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  • OS PRINCPIOS DO DIREITO SECURITRIO: UMA NOVA VISO SOBRE O TEMA LUZ DO NOVO CDIGO CIVIL

    FRANK LARRBIA SHIH Procurador Federal (RJ)

    Ex-Procurador da SUSEP (1994/2000) Especialista em Direito de Estado e Administrativo

    Professor de Direito da Faculdade Moraes Jnior (RJ) Professor da Ps-Graduao da Universidade Gama Filho (RJ)

    Professor da Ps-Graduao da Universidade Estcio de S (RJ) Instrutor Convidado do Centro de Estudos Jurdicos da AGU (DF) Membro do Instituto Brasileiro de Advocacia Pblica IBAP (SP)

    Sumrio: 1 O risco permeia a vida; 2 A Origem do Seguro; 3 Formao do Direito Securitrio; 4 Seguro Social e Seguro Privado; 5 Os princpios do Direito Securitrio; 6 Princpio do Mutualismo; 7- Princpio da Disperso dos Riscos; 8 Princpio do Absentesmo; 9 Princpio da Pulverizao dos Riscos; 10 Princpio da Boa-f Securitria; 11- Princpio Indenitrio; 12 Princpio da Irredutibilidade do Pretium Periculi; 13 Concluso.

    1. O RISCO PERMEIA A VIDA.

    A aventura da humanidade sempre foi marcada por infortnios de

    toda ordem. As tragdias e as desgraas que abatem os homens so uma constante, provocando perdas de vidas e de patrimnio, sendo histrica a arguta frase de Montesquieu de que a adversidade a nossa me, a prosperidade apenas nossa madrasta.

    Presos s adversidades da vida e s angstias das necessidades, os

    homens necessitam de bens materiais para a resoluo de suas vidas terrenas, o que gera um natural apego aos bens da vida uns mais, outros menos mas sempre inclinados a essa indiscutvel verdade1. Alis, no toca como exagero 1 o nosso atual estilo obssessivo de consumo, bem retratado no personagem de Tyler Durden, que em certa passagem do filme ensina: vejo aqui os homens mais fortes e inteligentes do mundo. E vejo todo esse talento sendo desperdiado.Uma gerao inteira enchendo tanques, servindo mesas ou escravos de colarinho branco. A propaganda nos faz correr atrs de coisas...trabalhos que odiamos...para acabar comprando o que no precisamos. Somos filhos do meio da histria. Homens sem lugar. No temos a Grande Guerra e nem a Grande Depresso. Nossa grande guerra espiritual. Nossa grande depresso so nossas vidas. Fomos criados para acreditar que um dia seremos ricos, estrelas de cinema e do rock...mas no seremos. E estamos aos poucos aprendendo isso. E estamos muito, muito zangados.. No intrito segue a mensagem this is your life: Voc abre a porta e entra.Est dentro do seu corao.Imagine que sua dor uma bola de neve que vai curar

  • quando se diz que os homens esquecem a morte do pai antes que a perda do patrimnio (Maquiavel).

    Desastres horrveis e cinematogrficos que vo desde o Titanic at

    ao World Trade Center revelam que absolutamente ningum escapa das contingncias da vida. uma morte, um acidente, um incndio, uma enchente, um desabamento, em qualquer momento, em qualquer lugar. Tudo isso assusta o homem e causa enorme sofrimento, perturbando o seu instinto de sobrevivncia.

    Tentando entender a vida, os homens logo percebem que a vida

    ultrapassa qualquer entendimento e o sofrimento causado pelas perdas cria um sentimento de unio, de solidariedade entre os homens, no porque ficaram bons e purificados, mas porque aquela um fator imprescindvel para superao das dificuldades, que em quantidade e qualidade, so maiores que os homens.

    E nisto tudo reside a mais antiga semente do que hoje

    denominamos seguro, um mecanismo criado pelo homem para tentar reparar ou amenizar as perdas da vida, pois, como j dizia Guimares Rosa, viver negcio muito perigoso.

    2. A ORIGEM DO SEGURO.

    Os contratos de seguros que so realizados todos os dias em nossa

    poca atual desafiam a criatividade, tamanha a diversificao que alcanou este instituto. Mas nem sempre foi assim. A prpria origem do seguro desconhecida, pois no poderia surgir, por bvio, como um produto perfeito e acabado. Decorrente de uma lenta evoluo, a maturidade do seguro seguiu a mesma sorte da maturidade do comrcio, coincidindo a intensificao do seguro com a expanso martima nos sculos XIV e XV. Alis, j na obra de Sheakspeare, O Mercador de Veneza, ato I, cena I, tem-se o registro dessas preocupaes, quando Salnio assevera:

    voc.Isso mesmo. a sua dor.A dor uma bola de neve que vai curar voc.Acho que no.Esta sua vida. a ltima gota pra voc.Melhor do que isso no pode ficar.Esta sua vida.que acaba um minuto por vez.Isto no um seminrio.Nem um retiro de fim de semana.De onde voc est no pode imaginar como ser o fundo.Somente aps uma desgraa conseguir despertar.Somente depois de perder tudo, poder fazer o que quiser.Nada esttico.Tudo movimento.E tudo esta desmoronando.Esta sua vida.Melhor do que isso no pode ficar.Esta sua vida.E ela acaba um minuto por vez.Voc no um ser bonito e admirvel.Voc igual decadncia refletida em tudo.Todos fazendo parte da mesma podrido.Somos o nico lixo que canta e dana no mundo.Voc no sua conta bancria.Nem as roupas que usa.Voc no o contedo de sua carteira.Voc no seu cncer de intestino.Voc no o carro que dirige.Voc no suas malditas "gatinhas".Voc precisa desistir.Voc precisa saber que vai morrer um dia.Antes disso voc um intil.Ser que serei completo?Ser que nunca ficarei contente?Ser que no vou me libertar de suas regras rgidas?Ser que no vou me libertar de sua arte inteligente?Ser que no vou me libertar dos pecados e do perfeccionismo?Digo: voc precisa desistir.Digo: evolua mesmo se voc desmoronar por dentro.Esta sua vida.Melhor do isso no pode ficar. Esta sua vida.E ela acaba um minuto por vez.Voc precisa desistir.Estou avisando que ter sua chance.(No filme O Clube da Luta)

  • Podeis crer-me senhor: caso eu tivesse tanta carga no mar, a maior parte de minhas afeies navegaria com minhas esperanas. A toda hora folhinhas arrancara de erva, para ver de onde sopra o vento; debruado nos mapas, sempre, procurava portos, embarcadoiros, rotas, sendo certo que me deixara louco tudo o quanto me fizesse apreensivo pela sorte do meu carregamento.

    E como as idias governam o mundo, o aprimoramento do seguro

    no tardou de acontecer, em especial na Revoluo Industrial, que inseminou o capitalismo industrial e financeiro j sob o prisma de uma economia internacional.

    No Brasil, o surgimento do seguro foi uma decorrncia da influncia

    europia e ganhou maior intensidade com a vinda da Famlia Real Portuguesa, em 1808. A partir de ento foram diversas as regulamentaes que se seguiram, encontrando pouso nos Cdigos Civil e Comercial, sendo igualmente relevante o atual Decreto-lei 73/66.

    Mas a compreenso atual do seguro exige do estudioso ultrapassar

    aqueles diplomas legais, at porque o processo de globalizao tem causado profundo impacto na produo do direito interno atravs da funo ordenadora expletiva, que conforma, legitima e hegemoniza os valores do capitalismo dentro do ordenamento jurdico. uma nova dimenso e complexidade que examinaremos adiante.

    3. A FORMAO DO DIREITO SECURITRIO.

    Se o comrcio nacional e internacional do seguro est sob os

    holofotes do requinte e da modernidade, o mesmo no se pode dizer da legislao interna que o rege. Os diplomas legais so peas de antiqurio Cdigo Comercial de 1850; O Cdigo Civil de 1916 e um Decreto-lei de 1966 que embora ainda cumpram sua importante funo, reconhecidamente esto devassados para a dinamizao atual do seguro. Est na jurisprudncia a tarefa de interpretar aquelas normas jurdicas de forma adequada nova realidade. Consequncia disto que, s vezes, publicam-se decises malfazejas em matria securitria, que no guardam nenhuma sintonia com a realidade presente.

    Com o advento do novo Cdigo Civil Lei n 10.406, de 10 de

    janeiro de 2002 uma nova roupagem jurdica foi dada matria securitria, com inovaes substanciais importantes, mas se observa em alguns dispositivos um lamentvel retrocesso, desafiando a proteo dada pela legislao consumerista ao segurado-consumidor. Polmicas surgiro.

    No direito ptrio h uma antiga tendncia em no se reconhecer a

    autonomia cientfica do direito securitrio porque o estudo do seguro sempre

  • partiu do Direito Civil, sendo aquele um ramo deste. Assim, estuda-se o contrato de seguro, ao lado dos demais contratos que so regidos pelo Cdigo Civil. Alis, no por outra razo que a maior parte das obras jurdicas disponveis atualmente e no so muitas partem sempre da noo elementar do contrato de seguro.

    Esta situao estagnada deve-se ao fato da inexistncia de um

    Cdigo de Seguros no Brasil. O estudo dos seguros no direito ptrio fica formalmente encarcerado dentro do Cdigo Civil e Comercial, sem que o estudioso perceba, s vezes, a atual existncia de princpios especficos e diferenciados que do novo contorno matria securitria, digna de mtodos prprios. Vale dizer, cientificamente autnomo em relao ao Direito Civil. claro que muitos princpios do Direito Civil so aplicveis matria securitria, at porque inexiste autonomia absoluta entre os ramos do Direito. Mas no Direito Securitrio h princpios que lhe so exclusivos.

    Situao semelhante ocorre com o as sociedades comerciais. Tm

    suas origens formais no Cdigo Comercial, mas atