do tema emergiu nas discussões para a elaboração do projeto. A história da greve
1 As professoras de ensino básico constituíam a maioria do professorado da rede e
qualquer movimento grevista dependia da suas adesões.
14
das professoras primárias pareceu importante por tratar de uma história de
mulheres e professoras, ainda não pesquisada. Foi necessário, no entanto, definir
o objeto a partir das questões presentes das professoras do ensino fundamental e
uma delas me desafiava há tempos: a busca da resistência das professoras
primárias.
Considerava necessário compreender, em um contexto silenciado, a
emergência das resistências femininas, uma vez que elas quase sempre são
responsabilizadas até os dias atuais pelo fracasso dos movimentos grevistas nas
redes públicas de ensino. O estudo da mobilização de 1959 poderia contribuir
para desmistificar a visão que se tinha e, ainda permanece, das professoras
como acomodadas e avessas à participação, e a mudança na prática pedagógica.
A pesquisa da greve das professoras primárias mineiras de 1959 me
seduzia por ser um acontecimento que se revelou significativo, ou no mínimo
insólito, para o final da década de 1950. Para se ter idéia do inusitado do
movimento basta lembrar a crônica de Drummond, feita por ocasião da greve de
1979, ou seja, 20 anos após esta primeira:
“Uma greve não é um acontecimento comum no Brasil. Se a greve é de professores, trata-se de caso ainda mais raro. E se os professores são mineiros, o caso assume proporções de fenômeno único.O que teria levado as pacatas, dóceis modestíssimas professoras da capital e do interior de Minas Gerais a assumir esta atitude, senão uma razão também única, fora de qualquer motivação secundária e circunstancial? Uma razão de sobrevivência? É o que toda gente sente e pensa diante de centenas de municípios onde as mestras cruzaram os braços e aguardam a palavra do governador do Estado.”2
A greve de 1959 deve ter chegado ao Rio de Janeiro, mas pode ter se
limitado ao espaço da Câmara dos Deputados, na expectativa de intervenção dos
deputados federais mineiros, ainda vivendo os últimos meses na antiga capital. Se
no final da década de 1950 a imprensa mineira, ainda provinciana3, tivesse
2 Drummond, Jornal do Brasil, 16/06/79 apud Novaes, 1987, p.60. 3 Castro, 1997.
15
atingido o público leitor do Rio de Janeiro o poeta poderia ter minimizado sua
visão no final de 1970, das professoras primárias, pacatas e dóceis, e talvez se
referisse a elas sem o uso de estereótipos. Pode-se pensar que o
desconhecimento da greve de 1959 deve-se em parte à passagem do tempo, mas
também ao fato de, ao contrário da greve de 1979, ela ter provocado
repercussões mais locais, enquanto a segunda refletia insatisfações dos
movimentos sociais envolvidos com a redemocratização do país.
Alguns fatos me intrigavam com relação à inexistência de pesquisa sobre
os movimentos de professoras na década de 1950, uma vez que alguns
pesquisadores já faziam referência aos movimentos, apontando a necessidade de
estudá-los para tentar compreender e explicar alguns problemas na organização
atual dos professores4. O que pareceu estranho, mas explicável em termos de
divergências ideológicas, desconhecimento, ou mesmo por fugir aos objetivos
propostos pelas pesquisas, foi a pouca importância dada à conquista salarial na
greve de 1959. Em estudo contemplando aspectos referentes às perdas e
conquistas da professora primária mineira, Novaes (1987) acentuou o papel da
greve de 1979, desconhecendo lutas e conquistas salariais anteriores5.
Dado a minha vivência questionando os estereótipos de passividade da
professora primária e a constatação da existência de poucas pesquisas
abordando os contextos de resistência das professoras primárias, em período
anterior ao final da década de 1970, o meu objeto de pesquisa foi se delimitando
na escolha da greve das professoras primárias em 1959. O objetivo da pesquisa
4 Os estudos sobre a organização dos professores que apontam os movimentos anteriores
em Minas Gerais são os de: Cavalheiro (1989), Bonacini (1992) Tavares (1995). O estudo que mais enfatiza a necessidade de estudar as organizações associativas é o de Vianna (1999), sobre a organização dos professores no Estado de São Paulo.
5 Novaes (1987) analisa um gráfico comparativo da evolução dos salários reais dos professores mineiros entre 1940 e 1980, identificando o menor salário no ano de 1954 e o maior no ano de 1960. Em momento algum ela questionou a razão para estes fatos. No ano de 1954 o governo federal concedeu um aumento de 100% no salário mínimo, que não foi acompanhado por muitos estados que diziam impedidos de conceder tal aumento por motivos orçamentários. Esta defasagem salarial provocou o primeiro movimento das professoras primárias mineiras, denominado de Desagrado. O maior salário real em 1960 foi resultante da conquista de 107% de aumento conseguido na greve no final de 1959 e que refletiram nos salários do ano seguinte.
16
era fazer a leitura da greve no jornal O DIÁRIO, mas refletindo sobre os gestos,
imagens e ações das professoras mineiras, em situações em que estas
demonstrassem a transgressão de normas e o enfrentando do governo do Estado
pela conquista salarial e reconhecimento profissional.
A fonte escolhida para a pesquisa foi O DIÁRIO, órgão da imprensa
católica em Minas Gerais, e implicou uma avaliação de possibilidades e limites.
Era possível e até mesmo desejável aliar na investigação a análise da imprensa
escrita com a de depoimentos orais das participantes, porém foi avaliada a
restrição de tempo para o uso de duas metodologias diferentes e a possibilidade
de análise no rico material constituído pela fonte jornalística escolhida com
gêneros diversos: reportagens, artigos, editoriais e fotografias. A leitura preliminar
d’ O Diário, conhecido como O Diário Católico e do Estado de Minas, sendo esse
último de maior circulação em Minas desde aquela época, justificou a opção pelo
jornal de orientação católica, o segundo mais lido do Estado. Embora a greve
estivesse presente no Estado de Minas, assim como no seu vespertino, O Diário
da Tarde, neles a cobertura dos acontecimentos estava restrita ao período de
duração da greve. Os dois jornais pertencentes aos Diários Associados, não
haviam acompanhado a emergência e o final do movimento, talvez porque lhes
faltasse interesse bem definido, ao contrário do periódico católico, que além de
incentivar, chegou até mesmo a interferir na condução da greve das professoras
mineiras.
A escolha de O DIÁRIO para o estudo da greve das professoras
primárias em 1959, dentre os principais órgãos da imprensa local, foi feita também
pelos seus vínculos com a Igreja Católica e sua influência cultural, dado o
predomínio do catolicismo no modo de vida da população6. A leitura cuidadosa do
jornal permitiu, por isso mesmo, uma análise rica do cotidiano vivido pelos vários
protagonistas dos acontecimentos, revelando um discurso religioso e masculino
sobre a mulher. Por último, a escolha do jornal escrito, diário e de cobertura ampla
6 Segundo censo de 1960, a população católica apostólica romana constituía 95,86% da
população mineira. Número da população de Minas 9.698.118. Número de católicos 9.297.158. A segunda religião era a protestante com o número de 208.580 adeptos. Fonte: Anuário Estatístico do IBGE – 1960.
17
às notícias relativas à vida social da população da capital e do interior de Minas,
como principal fonte de pesquisa, também foi feita levando-se em conta o
reconhecimento do poder da mídia de informar e de formar a opinião pública mas,
ao mesmo tempo, de captar a expressão cultural da época.
O estudo da greve das professoras no jornal implicava numa visão da
greve em seus aspectos culturais. A leitura cultural da greve na imprensa escrita
possuía o mérito de reconhecer as expressões coletivas nas práticas discursivas
do jornal para ou sobre as professoras, as falas da liderança, mas também as
suas imagens projetadas pelo jornal. A história cultural com ênfase nas
representações vinha cumprir o objetivo de compreender a emergência das
resistências das professoras. A delimitação do objeto e a opção teórica
objetivavam a leitura, análise e interpretação das representações culturais das
professoras primárias com a possibilidade de tomá-las como sujeito, assumindo o
movimento coletivo. Da mesma forma era possível interrogar se suas ações,
descritas pelo jornal, configuravam resistências ou atitudes de passividade,
submissão e acomodação. E qual teria sido a abrangência do movimento e a sua
importância para a história, não apenas das professoras, mas dos movimentos
coletivos posteriores de professores e professoras mineiros?
A presença, envolvimento e participação do jornal na greve foram motivos
de vários questionamentos: qual teria sido a razão e os propósitos do
envolvimento do jornal, reconhecidamente católico, com a greve? Qual a
interferência da doutrina da Igreja e do seu papel missionário no jornal? Como o
jornal representava a greve e que mensagens transmitia? Como o jornal era
produzido e qual o seu público? Que estratégias eram usadas na formação e
orientação dos leitores? Qual era a recepção do jornal pelos leitores? Estas
primeiras questões diziam respeito à leitura do jornal para a análise e
interpretação da greve das professoras, mas também reafirmavam a pertinência
da escolha metodológica, em consonância com a compreensão da História
Cultural na visão do historiador francês, Roger Chartier7. Foi, assim, priorizada a
interpretação dos discursos usados como fonte e testemunho de uma realidade,
7 Chartier 1990, 1991, 1994, 1997, 1998.
18
estabelecendo relações entre o contexto de enunciação e formas de apropriação.
O discurso, e neste caso, o dos vários gêneros jornalísticos, compreendidos como
o lugar onde as práticas culturais se transformam em linguagem. Uma história
cultural assim concebida, não está ligada à lógica de determinações de uma
instância da realidade sobre as outras, mas percebida de forma relacional, como a
compreende Chartier (1990, p.66):
“Na verdade é preciso pensar e (sic) como todas as relações, incluindo as que designamos por económicas ou sociais, se organizam de acordo com lógicas que põem em jogo, em acto, os esquemas de percepção e de apreciação de diferentes sujeitos sociais, logo, as representações constitutivas daquilo que poderá ser denominado uma ‘cultura’ seja esta comum ao conjunto de uma sociedade ou própria de um determinado grupo. O mais grave na acepção habitual da palavra cultura não é, por isso, o facto de ela geralmente respeitar apenas as produções intelectuais ou artísticas de uma elite, mas de levar a supor que o ‘cultural’ só é investido num campo particular de práticas de produções. Pensar de outro modo a cultura, e por conseqüência o próprio campo da história intelectual, exige concebê-la como um conjunto de significações que se enunciam nos discursos ou nos comportamento menos culturais.”
Foi esse o motivo da escolha da metodologia da história, na forma como
a concebe Chartier (1994) como leitura das práticas culturais, levando-se em
consideração que a análise puramente lingüística dos textos não dá conta de
interpretar os movimentos na história. É que coexistem nos discursos duas lógicas
diferentes: a letrada e a prática. A primeira é logocêntrica e hermenêutica
reguladora da produção do pensamento e do discurso e a segunda persegue a
lógica da ação. A escolha do registro do jornal sobre e para as professoras,
também implicou em compreender as suas ações coletivas, mesmo que elas não
se expressassem no jornal de forma direta, mas através de gestos e imagens que
expressavam suas ações. A pesquisa procurou interpretar as expressões das
professoras nas imagens verbais e não-verbais do jornal, ou mesmo em falas de
liderança, enunciadas em omissões e contradições do próprio discurso jornalístico.
A dissertação foi assim produzida tendo como fonte básica o discurso do
jornal O DIÁRIO, procurando a análise e interpretação em contexto de produção,
19
coerente com a metodologia proposta, que sugere a análise preliminar do discurso
no seu suporte material, aliando forma e conteúdo na tentativa de compreender
os propósitos editoriais do jornal. Na interpretação do mesmo, tornou-se
necessário, às vezes, usar o recurso de contrapor algumas informações com as
mesmas notícias de o Estado de Minas e do Diário da Tarde8, usando-as na
maioria das vezes em notas de rodapé. Por esse motivo o uso de informações dos
dois jornais de propriedade dos Diários Associados, empresa concorrente do
jornal católico, foi restrita obrigando-me a desconsiderar a maioria delas por
coerência com a metodologia definida. Pequenos trechos de o Diário da Tarde
foram usados no final do terceiro capítulo com o objetivo de mostrar como os
jornais possuem posições diferentes e como uma mesma notícia, narrada de
forma semelhante, adquiriu conotações diferentes pelas omissões ou acréscimos
de informações. Elas também foram inseridas pela avaliação de que não
comprometiam a essência da proposta de análise do jornal escolhido como fonte,
contribuindo com outra versão e informações que ajudariam a explicar a coerência
do jornal O DIÁRIO com os seus princípios pedagógicos.
As imagens fotográficas foram colocadas no corpo da dissertação para
dar ao leitor uma compreensão da linguagem jornalística da época. Considerando
a complexidade de se trabalhar a técnica fotográfica para a decodificação da
linguagem em suas especificidades, elas estão propostas como fonte9 com a qual
é possível interpretar o conteúdo e a produção de sentidos e não apenas para
ilustração do texto. As fotografias foram selecionadas como portadoras de
mensagens de um tempo e de um espaço e assim como o texto, não são
linguagens neutras, mas produzidas pela visão de mundo do fotógrafo. Junto ao
texto elas são registros de presenças e gestos das professoras, naquilo que o
“instantâneo”, a captação de um momento contribui para situar o tempo e o
espaço de vivência dos sujeitos fotografados, no caso as professoras primárias
8 Alguns desses recortes de jornais foram cedidos pela professora Marta Nair Monteiro,
porém foi necessário recorrer à pesquisa no arquivo do Estado de Minas porque muitos deles não possuíam referências a data ou ao jornal no qual estavam inseridos.
9 Fotografia como fonte ver: Vidal (1994, 1998) Le Goff (1982).
20
em sua época10. Também é para mostrar como o jornal usa a imagem, reforçando
o texto escrito na tentativa de comprovar a verdade da narrativa, ou para induzir a
imaginação do leitor. Vistas desta forma as fotografias cumprem o objetivo de
afirmar os sentidos e as mensagens do jornal, permitindo a discussão da
parcialidade da informação. A leitura da fotografia que é portadora de significados
propostos pelo fotógrafo e o editor e que pressupõe o mesmo procedimento crítico
necessário à análise de qualquer fonte.
Ao tomar contato com o jornal e tendo-lhe analisado em sua
materialidade, forma e conteúdo, ficou clara a necessidade de ampliar sua leitura,
mesmo que se tenha demarcado para análise e interpretação a greve de 1959. A
abordagem do movimento das professoras foi feita a partir do ano de 1954 pela
necessidade de compreender o seu desenvolvimento e crescimento na década de
1950. Antes de iniciar a pesquisa, acreditava que bastava a leitura do jornal dentro
do marco delimitado, o período da eclosão da greve de 1959, para apreender as
representações da sociedade a respeito das professoras e como o jornal captava,
reproduzia ou reformulava estas imagens sociais. O movimento de 1954 revelou-
se, no entanto, importante para a compreensão de que a organização de uma
greve não pode ser compreendida pelos fatos imediatos, mas sim como parte de
um processo de construção coletiva mais ampla que ultrapassa os limites da sua
deflagração. Foi fácil constatar que em 1954 surgiram lideranças capazes de
propor um enfrentamento radical com o governo, mas acredito e não posso
afirmar, porque não aprofundei no movimento, que ele não teria avançado, até
mesmo pelo fato de necessitar de tempo para se organizar no Estado11.
10 “Apesar de toda perícia do fotógrafo e de tudo que existe de planejado em seu
comportamento, o observador sente a necessidade irresistível de procurar nesta imagem a pequena centelha de acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem, de procurar o lugar imperceptível em que o futuro se aninha ainda hoje em minutos únicos, há muito extintos e com tanta eloqüência que podemos descobri-lo olhando para trás. A natureza que fala à câmara não é a mesma que fala ao olhar; é outra, especialmente porque substitui a um espaço trabalhado conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre inconscientemente.(...) Só a fotografia revela o inconsciente ótico, como a psicanálise revela o inconsciente pulsional.(...)” (Benjamin, 1994, p. 94).
11 “As professoras de Minas estão contrariadas com a atitude das autoridades, que fogem a atender suas pretensões. Uma ala do magistério primário vem elaborando um ultimato ao Palácio da Liberdade que seria do abandono das escolas. (...) Até agora, porém a Associação nada decidiu”. (O DIÁRIO, sexta-feira, 3 de setembro de 1954).
21
Para interpretar os acontecimentos considerei a necessidade de fazer
uma revisão bibliográfica, buscando pesquisas que contemplassem o objeto a ser
estudado com um repertório de informações e análises que facilitassem a
interpretação do discurso do jornal O DIÁRIO no contexto escolhido, a greve das
professoras primárias de Minas Gerais em 1959. A revisão bibliográfica foi feita a
partir de dois recortes dentro de um universo de pesquisas sobre a formação e
profissionalização docente e em ambos priorizou-se as pesquisas que consideram
o conceito de gênero para a compreensão das relações sociais dos sujeitos
envolvidos, as professoras primárias. São elas:
1. As no campo da História da Educação, mas também em outras áreas,
que buscam interpretar permanências e mudanças na socialização da
mulher e da professora, desvendando as estratégias usadas nas
instituições informais e formais de educação e as apropriações das
professoras aceitando ou resistindo a estes mecanismos.
2. As sobre a organização coletiva do magistério, enfatizando a organização
sindical, que tomam como objeto as professoras das séries iniciais, algumas
das quais produzidas em Minas e que questionam a permanência da
imagem das professoras como passivas ou atrasadas, a partir da concepção
da possibilidade de mudança pelo caráter pedagógico da participação
política e sindical. Algumas pesquisas sobre professores em escolas de
ensino médio foram selecionadas, porque ampliavam a discussão da
contradição entre passividade e resistência e enfatizavam a participação
coletiva e, em especial, as que compreendem as greves do magistério como
experiência cultural e de aprendizado político.
Num primeiro momento foram selecionadas obras pioneiras que
abordavam a relação profissional, política e a prática pedagógica. Entre elas
estão as pesquisas de Luiz Pereira (1969), Ribeiro (1984), Saffioti (1976), Mello
(1998) e Novaes (1987). Esses estudos embora possuindo diferentes marcos
teóricos, possuem em comum a compreensão em relação aos professores a partir
de origem de classe, ideologias, relações de trabalho no sistema capitalista,
movimentos sindicais e questões de gênero.
22
No primeiro grupo foram selecionadas pesquisas que estabelecem
relações entre formação das professoras, mecanismos usados pelas instituições
formadoras das mesmas para impor as representações sobre a profissão e as
apropriações das professoras, acomodando ou resistindo às representações
socialmente construídas sobre a profissão. Considerei representativa, sem
desprezar muitas outras que estarão sendo usadas no corpo do trabalho, as
pesquisas de Teixeira Lopes (1991), Louro (1997), Ferreira (1998), Assumpção
(1996), Pereira (1996) e Almeida (1998). Esse grupo de pesquisadores tem em
comum o trabalho com as representações sociais historicamente produzidas e,
embora reconheçam as contradições na realidade social, alguns deles
reconhecem mais a permanência, resultando desse entendimento a descrença da
mudança, em curto prazo, nas atitudes políticas e pedagógicas das professoras
primárias.
Na pesquisa de Teixeira Lopes (1991a), percebe-se a filiação à história
social do uso conceito de mentalidade e de “longa duração”, preocupando-se mais
a pesquisadora com a persistência das estruturas, em contraposição às
transformações, rupturas e descontinuidades. A opção pela ótica da
“permanência” fica clara na seleção dos textos coletados: discursos religiosos,
políticos, regras disciplinares, panfletos, iconografias, objetos em geral que
guardam relação com os sinais das “pregnâncias” que podem ser encontrados na
educação feminina até os dias atuais. A autora parte do questionamento: “(...) que
falamos e como falamos? Como agimos hoje em nossa prática docente?”12
mostrando a permanência na mentalidade da mulher professora de um discurso
religioso, que ela apropriou e continuou reproduzindo.
Pereira (1996), usando a categoria “gênero” procurou explicar a
permanência no cotidiano pedagógico da professora primária, do discurso
religioso. Seu problema se constituiu na preocupação com a prática pedagógica e
a relação profissional. A pesquisadora investigou as origens da formação das
professoras em duas Escolas Normais religiosas, uma protestante e outra católica.
As duas mantinham, ao lado do ensino convencional, o regime de internato até a
12 Teixeira Lopes, 1991a, p.72.
23
década de 1960, explicado pela concentração da população na área rural e à
ausência de Escolas Normais nas pequenas cidades.
O uso da análise do discurso permitiu à autora recorrer aos mesmos
enunciados discursivos em temporalidades diversas, conseguindo apreender
descontinuidades, rupturas e resistências. No entanto, em sua pesquisa há a
descrença na mudança política e pedagógica das professoras em curto prazo,
pela forma de apropriação lenta, e nem sempre libertadora, das imagens
conservadoras sobre profissão:
“Assim as alunas vão vivenciando o longo aprendizado de se tornarem mulheres-professoras. Aprendizado que as fará repetir, enquanto professoras, essa mesma dimensão simbólica na composição de cenas do cotidiano escolar. Atitudes que persistem e insistem, fazendo do dia-a-dia da vida escolar uma repetição de gestos e sentidos nem sempre libertadores.” (Pereira, 1996, p. 73)
O trabalho de Assumpção (1996), uma pesquisa com uso do método
etnográfico, é representativo das interpretações do magistério como uma
idealização feminina. Ela reafirma que a mulher não tem se assumido como
profissional e esta negação pode ser compreendida a partir da escolha da
profissão, marcada pela “inevitabilidade de classe e as relações de gênero”, assim
como pelas origens e formação nos Cursos de Magistério. Para a autora, a
formação nestes cursos permanece impregnada das concepções de “natureza
feminina”, assim como o de “gostar de crianças”. Seu estudo numa escola da rede
municipal revelou sua descrença em mudanças significativas, mesmo em tempos
atuais, na relação da mulher com a profissão. Ao falar das greves, iniciadas em
1979, a autora expressa a compreensão das permanências:
“Atualmente, estes movimentos não causam os mesmos ‘abalos’ como àquela época, nem a ‘consciência política e sindical’ adquirida através de tais movimentos deu conta de resolver os problemas, ou arrefecer idéias e concepções historicamente construídas a respeito do magistério como profissão de mulher. O imaginário social acerca de determinados objetos, grupos, profissões etc, não se modifica tão rapidamente, e dez anos não são suficientes para transformar o que foi construído em centenas de anos.” (Assumpção, 1996, p. 83)
24
Um dos últimos trabalhos de Louro (1997) teve como objetivo revisar
algumas questões tratadas pela pesquisadora, sintetizando os seus estudos sobre
o magistério como profissão feminina. O mérito deste, como de outros estudos no
campo, está na busca da construção histórica da professora como profissional,
procurando explicar a produção social da mulher nos múltiplos lugares de
imposição do poder masculino, como na família, na imprensa, mas,
principalmente, na sua formação nas Escolas Normais. Ela analisa diversos
momentos onde a normalista incorpora ou resiste aos controles e ensinamentos
da escola. Da mesma forma demonstra as contradições da instituição escolar na
tentativa de, por um lado, controlar a mulher e, por outro, libertá-la. Acredito que
uma das questões mais importante em seu trabalho é a constatação de que as
representações são historicamente construídas, podendo ser modificadas.
As mudanças sociais e transformações no discurso didático e pedagógico
ao longo do tempo contribuíram, segundo a autora, para transformar as
“professorinhas e normalistas” das primeiras décadas, em profissionais e líderes
sindicais. Ela percebe a mudança cultural acompanhando as discussões do
campo pedagógico e profissional:
“Acompanha essa nova orientação do campo educativo uma ênfase no caráter profissional da atividade docente, o que é feito relegando o afeto, a espontaneidade e a informalidade nas relações intra-escola e a informalidade nas relações intra-escolares a uma posição secundária. Há uma tendência em se substituir a representação da professora como mãe espiritual por uma nova figura: a profissional do ensino. De fato, essa expressão é muitas vezes empregada nas mensagens governamentais, nas orientações dos múltiplos órgãos administrativos criados para regular o sistema educacional, na mídia e até pelas próprias professoras e professores.” (Louro, 1998, p. 472-473)
A pesquisa de Ferreira (1998) tem em comum com as demais já citadas,
o uso da análise do discurso e o reconhecimento do poder da linguagem de criar
representações em diferentes tempos e espaços sociais. Estudando a profissão
através das representações sociais, ele enfatiza a dimensão simbólica, buscando
identificar mudanças nas representações dos professores sobre a profissão. Em
sua abordagem, o autor analisa as representações no imaginário social do e sobre
25
o(a) professor(a) e as diferentes formas de apropriação e modificação dessas
representações através dos tempos.
Seu trabalho usou como fonte o Jornal do Brasil para compreender as
mudanças nas imagens sociais da profissão, escolhendo analisá-las nas datas
comemorativas do dia do professor entre 1940 e 1992.
Tomando como base a formação das representações coletivas em
Durkheim e conjugando-a à alegoria religiosa proposta por Mircea Eliade, do
tempo sagrado e profano, o autor procurou explicar as transformações no
imaginário social sobre o professor entre um tempo e outro. Sua pesquisa permitiu
demonstrar que a partir do momento em que o(a) professor(a) recusou o sacrifício,
reivindicou o material, representado pelo salário, profanou a profissão e contribuiu
para a perda de seu prestígio e desvalorização. É esta a sua compreensão:
“Nos discursos selecionados no JB na década de 60, pôde-se identificar o início das mudanças nas representações simbólicas que a sociedade faz do professor. A intensidade das referências que tomam o magistério enquanto atividade sagrada se dialetiza e começa a aparecer, também, nas que a admitem enquanto atividade profana. Neste particular, apenas constatamos mais uma vez o ‘paradoxo’ ressaltado por Eliade (s./d.). Ocorre que novos vestígios, novas marcas, nos dão indícios de que a representação do professor começa a sofrer profundas alterações. Antes, apesar da existência do profano, é o sagrado que prepondera. A partir desse momento, é o profano que começa gradativamente a assumir um espaço maior no nosso imaginário social.” (Ferreira, 1998, p. 78)
A pesquisa de Almeida (1998) diferencia-se das demais pela crítica às
análises históricas sobre professora primária, principalmente as realizadas nas
décadas de 1970/80. Segundo a autora, esses estudos tiveram o mérito de
contribuir para explicar a socialização da professora, porém as colocaram como
vítimas de uma sociedade fálica e patriarcal, receptoras passivas de imposições
sociais, mas para manter coerência com a filiação marxista, foi reconhecido um
certo potencial de resistência contra a opressão. Ela usou como fontes de
pesquisa a imprensa periódica educacional e feminina e a memória oral de três
professoras primárias das primeiras décadas do século, em cidades de porte
26
médio do interior paulista.
A autora questiona as interpretações que relacionam a desvalorização do
magistério com a inserção das mulheres nesse campo de trabalho: o mito da
existência de uma fase áurea em que o magistério era uma profissão bem
remunerada; o da passividade da professora primária; o da vitimização da
professora decorrente da condição feminina; o de que a feminização se deu
porque os homens se retiraram e concederam os espaços para as mulheres; de
que os salários recebidos pelas professoras destinavam-se a pequenos gastos13.
Além de acrescentar que “o imbricamento dos atributos de missão, vocação ou
sacerdócio com o desempenho da docência não se referia apenas às professoras,
e sim a todo o professorado de uma forma geral”14, uma vez que o “dever
sagrado” de professores e professoras relacionava-se ao ideário positivista de
progresso da nação15. Ela questiona a desqualificação dos discursos da
professora primária de escolha profissional em sua dimensão afetiva, pois mais do
que de destino, trata-se de escolha, “a paixão pelo possível”16. Segundo a autora,
a atribuição feita às professoras de receptoras passivas dos discursos, ignora-as
como sujeito que efetua escolhas de acordo com a “concretude da sua
existência”17.
Algumas pesquisas desse primeiro grupo enfocam mais as permanências
de mentalidades e visões de mundo das professoras primárias numa visão mais
estrutural e antropológica, enquanto outras buscam compreender as contradições
em tempos e espaços diversos. Essa primeira vertente possui o mérito de
contribuir para mostrar o papel da linguagem e das práticas discursivas na
construção social de imagens que, ao se cristalizarem, acabam sendo percebidas
como naturais. Por outro lado, em algumas delas as professoras são vistas como
objeto de uma doutrinação ao longo do tempo, sem mostrar subjetividades e
13 Almeida, 1998, p. 77. 14 Ibidem. p. 145. 15 Ibidem. p.145. 16 Ibidem. p. 208. 17 Ibidem. p. 207.
27
diferenças na apropriação dos discursos, ou mesmo, resistência em alguns
momentos. A apreensão quase exclusiva da permanência é resultante de uma
escolha metodológica, usando séries discursivas homogêneas, sem a relação
com contextos históricos reveladores da ação dos sujeitos, dificultando as
percepções das contradições e as diferenças nas apropriações.
Um segundo grupo de pesquisas sobre a organização coletiva docente18
obrigou o estabelecimento de um critério de escolha. Busquei as que mais se
aproximassem do meu interesse em analisar o movimento coletivo como o de
uma organização profissional e a greve em sua expressão cultural, e não apenas
política e econômica. Esses estudos quase sempre estão pautados no “novo
sindicalismo”, em contraposição ao sindicalismo anterior, e os que trabalham com
a organização dos professores em Minas Gerais adotam como marco a greve de
1979 e a criação em Minas Gerais da UTE19.
Neste grupo foram selecionados os estudos de Lopes (1987), Cavalheiro
(1989), Teixeira (1992), Bonacini (1992), Furtado (1996), Souza (1996) e Vianna
(1999). Essa última foi escolhida pela relevância de uma análise bibliográfica
sobre a organização dos profissionais da educação nas décadas de 80 e 90,
apontando a necessidade de se pesquisar os movimentos de professores
anteriores ao final da década de 70 com o objetivo de compreender certas
permanências nas organizações representativas dos professores.
A pesquisa de Lopes (1987), analisa as relações dos professores
enquanto trabalhadores de ensino em pequenas cidades e zonas rurais. Com
esses personagens a autora tece um cenário analisando a escola primária nesses
lugares. Na ótica marxista dos conflitos de classes, procura explicar como o
18 Vianna (1999) faz um estudo que pode ser considerado como um “estado da arte” sobre o
chamado “novo sindicalismo”, conseguindo levantar 54 trabalhos nesta área entre teses e dissertações de mestrado, tendo sido enfatizados na organização do magistério apenas a sua forma sindical.
19 No mesmo estudo, Vianna (1999) estabelece diferenças entre as pesquisas da década de 80 que se inserem em um contexto de otimismo e crença na mudança via conscientização e os últimos estudos da década de 90 que ela denomina “novo sindicalismo” que já refletem a crise nas relações sindicais contemporâneas. Aqui estou considerando ambos como “novo sindicalismo” em contraposição ao movimento associativo e sindical, anteriores a 1979.
28
Estado capitalista se apropria e transpõe para a escola as formas de
gerenciamento “científico” de divisão do trabalho. Na sua perspectiva, o Estado
transfere para a escola a forma de organização fabril, impondo a divisão do
processo de trabalho, criando hierarquias para manter a disciplina, contribuindo,
assim, para acentuar os conflitos. Nele, a autora busca captar o(a) professor(a)
trabalhador(a) da educação, aprendendo a resistir, individual e coletivamente, aos
mecanismos de domesticação e disciplina que lhe são impostos.
O estudo de Cavalheiro (1989)20, distingue-se dos demais por recuperar
alguns fatos relativos à história das professoras anterior à greve de 1979. Seu
trabalho menciona as lutas das professoras primárias desde a década de 194021.
A tese de Bonacini (1992) procura traçar um perfil da professora primária
em Minas Gerais como sujeito político. Seu estudo consiste na tentativa de
examinar a história da organização da professora primária e as mudanças
políticas na prática pedagógica. Embora não aprofunde nos antecedentes
históricos da greve de 1979 destaca a importância dos movimentos anteriores na
constituição do chamado “novo sindicalismo”. Com este objetivo realiza um
levantamento das lutas das professoras primárias promovida pela APPMG na
década de 1950-1953, 1954, 1956 e a greve de 1959. A autora menciona também
duas outras paralisações ocorridas na década de 1960, em plena vigência dos
governos militares. No final, já pontuando as greves a partir do “novo
sindicalismo”, busca explicar o declínio do movimento dos professores no final da
década de 1980.
Ela não concorda com as representações das professoras primárias como
atrasadas e sem uma posição crítica, demonstrando como elas, ao contrário,
sempre foram capazes de se organizar e resistir ao autoritarismo:
20 Este trabalho não se encontra entre os 54 trabalhos identificados por Vianna (1999) e só
foi identificado porque fez parte da revisão bibliográfica da dissertação de Horta (1996). 21 Sua dissertação se constitui em um relato cronológico dos movimentos organizados pelas
entidades de professores primários desde a década de 1940. Contém dados relevantes sobre a criação da CPPB – Confederação dos Professores Primários do Brasil –, transformada em 1970 em CPB – Confederação dos Professores do Brasil (atualmente é denominada CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores de Ensino). Ela também
29
“As professoras primárias têm uma cultura própria que resiste à padronização e integração, com força para desequilibrar o instituído. A sua resistência e luta no cotidiano de trabalho, contra relações autoritárias impostas pela direção e especialistas, vão se travar também com representantes da entidade, quando o autoritarismo surge na instituição, através da divisão dirigente/dirigidos. Ao contrário do que pensam muitos representantes da categoria, a mestra não é, portanto, ‘atrasada’ e ‘despolitizada’, possuindo um saber que funciona como balizador do poder que ameaça sua autonomia e liberdade (...)”. (Bonacini, 1992, p. 230)
Furtado (1996), procurou elucidar questões fundamentais relativas ao
processo de montagem de “uma nova estrutura sindical”, a partir do contexto de
mobilização social do final dos anos de 1970. Seu trabalho está inserido no
conjunto de estudos fundamentado nas interpretações de Thompson e que
compreendem a participação política como experiência e aprendizado. Neste
sentido, a participação contribui para a formação do trabalhador como sujeito
coletivo. Sua análise apesar de contemplar a greve em expressões culturais não
contempla a categoria gênero e continua trabalhando o professorado como um
sujeito universal. Um dos fatores na explicação da criação de um novo sindicato –
União dos Trabalhadores de Ensino – UTE é o de que a Associação anterior era
apenas de professoras primárias, não abrangendo todos os professores. As
professoras primárias são apresentadas como portadoras de um imaginário
religioso e despolitizador, criando nas greves uma “estética feminina”, utilizando-
se dos rituais religiosos, que são diferentes da visão “clássica” de greve. No
entanto, ele mostra como no início do movimento os dirigentes sindicais também
usaram o imaginário cristão, como postura pragmática para em seguida superá-
lo22:
faz um pequeno relato histórico das entidades: APPMG e UTE. 22 O autor observa como foram usados os salões das paróquias, como locais de regionais
de greve, nos movimentos iniciais, assim como o engajamento de padres e bispos progressistas no movimento e até mesmo o recurso do presidente do sindicato Luiz Dulce de enviar uma carta ao papa por ocasião de sua visita a Belo Horizonte. Porém, o que ele toma como superação ao imaginário cristão é o afastamento paulatino do uso de rituais como procissões, vigílias, paródias de músicas religiosas o que ele denomina de “uma estética da professora primária, muito diferente do movimento sindical clássico brasileiro”.
30
“A questão crucial enfrentada ao longo da década de 80 tornou-se a reelaboração da matriz discursiva, no sentido de uma maior ‘politização’, com um recorte mais preciso em torno de algumas questões mais específicas quanto à educação. Nesse processo, o recurso original ao imaginário cristão foi perdendo espaço na proporção do crescimento da institucionalização, que impunha a criação de outras formas de expressão e legitimidade.” (Furtado, 1996, p.130)
A investigação de Souza (1996) foi feita numa escola paulista de 1º e 2º
graus, escolhida entre várias pesquisas realizadas em outros estados, pela análise
das contradições nas representações dos professores, percebidas no cotidiano
escolar em função do envolvimento dos professores com as lutas pela
democratização da escola e as greves dos professores públicos conduzidas pela
Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo –
APEOESP. Sobressaí nesta análise as mudanças nas representações do grupo
pesquisado e o aprendizado político nas greves que é transposto para a prática
pedagógica. A autora reflete sobre a permanência da idéia de vocação no
imaginário dos professores, mas com mudanças significativas de sentido. Esta
noção adquire o sentido de dever e obrigação social a ele atribuído por Weber.
Nesse sentido, a crítica à ausência de condições materiais para a realização do
trabalho, como os baixos salários, feita pelos professores, seria manifestação de
resistência. Por isso alguns depoimentos podem ser considerados contraditórios,
revelando, ao mesmo tempo, conformismo e resistência como no depoimento a
seguir:
“Eu estou no magistério, hoje, por paixão, porque gosto do que faço. Estas coisas é que estão presentes. Não é só salário. Eu recebo mal? Recebo. Concordo que o trabalho escravo acabou em 1888. Mas outras coisas são importantes. Senão teremos uma sociedade sem pessoas com formação, onde uma minoria detém o poder político e o poder intelectual, também. (...) você não amplia este leque para as pessoas, que é tão vasto. Estaremos sempre sustentando direta ou indiretamente esta realidade que se apresenta.” (Professor ACT, sete anos de magistério, apud Souza, 1996, p. 120)
O trabalho de Teixeira (1992), busca interpretar a greve dos professores
(Furtado,1996, p. 91).
31
da rede particular em 1989. Seu estudo se inscreve entre aqueles que tomam
como base teórica a perspectiva da experiência e o aprendizado no “fazer-se”
classe trabalhadora de acordo com Thompson (1987). Ela interpreta o processo
de transformação do trabalho em vários “ritos de passagem”: de artesão a
assalariado, de ofício a emprego até o momento em que a profissão é
proletarizada e o professor(a) perde a autonomia do seu processo de trabalho.
Segundo, a autora, o processo de proletarização, no entanto, não é contraditório
com a busca de uma identidade profissional.
Um dos recortes da pesquisa é a discussão do gênero na observação da
participação das professoras primárias no movimento. Da mesma forma como ela
acredita na mudança pela participação, interpreta que houve rompimento das
professoras com representações sociais construídas para o magistério como
profissão feminina. Ela observa, na greve, as professoras conquistando o espaço
público e político, rompendo as amarras da obediência e da passividade. Porém
ressalva: “Um aprendizado que não é igual para todas as professoras e depende
do maior ou menor envolvimento na construção do movimento e das rupturas que
elas tenham experimentado.”23
A pesquisa de Vianna (1999), diferente das demais, propõe ampla revisão
da produção acadêmica acerca da organização da profissão docente no Brasil. O
levantamento do estado da arte sobre a questão da organização coletiva é feito a
partir de uma interrogação: quando e como a produção acadêmica começou a
enfrentar o problema da dificuldade na organização docente? A resposta a esta
questão é uma análise criteriosa da complexidade da constituição da identidade
coletiva que ela resume no título: Os nós dos “nós”. A sua tese foi um estímulo à
pesquisa no contexto da greve de 1959. Ao chamar atenção para os equívocos
cometidos pelos enfoques centrados no sindicalismo, ela indicou a necessidade
da retomada histórica do movimento associativo, ou sindical, anterior ao final da
década de 1970. Segundo a autora, recentemente, em São Paulo, alguns
trabalhos têm-se voltado para o estudo do associativismo, tomando-o como
referência importante para a análise da organização sindical docente.
32
A segunda vertente, tal como a primeira, trouxe contribuições importantes
como a compreensão do processo de mudança através da construção do
movimento coletivo. As pesquisas deste grupo, por se situarem em um contexto
político bem demarcado de reconquista dos direitos políticos e dentro do período
denominado “novo sindicalismo”, cometeram equívocos de interpretação como a
crença na imediata aprendizagem propiciada pela participação política. A crença
imediata das mudanças não considerou que o movimento da história não ocorre
por rupturas, mas em processos descontínuos de mudanças e permanências.
Esta analise é assumida por Vianna (1999) que propõe a busca da organização
coletiva dos professores em Associações do tipo corporativista, típica dos
movimentos operários no período populista, contribuindo para explicar as
permanências de antigas posturas tanto dos liderados quanto das lideranças nas
organizações sindicais contemporâneas.
As duas abordagens acima descritas, os estudos mais centrados na
História da Educação e das professoras, buscando explicar as mudanças e
permanências e as estratégias usadas, principalmente, na socialização das
mulheres professoras e as relações com a organização profissional e a prática
pedagógica, e as do segundo grupo enfatizando a possibilidade da mudança pela
educação política contribuíram para desvelar as construções simbólicas e as
representações produzidas e assumidas pelos professores em tempos e lugares
diversos.
A partir das explicações das duas vertentes teóricas apontadas, propus
pesquisar a greve das professoras, conforme já explicitei, procurando analisar até
que ponto as professoras poderiam ser compreendidas como protagonistas da
ação na greve de 1959. Importava descobrir nos discursos dos jornais as
representações da sociedade sobre a profissão do magistério; nas falas da
liderança o discurso do grupo profissional e, por trás das narrativas do jornal, a
ação das professoras.
Na análise foi necessário partir do conhecimento da forma como os meios
23 Teixeira, 1992, p. 302.
33
de comunicação criam versões dos fatos de acordo com os seus interesses para
não apenas informar, mas também formar o leitor24. O jornal de orientação
católica, mais do que qualquer outro, atendia objetivos pedagógicos coerentes
com a percepção dos conflitos na perspectiva da Igreja. Naquele momento, a
Igreja demonstrava interesse em exercer influência e controle sobre os
movimentos sociais, criando formas de organização, seguindo as divisões em
segmentos por sexo, idade e inserção no mercado de trabalho. A visão da Igreja
de uma sociedade harmônica era antagônica à dos grupos de esquerda do
movimento operário, representado principalmente pelo partido comunista com
visão de conflito e luta de classes, o que significava ameaça ao projeto
conservador da Igreja que propunha a manutenção da ordem e a paz social.
A dissertação foi dividida em três capítulos, procurando captar desde o
contexto de produção na materialidade e conteúdo do jornal, até a greve em suas
expressões culturais, com as professoras vistas em gestos e imagens,
demonstrativos de subjetividade, mas também de posicionamentos profissionais.
No primeiro capítulo busquei a leitura do jornal impresso, procurando
conjugar forma e conteúdo, dizendo respeito à contextualização de uma época,
possibilitando a sua leitura crítica como fonte usada na construção da história. A
forma do jornal relativa ao uso de recursos técnicos de impressão, das
disposições das matérias, correspondendo a um estilo de época, o conteúdo e ou
a mensagem do veículo que estão ligados a um projeto, missão pedagógica de
um jornal de orientação católica, em seu envolvimento com os movimentos sociais
e, em especial, com o movimento das professoras primárias na década de 1950.
No segundo capítulo analisei o discurso do jornal na greve das
professoras primárias em 1959, buscando recuperar na sua narrativa os principais
acontecimentos, as mensagens, os sentidos, os momentos significativos e a sua
organização como um movimento coletivo.
De um lado tento captar como o jornal instiga, forma opinião, busca
24 Le Goff, 1992, p. 22-23.
34
adesão e assume um projeto específico da Igreja Católica, expressando uma
prática de dominação masculina. Por outro, analiso nas posturas assumidas pelas
professoras as contradições na tática do consentimento, dando a aparência de
submissão visando os objetivos propostos. Assim, as professoras estariam
conscientes da necessidade do apoio do jornal como meio de conseguir adesões
institucionais da igreja, dos sindicatos operários, dos partidos políticos, do
movimento estudantil, dos pais de alunos e da população em geral.
No terceiro capítulo procuro analisar a tentativa do jornal, coerente com o
projeto católico, de impor a concepção de movimento dirigido verticalmente da
cúpula para a base. Foi esta constatação que me levou a analisar o jornal como
portador da unidade, ordem e submissão à autoridade e representação de
“classe”, apresentando apenas o discurso da liderança, destacando a presença
das professoras como grupo homogêneo e submisso, ocultando conflitos,
discordâncias e vozes dissonantes.
Competia ao jornal e à liderança falar por elas, apresentando a
homogeneidade e a unanimidade, o que não impediu de encontrá-las nas
omissões e nas posições contraditórias do jornal em imagens e gestos,
participando ativamente, conscientes de serem protagonistas da ação. E mais,
negando com a greve, o discurso de dominação que as tomavam como meros
objetos, ou receptoras passivas dos discursos.
CAPÍTULO I – A LEITURA DO DIÁRIO CATÓLICO NO MOVIMENTO DAS
PROFESSORAS PRIMÁRIAS - CONTEÚDO E FORMA NA PRODUÇÃO DE
SIGNIFICAÇÃO
A pesquisa sobre a imprensa escrita como fonte foi pensada a partir do
projeto de História Cultural de Roger Chartier (1990), que trabalha com as
representações sociais entendidas não como percepções da realidade, mas com
o propósito de “identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma
realidade social é construída, pensada e dada a ler”25. Neste sentido, a realidade
produzida pelo discurso jornalístico não é apenas aquela visada pelo texto, “mas a
própria maneira como ele a cria, na historicidade de sua produção e na
intencionalidade da sua escrita”26. Desse entendimento resulta que a leitura do
jornal impresso requer atenção à formas, conteúdos e apropriação, sendo esta a
maneira como o historiador busca compreender como o jornal representou uma
determinada época.
Foi na tentativa de analisar o papel da imprensa na trágica campanha de
Canudos, através da leitura dos jornais da virada do século XIX para o XX, que
Galvão (1994, p.18) observa: “O jornal desse tempo suscita no leitor de hoje a
opinião de que tudo, mas tudo, se passa na página dele”. Descrevendo os
aspectos técnicos do jornal, a autora afirma que, à primeira vista, eles eram
extremamente monótonos e cansativos. Entretanto, esta monotonia era apenas
aparente, pois o jornal era um “mosaico” onde vários temas do cotidiano eram
tratados. Passava-se das questões de enfermidade, tratamento de doenças para
assuntos amorosos e ou políticos. Os jornais mostravam, assim, não apenas um
estilo, ou uma técnica, mas uma forma de ver e organizar o mundo através de
palavras. A forma gráfica, além do estilo e uma concepção estética, revelavam
uma época.
A pesquisa e a análise do jornal O DIÁRIO foram feitas procurando ler as
25 Chartier, 1990, p.16-17. 26 Ibidem, p. 63.
36
formas gráficas e os conteúdos do discurso na expectativa de encontrar as
representações sociais de uma época, os recursos ofertados pela técnica, o seu
projeto editorial, bem como a recepção de seu público leitor, priorizando o enfoque
dado à mulher e ao seu papel social. O DIÁRIO foi escolhido como fonte
documental para interpretar as representações das e sobre as professoras
primárias na greve de 1959, e também por se tratar de um veículo com a proposta
pedagógica de divulgar a doutrina e orientar o modo de vida cristão.
A utilização da imprensa como fonte, no âmbito da história cultural, deve
partir da consideração da singularidade da prática jornalística em sua produção,
representação, circulação e apropriação. Daí a necessidade de avaliar a
tradicional concomitância entre mudanças e permanências, buscando o sentido da
descontinuidade. Faz-se necessário questionar o papel dos veículos de
comunicação nas mudanças históricas, compreendendo os seus papéis e sem
“deixar-se hipnotizar pelo acontecimento como criador de mudanças”27. Com este
entendimento é possível buscar as representações feitas pela imprensa e
perguntar até que ponto os fatos ou suas versões provocaram mudanças,
passageiras ou mais duradouras, contrapondo-se à idéia da permanência tão cara
à visão da história da mentalidade com sua ênfase na longa duração.
Nos últimos anos tem se intensificado o recurso do uso dos objetos
culturais, entre eles a imprensa pelas possibilidades de encontrar as marcas da
vivência cotidiana, da forma como estes meios captam e representam a realidade,
mas sabendo de antemão que a imprensa não é neutra. Usar o jornal impresso
como fonte documental implica em estar sempre alerta à prática jornalística e às
suas relações com o mundo social ou em manter uma atitude crítica necessária à
leitura de qualquer tipo de fonte, percebendo-a como representação e não como o
real. O jornal, como qualquer documento impresso, tem suas formas de
representar a realidade, sendo por isso mesmo necessário um método de análise
que dê conta de percebê-lo em seu código próprio de comunicação que atende à
recepção dos seus leitores. Diferente de uma obra literária, o jornal é difuso,
dirige-se a um público mais heterogêneo e não tem a permanência da obra
27 Galvão, 1994, p. 25.
37
editada em livros, pode ser lido por muitos leitores em lugares diversos e é
facilmente descartado28. Nele é possível mudar com mais freqüência de opinião, o
que o torna diferente de outras fontes impressas. Esta característica fugaz da
informação, que lhe é própria, levanta muitas vezes o questionamento sobre a
veracidade dos fatos jornalísticos e o seu uso na pesquisa histórica. Para Dines
(1986, p.18-19), em sua reflexão sobre a imprensa diária e a verdade jornalística,
o jornalismo seria “a busca de circunstâncias” o que, no entanto, não é tomado
como “sinônimo de superficialidade”, uma vez que sua prática implica em
investigar, arrumar, referenciar e distinguir “circunstâncias”. Da mesma forma que
para o autor o “jornalismo e história são primos – quando se pratica um deles com
proficiência, chega-se, inevitavelmente, ao outro.”
Com relação às formas de captação e circulação da notícia é preciso
perceber o jornal como o veículo de massa mais antigo, mas que na década de
1950 convivia com outros meios de comunicação como o rádio, o cinema e a
televisão, essa ainda em processo de afirmação. A convivência com os novos
veículos, principalmente o rádio e a televisão, gerou, em certo momento,
indagações sobre a sobrevivência, decadência e até mesmo o fim da imprensa
escrita. Na verdade, constata Dines (1986), nem o rádio, nem a televisão
eliminaram a leitura do jornal, apenas provocaram a redefinição da imprensa
escrita. E esta polêmica permitiu ao jornalista brasileiro ironizar o aforismo de
Pierre Lazareff, diretor do France-Soir de que “Antigamente, quando algo
acontecia, todos iam para a rua comprar jornais e saber o que houve. Hoje,
quando algo ocorre, todos vão para a casa ligar a TV”29. Para o jornalista
experiente, como Alberto Dines, acostumado às novidades dos meios de
comunicação de massa, a tentativa de interpretá-los isoladamente é redutora e
acaba sendo “um jogo de palavras”, simplista e incompleto. O que realmente
passou a ocorrer, segundo Dines (1986), foram mudanças de comportamento dos
28 Segundo Chartier (1998), quando o jornal adquiriu um grande formato foi vendido na rua,
carregado, dobrado, rasgado e lido por muitos. O mesmo teria acontecido com a fotografia e o cinema, conforme foram interpretados pelo ensaio clássico de Walter Benjamin (1994). Ambos ligam-se ao homem comum e assim como o jornal, eles permitem uma leitura mais ampla e democratizada do acesso à representação.
29 Dines, 1986, p. 65.
38
leitores e o uso que eles passaram a fazer de cada um dos meios de
comunicação. O que se quer aqui é demonstrar que a análise de jornais deve ser
feita levando em conta as transformações nos jornais ocorridas na década de
1970. Neste período os jornais tornaram-se mais noticiosos, investigativos,
revelando fontes de informação, adquirindo novos formatos, assumindo mudanças
visuais em resposta às inovações técnicas e culturais.
A leitura de O DIÁRIO no final da década de 1950, provocou a mesma
impressão de Galvão (1994) na leitura dos jornais do final do século XIX, a de que
ali estava representada toda a cultura de uma época. Assim, o envolvimento com
a leitura de matérias que não constituíam a principal fonte para a pesquisa, como
é o caso dos anúncios publicitários, provocavam a sensação de perda de tempo e
de falta de objetividade. No entanto, a dispersão da leitura me fez compreender
que a greve das professoras primárias era parte de um contexto cultural. Mesmo
necessitando delimitar o tema, não era possível o seu entendimento separando-o
dos demais assuntos em pauta, assim como dos outros conteúdos do jornal,
expressos em matérias diversas: editoriais, reportagens, notícias, opiniões,
comunicados, propagandas. É por isso que foi importante organizar a leitura a
partir de indagações para não me perder no emaranhado de detalhes. Como o
jornal contribuiu, organizando as notícias, ou divulgando a greve das professoras
em 1959? O que fez com que a prática grevista das professoras fosse
transformada em notícia e, às vezes, manchetes do jornal? Com quais imagens o
jornal projetava as professoras? Que idéias ou interesses se escondiam por trás
da cobertura do movimento grevista? A busca de resposta para essas perguntas
criou a necessidade de ampliar não apenas o período a ser pesquisado, como
também a de estabelecer relações entre temas correlatos. Tornou-se
indispensável buscar a compreensão do posicionamento do jornal, representando
as posições da igreja acerca de questões essenciais: o papel da mulher na
sociedade, as representações das mulheres em um exercício profissional e o
movimento operário e sindical. E, nesta leitura ampliada, foi possível perceber a
relação entre forma e conteúdo, produzindo significados que expressam práticas
como experiências do dito e do vivido.
39
1.1 A leitura do jornal, em sua forma e conteúdo, de 1935 a1959 – “O maior
jornal católico da América Latina”
A leitura linear do jornal desde a sua origem, foi importante para
compreendê-lo no final da década de 1950. As mudanças na forma gráfica e os
seus temas recorrentes não obscureciam a percepção de uma certa continuidade
em seu conteúdo. É visível a fidelidade do jornal aos princípios pedagógicos
cristãos que nortearam a sua criação, primeiro como O Horizonte 1923/34 e,
depois, como O DIÁRIO 1935/71. Uma leitura mais cuidadosa, no entanto, revela
suas diferenças, tanto na forma como nas idéias defendidas, acompanhando a
evolução da técnica e as mudanças culturais impondo revisões em sua
orientação, fazendo-o assumir novas posturas. Assim fica mais clara a existência
de diferença entre O Horizonte e O DIÁRIO. O primeiro é um órgão exclusivo de
propagação da fé cristã e da Igreja Católica e, desta forma, era intransigente com
os seus adversários religiosos e políticos: espíritas, protestantes, maçons e
comunistas30. O DIÁRIO, por sua vez, quando recriado em 1935, mantém o
mesmo objetivo, a mesma orientação geral, mas apresenta uma estratégia mais
tolerante com as demais religiões, preservando, no entanto, a postura política de
ataque ao comunismo e, em menor grau, à política liberal. É necessário, no
30 No O Horizonte aparecem vários artigos atacando os maçons, espíritas, protestantes e
comunistas como nos exemplos: “O Polvo Protestante” (alerta a respeito dos colégios protestantes), (O Horizonte, 19 de março de 1924). “A Maçonaria” A maçonaria foi desmascarada quanto aos seus objetivos no ponto de vista religioso, e desilludidos ficaram aquelles que julgavam poder conciliar a crença católica com a qualidade de filhos de viuva...Desde a questão religiosa perdeu a maçonaria brasileira a sua aureola de sociedade patriótica e beneficiente, sem ligação com a maçonaria européia, sem a incompatibilidade com a crença cathólica. (Lúcio José dos Santos. O Horizonte, 8 de março de 1934). “O lamentável surto de paganismo, nos dias de hoje...” (alusão ao comunismo) Um surto incontido de paganismo invade a sociedade moderna, impregnando-a do vírus infrutífero da immoralidade, da irreligião e do próprio suicídio... Doutrinas antigas, detestáveis, theorias abjetas, costumes execrados, leis criminosas ressurgem à luz desta hora agitada e nervosa que vae arrastando vertiginosamente os povos e os estados para o baratro (sic) da mais pavorosa destruição social. Com o maior sangue frio pregam-se idéias assassinas e propagam-se remédios venenosos...” (Affonso dos Santos O Horizonte, 15 de março de 1934). No O DIÁRIO era freqüente a alusão à ameaça comunista como: AMEAÇA COMUNISTA. Falando no programa “a voz do Pastor, D. Jaime de Barro Câmara alertou os jovens contra a ameaça comunista na América Latina aludiu o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro à reação católica contra os bolchevistas, através, inclusive, de obras de assistência e de educação religiosa, cada vez mais amplas. (...)” (O DIÁRIO, quarta-feira, 21 de outubro de 1959. Coluna Educação e Ensino).
40
entendimento de seu projeto editorial, relacioná-lo à História da Igreja Católica e
às orientações conjunturais da Cúria Romana.
O estudo da história da Igreja impõe, segundo Manoel (s.d., p. 12) um
“alerta metodológico” com o uso do conceito de “auto compreensão da Igreja”
como ferramenta, o que implica em perceber de qual igreja, período, ou postura
está se fazendo referência. Segundo o autor a instituição, em vários momentos,
assume e se confere tarefas e papéis sociais específicos. Deste entendimento o
projeto de imprensa tanto de O Horizonte como de O DIÁRIO deve ser inserido
em um período histórico mais longo. Um tempo que tem início com o pontificado
de Leão XIII e sua doutrina social, e cuja principal expressão é a Encíclica Rerum
Novarum, de 1891. Naquele contexto histórico permanecia a orientação
doutrinária contrária ao mundo moderno, porém acentuava-se a política de
intervenção católica na sociedade. A intervenção inicialmente centrada no
discurso, no poder de persuasão da palavra, na catequese, foi sendo modificada
nos pontificados de Pio X até Pio XII. Estes papas não abandonaram a crença na
persuasão pelo uso do discurso, mas acrescentaram a intervenção política do
apostolado leigo, através da ação católica31. Se acompanharmos O DIÁRIO, de
sua recriação em 1935 até a greve das professoras em 1959, fica visível a
mudança na crença do jornal no convencimento verbal para a busca de formação
de uma militância cristã, seguindo nova orientação da Cúria Romana. O projeto de
recriação do jornal usava o recurso à persuasão pela palavra, mas também
procurava subsidiar o leitor com informações sobre a doutrina cristã preparando-o
para o exercício do laicato cristão contra as ameaças do mundo moderno. De
acordo com a Igreja, uma das ameaças era o comunismo, mas também os
perigos representados pelas novas teorias científicas e os conflitos sociais
31 “Este catolicismo militante, que não acontece só em Minas Gerais, começa a emergir no
Brasil na década de 1920. É o caso do grupo de intelectuais católicos e padres que funda ‘O Horizonte’ em abril de 1923, sob o comando de Dom Cabral. (...) A consciência desse catolicismo militante se fundamenta nos traços principais: o cristão é chamado a atuar dentro do ‘Reino de Deus’ ou para preparar-lhe o advento. Daí o papel relativo da militância leiga em torno de ‘O Horizonte’, ou através de outros canais institucionais como a ‘Ação Universitária Católica’ (A.U.C.), ‘União de Moços Católicos’ (U.M.C.) ‘Liga Eleitoral Católica’ (L.E.C.), ‘Confederação Católica do Trabalho’ (C.C.T.), Legião de Outubro, órgãos esses que estão a serviço da arregimentação e atuação dos leigos, instituídos e apoiados pela alta hierarquia, num sinal de clara abertura da igreja para o laicato”. (Costa,1989, p. 20-21).
41
oriundos da modernização capitalista32. Na interpretação de Corrêa (1998, p. 9), o
jornal O DIÁRIO correspondia à necessidade de fornecer “uma resposta concreta
aos anseios do papa Pio XI de formar uma imprensa comprometida com os
valores evangélicos”.
A primeira página da primeira edição de O DIÁRIO, em 6 de fevereiro de
1935, trouxe estampado o fac-símile do telegrama do papa Pio XI abençoando
todos os realizadores de O DIÁRIO, assim como a transcrição do telegrama do
Núncio Apostólico do Brasil. Esta primeira edição veio também com a reportagem
da bênção das oficinas e da redação pelo Arcebispo de Belo Horizonte, D. Antônio
dos Santos Cabral, quando foram distribuídos às principais autoridades locais
presentes ao acontecimento exemplar do seu primeiro suplemento literário. Nesse
número inicial a editoria manifesta expectativa com relação à aceitação do jornal
pelos leitores católicos do Estado com notícias sobre o aparecimento de O
DIÁRIO e o esgotamento rápido das vendas avulsas. Na cobertura da solenidade
de inauguração, juntamente com outras informações, foi reproduzida a notícia do
seu aparecimento dada pela Folha de Minas:
“O aparecimento d’O Diário representa uma grande victória da consciência cathólica de Minas Geraes. O arcebispado de Bello Horizonte, julgando necessária, entre nós, a fundação de um jornal sob a responsabilidade das autoridades eclesiásticas, iniciou, nesse sentido, uma campanha em todo o Estado, que alcançou êxito completo. Em menos de seis mezes, foi mobilizado o capital necessário para a instalação desse jornal. Impresso em oficina própria, O DIÁRIO surgirá, hoje, nesta capital.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 6 de fevereiro de 1935)
Na mesma edição encontra-se artigo assinado por Gonzaga Júnior, um
articulista do jornal, enaltecendo a boa imprensa, além de notícias políticas,
culturais, econômicas, locais e internacionais. A publicidade é variada com
propagandas do comércio local, com destaques para os estabelecimentos de
32 “Ao mesmo tempo, os intelectuais urbanos mais conservadores colocavam sua energia na
revitalização do catolicismo como poderosa força de reação para deter a maré crescente das teorias científicas modernas, dos movimentos democráticos e da moda moderna ‘imoral’. E conseguiram êxito na mobilização de milhares de católicos nos movimentos leigos.” (Besse ,1999, p.3).
42
ensino católicos com regimes de internato, semi-internato e externato e, no campo
cultural, destaca-se o anúncio de duas revistas católicas marcantes na época: a
Lourdes e A Ordem33. O jornal neste período inicial continha colunas que
permaneceram até o seu final e um suplemento dominical. Destacava-se na
primeira página o cordial “O Bom-dia”, cumprindo o objetivo de apresentar a
edição. Nos seus primeiros números o jornal já contempla o movimento operário,
com a reportagem sobre a greve da Navegação Mineira no Rio São Francisco34,
da mesma forma como já manifestava preocupação com o ensino e a cultura
erudita. São representativos, nesse aspecto, os artigos: “Revolução do Ensino” e o
comentário crítico da obra Casa Grande e Senzala. As notícias internacionais
eram tímidas. Algumas colunas da época como Governo Archidiocesano,
Sociedade, O Diário Forense e uma página sobre a mulher e o lar, todas
alinhadas verticalmente e separadas com linhas, permaneceram durante o seu
período de circulação. As fotografias, ilustrações e charges eram raras. A página
feminina era uma das poucas seções ilustradas com moda, cosméticos e objetos
de uso pessoal e para o lar.
O jornal era produzido pela Boa Imprensa com endereços da redação na
Rua Tupis, 26 e Oficinas na Rua Tamoios 486, com sucursais no Rio de Janeiro e
em São Paulo. A assinatura podia ser feita por ano, trimestre ou bimestre.
Segundo informação de Dias (1993), O DIÁRIO não dependia de um número
elevado de vendas avulsas, mas contava com uma poderosa rede de
convencimento e de venda de assinaturas, os vigários das inúmeras paróquias na
capital e no interior. Esta forma de divulgação, não disponível para os seus
concorrentes, certamente garantia um público fiel, facilitando o cumprimento do
seu papel na divulgação da doutrina e na formação de leigos militantes. A
preparação do jornal de circulação diária revela a persistência e a dedicação dos
seus profissionais e colaboradores. As dificuldades em seu início variavam da sua
preparação à luz de velas, aos precários recursos técnicos de impressão e
captação de notícias. A gráfica era equipada com uma velha rotativa Marinoni e as
33 A Ordem era dirigida por Tristão de Ataíde. 34 O DIÁRIO, terça-feira, 12 de março de 1935.
43
notícias internacionais eram ouvidas, durante a Segunda Guerra, pelas rádios
oficiais da Inglaterra e da Alemanha. Nos meados do século aconteceram
pequenas inovações na recepção das notícias pela introdução do uso da telegrafia
e do telefone para captar as informações das agências internacionais: France
Press, FP e UPI. O aparelho de telefone era apenas um para o uso da redação,
atendendo tanto às necessidades das coberturas dos eventos locais, como as
comunicações com os correspondentes no Rio de Janeiro. Notícias e reportagens
eram produzidas nas poucas máquinas Remington o que obrigava, muitas vezes,
a redação manual das matérias35.
As leituras dos exemplares dos jornais nestas primeiras décadas eram
atraentes e importantes para compreendê-lo em sua evolução, mas a objetividade
da pesquisa implicava em uma limitação temporal. Por isso o jornal foi lido e
observado de forma mais cuidadosa a partir dos meados do século, mais próximo
dos movimentos das professoras primárias, o de Desagrado em 1954 e a greve
de 1959. Os motivos para esta delimitação são vários, incluindo desde o de ordem
prática como o do tempo para a realização da pesquisa, mas principalmente pelo
fato de ser um período importante para a compreensão do mundo
contemporâneo, o pós-guerra onde ocorrem substantivas mudanças sócio-
culturais. É interessante observar no período que, apesar da polarização
ideológica da guerra fria, o jornal de linha católica enfrentou o desafio de discutir e
absorver novos temas impostos pela expansão do capitalismo no país, como a
sociedade de consumo, o trabalho feminino fora do lar, entre outros temas
importantes para a definição do modo de vida cristão.
A leitura histórica do jornal foi realizada no reconhecimento do poder do
veículo de divulgar suas mensagens, expressas em textos verbais e iconográficos,
o que exige uma informação mínima da especificidade da linguagem gráfica. A
análise do texto jornalístico foi efetuada, também, a partir da compreensão da
relação da imprensa com interesses específicos de organizações mantenedoras,
públicas ou privadas. No caso da leitura de O DIÁRIO não se pode perder de vista
35 O DIÁRIO REDIVIVO, AMI, 6 de fevereiro de 1998. Edição Comemorativa.
44
a coerência de seu projeto atrelado aos da Igreja, em suas propostas para uma
determinada época histórica. Dessa forma, na leitura do jornal na década de 1950,
tentei captá-lo em aspectos gráficos e em mensagens, que em conjunto compõem
o ideário do jornal, mas que na prática de comunicação atendem expectativas e
desejos dos leitores. Defrontei com uma prática de comunicação portadora de um
projeto singular, com escolhas definidas e orientadas para um público específico.
Este projeto definiu a identidade, coerência de princípios e o padrão do jornal,
possibilitando o reconhecimento dos leitores36. Em seus editoriais, matérias,
seções e colunas ele foi transmitindo suas idéias com mensagens claras, sem
procurar ocultar o fato de ser um jornal missionário e propagador da fé cristã e do
modo de viver conforme a ética da igreja católica do seu tempo. Foi esse o motivo
que o levou a manter até meados da década de 1950 o subtítulo: “O maior jornal
católico da América Latina”. O subtítulo, símbolo do jornal, foi suprimido em 10 de
novembro de 195637, mas persistiu na lembrança dos leitores, sempre referindo a
O DIÁRIO CATÓLICO. A caracterização como jornal católico era reconhecida não
apenas pelos produtores do jornal, equipe editorial, redatores, revisores, gráficos,
mas delimitava o público leitor que se apropriava de suas mensagens, assim
como era reconhecido pelos concorrentes, mesmo que para criticá-lo.
Nos meados do século, segundo Guy de Almeida (1998) existiam em Belo
Horizonte seis grandes jornais e O Diário ocupava o segundo lugar entre os
matutinos. O primeiro, conforme já foi referido era O Estado de Minas e o
vespertino Jornal da Tarde.
O jornal podia ser visto como expressão do pensamento dominante e da
vivência cultural de uma época pela centralidade da prática religiosa no cotidiano
da maioria da população de Minas e de Belo Horizonte. Esta predominância
36 Conforme acentua Dines (1986), o jornal em especial o de periodicidade diária, deve ser
homogêneo, coerente e independente em sua linha de pensamento e, neste caso, não basta analisá-lo por um único exemplar.
37 Seguindo a série de jornais encontrei o último slogan impresso no jornal do dia 10 de novembro de 1956 e constatei a sua supressão a partir dos dias seguintes.
45
católica38 podia ser percebida pela vivência de seu povo, tanto na capital como no
interior, com o tempo marcado pelas festas do calendário religioso. Tempo que
era a uma só vez, sagrado e profano, marcando os principais eventos da vida
familiar e da escola, mesmo que a instituição escolar fosse legalmente laica. É
nessa identificação com a igreja que o jornal procura manter e reforçar a
religiosidade popular. Sagrado e profano, tempo laico e religioso, é assim que o
jornal captava a atenção dos leitores. Assim, outubro, mês que antecedeu a greve
das professoras primárias em 1959, é representado no religioso como o mês do
Rosário e das Missões, nos festejos dos dias da criança e dos professores, ambos
comemorados com missas festivas.
Na leitura da greve e talvez mesmo pela necessidade de entender e
captar o contexto temporal e cultural, usei o recurso de ler o jornal como um todo,
atenta a questionamentos que a sua leitura ia suscitando. Deparei com um jornal
que conforme descrição anterior, não possuía uma ordenação, com notícias
misturadas a reportagens, publicidades e fotos. Na sua forma, na década de 1950,
parecia estar entre o beletrismo e o jornal noticioso. Após a Segunda Guerra
iniciava-se a tendência à fragmentação do conhecimento que será consolidada na
década de 6039. Isto talvez explique o grande número de colunas, seções e
crônicas com títulos feitos em clichês com letras ornamentadas e desenhos
alusivos à linguagem informal e um repertório popular e regional. É o caso de
títulos como: “Ditos & Feitos”, “Fatos e Boatos”, “Fatos em Picles”, “Coisas que
acontecem”, “Cama de Gato”, “Pimenta Malagueta”, “O Diário em Diálogo com o
Leitor”, “Moeda Corrente”, “Senhoras e Senhoritas”, “Pequeno Polegar”, “Vendo.
Ouvindo. Falando.”, “Não lhe Contaram Tudo”, “Esquina dos Aflitos”, “Almanaque
D’Diário”, entre outros. Os títulos são alusivos à cultura popular, usando aforismos
38 “A Igreja no ‘estado brasileiro mais católico’ estava muito forte graças à questão da
educação e aos talentos de organizador de Dom Silvério Gomes Pimenta (1840-1922), o arcebispo de Mariana. Preto, nascido em condições humildes, a ascensão de D. Silvério levou-o quatro vezes a Roma. Foi incumbido de tornar Minas novamente católica. Com ele a Igreja transformou-se de uma dependência fraca no Império em uma organização autoconfiante, de multicamadas já na época da Primeira Guerra Mundial. (...) A partir de 1910, Minas tornou-se o centro do movimento católico leigo. Não é de surpreender que já em 1913 conseguiam mobilizar 210.000 assinaturas contra o divórcio se transformando numa força política”. (Wirth, 1982, p.143).
39 Dines, 1986, p. 26-27.
46
populares, como “Cama de Gatos” para explicar algo sem preocupação com o
ordenamento; “Notícias em Picles”, que vêm picadas e recortadas; “Moeda
Corrente”, para tratar da economia em seu conjunto, mercado, finanças, comércio
e indústria e assim por diante. Outras colunas possuíam títulos em linguagem
direta sem recorrer a metáforas ou significados analógicos como: “Educação e
Ensino”, “Diário Forense”, “Documentação Católica – Doutrina – Informação”. Esta
última seção, devido aos propósitos editoriais do jornal, era uma das mais
importantes e existia desde a sua criação. Nela o tema religioso – a fé cristã –
encontrava-se de forma geral relacionado à família, à educação e ao movimento
operário e sindical.
A leitura do jornal a partir da sua recriação foi muito importante para o
entendimento das mudanças e permanências do jornal, tanto no que diz respeito
à forma, acompanhando a evolução da técnica, como também para observação
das suas posturas em resposta às transformações culturais impostas pela
modernização capitalista. Lendo-o no ano de 1959 foi possível compreender a
preocupação com a formação de novos jornalistas na oferta de um curso prático
de jornalismo para o qual acorriam centenas de pessoas, obrigando o jornal a
formar várias turmas. Esta iniciativa, assim como a prática de um jornalismo de
cunho literário, fez com que o jornal fosse identificado como uma escola de
jornalismo, fornecendo profissionais para trabalhar na imprensa do Rio e São
Paulo. Segundo relato de Etienne Filho (1998, p. 12), a ida de importantes
jornalistas mineiros, como Fernando Sabino e Otto Lara Resende para a imprensa
carioca, provocou comentários no Rio de Janeiro em 1946: “Os mineiros
começam aonde os cariocas acabam”. Na verdade, inexistia a preocupação nos
meados da década com a redação jornalística e os grandes colaboradores do
jornal eram intelectuais provenientes de áreas diferentes do conhecimento
específico, predominando, advogados, clérigos, filósofos, teólogos, literatos,
desportistas e muitos outros40.
40 O DIÁRIO REDIVIVO, AMI, 6 de fevereiro de 1998. Edição Comemorativa.
47
1.2 A família, a educação, o trabalho da mulher fora do lar – movimento
operário cristão
“CHEGA O FIM DO ANO LETIVO – grupos fecham as portas.
Ontem as aulas foram encerradas, oficialmente, nas escolas de Minas. (...) As professoras deram os últimos conselhos aos diplomandos, desejando-lhes muitas vitórias e exortando-os a manter a chama de fidelidade à escola. Muitas diretoras aconselharam ainda aos meninos que continuem dedicados aos estudos, respeitem os mais velhos e jamais se separem da Igreja, mãe de todos. (...) Finalmente, encerrando a solenidade a diretora Alaíde Melo apresentou suas despedidas aos alunos e ao professorado. Ressaltou a presença da reportagem de O DIÁRIO, jornal que vem dando integral apoio ao ensino de Minas e colaborando intensamente para que haja mais compreensão e maior afinidade entre escola e família”. (O DIÁRIO, quinta-feira, 27 de novembro de 1959).
O jornal O DIÁRIO, o segundo em leitores de Minas Gerais, conforme já
foi ressaltado, era dirigido a um público católico, o que significava que poderia
atingir um número muito grande de leitores. Na realidade, durante todo o tempo
de sua circulação, o jornal teria passado por crescentes crises financeiras41, que
podem ser explicadas, em parte, por problemas de gerenciamento. Um dos
jornalistas que participara da equipe do jornal, João Batista de Assis Corrêa (1998,
p. 9) com o título: “E os seus não o receberam”, reclamou na edição comemorativa
dos 63 anos do jornal, da incompreensão do público católico. Para ele o perfil do
jornal talvez não correspondesse aos interesses do público, dado o seu estilo
literário, e poderia ser acrescentado que isso poderia ter correspondência no
baixo nível de escolarização da população mineira em geral42.
41 “O DIÁRIO era o segundo em tiragem em Minas Gerais, o primeiro era o Estado de
Minas. O jornal não resistiu à mudanças no perfil da economia brasileira e à modernização dos concorrentes. Além disso as tiragens dos jornais belo-horizontinos eram muito baixas se relacionados à população da cidade”. (Casto, 1997, p. 78, 81).
42 O censo demográfico de 1940 mostrava que apenas 33,6% dos 5.656.726 habitantes sabiam ler e escrever. A situação não parece ter modificado substancialmente se observarmos que em 1957 os pais reclamavam por não conseguirem matricular os filhos na capital por falta de vagas nos grupos da capital. Os investimentos foram cortados segundo o governador Bias Fortes, “por absoluta falta de verbas”. (BH100 anos – nossa História. Estado de Minas, p. 50, 71).
48
E isso faz sentido se observávamos o depoimento de João Etienne Filho,
falando dos seus 34 anos de exercício no jornal e das mudanças em relação ao
jornalismo atual:
“A mudança, em alguns aspectos é para melhor. Está mais vivo o jornal, mais preocupado com a notícia. Mas talvez tivéssemos feito o que na época era vantagem e hoje não seria. O jornal era um pouco literário, preocupado com a forma. Nossos redatores escreviam bem, a gente discretamente os ensinava a escrever bem”43.
A este possível distanciamento do público leitor pode-se acrescentar
também as restrições feitas pelo jornal em função de sua linha editorial. O jornal
procurava pautar-se por um comportamento que poderia afastá-lo de uma parcela
do público leitor. Na verdade era um jornal de idéias, contrário à polêmica, não
dando vazão às paixões políticas dos mineiros. Da mesma forma, sua conduta
pautada por um excessivo moralismo, poderia tê-lo afastado do grande público,
mesmo o católico44.
A relação entre as mudanças culturais e a recepção do público é
compreensível através do raciocínio desenvolvido por Siqueira (1997). Segundo a
autora, os habitantes de Belo Horizonte, na virada do século, encontravam-se tão
seduzidos pelas inovações técnicas que lhes mudavam hábitos e sua relação com
o mundo, que deixavam de perceber as seqüelas do progresso. Por isso o pároco
local ficava isolado em seu jornal O Bello Horizonte denunciando o crescimento da
violência, dos suicídios e do ateísmo. Pode-se pensar que o mesmo acontecia
com O DIÁRIO nos meados do século, quando o surto do desenvolvimento
obscurecia a face do crescimento da pobreza e a secularização da sociedade.
Este é talvez um dos motivos, da já referida queixa de Corrêa (1998, p.9), a de
43 Etienne Filho, 1982 apud O DIÁRIO REDIVIVO, Memórias do jornalismo mineiro, 1998,
p.12. 44 “Além disso, por ser um jornal ligado à Igreja Católica, um sisudo moralismo, inteiramente
fora de lugar na liberação dos costumes da década de 60, recusava inserções publicitárias do comércio varejista que veiculassem peças íntimas, da mesma forma que nos anos anteriores, a cobertura de esportes obrigava a redação a tingir de tinta nanquim, nas fotografias publicadas, as pernas das jogadoras de vôlei do Minas Tênis Clube, numa manifestação pudica da imprensa católica da cidade”. (Werneck, apud Castro, 1997, p. 90).
49
que o jornal não sobreviveu porque “a comunidade católica não o assumiu como
um veículo da sua comunidade.” Por outro lado, o jornal inovava, dispondo de
uma equipe de esportes, realizando cobertura inclusive de jogos internacionais e
de várias modalidades esportivas. O Brasil naquele final de década se distinguira
em várias modalidades esportivas, do tênis ao boxe, mas o futebol, assim como
hoje, era o centro da cobertura da imprensa.
Se, por um lado, o jornal passou por sucessivas crises econômicas que o
obrigaram a fechar em 1970, por outro lado, é verdade que ele era calorosamente
recebido por alguns segmentos do público. “O Diário do Pequeno Polegar”,
dirigido ao público infantil era aberto à colaboração dos pequenos leitores. O
“Caderno Feminino” fazia sucesso nos meados da década de 1950 com os
concursos promovidos, contando com a participação de leitoras. Os adultos de
várias idades e sexos tornavam-se correspondentes em sua seção “Através dos
Municípios”. Da mesma forma o jornal, ainda que lentamente, ficou mais noticioso
e investigativo na década de 1950, tentando acompanhar os problemas sociais do
Estado. Participou de certames nacionais, conquistando prêmios de jornalismo em
reconhecimento às suas reportagens sociais e investigativas. Um exemplo das
reportagens premiadas foi a série intitulada: “Onde o Viscont não vai”45, feita pelo
jornalista Djalma Alves de Azevedo. Nesta série eram apresentados os graves
problemas sociais do Estado que não apareciam nos relatórios oficiais, como a
fome e as endemias, entre elas, a doença de Chagas.
A presença de O DIÁRIO em campanhas sociais e a posição a favor dos
operários tinha relação com o seu projeto editorial de “defender e difundir
verdades supremas da fé e da razão”46, proclamado desde o seu primeiro editorial
em 1935, como “um paladino da Doutrina Social da Igreja, dando sempre
destaque às idéias do papa Leão XIII, consagradas na Rerum Novarum”47. Nesta
linha o jornal pregava um jornalismo submetido à verdade, coerente com o título
45 O Viscont era a marca do avião usado pelo presidente Juscelino Kubitschek.
(Silveira,1998). 46 Mendonça, 1998, p 3. 47 Isis de Almeida, 1998, p. 9.
50
de uma das edições na seção Documentação Católica: “Homem de caráter, o
jornalista católico deverá fazer obra da verdade e de educação dos espíritos”48. O
seu conservadorismo em defesa da educação religiosa não o impedia de aliar-se
à classe operária em razão das propostas da Doutrina Social da Igreja, frente ao
avanço do comunismo, mas também na luta contra as injustiças sociais do
capitalismo.
Noutros momentos o tema central era a família e os perigos da sua
desagregação frente à rápida modernização econômica que podem ser visto em
títulos como: “Restituir ao lar seu caráter sagrado”49; “Só através da família se
conseguirá melhorar a comunidade humana”50; “Família: a mais enferma das
instituições de após guerra”51. Este ideário da família como base da sociedade
servia aos interesses religiosos, mas também aos políticos conservadores e até
mesmo aos progressistas52. Segundo Besse (1999, p. 63) “De meados da década
de 1910 até os princípios de 1940 surgiu, entre os mais eminentes intelectuais e
profissionais do Brasil, um consenso esmagador segundo o qual o triunfo da
‘civilização e do progresso’ na esfera pública dependia da ‘salvação’ da família”.
Também, segundo a autora, “A Igreja, com o apoio do Estado, desenvolvia ampla
rede de organizações leigas que penetravam em todos os aspectos e classes da
sociedade urbana, com o propósito de difundir sua doutrina social
conservadora.”53
No O DIÁRIO todos os temas relacionados à família, ao amor conjugal, à
juventude, à mulher, à educação familiar e escolar, ao movimento operário e à
48 O DIÁRIO, sexta-feira, 6 de agosto de 1959. 49 O DIÁRIO, domingo, 19 de setembro de 1959. 50 O DIÁRIO, quarta-feira, 29 de setembro de 1959. 51 O DIÁRIO, quarta-feira, 8 de dezembro de 1959. 52 “Enquanto os progressistas lutavam por substituir as tradições oligárquicas ‘arcaicas’,
retrógradas e ‘disfuncionais’ por padrões higiênicos modernos, os conservadores particularmente os ligados à Igreja insistiam na necessidade de preservar a ‘família tradicional brasileira’ em face da rápida modernização econômica. Não obstante, a uns e outros convinha em que a ‘crise’ da família estava entre os perigos sociais mais graves e intoleráveis e submetiam a instituição a uma vigilância cada vez maior.” (Besse, 1999, p. 63).
53 Besse, 1999, p. 64.
51
própria imprensa são abordados em seminários, encontros de movimentos de
famílias, da juventude cristã, numa estratégia de persuasão dirigida a um público
leigo com objetivos de formar uma militância54 para uma ação efetiva na
sociedade, e de se criar um mundo melhor dentro da visão católica. Segundo
Manoel (1985, p.7), na doutrina católica e antilaica o papel da família é
fundamental e superior ao do Estado. “A família, enquanto instituição aglutinadora
dos homens e co-autora na obra da criação, tem ascendência natural sobre o
Estado”. Desta forma ela ocupa, na hierarquia das instituições, um lugar
intermediário, sob a primazia da Igreja, portadora do divino e sobre o Estado,
instância do poder político. A partir da visão da família como instituição central55
tem-se a correlação do seu papel na educação dos filhos e a importância atribuída
à educação dos jovens, futuros pais de família e, principalmente, às jovens que
como mães e educadoras deveriam “ser fiadoras da vida familiar e principais
socializadoras das gerações futuras”56, orientando os filhos nos princípios da fé
cristã e do amor à pátria. É por isso que mesmo quando as famílias no século XX
começam a ver a necessidade da educação feminina, o controle da Igreja e do
Estado se faz através dos currículos57, por serem as mulheres, de acordo com a
visão da época, as primeiras educadoras dos seres humanos e responsáveis pela
continuidade da formação de famílias cristãs.
54 O movimento leigo sofrera uma reestruturação após a morte do Cardeal Leme e a
ascensão de Pio XII em 1942. O cardeal o orientara nas décadas republicanas de 20 e 30, num modelo de militância de elite verticalista, baseado na ação de intelectuais católicos, criando O Centro D. Vital, a Revista “A Ordem” e a Liga Eleitoral Católica (LEC). O movimento leigo era também elitista no sentido de aliança com o poder político para manter a ordem social, mas também porque contava com a influência de intelectuais do porte de Jackson Figueiredo, Alceu de Amoroso Lima, Sobral Pinto, Oliveira Viana, entre outros. De 1945 a 1964 ele se organizou em novas bases, criando grupos de Ação Católica Especializada: JOC, JUC, JEC. Além da criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) por D. Hélder Câmara em 1952 com objetivos de reestruturar a hierarquia da Igreja e coordenar o movimento leigo a CNBB dirigia seus esforços para programas de cunho social. (Tosta, 1989).
55 “O juiz Nelson Hungria expressou esse consenso numa linguagem típica: [A família] é a mais relevante das instituições sociais, porque é o germe do agregado político, a célula-mater do Estado [e] o fator basilar da reprodução humana, da formação da individualidade interior, [e] da firmeza da saúde do corpo social (...)” (apud Besse, 1999, p. 63).
56 Besse, 1999, p.7. 57 “Porém se as novas condições sociais e econômicas favoreceram a expansão da
educação feminina os valores culturais tradicionais tiveram grande peso na formulação e conteúdo dos currículos educacionais”. (Besse, 1999, p. 123).
52
A ação da igreja em seu projeto de educação informal, através da
imprensa, dirigia-se também de maneira especial à mulher com o objetivo de
nelas internalizar a aceitação natural do seu papel como mãe e esposa, e no
cumprimento de uma missão especial de criar os filhos e de cuidar do lar cristão.
Não deixa de ser curioso, como um indício de mudança tanto da postura do jornal
como da recepção das mulheres, a participação de numerosas leitoras em
concurso promovido pela página feminina em abril de 1954. As ganhadoras do
concurso que se classificaram do 3o ao 6o lugar escolheram escrever sobre “o
trabalho fora do lar”, e as duas primeiras premiadas escreveram sobre moda.
Seus artigos não diferiam do pensamento corrente, porém pelo simples fato de
terem escolhido discorrer sobre o tema pode-se inferir a inquietação que o
trabalho feminino provocava, naquele momento, no universo das mulheres das
camadas médias. A posição dessas mulheres era unânime. O trabalho feminino
dependia da necessidade econômica familiar. A mulher operária, com certeza,
teria outra visão, uma vez que trabalhava fora de casa há muito tempo58. A mulher
deveria ser instruída com a finalidade de educar bem os filhos e só trabalharia
fora em casos especiais, em que o marido não pudesse prover satisfatoriamente a
casa. As opiniões das ganhadoras expressam a apropriação feminina de um
ideário social de dominação masculina. Eis o pensamento de uma delas:
58 As citações abaixo referem-se a momentos diferentes. A primeira mostra a divisão sexual
do trabalho no séc. XIX, válido para as mulheres burguesas e das camadas médias, uma vez que a mulher operária e as crianças foram exploradas desde o início da industrialização. A segunda visa às mudanças operadas na sociedade urbana e industrial do século XX.
“O século XIX levou a divisão de tarefas e a segregação sexual dos espaços ao seu ponto mais alto. Seu racionalismo procurou definir estritamente o lugar de cada um. Lugar das mulheres: a maternidade e a casa cercam-na por inteiro. A participação feminina no trabalho assalariado é temporária, cadenciadas pelas necessidades da família, a qual comanda, remunerada com um salário de trocados, confinadas às tarefas ditas não qualificadas, subordinadas e tecnologicamente específicas.” (Perrot, 1988, p. 186-187).
“Nas classes médias urbanas, as famílias, começavam a encarar a educação feminina (pelo menos até a escola secundária) como essencial para o preparo das filhas para enfrentar as novas contingências econômicas da vida.(...) A pressão crescente para consumir restringia os orçamentos familiares, e as altas taxas de inflação corroíam os recursos monetários das famílias.” (Besse, 1999, p.123).
53
“A meu ver, a mulher deve possuir o máximo de educação, de instrução e de conhecimentos gerais, estando mais apta para enfrentar todos os obstáculos da vida moderna. Agora a sua atuação, ou não atuação, na vida pública dependerá de sua necessidade como esposa e como mãe. Se, entretanto, encontrar um esposo que possa dar-lhe e aos filhos o conforto e o bem estar indispensável, será pois, o ideal, ela assim desempenhará o seu verdadeiro papel: amando e sendo amada e educando seus filhos no recesso do lar.” (O DIÁRIO, domingo, 18 de abril de 1954).
Se, por um lado, esse pensamento expressava a educação feminina da
época, incutindo nas mulheres a aceitação natural do trabalho doméstico,
conformando e aceitando um papel social imposto historicamente na relação entre
gêneros, havia, por outro, um reconhecimento da necessidade da mulher não só
de se preparar para as lides domésticas, mas também para enfrentar os
obstáculos da vida moderna. O que, na verdade, também significava a
possibilidade de as mulheres assumirem, se necessário, o trabalho fora de casa.
Não era muito diferente a postura da editoria do jornal sobre o trabalho feminino,
mostrando como o trabalho da mulher e, em especial, a da casada, não é muito
compensador para as empresas. Os argumentos dos articulistas eram as
freqüentes ausências da mulher ao trabalho, garantido por direito de maternidade,
assim como pelos prejuízos que o seu trabalho fora do lar poderia causar à
própria família. No entanto, era necessário adaptar-se à realidade, conforme
opinião expressa em um dos seus editoriais:
“Vivemos numa época de insegurança no futuro. É difícil, senão impossível, sacrificar um emprego, por menos remunerador que seja. Daí continuarem as donas de casa no exercício de seus empregos, menos pelas vantagens atuais do que pelo que valem como garantia para uma emergência desagradável do futuro. Trata-se, afinal de garantia para a viuvez que pode ocorrer, ou para a situação de abandono, tão comum nestes tempos trágicos de dissolução da família.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 18 de setembro de 1954).
O autor prossegue, no entanto, fazendo ressalva em relação ao exercício
do magistério primário:
54
“Haveria uma exceção natural para as professoras, já que possuem um ‘status’ diferente das demais funcionárias e somente pessoas do sexo feminino exercem o magistério primário”. (O DIÁRIO, quinta-feira, 18 de setembro de 1954).
Nas atitudes das donas de casa, como na opinião do jornal, permanecia a
visão tradicional, construída no século XIX, segundo a interpretação de Perrot
(1988), da divisão e separação sexual dos espaços de trabalho, mas
contemporizadas pelo reconhecimento das mudanças na vida moderna, que
modificavam as relações sociais59. Na aceitação da inevitabilidade do trabalho da
mulher fora do lar, a acomodação se fazia pela aceitação da mulher em funções
de “essência” feminina, como no caso do exercício do magistério60. Esta
formulação permite compreender, em parte, o apoio de O DIÁRIO ao movimento
de Desagrado, campanha desenvolvida pelas professoras primárias em 1954 pelo
salário digno e justo em reconhecimento ao seu papel social.
A pesquisa de O DIÁRIO na movimentação das professoras suscita a
princípio uma indagação: existe contradição entre as suas propostas
conservadoras e a sua prática, muitas vezes absorvendo e captando as
mudanças sociais e culturais? É assim que, mesmo parecendo estranho ao leitor
não familiarizado com a cultura política, o fato de o jornal enfatizar a família como
esteio e base da sociedade, e o papel natural da mulher como mãe e esposa, ao
mesmo tempo que a mulher era representada de forma aguerrida e batalhadora
pelos seus direitos profissionais, participando de greve. E, mais estranho ainda,
muitas vezes algumas parcelas delas foram representadas como autoras radicais
de propostas de um movimento grevista ilegal na época. É preciso, no entanto,
compreender que a igreja não podia permanecer sem acompanhar os conflitos
59 Segundo Besse (1999), nas primeiras décadas do século a família se viu sitiada por
mudanças que transformavam o comportamento das mulheres das classes médias e altas. Daí, na década de 30 e 40 a luta para modernizar a família e com isto fortalecer e legitimar a instituição. Neste período surgiram feministas com posições muitas vezes divergentes: Elizabeth Bastos, Cecília Bandeira de Mello Rebelo de Vasconcelos (pseudônimo de Crysantème), Ercília Nogueira Cobra, Maria de Lacerda Moura, Patrícia Galvão.
60 “As jovens normalistas, muitas delas atraídas para o magistério por necessidade, outras por ambicionarem ir além dos espaços sociais e intelectuais, seriam também cercadas por restrições e cuidados para que a sua profissionalização não se chocasse com a sua finalidade. Foi também dentro deste quadro que se construiu uma concepção de trabalho fora de casa como ocupação transitória, a qual deveria ser abandonada sempre que se impusesse a verdadeira missão feminina de esposa e mãe”. (Louro, 1997, p. 453).
55
vividos pelos operários em suas lutas pelas condições materiais de existência. Da
mesma forma, o catolicismo militante, tanto o clerical, quanto o leigo, não podia
deixar de absorver alguns componentes das propostas mais avançadas para o
movimento operário61. Mas se analisarmos os discursos no movimento de
Desagrado, assim como na greve de 1959, vamos encontrar a justificativa de
“greve ordeira e justa”, significados que irão mostrar diferenças entre os
movimentos daquela época em relação ao movimento sindical que surgiu a partir
de 1978, denominado “novo sindicalismo”.
De acordo com Manoel (1992), na doutrina cristã a justiça social é aquela
que garante a existência de um padrão digno de vida e a participação do cristão
em sindicatos e associações operárias para conseguir os objetivos econômicos e
promover a ordem cristã no mundo operário, portanto, os sindicatos não devem ter
objetivos políticos e ou partidários. Segundo o autor, a Igreja Católica vinha
delineando desde o pontificado de Leão XIII uma linha de comunicação com a
modernidade capitalista. A Encíclica Rerum Novarum, de 1891, constitui o
exemplo máximo da pretensão da Igreja de “traçar as diretrizes fundamentais
para a sociedade capitalista e reconduzi-la à ordem e à normalidade”62,
regulamentando a doutrina social no que diz respeito às relações entre capital e
trabalho, riqueza e proletariado, justiça, direitos e deveres do cristão. A Encíclica
Quadragésimo Anno de 1931, veio trazer a nova orientação da Igreja procurando
preparar o laicato cristão para mobilizar e formar opiniões, mais do que controlar e
organizar o movimento operário63.
No O DIÁRIO eram inúmeras as chamadas sobre o papel do sindicalismo
61 “A Igreja, enquanto instituição, e seus católicos militantes agem dentro do conflito social,
no âmbito das contradições de classe. Eles não estão imunes ao serem perpassados por projetos que se cumpliciam com as forças da opressão, como também, de outro lado, por propostas mais avançadas, produzidas nas relações que esses católicos leigos e clericais experimentam na materialidade das condições de existência dos setores operários com os quais convivem”. (Costa, 1989, p. 35).
62 Manoel, 1992, p. 25. 63 “No início da década de 1930, a Igreja Católica em Belo Horizonte procurava adequar-se
às novas orientações de Roma, que publicou em 1931 a Encíclica Quadragésimo Anno. Para a hierarquia católica, não se tratava mais de criar e controlar as organizações operárias, mas de estruturar os leigos numa organização política, com um projeto para a sociedade, mobilizando e formando opiniões.(...)”. (Le Ven e Neves, 1981, p.85-86).
56
cristão e a necessidade de se instituir uma ordem social cristã em contrapartida à
idéia de luta de classe e de revolução proposta pelo marxismo e posta em prática
na Revolução russa de 1917. É bem este o espírito do título: “Não se vence o
comunismo com balas, mas com reformas sociais”64. Desde 1939, o padre Álvaro
Negromonte em artigo de revista dirigida ao clero católico, mostrava-se alarmado
com a adesão dos católicos, principalmente dos operários, às organizações
políticas e sindicais comunistas, e alertava para a necessidade de reconquista das
massas operárias. Constatara que a igreja descuidara-se da questão social para a
qual já havia ações já recomendadas na Rerum Novarum, ficando ao lado dos
ricos. Era necessário, segundo ele, reconquistar o movimento operário que, por
omissão da Igreja, foi atraído pelos comunistas:
“Em nosso apostolado comum esquecemos os pobres. Pregamos para os burgueses, para os intelectuais, sem nos fazermos entender pelos pequenos e humildes, sem falar para a sua inteligência e principalmente para o seu coração e os seus interesses. Alguns foram mais longe: evitavam os temas que poderiam desagradar às classes mais favorecidas. (...) Na verdade em nossas atividades paroquiais, onde aparecia tanta iniciativa boa para as classes médias e altas, nada fazíamos para os operários. (...) Neste momento apareceram os comunistas, estendendo-lhe a mão fazendo uma porção de promessas tentadoras defendendo-o das garras dos patrões esfaimados e insaciáveis, interessando-se por ele enfim. (...) Quando os operários, insuflados pelos comunistas, é verdade, mas numa legítima defesa, pleiteavam os seus direitos mais sagrados, nós pusemos contra eles abertamente, acusando-os de comunistas, e pedindo medidas públicas e enérgicas contra o perigo que nos ameaçava. (...) Não pregamos a doutrina social católica, onde está todas as reivindicações razoáveis. E assim deixamos que elas aparecessem nas arengas dos agitadores como coisa deles, quando realmente são nossas. De fato, foi por causa de nossa incúria, foi por erro de nossos métodos, foi pelo silêncio imprudente e pela nossa palavra , às vezes imprudentíssima, que o operário brasileiro, tão bom e tão dócil, se deixou arrastar pela sedução vermelha.” (grifos do autor) (Negromonte, 1939, p. 753-759)
No período democrático iniciado em 1945 a Igreja Católica não esteve
ausente dos movimentos sociais, tendo acrescentado às suas Associações
64 O DIÁRIO, terça-feira, 25 de maio de 1954.
57
tradicionais de cunho religioso e assistencial, novos grupos de Ação Católica
formados no meio universitário e operário, que passaram a disputar espaços com
os partidos políticos da esquerda tradicional como o PCB65. A Igreja estava alerta
para a questão social e o movimento dos trabalhadores e, neste caso, não poderia
deixar de lado as mulheres que já se manifestavam não somente através do
voto66, mas fundando associações de classe, como a Associação dos Professores
Primários de Minas Gerais (APPMG). A Associação fundada em 1931, por
iniciativa de um grupo de inspetoras e diretoras, em um primeiro momento possuía
um caráter mais assistencialista, embora já viesse lutando por questões políticas
e profissionais desde a década de 193067. No entanto, nas próximas décadas ela
foi se inserindo paulatinamente na luta pela melhoria das condições salariais das
professoras. Os fatos pareciam demonstrar as mudanças de uma associação
apartidária de acordo com seu estatuto original, conforme as disposições gerais,
artigo 52: “é expressamente proibido qualquer discurso de caráter político no seio
da Associação”68. A Associação transformou-se a partir de 1950, em um
instrumento de luta das professoras, passando de uma prática legalista, apelando
primeiro aos poderes executivos e legislativos para o envolvimento na
organização coletiva. Neste momento ela se tornou alvo de políticos que usavam
a campanha pela melhoria salarial das professoras para conseguirem adesões às
suas campanhas pessoais. Foi possível identificar no movimento de Desagrado a
participação do jornalista Luiz M. Barbosa, candidato pelo Partido Social
Trabalhista69 e na greve das professoras em 1959, a do deputado Ernane Maia do
Partido Trabalhista Brasileiro, assim como políticos de outros partidos de oposição
ao governo de Minas.
65 Le Ven e Neves, 1981, p. 87. 66 A conquista do voto feminino que teve apoio da Igreja no reconhecimento de que “a
parcela feminina da população é um segmento prioritário no trabalho e para o trabalho da Igreja.” (Tosta, 1989, p. 99).
67 “Na década de 30, três grandes lutas do professorado mineiro se salientam: movimento contra a redução de salários do magistério tentada pelo governo estadual em 1931. A luta dos professores foi vitoriosa. (....) Engajamento na luta pelo voto feminino.. (...) A luta pela aposentadoria do educador aos 25 anos de serviço, também iniciada em 1931, e vitoriosa em 1946...” (Cavalheiro, 1989, p. 287).
68 Cavalheiro, 1989, p. 265-278. 69 O DIÁRIO, terça-feira, 27 de julho de 1954.
58
Chamava atenção na cobertura jornalística de O DIÁRIO a abundância
de reportagens e notícias tanto do movimento das professoras de 1954 como da
greve vitoriosa de 1959, em que as mulheres eram protagonistas. Da mesma
forma, elas também foram apresentadas pelo jornal como coadjuvantes ativas e
radicais na greve de 1959 do funcionalismo municipal com a manchete: “Mulheres
farão ‘parede humana’ em frente à municipalidade”70. Nesta última, tanto em texto
como em fotos, as mulheres apareceram como ativistas, propondo um certo
confronto com o poder público municipal. O que a princípio podia parecer ambíguo
num jornal conservador era, na verdade, coerente com o princípio de absorção da
mudança como uma forma de conservar e exercer influência e controle. Era
impossível ao jornal, mesmo um porta voz do ideário de uma instituição
conservadora, como a igreja, não reconhecer o papel da mulher nos novos
tempos e sua luta histórica no mundo e no Brasil pelos seus direitos.
Se o movimento feminino já era acentuado na década de 1960, abrindo
várias frentes de lutas, desde antes as mulheres vinham lutando individual, ou
coletivamente, pela participação política. A incorporação das mudanças era
absorvida pelo jornal de forma gradativa e só podia ser percebida no contexto
social da época. Duas situações apresentadas pelo jornal demonstravam o
quanto as transformações da modernização capitalista mudavam hábitos culturais
de parcelas do público feminino. A primeira delas vem da leitura de um artigo
provocativo publicado na seção feminina: “Senhoras e senhoritas”, “Os homens
detestam as mulheres sabidas?”71. A resposta à pergunta é ambígua, usando-se o
recurso da ironia e de devolução da questão com a apresentação de novas
perguntas com intuito aparente de um chamado à reflexão. “Em primeiro lugar
quais são os tipos de homens que detestam a mulher inteligente?” E continuou
mostrando como as mulheres participam deste tipo de construção na medida em
que se fingem de “boas e ingênuas” unicamente para atrair os homens. Em outra
matéria chamou-se atenção para as mudanças que estão ocorrendo no mercado
de trabalho. O título: “A mulher deixou de ser uma simples dona de casa para ser
70 O DIÁRIO, sexta-feira, 17 de dezembro de 1959. 71 O DIÁRIO EM REVISTA, domingo, 21 de novembro de 1959
59
um dos baluartes do progresso do Brasil”72. Na reportagem são usados dados do
censo para demonstrar o crescimento do trabalho feminino no setor produtivo, na
indústria e no comércio, em posições de chefia e não apenas como subalternas,
assim como as mulheres cada vez mais se integravam ao serviço público.
Os artigos destacados revelaram as inquietações do jornal com as
mudanças na sociedade. É claro que no O DIÁRIO, até pela sua missão
conservadora, era difícil a aceitação imediata dessas transformações. A família
ainda era vista em sua função educativa primordial e não poderia, segundo a
visão da Igreja, ser desestruturada de uma hora para outra com a saída da mulher
para o mercado de trabalho com a única finalidade de realização pessoal e
profissional. É este o motivo da Igreja ter intensificado sua ação procurando
atingir vários segmentos da sociedade: jovens, estudantes, operários, criando
vários movimentos e, entre eles, o Movimento Familiar Cristão (MFC). Naquele
ano da greve das professoras o movimento recebeu a visita do seu fundador, o
padre Richard, tendo o jornal conclamado os seus fiéis a acorrerem à sua
conferência. O título para o chamado foi significativo, apresentando a
preocupação reinante: “Só através da família se conseguirá melhorar a
comunidade humana”73. Vários encontros são também articulados e divulgados
naquele momento como o “Encontro da juventude: debates sobre o amor, a
profissão e a família”74, com a presença do pensador católico Alceu de Amoroso
Lima.
1.3 A seção Educação e Ensino no movimento de Desagrado em 1954
A leitura do jornal O DIÁRIO desde a sua recriação em 1935 possibilitou
a identificação na década de 1950 e, em especial, a partir de 1954, de uma maior
mobilização das professoras, iniciando uma organização coletiva, que ao que
parece, tornou possível a eclosão da greve de 1959. A descoberta do movimento
iniciado em 1953, mas que adquiriu maiores proporções a partir de 1954, foi
72 O DIÁRIO, quinta-feira, 17 de outubro de 1959. 73 O DIÁRIO, quarta-feira, 29 de setembro de 1959. 74 O DIÁRIO, quarta-feira, 13 de outubro de 1959.
60
importante para compreender a rapidez com que efetivamente foi organizada a
greve de 1959. Para garantir a objetividade da leitura do jornal a partir de 1954, foi
necessária a escolha no jornal da sua seção dedicada à Educação e Ensino.
Nessa seção eram feitas as coberturas sobre a vida educacional e cultural da
capital e do interior do Estado. Foi nessa seção que foram encontradas as notícias
das reivindicações das professoras primárias e de suas lutas. No final da década,
a seção viria sofrer modificações, apresentando-se bem diferente, não apenas na
forma gráfica e visual, mas principalmente no seu conteúdo.
A seção “Educação e Ensino” constituía-se da mesma forma que uma
outra cujo título era “Documentação Católica – Informação – Doutrina”, numa das
mais importantes do jornal. Em 1954, esta seção ocupava grande espaço no jornal
e parecia dispor de grande autonomia. Ela realizava reportagens, noticiava
eventos culturais diversos, informava sobre reformas pedagógicas e não era
direcionada para um segmento específico de educadores, mas para professores
desde os do curso primário até aos do ensino superior, assim como para a
comunidade em geral. Além de também noticiar os acontecimentos relativos à
mobilização e aos eventos promovidos pelas entidades estudantis. A diversidade
de seus enfoques fez pensar que nela a educação assumia um sentido amplo,
sendo compreendida como formação geral do indivíduo nos princípios éticos do
cristianismo.
Entre os anos de 1954 até o período que a acompanhamos no início dos
anos 60, ela era de responsabilidade do jornalista Adival Coelho de Araújo. Em
1954, o jornalista aparecia como o seu editor assinando matérias e reportagens,
manifestando sua opinião e até mesmo incentivando claramente movimentos
sociais, como o das professoras pela melhoria de salários, ou denunciando
questões sociais de saúde pública dos escolares. Já a greve de 1959 não aparece
na seção que se transformou numa coluna que comentava as notícias, ganhando
espaço no corpo do jornal. Ela saia em chamada de primeira página, aparecendo
muitas vezes em mais de uma reportagem diária. O espaço da seção foi se
reduzindo e a partir daí ela se transforma em uma coluna de variedades com
notícias curtas e objetivas, perdendo as reportagens que lhe deram personalidade
no meado da década e que contribuíram para que tivesse uma grande importância
61
na luta das professoras em 1954.
A seção “Educação e Ensino” não só teria acompanhado o movimento
das professoras primárias em 1954 como incentivou, divulgou e deu apoio ao
movimento de Desagrado. O fato gerador do movimento, além das reivindicações
de aumento reclamadas desde o ano anterior, foi a divulgação do decreto de
aumento de 100% do salário mínimo concedido pelo governo federal75. Em maio
foi publicado no jornal um estudo de uma tabela de aumento elaborado
respectivamente, pelas presidentes da Casa das Professoras Primárias (CPP) e
da APPMG. Tal estudo contava inclusive com o apoio do governo que incentivara
a elaboração da tabela pelas referidas entidades. A publicação da tabela foi
precedida de uma nova solicitação e justificativas sobre a necessidade urgente de
aumento para as professoras, assinada pela presidente da CPP. A linguagem
usada nessa justificativa era respeitosa, referindo-se “a grandiosa missão das
mestras”. A matéria, no entanto, deixou transparecer a existência de um
distanciamento entre a entidade, a CPP e as suas representadas, as professoras.
A autora, em determinado momento, expressa seu objetivo, lutar pelas mestras
mineiras, mas não se coloca como tal:
“(...) E, procurando cumprir o seu dever com heroísmo, sacrifício e perseverança, a figura impar da mestra empolga a todos quando mal trajada, levando no coração as amarguras da sua própria vida, ela, entretanto, cumpre e ensina as crianças a cumprir o dever principal de serem bons cidadãos, úteis à pátria, ao Estado e à Família. Mestra pois, é aquela que tudo faz sem nada receber (...) Assim pois o trabalho que executamos em benefício do professorado mineiro não está no objetivo somente de dar às mestras vencimentos que lhes permitam viver de acordo com a grandiosa missão de ensinar; o trabalho em favor das professoras é mais de cumprimento de um dever para a geração futura de nossa terra. Não são as mestras que irão plasmar as almas infantis? (...)” (grifo meu) (O DIÁRIO, domingo, 23 de maio de 1954)76
75 O aumento de 100% no salário mínimo já referido na nota 5 na introdução. 76 O documento é assinado em 23 de maio de 1954 pela presidente da CPP, Zilka Mendes
Faleiro. Logo abaixo veio a proposta de tabela de vencimentos elaborada pela mesma presidente da CPP e por D. Ana Coroacy dos Santos Torquato – presidente da Associação dos Professores Primários de Minas Gerais. Documento dirigido aos Srs. Membros da Comissão de Estudos do Aumento do Funcionalismo Público Estadual.
62
O acompanhamento do jornal e, principalmente, da seção no decorrer da
campanha entre maio a novembro de 1954, permitiu avaliar dimensões e rumos
tomados pelo movimento. As assembléias lotavam, demonstrando a significativa
participação das professoras, inclusive as do interior, manifestando suas próprias
opiniões e obrigando as duas entidades a assumirem novas posições, a ponto de
em determinado momento provocar a retirada da CPP, assim justificada pela
presidente:
“(...) Nossa campanha iniciou-se com efeito, visando obter, dentro da ordem, o aumento do vencimento do professorado. (...) Mas coerentes com as tradições de nobreza de nossa classe, não podemos admitir que esta campanha iniciada em ambiente de ordem e respeito, se desvirtue em suas finalidades, descambando para a agitação que não se coaduna com o papel de educadoras. (...) É evidente que não podem ter apreço à classe os que procuram arrastar as professoras mineiras, cuja missão de educar lhes impõe conservar num plano de reivindicação alta, para um movimento que não encontra apoio na lei e, além disso, poderia ser interpretado como um ato perturbador da normalidade do serviço público, em um dos seus setores mais delicado que é a educação das crianças.(...)” (grifo meu) (O DIÁRIO, quinta-feira, 23 de setembro de 1954) 77
Mesmo retirando-se do movimento foi possível observar como a
crescente mobilização fez mudar o sentido do discurso da presidente da CPP,
referindo-se não mais ao trabalho feito pelo professorado, mas pelo coletivo,
marcadamente político ao referir-se à nossa classe. Este parece ser um primeiro
indício de que a participação efetiva das professoras fez mudar o rumo do
movimento, provocando a reação das lideranças e pressionando-as a assumirem
novas posturas. Isso fica ainda mais claro quando, em junho de 1954, o jornal
publicou um memorial das professoras primárias presentes à reunião realizada no
teatro Francisco Nunes, no qual foi feita referência ao início da campanha em
agosto de 1953, levantada pelo jornalista Luiz M. Barbosa. Um trecho do
documento deixa transparecer a existência de divergências. Um grupo, ao que
parece, apoiado pelo jornalista, discordava da tabela de vencimentos proposta
77 Manifesto às Professoras – Pela Casa da Professora Primária de Minas Gerais.
63
pela Comissão de Funcionários, assim como das atitudes cordiais representadas
pelas presidentes das respectivas entidades. O mais importante, no entanto, são
as indicações da origem da organização coletiva da luta por um salário justo,
correspondendo à visão que se tinha da valorização profissional do magistério.
“(...) Como é público e notório, os atuais e insignificantes vencimentos do professorado primário de Minas, são incompatíveis com o trabalho árduo e estafante a que se entregam as mestras mineiras. É preciso que por isso mesmo as atividades das professoras primárias sejam remuneradas dentro de um critério justo de valorização do trabalho, e, ao lado desse conceito, só pode figurar a elaboração de uma tabela de vencimentos capaz de colocar o trabalho de uma educadora em seu justo valor. E esse valor sempre está, reconhecidamente, identificado com o aspecto intelectual considerado, por certo, um dos atributos primatizados na órbita do magistério primário (...)” (O DIÁRIO, domingo, 6 de junho de 1954).
Mais à frente o mesmo documento referia-se aos vencimentos de
serventes de Secretarias: copeiros, lavadeiras, cocheiros e cozinheiros da
Penitenciária de Neves, enquadrados com quase o mesmo salário das
professoras primárias:
“(...) Todavia, necessário se torna esclarecer que o trabalho desempenhado por esses abnegados servidores têm, também, o seu valor, mas a despeito disso, não pode ser nivelado com a atividade de uma professora primária que se dedicou a estudos durante anos para a conquista de um diploma, sabe Deus com que sacrifício.(...)” (O DIÁRIO, domingo, 6 de junho de 1954)
A partir desse documento e em assembléias posteriores, em vários locais,
as professoras, tanto da capital quanto do interior, não se deixaram convencer
pelos argumentos orçamentários do governo e continuaram firmes em sua
proposta de manter a reivindicação do piso salarial de 2.500 cruzeiros.
Se, inicialmente, O DIÁRIO, e não apenas a seção “Educação e Ensino”,
mas também editoriais e cronistas mostraram simpatia pelo movimento e o
defenderam com base na ordem e na justiça da reivindicação, após um certo
tempo podem se observar mudanças no posicionamento do jornal. Os
64
argumentos orçamentários apresentados pelo governo do Estado para não elevar
o salário aos patamares pretendidos convenceram a sua editoria, obrigando-a a
emitir sua opinião e justificar sua posição ao lado do governo:
“Já nos externamos a respeito do próximo reajuste do funcionalismo, assunto a que, entretanto, somos forçados a retornar. As professoras primárias orientadas por sua respeitável entidade representativa, não ficaram convencidas pelos argumentos com que o Governador do Estado explica não permitirem os recursos do Tesouro uma equiparação imediata aos padrões do salário mínimo. De fato há um despropósito neste desnível entre o ganho de uma educadora e o de um carregador que nem ao menos precisa saber ler... E essa disparidade cala no espírito de quem quer que seja. O homem possui um vivíssimo senso do que lhe é devido por justiça e se dói de qualquer menosprezo. Mas, por outro lado, em assunto de tal natureza jamais se deve agir com parcialidade. Os motivos da parte que vai pagar também são ponderáveis.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 2 de setembro de 1954).
Esta parecia ser uma atitude pragmática e de conciliação da igreja para
não ferir os seus interesses em manter boas relações com o Estado78. No entanto,
o editor reconhece o papel da entidade e a reação das professoras em não se
deixarem convencer pelos argumentos orçamentários e em acentuar o caráter
intelectual da profissão. Foi interessante, porém, observar que mesmo se
colocando ao lado do governo o jornal continuou noticiando os rumos do
movimento. A seção “Educação e Ensino”, persistiu apoiando as ações das
professoras. Elas, por sua vez, não se deixaram intimidar pelos argumentos
financeiros do governo. Os títulos em letras grandes mostravam a continuidade da
mobilização: “O governador do Estado não atendeu as professoras”79, “Grande
concentração das professoras do Estado”80, “Sitiadas centenas de professoras no
78 Costa, 1989, p. 42, aponta como esta política já vinha sendo desenvolvida: “(...) D.
Cabral, com o primeiro Congresso de Catecismo, conseguiu promover, conforme podemos perceber pelas páginas do jornal e pelos resultados obtidos pós- congresso, um grande acontecimento da Ação Social Católica, em nível nacional, e por isso alcança a vitória ao obter, pelas mãos de Antônio Carlos, a autorização para o ensino do catecismo dentro dos horários escolares.”
79 O DIÁRIO, sexta-feira, 3 de setembro de 1954. 80 O DIÁRIO, domingo, 5 de setembro de 1954.
65
Palácio da Liberdade”81, “Rejeitada nova proposta do Governo do Estado”82. Da
mesma forma o jornal e a seção continuaram publicando manifesto da entidade,
adesão das famílias de alunos, discursos de professoras anunciando novas
assembléias, como a que aconteceu no Cine Brasil83.
A seção só retroagiu, possivelmente cedendo à pressão do governo e do
próprio jornal, no final de setembro quando apresenta um título bem menor do que
os apresentados anteriormente: “A remuneração das professoras”, seguido de um
texto curto justificando sua nova posição:
“A uma boa professora não há dinheiro que pague. Quanto por justiça deveriam receber as mestras? Dois, três, cinco mil cruzeiros? A vida está caríssima é sabido, mas a questão dos vencimentos está subordinada a dois interesses: os dos que recebem e os de quem paga. (...) que devem fazer as professoras? Fincar pé em sua pretensão de 2500 cruzeiros iniciais de carreira? Agitar-se em movimentos que podem tornar-se contraproducentes? Arriscar a linha de conduta da qual como educadoras não podem fugir? Por isso este nosso apelo ao bom senso das heróicas, das admiráveis, das abnegadas professoras mineiras. Há de chegar um tempo em que o poder público possa lhes pagar, não apenas o mínimo, mas de acordo com a sua função e a nobreza da sua tarefa.” (O DIÁRIO, sábado, 25 de setembro de 1954).
É preciso ressaltar que, embora sob aparente coação, a seção persistiu
apoiando o movimento até o final do ano. Publicava comunicados da APPMG,
chamava para reuniões e assembléias, dava espaço às opiniões divergentes das
professoras, procurando aparentar uma postura neutra84. Observando o título de
suas matérias, daí para frente, pode-se perceber a preocupação com o sentido
dado a sua redação procurando restringir-se objetivamente à notícia de forma
direta e sempre iniciando pelos sujeitos da ação: “As professoras voltarão a se
81 O DIÁRIO, terça-feira, 21 de setembro de 1954. 82 O DIÁRIO, terça-feira, 21 de setembro de 1954. 83 O DIÁRIO, sexta-feira, 24 de setembro de 1954. 84 João Camilo de Oliveira Torres refere-se ao jornal: ”Um jornal como os outros, mas de
orientação católica, visível apenas na parte doutrinária e, por assim dizer, invisível nas omissões de certos anúncios, de certas noticias”. (Torres, 1972, p.156 apud Tosta, 1989, p. 137).
66
reunir hoje”85; “As professoras lutarão até a vitória”86; “As professoras apelam para
os deputados”87; “As professoras protestam contra proposta”88.
As notícias sobre a greve de 1959 foram deslocadas para a parte de
reportagens, ganhando mais espaço no corpo do jornal. Porém, se antes bastava
a leitura do movimento das professoras na seção “Educação e Ensino”, agora era
necessário ampliar a leitura do jornal procurando as reportagens, editoriais,
comunicados em várias páginas e em diferentes colunas. Algumas modificações,
no entanto, favoreciam a identificação da greve no jornal, as chamadas na
primeira página e a utilização de fotografias. As reportagens importantes como as
de greve passaram a ser ilustradas com fotografias e a ocupar grande parte da
página, recebendo um tratamento de destaque. Elas vinham com títulos grandes,
abertura resumindo os principais fatos e as legendas das fotografias
acompanhadas de textos detalhados, dirigindo a sua leitura. Nos dias que
antecederam a greve e nos momentos cruciais do movimento o jornal também
estampava na primeira página uma chamada que nem sempre era acompanhada
de indicação da página onde a notícia deveria ser encontrada, como a que
aparece em destaque em letra grande e com fundo preto, no canto esquerdo da
primeira página: “Reunião das professoras, hoje, 19 horas”89. Ou outra como
“Professoras em Assembléia permanente: aumento, (pág2)”90. As reportagens
nem sempre apareciam na primeira página, mas chamavam atenção pelos
grandes títulos: “Condenação unânime ao tratamento dispensado às
professoras”91; “Em assembléia permanente: Professoras recebem solidariedade
geral”92; “Professoras dão 48 horas ao governo: aumento ou greve”93.
85 O DIÁRIO, terça-feira, 28 de setembro de 1954. 86 O DIÁRIO, quarta-feira, 29 de setembro de 1954. 87 O DIÁRIO, quarta-feira, 22 de outubro de 1954. 88 O DIÁRIO, quarta-feira, 22 de outubro de 1954. 89 O DIÁRIO, quinta-feira, 11 de novembro de 1959. 90 O DIÁRIO, domingo, 7 de novembro de 1959. 91 O DIÁRIO, sábado, 6 de novembro de 1959. 92 O DIÁRIO, domingo, 7 de novembro de 1959. 93 O DIÁRIO, quarta-feira, 10 de novembro de 1959.
67
1.4 A missão do jornal católico – orientar, dirigir e transigir
“Classe mais pobre do mundo é a de professores no Brasil. Professores primários, secundários e superiores formam uma hierarquia de miseráveis, estando em primeiro lugar os primários. (...) Legal ou ilegal, aplaudo-lhes a greve. A fome não respeita lei. É uma humilhação, uma afronta.” (Alberto Deodato. A greve das professoras. O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959)
Na leitura do jornal durante o período da greve ficou clara a sua ampla
cobertura, e como esta constituiu em um dos acontecimentos locais mais
empolgantes à sua época. É importante perceber como o jornal, com uma ampla
recepção, vinculado à Igreja Católica, utilizou-se dos fatos para influenciar
segmentos sociais, numa tentativa de colocá-los em sua órbita de influência,
assim como procurava controlar o movimento das professoras.
Ao analisar o texto jornalístico é preciso levar em consideração a sua
relação com a Igreja e o discurso performático de origem religiosa. Uma das
formações discursivas mais explicitamente persuasivas é a do discurso religioso94
e a igreja e os que comungam o seu pensamento, sejam eles pertencentes ao
clero ou não, sempre aspiram, segundo Chartier (1994, p.107) “a fixar o sentido e
a enunciar a interpretação correta que deve constranger a leitura (ou o olhar)”.
Considera-se, no entanto, que no jornal impresso, mesmo o de orientação
religiosa, o jornalista, sujeito e homem de opinião, não teria a mesma função do
pregador religioso no púlpito da Igreja, dispondo de autonomia para emitir seu
pensamento com relativa independência. Tal não era, no entanto a orientação de
um jornal católico, ou mesmo da imprensa ligada a partidos políticos em um
período de guerra fria de intensa radicalização com as polarizações políticas que
se seguiram às duas guerras mundiais. É desta forma que se pode entender no
editorial a opinião do jornal, o comentário e a aceitação do discurso de Pio XII,
representante temporal de Deus, em rádio-mensagem, publicada na íntegra pelo
jornal, dirigida à Associação da Imprensa Católica dos Estados Unidos:
94 Citelli, 2000, p. 48.
68
“’Em primeiro lugar’ – diz Sua Santidade – ‘deverão os jornalistas católicos mostrar sua competência, adquirida por estudos sérios e profundo conhecimento da Filosofia e Teologia cristã, e tornar evidentes julgamentos ortodoxos relativos aos importantes problemas da atualidade, enunciando-os clara e cuidadosamente. Em segundo lugar, deverão refletir em seus escritos a unidade, a unicidade da Igreja em sua fé e ensino moral’. Postas estas condições, assinala o papa, ‘a imprensa católica pode colaborar na expansão entre os homens do reino de verdade e salvação do Cristo’.” (O DIÁRIO, domingo, 2 de junho de 1957)
Comentando as palavras do papa, o editorial95 enfatizava a função do
jornalista católico “servo do espírito e faxina da verdade” de assumir uma missão
que deveria ser uma “verdadeira servidão” à Verdade. Ora, o que se pretendia
explicar é que o jornal católico e os que praticam o jornalismo cristão deviam
seguir os princípios e preceitos da verdade religiosa, inquestionável e superior às
verdades sociais. A Filosofia e Teologia cristãs são fonte única da verdade e, ao
jornalista católico, não restava alternativa senão tornar-se seu servo. O jornalista
cristão deve ser instruído na doutrina e, como servo missionário, deve ser
preparado para se opor e argumentar contra outras ortodoxias. Mais à frente,
comentando o apelo do Papa à intelectualidade católica em prestigiar a sua
imprensa, ajudando a sua expansão e, diante da constatação, de que no Brasil a
imprensa confessional não correspondia à realidade do nosso catolicismo, o editor
desabafa: “o que ainda encoraja os poucos órgãos de opinião católica de que
dispomos é a certeza de que um jornal de idéias tem uma missão profética”. Uma
missão antecipatória do futuro mas que na visão religiosa e cristã é o futuro onde
o reino de Deus domine sobre os poderes temporais.
Em outro artigo acerca da missão da imprensa e a propósito da reabertura
de um jornal católico em João Pessoa, Paraíba, o articulista demonstra como o
jornal católico tem compromisso com seu tempo, defendendo não apenas o
recurso à persuasão retórica, mas clamando à ação na recuperação das
instituições sociais como a família, os partidos políticos e o governo. O poder
político que ele responsabiliza pela crise social com reflexos na educação e ao
95 O DIÁRIO, domingo, 2 de junho de 1957.
69
qual apela para uma política social menos injusta. É este o sentido da mensagem
dirigida à equipe que naquela conjuntura tomava a empreitada de fazer um jornal
católico:
“Vivemos sob o amparo de instituições que se dizem cristãs, que na verdade foram edificadas dentro de normas jurídicas ou sociais, que pediram um confronto com os princípios evangélicos. Mas sem uma renovação de suas traves, sem uma vigilância heróica em seu uso, foram se esfarelando, foram se abrindo ou se empenando e aí estão na iminência de um desabamento. (...) Por isto, considero o reaparecimento de ‘A Imprensa’ em termos quase angustiosos. Estão os seus redatores na arena, sob o olhar curioso da multidão que só se converterá pelo sangue dos mártires. Em época tão dura, um jornal católico não pode perder tempo com volteios literários e arquiteturas apologéticas; ou desce à arena para reconquistar posições, para viver com o povo e reconduzi-lo até à Igreja, ou fará papel de foguetão estourando no espaço vazio”96.
É da perspectiva da ação na luta contra a injustiça social e contra a
ausência de compromisso, inclusive de setores da igreja, que o redator fez a
defesa da transformação do discurso literário e apologético para o da ação
católica. O discurso apologético, alheio às questões sociais, transformado em
ação, cumprindo “um itinerário de revitalização cristã”97. A ação com o fim de
revitalizar o cristianismo contra as transformações culturais dos meios de
comunicação de massa, o rádio, o cinema e a televisão. Neste segundo texto
percebe-se a defesa de uma nova postura da igreja frente ao agravamento da
crise econômica e social e a sua relação com as mudanças culturais. Os
discursos, apesar das diferenças na ênfase mais na persuasão da palavra ou na
ação política, revelam um compromisso da imprensa com a crença na salvação
da sociedade humana na vivência conforme os princípios da doutrina cristã.
Do ponto de vista da relação entre o discurso e a prática da imprensa,
Frederico Alessandrini, em Congresso da Imprensa Católica em 1954, da redação
do “L’Osservatore”, recomendava:
96 Missão de um Jornal Católico. José Rafael de Menezes.O DIÁRIO, 26 de novembro de
1959. 97 Ibidem, O DIÁRIO, 26 de novembro de 1959.
70
“A imprensa católica deve distinguir, acrescentou, entre as matérias que se prestam a amplo campo de debate, e às outras que são artigo de fé, de modo que uma publicação católica não pode e não deve assumir uma posição determinada com relação a assuntos sobre os quais os fiéis podem ter opiniões próprias. De outro modo, haverá o perigo de dividir os leitores, confundindo-os, por acreditarem que estas atitudes significam questão de fé, quando não o são na realidade.”98
O que o jornalista do maior jornal do Vaticano defendia era a coerência
com uma política da Igreja para um determinado momento histórico, preservando
os princípios cristãos de ordenamento social, justiça e vivência cultural. O papel
do jornal era de orientar e também de deixar livre o debate sobre o que não
constituía matéria de fé, mas que era suscetível de debates ou mesmo de críticas.
Tal, porém, não parecia ser a postura da Igreja e em geral a da imprensa católica,
como a do O DIÁRIO, que em sua escrita procurava dirigir a ação e o pensamento
dos fiéis em vários assuntos culturais adotando preceitos morais extremamente
conservadores. A Igreja Católica em Minas Gerais, nos meados do século XX não
parecia absorver as mudanças culturais provocadas pela modernização e
procurava ampliar sua ação no sentido de minimizar os seus efeitos considerados
perversos, estabelecendo normas para a vida cristã99. Os editoriais do jornal
orientavam a educação familiar como o que foi publicado no dia 17 de julho de
1957 com o título “Considerações sobre o cinema”:
“Estão funcionando diariamente nesta cidade uns quarenta cinemas que, em conjunto, oferecerão cerca de 100 sessões, (...) Ora, pelo menos a metade de tais películas, ainda que não oficialmente proscritas, não contribuirão, por certo, para a elevação moral dos expectadores. Pode-se afirmar que mais de uma quarta parte apresentará temas prejudiciais. Desta maneira vai-se deixando envenenar a juventude, com a complacência dos pais, autoridades e educadores.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 17 de julho de 1957)
98 Congresso de Imprensa Católica, apud Marcial Mariani, O DIÁRIO, 29 de maio de 1954. 99 O jornal estabelecia censura moral para filmes com os seguintes critérios: todos,
adolescentes, adultos, adultos com reservas, prejudicial e condenado. (O DIÁRIO, quinta-feira, 9 de outubro de 1958).
71
O jornal dirigia os católicos, enfatizando a educação religiosa e o papel
político do cristianismo na manutenção da ordem social. Concomitante ao início da
campanha salarial das professoras em 1959, desenvolvia-se na capital a semana
catequética, envolvendo vários segmentos sociais e entre eles, os professores.
Em foto do jornal na reportagem sobre a campanha é apresentado o público no
Auditório do Colégio Imaculada Conceição. A legenda da foto identifica presenças
do clero, do laicato católico e de pais e mestres. Na mesa do evento estavam
presentes o Arcebispo Coadjutor de Belo Horizonte, Dom João de Resende
Costa, o Bispo Auxiliar D. Serafim de Araújo e o conferencista Professor J. C.
Ataliba Nogueira, da Universidade de São Paulo. Um dos resultados da semana
foi a emissão de circular dirigida ao clero e aos fiéis, onde observava-se a
ingerência da igreja no ensino religioso, nos Grupos Escolares e Escolas Públicas
de nível secundário. Era este o texto circular:
“Para maior regularidade do ensino religioso nos Grupos Escolares e demais escolas primárias, serão nomeados Sacerdotes encarregados de determinadas regiões da cidade, os quais visitarão as escolas e verificarão a atuação dos programas e a eficiência das aulas, indicando ao Departamento de Ensino Religioso as necessidades a que deve atender. Para que a instrução religiosa atinja de modo completo todas as classes de fiéis, será preparado um esquema de pregações para ser seguido nos sermões das missas dominicais em todas as igrejas, de tal sorte que em três anos seja apresentada por inteiro a doutrina cristã: dogma, moral e sacramento.” (O DIÁRIO, 26 de setembro de 1959)
No final da década a Igreja Católica ampliaria ainda mais seu poder,
convencendo o Estado a financiar os Seminários, concedendo bolsas de estudos
para os seminaristas pobres.
“Os cristãos sempre foram, ainda nos tempos das grandes perseguições, os melhores cidadãos, os mais leais, os mais dedicados no cumprimento das leis. Ora, o poder público é diretamente beneficiado com a formação de bons cristãos”. (O DIÁRIO, quinta-feira, 12 de dezembro de 1959. Nossa Opinião: A função social dos seminários)
72
A partir dessa visão de cumprimento de um papel político e missionário
pode-se compreender o motivo, dentre outros, que teriam levado a imprensa
católica a engajar-se na greve das professoras primárias. A postura de O DIÁRIO
estava vinculada a um projeto político da Igreja Católica, o que explicaria sua
inserção nos movimentos sociais e, em especial, nos movimento sindicais e
operários. O envolvimento na greve das professoras estaria articulado à visão da
Igreja do papel da escola na formação do cidadão e propagação do cristianismo.
Estar ao lado das professoras, dirigindo e orientando suas ações, fazia também
parte da política da igreja de controlar os movimentos sociais, retirando-os do
âmbito de influência dos partidos com práticas e valores antagônicos aos da
igreja. A esse respeito é esclarecedor o editorial no dia posterior ao término da
greve onde é ressaltada a ação de D. Serafim e do clero:
“A atuação do ilustre Pastor coroou, aliás, a que vinha desempenhando outros sacerdotes que solidários com o movimento do professorado, tudo fizeram para orientá-lo no melhor sentido e evitar que, por qualquer forma, pudesse ser desvirtuado, com prejuízo da justa causa que defendia.” (O DIÁRIO, domingo, 22 de novembro de 1959. Nossa Opinião.)
Além do controle do movimento a presença da igreja, através do jornal,
apoiando e mobilizando a opinião pública podia ser interpretada como um ato de
solidariedade e gratidão às mestras, algumas delas voluntárias no movimento de
catequese. Na visita de uma comissão ao Palácio no segundo dia da greve o
jornal deixa escapar:
“Ontem a comissão de Relações Públicas do movimento do professorado Primário voltou ao Palácio do Arcebispo de Belo Horizonte, para comunicar o desenvolvimento da Greve Geral. Na oportunidade, o Bispo Auxiliar D. Serafim Fernandes de Araújo, ajuntando à manifestação anterior de D. João de Resende Costa teve palavras de conforto para com as mestras, quase todas catequistas.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959).
73
Por outro lado, é necessário compreender o interesse da Igreja na
adoção de uma política de conciliação entre o Estado e as professoras. Quando o
governo adotou a atitude intransigente e autoritária, declarando não negociar sob
coação, o jornal, em seu editorial, demonstrou de imediato o interesse em mediar
o conflito, expresso no título: “Conflito de dignidades”:
“No fundo estamos em face de um conflito de dignidades. Defendem as professoras a sua, ante a inferiorização a que as relegou a lei, já agora sancionada, mas nem por isso insusceptível de correção por outra lei. Defende o governo a sua, recusando-se a nova iniciativa reequilibradora, desde que sob circunstâncias que lhe dariam o caráter inequívoco de forçada capitulação. (E é mesmo alentador vê-lo afinal firme assim, o que nos dá a esperança de que não voltará a capitular, como anteriormente,ante coações , como os ‘lock-outs’ da carne e do leite …) Ora, a dignidade de uma e de outra das partes pode ser perfeitamente preservada, se predominar o espírito de compreensão na busca da fórmula do acordo comum. Cumpre agora, para isso, que longe de atiçar antagonismos que só aproveitam a demagogias interessadas e claramente identificáveis, se multipliquem todos os esforços de mediação, sincera e objetivamente, para que o impasse seja superado de modo alto e digno. Não pode o professorado querer a sua continuação. Também não o pode querer o governo. Nem os parlamentares conscientes da missão que lhes cabe. Nem os pais, nem os alunos. Aí está, na simples verificação desse fato, o campo de entendimento inicial capaz de fornecer o ponto de partida para a solução que todos desejam ver concretizada o mais rapidamente possível.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959. Nossa Opinião)
Do apoio inicial explícito, conforme a transcrição inicial neste tópico, o
editorial do jornal, certamente escrito por elemento ligado à Cúria metropolitana,
assumiu uma atitude conciliatória, apoiando o autoritarismo do governo. A
mudança de atitude teria resultado da necessidade concreta de manter laços
cordiais com o Estado, mantendo a imagem da religião como mantenedora da
ordem social, assim como assumia posição clara contra os comunistas, inimigos
da Igreja, expresso “nas demagogias interessadas e claramente identificáveis”100.
100 O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959. Nossa Opinião.
74
Por outro lado, justificar o poder autoritário não era incoerente com a
política da Igreja pelo menos naquele momento histórico101. É possível assim,
concluir que a missão de O DIÁRIO na greve estava de acordo com os objetivos
da igreja de orientar os movimentos sociais, evitando que estes se desvirtuassem
e, ao mesmo tempo, mantendo relações amistosas com o Estado.
Além dos editoriais, articulistas do jornal como o escritor Alberto Deodato,
colocaram-se ao lado das professoras, “Legal ou ilegal aplaudo-lhes a greve, a
fome não respeita lei. É uma humilhação, uma afronta”102. Esta era a postura dos
católicos coerentes com a proposta de justiça social, defendida pela Encíclica
Rerum Novarum e reafirmada pela Quadragésimo Anno. Ambas reconheciam a
questão social, não como um conflito social, mas um desvio que deveria ser
corrigido pela conciliação entre as partes, patrões e empregados. Por outro lado,
o apoio à greve, como qualquer forma de confronto, era contraditória com a
defesa dos princípios da ordem e da obediência às autoridades constituídas.
101 “A política católica, efetivamente notabilizou-se por justificar governos autoritários desde
que, conditio sine qua non, a liberdade da igreja fosse garantida. Não é sem motivos, portanto, que ela foi representada como inimiga de todo movimento social que pusesse em perigo a stasis das instituições, especialmente o Estado. (...) As Concordatas do início do século XX consagraram este novo tipo de interação entre os dois poderes.(...) Um poder de Estado estabelecido garante à Igreja a ordem e a segurança que, segundo as representações eclesiais guiadas pelo princípio do Estado autoritário, são necessárias à manutenção da religião, satisfazendo assim da melhor maneira possível a necessidade de legitimação de um poder de Estado (...) Esta orientação caracterizou a prática religiosa até o Concílio Vaticano II”. (Romano, 1979, p.145-146)
102 O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959.
CAPÍTULO 2 - A AVENTURA DO JORNAL CATÓLICO NA COBERTURA DO
MOVIMENTO DAS PROFESSORAS PRIMÁRIAS
No primeiro capítulo abordei o jornal em sua forma e conteúdo103, assim
como a relação entre a forma jornalística e a representação histórica. Neste
segundo, o objetivo é tomar como ponto de partida o discurso do O DIÁRIO, num
exercício de interpretação do passado, partindo dos enunciados para se chegar
aos fatos. A análise do discurso do jornal se fará em torno de um movimento de
reivindicação salarial com o objetivo de perceber como o jornal captava e
transmitia as representações sociais acerca das professoras primárias no
momento de uma greve.
O discurso é aqui compreendido como prática social, portadora de
representações em conflitos com o papel na produção, reprodução, manutenção
ou transformação da realidade. É aquele discurso que possui o poder de construir
imagens para convencer, persuadir e dominar, mas que é também uma
construção lógica, permitindo ser decodificado, explicando a realidade da época
pelas suas contradições. O discurso da imprensa é aqui utilizado como fonte na
investigação do passado e compreendido pelo seu contexto histórico de produção.
A análise da imprensa escrita usa algumas marcas lingüísticas e semióticas, mas
que por expressar uma forma de organização coletiva, necessita ser interpretada,
também, pela lógica da ação104. A construção social dos discursos produzindo
representações que é reconhecida como ideológica, entendida como um conjunto
articulado de idéias contidas em todo e qualquer discurso e não apenas nos da
dominação. Ou o ideológico, como representação verbal, no pressuposto de que o
poder está em jogo em qualquer situação de comunicação tal como o concebe
Pinto (1999, p. 42):
103 “A ênfase da materialidade das práticas e dos objetos culturais se traduz, para alguns
historiadores, no primado atribuído aos ‘veículos’, às grandes ‘instituições mediadoras’ como por exemplo a imprensa, a edição, os museus, a escola, as exposições universais etc. O que importará, segundo eles, será conduzir análise num percurso que vai do significante para o significado, do veículo para a mensagem e, desta para os grupos sociais que a produzem ou se apropriam dela (...)”. (Chartier, apud Nunes e Carvalho, 1993, p. 44).
104 Lógica letrada e lógica prática em Chartier (1994).
76
“(...) é uma dimensão social necessária de todo discurso, responsável pela produção de qualquer sentido social, os da ciência, inclusive -, e o que define ideologia como um repertório de conteúdos, opiniões, atitudes ou representações – pois o ideológico é principalmente um mecanismo formal de investimento de sentidos em matéria significante”.
A leitura do jornal que é também uma fonte de interpretação do passado
e uma forma possível de produzir um conhecimento histórico, como esclarece
Costa (1994, p.190):
“O que fica do passado são os discursos que nele se produziram. Juntando-se esses discursos àqueles que ainda serão produzidos sobre ele, esclarecem-se as condições em que se deu essa existência que já não se encontra entre nós.”
2.1 O discurso do jornal no dia a dia da luta: entre a realidade e a
idealização
“ILUSTRES PROFESSORAS.
No momento em que vos empenhais junto ao governo no sentido de obter salários dignos e compatíveis com a importância social do magistério, cumprimos o indeclinável dever de trazer-vos o apoio e a solidariedade e os votos de êxito da diretoria e associados do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, bem como de todos os homens de Imprensa, Rádio e Televisão. Podeis estar certas de que a opinião pública está ao vosso lado, como ao vosso lado estão as parcelas mais representativas da comunidade mineira”. (Mensagem do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais. O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959).
A pesquisa parte da leitura, análise e interpretação das reportagens do
jornal O DIÁRIO, usado como fonte histórica, relacionando o discurso em seu
contexto social de produção. Era necessário, neste sentido, buscar o
entendimento do jornal no estilo jornalístico da época, a década de 50, na qual a
escrita era marcada por traços subjetivos e literários, fortemente românticos. O
jornalista envolvia-se pessoalmente com a narração de tal maneira, que não era
77
possível distinguir opinião e fato, realidade e ficção, realidade e desejo105. O
repórter que acompanhava a greve, sujeito da narração, transmitia a idéia de
entusiasmo e imaginação, dando a impressão de que para além das descrições
dos fatos reais existia um envolvimento emocional e idealizado106.
Na organização do material para a interpretação não houve preocupação
de organizar os fatos em ordem linear e cronológica, nem o de enumerar fatos e
acontecimentos políticos ou de avaliar dados quantitativos. Isso não significa que
fatos ou dados não possuam significados no discurso. Os dados, principalmente
os repetidos, possuem força de argumentação e reiterações de mensagens com
objetivo de convencer os leitores. No caso específico das reportagens da greve
feitas pelo O DIÁRIO tem-se com clareza a função das repetições e enumerações
diárias de um número sempre crescente de adesão e manifestações de
solidariedade, cumprindo o papel de produzir um efeito de sentido, qual seja, o de
acentuar o crescimento constante do movimento.
Na leitura das reportagens diárias foi interessante observar a manutenção
de um mesmo padrão com os títulos sugerindo ação, seguidos de uma abertura
com subtítulos, funcionando como resumos e uma introdução do texto. No corpo
das reportagens as narrativas são mediadas por novos subtítulos, que cumprem a
função de facilitar a leitura107. Optei por analisar na íntegra a primeira reportagem
do dia 4 de novembro, na qual estão argumentos que serão retomados nas
demais. Este pode ter sido um mecanismo de persuasão pela repetição mas
também tem o sentido de reter os fatos na memória dos leitores, facilitando o
acompanhamento diário da campanha. O que vai diferenciar as reportagens
seguintes são os acréscimos de fatos novos, as ações dos principais atores e
105 Castro 1997, p. 98. 106 “O sr. Adival Coelho é um dos maiores entusiastas do movimento. O privilégio de
participar da greve das mestres, entretanto, não é exclusivamente do sr. Coelho de ‘O DIÁRIO’. Também o sr. José Sérgio do mesmo jornal, está empenhado com o movimento. Em Pedro Leopoldo o piquete de greve das professoras que lá esteve custou a controlar a sua exaltação”. (DIÁRIO DA TARDE, sexta-feira, dia 20 de novembro de 1959. Flashes da greve).
107 Utilizo uma linguagem leiga, buscando aproximação com os sentidos usados na linguagem técnica do jornalismo provenientes da escola americana, adotada na década de 1960: o título, o bigode (abertura), o lead (introdução) e os intertítulos (subtítulos). Para a leitura de jornal utilizei uma versão para iniciantes feita por (FARIA, 1996).
78
protagonistas da ação, a enumeração de adesões e as manifestações de
solidariedade.
O título da primeira reportagem: “Aumento para o funcionalismo não vale
para as professoras” é um incitamento à revolta do magistério primário e a
abertura contém o posicionamento do jornal de condenação à injustiça:
“Esquecidas no projeto a numerosa classe – as mestras vão ganhar tanto quanto um soldado e menos que um investigador – Só o Governador poderá reparar a injustiça – Melhoria apenas para as substitutas e contratadas – Em segundo plano o diploma – Política de dois pesos e duas medidas” (O DIÁRIO, quarta-feira, 4 de novembro de 1959).
As informações cuidadosamente selecionadas estimularam e provocaram
a reação das professoras. Elas foram esquecidas, apesar de constituírem
numerosa classe, e iriam receber tanto quanto um soldado. O diploma, essencial
para o reconhecimento da carreira foi duplamente desvalorizado. O pessoal leigo
e contratado do magistério e os soldados receberam aumentos superiores.
Questionavam-se os critérios que permitiam com que as contratadas e leigas, não
possuidoras de diplomas da Escola Normal, recebessem o mesmo que as
contratadas tituladas. Para incitar a revolta usou-se a máxima popular com o
sentido de injustiça: política de dois pesos e duas medidas. O que na verdade
ressente-se de lógica pois o certo seria política de um peso e duas medidas, ou
seja, usou-se o mesmo critério para situações distintas. A reparação necessária
da injustiça estava nas mãos do poder, o governador. O conflito ficou latente e o
jogo foi lançado. Restava aguardar a reação das professoras.
As duas fotos a seguir, nos extremos opostos da página do jornal, e as
respectivas legendas cumprem o objetivo de acentuar, de um lado o poder
legislativo e, do outro, uma professora em sua sala de aula. Ou seja, tentava-se
evidenciar em pólos opostos o poder em ação, alheio aos interesses das
professoras, representadas na foto por uma delas atuando em sua sala de aula.
79
Foto 1 – Mesa da presidência da Assembléia Legislativa na aprovação do projeto de Aumento do funcionalismo
O projeto de vencimento do magistério foi exaustivamente estudado na comissão de serviço público (foto), mas das 40 emendas aprovadas, não houve uma sequer inspirada no propósito de melhorar, ao menos um pouco, a situação das professoras.
Fonte: O DIÁRIO, quarta-feira, 4 de novembro de 1959.
80
Foto 2 – Professora anônima em sua sala de aula
A professora Maria Edna da Silva, fotografada durante uma aula para os alunos da 1ª série do Grupo Escolar Afonso Pena, não faz questão do salário, como milhares de heroínas anônimas. Mas é lamentável que o Estado não lhe reconheça o esforço, dando-lhe remuneração mais condizente com a magnitude de seu trabalho.
Fonte: O DIÁRIO, quarta-feira, 4 de novembro de 1959.
81
Na visão do repórter, a professora representava milhares de heroínas
anônimas que não faziam questão do salário. Tal afirmativa parece estar aí
colocada com sentido de provocação, uma vez que o jornalista, tendo
acompanhado a luta do magistério desde 1954 por melhores salários, não pode
acreditar no desinteresse salarial da professora108. Às fotos segue-se o texto
introduzindo a reportagem:
“O professorado primário não conseguiu ver atendidas as suas reivindicações de melhoria de salário, nas bases apresentadas ao governo. Mesmo a Assembléia Legislativa, que anexou ao projeto original, de autoria do executivo, emendas diversas, deixou ainda mal situado o magistério, com salários que não atendem às necessidades do mestre. Mormente atentando-se para os gastos que o professor realiza, imperiosamente, para o preparo de aula e transporte. Com muita dificuldade, conseguiu-se para o início de carreira o salário de 6200 cruzeiro, bem inferior aos níveis em vigor em outros Estados da Federação. Vê-se, portanto, que o professor mineiro continuará a ocupar lugar de inferioridade, quanto à remuneração.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 4 de novembro de 1959)
A introdução reafirma a situação injusta do magistério. O Legislativo,
embora tenha alterado com emendas o projeto do executivo, deixou a categoria
em situação de inferioridade, em relação aos salários pagos em outros estados da
federação. O salário de 6.200 cruzeiros não cobria os gastos das professoras
contabilizando-se as despesas com transporte e o trabalho invisível, feito em casa,
ou seja, o preparo das aulas.
O texto da reportagem é entremeado por dez subtítulos109, onde são
explicitadas algumas questões que relacionam salário e desvalorização
profissional do magistério.
108 Ver, no primeiro capítulo, o jornalista, responsável pela coluna “Educação e Ensino”,
presente e atuante defensor do magistério desde a campanha de Desagrado, em 1954. 109 Os subtítulos da reportagem: META / NÍVEIS SALARIAS / REVISÃO / MAIS TRANQÜILA /
INSPETORES DE ENSINO / DIRETORES / ENSINO SUPERIOR E SECUNDÁRIO / SUBSTITUTAS LEIGAS E CONTRATADAS / CONTRATADAS / SUBVERSÃO DE VALORES. Todos os trechos em itálico são transcrições literais dos respectivos subtítulos. (O DIÁRIO, quarta-feira, 4 de novembro de 1959).
82
− META é o primeiro e refere-se à necessidade de obtenção de um salário
para os professores que reponha o seu poder aquisitivo110, dada a
desvalorização da moeda, remunerando-os de acordo com a sua função
social, deixando explicito: “este aspecto mais se agrava, quando se atenta
para a função do mestre na formação da mocidade.” E chama atenção o
conseqüente prejuízo para o ensino: “seu problema salarial não será
resolvido e desta maneira continuam as escolas a possuir professores
que lecionam em mais de uma instituição ou trabalham em outras
atividades.”
− OS NÍVEIS SALARIAIS – estabelece comparação com os salários dos
militares, mostrando como os militares, os soldados, obtiveram melhores
salários além de disporem de vantagens adicionais: fardamento, rancho,
alojamento e transporte. E conclui: “Lamentavelmente o professor
primário, do qual mais se espera na atual crise brasileira, tem a sua
situação piorada.”
− REVISÃO – apresenta a necessidade de uma nova tabela salarial para o
professor e justifica: “por essas e outras é que Minas vem perdendo a
hegemonia e o comando da educação no Brasil.” A vinculação do salário
das professoras com a perda do prestígio político de Minas foi usado
como um recurso, apelando ao imaginário político regional, usando o
simbólico espírito de “mineiridade” como forma de atingir os brios dos
políticos, mas igualmente os do eleitorado.
− MAIS TRANQÜILA – reapresenta a mesma mensagem de comparação
de salários com a polícia, também a civil. Como esta polícia passara a
receber dez mil cruzeiros, encontrava-se numa situação mais tranqüila. E
esclarecia: “não achamos que a função desta classe seja menos digna.
Que fossem igualadas pelo menos seria o ideal.” A isonomia salarial foi o
mote que deu origem e sustentou a reivindicação das professoras. Foi
110 Na tabela do aumento geral do funcionalismo as professoras obtiveram 6.200 cruzeiros de
salário mensal. A pretensão durante a mobilização era de 10.500 cruzeiros. Na verdade elas conseguiram 8.500 cruzeiros.
83
esta comparação salarial que serviu de referência para a exigência das
professoras de um piso de dez mil cruzeiros.
− INSPETORES DE ENSINO – DIRETORES – ENSINO SUPERIOR E
SECUNDÁRIO – usa-se a mesma lógica da comparação com outras
carreiras para justificar também o aumento das categorias profissionais
ligadas ao magistério. Ou seja, da mesma forma como as professoras
foram prejudicadas, também o foram os profissionais hierarquicamente
superiores.
− SUBSTITUTAS LEIGAS E CONTRATADAS - o subtítulo é seguido pelo de
CONTRATADA. A contratada do segundo subtítulo refere-se a substitutas
contratadas, mas portadoras de diploma de Escola Normal, diferenciando-
se das leigas também contratadas, que não possuíam habilitação. O
aumento aproximando o salário das substitutas e contratadas leigas, das
diplomadas e efetivas é entendido como uma desvalorização dos diplomas
e concursos. O repórter percebe e denuncia uma manobra de
desvalorização profissional: “o próprio Estado colabora para a
precariedade do magistério, não atentando para as que não possuem
carreira. Aí se encontra o motivo por que os salários estão afugentando as
diplomadas. Ainda há poucos dias, o órgão oficial divulgou numerosos
nomes de moças não diplomadas e que não se submeteram a concursos
públicos (provas e títulos), nomeadas para escolas do interior.”
− SUBVERSÃO DE VALORES – retoma a questão do aumento das
professoras leigas e o uso do senso comum - dois pesos e duas medidas -
é utilizado novamente para reafirmar a desvalorização da profissão, e
conclui: “são evidentes a subversão de valores e o péssimo conceito que
faz a autoridade do magistério, o que é lamentável.”
Esta primeira reportagem, conforme já se acentuou, mereceu uma
análise mais detalhada por marcar o início de uma série de outras com a mesma
matriz discursiva, contendo os argumentos justificativos da mobilização das
professoras. Para facilitar o entendimento dos fatos, optei por analisar todos os
títulos das reportagens principais e as ocorrências diárias do dia 6 de novembro
84
até o final da greve no dia 20. O objetivo da análise dos títulos das reportagens
neste período é o de facilitar a compreensão da dinâmica do movimento. A partir
do final da greve e devido ao tempo prolongado que vai da aceitação da
negociação e do envio do projeto ao legislativo, selecionei títulos das notícias mais
significativas, que dessem conta de apreender a ação das professoras no
período. Elas irão se conservar unidas e vigilantes, comparecendo regularmente
à Assembléia, fazendo pressão, a principio, para que os deputados
pressionassem o executivo no envio do projeto e acompanhando sua tramitação
naquela casa legislativa, mesmo após o término do ano letivo.
É importante ressaltar que o repórter de O DIÁRIO não apenas noticia os
fatos mas emite opinião, toma posição a favor da campanha, incita, estimula a
reação das professoras, além de conquistar o apoio do público da capital e do
interior. E a reação foi imediata. Dois dias após a reportagem inicial que noticia a
tabela de aumento do funcionalismo, o jornal traz a manchete: “Condenação
unânime ao tratamento dispensado às professoras primárias”111. E a líder do
magistério reage, manifestando indignação:
“Fomos muito prejudicadas no atual aumento do funcionalismo público. Tudo começou quando esqueceram de convidar um educador para integrar a comissão que elaborou as tabelas encaminhadas pela assembléia. A classe não foi ouvida e, pior, relegada agora ao completo esquecimento. De agora em diante, estaremos em sala de aula, lecionando para alunos adultos que percebem salários maiores que os nossos.Inclusive os militares e os policiais. Por outro lado, esqueceram que a tendência natural dos alunos é refletirem o professor. A educadora já não pode se apresentar com o mínimo de dignidade nas escolas pois falta-lhe o pão em casa, o vestuário e não tem condições, ao menos, de apresentar modestamente vestida (...) ‘Não podemos conter a justa revolta do magistério’(...)”. (O DIÁRIO, sexta-feira, 6 de novembro de 1959)
A primeira fala da líder foi afirmativa, categórica e diríamos que viril, na
concepção da época112. No discurso, o significado de educador se sobrepõe à
111 O DIÁRIO, sexta-feira, 6 de novembro de 1959. 112 “A greve, enquanto conflito trabalhista, é vista como um ato viril, pouco feminino.” (Blass
1992, p. 148).
85
tradicional e estereotipada imagem idealizada “da professorinha recém formada
supostamente lecionando à espera de marido”113, ou a de mãe e dona de casa,
exercendo uma atividade complementar, recebendo um salário acessório ao do
homem, considerado o provedor do lar. O uso genérico de educador e não
educadora faz pensar que a afirmação profissional da mulher implica, em certas
circunstâncias, em assumir uma atitude andrógena114, uma vez que a sociedade
não reconhecia o exercício político das mulheres assumindo posições de
liderança.
No discurso, há uma passagem do masculino para o feminino, quando
menciona a necessidade da educadora de prover a casa, “pois falta-lhe o pão em
casa” e “não tem condições de apresentar-se modestamente vestida”, numa
referência ao baixo salário, insuficiente na composição da renda familiar115. Esse
discurso contém marcas de identidade profissional na luta contra a desvalorização
social do magistério. Nele o salário foi percebido como condição de dignidade
humana e profissional. É, ao mesmo tempo, discurso de denúncia, reivindicação,
ameaça e transgressão, apontando a possibilidade de se chegar à greve116. A
profissão, neste caso, não está sendo vista apenas como sacerdócio ou missão,
ou profissão “naturalizada” como feminina, exigindo amor, doação e abnegação,
mas na argumentação estava em jogo o salário e a apresentação pessoal, num
113 Mello, 1998, p. 72. 114 “Ao se militar, a revolução se torna masculina, e relega as mulheres às gazes ou aos
fornos. Na comuna, por exemplo, só são toleradas como enfermeiras ou cantineiras. Se querem carregar armas, têm de se vestir de homens. À frente das manifestações ou desfiles, elas se congelam como símbolos. E se a República se encarna numa Marianne, sem dúvida é uma última maneira de transformar a mulher em objeto.” (Perrot,1988, p. 199).
115 “De fato, na nova economia urbano-industrial, o trabalho assalariado das mulheres proporcionava proteção muito maior contra a inflação e a depressão econômica do que a produção doméstica. Até mesmo os pequenos salários ganhos por filhas solteiras, viúvas ou – mesmo caso de necessidade premente – esposas, poderiam fazer diferença entre a sobrevivência precária e um mínimo conforto”. (Besse, 1999, p 144).
116 Os trabalhos sobre profissionalização definem de uma maneira geral modelos ou traços ideais de profissionalização, adstritos às profissões liberais como: amparar-se em associações, possuir autonomia no trabalho, domínio de um saber específico, identidade profissional, regulamentação de condições de trabalho, entre outras. Aqui estamos tratando de contrapor a gênese de um discurso profissional à percepção estereotipada do magistério primário com fortes conotações de significação afetivas e obrigação, exigindo baixa qualificação e pequena remuneração. Esse raciocínio baseia-se no estudo de Ramalho e Carvalho (1994).
86
vestuário de acordo com o papel e a posição que a professora deve ocupar na
sociedade. No caso, as professoras parecem se representar como pertencentes
às camadas médias da população, procurando manter distinção dos funcionários
assalariados do Estado, em funções subalternas que não exigem habilitação
específica117.
Apenas no início do movimento, ainda no dia 6 de novembro, quando
iniciava a reação da Associação com a fala da presidente em exercício, o jornal
apresentou a opinião da ex-presidente da APPMG, a professora Ana Coroaci. Foi
a única vez que o jornal deu voz a outra liderança. Daí para frente o jornal só
apresenta as falas da presidente Marta Nair Monteiro e se refere às professoras
sem mencionar nomes, reunindo e interpretando suas falas. Da mesma forma foi
a única vez, em toda a mobilização, que foi feita uma referência ao início da
organização do magistério no movimento de Desagrado de 1954118:
“(...) Entre as classes menos favorecidas está justamente as professoras primárias. Bateram-se insistentemente por uma tabela cujo nível inicial seria de sete mil cruzeiros (...) Mesmo isso lhes foi negado. A luta por um lugar condigno na escala social constituiu o ponto principal da memorável campanha de 1954. Agora, de novo, a professora primária inicia uma luta para que lhe seja dado aquele lugar. (...) O que não é justo é colocar a professora primária num plano de inferioridade de remuneração quando a sua missão na sociedade não a pode colocar em inferioridade profissional.(...) Os diplomas, os difíceis diplomas e títulos caríssimos perderam o seu valor como condição fundamental ao aproveitamento do professor, pois até a diferença entre a remuneração da contratada leiga e contratada diplomada vai caminhando para o desaparecimento, desaparecendo também o estímulo para que as moças ingressem na Escola Normal.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 6 de novembro de 1959. Condenação unânime ao tratamento dado às professoras primárias. Trechos de entrevista com a Profª . D. Ana Coroaci Torquato).
117 “De fato, seus movimentos reivindicatórios salariais apresentam traços típicos de
comportamento de classe média assalariada ao buscarem, num aspecto de relações interclasses, a distância sócio-econômica com os assalariados manuais”. (Luiz Pereira, 1969, p. 154-155).
118 O movimento de 1954 está descrito no primeiro capítulo e foi o primeiro movimento de âmbito estadual e que congregou em várias assembléias uma multidão de professoras, incluindo as do interior. A maior concentração foi feita no cine Brasil, o único espaço que comportava o número de participantes na época.
87
A fala da ex-presidente da Associação não foi diferente da do jornal,
apresentando os mesmos argumentos resultados na primeira reportagem.
O movimento se impôs com o apoio do jornal e da liderança ameaçando
com a rebelião. No dia 7 de novembro, na manchete “Cresce a revolta do
professorado primário”, a palavra chave foi “revolta”. A utilização dessa palavra
no título da reportagem cumpre o objetivo de demonstrar o crescimento da
campanha, afirmando-se o sentimento de insatisfação e indignação que tomava
conta do professorado. Esta é mais uma das manifestações aparentes do
incitamento do jornal com o intento de provocar a reação e manifestação da
liderança e das professoras, aumentando sua repercussão:
“A reportagem de O DIÁRIO sobre o assunto, mostrando que a tabela votada pela Assembléia e os critérios que subvertiam a hierarquia natural dos profissionais assalariados do Estado, repercutiu intensamente. Em Belo Horizonte, as escolas, praticamente, estão com suas atividades paralisadas, já que o descontentamento é geral e as mestras outra coisa não fazem senão lamentar o erro cometido contra a classe. Alegam, principalmente, que, no momento em que os esforços do Governo se concentram na reabilitação dos prédios escolares, na melhoria do ensino e no aperfeiçoamento do professorado, na tabela de aumento de vencimentos situa-se o professor em posição que não condiz com sua dignidade e nem de longe atenderá às suas mínimas necessidades.” (O DIÁRIO, sábado, 7 de novembro de 1959)
Mais uma vez o jornal assumiu a responsabilidade pela iniciativa que
teria dado origem ao movimento. Segundo o texto do jornal, a repercussão da sua
denúncia havia gerado nas escolas o clima de insatisfação e descontentamento,
dando vazão à indignação reprimida das professoras. A estratégia do jornal estava
explicitada. Ele havia fornecido os elementos indispensáveis para provocar a
insatisfação, impulsionando a mobilização das professoras. O redator, em seu
entusiasmo, parece ter intuído que o momento era ideal para disseminar a revolta
e a reação veio em termos de discussões, lamentos e na conseqüente
responsabilização do governo pelas injustiças cometidas contra as professoras.
Em suma, o jornal lançara o desafio inicial, impelira o pronunciamento da
liderança, provocara a revolta. Era preciso ir mais além e sensibilizar a opinião
88
pública.
O título da reportagem seguinte no jornal de domingo, 8 de novembro foi,
“Professoras recebem solidariedade geral”119, sugerindo uma nova etapa a ser
conquistada, o apoio da população. Coincidentemente ou não, o título da
reportagem foi usado num dia de domingo, explorando a cultura da época, o
espaço e o tempo vividos pela população no final da década de 1950 que neste
dia, freqüentava maciçamente as missas dominicais e tinha mais tempo para o
lazer e a leitura120. Na missa, dado o envolvimento da igreja, através do jornal,
provavelmente o pároco chamara atenção para o movimento. No jornal não
apenas a reportagem o fizera como também o editorial “A causa do magistério”121
levava à reflexão e defendia a justiça da luta.
Neste momento, as professoras já haviam realizado a primeira reunião na
sua sede, onde deliberaram pela Reunião Permanente122. Da mesma forma agiam
firmemente organizando comissões e mobilizando para obter apoios. No domingo,
o jornal anunciava as atividades programadas, como o comparecimento no dia
seguinte de algumas representantes à Confederação Nacional dos Trabalhadores
nas Indústrias – CNTI. Outra comissão deveria se dirigir ao Palácio solicitando ao
governo a sanção da lei de aumento do funcionalismo e o seu envio imediato à
119 O DIÁRIO, domingo, 8 de novembro de 1959. 120 A descrição da vida de Belo Horizonte na década de 50 pode ser encontrada em cronistas
como Carlos Drumond de Andrade, Fernando Sabino, Ciro do Anjos, entre outros, referindo aos footings na Avenida, a ida às Confeitarias, o bar do Ponto, os matinês do cinema Metrópole etc. “Nenhum desejo neste domingo. Tomo o café que a velha traz silenciosamente. Leio o Minas que deixou sobre a mesa. Lá fora a cidade, a manhã deve estar alegre e o parque cheio de gente. Veio-me a idéia de sair um pouco para espairecer. Depois, à tarde, talvez o futebol. Os jornais anunciam um encontro sensacional. Mas talvez seja melhor armar a rede no quintal e folhear revistas velhas. Finalmente resolvo, entre bocejos, dar um giro. Tomo o bonde, desço na avenida. Homens e mulheres sobem a escadaria da igreja de São José. Por que não fazer o mesmo? Devo, ou não, tirar o chapéu, em frente à igreja? O melhor é dar uma volta e não criar este problema. Uma banda militar desce marcialmente a Rua da Bahia, rumo a estação Central. (...)” Augusto dos Anjos (1979, p. 104-105). No interior, relatos das pessoas, mostram a ida à missa dominical, as festas religiosas nos dias dos santos padroeiros.
121 O DIÁRIO, domingo, 8 de novembro de 1959. Seção Nossa Opinião. 122 O DIÁRIO anuncia a ida ao Palácio e a reunião no dia 6 na sede da APPMG e no dia
seguinte, dia 7, noticia a deliberação de Reunião Permanente.
89
Assembléia Legislativa123. A comissão para a ida ao Palácio havia sido eleita em
Assembléia, levando a tabela de reivindicação salarial, a saber, o salário base de
dez mil cruzeiros, para o padrão inicial, M-A. Paralelamente começavam a chegar
à redação do jornal e à sede da Associação manifestações de apoio dos
trabalhadores, pais e estudantes:
“Tão logo a Associação dos Professores Primários de Minas deu início ao movimento, de vários setores da sociedade começaram a chegar mensagens de apoio e de solidariedade. Destacavam-se, sobretudo, as que O DIÁRIO já divulgou domingo em programa de Televisão, o Diretório Central dos Estudantes da Universidade Católica, o DCE da UMG e o Centro Acadêmico Afonso Pena, da Faculdade de Direito, manifestaram publicamente sua adesão e apoio. Os universitários, entendendo que o problema da remuneração condigna dos mestres escolares não está apenas afeto aos professores primários, mas muito mais aos próprios pais, aos alunos (adultos) e às entidades de classe, articulam a realização de um comício monstro no centro da cidade. Na oportunidade, várias associações representativas das classes conservadoras, de trabalhadores, estudantes, donas de casa e da cultura manifestarão publicamente seu apoio irrestrito às mestras, dirigindo eloqüente apelo ao Governador Bias Fortes e à Assembléia Legislativa Estadual para que atendam às justas reivindicações das professoras que, em última análise, são da própria sociedade”. (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959)
A mobilização parecia ter decolado e esta foi a primeira de uma série de
manifestações de solidariedade dos estudantes universitários que aderiram à
campanha e, como é característico dos jovens, foram de imediato prometendo a
realização de “um comício monstro”. Este compromisso pode ser compreendido
mais como retórica do que como possibilidade concreta de manifestação pública.
O jornalista sabia que talvez não se chegaria ao evento, mas tinha interesse em
transmitir a mensagem de um movimento grande e articulado. Daí o uso constante
e, em várias ocasiões, da expressão comício ou manifestação “monstro,” como
artifício de linguagem. Em alguns momentos o uso da expressão corresponde às
123 Esta era a manobra empregada, de um lado, pedir a sanção do projeto para o
funcionalismo, para que este não fosse prejudicado e não se voltasse contra o movimento do magistério, mas ao mesmo tempo exigir o envio de uma nova tabela para as professoras.
90
manifestações efetivas das professoras, lotando as Assembléias em locais amplos
e com capacidade para abrigar um número considerável de pessoas como os
auditórios da Secretaria de Saúde e o do Instituto de Educação. A verdade é que
se algumas das manifestações populares não chegaram realmente a se
concretizar tal como alardeava o jornal, outras são realmente surpreendentes
como as de operários e pais:
“A partir de anteontem, às 22 horas, o movimento do professorado cresceu, em decorrência do apoio integral que lhe foi dado pela Confederação dos Trabalhadores nas Indústrias (CNTI), Todos os sindicatos filiados ao órgão trabalhista manifestaram seu apoio às mestras. A convite dos trabalhadores uma comissão de educadoras, tendo à frente o deputado Hernani Maia, compareceu à reunião semanal do órgão. As mestras receberam as homenagens de todos os sindicatos, tendo uma delas feito um relato fiel do que vem acontecendo com o magistério (...) Já informados da realidade os sindicatos de trabalhadores, não apenas expressaram seu integral apoio às mestras como também decidiram liderar o movimento dos pais de alunos em favor da reivindicação das mestras. Uma comissão de líderes sindicais foi destacada para visitar a Assembléia Permanente das educadoras, devendo os sindicatos participar do movimento das professoras.Também o sindicalista João Luzia usou a palavra para garantir em nome de todos os seus companheiros que se ‘necessário, iremos ao Palácio, aos parlamentos, à rua, para protestar juntamente com a mestra’.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 11 de novembro de 1959)
“Ontem, em ofício remetido ao Governador do Estado, ao Secretário de Educação e ao presidente da Assembléia Legislativa, todos os sindicatos de trabalhadores pediram justiça para o professorado e comunicaram ‘que, se necessário, estão dispostos a ir à greve para defender mais escolas e melhores salários para as mestras de seus filhos’.” (O DIÁRIO, quinta feira , 12 de novembro de 195)
O apoio dos sindicatos integrados à CNTI revelou a importância que os
operários davam ao ensino. Agindo também como pais e cidadãos eles
demonstravam a necessidade de compactuar com as professoras, relacionando o
aumento do salário com a qualidade de ensino para os filhos.
Segunda-feira o jornal não circulava. Na terça-feira, dia 10, a reportagem
estampa o título: “Professoras dão 48 horas ao governo: aumento ou greve”. A
91
campanha chegara ao ápice em menos de uma semana. A decisão de se
estabelecer um prazo para a resposta do governador fora tomada em assembléia
pelas professoras e, em parte, pode ser atribuída às reações ao relato das
gestões junto ao governo para enviar imediatamente o projeto de aumento.
Algumas horas antes da Assembléia, em audiência com o governador e seus
auxiliares, não houve nenhum compromisso explícito do governo com o aumento.
A comissão de professoras saiu indignada do Palácio. Um incidente, que em
circunstâncias diferentes poderia ser irrelevante, acabou ferindo a sensibilidade do
grupo, agravando o clima de insatisfação reinante. O episódio foi relatado no jornal
do dia seguinte.
“Ao momento em que o governador terminou a audiência com o professorado e decidiu atender aos fotógrafos as professoras solicitaram das colegas que não sorrissem como desejava o Governador, pois estavam tristes por não poder levar à Assembléia da classe a palavra de estímulo e esperança do Governo. O Sr. Bias Fortes insistiu e contou uma anedota sobre Getúlio Vargas. Vamos reproduzi-la rapidamente. Em uma festa o Presidente Vargas solicitou a seus auxiliares que fizessem pose de ‘gente inteligente’. Ao final afirmou (segundo o Sr. Bias Fortes) ‘Podem voltar a sorrir’. Nesta hora as professoras sorriram para depois se mostrarem tristes com o insulto da anedota.” (O DIÁRIO, terça-feira, dia 10 de novembro de 1959)
No dia 11, o título da reportagem explorou o crescimento do movimento:
“Mobiliza-se o professorado do interior para a campanha do aumento dos
vencimentos.” A campanha estava saindo do âmbito da capital e aos poucos
atingia as cidades mais próximas. Neste dia o repórter noticia a vinda de uma
delegação de 40 mestras de Nova Lima, para Assembléia no Auditório do
Instituto de Educação e convoca, a pedido da associação, as professoras para
uma manifestação na praça Afonso Arinos que deveria preceder a assembléia
programada.
O resultado da assembléia foi o título da reportagem do dia seguinte, 12
de novembro: “Professoras dão ultimato ao Governador do Estado”. A foto do
jornal e a legenda reafirmavam o crescimento do movimento.
92
Foto 3 – Assembléia no Instituto de Educação no dia 12/11/1959
O novo auditório do Instituto de Educação de Minas Gerais foi pequeno, ontem, para comportar três mil professoras primárias que ali compareceram para cuidar do aumento do vencimento da classe. Decidiram conceder um prazo até o próximo dia 15, para que o governador Bias Fortes remeta novo projeto de aumento (dez mil cruzeiros) à assembléia Legislativa Estadual. Hoje, haverá concentração na Câmara dos Deputados e visita coletiva ao Palácio da Liberdade, para comunicação oficial da decisão. A partir do dia 16, haverá paralisação das atividades escolares.
Fonte: O DIÁRIO, quinta-feira, 12 de novembro de 1959.
93
O auditório do Instituto de Educação apresenta-se lotado. A montagem,
feita em clichê, típica do jornal da época, parece sugerir os apoios conquistados: a
um lado, o político trabalhista Ernane Maia, e do outro, um aluno, representando o
apoio da comunidade escolar e o público em geral. Na Assembléia do Instituto de
Educação a liderança e as professoras, auxiliadas pelas informações do jornal e
de sindicatos presentes, já tinham condições de avaliar a possibilidade de dar um
prazo ao governo para envio do projeto e ameaçar com a greve. Nos dias
seguintes os títulos do jornal sugerem a crescente ampliação do movimento,
retratando as professoras em ação determinadas a obter o apoio da comunidade.
De fato, o jornal parece ter conseguido a unanimidade da opinião pública que se
colocava, no momento, a favor da mobilização. Chegava a hora das professoras
mostrarem disposição de chegar até às últimas conseqüências, ameaçando com a
paralisação das aulas, a suspensão dos testes do final do ano, alertando para o
conseqüente prejuízo às crianças. Chegara a hora oportuna de sensibilizar os
pais.
“Para isto o professorado está apelando para que os pais compreendam a situação e auxiliem na campanha que visa ao reparo das injustiças...” (O DIÁRIO, quinta-feira, 12 de novembro de 1959)
Usando vários recursos para ressaltar as proporções adquiridas pelo
movimento, a reportagem foi apresentando a cada dia uma lista de cidades que
compareceram à assembléia e a adesão de outras através de telegramas para a
Associação das professoras.
“À Assembléia Geral de ontem no Instituto de Educação compareceram professoras vindas de Conceição do Rio Verde, Sabará, Itabira, Carmópolis, Nova Lima, Oliveira, Sete Lagoas, Campo Belo, Pompeu, Montes Claros, Juiz de Fora, Itaguara. A assembléia recebeu telegrama de educadoras, comunicando inteira solidariedade, vindos de Patrocínio, Muriaé, Esmeralda, Diamantina, Uberlândia, Juiz de Fora, Conselheiro Lafaiete, Três Pontas, Santa Rita do Sapucaí, Pouso Alegre, Lagoa Santa, Dom Silvério, Rio Claro, São Gonçalo, Joanésia, Mesquita, Montes Claros, São Lourenço, Lambari e numerosas outras cidades.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 12 de novembro de 1959)
O número de cidades que compareceram e enviaram mensagens era
pequeno naquela primeira Assembléia, mas bastante significativo para uma
94
campanha de apenas uma semana. E este aumento paulatino das repercussões
parece cumprir o propósito de dar credibilidade às notícias do jornal. O jornal
noticiava e reafirmava o número de adesões, mas parecia cauteloso, levando-se
em consideração as condições de comunicação na época. As estradas existentes
eram quase intransitáveis naquela estação do ano em que iniciavam as chuvas.
Outros meios de transportes eram os trens e aviões. Um exemplo da importância
do transporte aéreo naquela época pode ser visto no próprio jornal, mencionando
muitas vezes os préstimos dos aeroviários para levarem correspondências
noticiando o movimento e pedindo o apoio das cidades do interior. As cidades de
porte médio de Minas eram servidas pela Companhia Real – Aerovias do Brasil,
com aviões DC-3 da Segunda Guerra124, que podiam ser vistos nas propagandas
do jornal. A companhia era tão importante para o transporte de passageiros que a
desativação de algumas linhas provocou a reação da população com notícia no
jornal125. Os meios mais rápidos de comunicação da época o telefone e o
telégrafo, pareciam terem sofrido censura, conforme denúncias feitas pelo jornal
durante o período da greve:
“Vem causando estranheza junto ao professorado e às autoridades que apóiam a greve do magistério a censura que se estabeleceu nas comunicações telefônicas da Associação dos Professores Primários. Com muita dificuldade se consegue conversar com outras pessoas sem que a ligação seja interrompida pelas próprias telefonistas da Companhia Telefônica. Ontem os advogados das mestras tomaram conhecimento do fato e se dirigiram a Telefônica. (...) Os telegramas da Associação dos professores Primários depois de recebidos pelos Correios e Telégrafos são devolvidos com a comunicação de que estão censurados e que não podem ser transmitidos. Informam ainda os correios que do Rio vieram instruções especiais para que os comunicados das mestras sejam censurados” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959).
124 Esta informação é em parte lembrança da minha infância em Governador Valadares, onde
residia ao lado do aeroporto local e via os aviões pousando e alçando vôo. O DC-3 era um avião de hélice, como todos da época, como o que vi, tempos depois, no filme Casablanca.
125 “Também no pequeno expediente, o Sr. Pedreira Cavalcante, do PR, leu ofício a ele encaminhado por estudantes integrantes da Organização Norte Mineira de Estudantes (ONME) que lhe apresentam inteiro apoio ao discurso pronunciado anteontem, contra a retirada das linhas Aéreas do Norte e Nordeste de Minas. Dizem ainda em seu manifesto os estudantes que estão encetando campanha para que a Real-Aerovias Brasil reconsidere sua atitude”. (O DIÁRIO, quinta-feira, 5 de novembro de 1959).
95
O jornal noticia no dia 13 de novembro, “Centenas de professoras
superlotam ontem as galerias da Assembléia: firmes nos dez mil.” A agenda das
comissões de greve era intensa, com programação de diversas atividades.
Naquele dia parecia ser necessário lotar as galerias da Assembléia Legislativa
para sensibilizar os deputados. Uma comissão de professoras, acompanhadas de
lideranças sindicais e estudantis, dirigiu-se ao Palácio para comunicar o prazo de
três dias para resposta do governo, retirado em assembléia no auditório do
Instituto de Educação. O jornal destacou a adesão dos motoristas de ônibus
intermunicipais que se dispuseram a levar as correspondências para o interior.
Uma segunda reportagem, no mesmo dia, ocupava quase uma página
com o título: “Sindicatos reivindicam do Governo melhores salários para as
professoras”. Na mesma edição do dia 13 foi publicado o artigo: “A campanha do
professorado do Estado”, assinado por Frei Martinho Penido Burnier, apoiando a
reivindicação. No plenário da Assembléia os deputados de oposição ocuparam a
tribuna, discursando a favor das mestras, provocando o comentário do repórter: “A
oposição viveu uma das suas melhores tardes sendo constantemente aplaudida
pelas galerias, apesar da campainha da Mesa.” Algumas falas dos deputados no
plenário da Assembléia Legislativa, captadas pelo jornal dão a dimensão do clima
favorável à oposição. Segue alguns fragmentos pinçados da discussão.
“(...) Hernani Maia (PTB): ‘não admitiremos nenhuma violência do governo contra às professoras. As classes trabalhistas estão ao lado delas’. (...) Euro Arantes (UDN): ‘Se as professoras tivessem lotado as galerias como fizeram os policiais, sua emenda (de autoria do Sr. Euro Arantes) seria aprovada’. (...) Patrus de Souza (PTB): ‘O povo está do lado delas. Os gastos com o aumento das professoras refletirão é no bolso do povo e o povo está com elas’. (...) Osvaldo Pierucetti (UDN): ‘O governo é responsável pela desordem nas finanças do País, e não é a custa das professoras que ele deve resolver o problema’. (...) Jorge Carone (PR): ‘Enquanto todos driblam na área eu chuto o gol. Cá está a indicação, pedindo o governador a mensagem das professoras’.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 13 de novembro de 1959)
96
Os discursos feitos no plenário da Assembléia, reproduzidos pelo jornal,
desvelaram o jogo político do Legislativo. Os deputados deixaram escapar os
motivos que levaram ao favorecimento dos policiais. Eles haviam pressionado o
Legislativo. A fala do deputado Euro Arantes mostrou às professoras o quanto era
indispensável manterem-se unidas e em vigilância permanente, marcando
presença na Assembléia Legislativa até a aprovação final do projeto. No plenário,
à tarde, como captou o repórter, o clima tinha sido favorável à oposição. Esta fez
recair a culpa do aumento das professoras sobre o poder executivo e sobre os
deputados da maioria governista. Os partidos de oposição como a UDN e o PTB,
principalmente o trabalhista, revelavam-se ardorosos defensores das demandas
das professoras. O mais importante era o reconhecimento da injustiça e as
manifestações públicas favoráveis às professoras. A crise causava danos ao
governo e aos que o apoiavam. O jornal no dia 13 começou a transmitir as
repercussões da mobilização no interior do Estado:
“Das cidades do interior, mais de duzentos telegramas de educadoras, diretoras de escolas, regentes de classes, inspetoras regionais, orientadoras técnicas e professoras de escolas oficiais se manifestaram favoravelmente ao movimento. Algumas escolas anunciam que chegarão a Belo Horizonte delegações para participar da Assembléia monstro do dia 16 (segunda-feira), na Secretaria de Saúde e Assistência, quando serão tomados novos rumos. Possivelmente se concretizará a idéia de paralisação das atividades escolares em todo o Estado, de modo a que não sejam aplicados os testes de fim de ano. Para fazer frente a vinda das colegas, as professoras oferecem suas residências para o alojamento das educadoras do interior.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 13 de novembro de 1959)
No dia 14 de novembro, dez dias após o alerta do jornal, a reportagem
tem o seguinte título: “Aulas na rua em sinal de protesto: professoras primárias
fazem planos”. O efeito de sentido produzido pelo título demonstra a sensibilidade
e a capacidade criativa do redator da matéria. O elemento extraordinário gerador
de entusiasmo da matéria jornalística parecia estar no insólito fato de ser uma
greve de mulheres. Mulheres professoras. A aula na rua traz o significado da
liberdade, da saída de um espaço controlado com horários rígidos, regras
disciplinares, fuga da rotina e a transposição do muro da escola, conquistando o
97
espaço público e livre da rua126. Há a menção de fazer planos, no plural, o que
dá uma dimensão do coletivo. A rua tem o sentido da conquista da autonomia e da
direção do movimento. Ou seja, as professoras organizam a ação para atingirem
os objetivos. Fazer planos pode ter vários significados, mas naquele momento
não era um plano de aula comum. O momento era de organização coletiva e de
conquista do espaço público para a discussão, troca de idéias, lamento e revolta,
mas também de manifestação de desejos e expectativas. O plano remete a várias
idéias: a de um futuro sonhado, uma vida melhor e mais digna, mas também
demonstra atitude de coragem e de desafio. O plano era, enfim, o sonho
transfigurado em ação, a busca da transformação da realidade.
Na mesma reportagem, no dia 14, ressaltavam-se as diferenças de
salários pagos em vários estados da federação e criticava-se a incoerência da
política educacional do Estado de Minas. Na avaliação do jornalista, esta política
era avançada em termos pedagógicos, mas não valorizava a professora. Daí o
uso do subtítulo “aperfeiçoamento” e o conteúdo transmitido:
“APERFEIÇOAMENTO
As melhorias concedidas nos demais Estados da República decorreram do movimento iniciado em Minas, em favor do aperfeiçoamento do magistério e da reforma do Ensino Primário. Professores de todos os Estados da Federação, em rodízio há três anos, freqüentam cursos da Secretaria de Educação do Governo de Minas, visando o próprio aperfeiçoamento. Nosso Estado está liderando esta revolução da cultura e da educação fundamental. Naqueles estados, os governos foram sensíveis à situação e reconheceram, sem necessidade de manifestação pública, que realmente ao mestre se devia dar o salário justo. Aqui infelizmente, o partidarismo político e os interesse imediatos não permitiram que o Palácio da Liberdade e o Palácio da Inconfidência (Assembléia) atentassem para a realidade, o que acarretou a tremenda injustiça.” (O DIÁRIO, sábado, 14 de novembro de 1954)
126 “De fato, a categoria rua indica basicamente o mundo, com seus imprevistos, acidentes e
paixões, ao passo que a casa remete ao universo controlado, no mundo as coisas estão em seus devidos lugares. Por outro lado, a rua implica movimento, novidade, ação, ao passo que a casa subentende harmonia e calma (...}”. (Da Matta, 1979, p. 73).
98
Com este subtítulo o autor está se referindo ao Programa Brasileiro-
Americano de Assistência ao Ensino Elementar (PABAEE)127, convênio assinado
entre o Governo Federal e o Governo dos Estados Unidos com objetivo de
assegurar melhor preparação pedagógica ao professor primário e do curso normal
no estado de Minas Gerais. Este programa foi implantado em Belo Horizonte nas
dependências do Instituto de Educação e deverá ser um centro piloto de
educação elementar.
Véspera da greve, domingo, dia 15 de novembro: “Pais manifestam-se ao
lado das professoras primárias”. O título da reportagem refere-se à Assembléia de
Pais realizada no dia anterior no cine Floresta. A manifestação dos pais veio
reforçar o apoio popular à campanha. O jornal não se restringiu a cobrir
verbalmente o evento, mas ilustra com uma fotomontagem128, como forma de
comprovar o acontecimento.
127 O PABAEE foi criticado na época pelas esquerdas e alguns setores educacionais pelo
programa tecnicista, mas também pela APPMG, quando da exibição de um filme de propaganda do programa com o nome: “Agora a escola é outra”. Com este programa parece que Minas Gerais queria reviver o clima inovador dos tempos de Francisco Campos, retomando o lugar de vanguarda da educação.
128 A imagem foi montada em clichê de fotografia tirada da mesa e da platéia.
99
Foto 4 – Assembléia de pais no Cine Floresta no dia 15/11/1959
Dois mil pais se reuniram ontem no Cine Floresta, por convocação da associação dos Amigos da Paróquia de N..S. das Dores para prestar solidariedade às reivindicações das professoras primárias. As famílias decidiram fazer sua a reivindicação do salário mínimo de dez mil cruzeiros, pleiteados pelo magistério primário mineiro. Esteve à frente do movimento o próprio vigário, Pe Lage. Na foto, apresentamos aspectos da assembléia de pais, aparecendo a mesa diretora da reunião de ontem.
Fonte: O DIÁRIO, domingo, 15 de novembro de 1959.
100
Esta foi a primeira Assembléia de pais e a segunda aconteceria no dia 18
de novembro, período da greve, no Sindicato dos Bancários, com a seguinte
convocação:
“O movimento de pais em Apoio às Professoras Primárias convoca todos os pais para uma assembléia monstro, hoje, às 20 horas, na sede do Sindicato dos Bancários, à Rua dos Tamoios, 611. Assina pela comissão organizadora o advogado Zair Carvalho Rocha, secretário da Universidade Católica.” (O DIÁRIO, terça-feira, 17 de novembro de 1959)
As duas manifestações de pais foram coordenadas pela igreja ou por
seus representantes. A primeira no cine Floresta foi organizada pelo Padre Lage,
da Paróquia Nossa Senhora das Dores e a do Sindicato dos Bancários, pelo
advogado Zair Carvalho Rocha, representante da Paróquia de São Pedro
Apóstolo. Nesta segunda reunião foi pedido aos pais que enviassem telegramas
ao Governador, solicitando melhor pagamento para as mestras. Os pais também
se manifestavam dispostos a elevar uma certa taxa de educação, provavelmente
existente na época, caso isto resultasse em aumento para as mestras.
Terça-feira, dia 17 de novembro129: “Greve Geral do Magistério Primário”.
No dia anterior, na segunda feira, dia 16, expirara o prazo dado ao governo e
realizara-se a assembléia na Secretária de Saúde e Assistência, descrita pelo
jornal como “dramática reunião”. A assembléia encerrou às 0:45 horas. É possível
supor que na redação do jornal trabalhara-se até a madrugada para fechar a
edição do jornal que trazia o resultado da assembléia, anunciando a greve. Na
narrativa, o repórter deixou transparecer o entusiasmo pelo acontecimento:
129 A foto da Assembléia na Secretaria de Saúde foi montada em clichê, na horizontal,
ocupando a parte superior da primeira página do jornal o que dificultou a sua reprodução.
101
“A partir desta manhã, todas as professoras primárias de Minas iniciarão greve de advertência, por três dias, e com possibilidade de prolongar mais até que o governo atenda à reivindicação das mestras de salário mínimo de dez mil cruzeiros. A Assembléia Geral da Associação dos Professores Primários de Minas Gerais contou com a presença de cerca de cinco mil educadoras, sendo mais de mil vindas do interior, representando cerca de setenta municípios. Trezentas outras cidades, pelos seus grupos escolares telegrafaram aderindo ao movimento. Várias cidades depois de realizarem reuniões permanentes de seu professorado decidiram enviar a Belo Horizonte todas as diretoras de grupos escolares, que aqui chegaram de ônibus, trens e aviões. Ainda compareceram deputados de todos os partidos com representação na Assembléia estadual, sindicatos, os vigários representados pelo Padre Lage, entidades culturais, a UEE, União Nacional (sic) de Estudantes130, Centro Acadêmico Afonso Pena, professores da Universidade Católica, advogados representantes das entidades dos funcionários públicos, radialistas e jornalistas”. (O DIÁRIO, terça-feira, 17 de novembro de 1959)
O jornal noticiava a greve como a culminância de uma organização que
durara apenas 10 dias. Foram, no entanto, dias de intenso trabalho do jornal, da
organização da mobilização liderada pela APPMG e da ação efetiva das
professoras, participando de comissões, piquetes, lotando auditórios das
assembléias, buscando apoios diversos. Durante a greve o jornal intensificou o
trabalho de captação de suportes ao movimento.
No dia 18, segundo dia da greve, sob o título: “22 mil professoras em
greve no Estado”131. O texto continua a transmitir a idéia de um acontecimento
extraordinário:
130 Deve ser UEE – União Estadual dos Estudantes. 131 Número de docentes – Rede estadual de Minas Gerais em 1959: Professores Primários
17.557. Ginasial 14.582. Colegial 6.385. TOTAL 38.524 Fonte: SEE-MG/SMI/CPRO – DADOS: ANUÁRIO DO IBGE, 1961.
102
“Estão fechados todos os grupos escolares da capital em decorrência da greve geral deflagrada pelo professorado primário com objetivo de conseguir o salário mínimo de dez mil cruzeiros. Ontem pela manhã as crianças foram informadas de que as aulas estavam suspensas até segunda ordem. As professoras só voltarão ao trabalho depois de atendida a sua reivindicação. A Associação dos Professores Primários está divulgando avisos solicitando aos pais que não enviem seus filhos às escolas e que apóiem a campanha.
NO INTERIOR
No interior, só depois das comunicações telefônicas e telegráficas e posteriormente as notícias de jornais as escolas se fecharam. À Associação de professores chegaram mais de trezentos telegramas dando conta da solidariedade do professorado do interior. Algumas cidades como Diamantina, Itaguara, Sete Lagoas, Nova Lima, Caeté, Carmópolis, Sabará, Montes Claros Teófilo Otoni, São João Del Rei ,Juiz de Fora, Lambari, São Lourenço, Miracema, Curvelo, Corinto, Governador Valadares, Uberaba, Uberlândia, Araguari, Ituiutaba, e Viçosa enviaram a Belo Horizonte suas representantes.
ELEVADO NÚMERO
22 mil professoras acham-se em greve no estado às vésperas dos Exames finais. Os testes deveriam ter início no dia 23. Com a greve ficaram transferidos ’sine die’. (O DIÁRIO, quarta-feira, 18 de novembro de 1959)
No mesmo dia o jornal fez um balanço da greve, listando as cidades que
aderiram à paralisação ou enviaram delegações à capital. O entusiasmo do jornal
levou-o a exagerar o número dessas cidades. O importante era fazer crer que o
movimento atingira proporções grandiosas. Neste mesmo dia o governo reagiu e
fez um longo discurso publicado pelo jornal. O discurso do governador foi, ao
mesmo tempo, de louvor e ameaças às professoras. Após um arrazoado de
palavras com sentido laudatório, balanço das realizações do seu governo a favor
do magistério e a referência freqüente a “nobre classe”, ele ameaçava com a
intransigência:
103
“Em face de todos estes fatos concretos e iniludíveis não se poderá alegar qualquer intuito de menosprezar a nobre classe (...) Criado, porém, o problema, em conseqüência das alterações parciais do projeto original – afirmou o governador Bias Forte –, não se furtaria o meu governo de estudá-lo com a simpatia que sempre dedicou às reivindicações das abnegadas mestras. Tal estudo, entretanto, carecerá ser feito com cautela e objetividade, levando em conta a complexidade da matéria e, sobretudo, seus reflexos de ordem financeira. Com a deflagração da greve, o aspecto da questão sofreu modificações, uma vez que o Poder Público não deve nunca agir sob coação.” (O DIÁRIO, quarta-feira 18 de novembro de 1959)
O discurso não fugiu aos padrões normais de cooptação do poder,
usando o recurso simbólico de homenagem e de reconhecimento à mestra. A
extensão do mesmo, o recurso de sensibilização das professoras demonstra por
seu turno, o reconhecimento do poder de pressão do movimento. Nele, o governo
reconheceu ter recebido ofício das professoras no dia 12 de novembro. Na
verdade, o governo omitiu as diversas idas das comissões ao Palácio desde o
inicio da campanha. No dia 9 ocorrera o incidente da anedota para a pose
fotográfica, causando desconforto pela vaga promessa de estudar o assunto,
protelando a solução. Isto levou à indignação as professoras, provocando, como já
foi visto, a ameaça do prazo de 48 horas. Posteriormente, em assembléia no dia
11, no Instituto de Educação, deliberou-se pela prorrogação do prazo e foi dado o
ultimato para o dia 15. O jornal no dia 17 relata que durante a Assembléia do dia
16, o governador foi procurado por uma comissão de deputados “para ainda uma
vez tentar pronunciamento favorável do Governador sem resultado.” Foi
importante no discurso o reconhecimento oficial da greve. Nele o governo admitira
a existência de um movimento forte e de pressão e por isso a atitude imediata do
governador é autoritária, declarando: “O Poder Público não deve nunca agir sob
coação.”
No terceiro dia de greve o título da reportagem “Alastra-se a greve do
professorado” visava mostrar a repercussão do movimento no interior:
104
“Continua a desenvolver-se a greve geral do professorado de Minas. Ontem a Associação de Professores Primários recebeu comunicação de trezentos e setenta municípios mineiros onde a greve é geral e se encontram fechadas as escolas primárias. Cerca de mil e quinhentos telegramas chegaram ontem à associação da classe, dando inteiro apoio ao movimento reivindicatório. Em sua maioria são mensagens de vigários, professoras, entidades de classe, sindicatos de trabalhadores, de estudantes , de prefeitos do interior que começam agora a manifestar solidariedade ao movimento”. (O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959)
O número de trezentos municípios em greve parece ter sido usado para
demonstrar a generalização do movimento132. Na verdade, no mesmo dia, o jornal
publicou a lista de adesão em massa de professores de 72 cidades133, o que já
era um número bastante significativo para um movimento que, mesmo contando
com dificuldades de comunicação se alastrara em curto espaço de tempo. Mas a
demonstração da eficiência da greve foi dada pelo próprio governo reagindo de
imediato, publicando nota na imprensa no dia 19: “O governador não transigirá”.
Na ação imprevista e impaciente havia a tentativa de coagir as professoras a
terminar a greve. O governo, vendo-se confrontado, apressa-se em assinar o
decreto, colocando fim ao ano letivo.
132 Minas Gerais contava com 484 municípios segundo Censo demográfico do IBGE feito em
1960. 133 Cidades que segundo o jornal do dia 19/11/59 teriam aderido em massa à greve: Bias
Fortes, Lassance, Bom Sucesso, Diamantina, Barbacena, São João Del Rei, Cambuquira, Pequeri, Barão de Cocais, Tupaciguara, Serranos, Urucânia, Muzambinho, Itapecerica, Governador Valadares, Araguari, João Pinheiro, Vespasiano, Bom Sucesso, Campos Gerais, Montes Claros, Piranga, Boa Esperança, Poços de Caldas, Acesita, Andrelândia, Luz, Igarapé, Corinto, São Pedro de Ferros, Itaúna, Rio Novo, Ferros, Conceição do Mato Dentro, Uberlândia, Teófilo Otoni, Botelhos, Varginha, Ribeirão das Neves, São Lourenço, Pains, Ouro Fino, Machado, Sacramento, Mar de Espanha, Machado, Bambuí, Francisco de Sá, Campo Florido, Juiz de Fora, Paraguaçu, Santa Luzia, Matozinhos, Curvelo, Betim, Poços de Caldas, São Lourenço, Maravilhas, Pains, Cataguazes, Sacramento, Conquista, Machado, Mesquita, Acesita, Lavras, Itajubá, Ouro Fino, São João Del Rei, Oliveira, Três Corações, Brasília. Referia-se a Brasília de Minas. Nesta lista encontrei alguns nomes de cidade repetidos como Montes Claros, Machado, Poços de Caldas, São Lourenço.
105
“BIAS PROMOVE POR DECRETO DECRETO 5.695, DE 19 DE NOVEMBRO DE 1959. Dispõe sobre promoções e exames no curso primário. O Governador do Estado de Minas Gerais, usando da atribuição que lhe confere o artigo 51, item XV, da Constituição do Estado e tendo em vista a situação de emergência criada com o movimento grevista das professoras primárias, considerando que a esse movimento, de graves e nocivos efeitos para o ensino são alheios os alunos, que não poderiam, assim, responder por conseqüências em prejuízo de suas promoções decreta: Art. 1o - Ficam promovidos, de acordo com o disposto do artigo 351 do Código do Ensino Primário,os alunos que no presente ano letivo tiveram freqüência legal e obtiveram média de aproveitamento e procedimento não inferior a cinco. Art. 2o – É considerado aprovado o aluno da última série que satisfaça os requisitos do artigo anterior. Art. 3o - Os alunos que não alcançaram média suficiente para promoção ou aprovação serão submetidos a exames de acordo com o disposto no parágrafo único do artigo 351 do Código do Ensino Primário. Parágrafo único Os exames serão processados na forma dos artigos 356 ou 358 do referido Código, em época que a Secretaria fixará, podendo verificar- se no período de matrícula ou nos primeiros dias letivos do próximo ano escolar. (...) Art. 6o- Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Mando, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento deste Decreto pertencer, que o cumpram e façam cumprir, tão inteiramente como nele se contém. Dado no Palácio da Liberdade em Belo Horizonte, aos 19 de novembro de 1959. José Francisco Bias Fortes. Ciro de Aguiar Maciel”. (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)
O título do jornal no dia 20: “O quartel general da Greve funciona no
consultório de Juscelino Kubitschek de Oliveira”, refletiu a reação do magistério e
do jornal de não demonstrar intimidação. Pela primeira vez uma página inteira do
jornal foi usada para a reportagem, entremeada por apenas duas pequenas
propagandas.
A reportagem reforçou o fortalecimento da organização, da articulação e
da eficiência do movimento. As fotos das professoras, trabalhando em diferentes
comissões inspiravam confiança e tranqüilidade. A abertura em letras grandes
chamava atenção: “Avoluma-se o movimento paredista das mestras”134.
134 O DIARIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959.
106
O jornal explorou a repressão do governo na censura feita às
comunicações telefônicas e dos correios, noticiou a ordem dada aos inspetores de
verificação das escolas fechadas e divulgou o boato de que os cabos da polícia
militar poderiam ser usados na aplicação dos testes finais. Da mesma forma,
enfatizou a resistência das regentes recém nomeadas em assumirem os cargos,
respeitando a paralisação das escolas e enumerou adesões de sindicatos e pais.
A maioria das adesões já tinha sido mencionada em reportagens anteriores e
foram repetidas como demonstração de resistência e disposição de continuidade
da greve. Para completar são transcritas mensagens integrais, do sindicato dos
jornalistas e dos pais: “Pais esperam que o governo atenda o magistério”135.
Finalmente foi divulgada uma entrevista com o Pe. Lage, destacando em sua fala:
“Com gente assim a vitória é certa”136.
No dia 20 à noite realizou-se a Assembléia na Secretária de Saúde e
Assistência. No jornal do dia 21 vem a chamada na primeira página, acentuada
por um fundo negro: “Professorado: Greve encerrada”. Logo abaixo foi publicado o
comunicado do final da greve. Uma notícia vem com o título: “Imediato envio da
mensagem à Assembléia”. Nela foi divulgado o resultado do encontro de
negociação da comissão neutra137 com o governador. A neutralidade sugerida
pelo nome da comissão parece incoerente ou, no mínimo inocente, pela sua
composição. Ela era formada por elementos das facções que lutavam pelo
controle do movimento operário: católicos, comunistas e trabalhistas. Mais abaixo
foi exposta a foto da chegada de D. Serafim à Assembléia, acentuando o papel
atribuído a D. Serafim de mediador do conflito.
135 O DIARIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959. 136 O DIARIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959. 137 Foi a seguinte a Comissão neutra que avistou com o governador do Estado: Pe. Francisco
Lage Pessoa, Pálmios Paixão Carneiro (representante dos pais de família), Fausto Drumont (Sindicato dos Bancários) Zair Carvalho Rocha, (representante dos pais de família), Cândido da Siqueira, (Delegado da CNTI), José Nilo Tavares (representante do DCE), Armando Ziller (Federação dos Bancários) e Aloísio de Carvalho (aeronautas). O DIÁRIO, sábado, 21 de novembro de 1959. Pode-se identificar a presença dos católicos na figura do Padre Lage e de Zair Carvalho Rocha, o último já foi mencionado como organizador da reunião de pais e dos comunistas como Armando ZiIler e José Nilo Tavares.
107
Foto 5 – Chegada de D. Serafim na Assembléia da Secretária de Saúde no final da greve no dia 21/11/1959
D. Serafim Fernandes de Araújo foi o grande mediador entre as professoras e o governador de quem obteve a promessa formal de que serão atendidas as reivindicações do magistério. Ao chegar à sessão de ontem foi recebido de pé pelas milhares de professoras.
Fonte: O DIÁRIO, sábado, 21 de novembro de 1959.
108
Na página 2 veio a reportagem intitulada: “Terminou a Greve Geral das
Professoras Primárias”. A matéria trouxe um relato completo do desenrolar da
Assembléia. Os membros da comissão neutra relataram a gestão junto ao
governo e a promessa do governador de que após o termino da greve seria
discutido o quantum do aumento, assim como o projeto que seria enviado
imediatamente à Assembléia Legislativa. A votação, segundo o repórter, foi
unânime, com as professoras assinalando a aprovação com as mãos levantadas,
fazendo o tradicional V de vitória138. Neste gesto há um simbolismo que explicita
a consciência de participação e o sentimento de conquista coletiva. Procedida a
votação, a presidente da associação, conclamou as professoras a permanecerem
unidas e vigilantes até a votação final do projeto e sua sanção.
O término da greve não significou o fim do movimento e o jornal continuou
sua luta ao lado das professoras. A permanência das professoras vigilantes no
cumprimento do acordo e ansiosas pela definição do salário já era por si mesmo
razão para a continuidade das notícias. Qualquer jornal sobrevive de
acontecimentos extraordinários que são ou podem ser explorados como notícias.
Nas repercussões do movimento não faltaram atitudes inusitadas, tornando
interessante sua leitura. Um acontecimento inesperado foi a forma encontrada
para o término do ano letivo, provocando desinformações e surpreendendo
professoras, alunos, pais e toda a comunidade com a aprovação automática e por
decreto. Outra atitude que propiciou muitas discussões foi a manobra dos
deputados tentando vincular ou condicionar o aumento das professoras ao
aumento dos seus subsídios. No período compreendido entre o dia 22 de
novembro até a vitória final no dia 22 de dezembro, os acontecimentos vão se
tornando mais corriqueiros, mas alguns títulos e reportagens são significativos e
permitem perceber as situações descritas. Ao mesmo tempo, revelam como o
jornal conseguiu manter em pauta o acontecimento, acompanhando as atividades
e reações realmente singulares das professoras.
138 Segundo o jornal, este fora o símbolo escolhido pelas professoras desde o início da greve.
O V de vitória, lembrando o famoso gesto de Sir Winston Churchill, primeiro ministro britânico, um dos arquitetos da política do final da Segunda Guerra Mundial.
109
“Geral expectativa em torno do aumento a ser concedido.
Galerias novamente superlotadas: professoras foram à Assembléia ver se a mensagem foi enviada: ainda não.
Governo estuda novas bases para o aumento das professoras.
Professoras (sob protesto) aceitam novas bases.
Professoras terão que esperar até que os deputados aumentem os seus subsídios.
Subsídios: 2a discussão terça-feira - professoras, fim do ‘affaire’.
Projeto de aumento das professoras foi a sanção.” 139
Uma análise geral do papel do jornal na greve demonstra a forma
explícita de como ele estimulou, apoiou, incitou e se envolveu, sem esconder o
entusiasmo pelo crescimento e as proporções que o movimento foi adquirindo.
O redator das reportagens não se expressa como sujeito, mas esconde-se
falando pelo jornal: “A reportagem de O DIÁRIO sobre o assunto mostrando...
repercutiu intensamente”140. Apesar de omitir a autoria da sua fala ele se faz
presente através das fotografias e também cobrindo acontecimentos, como na
entrevista feita ao governador ou no final da greve, quando recebeu as visitas e
o agradecimento das professoras141.
Na apuração dos acontecimentos, o repórter usou fontes diversas
colhidas na Assembléia Legislativa, no Palácio da Liberdade, na Secretária de
Educação e na Associação de Professores Primários, cobrindo reuniões,
assembléias e manifestações públicas. Como em todo jornal as fontes eram
citadas apenas quando havia interesse em explicitá-las e o repórter limitava-se
a mencionar, de forma vaga, que teria ouvido boatos, ou fazia generalizações
do tipo ouvimos de um ala da professoras..., ou usava a forma genérica as
professoras demonstraram insatisfação... não concordam..., sem as referências
da informação: “quem”, “onde”, e “quando”. No mais foram explorados o apoio
e a solidariedade de autoridades ou entidades que, presumidamente, poderiam
139 O DIÁRIO nos dias: sábado 22/11, quarta-feira 25/11, terça-feira 1/12 , quarta-feira 2/12,
domingo 13/12, dia 20/12 e terça-feira 22/12 de 1959. 140 O DIÁRIO, sábado, 7 de novembro de 1959. 141 O DIÁRIO, 29 de setembro de 1959.
110
contribuir para dar credibilidade e fortalecer o movimento.
A adesão e ou empatia à greve foram surpreendentes e partiram de
vários segmentos sociais. A igreja era apresentada como a principal base de
sua sustentação, seguida pelos operários pertencentes à CNTI, sindicatos
isolados como o dos mineiros de Nova Lima142, estudantes universitários e pais
de alunos. Os trechos selecionados são exemplares, entre muitos outros, da
adesão de operários, motoristas aeroviários, comércio varejista e estudantes:
“A partir do dia 16, as mestras paralisarão todas as atividades escolares - Assembléia monstro no Instituto de Educação – concentração hoje na Praça Afonso Arinos e comunicação oficial ao Palácio da Liberdade – O interior adere à causa, o mesmo acontecendo com o Sindicato dos mineiros de Nova Lima , de deputados do PR, PSD, PTB e UDN. Entendem os trabalhadores, as maiores vítimas do que está acontecendo, juntamente com a classe média, que seus filhos não poderão receber assistência escolar condigna e objetiva, tendo as honradas professoras contrariadas, mal remuneradas e desatendidas. V. Excia., cidadão de elevada cultura, integrante do respeitável partido Republicano, sabe, perfeitamente, que é inexplicável o que aconteceu.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 12 de novembro de 1959)
“Os motoristas de carros de praça aderiram também ao movimento. Por todos os meios estão colaborando com o magistério, quer transportando as mestras, quer colocando a disposição de suas ex-professoras para que usem alto-falante nas ruas e praças, ou transportando-as até o interior do Estado, onde começam a dar assistência às colegas.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959)
“Os aeroviários e aeronautas, nos últimos sete dias, distribuíram panfletos em solidariedade ao professorado. No interior as cidades também apresentam faixas e cartazes alusivos ao movimento.” (O DIÁRIO, domingo, 22 de novembro de 1959)
142 “Os anos 50 expressaram o debilitamento da ação de vanguarda do Partido Comunista em
Nova Lima, simultâneo à penetração da Ação Católica Brasileira entre os mineiros e o surgimento de uma liderança sindical desvinculada das duas facções (PCB/ACB), mas enraizada na massa operária. Esta liderança, de certo modo, foi mediadora da aliança entre comunistas e cristãos, que garantiu a unidade do movimento”. (Grossi, 1981, p. 189-190).
111
“Ontem a reportagem pôde presenciar até mesmo o auxílio de um restaurante da cidade que enviou à sede da Associação dos Professores Primários diversas refeições e lanches como colaboração. A Casa Marcelo, Casa Rola, Casa Bemoreira, e tantas outra firmas comerciais de Belo Horizonte, estão prestando todo o auxílio ao magistério. Ontem chegaram ao quartel general da greve mais de vinte mil cruzeiros oferecidos pelo comércio varejista, por pais de escolares e por representantes de paróquias.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)
A intensa participação da comunidade na mobilização demonstrou o
prestígio social das professoras primárias e a importância da escola pública
junto à comunidade. Pelas descrições do jornal pode-se atribuir grande parte
da vitória da greve à calorosa acolhida, compreensão e colaboração da
população:
“O compromisso assumido pelos universitários, pelos sindicatos e por outras entidades dos trabalhadores com o professorado estão estabelecidos em bases que vão além da simples solidariedade. Assumiram compromisso de deflagrarem greve parcial, ou total, caso o governo faça ouvidos moucos às reivindicações das mestras. Assim é que podemos noticiar, agora em primeira mão, que alguns sindicatos de trabalhadores de Belo Horizonte já programaram sua ação pública em defesa da mestra mineira, caso o governo se mantenha na disposição de aplicar penalidades às grevistas, ou a abrir as escolas, sem atender suas reivindicações. O comércio, por exemplo, prepara-se para funcionar em dia incerto com suas portas semi-cerradas em sinal de protesto.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)
Ao término da greve as representantes do magistério dirigiram-se à
redação do O DIÁRIO para agradecer, reconhecendo o apoio dado pelo jornal,
mas principalmente ao empenho demonstrado pelo jornalista Adival Coelho,
autor das reportagens e também editor da coluna “Educação e Ensino”:
112
“A presidente da Associação de Professores Primários de Minas Gerais, compareceu, juntamente com a técnica de educação Marieta Houri, interpretando o pensamento da classe, ao Diário para comunicar, oficialmente, o término do movimento grevista. Na oportunidade, as líderes do magistério mineiro expressaram seu agradecimento a O DIÁRIO, órgão que denunciou publicamente as injustiças cometidas contra o magistério primário mineiro. Em particular, as educadoras destacaram seu reconhecimento e apreço ao nosso colega Adival Coelho, redator da página de ‘Educação e Ensino’, jornalista a quem coube a advertência a respeito do tratamento recebido pelo Professorado”. (O DIÁRIO, sábado, 21 de novembro de 1959)
O reconhecimento das professoras ao O DIÁRIO, vem salientar o que
foi constatado na leitura das reportagens, e que o próprio jornal não escondeu
- o seu envolvimento desde o princípio do movimento. Na verdade, ele se
revelou responsável pelo início do movimento e contribuiu para sua ampliação,
mobilizando a opinião pública para com isto pressionar politicamente o
governo. Do término da greve até o final do acordo, o jornal continuou a
cobertura, manifestando-se muitas vezes até mesmo em editorial143, contra a
atitude de alguns deputados de obstrução ao projeto de aumento, pretendendo
com essa manobra vincular o aumento das professoras ao dos seus subsídios.
Fazendo um balanço da greve no final de novembro, quando esta já
deixara de ser notícia principal, o repórter comenta:
143 O DIÁRIO condenou em editoriais o aumento dos subsídios dos deputados, além de
divulgar as reações das entidades contra o aumento. “Ação popular se passar aumento dos deputados”, notícia em 23 de dezembro de 1959; “Deputados ricos representando um povo em farrapos” reportagem em 24/25 de dezembro de 1959.
113
“A greve do professorado primário de Minas objetivando melhores salários é o fato mais importante do ano no setor educacional, habilitando-se a suplantar os demais. Durante quatro dias, vinte e duas mil professoras cruzaram os braços, conseguiram a solidariedade de cento e vinte sindicatos de trabalhadores, de entidades patronais, do comércio, da indústria, dos estudantes, da imprensa e do meio político. No princípio do ano, reivindicaram aumento na base de sete mil cruzeiros, ganhavam quatro mil e cem. A Assembléia Legislativa votou um aumento na base de seis mil e duzentos cruzeiros. Coube ao DIÁRIO alertar o professorado e a opinião pública. Houve arregimentação e o resultado é o movimento que as mestras empreenderam com o integral apoio dos vigários, culminando com o término feliz do movimento, com a atuação conciliatória de D. Serafim Fernandes de Araújo, bispo auxiliar de Belo Horizonte.” (O DIÁRIO, domingo, 29 de novembro de 1959)
O envolvimento do jornal na greve foi grande e o repórter fez questão
de deixar isto explícito para os leitores. Lendo cada uma dessas reportagens foi
possível perceber o entusiasmo do jornalista responsável pela cobertura da
greve. Ele se manifestou consciente do papel da notícia de interesse do jornal
extraordinária, da mesma forma como os fatos deveriam ser organizados com
o objetivo de captar a atenção do público leitor. A posição do jornal recebe
resposta imediata da população da capital e do interior. Ficou clara, no final da
greve, a participação da Igreja Católica e a atuação conciliatória do bispo
auxiliar de Belo Horizonte, D. Serafim Fernandes de Araújo.
A linguagem usada pelo jornal foi emocional, e o apelo, às vezes
dramático, não escondia o objetivo de levar os leitores a apoiarem o
movimento, assim como de incutir ânimo às protagonistas principais as
professoras. Os recursos utilizados foram vários, como forma de demonstrar o
crescimento significativo do movimento. Dentre estes recursos o mais utilizado
foi a enumerações de dados, às vezes, exagerando os fatos.
Dos resultados da luta das professoras, o mais importante parece ter
sido a mobilização e envolvimento da sociedade mineira da capital e do interior,
e não apenas a vitória final. O que interpreto como a “nobre aventura”,
empreendida por O DIÁRIO, teria resultado em uma vitória não apenas das
114
professoras, mas também do jornal que incentivou desde o primeiro momento
a mobilização. O jornal apostou e jogou o seu poder de convencimento e
aceitação pública no apoio à luta das professoras, resultando desse
empreendimento o “desfecho feliz” do affaire, para fazer uso do vocabulário
bem peculiar da época. Se em alguns momentos é possível questionar o
exagero e a fantasia do jornal, deve-se levar em consideração o estilo
jornalístico da década de 1950, em que as reportagens, conforme análise
anterior, eram feitas de forma subjetiva e até mesmo romântica. Na leitura da
reportagem como fonte deve-se observar que a imprensa, em qualquer tempo
e lugar não está isenta da subjetividade e da ligação com interesses diversos
na veiculação da notícia. É por isto que a leitura das suas diversas matérias foi
precedida da análise do meio de comunicação em sua forma, conteúdo e
mensagens. Da mesma forma como se procurou compreender o discurso da
imprensa como portador de representações de uma época e de um estilo de
vida. No caso do jornal O DIÁRIO, na década de 1950, ele expressava a
cultura dominante da população mineira em sua religiosidade e valores.
Era fundamental também compreender o contexto político. O jornal de
orientação católica vivenciava no período o confronto com outras correntes
políticas e ideológicas. A Igreja Católica lutava para manter os fiéis em seu
âmbito de influência e, através de sua ação, penetrava nos movimentos,
tentando impedir que eles fossem dominados por correntes ou partidos,
sobretudo o partido comunista. Embora o jornal enfatizasse a ação mediadora
da Igreja foi fácil compreender que havia uma omissão da participação de
outros partidos na greve.
Na composição da comissão neutra, mesmo o jornal não tendo feito
nenhuma outra referência aos seus participantes, foi possível perceber a
existência de duas correntes antagônicas, representada a um lado, pelo Padre
115
Lage, um dos mentores da militância cristã144, e de outro, por pessoas ligadas
ao Partido Comunista, como Armando Ziller, presidente da Federação dos
Bancários e o presidente do DCE da Universidade Federal, José Nilo Tavares.
A partir das informações do estilo do jornal, sua proposta editorial e do
quadro político da época foi possível inferir, o que acabei concluindo: o jornal
organizava a informação de acordo com seu interesse ideológico, ficando no limite
entre a idealização e a realidade.
2.2 O papel do jornal num movimento de mulheres
O resgate da história da luta das professoras mineiras de 1959, ainda que
restrito à leitura do jornal, só foi possível enfrentando-se o desafio de refletir sobre
o caráter das fontes, quase sempre representações masculinas sobre práticas
sociais femininas. O discurso da imprensa na década de 1950 era dominado pela
voz masculina. A razão deste controle pode ser explicada pelo predomínio do
homem145 nas redações dos jornais da denominada “grande imprensa”, mas
também pela cultura dominante ainda na década de 1950, que rejeitava a
participação da mulher em atividades públicas. Segundo a análise de Almeida
(1998), até mesmo a imprensa feminina e educacional na década de 1940 era
dominada por homens e manifestava-se resistente à saída da mulher do espaço
doméstico. Como pode ser percebido pela constatação: “transparece, nessa
imprensa, uma masculinidade imposta à sociedade como modelo padrão por
144 Segundo Gadotti (1983, p. 114) “A Igreja no Brasil nunca esteve desligada das classes
dominantes: apoiava o Estado Novo sob a alegação de que Vargas estaria fazendo reformas sociais inspirado na doutrina social da Igreja Sob o Estado Novo a JEC e JUC não tiveram um papel de destaque. Maldosamente dizia-se que o papel da JUC era apenas preparar a ‘Páscoa do universitário’. Entretanto, após 1951 alguns novos sacerdotes, como Frei Josapha, Frei Mateus, Frei Carbonnel, voltaram da Europa com idéias novas, inspiradas em Mounier e Lebret e deram outro impulso ao movimento católico. Assim em 1960 a JUC tinha participação ativa na organização do movimento estudantil e na UNE. Uma parcela da JUC mais comprometida funda em 1961 a AP (Ação Popular) optando mais tarde, por uma política de preparação revolucionária.” (grifo do autor)
145 Não existiam escolas de jornalismo e os que o praticavam eram escritores, advogados, intelectuais de forma geral.
116
excelência e homens dirigindo a nação e a vida das mulheres”146.
Para Perrot (1998), ainda é necessária na escrita da história das mulheres
o uso de fontes produzidas pelos homens, uma vez que as fontes escritas usadas
pelos historiadores foram, de forma geral, produzidas por eles, que por muito
tempo detiveram o controle da “coisa pública”. O jornal O DIÁRIO, porta-voz do
ideário da Igreja Católica, não fugia à cultura da instituição, marcada pelo domínio
masculino. Este reconhecimento fez com que na pesquisa das professoras em
suas lutas no final da década de 1950, fosse necessário o uso do conceito de
gênero, como reconhecimento do peso simbólico da construção das
representações que constituem a história cultural de homens e mulheres. A
história das mulheres, reconhecendo a categoria gênero, não pode hoje prescindir
das sistematizações, em especial a feita por Scoot (1995, p. 88):
“(1) o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais, baseado nas diferenças percebidas entre sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder.”
O uso do gênero permitiu a decodificação dos discursos formadores de
identidade feminina e masculina reproduzidos nas diversas instituições de
formação de ambos os sexos. A primeira parte do conceito dá conta do efeito da
construção de gênero nas relações sociais, evocando os símbolos implícitos nas
noções normativas expressas nas doutrinas religiosas, educativas, científicas147,
políticas e jurídicas que tomam a forma de oposição binária148, adquirindo a
aparência de fixidez que leva à percepção de permanência intemporal. O conceito
permite, também, captar a noção de identidade sempre construída de forma
relacional. A segunda parte possibilita pensar o processo histórico, no qual a
relação de poder é central e é possível perceber a construção de gênero através
146 Almeida, 1998, p. 159. 147 “Quando uma característica masculina ou feminina é vista como derivada ou produto
biológico, apesar de ser culturalmente construída, isso terá uma importância muito maior do que se fosse algo cultural. (...) A biologização dos comportamentos humanos é muito antiga, e isso se reflete na filosofia - de Platão a Spinosa - ao manter que a diferenciação sexual é tão natural como necessária”. (Strey et al., 1997, p. 85).
148 Homem forte/mulher frágil, homem cérebro/mulher coração, homem racional /mulher sentimento etc.
117
do complexo jogo de apropriação, reprodução e recriação das relações de
dominação entre os sexos149.
A constatação de que a história de homens e mulheres é construída
socialmente nas relações de poder entre sexos contribuiu não apenas para
eliminar as naturalizações como, segundo Perrot (1995), tornou possível a sua
desconstrução em termos de teorias, práticas, fatos e representações imagéticas
e verbais. Para esta pesquisa tornou-se importante o uso do conceito de gênero
não só por tratar-se da história das professoras primárias mas também para tentar
mostrar como a imobilidade nas representações culturais e a passividade das
mulheres em aceitar valores que lhe são impostos são “verdades” discutíveis e
relativas ao movimento no espaço e no tempo de permanência, mudança e
descontinuidade.
Na compreensão da construção histórica da mulher-professora, torna-se
essencial encontrar as contradições, permitindo entender, não apenas a aceitação
dos padrões culturais vigentes, mas também procurando perceber como as
apropriações eram diversificadas, dando lugar à resistência. A historiadora,
Guacira Louro, pesquisando sobre a mulher gaúcha, formada no Instituto de
Educação de Porto Alegre nos meados do século XX, procurou apreender os
momentos de transformações na maneira como a escola lidava com as mudanças
culturais que modificavam a imagem feminina no pós-guerra. A lembrança de uma
ex-aluna a respeito da vivência na escola no início dos anos 60 revela as
contradições na própria instituição escolar:
“(a escola desenvolvia uma educação feminina) ... com relação a um certo requinte, da mulher de um determinado status... se valorizava muito este aspecto de postura, de atitudes, porque quando a gente queria manifestar suas opiniões, a gente não podia ser uma pessoa impositiva, tinha que ser sutilmente... Isto não era muito alimentado na escola – que o comportamento da mulher era este – não ficar em destaque, em primeiro plano, mas influir por trás, meio na surdina, isso passava veladamente...” (D). (Louro, 1986, p.34)
149 Martinez, 1997, p. 251- 268.
118
Nesta fala ficou clara a contradição da escola na formação da professora,
exigindo que as alunas assumissem atitudes ambíguas, tal como a firmeza de
postura sob uma aparente docilidade. As alunas submetidas a este processo
acabavam por criar mecanismos de resistência. A escola lidava na época com
transformações culturais que contribuíam para mudar as representações
femininas, onde o desenvolvimento da sociedade de consumo e os meios de
comunicação de massa faziam circular novas imagens da mulher, como as que
aparecem em revistas, cinema e rádio, sobretudo sob influência de modelos norte-
americanos150. Ela procurou mostrar que, além da escola, os meios de
comunicação emergentes exerciam influência na formação da opinião pública,
construindo representações sobre a mulher e que a circulação cultural influenciava
a própria instituição escolar.
O jornal O DIÁRIO, com as suas características já ressaltadas e seguindo
orientação da Igreja Católica, possuía interesse especial na formação da mulher
em todos os espaços sociais, até mesmo com objetivo de impedir ou, retardar as
transformações. A cobertura do jornal de uma greve de professoras em Minas
Gerais é significativa da tentativa de controle da Igreja numa sociedade em rápida
expansão industrial e de transformação do espaço urbano. Segundo Besse (1999,
p. 4):
“À medida que as mulheres eram expostas às influências perniciosas da época - individualismo, egoísmo, materialismo -os que se proclamavam guardiães da moralidade pública temiam o colapso do amor, da autoridade e da responsabilidade. As liberdades urbanas em rápida expansão para as mulheres de classe média – subprodutos do surto da economia de consumo, nas crescentes oportunidades educacionais e profissionais, das novas funções ‘femininas’ no setor de serviços e do advento das imagens cinematográficas estrangeiras da melindrosa sensual e da jovem trabalhadora independente - tudo isto ameaçava o poder da cabeça masculina do casal ...”
A Igreja Católica conservava-se como uma instituição de prestígio tanto
150 Segundo a autora apesar do modelo de mulher no cinema norte-americano na década de
1940 ainda conter o padrão doméstico não deixava de imprimir um certo cosmopolitismo na versão brasileira de mulher. (Louro, 1986).
119
no meio social151 quanto político e não digerira, ainda, a emancipação feminina,
aceitando o trabalho da mulher fora do lar apenas como o cumprimento de um
apostolado152. Com relação à mulher, o discurso do jornal reproduz o da Igreja na
época, resistindo às mudanças inevitáveis, muito mais do que aceitando a ainda
lenta mas constante luta social de emancipação feminina153. Desta forma, as
diversas matérias nas seções do jornal acabavam por expressar as
representações masculinas construídas nas relações sociais de gênero, muitas
delas originadas ou obtendo respaldo nas concepções da Igreja com relação ao
papel da mulher na sociedade. E é esta a visão que se tem nas reportagens sobre
a greve das professoras primárias, a de um discurso masculino sobre um
movimento feminino, procurando orientar-lhes na luta, controlando-as e
dificultando-lhes o caminho da sua autonomia.
O jornal demonstrou, em todos os momentos, uma preocupação em
auxiliar as professoras, mobilizando a opinião pública a seu favor mas, por outro
lado, preservando o papel masculino de domínio da situação154. As professoras
são representadas como laboriosas e merecedoras do apoio da sociedade,
ocupando um papel relevante na educação, mas são também representadas
151 Ver censo de 1960 na nota 6. 152 “É por isso que Nos pedis dar-vos diretrizes que esclareçam vossa conduta e vos
estimulem ao trabalho. (...) Mas esta promoção da mulher vós a quereis concebida em termos cristãos, na luz da fé, na perspectiva da redenção e da vossa vocação sobrenatural (...) Em cada um dos setores em que trabalha, na família como esposa e mãe, na educação, na vida social, nos organismos legislativos, administrativos, judiciários, e nas relações internacionais, deve ela seguir normas religiosas e morais particulares, sobre as quais a Igreja, e os Papas muito especialmente, têm fornecido esclarecimentos úteis.” (PIO XII, 1957 – Fragmentos da Encíclica sobre o apostolado da mulher católica apud Pereira, 1996, p. 263-234). Também Pio XII, em 1941, “À mulher Deus reservou as dores do parto, as dores do aleitamento e da primeira educação das crianças.” (apud Teixeira Lopes, 1991b, p. 36).
153 “O que mais ameaçou o feminismo no Brasil foi a revitalização do catolicismo por força intelectual e reacionária no correr da década de 1920 e 1930. Sob a liderança do Cardeal Sebastião Leme (que buscou superar a apatia no interior da comunidade católica e transformar a Igreja numa força social poderosa), centenas de milhares de católicos foram mobilizados em movimentos leigos. Dentre eles, a Liga Brasileira de Mulheres Católicas, a Aliança Feminina, os Círculos Operários, a Juventude Universitária Católica, a Juventude Operária Católica e a Ação Católica Brasileira”. (Besse, 1999, p.182-218).
154 Na França, do início do século XX, o movimento operário tentou organizar e controlar o movimento das donas de casa. “o sindicalismo recusa as formas de expressão das mulheres como selvagens, irresponsáveis, pouco adequadas à dignidade dos trabalhadores.” (Perrot, 1988, p. 210).
120
como frágeis e indefesas, necessitando de apoios, conselhos e conforto espiritual.
Ou pode-se entender também que à igreja era importante acompanhar o
movimento para não deixar as mulheres desviarem-se dos seus papéis
fundamentais na família, a célula-mater da sociedade. Neste trecho é possível
compreender a posição do jornal:
“Permanentemente o Padre Lage está presente nas manifestações, primeiro auxiliando nas tarefas, instruindo, aconselhando e reconfortando aquelas mestras que contra sua formação se viram forçadas a deflagrar uma greve como último recurso para obter das autoridades a reparação de injustiça. Ontem, os demais vigários da capital e mesmo do interior se fizeram presentes também pela presença do vigário do Calafate, Padre Dásio Moura, que por várias horas, juntamente com o padre Lage, representantes da imprensa, dos trabalhadores e do representante dos pais, permaneceu no quartel general da greve”. (O DIÁRIO, sexta-feira, 29 de novembro de 1959)
O jornal deixava clara a necessidade da intervenção paternalista,
principalmente de elementos da igreja, uma vez que elas encontravam-se
assumindo atitudes contrárias a sua formação. Os homens, representantes da
igreja, políticos, membros de organizações sindicais e estudantis estariam sempre
presentes objetivando ensinar às mulheres os méritos da organização
permanente, dirigindo o movimento na tentativa de educar e canalizar a luta das
mulheres155.
Ao lado de todo este manifesto interesse masculino na orientação e
organização da greve é possível também indagar até que ponto as mulheres
aceitavam e, até mesmo, buscavam a ingerência masculina no movimento,
delegando a uma comissão masculina de homens o poder de negociar o final da
greve. Elas estariam, neste caso, acionando mecanismos de resistência? A
incorporação da dominação pelas professoras primárias é explicada, à primeira
vista, pelas relações de dependência familiar, sempre reforçada nas várias
instâncias de socialização da mulher professora, incluindo a Escola Normal. Por
outro lado, a atitude das professoras aceitando, em princípio passivamente, a
155 Perrot, 1988, p. 211.
121
orientação masculina através do jornal, pode revelar não apenas dependência,
mas capacidade de percepção de que o movimento só seria possível e só teria
êxito se fossem usados os instrumentos institucionais de pressão: a Igreja, os
sindicatos operários, o movimento estudantil. Nesse aspecto é possível estar se
deparando com a formulação de estratégias femininas e masculinas, usadas em
diferentes épocas e lugares, para o exercício do poder ou para subverter uma
relação de dominação156.
O jornalista, autor das reportagens, ao reiterar o papel do jornal em
alertar as professoras, dando início ao movimento, pareceu estar tentando
sempre construir a imagem de que as professoras só se movimentaram a partir da
iniciativa do jornal. Essa iniciativa do jornal é um fato inquestionável, mas é
necessário acrescentar que a receptividade imediata das professoras revelou que
elas encontravam-se preparadas para dar início à campanha. O jornal, neste caso,
cumprira o papel de alertar e angariar apoios, porém se não fosse a rapidez da
mobilização das professoras, o movimento não teria decolado da mesma forma.
O que torna possível pensar que elas também teriam se utilizado do jornal para
mobilizar a população157.
Normalmente é atribuído à imprensa um papel importante no êxito da
maioria dos movimentos sociais e, no caso da greve das professoras, é impossível
desconhecer o mérito do jornal O DIÁRIO, na vitória final. A cooperação com as
professoras não foi de forma alguma casual. Além do interesse apontado em
orientar as mulheres é preciso também buscar a relação da imprensa com a
notícia. Conforme Bourdieu (1997, p. 26) “toda imprensa sobrevive do
156 Alguns estudos sobre conflitos e poder nas organizações contemporâneas têm se
preocupado com a questão de gênero e, especificamente, com as estratégias usadas por homens e mulheres na administração das organizações. Um exemplo deste tipo de estudo mostra a criação de novos estereótipos representando estratégias masculinas e femininas: a mulher Rainha Elizabeth I, Margaret Thatcher, a primeira dama, a invisível, a mãe, a liberada, a amazona, a Dalila, a Joana Darc, a filha. Para os homens: o guerreiro, o pai, o rei Henrique VIII, o sedutor, o machão, o menininho, o amigo sincero, o porco chauvinista. (Morgan, 1996).
157 Referindo-se as feministas Besse (1999, p. 2): “Enquanto a imprensa utilizava suas imagens para vender produtos, elas se utilizavam da imprensa para dar vazão a frustrações, para expressar opiniões e reivindicações e para comunicar-se umas com as outras”.
122
acontecimento excepcional, ou que rompe com o ordinário”. Uma greve de
professoras não deixava de ser um acontecimento inusitado e, como tal, merecia
ser explorado, além de, noutros momentos o jornal já ter se mostrado sensível a
essa causa. A imprensa contribui para criar as representações de acordo com a
cultura de uma época, mas também segundo seus interesses, que são na verdade
os dos proprietários da empresa. Por isto as imagens dos jornais impressos
apropriam-se da multiplicidade cultural de uma época.
Na linguagem usada pelo O DIÁRIO observam-se as representações
correntes da mulher e as características atribuídas à feminilidade originadas no
discurso biológico do século XIX. Nestes discursos os homens são o cérebro,
ou a racionalidade, e as mulheres o coração, ou sentimentos158. No jornal
observa-se o uso freqüente de adjetivos, colocados estrategicamente nos
subtítulos ou intertítulos das reportagens como: “maltratadas”, “injustiçadas”,
“prejudicadas” ou outros como “revoltadas”, “contrariadas”, “desagradadas”.
Estes vocábulos referem-se a sentimento, sensibilidade e fragilidade. O jornal,
ao fazer uso freqüente dessas palavras no seu discurso, teria assumido o papel
de detentor do poder masculino: forte, racional, capaz de tomar decisões e
iniciativas. Isso justificaria a luta dirigida pelo jornal reunindo homens de notório
poder e prestígio para apoiar e defender as professoras. É com este espírito
que se busca sensibilizar a população em torno das professoras. Noutros
momentos elas são representadas agindo como vítimas, necessitando do apoio
e da força do poder masculino, este sim, capaz de exigir a reparação das
injustiças cometidas pelo poder público. No decorrer da campanha, as
narrativas dos fatos vão acentuando os sentidos que se quer atribuir a cada
acontecimento. No início da mobilização, após a visita das professoras feita ao
governador representante da figura do pai, autoritário e intransigente o jornal as
apresenta, em seguida, procurando o apoio do pai espiritual na figura do
arcebispo de Belo Horizonte, sob o título “conforto” foi feito o relato:
158 “É um discurso naturalista que insiste na existência de duas ‘espécies’ com qualidades e
aptidões particulares. Aos homens o cérebro (muito mais importante do que o falo), a inteligência, a razão lúcida, a capacidade de decisão. Às mulheres, o coração, a sensibilidade, os sentimentos”. (Perrot, 1988, p.177).
123
“CONFORTO
Após audiência com o governador no Palácio da Liberdade, as professoras primárias foram ao Palácio Cristo Rei, em visita a D. João de Resende Costa. Solicitaram uma palavra do pastor e conforto nesta hora de angústia que vive o magistério mineiro, em decorrência da injustiça que sofreu no Parlamento do Estado. D. João de Resende Costa suspendeu suas atividades normais para receber os representantes do magistério primário. Teve palavras de conforto para as mestras e afirmou que para o cumprimento da sua missão - educar - necessita realmente o mestre do mínimo de conforto material também. As educadoras retiraram-se do Palácio Cristo Rei mais animadas”. (O DIÁRIO, sábado, 14 de novembro de 1959).
Noutros momentos o jornal persiste em apresentar na sua construção
narrativa a imagem da mulher como um ser frágil e sem autonomia. O apoio
masculino deveria ter origem em seu círculo familiar e nas figuras dos maridos e
pais. São curiosas, neste sentido, as notas que saíram na coluna “Educação e
Ensino” nos primeiros dias da campanha:
“MARIDOS REAGEM
Já na semana passada, ao ser divulgada a íntegra do projeto de aumento do funcionalismo público, vários maridos de professoras reagiram contra a má situação do magistério. As professoras do Grupo Escolar Augusto de Lima foram proibidas pelos maridos de preparar planos de aula, de corrigir tarefas e de preparar material de motivação em suas casa por julgarem eles que o Governo não reconhece e não sabe realmente quais as tarefas desenvolvidas pelas educadoras. O movimento ganha corpo e já na manhã de ontem outros maridos de professoras foram procurados por cidadãos ilustres, que solicitaram adesão ao movimento. Dessa maneira, dentro de poucos dias as aulas serão dadas sem nenhum planejamento. É a primeira reação coletiva que se esboça favorável aos mestres”. (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959).
“AGORA OS PAIS
Depois dos maridos de professoras primárias, agora são os pais que aderiram ao movimento reivindicatório de melhores salários. Estão impedindo suas filhas de prepararem aulas e material didático em casa. ‘O salário não compensa e o trabalho não é reconhecido pelo Governo’ , informaram.” (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959).
124
Por detrás desses relatos das ações de maridos e pais, logo no início da
campanha, foi possível compreender, sob o pretexto de apoio, a interferência dos
homens no trabalho das professoras, impedindo-as de executarem suas tarefas.
Imagens de mulheres dependentes dos homens ilustram passagens em que a
autoridade masculina pública ou privada aparece assumindo iniciativas. No caso
específico do relato da ação dos maridos e dos pais parece ter havido uma
distorção para fazer valer a imagem da dominação masculina e da submissão
feminina. O fato pode ter sido real, mas foi abordado como se tivesse gerado um
movimento organizado. Acontecimentos como estes são ilustrativos de como os
estereótipos de natureza feminina permaneceram na concepção dos homens,
levando-os a acreditar que se o papel da mulher é no lar, a eles caberia falar e
protestar em nome delas, obrigando-as a resistir sob sua tutela159. Na primeira
nota trata-se de um número pequeno de maridos de professoras, de um único
grupo escolar, mas o autor aproveita para ampliar o fato e lhe dar relevância. A
nota é confusa quando dá conta de cidadãos ilustres procurando os maridos em
busca de adesão ao movimento, quando a lógica apontaria para uma inversão de
atitudes: os maridos é que deveriam estar procurando os cidadãos ilustres em
busca de apoio.
A segunda nota mostrando a interferência dos pais é vaga e não faz
referência à fonte. As duas parecem ser resultado da implantação de um boato a
que se deu o crédito de verdade. Não parece mera coincidência o aparecimento
das duas notas que dão a impressão de que as professoras não são autônomas
em seu trabalho, sofrendo interferência direta de pais e maridos. Em outras
narrativas são reforçados o estereótipo de dependência feminina e o predomínio
da relação de afeto mais do que o de solidariedade a um grupo profissional. É
159 “Finalmente, o movimento operário dominado por homens também colaborava para impor
os estereótipos predominantes de natureza feminina sobre as mulheres de classe operária. Concordando que o lugar das mulheres era em casa, os sindicatos lutavam em prol das leis protetoras, as quais, de fato, ajudavam a proteger o espaço privilegiado dos homens no mercado de trabalho (...) E os homens da classe operária, que consideravam correto dever falar em nome de ‘suas’ mulheres, reiteravam os protestos dos homens de classe alta contra a exploração das frágeis mulheres da classe operária que eram arrancadas de sua verdadeira vocação de donas de casa e mães para trabalhar nas fábricas. Ou relatavam (mas distorciam) as ações políticas muitas vezes bem sucedidas de mulheres operárias ‘desorganizadas, fracas e indefesas’.” (Besse ,1999, p. 96).
125
desta forma que o jornal anuncia a adesão dos motoristas de ônibus:
“O trabalho é espontâneo. Quase todos os motoristas são irmãos de professoras, sobrinhos, netos ou maridos. Aqueles que não têm nenhum parentesco procuram suas antigas professoras para oferecer préstimos. Estas manifestações têm calado muito no espírito do professorado.” (O DIÁRIO, terça-feira, 17 de novembro de 1959)
A relação de afeto sobrepondo-se ao reconhecimento profissional pode
ser observada em outra nota que acentua o carinhoso apoio prestado pelos pais e
trabalhadores:
“PAIS E TRABALHADORES
Também os pais dos alunos, agora já alertados do perigo que corre a educação fundamental, em vista do péssimo salário que a autoridade estadual decidiu dar aos professorado, movimentam-se no sentido de prestar carinhoso apoio ao professorado. Amanhã, na reunião semanal do Congresso Nacional dos Trabalhadores na Indústria, será o assunto tratado, pois os trabalhadores temem que a não remuneração condigna do professorado elementar venha impossibilitá-las da educação fundamental e do mínimo de instrução que podem proporcionar aos seus filhos.” (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959)
A relação de dependência e submissão está expressa no teor da nota
que relatava a visita das representantes da Associação de Professoras e da Casa
da Professora ao gabinete do Secretário de Educação em busca do diálogo com o
governo:
“Na ausência do Secretário foram recebidas pelo chefe de gabinete. Ao saber da disposição da classe, o Sr. Nicolau Faria aconselhou que não reivindicassem o veto parcial do Governador, mas um novo projeto de aumento. As entidades de classe têm obedecido cegamente às sugestões da Secretaria de Educação para realizar o movimento que começa a emocionar a população de Minas.” (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959)
126
É importante salientar que a Associação procurou o entendimento direto
com o Secretário de Educação e o Governador e também para comunicar o
estado de ânimo do magistério. Esta é uma das críticas feitas à prática política das
Associações de Professores, que de um modo geral procuravam apaziguamentos
e não usavam o recurso mais aguerrido como ameaças e greves160. O conselho
dado pode ter sido acatado, mas a obediência cega às sugestões da Secretaria
denota a incapacidade de pensar, decidir, além de ser incoerente com outros
fatos ocorridos. No dia seguinte, com o auditório lotado, as duas entidades
parecem ter convencido as professoras presentes a votarem um prazo de 15 dias
para o envio do novo projeto à Assembléia. Este prazo constituía na verdade uma
ameaça de greve e desmente a cega obediência das entidades ao governo ou
seus representantes.
Em várias passagens fica flagrante o condicionamento a uma matriz
discursiva de greve operária, fazendo com que o redator deixe de lado a
singularidade de uma greve de mulheres e de um movimento tutelado por
homens. Nestes momentos ele se utiliza de representações advindas da
experiência social das greves operárias para caracterizar as professoras161,
usando termos com significados de guerra como “o QG das professoras” para
designar o local de reunião durante a greve ou expressões como “tomaram de
assalto”, quando as professoras entraram no recinto da Assembléia Legislativa e
não encontraram os deputados.
Como o jornal não registrava as opiniões das professoras, fica sempre a
questão: o que pensariam essas mulheres educadas para o silêncio e a
submissão sobre a tentativa de organização masculina do movimento? Que
160 Referindo a Centro de Professorado Paulista Mello (1998, p.135): “O CPP surge em 1930,
num período histórico marcado pelas mesmas características de outras organizações de classe no Brasil. Criadas por iniciativa governamental, essas entidades já nasceram comprometidas com o aparelho de Estado e nem sempre conseguem representar e defender acertadamente os interesses dos professores a elas associados”.
161 Segundo Blass (1992) existe uma abstração da situação real nas histórias de greve e isto é muito comum uma vez que a matriz discursiva surge de uma experiência de greve operária e dentro de um referencial marxista-leninista. Os seus protagonistas (ou os que relatam a greve) elaboram representações sobre os acontecimentos vividos, usando matrizes discursivas já constituídas. Se elas não se enquadram neste modelo são consideradas espontâneas, desorganizadas ou simplesmente econômicas.
127
conflitos afloraram com a luta pelo salário e a valorização profissional? Na voz da
liderança representando as professoras em algumas passagens, agradecendo ao
jornal e ao governo, é possível inferir a persistência de atitudes de submissão e
até a sugestão de que o aumento conseguido não fora uma conquista, mas uma
doação, conforme sugerido por autores que mencionaram o movimento162. Se
observadas as posturas das professoras na greve esta submissão é desmentida.
Parecia haver, pelo menos na parcela mais atuante, a percepção de que a
cooperação masculina confirmaria a difícil (mas necessária e inevitável) inserção
da mulher no espaço público. Nesse sentido era necessário o uso da tática do
consentimento, incorporando a linguagem da dominação na tentativa de, ao
mesmo tempo, subverter e também resistir à dominação masculina. A
compreensão dessa tática fica clara na explicação de Chartier (1994, p.109):
“(...) as fissuras que racham a dominação masculina não assumem todas a forma de dilacerações espetaculares nem se exprimem sempre pela irrupção de um discurso de recusa ou de rebelião. Muitas vezes elas nascem dentro do próprio consentimento, reutilizando a linguagem da dominação para fortalecer a insubmissão.”
Essa explicação articula-se à construção social de gênero e às práticas
sociais do fazer-se homem ou mulher na sociedade. Essas práticas, segundo
Louro (1995), são aprendidas e implicam em admitir que a questão do gênero é
mais do que uma identidade aprendida, mas fazem parte das concepções de
instituições sociais como a justiça, a igreja, a escola e o jornal, como meios
formadores da opinião.
A aventura do jornal ao idealizar o movimento das professoras pode ser
interpretada pelo seu comprometimento com verdades, princípios e construção da
realidade de acordo com a orientação da Igreja. Entretanto, é possível entender a
ambigüidade do jornal ao assumir determinadas posições. Se de um lado seguia a
162 Vários estudos referem-se aos movimentos associativos tentando menospreza-los, sem
consideração ao contexto de época como o de Cavalheiro (1989, p.304) sobre o movimento de Desagrado de 1959. “Os agradecimentos, ao nosso ver, demonstram o tipo de educação vigente e um certo grau de servilismo da categoria. Os agradecimentos relacionados foram copiados do ‘Minas Gerais’ e publicados em outubro de 1954, logo após o termino do movimento. Ao final se agradece à autoridade que oprime e despreza a categoria. A concessão é uma esmola e não algo de direito. O direito torna-se privilégio”.
128
orientação conservadora da Igreja, por outro contribuía para disseminar um
posicionamento profissional, ainda que este estivesse restrito à reivindicação
salarial e à defesa da valorização do magistério. Na opinião do jornal, no início do
movimento, fica bem visível a postura de valorização do magistério: “O resultado é
que nem todas as educadoras sofrem persistir em carreira de tal modo penosa,
ainda que se trate de verdadeira vocação. Pode-se muito bem ser abnegado, mas
por virtude excepcional”163. Desta forma, apesar de uma prática acentuadamente
masculina, o incentivo dado pelo jornal à luta pela conquista de um salário digno,
pode ter contribuído para que as professoras compreendessem as mudanças
culturais e pudessem experimentar164, na luta, a possibilidade de se
transformarem em sujeito de suas ações.
163 O DIÁRIO, domingo, 6 de novembro de 1959. Seção Nossa opinião: A causa do
magistério. 164 Conforme observações de Thompson (1987) de que os operários se produzem como
sujeitos históricos, participando da sua própria constituição como classe.
CAPÍTULO 3 – AS IMAGENS DAS PROFESSORAS NO JORNAL - PRESENÇAS
MACIÇAS
Neste capítulo continuo a análise do discurso jornalístico na tentativa de
captar as representações das professoras primárias na greve de 1959 em leitura
de imagem, compreendidas como narrativas e fotografias que expressam em
gestos e a ação das professoras. Da mesma forma persisto na interpretação de
suas ações na possibilidade de encontrá-las e compreendê-las como sujeito165 e
protagonistas da sua história coletiva. A expectativa era a de encontrar traços que
permitissem compreender o posicionamento das professoras primárias vivendo
situações de conflitos, fugindo a uma história das mulheres onde elas aparecem
vivenciando seu cotidiano sem resistência, cumprindo passivamente a fatalidade
de seus papéis demarcados socialmente. Parte-se aqui da sugestão de Perrot,
(1988, p.187): “o que importa reencontrar são as mulheres em ação, inovando em
suas práticas, mulheres dotadas de vida, e não absolutamente como autômatas,
mas criando elas mesmas o movimento da história”.
A leitura do movimento que proponho é a que procura compreendê-la em
suas expressões culturais, tentando recuperar os significados dos discursos de
suas protagonistas em falas, gestos, símbolos, rituais, mensagens, slogans e em
movimentos de mudanças, permanências, rupturas e descontinuidades. A greve
tomada como situação de liberdade, em que os sujeitos envolvidos ficam livres da
opressão e da rotina e em que do encontro do grupo, encenam-se as
divergências. Nela, os participantes se igualam, esquecem as hierarquias do
trabalho, por estarem todos perseguindo os mesmos objetivos166.
Na verdade, este trabalho se constituiu na tentativa de compreender a
165 O sujeito a que me refiro não é somente o sujeito coletivo mas, também como é entendido
por Alain Touraine, como ator e que não necessita ser agente de uma obra coletiva para reconhecer a si próprio como sujeito. Ele é antes um individuo que se reconhece com desejos e vontade própria. Como explica Touraine (1994, p. 220): “O sujeito é a vontade de um individuo de agir e ser reconhecido como ator (...) O homem pré-moderno procurava a sabedoria e se sentia obstaculizado por forças impessoais, por seu destino, pelo sagrado e também pelo amor. A modernidade triunfante quis substituir essa sujeição ao mundo pela integração social.”
166 Blass, 1992, p. 19-20.
130
greve das professoras primárias de Minas Gerais de 1959 como expressão
cultural de um grupo em busca de sua organização e identidade profissional. É
este o motivo pelo qual abandonei a discussão sobre movimento grevista restrito à
organização sindical ou que procura estabelecer diferenças entre a organização
associativa e a sindical167.
Numa primeira leitura já foi possível perceber a inexistência de suas falas
diretas no jornal. Elas foram ouvidas, mas o jornal transcrevia suas falas e não
lhes concedia espaço para expressarem verbalmente, ou mostrar-se em
propostas divergentes, manifestando medos, ansiedades, dúvidas. Falam por elas
a liderança, falas do coletivo, na medida em que as representa e como quase todo
discurso de liderança, procuram a unidade. Também o jornal tentou expressar por
elas sentimentos desejos e expectativas. E é surpreendente ver sua presença em
diferentes lugares, mostrando a consciência de serem protagonistas e
responsáveis pelo êxito do movimento. Essa observação ajudou a percebê-las
em suas diferenças, assim como foi possível compreender como a liderança
tentou corresponder ao papel de representante de suas reivindicações.
Esta análise, embora informada pelo entendimento de movimento grevista
foge aos estudos de greve operária em suas representações tradicionais tomando
como sujeito o sindicato ou o partido. Também não prioriza a análise subordinada
as teorias pré-estabelecidas de classes sociais168. A greve é analisada como
prática coletiva que implica em interrupção temporária e coletiva do trabalho e
como instrumento de pressão da classe trabalhadora para que sejam atendidas
suas reivindicações, não apenas quanto ao salário, mas também pela melhoria
das condições de trabalho169. Esta é uma noção com a qual concordam
pesquisadores do movimento operário, assim como sindicalistas. As divergências
167 Estou adotando parcialmente a perspectiva analítica apontada por Blass (1992), embora
sua análise seja mais abrangente, usando fontes documentais diversas. Para este trabalho usei como fonte exclusiva a leitura do discurso do jornal para descobrir as professoras, resistindo e afirmando sua identidade profissional. Neste sentido adotei a metodologia da história cultural na abordagem de Roger Chartier (1990).
168 Para a discussão da historiografia do movimento operário ver DUTRA, Eliane F. e GROSSI, Yonne S. “Historiografia e movimento operário: o novo em questão.” BH: Revista do Departamento de História – FAFICH- UFMG, 1986.
169 Castro, 1986, p 13.
131
são grandes quanto ao significado da greve170. Ela pode ser interpretada sob
vários ângulos econômicos, políticos e culturais.
Embora os referenciais teóricos aqui utilizados tenham servido de base
para análise das greves a partir do movimento de redemocratização do país,
numa visão do trabalhador como subordinado aos sindicatos atrelados ao Estado,
acredito que eles já emergiam como sujeito nos movimentos de caráter populista,
organizados a partir da liderança e dirigidos da cúpula para a base, como no
movimento das professoras primárias na década de 1950171.
É importante situar o contexto social da eclosão da greve no final do ano
de 1959, para a compreensão de reivindicações e discursos das professoras. A
greve está inserida num momento de crise financeira, no final do governo
Juscelino Kubitschek. Uma crise que vinha se acentuando em decorrência da
política desenvolvimentista baseada em empréstimos estrangeiros e crescimento
da dívida do país, paralela à concentração urbana, provocando a inflação e a
queda do poder aquisitivo dos salários. Nesse contexto, eclodiram movimentos
populares de protesto contra a carestia e greves de várias categorias
profissionais172. Este foi também o momento de transformação do espaço urbano
de Belo Horizonte com o início efetivo de sua industrialização no momento da
implantação da Mannesmann e outras indústrias na cidade industrial. Junto à
separação entre centro e periferia abria-se um espaço para a conquista e o
exercício da cidadania no centro de Belo Horizonte, segundo a interpretação de
Le Ven e Neves (1981, p. 87-88):
170 Blass, 1992, p. 10. 171 “Particularmente, com as greves de massa em 1978, os trabalhadores apareceram de
novo em nossa História. Vistos tradicionalmente como personagens subordinados ao Estado e incapazes de impulsão própria e, após 1964, silenciados e atomizados pelo regime militar, eles irromperam em 1978, falando por boca própria e revelando a existência de formas de organização social que havia tecido à margem dos mecanismos tradicionais montados para representa-los e que serviam para sua cooptação, enquadramento e controle”. (Paoli et al., 1984, p. 130)
172 “Por meio da aplicação do capital estrangeiro, empréstimos internacionais e inflação, os anos Kubitschek produziram continuado crescimento econômico e industrialização. Deixaram, porém, como legado, a espiral inflacionária e outras dificuldades econômicas para dificultar a vida dos trabalhadores e desafiar seu sucessor...” (Erickson ,1979, p. 17).
132
“A partir de 1955, Belo Horizonte viveu um clima de grande mobilização social e política. Nesta época, o movimento operário e camponês promoveu eventos e congressos que faziam de Belo Horizonte um espaço mobilizado e organizado. Num círculo restrito em torno da Praça 7 de Setembro, concentravam-se as sedes dos sindicatos. Os dirigentes sindicais dos bancários exerciam sua jornada de trabalho normal e organizavam sindicato depois do expediente. Sindicalistas eleitos deputados estaduais, como Dazinho, dividiam suas tarefas entre a Assembléia Legislativa, a mina e o Sindicato do Morro Velho.(...) Além disso a presença física dos trabalhadores e suas famílias invadiam o espaço urbano, ressuscitando a passeata dos primeiros trabalhadores da década de 10 e antecipando a explosão social de 1979.”
O movimento das professoras primárias em 1959 estava inserido naquele
clima de efervescência política e conquista de espaço urbano pelas diversas
categorias profissionais. Elas vinham lutando e protestando desde os meados da
década as perdas em seus salários173. No momento elas pareciam estar atentas
não apenas às suas próprias reivindicações, mas manifestaram solidariedade com
os funcionários da prefeitura, em greve, no mês de dezembro, quando as
professoras municipais já se encontravam em férias 174.
3.1 De professorado a professoras primárias - da passividade a participação.
Na análise e interpretação dos discursos de O DIÁRIO, no decorrer de um
movimento de reivindicação salarial das professoras primárias, em 1959, usei
como já foi explicitada, a metodologia indicada pela história cultural, procurando
perceber as representações do jornal sobre as professoras, as suas práticas na
greve e as diversas formas de apropriação desse discurso. Na apropriação era
173 Segundo depoimentos da ex-presidente da APPMG, D. Ana Coroaci Torquato,
aconteceram 5 movimentos grevistas na década de 50: 1953, 1954, 1955, 1956, 1959. (Bonacini ,1992, p. 5).
174 Nas reportagens do jornal com o título “A greve da zero às 14 horas” retirei alguns trechos para mostrar a participação das professoras: “(...) 7 horas - Grupos de grevistas e suas famílias, tendo à frente professoras primárias, universitários, trabalhadores de outras categorias, saíram da Garagem, rumando para o Palácio da Municipalidade.(...)12.30 horas - Os líderes dos grevistas, juntamente com as professoras, universitários e líderes sindicais e o Padre Lage, entram no Gabinete do Prefeito para mais uma conferência de portas fechadas. Foi reforçada a guarda da polícia no Gabinete. (...) 13.55 – Uma professora na entrada com numerosos sacos de biscoito e mais latões de leite para os grevistas. Sai em seguida”. (O DIÁRIO, sexta-feira, 18 de dezembro de 1959).
133
importante compreender tanto a recepção das mensagens pelas professoras,
como a do jornal que também absorvia as mudanças no decorrer do movimento.
Era necessário retomar a análise anterior do veículo e suas mensagens,
considerando a inexistência de neutralidade do jornal, que como qualquer outro
órgão da imprensa possui uma linha que define sua identidade. É este o motivo
porque o repórter nunca falou em seu nome, mas sempre no do jornal:
“Coube a O DIÁRIO alertar o professorado e a opinião pública e o resultado foi o movimento que as mestras empreenderam com integral apoio dos vigários culminando com a atuação conciliatória de D. Serafim Fernandes de Araújo, bispo auxiliar de Belo Horizonte.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959).
Nas reportagens, as professoras são descritas no coletivo, por isto, o
reiterado uso da expressão professorado. Os termos usados no coletivo
“professorado”, “magistério”, “educadoras” e “mestras” deixam transparecer a
imagem homogênea com que, a imprensa quase sempre, retrata os movimentos
sociais, dificultando a apreensão da diferença e da subjetividade. O emprego de
expressões coletivas cumpre a função de generalizar, encobrir conflitos,
divergências e a heterogeneidade da categoria profissional. Por outro lado, a
freqüência do termo “professorado” usado no sentido de classe dos professores175
fazia referência a uma categoria de homens e mulheres quando em nenhum
momento o jornal apresentou um único representante do sexo masculino,
exercendo a profissão de professor primário. Pode-se pensar que passava
despercebido ao redator o emprego inadequado do termo para um movimento
exclusivamente de mulheres:
175 Professorado (de professor + ado) S. m. 1. A classe dos professores. 2. Ver magistério.
(Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 1999. p. 1644).
134
“O professorado primário de Juiz de Fora reuniu-se ontem para estudar o problema do aumento de vencimentos da classe, decidindo apoiar inteiramente, o movimento da entidade máxima que lidera a reivindicação do salário mínimo na base de dez mil cruzeiros. A comunicação foi feita por telefone à presidente da Associação de Professores Primários, professora Marta Nair Monteiro.” (O DIÁRIO, quarta-feira,11 de novembro de 1954)
“O professorado primário não conseguiu ver atendidas as suas reivindicações de melhoria de salário, nas bases apresentadas ao governo. Mesmo a Assembléia Legislativa, que anexou ao projeto original, de autoria do executivo, emendas diversas, deixou ainda mal situado o magistério, com salários que não atendem às necessidades do mestre. Mormente atentando-se para os gastos que o professor realiza, imperiosamente, para o preparo de aula e transporte. Com muita dificuldade, conseguiu-se para o início de carreira o salário de 6200 cruzeiros bem inferior aos níveis em vigor em outros Estados da Federação. Vê-se, portanto, que o professor mineiro continuará a ocupar lugar de inferioridade, quanto à remuneração.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 4 de novembro de 1959)
“(...) Professores primários querem o mínimo de dez mil cruzeiros176 (...) Apuramos junto aos edis que a Câmara municipal de Belo Horizonte encaminhará indicação ao Governador no sentido do atendimento das justas reivindicações dos mestres das escolas públicas.” (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959)
O uso do coletivo “professorado” no primeiro texto era comum na época.
O que chamou atenção foi a indecisão do jornal em definir o movimento como
exclusivo de mulheres no uso de “professor mineiro”, “professores primários” e
“mestres” nos dois textos seguintes. O repórter, tendo acompanhado a
mobilização das professoras, desde 1954177, possuía informação da existência de
um pequeno número de homens178 no magistério, mas também sabia que eles
não participavam das mobilizações. A incerteza quanto à definição de gênero nas
176 Ver nota 110. 177 Ver cap. 1. 178 Existia um número pequeno de professores primários, principalmente leigos e trabalhando
em zonas rurais. Alguns eram filiados à APPMG, mas não participavam diretamente dos movimentos na década de 1950. Infelizmente os arquivos da APPMG estão ainda em fase inicial de organização, não sendo possível apontar dados precisos. (DEPOIMENTO dado pela diretora da APPMG, Magda Campbel, em 28 de junho de 2000).
135
reportagens levou-me a algumas interrogações. Seria por que a imagem de greve
normalmente evoca a participação de homens e de movimento de operários? Ou
talvez, pelo fato da greve de mulheres ampliar o caráter de transgressão?179
Levanto estas questões no intuito de mostrar a dificuldade de se trabalhar a
organização feminina na perspectiva de gênero e obter respostas a tantas dúvidas
suscitadas, pela insuficiência de fontes escritas, dadas as precárias condições de
preservação de arquivos institucionais, assim como pela opção metodológica
centrada na leitura do discurso do jornal.
O que transparece no primeiro texto são as imagens de reunião, decisão
e apoios irrestritos à entidade máxima do professorado primário. Esta seleção e
classificação de termos explicitam uma forma de pensar e projetar um modelo de
movimento, sem divergência, e de aceitação das decisões tomadas pela cúpula.
Esta era uma característica dos movimentos da época, também absorvida pela
imprensa. A visão de passividade, manipulação e caráter paternalista, mais do
que de conquista da organização coletiva era típica da política populista no
período que vai da ditadura de Vargas ao golpe de 1964. O período foi dominado
pelas elites partidárias conservadoras, podendo incluir as ligadas à Igreja, como
também pelos nacionalistas, entre eles o partido comunista180. Porém, aos
poucos, o jornal, mesmo usando o termo professorado, entre idas e vindas, vai
definindo o movimento pela participação feminina, passando a mencionar - “as
educadoras” - como no trecho:
“O professorado de Nova Lima enviou a Belo Horizonte uma delegação de quarenta educadoras (...) Na oportunidade comunicaram elas que estão dispostas a acatar as decisões da entidade máxima da classe. - Só assim conseguiremos um salário mais digno e à altura do nosso trabalho, disse a porta voz.” (O DIÁRIO, quarta-feira 11 de novembro de 1959)
179 Blass (1992, p. 148) referindo-se a greve bancária: “A presença das mulheres na greve,
como na de 1985, pode ser, por si só considerada um ato de transgressão social”. 180 Weffort, 1978.
136
O texto persiste em apresentar a coesão e a homogeneidade do
movimento na disposição “em acatar as decisões da entidade máxima do
magistério”, numa presumível crença de que a decisão é de competência
exclusiva da entidade, da mesma forma que, também, se houvesse conquista, ela
não seria resultado de luta coletiva. Entretanto, aos poucos o espaço de
participação das mulheres é afirmado nas reportagens com a referência a
“diversas oradoras” e o indefinido “tom feminino”.
“Diversas oradoras se fizeram ouvir na reunião de ontem. Foram unânimes em recriminar as autoridades por terem dado um péssimo aumento à classe que tem sobre os ombros tão nobre e difícil tarefa de educar. Depois de discussões bastante democráticas marcadas pelo tom bem feminino, decidiu-se solicitar que o Sr. Bias Fortes sancione, imediatamente a elevação aprovada em consideração às demais categorias de funcionários, que também passam dificuldades com o salário vigente. Condicionam as professoras sua atitude, abrindo crédito ao governador, e reivindicando o envio imediato à Assembléia Legislativa de um projeto especial, elevando a bases mais dignas os vencimentos das educadoras.” (O DIÁRIO, sábado, 7 de novembro de 1959)
Esse texto demonstra uma mudança da postura das professoras, um
novo rumo da participação. Ficou perceptível aí um sinal de decisão coletiva,
onde os membros se colocam em igualdade, emitindo opiniões, recriminando,
discutindo e, finalmente, assumindo a posição de pedir a sanção do governo ao
projeto já aprovado. A menção a diversas oradoras deixa dúvida quanto ao
consenso da proposta, assim como a consideração aos demais funcionários, uma
vez que ela é polêmica e existe sempre no movimento coletivo grupos
divergentes, que se apóiam em argumentos corporativos.
Noutros momentos, em fotografia, o jornal captura a imagem das
professoras e na legenda reforça a idéia de entusiasmo. Na observação da foto
pode-se encontrar o entusiasmo, mas também atitudes indiferentes. Não se pode
generalizar e apresentar uma reação homogênea, como a que foi transmitida. O
fotógrafo conseguiu captar na foto181 um momento em que as professoras
181 O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959.
137
demonstram força e é este o sentido proposto pela legenda. Pode-se, no entanto,
observar pelas suas fisionomias, reações diversas, não apenas de entusiasmo,
mas também de apatia e alheamento. Observando a foto verifica-se a alegria de
algumas que se manifestam através de palmas, outras atentas mas sem deixar
transparecer suas emoções, outras de olhos fechados e algumas de óculos
escuros. (Reflexo de um certo modismo?), outras parecem gritar. Na visão de
conjunto pode-se concordar com o entusiasmo, representando o interesse e a
participação das professoras, quando se observa que mesmo no fundo da platéia
o grupo parece atento e algumas levantam a cabeça como para obter uma melhor
visão da mesa.
138
Foto 6 – Platéia mostrando o entusiasmo das professoras na Assembléia que deflagrou a greve no dia 16/11/1959. A foto foi publicada no jornal do dia 19/11/1959.
ENTUSIASMO – A solidariedade que as mestras têm recebido na sua campanha em justa defesa de suas pretensões tem sido constante e cada vez maior.
Fonte: O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959.
139
Quando a narrativa é mais geral sem mencionar a participação das
professoras, observa-se que o redator não foge à tentativa de delimitar a
mobilização dentro de parâmetros ideais e das imagens do movimento católico,
ordeiro e calmo, sem confronto aparente, como nas interpretações do capitalismo
como um sistema social de luta de classes182.
“Prossegue em ambiente de ordem e muita calma, o movimento do professorado primário visando conseguir a elevação do salário para o mínimo de dez mil cruzeiros. Agora com o pronunciamento da maioria dos deputados. (...) Muitos deputados que votaram contra agora em reuniões públicas da Associação dos Professores Primários, penitenciam-se e adiantam que estarão com a classe em qualquer situação. Se inicialmente, apenas o Partido Trabalhista e a UDN apoiavam as educadoras, agora os deputados do Partido Republicano e do PSD declaram publicamente que desejam que se faça justiça ao mestre e apóiam a pretensão de conseguir dez mil cruzeiros de salário mínimo. Reconhecem a justeza da reivindicação já que o projeto do funcionalismo criou clamorosa subversão nos valores do quadro dos servidores estaduais.” (O DIÁRIO, sábado, 14 de novembro de 1959)
Este é o discurso feito pelo jornal desde o início do movimento, o da
injustiça cometida contra o magistério, tornando procedente suas reivindicações.
O que há de novo no trecho é o reconhecimento do erro cometido e a intenção da
maioria do legislativo em repará-lo. O que o jornal apresenta é a disposição das
partes pela conciliação, demonstrando receio da interpretação originada nos
governos oligárquicos da República Velha, em que os movimentos sociais e da
reivindicação operária eram vistos como baderna ou caso de polícia183.
Se a narrativa do jornal iniciou classificando as professoras no coletivo
“professorado”, apresentando-as propensas a acatar as decisões da entidade, aos
poucos, deixou entrever a emergência de atitudes bem próximas ao
reconhecimento delas como sujeitos participantes na definição dos rumos da
182 “As imagens da crise eram trabalhadas transmitindo uma série de valores formadores de
opinião através de conceitos como: ‘classe operária’, ‘trabalho’, ‘autoridade’, ‘anarquia’, ‘ordem’, ‘índole pacífica’, etc.”. (Costa, 1989, p. 29)
183 “A idéia de que a “questão social é caso de polícia” é comumente atribuída a Washington Luiz Pereira de Souza, o último presidente sobre a República Velha, (...)”. (Erickson, 1979, p.33)
140
mobilização. Com relação à liderança do magistério, desde o início, o jornal
apresenta a líder forte, corajosa, assumindo papel de representante:
“– A insatisfação é geral. As professoras primárias estão revoltadas com o tratamento que lhes é dado. Na qualidade de presidente da entidade que congrega a numerosa classe, comuniquei às autoridades que não podemos conter a justa revolta e insatisfação do professorado (...) As professoras, quer nos jardins de infância, nas bibliotecas, nos auditórios, manifestam há vários dias o desejo de se reunirem para discutir o assunto e tomar uma posição que vise a defesa dos interesses da classe. A Associação de Professores, refletindo este desejo, convocou uma assembléia geral da classe para hoje às 19 horas na sua sede. Como líderes realizaremos o que a classe decidir. A classe deseja um aumento que corresponda à realidade. Pelo que nos querem dar, o professor ficará com salário bem inferior ao nível do ano passado (o atual), já que a desvalorização da moeda, a inflação e a elevação do custo de vida assim comprovam. Informou ainda a Presidente Marta Nair Monteiro ‘eu mesma venho percorrendo várias cidades mantendo contato com nossas colegas. O descontentamento é geral, daí a posição que tomamos no sentido de dar ao mestre a justa reivindicação que merece e de que precisa, no cumprimento de seu dever’.” (grifos meus) (O DIÁRIO, sexta-feira, 6 de novembro de 1959).
O discurso da líder apresenta contradições, obrigando a uma análise por
partes. Primeiro ela afirma, falando pela entidade que representa: “não podemos
conter a justa revolta e insatisfação do professorado.” Também, como
representante, ela reafirma que as professoras, em todos os espaços de trabalho
e em público, manifestam o desejo de discutir o assunto. A seguir demonstra a
consciência do papel da liderança de escutar a categoria, noticiando a
convocação de uma Assembléia, naquele dia, declarando que a Associação
acataria a decisão da classe184. Ela demonstrou consciência da insatisfação com
o salário proposto devido à conjuntura inflacionária, à desvalorização monetária e
ao aumento do custo de vida. Como vinha percorrendo várias cidades do interior,
observara de perto essa insatisfação. Por isso, reafirmou: “o descontentamento é
geral”. E continua: “Daí a posição que tomamos no sentido de dar ao mestre a
justa reivindicação que merece e de que precisa, no cumprimento do seu dever”.
184 O uso de classe no discurso da época parece mal empregado e referia-se à categoria
profissional, não possuindo o sentido sociológico do conceito.
141
A proposta da conclusão de “dar ao mestre” contradiz o discurso da
representação, acatamento da deliberação da classe, assim como o
reconhecimento das professoras como sujeito, participando e conquistando
através do movimento coletivo.
A contradição no discurso da presidente da associação é típica do
discurso populista, que segundo Weffort (1978, p. 15) “Por força da clássica
antecipação das ‘elites’, as massas populares permaneceram neste período (e
permanecem ainda nos dias atuais), o parceiro fantasma no jogo político”. O
discurso é ambíguo, apontando para a participação, mas mantém o mesmo
padrão “paternalista” observado nas primeiras falas do jornal. Uma proposta
demagógica apontando para a participação, mas que pressupunha o acatamento
das professoras às decisões da entidade sem dar margem à discussão e ao
pensamento divergente. É estranho, também o não reconhecimento do
movimento como exclusivamente feminino, adotando o uso genérico de “mestres”.
O que teria feito a diferença do movimento de 1959 em relação aos
anteriores foi a ameaça cumprida de rompimento com as relações tradicionais de
cordialidade e disciplina, mantidas até então. A categoria esteve, desde o
princípio, organizada e disposta a lutar até à greve. A líder da entidade ameaçou
romper com a tradição de submissão e passividade, traduzindo o espírito de
revolta das professoras, caso o governo, não atendesse ao aumento pretendido.
“Ao apresentarmos nossa tabela à Assembléia Legislativa, agimos como educadoras e mulheres. Mantivemo-nos dentro da linha de compreensão e de dignidade que nos compete, confiando plenamente nos representantes do povo. Finalmente, vimos que fomos mal compreendidas e que recebemos tratamento injusto. Agora, confiamos no governador e nos deputados, para que os erros sejam corrigidos. Ainda está em tempo, principalmente tendo-se em vista o espírito democrático do Governador Bias Fortes e dos dignos representantes do povo” (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959)
Nesse trecho pode-se observar a mudança no discurso da presidente. Ao
usar a primeira pessoa do plural, ela assumiu o coletivo. A transformação no
discurso da liderança foi concomitante à do jornal que aos poucos, foi
142
modificando sua concepção acerca do movimento, percebendo-o, também, como
coletivo. Parece que tanto o repórter como a líder, entre avanços e recuos,
reconheceram a repercussão do movimento e, mais ainda, a disposição das
professoras de levarem a mobilização até às últimas conseqüências. Este
reconhecimento pode ser observado no primeiro dia de greve, quando o discurso
da presidente da associação foi expresso no coletivo:
“Não cederemos um passo sequer. A classe está unida e mostrou consciência de sua força. Pleiteamos melhor tratamento por parte do governo, tendo em vista o bom cumprimento do nosso apostolado. O professor só pode educar tendo bastante tranqüilidade. Com um salário de fome nada é possível. Não transigiremos. A classe só aceita dez mil cruzeiros iniciais. Nem um tostão a menos. Esta foi a decisão da assembléia e só voltaremos às escolas depois de reparadas as injustiças. (...) Este movimento visa, principalmente, a recolocar a escola primária no lugar que sempre teve na comunidade. Para isso o salário do professor é ponto importante, pois mais uma vez nos têm dito os pais que não desejam que seus filhos sejam a soma das frustrações e necessidade de seus mestres.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 18 de novembro de 1959)
A idéia de “bom apostolado” neste contexto refere-se tanto a exigência de
tranqüilidade material para levar uma vida digna, quanto ao prestígio social que
valorizava o desprendimento aos bens terrenos e a nobreza da missão. No
discurso a representante das professoras está se referindo a uma retribuição
material sem negar à recompensa espiritual como uma permanência da idéia
simbólica de maternidade ligada ao exercício do magistério feminino185. Esta é
uma relação ambígua em que convive o velho e o novo, configurando uma coisa e
outra ao mesmo tempo186. Ela fala que a classe quer e precisa do salário para
manter o seu prestígio social na comunidade. E deixa isso bem aparente quando
185 “Ainda hoje, mesmo se constata que o discurso de caracterização do corpo docente
mudou, o exercício desse magistério não mudou. Não só o magistério é cada vez mais exercido por mulheres, como se viu, quanto ao exercerem o cargo têm na maternagem (sem nenhuma visão paradisíaca disso: prá bem e prá mal) sua principal ação. Além disso, a missão/apostolado de que se reveste a docência, sobretudo quando exercida pelas mulheres, cumpriria também esse papel: uma filiação e uma maternidade simbólicas, que encontram no magistério o lugar ideal de realização ou lugar de realização do ideal.” (Teixeira Lopes, 1991b, p. 37)
186 Segundo Chauí (1989), nas práticas sociais, diferente das dicotomias como muitas vezes foi vista a cultura popular, ela se manifesta em forma de ambigüidades, “isto e aquilo”, simultaneamente.
143
diz, que os pais não querem professores insatisfeitos, frustrados, projetando nos
alunos seus problemas pessoais. As professoras não estavam pedindo, mas
exigindo e ameaçando com a intransigência. A contradição está em querer colocar
a escola no lugar que ela sempre teve na comunidade, uma vez que a
recompensa anterior era apenas um ato simbólico de enobrecimento, usado com
poder de manipulação nos contextos da homenagem, ou nos discursos, em que o
poder público tentava convencer as professoras a aceitarem a nobreza da missão
e o sacerdócio, em lugar do reconhecimento profissional que significava o
pagamento de um salário adequado187.
Chamou atenção a habilidade com que a liderança o conduziu,
avançando e recuando em momentos precisos, avaliando o poder de pressão da
categoria e dos apoios recebidos, assim como, manobrando a favor da categoria
os ataques recebidos. O jornal publicara uma única manifestação contra as
professoras, durante todo o movimento. Em memorial dirigido ao governador, o
presidente da Casa dos Funcionários Públicos, Sr. Ulisses Silva declarava o maior
apreço às mestras, porém manifestava discordância com a revisão nos seus
vencimentos, fazendo uma série de justificativas, das quais foi destacado:
“Assim é que o professorado primário goza das seguintes vantagens. (...)- se aposenta ao fim de 25 anos de permanência no serviço e o burocrata após 30 anos; – goza de 4 meses de férias anuais e o burocrata apenas 40 dias; - não tem obrigação de trabalhar aos sábados, o que ocorre com o burocrata; -tem garantia de promoção automática, de 3 em 3 anos, ao passo que o burocrata fica 5, 8, 10 e até 15 anos num mesmo estágio; - percebe qüinqüênios de 10% sobre seus vencimentos, ao passo que o burocrata e os demais apenas percebem 5%. Estas razões apenas bastam. (...) Não podemos, em nenhuma hipótese, apoiar, agora, a pretensão defendida pela Associação dos Professores Primários, pois isto seria contribuir para maior desnivelamento das tabelas de vencimento. (...) Atenciosamente. CASA DOS FUNCIONÁRIOS DE MINAS assin: Ulisses Silva – Presidente.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 12 de novembro de 1959)
A argumentação do presidente da casa dos funcionários explicitava
187 “A ideologia da vocação, do amor e da dedicação tem por função encobrir as condições
concretas em que se dão as relações de trabalho. Esvaziando a carreira de seu conteúdo profissional, leva à quase inexistência de reivindicação de melhores salários e maior poder por parte da categoria.” (Bruschini e Amado, 1988, p. 8).
144
estereótipos188 construídos socialmente sobre a profissão: trabalho próprio de
mulheres, vantagens injustificadas e que, por isso, não mereciam aumento. Esses
argumentos são usados até os dias atuais pelos governos e foram muitas vezes
absorvidos pelos professores em geral. A resposta da presidente foi incisiva não
apenas em defesa da categoria, mas afirmativa da disposição de luta. Foi
importante observar a idéia de profissão contida no discurso, demonstrando que o
exercício do magistério exigia competência intelectual e técnica:
“Uma aula não se improvisa. Prepara-se, planifica-se de tal modo, que duas ou três horas de trabalho em casa são poucas para o mestre defini-las e arquitetá-las. Alem disso, há o material de motivação de difícil confecção, para o qual o governo fornece, ou pouco fornece. (...) Devemos lamentar que o sr. Ulisses Silva sofisme de tal maneira que demonstre completa ignorância das coisas do magistério (...). Não pararemos nesta caminhada. Temos o apoio dos pais esclarecidos, dos professores secundários, de todos os sindicatos de trabalhadores, da imprensa, dos alunos e dos ex-alunos, não prestaremos ouvidos a quem faz o jogo dos poderosos para dividir o movimento das educadoras. Vamos para frente, resolutas, até conseguir os dez mil cruzeiros mínimos para o salário e a correção da clamorosa injustiça de que fomos vítimas. Os homens sensatos estão conosco.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 13 de novembro de 1959)
Esta foi uma importante discussão sobre a profissão e vinha sendo feita
pela Associação e pelas professoras há bastante tempo. A remuneração era
defendida com esta argumentação, mas também pela diferenciação da profissão,
exigindo especialização e diplomas e era representada como uma profissão
intelectual distinta do trabalho burocrático189. Essa atitude de defesa da liderança
pode ser compreendida como o cumprimento de um papel de representação, mas
não deixa de revelar uma atitude centralizadora. Em nenhum momento apareceu
no jornal o discurso de professores ou de outros membros da diretoria, o que não
188 “Dizia-se, ainda, que o magistério era próprio para as mulheres porque era um trabalho de
‘um só turno’, o que permitia que elas atendessem suas ‘obrigações domésticas’ no outro período. Tal característica se constituiria em mais um argumento para justificar o salário reduzido – supostamente, um ‘salário complementar’.” (Louro, 1997, p. 453).
189 Foi este o motivo para a deflagração da greve, o aumento diferenciado concedido aos policiais e discutido no capítulo 2.
145
favorecia a emergência de novas lideranças, como teria acontecido em 1954190. A
observação dessa postura da liderança tanto pode ser interpretada pelo
temperamento e forma de direção assumidas pela presidente da Associação,
como também permite ser interpretada como estratégia, impedindo a emergência
de pensamentos divergentes.
Outras manifestações da liderança também apresentam esta marca
centralizadora, impedindo a transparência de conflitos internos. Da mesma forma,
o jornal construiu a imagem da líder, sempre ativa, incansável, batalhadora,
respeitada, não apenas pela categoria, mas também pelas autoridades. Até
mesmo o restante da diretoria da associação, ou alguma das professoras de mais
iniciativa só apareceram em fotos. No passado, durante a campanha de 1954, o
comportamento do jornal foi bem diferente, apresentando vozes divergentes das
professoras, nomeadas e inscritas para se posicionarem na Assembléia. É curioso
que no meio delas, fazendo parte de uma ala a favor da greve, encontrava-se a
líder da greve de 1959, Marta Nair Monteiro, entre outras191.
A atitude centralizadora dependia também das circunstâncias. No
momento em que a Associação mandou publicar uma mensagem de aviso às
professoras no jornal sobre o início da greve, a assembléia foi tomada como
instância deliberativa pela necessidade de garantir a presença das professoras,
mostrando-as no coletivo, reivindicando e pressionando:
190 No movimento de Desagrado em 1954, que está relatado no capítulo 1, as professoras
apresentavam as mesmas argumentações e se defendiam de ataques como este. O jornal publicou várias cartas de professoras e uma réplica a uma argumentação dos deputados proferida pela professora Argemira Costa “(...) Enquanto todos os ocupantes dos diversos setores do trabalho físico ou intelectual encerram seus encargos ao toque de saída, só ela, a mestra leva para a sua casa o maior quinhão que lhe cabe: o preparo silencioso do dia de amanhã. E este é um trabalho que pode ser comparado Srs Deputados, às vossas comissões de estudo. Há também no vosso labor o estudo silencioso de casos a resolver, nos recessos das salas quietas e reservadas (...)”. (O DIÁRIO, 24 de outubro de 1954). No jornal Diário da Tarde, vespertino dos Diários Associados, saiu uma entrevista com a srta Marieta Houri onde ela faz um paralelo dos salários das professoras com os dos guarda civis e de trânsito. (DIÁRIO DA TARDE, sábado, 7 de novembro de 1959).
191 O DIÁRIO, quarta-feira, 18 de setembro de 1954. Além da Presidente Ana Coroaci Torquato estavam inscritas para falar na Assembléia: Aúrea Nardelli, de Juiz de Fora; Ivani Apalércio, Maria Lombardi, Honorina Nassife (Presidente da Associação das Professoras Muncipais de Belo Horizonte), Maria Lícia, Idelgarde Álvares, Sílvia Tibau (Casa das professoras), Marta Nair Monteiro e Alcelinda Correia.
146
“AVISO ÀS PROFESSORAS
Colegas professoras do interior de Minas: Não tendo sido atendidas as justas reivindicações da classe por parte do governador, nem sido recebida nenhuma proposta do Palácio da Liberdade, a assembléia permanente do professorado, reunida nesta Capital há já dez dias, resolveu, por unanimidade, deflagrar greve geral, a partir da Zero Hora de hoje, 17 de novembro de 1959.
Neste estado de greve permaneceremos até serem satisfeitas as reivindicações da classe, que são as contidas em memorial já divulgado por O DIÁRIO.
Recomendamos a todas as professoras, diretoras e técnicas, etc que não compareçam aos grupos escolares. Fechem as escolas, solicitem o apoio dos pais e dos vigários, só voltando às aulas, quando receberem comunicação oficial desta entidade de classe.
Belo Horizonte, 17 de novembro de 1959.
Prof. Marta Nair Monteiro, presidente da associação de professores Primários de Minas Gerais”. (O DIÁRIO, terça-feira, 17 de novembro de 1959).
Os indicadores da tomada de decisão coletiva neste texto foram claros,
pontuando a resolução da assembléia o local, a data e a unanimidade, fazendo
referências ao exercício democrático do voto e da unanimidade da decisão.
Também foi colocada no coletivo a decisão da classe de permanecer em greve. A
contradição aparece na parte final da nota e diz respeito ao não comparecimento
nos grupos escolares das professoras, diretoras e técnicas. O mais adequado
seria dizer que, dada a decisão tomada em assembléia, a “classe” deveria apoiar
e aderir ao movimento, não comparecendo aos locais de trabalho. Se a
mensagem de início da greve foi uma tomada de decisão coletiva, o mesmo não
aconteceu com a comunicação oficial do seu final, quando a nota adquiriu tom
autoritário.
“
147
FIM DE GREVE A Associação dos Professores Primários de Minas Gerais Considerando que a nossa greve, desde o início e intencionalmente, foi um movimento de protesto e de advertência; Considerando que logrou sucesso positivo em todo território do estado; Considerando que alcançou todas as camadas da sociedade e constituiu-se em reconhecimento da eminente dignidade da mestra; Considerando que obteve o apoio uníssono do povo, principalmente manifestado pelos sacerdotes, pais de família, organizações sindicais e entidades estudantis, bem como pelos órgãos de informação; Considerando que existe um clima de entendimento entre as duas partes do dissídio, capaz de assegurar a consecução dos demais objetivos; Considerando que há compromisso do Governo do estado assumido com mediadores de atender ao pedido dos professores em prazo restrito; Resolve terminar hoje a greve e exortar calorosamente a classe a conservar e alimentar a esplendida união que mantivemos nestes dias memoráveis. Belo Horizonte, 20 de novembro de 1959 Marta Nair Monteiro Presidente da APPMG em exercício.”192
Os termos finais do documento, após os diversos “considerandos”
conclui com: “Resolve terminar hoje a greve e exorta a classe a continuar unida e
conservar a esplêndida união que mantivemos nestes dias memoráveis.” Quem
resolve e exorta? A resolução é de responsabilidade do signatário do documento.
E a assinatura do mesmo é um ato da presidente em exercício da entidade. O
documento final da greve não reconheceu, assim, a assembléia como instância
deliberativa. Esse discurso, assim como outros, demonstram a contradição da
entidade, muitas vezes orientada por homens, em alguns momentos
reconhecendo a participação das professoras nas decisões coletivas do
movimento e, em outros, assumindo uma atitude diretiva, coerente com o
pensamento autoritário do movimento operário em geral. Como tratava de uma
192 A presidente Professora Maria Jofrina Mourão de Miranda encontrava-se em licença. O
documento saiu publicado na primeira página do jornal (O DIÁRIO, sábado, 21 de novembro de 1959.
148
causa de mulheres, também pode ter o significado de mantê-las distantes das
decisões públicas193.
As contradições e ambigüidades do jornal e da direção do movimento
podem ser interpretadas pela relação de ambos com as instituições a que estão
ligados: a Igreja e a escola. O jornal representa o ideário da Igreja, cuja
organização é hierárquica e os discursos, em geral, são doutrinários, e nesse
sentido, exercem um poder pedagógico de cunho autoritário194. A escola também
foi sendo construída dentro de dispositivos, práticas, normas e rígidos
regulamentos que deveriam ser incorporados, estabelecendo a divisão entre,
inspeção direção, técnicos e regentes. O poder autoritário na escola sempre foi
forte, com os regulamentos exigindo desde a definição de qualidades
indispensáveis a um bom professor195 como condutas adequadas, incluindo a
forma de se apresentar socialmente, fora da escola, como os valores morais de
desprendimento pessoal196 e o permanente estabelecimento de uma divisão
técnica197. É por isso que se pode reconhecer como um avanço a forma como o
jornal vai representando as professoras nos títulos das reportagens do início ao
término do movimento.
193 “O feminismo entre nós continuaria a ser um fato ‘social’, não político. A idéia de que a
política não é assunto das mulheres, que aí elas não estão em seu lugar, permanece enraizada, até muito recentemente, nas opiniões dos dois sexos. (...) Na história e no presente, a questão do poder está no centro das relações entre homens e mulheres”. (Perrot , 1988, p.184).
194 “(...) o jornal não é uma palavra que foge e morre. Ele diz, afirma, repisa, martela o que quer espalhar até encravá-lo na cabeça do leitor. Desagrada hoje, é bem recebido amanhã, e acabará impondo e dominando”. (Lúcio dos Santos, apud Costa , 1989, p. 11).
195 “Qualidades Indispensáveis a um bom educador” REVISTA do Ensino, ano XII, abr/ jun, p. 38 p. 254. “Como se é um bom mestre” REVISTA de Ensino, ano XIV, n. 183 set/dez de 1946. Títulos da Revista do Ensino, publicada pela Secretaria de Educação e compilados pela Professora Dra. Ana Maria Casasanta Peixoto para a disciplina Formação e Profissão Docente no Brasil - perspectivas históricas.
196 Teixeira Lopes mostra como documentos reguladores de condutas pessoais e valores desejáveis para as mulheres são comuns na orientação das escolas religiosas no século XIX. Citando uma educadora francesa Marie Carpentier em 1847: “Alguns defeitos devem ser evitados: o orgulho e o desejo de promoção; o amor próprio, o cuidado consigo mesmo, de suas próprias satisfações; mais da própria glória que da glória de Deus (...)” (Teixeira Lopes, 1998, p. 41).
197 “Estes conflitos e tensões começam a agitar o interior da escola, mais acentuadamente após a vigência da Lei 5.692/71, quando se pretende modernizar a estrutura administrativa através da decisão do trabalho educacional”. (Bonacini, 1992, p. 37).
149
Retomei os títulos do jornal para neles analisar as mudanças na
representação sobre as professoras. Antes da greve, de 6 a 16 de novembro, os
títulos passam de uma condenação social ao tratamento dado à professora,
“condenação unânime ao tratamento dado às professoras” - para em seguida
colocá-las como sujeito coletivo assumindo atitudes, em assembléias e ameaças
de paralisação. Acredito, como Blass (1992) que uma greve de mulheres já é em
si uma transgressão, mas diferentemente da autora, considero que ela não é um
rompimento, mas uma primeira fratura, com um processo de socialização das
mulheres educadas para a submissão e a passividade. Observa-se a partir do
quarto título, as professoras apresentadas como protagonistas da ação,
desafiando o governo e ameaçando com prazos e ultimatos para a resposta. Caso
contrário entrariam em greve, como foi demonstrado nos títulos seguintes:
“Condenação unânime ao tratamento dado às professoras.
Cresce a revolta do professorado.
Professoras recebem solidariedade geral.
Professoras dão 48 horas ao governo: aumento ou greve.
Mobiliza-se o professorado do interior para a campanha do aumento dos vencimentos.
Professoras dão ultimato ao governador.
Centenas de professoras superlotam as galerias da Assembléia: firmes no dez mil.
Aulas na rua em sinal de protesto: professoras primárias fazem planos.
Pais manifestam ao lado das professoras primárias.”198
A greve de 17 a 21 de novembro ficou reduzida a quatro dias, mas os
seus efeitos, mais do que o curto tempo de duração, foram importantes. Para isso
deve-se considerar sua eficiente preparação, a mobilização da população, o
período posterior com a continuidade da luta e o seu significado de movimento
coletivo adquirido na demonstração de vontade, persistência, coragem e
198 Com exceção de segunda-feira, quando o jornal não circulava estes títulos aparecem
respectivamente em O DIÁRIO, na sexta-feira dia 6, sábado dia 7, domingo dia 8, terça- feira dia 10, quarta-feira dia 11, quinta-feira dia 12, sexta-feira dia 13, sábado dia 14 domingo dia 15 de novembro de 1959.
150
transgressão das professoras subvertendo a ordem vigente 199.
“Greve geral do magistério primário 22 mil professoras em greve. Alastra-se a greve do professorado primário. O Quartel General da greve funcionou no consultório de Juscelino Kubitschek. Professoras: greve encerrada”200.
Depois da greve, de 22 de novembro a 22 de dezembro, as professoras
persistiram na luta, comparecendo em massa, lotando as galerias da Assembléia
Legislativa, pressionando e protestando contra o salário menor do que o que foi
reivindicado, mas bem maior do que o governo dera antes. Na verdade, os 107%
de aumento foram conquistados no trabalho coletivo e persistente das professoras
ao lado da entidade da categoria. Nos títulos selecionados neste período observa-
se a garra e a persistência das professoras:
“Professoras e alunos retornam às aulas Galerias novamente superlotadas: professoras foram à Assembléia ver se a mensagem foi enviada: ainda não. Chega o fim o do ano: grupos fecham as portas. Governo estuda novas bases para o aumento das professoras Professoras (sob protesto) aceitam novas bases Professoras terão que esperar até que os deputados aumentem os seus subsídios Projeto de aumento das professoras foi a sanção”201
199 O direito de greve estabelecido na Constituição de 1946, não foi regulamentado, gerando
dúvidas de interpretação a respeito da legalidade da greve no serviço público. O discurso de um dos advogados da Associação na assembléia que deflagrou a greve alertou para a sua ilegalidade, ao mesmo tempo que demonstrou não acreditar na possibilidade de uma repressão do governo por motivos políticos. “O Sr. Osvaldo Gusmão, na qualidade de advogado da Associação, depois de exaltar a consciência de classe e profissional das professoras, disse da necessidade da luta até às últimas conseqüências para conseguir aquilo que elas reivindicam. Quanto ao perigo da greve, afirmou, seus riscos existem, mas que o governo não arriscaria a tomar uma atitude contra a classe das professoras, a qual estava em condições de demonstrar a caducidade da proibição de greve para os funcionários.” (DIÁRIO DA TARDE, terça-feira, 17 novembro de 1959).
200 O DIÁRIO nos dias: terça-feira dia 17, quarta-feira dia 18, quinta-feira dia 19, sexta-feira dia 20 e sábado dia 21 de novembro de 1959.
201 O Diário nos dias: terça-feira dia 24, quarta-feira dia 25, sexta-feira dia 27 de novembro e terça-feira dia 1o, quarta-feira dia 2, domingo dia 13 e terça-feira dia 22 de dezembro de 1959.
151
Observando os títulos do início da mobilização à conquista final, foi
possível verificar os efeitos dos múltiplos significados: dinamicidade, crescimento,
conflito, mudança, afirmação, garra, organização, união, solidariedade, firmeza,
resistência, perseverança, coragem, transgressão, revolta, protesto, emancipação,
liberdade, reivindicação, identidade, entre inúmeros outros. O que se quer mostrar
com esta enumeração de sentidos é que, ao contrário do jargão popular de que
“uma imagem vale por mil palavras”, o lingüista sabe que as palavras permitem
inúmeros sentidos dependendo do contexto em que são enunciadas. Não se
pretendeu, no entanto, afirmar pela polissemia das palavras usadas nos títulos do
jornal que houve uma ruptura com o passado, na compreensão de que as
mudanças nas imagens e símbolos que elas evocam são produzidas pelo poder
dominante, mas permitem diversificadas formas de apropriação, assim como
mudam lentamente, porque são sempre reforçadas.
O que o jornal conseguiu captar naqueles idos de 1959 foram momentos
significativos na história das professoras, mostrando-as vivenciando um processo
de participação, assumindo o coletivo do movimento. Elas o assumem como
sujeito, e nesta compreensão o coletivo “professorado” é insuficiente para definir
suas participações. O termo “professorado” não mais define o movimento,
somente pela sua identidade feminina, mas também pela transformação das
professoras primárias que saíram da passividade para a participação. Professoras
primárias, não como um universal genérico, mas que lutaram e conquistaram no
espaço - Minas Gerais - e no tempo - 1959, a reivindicação pretendida. E o que
elas buscavam ultrapassava a conquista salarial, e foi, principalmente o
reconhecimento e a valorização profissional. As professoras primárias mineiras
conquistaram na luta o lugar na história da organização profissional, não apenas
como coadjuvantes, mas como protagonistas.
3.2 Nos gestos e imagens do jornal, a leitura da ação das professoras como
protagonistas da greve de 1959
A pesquisa da greve das professoras primárias em O DIÁRIO teve como
objetivo fundamental verificar no contexto de um movimento, a possibilidade de
perceber as professoras primárias como protagonistas da ação. A leitura do jornal
152
permitiu a análise das modificações nos discursos do jornal e da liderança do
movimento, na medida em que se percebia o crescimento da participação das
professoras primárias e elas se tornavam ativas e não receptoras passivas dos
discursos. O coletivo “professorado”, presente nos textos do jornal, foi cedendo
lugar à afirmação da identidade feminina no movimento, representando-as como
as professoras. Os títulos passaram a expressar a imagem das professoras como
ativistas, rejeitando, protestando, pressionando com sua presença maciça.
Faltava, no entanto captá-las, além das suas participações coletivas, mostrando-
as em subjetividades, divergindo e apresentando os seus sentimentos e desejos.
Já vimos, mas é preciso reforçar, como o jornal generalizava suas falas,
postura que pode ser interpretada pelo propósito de criar a imagem do consenso
e da homogeneidade do movimento e a inexistência do conflito. Porém, mais do
que isto, é necessário compreender que o jornal como qualquer meio de
comunicação em todos os tempos, recorta, classifica, seleciona notícias e
informações, dando transparência e vozes a grupos ou pessoas com afinidade
com a sua linha editorial. É necessário que os leitores e pesquisadores de jornais
tenham a consciência da sua parcialidade, como na metáfora feita por Bourdieu
(1997, p.25) sobre a televisão, mas que pode ser aplicada a qualquer mídia em
todos os tempos:
“Os jornalistas têm ‘óculos’ especiais a partir dos quais vêem certas coisas e não outras: e vêem de certa maneira as coisas que vêem. Eles operam uma seleção e uma construção do que é selecionado.”
A seleção da imprensa tem o objetivo de convencer os leitores, ocultando
ou fazendo aparecer os interesses das elites que dominam o conhecimento.
Numa mesma discussão sobre os meios de comunicação e a manipulação dos
leitores, Chauí (1989, p. 33), usando Foucault, explica como as elites criam os
instrumentos de poder para produzir os objetos do saber. Esse raciocínio permite
compreender que nos meios de comunicação de massa “o silêncio, o implícito, o
invisível são, freqüentemente mais importantes do que o manifesto”. No O
DIÁRIO, como em qualquer jornal foi colocado em evidência o que ele tinha
interesse de fazer ver e crer. As personalidades enfatizadas pelo jornal eram
153
quase sempre ligadas à Igreja, omitindo-se a participação de outras com papel
relevante na greve, mas que faziam parte de grupos divergentes do ideário
católico. Um exemplo desta posição do jornal, foi o reiterado apoio do presidente
do Diretório Acadêmico Afonso Pena da Escola de Direito da UFMG,
transcrevendo as suas falas, mas silenciando as do presidente do Diretório
Acadêmico da Universidade Federal, escondendo a sua participação, mencionada
apenas uma vez, como participante da comissão neutra202.
Da mesma forma é compreensível o reforço dado ao discurso da unidade,
da ordem e do movimento pacífico. É necessário, por isso, buscar divergências,
conflitos, resistências e iniciativas das professoras. Para isso foi necessário ler
nas entrelinhas e nas contradições do jornal, considerando, que as manifestações
não são apenas verbais, mas também de gestos e ações e que o corpo expressa
sentimentos, daí a opção em ver suas ações descritas não apenas nas imagens
verbais projetadas pelo jornal, mas também nas fotografias.
A descrição da organização da greve pelo jornal como grupo homogêneo,
conforme já foi analisado, obedecendo a uma organização superior, com
participantes laboriosas e cumpridoras das tarefas a que foram encarregadas pela
direção do movimento podem ser observadas em cenas narrativas:
“O professorado mineiro entra hoje em seu quarto dia de greve. Ontem, voltamos à Associação de Professores Primários. A cada canto, aos grupos, as várias comissões de greve trabalhavam, ora enviando correspondência para o interior ou manifestos para o professorado da capital: ou cuidando das informações e da distribuição de tarefas para os piquetes de greve. O trabalho é intenso, não cessando um só minuto. A cada momento chegam delegações do interior, que aqui vieram para trazer pessoalmente a solidariedade das escolas, ou buscar instruções diretas.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)
202 Várias vezes e em várias circunstâncias é mencionado o apoio do D. A. Afonso Pena e as
falas do seu presidente, Segismundo Gontijo. Em nenhum momento, no entanto, o jornal deu voz ao presidente do DCE José Nilo Tavares, que deve ter tido uma atuação muito mais importante, até mesmo pelo fato de ter sido escolhido para participar da Comissão Neutra. Na verdade, não posso afirmar que o presidente do DCE era naquele momento militante do Partido Comunista, mas que era pelo menos simpatizante do P. C.
154
Essa descrição de grupos de professoras, trabalhando no quarto dia de
greve, cuidando de tudo, parecia bastante harmoniosa para uma situação tensa e
agitada de greve. No entanto, a reportagem foi além da descrição verbal,
fotografando os grupos tal como no relato. Esse artifício é conhecido e utilizado
nas reportagens jornalísticas para darem veracidade aos fatos. Cenas como estas
são organizadas para transmitir idéias, dando-se a impressão de casualidade. A
noção de participação transmitida ao observador é de restrição e controle. A
mesma mensagem pode ser encontrada nas cenas fotografadas do ambiente: a
calma, a ordem e a tranqüilidade.
155
Foto 7 – Flashes de um grupo de professores no quartel general da greve no dia 20/11/1959
As diretoras de Diamantina estão em Belo Horizonte há quase uma semana. Estão solidárias com a greve. Todas as escolas estão fechadas. Na foto à direita a professora Terezinha Monteiro, diretora do G. E. Júlia Kubitschek, trabalhando na comissão da greve.
Fonte: O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959.
156
Foto 8 – No QG da greve um grupo de professores no dia 20/11/1959
A foto é do plantão do Quartel General do Professorado. Nesta sala funcionava o consultório do Presidente da República.
Fonte: O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959.
157
Foto 9 – No QG da greve um grupo de professores no dia 20/11/1959
É preciso mandar informações para o interior. Com o telefone censurado, com a censura nos telegramas, o jeito é expedir cartas, o que faz a comissão central de greve. Ônibus, caminhões, trens, carros e aviões são usados com sucesso.
Fonte: O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959.
158
As cenas parecem ter o propósito de relacionar o ambiente de
organização grevista com a sala de aula, onde, no geral, prevalece a ordem sob a
autoridade da professora. A idéia de ordem imposta pelas fotografias é
desmentida pela agitação reinante em situações de greve em que, em quase
todos os momentos e lugares, as pessoas encontram-se ansiosas e agitadas. A
impressão que se tem na observação das imagens é de uma representação de
greve de mulheres e de professoras, tal como elas são vistas nos estereótipos,
como organizadas e laboriosas donas de casas, disciplinadas, disciplinadoras e
alheias às discussões políticas203. Na terceira foto a legenda acentua um clima de
trabalho e discussão, necessário à redação de cartas, mas na foto o chapéu
colocado sobre a mesa, parece insinuar a feminilidade, a elegância, e talvez a
classe social204 a que deveriam pertencer as professoras.
Numa outra situação, as professoras são vistas nos jardins do Palácio da
Liberdade, apresentando a mesma postura e as mesmas mensagens transmitidas
pelas fotos:
“O Palácio da Liberdade, ontem, às 16 horas estava policiado por elementos do departamento da ordem pública (...) Algumas mestras postaram-se nos jardins do Palácio, enquanto suas representantes entendiam-se com o Sr Bias Fortes. Demorando-se a reunião, algumas se retiraram, pois tinham de lecionar a noite. Houve, é certo, medo de subversão da ordem. Contudo, as educadoras repudiaram à interpretação calmas e senhoras da situação.” (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959)
Nesse relato, as professoras dirigiram-se ao Palácio, aguardando do lado
de fora a reunião da comissão com o Governador. Cientes do reforço da
203 A escola adquiria, também, o caráter da casa idealizada, ou seja, era apresentada como
um espaço afastado dos conflitos e desarmonias do mundo exterior, um local limpo e cuidado. A proposta era a de que este espaço se voltasse para dentro de si mesmo, mantendo-se alheio às discussões de ordem política, religiosa etc. Apontava-se que a polêmica e a discussão eram “contra a natureza feminina”. (Louro, 1997, p. 458).
204 Luiz Pereira em pesquisa sobre as professoras de São Paulo neste mesmo período atribui suas origens na classe média: “podemos concluir, portanto, que as professoras primárias tendem a participar da classe média assalariada, tanto pela profissão que exercem, como pelas suas famílias de origem e pelas ocupações de seus maridos (...) as professoras solteiras buscariam ao menos defender e consolidar a sua situação de classe média, como com grande probabilidade conseguirão, a julgar pela ocupação da maioria dos esposos de suas colegas casadas.” (Pereira, 1969, p. 142).
159
segurança, as “educadoras” repudiaram a interpretação de ameaça à ordem,
demonstrando tranqüilidade. Nesta descrição é importante perceber o uso da
designação de educadoras, termo apropriado para reforçar as posturas sugeridas.
O relato continuou chamando a atenção para a saída de algumas, antes do
término da reunião, pois tinham de lecionar à noite, cumprindo os seus deveres. A
descrição foi feita na terça-feira,10 de novembro, e o título da reportagem
contradiz o clima reinante: “Professoras dão 48 horas ao governo: aumento ou
greve”.205
Em segunda nota, na mesma data, apenas o local é o mesmo. As
personagens agem de forma bem diferente do primeiro grupo:
“Ontem às 10 horas várias professoras primárias foram ao Palácio. Tiveram notícia de que aquela hora a presidente da Associação deveria comunicar-se com o governador para marcar uma audiência para a classe. Abandonaram as classes e os grupos escolares e foram para a Praça da Liberdade. A audiência foi marcada para as 16 horas.” (O DIÁRIO, terça-feira 10 de novembro de 1959)
Enquanto as professoras do primeiro relato sabiam a hora certa da
reunião e agiram como educadoras, cumprindo deveres e horários, as do segundo
eram mal informadas, além de terem transgredido normas, abandonando as
escolas. Foi importante observar na leitura atenta do jornal, em suas diversas
seções e colunas, as transformações na imagem das professoras projetada pelo
jornal, como um grupo homogêneo, disciplinado, sem expressar medos,
ansiedades, vozes dissonantes, obedientes e seguindo a orientação definida pela
liderança do movimento. Aqui e ali alguns indícios apontam para a divergência:
“Na capital uma ala do professorado pensa em dirigir-se com seus alunos para o Parque Municipal onde em suas alamedas, lecionarão ao ar livre.” (O DIÁRIO, sábado, 14 de novembro de 1959)
Esta ala referida era a de professoras de um determinado grupo escolar
da capital, que parecia temeroso com um movimento grevista e propunha uma
205 O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959.
160
posição intermediária, a de dar aulas na rua em sinal de protesto, ao invés de
deflagrar a greve. Também era impossível conter as reações impulsivas e
individuais como a que foi relatada na coluna “Fatos e Boatos” de uma discussão
relatada entre uma professora e um policial:
“PROFESSORA X POLICIAL
Na Câmara Municipal o vereador Leonardo da Cruz Valadares resolveu defender sua classe - guarda civis - com relação à campanha das professoras. Mencionou a certa altura que não se justificava a comparação das mestras com os policiais para justificar melhores vencimentos para o magistério e passou a enumerar os riscos que rondam o policial em sua missão. Uma professora componente da comissão de classe e àquela altura em busca da solidariedade dos vereadores não gostou do pronunciamento e com ele discutiu, visivelmente agastada sobre o impasse da comparação”.(O DIÁRIO, quarta-feira, 11 de novembro de 1959. Coluna Fatos e Boatos).
O que tentei mostrar com os relatos do jornal foi que a realidade é
complexa e é impossível a existência da homogeneidade dentro de um movimento
coletivo com número elevado de participantes, as professoras mineiras da capital
e do interior. Ademais, é impossível compreender a ação coletiva sem
manifestação de subjetividade, por isso, mesmo em grupo, as professoras
demonstravam diferenças de comportamentos, algumas eram mais espontâneas
e agressivas, transgredindo normas disciplinares, outras eram mais tímidas e
recatadas. Da mesma forma, fica impossível compreendê-las acatando ordens
sem discussão. A subjetividade é inerente à pessoa humana, porém pode também
ser explicada pelas múltiplas e variadas vivências culturais 206.
Apesar de o jornal não entrevistá-las, elas apresentam-se nas ações,
demonstrando o quanto tinham consciência da necessidade de manter a unidade
do movimento, assim como o apoio da população para conseguirem seus
206 Embora de uma forma superficial e ingênua e politicamente incorreta para os dias atuais,
O Diário da Tarde tentou captar a heterogeneidade do grupo: “Professoras reunidas – Jovens, velhas, belas, gordas, esbeltas estiveram ontem reunidas as professoras primárias, revoltadas com a injustiça de que foram vítimas no projeto de aumento dos vencimentos dos funcionários públicos. E mandaram ultimato ao Governo, ou são aumentadas, ou não haverá provas no final do ano”. (DIÁRIO DA TARDE, terça-feira, 10 de novembro de 1959).
161
objetivos. O jornal mostrava-as em constante busca de apoios de sindicatos, de
pais, comércio e comunidade em geral. Um dos locais onde elas procuram apoio
inicial foi na CNTI - pelo fato da organização reunir categorias diferenciadas de
trabalhadores:
“A convite dos trabalhadores, uma comissão de educadoras, tendo à frente o deputado Hernani Maia, compareceu à reunião semanal do órgão. As mestras receberam as homenagens de todos os sindicatos, tendo uma delas feito um relato fiel do que vem acontecendo com o magistério. Afirmou-se na oportunidade que o projeto de aumento do funcionalismo estabelece uma subversão de valores, que compromete, sobretudo, o livre curso do ensino fundamental em Minas. Enquanto outros funcionários foram bem aquinhoados com elevado aumento, as mestras não apenas foram inferiorizadas, como injustiçadas (...) Informaram ainda as mestras aos representantes dos sindicatos, que pela tabela aprovada pela Assembléia Estadual, uma professora com vinte e cinco anos de efetivo exercício na cátedra perceberá apenas sete mil e novecentos cruzeiros, salário bem inferior ao inicial correspondente à carreira de guarda civil, a muitos postos de subalternos da polícia militar, inferior ao mínimo dos investigadores, dos fiscais de trânsito, etc.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 11 de novembro de 1959)
Neste trecho, como em outros do jornal, foi feita uma referência explícita
ao tratamento respeitoso com que as professoras eram acolhidas. A expressão
“cátedra” era muito usada nos documentos do século XIX, designando a ocupação
oficial de uma vaga na regência207, mas adquiriu novo sentido na organização
acadêmica. A utilização de “cátedra” para o exercício do magistério no ensino
fundamental pode ter um sentido figurado, mostrando a distinção, reconhecimento
e prestígio social da profissão na época. Da mesma forma, as professoras
parecem assumir uma postura coerente com o exercício da profissão, reconhecida
como intelectual, na demonstração de confiança ao expor em público as razões do
movimento, buscando apoios necessários para sensibilizar o governo.
Os discursos proferidos e relatados neste meio de comunicação revelam
como elas teriam se apropriado das argumentações do mesmo, assim como o
207 Os documentos do século XIX mencionam a criação de cadeiras com significado de
cargos de professores regentes, conforme pode ser encontrado em Muniz (1998).
162
jornal também teria incorporado suas reivindicações, ao longo do tempo, desde
movimentos anteriores, como o já mencionado, de Desagrado, em 1954. O jornal,
apesar das tentativas de uniformizar falas e comportamentos das professoras, não
teve outra alternativa senão apresentá-las manifestando diferenças e
subjetividades na ação. Estas foram imagens projetadas das professoras, sempre
ativas e participantes, comparecendo regularmente à Assembléia Legislativa,
lotando o seu plenário, acompanhando a tramitação do projeto até o final. As idas
constantes e a vigilância na Assembléia foram, também, decorrentes da estratégia
usada por um grupo de deputados, condicionando o aumento das professoras
aos de seus subsídios. A manobra ameaçava-lhes a conquista da revisão salarial
e era, também, considerada inoportuna pela opinião pública208. Acompanhando os
relatos das reportagens, foi possível imaginar o estranhamento que deve ter
causado a persistência dessas mulheres, marcando presença no plenário da
Assembléia, acompanhando e exigindo o cumprimento do compromisso político
assumido com a categoria como transparece nas matérias feitas naquele local:
“NA ASSEMBLÉIA
Centenas de professoras primárias compareceram à reunião na Assembléia Legislativa, superlotando as galerias a fim de dizer aos deputados que não desistirão da sua campanha por melhores vencimentos. A reunião foi das mais agitadas no Palácio da Inconfidência (...) A oposição viveu uma das suas melhores tardes, sendo constantemente aplaudida pelas galerias apesar da campainha da mesa. Em defesa do governo e recebendo de vez em quando vaias das professoras falaram os srs...” (grifo meu) (O DIÁRIO, sexta-feira, 13 de novembro de 1959)
“Grande número de professoras primárias retornou ontem à Assembléia Legislativa, afim de assistir à reunião. (...) Para sua decepção, porém, não houve ‘quorum’, não podendo, em conseqüência, ser aberta a reunião. (...) Descendo as escadas, muitas professoras comentavam furiosas: ‘esta manobra da maioria, para impedir a votação da indicação já era esperada...’.” (O DIÁRIO, sábado, 14 de novembro de 1959)
208 “Aos próprios parlamentares defensores da antipática iniciativa é notório que não podia ser
pior a repercussão que está provocando a sua obstinação, tanto mais que a obstrução aos outros projetos se está fazendo por motivos de natureza quase inteiramente pessoal. É sempre lamentável legislar em causa própria.” Não houve acordo: Deputados aumentistas continuam irredutíveis. (O DIÁRIO, terça-feira, 17 de dezembro de 1959).
163
“As grevistas estiveram ontem na Assembléia Legislativa onde permaneceram durante várias horas. Dali, em grupos, rumaram para as estações de rádio e televisão onde fizeram apelos aos pais de família para que apóiem a greve” (O DIÁRIO, quarta-feira, 18 de novembro de 1959)
“(...) o deputado Simão da Cunha disse que o Governador Bias Fortes determinara que os cabos da Polícia Militar darão os testes de fim de ano aos alunos dos grupos escolares. O aparte foi acolhido com risos pelo plenário e pelas galerias, que novamente estavam superlotadas de professoras.” (grifos meu) (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)
“O movimento das professoras primárias continua sendo assunto na Assembléia Legislativa. Durante todo o tempo da reunião de ontem as galerias estiveram superlotadas de mestras que foram ver se a mensagem do governador já tinha sido enviada.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 25 de novembro de 1959)
“As galerias ainda estavam lotadas de mestras e o Sr. Hernani Maia abordava mais uma vez o rumoroso affaire professoras primárias” (O DIÁRIO, sexta-feira, 27 de novembro de 1959)
“Foi aprovado em primeira discussão o projeto 664, do governo que aumenta os vencimentos das professoras primárias do Estado. Numerosas mestras estiveram nas galerias, presentes à votação” (O DIÁRIO, sábado, 5 de dezembro de 1959)
“Professoras viram ontem aprovado seu projeto em segunda discussão” (O DIÁRIO, quinta-feira, 17 de dezembro de 1959)
“A Assembléia Legislativa aprovou ontem em terceira discussão o aumento dos vencimentos das professoras primárias. As professoras vão se reunir hoje às 15 horas na sede da Associação dos Professores Primários... O secretário de Educação despachou ontem favoravelmente a indicação do Sr. Jorge Ferraz. Serão abonadas as faltas das professoras durante os dias de greve.” (O DIÁRIO, terça-feira, 22 de dezembro de 1959)
A presença destas mulheres, persistentes e batalhadoras na Assembléia
Legislativa, narrada pelo jornal, acentuava a unidade e a perseverança na defesa
do projeto. Algumas vezes o jornal apresentava-as expressando-se em formas de
aplausos, vaias e risos. Na leitura observei que o jornal captava muito pouco as
164
particularidades de um movimento de mulheres209, não usando o humor de
charges ou descrevendo os rituais típicos de uma greve de mulheres. Isto pode
ser compreendido, em parte, pela presença no imaginário da época das imagens
paradigmáticas do movimento operário210 ou pelo sisudo moralismo211 do jornal.
Esta quase ausência de expressões femininas deixou-me frustrada, uma vez que
esperava captar mais particularidades de uma greve feminina a partir das
observações de Perrot (1988, p. 211); “as mulheres possuem formas de
expressão peculiares que muitas vezes se diferenciam dos homens nas greves.
São mais espontâneas, intempestivas, irônicas e irreverentes”.
A descrição da assembléia de professoras que retirou a greve é típica
das omissões do jornal. Apesar de descrevê-la pela expressão - “dramática
reunião”- ele não explica o motivo dessa dramaticidade. Fica compreensível o
clima de tensão pelo tempo de sua duração, pelos vários discursos dos
deputados, líderes sindicais e as tentativas feitas na última hora de entendimento
com o governador. O repórter, no entanto, apresenta as professoras aceitando
com unanimidade a tese da greve:
209 No Diário da Tarde foi possível perceber a tentativa de captar as peculiaridades de uma
manifestação de mulheres, ou a reação do público em relação ao movimento: “Todas as comissões de greve estão funcionando normalmente, demonstrando que o movimento foi muito bem organizado. A comissão mais ativa é sem dúvida a de finanças (...) Criou uma bossa nova que nada mais é do que a venda de doces e biscoitos aos que comparecem às reuniões. Principalmente para os muitos ‘gostosões’ que aparecem na esperança de conquistar uma das lindas professorinhas grevistas.” (DIÁRIO DA TARDE, quarta- feira, 18 de novembro de 1959. Título: “Bossa Nova na caixinha”).
210 “Eu diria de acordo com Nicholson (1994), que esta estrutura de organização não só é predisposta pelos homens, mas fortemente marcada por valores e significados masculinos, mesmo quando conta com a presença majoritária de mulheres.” (Vianna, 1999, p. 32)
211 Castro, 1997.
165
“Durante a assembléia da Secretaria de Saúde fizeram-se ouvir deputados, líderes de classe, os assistentes jurídicos da Associação dos Professores, as professoras do interior que aqui vieram e as líderes de classe. A certa altura, quando se discutia a tese de greve, por sugestão da mesa, decidiu-se que uma comissão constituída pelos deputados Valdomiro Lobo, Divino Ramos, Paulo Campos e Sadi da Cunha Pereira fosse ao palácio para ainda uma vez tentar pronunciamento favorável do Governador, sem resultado. Com lances dramáticos optou-se pela greve geral de advertência, em todo o Estado, por três dias, com possibilidades de se ampliar por mais tempo, caso o governo não remeta a Assembléia a mensagem de aumento dos vencimentos, na base de dez mil cruzeiros. A Assembléia das mestras ouviu o relato, discutiu os prós e os contras e decidiu, por unanimidade, deflagrar a greve a partir de hoje. Sendo assim, não funcionarão as escolas públicas de Minas.” (O DIÁRIO, terça-feira, 17 de novembro de 1959)
A unanimidade da decisão na assembléia não convence pela insistência
com que a idéia foi imposta o tempo inteiro, referendando a imagem de unidade,
greve ordeira e pacífica, assim como de um movimento homogêneo e sem vozes
dissonantes. Foi esta a razão que me levou a buscar a versão de outro jornal na
mesma data. A leitura do Diário da Tarde, também foi feita de forma consciente
de que ele tinha outro posicionamento e poderia não ser a expressão correta da
realidade. Mas, a julgar pelas reações de uma multidão, onde as opiniões nem
sempre são convergentes, mas também pelos comportamentos demonstrados
pelas professoras em outras situações descritas pelo jornal, prefiro acreditar na
versão do Diário da Tarde:
“Somente às 22:30 começou a ser discutido o problema da greve e a data do seu início, momento em que a reunião tomou aspecto dramático pois as diretoras da Associação das professoras desejavam a deflagração do movimento a partir do dia 19, com o que não concordou o plenário que aos gritos, exigia a greve a partir de hoje. Diante do estado de espírito demonstrado pelas professoras na reunião, o deputado Divino Ramos tentou conseguir uma solução do governo ainda na noite de ontem. (...) Com a volta da Comissão o deputado Paulo Campos relatou o que aconteceu no Palácio, agravando a exaltação do ânimo das professoras que, com apenas um voto contra decidiram declarar-se em greve.” (grifos meus) (DIÁRIO DA TARDE, terça-feira, 17 de novembro de 1959)
Os dois relatos coincidem, inclusive com relação à prolongada duração da
166
assembléia. Ambos relatam a tentativa de conciliação dos deputados e a ida de
uma comissão ao Palácio na busca de impedir a não deflagração da greve. Até a
unanimidade foi confirmada, porém com outro sentido, as professoras não
concordaram com a manobra tentada, mas omitida pelo O DIÁRIO, de adiar a
greve e o seu estado de ânimo era exaltado, exigindo, aos gritos a sua
deflagração. Essa discordância do plenário, mais uma vez reafirmou a imagem
das professoras como participantes, sujeitos da ação e não submissas, aceitando
imposições das autoridades.
Outras situações demonstraram as atitudes participativas das
professoras. Um movimento grevista é um momento de confronto e, como tal,
gera tensão e expectativas, sendo marcado pela revolta e indignação, gerando
atos concretos e simbólicos de resistência. A revolta alcança o seu auge no
deflagrar da greve, continua durante o movimento, mas existem momentos em
que o clima fica mais tenso, como na descrição abaixo, no Instituto de Educação:
“Anteontem, no Instituto de Educação não apenas nas salas de aula como nos laboratórios as futuras professoras, como as professoras-alunas que se especializam em Pedagogia, Técnica Educacional, Administração Escolar etc, não esconderam sua revolta quanto ao tratamento que lhes foi dado. Num cartaz o professorado manifestou sua revolta (...). Idêntica revolta se nota em todas as escolas, indistintamente, sendo que em algumas as diretoras tiveram de agir com muita ponderação para que as atividades não fossem paralisadas ou não se concretizassem manifestações públicas.” (O DIÁRIO, domingo, 8 de novembro de 1959)
“As educadoras receberam com protestos o não atendimento do aumento de três letras e o fato da diferença de padrão ser apenas de trezentos cruzeiros. Houve protesto ainda contra o Secretário de Educação, havendo manifestação geral pela sua saída da pasta. O deputado Jorge Ferraz defendeu o Sr. Ciro Maciel e comunicou que a Assembléia Legislativa cuidará do abono das faltas.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 2 de dezembro de 1959)
O clima parecia ser de revolta, protesto e indignação em quase todos os
espaços educacionais que mantinham cursos de formação e aperfeiçoamento de
professoras, demonstrando que a greve extrapolou a questão meramente salarial,
atingindo as candidatas ao magistério. Da mesma forma como apontava para uma
reivindicação, senão de um plano de carreira, mas para uma ascensão mais
167
rápida. A menção a um cartaz, sem a transcrição dos seus dizeres, dado o
minucioso das reportagens, confirma a impressão de que o jornal selecionava o
que devia, ou não, ser divulgado. No outro relato a reação foi também de
indignação com o deputado tentando amenizar o clima de revolta com a notícia de
que cuidaria do abono das faltas, na tentativa de conter a manifestação pela
saída do Secretário da Educação.
Reações como as descritas no jornal são comuns em situações de greve
e, às vezes, para aliviar a tensão, são comuns as manifestações simbólicas de
enterros ou os pedidos de corte de cabeças, como a saída do secretário, Ciro
Maciel. Em outros momentos, as resistências costumam assumir o caráter de
deboche e o clima de descontração torna-se muitas vezes necessário para aliviar
as tensões212:
“Ontem correu no meio educacional o boato de que as autoridades estariam dispostas a solicitar a colaboração dos cabos da Polícia Militar para aplicarem os testes de fim de ano, aos escolares. O professorado recebeu a notícia com muita graça, desde que esta tarefa é impossível de ser realizada, a não ser pelo regente de classe. Aliás, as leis de ensino assim preceituam.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)
A ameaça de repressão do governo deve ter servido para instalar o clima
de deboche, relaxando e descontraindo as professoras da tensão provocada pela
greve, pois era claro que a alternativa era inviável e se fôra feita com o intuito de
coação provocou risos e até piadas. Da mesma forma, o relato, mostrando a
fiscalização dos inspetores, parece ter produzido o efeito esperado pelo jornal que
era o de aumentar a revolta e tornar a greve ainda mais forte:
“A Secretaria de Educação vem determinando aos inspetores que verifiquem quais os grupos escolares que estão fechados. Alguns desses inspetores sem muita afinidade com a vida escolar, foram mais longe e coagiram as professoras. Elas não aceitaram a intimação de voltarem às aulas.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)
212 “A tensão e o medo, no entanto, acompanham estas práticas festivas que surgem neste
momento como um mecanismo de se burlar esses sentimentos criados pela greve”. (Blass, 1992, p. 162). “A greve é um movimento de ruptura mesmo; se faz coisas inesperadas - depoimento de uma bancária.” (Blass, 1992, p. 164).
168
O incentivo à revolta é uma postura incoerente do jornal, mas ele não
podia omitir a participação das professoras, mesmo que tentasse anular sua
subjetividade e essa contradição, aliada à compreensão da especificidade de um
movimento coletivo revelou o que ele tentava esconder o tempo inteiro - as
diferenças e os conflitos no movimento sob aparência de harmonia. A assembléia
que colocou fim à greve não foi tranqüila. Foi preciso o uso da persuasão, dos
discursos retóricos das autoridades, principalmente do bispo auxiliar de Belo
Horizonte, D. Serafim Fernandes de Araújo, para que a assembléia aceitasse
voltar às escolas e fechar o ano letivo.
Na circunstância, as professoras estariam assumindo um recuo tático,
manifestando docilidade e obediência para conseguirem o aumento pretendido. É
a utilização do consentimento, que conforme Chartier (1995, p. 42), está
presente na ação de transigir, como um mecanismo eficaz e consciente de reagir
à dominação. Esta explicação possibilita pensar a ação das professoras,
elaborando respostas individuais e ou coletivas que envolvem tanto a recepção
passiva quanto ativa às contradições sociais. Elas estariam usando o recurso de
aceitar normas, dando aparência de obediência e submissão, como um recuo
tático para se ganhar tempo e conseguir alcançar os objetivos desejados. Usando
essa interpretação e aplicando-a ao caso específico das professoras primárias,
mineiras é possível entender o que, a princípio, pode ser tomado apenas como
obediência e submissão.
“As educadoras diante da nova situação criada com o decreto governamental ajustaram-se a ela dando imediato cumprimento à deliberação do governador Bias Fortes. Sob orientação das diretoras e das orientadoras técnicas ultimarão, ainda hoje, esses trabalhos, a fim de que o Código do Ensino Primário de Minas possa ser cumprido terminando o ano letivo, amanhã, dia 25, também em conformidade com a decisão governamental. Este capítulo dos trabalhos escolares inclui decisão da Associação de Professores, visando colaborar no máximo com o Governo, para que os meninos não fossem prejudicados” (O DIÁRIO, terça-feira, 24 de novembro de 1959)
O tornar-se professora foi e continua sendo uma construção social, uma
ação educativa, da mesma forma como não se nasce mulher, mas se torna
169
mulher213, assim como é também socialmente que se faz homem. O exercício do
magistério, tal como o de outras profissões é uma construção histórica com vistas
à diferenciação de papéis masculinos e femininos de acordo com aptidões aceitas
como naturais. Esta construção social de gêneros, entendida sempre de forma
relacional, criou expectativas de diferenciação no exercício profissional de homens
e mulheres. Das mulheres espera-se, até os dias atuais, um exercício profissional
marcado pelos atributos estereotipados de natureza feminina, manifestando
fragilidade, docilidade, sensibilidade e obediência. O conhecimento dos
mecanismos de dominação, expressos em formas simbólicas, contribui para que
os dominados, no caso as mulheres, aparentem submissão, mas na apropriação
dos discursos usam o consentimento, revertendo-o e transformando-o em
instrumento de resistência. Nesse sentido, apropriação não implica em aceitação,
mas é recurso de subversão da relação de dominação, manifestando aparente
docilidade para atingir os objetivos pretendidos214. Um indício de que as
professoras não aceitaram passivamente os resultados da negociação é a
manifesta insatisfação em relação ao aumento, que apesar de dobrar o salário,
não veio de acordo com a reivindicação encaminhada ao governo.
213 “Gênero e classe não são também elementos impostos unilateralmente pela sociedade,
mas com referência a ambos supõe-se que os sujeitos são ativos e, ao mesmo tempo, determinados, recebendo e respondendo às determinações e contradições sociais. Daí advém a importância de entender o fazer-se homem ou mulher como um processo e não como um dado resolvido no nascimento”. (Louro, 1992, p.57).
Diversos estudos de gênero na História da educação trabalham a naturalização nas construções das diferenças de masculino e feminino. Louro, 1992, 1989, 1997; Teixeira Lopes, 1991b; Muniz, 1992, 1998, entre muitos outros.
214 Chartier,1994, p. 109.
170
“Protestando contra a tabela de aumento a ser concedida pelo governo do Estado (8500), o professorado, depois de quatro horas e 10 minutos de assembléia geral, concordou em aceitar a decisão do Governador Bias Fortes. Vários oradores se fizeram ouvir, todos concitando o professorado a aceitar o atual aumento desde que não há na história sindical ou de greves, movimentos reivindicatórios que culminassem com o aumento de 107% como o atual. Coube ao deputado Renato Azeredo, em nome do governo, comunicar a decisão. As professoras receberam com protestos. Posteriormente, um a um, os oradores realçaram a necessidade de manter coeso o professorado, sugerindo que acatassem a decisão do Governador Bias Fortes, tomada graças à mediação do Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, D. Serafim Fernandes de Araújo. Ao final a presidente da Associação de Professores Primários revelou seu pensamento e recebeu o apoio e as aclamações gerais, sendo aprovada a nova tabela” “PROTESTO - As educadoras receberam com protestos o não atendimento do aumento de três letras e o fato da diferença de padrão ser de apenas trezentos cruzeiros. Houve protestos ainda contra o Secretário de Educação, havendo manifestação geral pela sua saída da pasta. O deputado Jorge Ferraz defendeu o Sr. Ciro Maciel e comunicou que a Assembléia Legislativa cuidará do abono das faltas.” (grifos meus) (O DIÁRIO, quarta-feira, 2 de dezembro, de 1959)
Depois de conseguirem o aumento as professoras ainda encontravam-se
insatisfeitas, num claro sinal de que se mantinham coerentes com as
reivindicações anteriores de isonomia salarial com os militares. Esse parece ser
um indício, no meio de tantos outros, de que as professoras não apenas
delegaram à associação o poder de lutar por elas, mas assumiram coletivamente
a luta. O texto jornalístico revelou o protesto na aceitação da proposta de
aumento, quase duas semanas após o término da greve.
Os fatos registrados no jornal trouxeram à tona a consciência política e
não somente uma reivindicação salarial das professoras. Elas, com a greve, não
só demonstraram reconhecer no salário um direito e o reconhecimento
profissional, como negaram o discurso do poder com objetivos claros de
cooptação feito pelo governador de Minas após a deflagração da greve:
171
“(...) o meu governo teve particular cuidado com a nobre classe (...) Tudo isto relembro para salientar que as professoras primárias sempre me mereceram apreço e simpatia, tanto por constituírem a maior parcela dos servidores do estado, como pela elevada missão de que se acham investidas na formação intelectual e cívica da juventude mineira. (...) Assim, por espírito de justiça, a nobre classe não haverá de negar o distinto tratamento que o meu governo sempre lhe dispensou, o sentimento de moderação que é o traço marcante das professoras mineiras está a indicar que qualquer ato destoante dessa conduta não pode encontrar ressonância no seio do magistério primário, hoje, como sempre, exemplo das mais elevadas virtudes que concretizariam aquelas que têm a sagrada missão de educar (...) Com a deflagração da greve, o aspecto da questão sofreu modificações, uma vez que o poder público não deve nunca agir sob coação.” (grifos meus) (O DIÁRIO, quarta-feira, 18 de novembro de 1959)
O discurso contém artifícios simbólicos usados para reproduzir interesses
da dominação, apresentando as normas e comportamentos adequados às
professoras como mulheres, tendo seus papéis delimitados pela construção social
de gênero. É o discurso de persuasão utilizado pelo poder político e/ou
religioso215, instituindo e reafirmando as imagens da dominação. Estes discursos
repetem e reiteram símbolos: “nobre classe”, “elevada missão”, “elevadas
virtudes”, “sagrada missão” na tentativa de manter a conformação, a moderação e
a submissão, apontando para a honra e distinção simbólica dos papéis sociais
reservados aos professores. Ser honrado, distinto, homenageado deve trazer
como resultado a aceitação dos salários pagos pelo Estado.
O governo expressava pelo discurso seu apreço às mestras, esperando
delas obediência, respeito às normas, compreensão e reconhecimento às atitudes
paternalistas. A resposta dada pelas professoras não foi a esperada, mas a
transgressão e subversão da ordem, obrigando o governador a declarar, ofendido:
“O poder público nunca pode agir sob coação”216. Agindo de forma autoritária, o
governo reconheceu a greve e, conforme já foi visto, decretou o final do ano letivo.
215 “Ao educador caberia dirigir as crianças, instruí-las e educá-las, e fazê-las cuidar da
saúde, ao mesmo tempo desenvolver o espírito infantil com a moral cristão... (...) neste processo educativo o professor é considerado apóstolo cheio de abnegação”. (Costa, 1989, p. 51).
216 O DIÁRIO, quarta-feira, 18 de novembro de 1959.
172
Ele não esperava a insubmissão das professoras mineiras, sempre cordatas em
situações anteriores.
As representações coletivas, presentes no discurso do poder, cumpriam,
ontem como hoje, o papel de socialização permanente e a reafirmação de valores
dominantes. Elas se propagam utilizando a escola como instância de educação
formal, mas também as diversas instituições de poder na sociedade, incluindo o
jornal217. A sociedade, ao incorporar essas representações simbólicas, torna-as
legítimas e duradouras e isso explica a permanência das imagens, impondo a
dominação. Contraditoriamente, do mesmo modo que elas adquirem uma certa
permanência pela construção simbólica e lingüística, as mesmas representações
tornam-se passíveis de reconstruções. Daí a importância do conceito de
apropriação de Chartier (1990, p.136-137) no qual “a aceitação das mensagens e
dos modelos opera-se sempre através de ordenamentos, de desvios e de
reempregos singulares que são o objeto de fundamental de uma história cultural.”
Este conceito foi enunciado remetendo às recepções da leitura mas, segundo o
autor, pode ser aplicado a qualquer situação que implique na apropriação de
textos:
“Ao pressupor correspondências demasiado simples entre níveis sociais e horizontes culturais, ao captar os pensamentos e as condutas nas suas expressões mais repetitivas e mais redutoras, tal perspectiva falha no essencial, que é a maneira contrastante como os grupos ou os indivíduos fazem usos dos motivos ou das formas que partilham com os outros.(...) Pensar deste modo as apropriações culturais permite também que não se considere totalmente eficazes e radicalmente aculturantes os textos ou as palavras que pretende moldar os pensamentos ou condutas”. (Chartier,1990, p. 136)
O que leva à compreensão de que os discursos e as práticas que eles
instauram não são iguais e não correspondem às percepções em termo das
217 A pesquisadora Eliane Marta apresenta em seus trabalhos uma série de discurso com o
mesmo sentido religioso com a finalidade de produzir a conformação feitos por autoridades, educadores, revistas pedagógicas e até mesmo pela presidente da Associação das Professoras, Marta Nair Monteiro, como o que retirou do jornal Estado de Minas e que serve como exemplo: “Ser professor é estar acima de uma simples profissão: é um eterno dar-se, um constante servir com amor, paciência e abnegação. Alicerce da sociedade, insubstituível plasmador de caracteres, é no professor primário que repousa todo o futuro da nação ” (Teixeira Lopes, 1998, p. 50).
173
divisões homogêneas e artificiais como a de classes sociais, desconsiderando os
múltiplos mecanismos de diferenciação implícitas nas subjetividades de recepção.
Para isto é preciso pensar nas duas pontas do processo de produção de práticas
de representação, os contextos onde os discursos são produzidos e recebidos. É
neste sentido que os movimentos sociais como contextos de ação individual e
coletiva, são ideais para a percepção das contradições. Neles os conflitos ficam
mais visíveis e os indivíduos ou grupos se descobrem protagonistas da ação, ao
desvendarem os mecanismos simbólicos de dominação. Isto não significa que
esta compreensão é igual e duradoura para todo o grupo, uma vez que novos
mecanismos de poder são engendrados, provocando na história um movimento
pendular de permanências, mudanças e descontinuidades.
As professoras no movimento de 1959, ou uma parcela delas, parecem
ter percebido as contradições e os conflitos de representação que vivenciavam. A
luta era portadora de dois sentidos: o de conservar o prestígio do magistério,
valorizando os aspectos simbólicos e o de conquistar um salário compatível com a
importância social da profissão218. Neste contexto, existia duas representações em
conflito, a primeira remetendo ao prestígio profissional, relacionado à missão e ao
sacrifício e a segunda, na exigência de uma remuneração adequada, garantindo
uma atitude profissional219. As palavras, missão e apostolado, marcando a
recompensa espiritual e a alteridade, sem retribuição temporal e terrestre, foram
contrapostas ao salário que deveria garantir o reconhecimento e a valorização
profissional.
A greve de 1959 já era uma negação do discurso da homenagem e do
poder e ela já estava aparente desde o movimento de Desagrado em 1954. Lá
um grupo de professoras alertou a Associação para a negação, naquele ano, da
comemoração do dia da mestra, uma vez que elas se encontravam lutando por
218 “Não se pode esquecer que ‘a própria noção de profissionalização tem sido muito
importante não somente para o professorado em geral mas para as mulheres em particular’.” (Louro, 1997. p. 473).
219 “As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupos que as forjam. Daí para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza”. (Chartier, 1990, p. 17).
174
melhores salários. A negação do dia implica em negar o seu significado simbólico:
“Parte do professorado belo-horizontino vem de prevenir à associação o desejo de que, este ano, o Dia da Professora Primária não seja comemorado, já que a classe se encontra em situação de expectativa à espera de melhores vencimentos. Algumas professoras desejam mesmo que a data de 30 de outubro, em que se comemora o ‘Dia da Professora’ seja considerado ‘dia de luto’ para a classe em Minas.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 24 de outubro de 1954)220
Em 1959 a mesma negação foi mantida, como pode ser visto nos
comentários aos discursos feitos na Câmara dos deputados na comemoração do
dia das professoras:
“PALAVRAS APENAS
- A srta Marieta Houri assinalou que há poucos dias, quando se comemorou o Dia das professoras os deputados fizeram pomposos discursos exaltando o trabalho dedicado das mestras e a sua importância para o progresso da nação. Porém – afirmou – ‘na tramitação do projeto as palavras bonitas proferidas dias antes foram esquecidas e as professoras relegadas a uma situação infra-humana’. Em seguida fez um paralelo sobre várias categorias de funcionários para demonstrar a injustiça de que foram vítimas.” (grifos meus) (DIÁRIO DA TARDE, 7 de novembro de 1959)
“Palavras apenas”, usadas no subtítulo do Diário da Tarde, vêm
demonstrar como as professoras rejeitavam a comemoração e também os
discursos nos quais predominavam as expressões estereotipadas e lugares
comuns. Esses quando muito repetidos acabam esvaziados de sentido
principalmente se os receptores dos discursos rejeitam ser objetos e se tornam
sujeitos de suas ações. A proposta de trocar o dia da professora pelo dia do
luto foi uma primeira tentativa feita em 1954, de denúncia da relação de
dominação implícita nos discursos laudatórios. Em 1959 foi dado um passo
maior, quando as professoras não apenas denunciaram, mas foram à luta. As
professoras mineiras saíram em 1959, da passividade para a denúncia. Foram
220 Neste ano como em vários anos até final da década de 1950 encontrei no jornal a
comemoração do dia do professor secundário no dia 15 de outubro e o da professora primária no dia 30.
175
à luta dispostas a demonstrar o cansaço de serem elegantes, cordatas e
serenas221.
221 “Dizendo-se cansadas de serem cordatas e serenas as professoras primárias do estado
decidiram após movimentada assembléia realizada ontem na sede da entidade que congrega a classe arregaçar as mangas e entrar rijo na luta em prol de um melhor salário. E ameaçaram entrar inclusive em greve para obrigar o governo a lhes dar um tratamento mais justo. Já que no projeto recentemente aprovado pela assembléia Legislativa foram relegadas a um plano secundário”. (DIÁRIO DA TARDE, sábado, 7 de novembro de 1959. Rebelião do Ensino).
176
É certo que as grevistas em 1959, assim como as professoras no
movimento anterior de 1954 não romperam com o passado de dominação, mas
elas se mostraram capazes de decodificar o mecanismo de dominação contido
nos discursos do poder e de assumir a atitude de negá-los e denunciá-los. Uma
das formas de negação de um discurso é a não aceitação do que “dizem sobre
elas”222 o que significa também a negação do que “dizem para elas”. É o que
faz a diferença entre ser sujeito ou objeto da representação. E é este o
entendimento de apropriação de Chartier (1990), na visão de que os discursos
não são somente aculturantes e nem provocam as mesmas reações, porque
os sujeitos recebem de diferentes formas as mesmas mensagens.
A representação223 aqui não está tomada como mero reflexo no espelho,
mas implica em perceber o poder que está contido no ato de representar e a
sua apropriação implica no domínio, decodificação, aceitação ou negação do
conteúdo do discurso. E é possível pensar que uma parcela das professoras,
em 1959, pelo menos aquelas que lutaram quase diariamente, e não o conjunto
das professoras do Estado de Minas Gerais, tenha compreendido e negado o
discurso simbólico da dominação, descobrindo-se protagonistas das suas
ações.
O reconhecimento social e o papel das professoras mineiras na greve
ficaram acentuados no discurso feito pelo Padre Lage:
“Foi-me pedido pelo O DIÁRIO uma declaração da greve das professoras. Posso declarar com simplicidade que o movimento superou minha expectativa. Confiava na união e compreensão das mestras; mas as horas que vivemos juntos neste trabalho me revelaram o grande potencial de virtudes
222 O que se que dizer é que é necessário compreender que a representação se dá numa
relação de poder e é constituída sempre em relação ao outro. (Silva, 1995). 223 O conceito de “representação”, tal como usado neste contexto, opõe-se ao de
representação contido na concepção de linguagem como mero reflexo no espelho de uma realidade anterior e independente do discurso que a nomeia, uma concepção que Stuart Hall chama de “teoria mimética de representação”. (SILVA, 1995, p. 198). É também a forma como Chartier (1990, p.136) propõe o entendimento da apropriação. Todo discurso não deve ser visto como radicalmente aculturante, nem capaz de moldar os mesmos pensamentos ou condutas, porque existem diferenças entre as formas como os sujeitos recebem e reagem às mensagens.
177
cristãs que possuem; um perfeito sentimento de sua dignidade, um desinteresse absoluto pelas suas próprias pessoas, uma plena entrega ao trabalho, uma enorme esperança na vitória. O Estado de Minas está de parabéns: possui realmente as professoras que merece. Compete ao governo sentir este potencial de energia e valorizar o grande patrimônio feminino das ensinantes (sic). Com gente assim a vitória é certa.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)
As palavras do Padre Lage, reveladoras de um ideário religioso, não
deixam, no entanto de valorizar a ação efetiva das professoras, dando à luta o
sentido de conquista, colocando as professoras como sujeito. O Diário da Tarde,
transcrevendo parte do discurso do Padre Lage, feito na assembléia, onde foi
retirada a greve, captou de forma mais veemente o sentido das professoras
assumindo atitudes de protagonistas da história:
“Vocês estão escrevendo uma página brilhante na história da Pátria, defendendo o direito natural de todas. Vocês serão vitoriosas porque o governo jamais derrotaria uma massa humana como esta que presenciamos cheia de entusiasmo e vontade de lutar.” (O DIÁRIO DA TARDE, terça-feira, 17 de novembro de 1959)
Energia, entusiasmo, vontade de lutar e esperança, palavras retiradas da
fala do Padre Lage, revelam e acentuam o reconhecimento das professoras como
sujeito. A subjetividade que leva à participação coletiva, manifestando desejos e
vontades e a emergência da sua autonomia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A leitura do jornal O DIÁRIO durante a greve das professoras primárias
mineiras, apresentou desde o início a necessidade de se reportar a uma época e a
um determinado contexto histórico. Era um período de profundas mudanças no
país. Vivia-se um processo de modernização, de transformação industrial e de
urbanização com a ajuda do capital estrangeiro. Os conflitos sociais se
acentuavam e eram freqüentes as greves em vários setores. Neste quadro, os
meios de comunicação se renovavam e ganhavam novo impulso. Surgia a
televisão, embora seu uso fosse ainda restrito às famílias de maior poder
aquisitivo, o cinema, por outro lado, estava presente até nas menores cidades do
interior, tendo sido este espaço ocupado, posteriormente, pela televisão.
Hollywood exportava modelos culturais e apresentava novas perspectivas de vida
para as mulheres das camadas médias. O charme e o glamour das atrizes
influenciavam o comportamento das mulheres. As pessoas pertencentes às
camadas médias da população passaram a consumir novos produtos importados
ou mesmo fabricados pela indústria nacional emergente, como eletrodomésticos
que facilitavam a vida da mulher no lar, ao passo que os novos cosméticos
prometiam charme e glamour. Esta não era uma revolução que apresentava às
mulheres o caminho da emancipação, o feminismo de fato só iria ganhar as ruas
nos Estados Unidos na década seguinte. O que já se percebiam, entretanto, eram
transformações que afetavam o modo de ser provinciano, provocando o
encantamento e a imitação do modo de vida americano, puritano, mas sedutor.
Mas, afinal, onde se quer chegar com a descrição desse quadro de
época? As professoras, como mulheres, eram afetadas por este novo modelo,
basta observar atentamente as fotografias da sua greve em 1959 e verificar como
muitas delas usavam óculos escuros, mesmo em ambiente fechado como o das
assembléias. O DIÁRIO não as mostrava isoladamente, mas quase sempre no
coletivo. Já no jornal O Diário da Tarde elas eram apresentadas vestindo modelos
da moda e acessórios elegantes, como sapatos de salto e bolsas. É fácil inferir
desta descrição que o ideal feminino restrito ao lar começava a sofrer abalos e as
mulheres, pelo menos às dos centros urbanos, adquiriam desejos de consumo,
179
não apenas de novos objetos que lhes facilitassem a vida no lar, mas também de
cosméticos e produtos que prometiam acentuar a beleza feminina. Mesmo que O
DIÁRIO não apresentasse com detalhes esse perfil feminino, isto pode ser
deduzido pelas propagandas, apresentando os produtos dos grandes magazines
e perfumarias.
Essas transformações provocadas pelo consumo modificavam a forma de
viver das famílias de classe média. Embora não se possa afirmar, devido à
ausência da memória oral das professoras, foi fácil perceber pelos indícios
apontados nas fotografias que uma das razões da insatisfação com baixo poder
aquisitivo dos salários não era devido apenas à inflação monetária, mas a
alteração na cultura. Conforme Luiz Pereira (1969) já demonstrava em sua
pesquisa, o salário da professora nos meados do século era importante para a
manutenção do padrão de vida das famílias e tinha relação com a crescente
queda do poder aquisitivo da classe média. Por esse quadro pode-se inferir que a
greve de 1959 possivelmente era, também, movida pelas mudanças culturais que
começavam a afetar a vida das mulheres. Elas já se apresentavam em público
desinibidas e mais semelhantes às imagens femininas criadas pela publicidade
nascente e com diferenças marcantes da representação tradicional da professora
como solteirona, compenetrada, usando vestes sóbrias das primeiras décadas do
século XX. As mais novas não mais escondiam o corpo esguio e a cinturinha
fina bem marcada pelas amplas saias rodadas e que já deixavam as pernas
descobertas.
As mudanças culturais não afetavam apenas a imagem da mulher, mas
interferiam paulatinamente na sua própria forma de ser e de se perceber feminina,
distanciando do modelo da professora das primeiras décadas do século XX,
cerceadas pelos rígidos regulamentos de conduta. Também é preciso
compreender que as mudanças não atingiam as professoras de forma
homogênea, continuava existindo diferença, às vezes acentuada, entre grupos
relativos à idade, à origem social, ao meio urbano ou rural. O que procuro
acentuar é que essa mulher que se renovava no bojo da nova sociedade de
consumo era influenciada por uma nova estética que lhe modificava os valores
tradicionais. Ela provavelmente deixava de ser totalmente abnegada e pronta a
180
servir e a sacrificar-se, e passava a preocupar-se com sua imagem, da mesma
forma como sonhava e desejava para si e sua família uma nova vida de conforto.
Emergia uma outra forma de vida que não condizia com os salários pagos
naquela época e que continua até os dias atuais dificultando o acesso do conjunto
dos professores, não somente aos bens de consumo essenciais, como também
aos culturais, indispensáveis à formação e ao aprimoramento intelectual.
Nas reportagens e imagens do jornal e até mesmo na publicidade, foi
possível observar as transformações culturais que afetavam as professoras. Na
sua ação compreende-se como elas assumiam-se como sujeito de vontade e
desejos pessoais na forma como lutavam e desafiavam o poder para atingir os
objetivos coletivos. Neste sentido, o estudo da greve me pareceu importante não
apenas pelas conquistas econômicas alcançadas, mas pela possibilidade de
compreender essas mudanças, mesmo que elas não atingissem de imediato o
conjunto das mulheres do Estado e dos centros urbanos.
A história demonstra que as transformações não ocorrem por rupturas, o
passado persiste no presente. Por isso é necessário observar, de um lado, as
limitações dessas mulheres, a maioria educada na resignação, conformação e
sacrifício. Por outra perspectiva, e este parece ser o grande mérito da luta do
magistério em 1959, elas conseguiram superar, pelo menos em parte, a
acomodação, demonstrando coragem para desafiar a legislação da época que
considerava ilegal a greve do funcionalismo público. Poderia, ser argumentado, no
entanto, que elas só teriam agido de forma aguerrida por causa do apoio dado
pela Igreja Católica e, na verdade, pela adesão masculina, representada na
sociedade pelos sindicatos, partidos e estudantes universitários. Mas se fixarmos
no momento crucial da deflagração da greve, foi visto como estes atores agiram
de forma a tentar moderar, conter e conciliar os interesses das professoras,
tentando até o último instante obter um sinal de transigência do governo. Houve,
é certo, tentativas de protelar a greve. Os interesses de conciliação partiam tanto
dos representantes da igreja como dos deputados governistas que não queriam
se indispor com a opinião pública que se manifestava a favor das professoras.
Elas demonstraram perceber a situação e permaneceram firmes na proposta de
greve imediata, apesar da atitude acuada e vacilante das suas lideranças, como O
181
DIÁRIO deixou entrever e ficou confirmado na narrativa do Diário da Tarde.
A busca da subjetividade e da heterogeneidade do grupo não impede que
se concorde com a historiografia sobre a socialização da mulher professora que
busca demonstrar a permanência no que resta, ou no que insiste em ficar, porque
é pregnância. Na verdade, é impossível um rompimento abrupto com uma
estrutura de dominação e um ethos de formação pela compreensão da lentidão
das mudanças que envolvem a construção/desconstrução do ser mulher ou ser
homem na sociedade. As transformações pressupõem não apenas apropriações
particulares, mas necessitam ser compreendidas pelas estruturas complexas e
solidificadas de poder que, por se revelarem difusos, não permitem uma única
forma de resistência, mas pressupõem pequenas mudanças, individuais e
coletivas, ocorrendo em lugares, tempos e grupos distintos. Existe também a
dificuldade da sua captação, uma vez que elas atingem, de forma desigual, o
coletivo das professoras, pela diversidade dos grupos com vivências e capital
cultural variados.
Uma demonstração da importância adquirida pelo movimento das
professoras e da suas associações representativas, mas principalmente da
APPMG, era a disputa que parecia estar sendo travada nos bastidores entre
grupos de tendências antagônicas como a Igreja, o Partido Comunista e o
trabalhismo, o que resultou numa composição, ironicamente denominada
comissão neutra. Tanto a Igreja quanto o partido comunista, ou os trabalhistas, ou
melhor dizendo, todos os homens, de uma forma geral, ainda faziam restrições à
ocupação do espaço público pela mulher. Mas parece também que o crescimento
e as proporções adquiridas pelo movimento das mulheres forçava-os a
reconhecer-lhes a força, gerando o conflito pelo controle da Associação.
Ao tomar as professoras como sujeito da ação e objeto da pesquisa não
tinha o propósito de desmerecer as entidades representativas ou a ação das
lideranças eliminando seu importante papel na organização coletiva. O que se
constatou, muitas vezes, foram as presidentes da Associação superando os
limites impostos pela própria característica da organização, indo além da
subserviência e conivência com o poder para a resistência em resposta às
182
pressões dos representados.
A fonte escolhida, o jornal de orientação católica, traduziu a permanência
dos poderes dominantes, tentando orientar e dirigir os movimentos sociais,
propugnando suas concepções e valores, permitindo compreender como as
instituições públicas permaneciam naquele tempo e nos dias atuais, tentando
controlar, impor discursos normativos sobre condutas privadas e públicas das
pessoas, em especial das mulheres. A perspectiva de encontrar as mulheres
atuantes e como sujeito, e não apenas coadjuvantes, foi central no estudo e
parece ter mostrado um lado pouco conhecido na história das professoras, o que
permitiu a interpretação, pelo menos naquele contexto, de seu papel não apenas
como receptoras passivas e acomodadas aceitando o discurso da dominação,
mas a consideração da diferença nas apropriações dos discursos, mesmo que
eles não tenham provocado transformações imediatas nas posturas políticas do
conjunto das professoras do Estado.
A fonte pesquisada demonstrou potencialidades e limites. A escolha de O
DIÁRIO permitiu captar as representações sociais e coletivas de uma época,
mostrando nas reportagens a importância social das professoras primárias como
elas absorveram e administraram a representação social que lhes era favorável.
Isto ficou claro nas falas da liderança. O limite está, em parte, na escolha da fonte,
que apesar de conter um farto material para a análise possui, como todo
documento, uma classificação dos acontecimentos do ponto de vista do(s)
observador(es). O jornal, neste caso, deixava aparente apenas o que era de seu
interesse, o que não impediu a captação das imagens que projetavam sobre as
professoras nos explícitos da narrativa, mas também nos encobertos pelas
omissões e contradições dos discursos.
O estudo foi proposto como uma interpretação na perspectiva cultural
para revelar representações das e sobre as professoras, possibilitando o
reconhecimento da diferença ou da construção de poder na relação social de
homens e mulheres. Foi a partir desta compreensão que surgiu a necessidade de
adotar a noção de gênero, como categoria de análise e a de abandonar os
aportes teóricos clássicos que negam a apreensão das diferenças, do subjetivo,
183
na história. Os resultados do estudo permitiram a interpretação do papel das
mulheres como ativa e protagonista da sua história, contribuindo para desvelar
contradições sociais, permitindo repensar o presente.
Esta pesquisa, como qualquer outra, não poderia ser neutra, mesmo que
ao(a) pesquisador(a) seja necessária a manutenção de distanciamento crítico.
Nela foi preciso manter uma vigilância constante em busca da objetividade pela
consciência de que me encontrava presente nela como sujeito da investigação e
também como objeto da pesquisa, como mulher e professora. Em vários
momentos vivenciei o conflito e me questionei quanto à idealização da
mobilização de 1959 pelo desejo de encontrar aquelas mulheres como sujeito e
não objeto, vitoriosas e não vítimas, protagonistas e não coadjuvantes, resistindo
e não apenas aceitando a opressão como normalmente é veiculado pela história.
A pesquisa é apenas uma entre muitas possibilidades de se ler,
interpretar e escrever a história das professoras primárias. Na produção atual da
história da educação, tanto os estudos que procuram reconhecer os aspectos da
socialização de homens e mulheres como os que buscam as resistências
possíveis ao poder, podem contribuir para que as professoras e mulheres,
constituindo a maioria no sistema educacional, se reconheçam como
protagonistas e possam sair da passividade provocada pelo desconhecimento de
que as mudanças na realidade social e na valorização da educação são
conquistas a serem alcançadas pela organização coletiva.
Na investigação ficou clara a necessidade de se pesquisar as lacunas e
os silêncios na história da profissão docente e, de forma especial das professoras
do Ensino Fundamental. O estudo das Associações de Professores Primários
deve merecer mais atenção, levando-se em consideração a sua importância no
lançamento das bases para a organização dos atuais sindicatos de professores e
inclusive a atual Confederação Nacional dos Trabalhadores de Ensino - CNTE.
Numa proposta de análise da história da organização da profissão docente, Nóvoa
(1995), a partir da realidade de Portugal, aponta a constituição em Associações
como uma importante etapa na profissionalização do magistério. Essas
associações necessitam ser observadas em seus limites históricos, como por
184
exemplo o impedimento legal de sindicalização de funcionários públicos. Seu
estudo pode contribuir para explicar a persistência de comportamentos
conservadores na categoria como a idéia de união, solidariedade,
assistencialismo, doação e do movimento assumido apenas por um pequeno
grupo de militantes ou pelos dirigentes eleitos. O tema da organização da
profissão docente com origem nas associações torna-se relevante também, na
medida em que se pode constatar hoje a dificuldade na catalisação de interesses
coletivos, pela descrença na eficácia das greves como conseqüência da perda de
poder de negociação dos sindicatos e o enfraquecimento que decorre da nova
reestruturação do capitalismo. A recuperação dessa história poderá contribuir para
mudanças na formação inicial e contínua dos professores em geral,
principalmente se conjugadas às atuais preocupações nas políticas de
profissionalização docente.
FONTES
O HORIZONTE, Belo Horizonte 1923-1934.
O DIÁRIO, conhecido como O Diário Católico. Belo Horizonte 1935-1970.
Consulta no período de maio a 30 de dezembro de 1954.
Consulta no período de outubro a 30 de dezembro de 1959.
ESTADO DE MINAS E DIÁRIO DA TARDE. Belo Horizonte.
Consulta no período de 1º de novembro a 30 de dezembro de 1959.
O DIÁRIO REDIVIVO. Edição histórica promovida pela Associação Mineira de Imprensa (AMI). Editores Adival Coelho de Araújo e Pedro Mesquita, Belo Horizonte, 6 de fevereiro de 1998. (Edição Comemorativa)
Artigos:
1. ALMEIDA, Guy. Tempos passados: tempos presentes, p. 10.
2. ALMEIDA Isis. O Diário e eu, p. 9.
3. ANTUNES, Oswald. O Diário: humanismo integral ainda vivo, p. 11.
4. CORRÊA, João Batista de Assis. “E os seus não o receberam”, p. 9.
5. ETIENNE FILHO, João. João Etiene Filho por ele mesmo. Depoimento extraído do livro “Memórias do jornalismo mineiro”, p. 12.
6. MENDONÇA, José. Breve História de uma longa paixão, p. 3
BH100 anos: nossa história. Encarte das edições de segunda-feira do Estado
de Minas de setembro a dezembro de 1996. Com apoio da Prefeitura de Belo
Horizonte e Petrobrás.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Jane Soares. Mulher e Educação: a paixão pelo possível. São Paulo: UNESP, 1998.
ANJOS, Cyro Versiani dos. O amanuense Belmiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979.
APPLE, Michael W. Trabalho Docente e Textos: Economia Política das Relações de Classe e Gênero em Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
ASSUMPÇÃO, Maria Madalena Silva. Magistério Primário e cotidiano escolar. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 1996. (Polêmica do Nosso Tempo).
BENJAMIN, W. Magia e Técnica, arte e Política: ensaios sobre a Literatura e a História da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. vol.1. Pequena História da Fotografia, p. 91-107.
BESSE, Susan K. Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de Gênero no Brasil, 1914-1940. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1999.
BLASS, Leila Maria da Silva. Estamos em greve! Imagens, gestos e palavras do movimento dos bancários, 1985. São Paulo: Hucitec, Sindicato dos Bancários de São Paulo, 1992.
BONACINI, Irma Luiz. A maior aula em praça pública, trabalho política e imaginário das professoras primárias em Minas Gerais (1979-1980) Campinas: Faculdade de Educação da Unicamp, 1992. (Tese, Doutorado em História e Filosofia da Educação).
BOURDIEU, P. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Lisboa: Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
BRUSCHINI, Cristina, AMADO, Tina. Estudo sobre a mulher e a educação. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 64, p. 4-13, fev.1988.
CASTRO, Maria Céres Pimenta S. et al. Folhas do tempo: imprensa e cotidiano em Belo Horizonte 1895-1926. Belo Horizonte: UFMG, Associação Mineira de Imprensa, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, 1997.
CASTRO, Pedro. Greve: fatos e significados. Rio de Janeiro: Ática, 1986. (Col. Princípios).
187
CAVALHEIRO, Hemengarda de Carvalho. A organização dos professores públicos e a realidade brasileira; uma perspectiva histórica e sindical e dois estudos de caso. APPMG e UTE. Porto Alegre: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da PUCRS, 1989. (Dissertação, Mestrado em Sociologia).
CHARTIER, Roger. A aventura do livro do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP, 1998.
____. Crítica Textual e história cultural – o texto e a voz, séculos XVI e XVII. Leitura: Teoria e Prática, São Paulo: ALB: Mercado Aberto, n. 30, p.67-75, dez. 1997.
____. Diferenças entre sexos e dominação simbólica (nota crítica). Cadernos pagu – fazendo a história de mulheres. Campinas/São Paulo, Núcleo de Estudos de Gênero Pagu 4, 1995.
____. A História Hoje: dúvidas, desafios, propostas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 7, n.13, p. 97-113, 1994.
____. O mundo como representação. Estudos avançados, São Paulo, Instituto de Estudos Avançados, USP, v. 5, n. 11, p. 173-191, jan/abr.1991.
____. A História cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel; São Paulo: DIFEL; Bertrand Brasil, 1990.
CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1989.
CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. São Paulo: Ática, 2000.
COSTA, José Raimundo Lisbôa da. Pastoreiros e combates: ordem, classe operária e história nas representações de “O Horizonte: 1923/1934”. Belo Horizonte: Faculdade de Educação da UFMG, 1989. (Dissertação, Mestrado em Educação).
DA MATTA, R. Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
DEMARTINI, Zeila. B., ANTUNES. Magistério primário, profissão feminina, carreira masculina. Cadernos de Pesquisa, n. 86, p. 5-14, ago. 1993.
DIAS, Marco Antônio Rodrigues. O fato e a versão: um jornalista nos anos 60. Belo Horizonte: PUC-Minas, 1993.
DINES, Alberto. O papel do jornal: uma reeleitura. São Paulo: Summus, 1986.
DUTRA, E.F., GROSSI, Y. Historiografia e movimento operário: o novo em questão. Revista do Departamento de História, Belo Horizonte, n.3, p. 122-
188
129, nov. 1986.
ERICKSON, Kenneth Paul. Sindicalismo no processo político brasileiro. São Paulo: Brasiliense: 1979.
FARIA, Maria Alice. O jornal na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1996.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1910-1989. Novo Aurélio Séc. XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. totalmente reformada e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
FERREIRA, Rodolfo. Entre o sagrado e o profano: o lugar social do professor. Rio de Janeiro: Quartet, 1998.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.
____. Microfísica do poder. São Paulo: Graal, 1979.
FURTADO, João Pinto. Trabalhadores em educação: experiência, imaginário e memória sindical nos anos 80 e 90. Ouro Preto: UFOP, 1996.
GADOTTI, Moacir. Concepção dialética da educação. Um estudo introdutório. São Paulo: Cortez, 1983.
GALVÃO, Walnice Nogueira. No calor da hora – a guerra de Canudos nos jornais – 4a expedição. São Paulo: Ática, 1994.
GROSSI, Yonne de Souza. Mina de Morro Velho: a extração do homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
LE GOFF, Jacques. Reflexões sobre a História. Lisboa: Edições 70, 1992.
LE VEN, Michel e NEVES, Magda. Belo Horizonte, Trabalho e Sindicato, Cidade e Cidadania (1897-1990) In: DUTRA, Eliane F. (Org.). Caminhos Operários nas Minas Gerais. São Paulo: Hucitec/UFMG, 1981.
LINHARES, Joaquim Nabuco. Itinerários da Imprensa de Belo Horizonte: 1895-1954. Estudo crítico e nota biográfica de Maria Céres Pimenta S. Castro. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudo Históricos e Culturais, 1995.
LOPES, Maria dos Anjos. Do pátio da escola às passeatas de rua. Belo Horizonte: Faculdade de Educação da UFMG, 1987. (Dissertação, Mestrado em Educação).
LOURO, Guacira Lopes. As mulheres na sala de aula. In: PRIORE, Mary (Org.). História das mulheres no Brasil. Campinas: Contexto/UNESP, 1997. p. 443-481.
189
____. Educação e gênero: a escola e a produção do feminino. In: SILVA, L.H., AZEVEDO, J.C. Reestruturação curricular: teoria e prática no cotidiano da escola. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 172-190.
____. Uma leitura da história da educação sob a perspectiva do gênero. Teoria & Educação, n. 6, p.53-67, 1992.
____. Magistério de 1o grau: um trabalho de mulher. Educação & Realidade, Porto Alegre, n .14, p. 31-39, jul./dez. 1989.
____. Prendas e antiprendas: educando a mulher gaúcha. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 11, n. 2, p.25-56, jul.-dez.1986.
MANOEL, Ivan Aparecido. No Centenário da Rerum Novarum a doutrina Católica sobre o capitalismo. Revista da SSBPH, Curitiba, n. 7, p. 23-32, 1992.
____. Igreja e laicismo educacional: as bases do conflito. Didática, São Paulo, n. 21, p. 1-10, 1985.
____. Notas para estudo. Capítulo 1 reformulado da A diocese de Assis e seu primeiro bispo, D. Antônio José dos Santos. [s.n.t.]
MARTINEZ, Sílvia Alice. Questões de gênero e formação de professores(as) IN: CANDAU, Vera (Org.). Magistério primário: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 251-291.
MELLO, G. N. Magistério de 1o grau: da competência técnica ao compromisso político. 12. ed. São Paulo: Cortez, 1998.
MONTEIRO, Marta Nair. Meu mundo. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,1991.
MORGAN, Gareth. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 1996.
MUNIZ, Diva do Couto Gontijo. Mineiras trabalhando em silêncio; subjetividade e experiência do “fazer-se das professoras” de Minas no século XIX. Pró-Posições, v. 9, n. 1, p. 8-31, 25 de março de 1998.
NEGROMONTE, Pe Álvaro. O sacerdote e a reconquista das massas trabalhadoras para Cristo. COR – Revista Eclesiástica Brasileira, ano I, p. 753-759, 1939.
NOVAES, Maria Eliana. Professora primária, mestra ou tia. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1987.
NOVÓA, António (Org.). Profissão professor. Lisboa: Porto, 1995. Cap. 1: O passado e o presente dos professores, p. 13-34.
190
NUNES, Clarice e CARVALHO, Maria Chagas de. Historiografia da Educação e Fontes. Cadernos da ANPED, n. 5, p. 7-64, setembro de 1993.
PEIXOTO, Ana Maria Casasanta. Textos compilados para a disciplina Formação e Profissão Docente no Brasil – perspectivas históricas, 1999. (Mimeogr.).
____. Educação e Estado Novo em Minas Gerais. São Paulo: Faculdade de Educação da PUC-São Paulo, 1989. (Tese, Doutorado em Educação).
PEREIRA, Lusia Ribeiro. Da donzela angelical e esposa dedicada... a profissional da educação (A presença do discurso religioso na formação da professora) São Paulo: Faculdade de Educação da USP, 1996. (Tese, Doutorado em História e Filosofia da Educação).
PEREIRA, Luiz. O magistério primário em uma sociedade de classes. São Paulo: Pioneira, 1969.
PERROT, Michelle. Escrever uma história das mulheres: um relato de experiência. Pagu - fazendo a história das mulheres 4, p. 9-28, 1995.
____. Em que ponto está a História das mulheres na França? Revista Brasileira de Estudos Históricos, ANPUH/Marco Zero, n. 28, p. 9-27, 1994.
____. Práticas da memória feminina. Revista Brasileira de História, v. 9, n. 18, p. 9-18, 1989.
____. Os excluídos da história. Operários, Mulheres e Prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
PINTO, Milton José. Comunicação & Discurso. São Paulo: Hacker, 1999.
RAMALHO, Betânia Leite e CARVALHO, Maria Eulina P. O magistério enquanto profissão: considerações teóricas e questões para a pesquisa. Caderno de pesquisa, São Paulo, n. 88, p.47-54, fev.1994.
RIBEIRO, Maria Luiza Santos. A formação política do professor de 1o e 2o graus. São Paulo: Cortez,1984.
RIBEIRO, José Cláudio. Sempre alerta: condições e contradições do trabalho jornalístico. São Paulo: Brasiliense, 1994
ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra estado. Crítica ao populismo católico. São Paulo: Kairós, 1979.
SADER, Emir. Quando novos personagens entraram em cena. Experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970-1980). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
191
SAFFIOTI, Heleieth I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis: Vozes, 1976.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categórica histórica. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.
SILVA, Tomaz Tadeu. Alienígenas em sala de aula: Uma introdução aos estudos culturais em sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1995. Currículos e identidade social: territórios contestados, p.190-207.
SIQUEIRA, Juliana Maria. Além das Palavras além da forma. In: CASTRO, Maria Ceres Pimenta, VAZ, Paulo Bernardo Ferreira et al. Folhas do tempo: Imprensa e cotidiano em Belo Horizonte. 1895-1926. Belo Horizonte, 1997 p.71-106.
SOUZA, Aparecida Neves. Sou professor, sim senhor. São Paulo: Papirus, 1996.
STREY, Marlene Neves (Org.). Mulher, estudos de gêneros. São Leopoldo: Ed. USININOS, 1997. Mulher gênero e representação.
TAVARES, Rosilene Horta. Os trabalhadores em educação e suas formas de luta em Minas Gerais. Belo Horizonte: Faculdade de Educação da UFMG, 1995. (Dissertação, Mestrado em Educação).
TEIXEIRA LOPES, Eliane Marta (Org.) A psicanálise escuta a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. Da sagrada missão pedagógica, p. 37-70.
____. Fontes documentais e categorias da análise para uma história da educação da mulher. Teoria e Educação, Porto Alegre, n. 6, p. 53-67, 1992. (Dossiê: História da Educação)
____. Da sagrada missão pedagógica. Belo Horizonte: Faculdade de Educação da UFMG, 1991a, (Tese, Concurso de Professor Titular).
____. A educação da Mulher: a feminização do magistério. Teoria & Educação, Porto Alegre, v.14, n. 4, p. 22-40, 1991b.
TEIXEIRA, Inês Assunção de Castro. “Ritos de passagem” o fazer-se do(a) trabalhador(a) professor(a) em pedaços de História - A escola particular. Belo Horizonte: Faculdade de Educação da UFMG, 1992. (Dissertação, Mestrado em Educação)
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
TOSTA, Sandra de Fátima Pereira. A escola de comunicação da PUC-MG: Um projeto pedagógico na relação Igreja e Sociedade. Belo Horizonte:
192
Faculdade de Educação da UFMG, 1989. (Dissertação, Mestrado em Educação)
TORRES, João Camilo de. A Igreja de Deus em Belo Horizonte. s/ Editora, 1972.
TOURAINE. Criticas da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1994.
VIANNA, Cláudia. Os nós dos “nós”. Crise e perspectivas da ação coletiva docente em São Paulo. São Paulo: Xamã, 1999.
VIDAL, Diana G. A fotografia como fonte para a historiografia educacional sobre o século XIX: uma Primeira aproximação In: FARIA FILHO, Luciano Mendes (Org.). Educação Modernidade e Civilização – Fontes e perspectivas para a análise da Educação Oitocentista. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
____. Fontes visuais na História: Significar uma peça. Vária História. FAFICH/UFMG, Belo Horizonte, n. 13, 128-138, 1994.
WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
WIRTH, John D. O fiel da balança – Minas Gerais na federação brasileira 1889-1937. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.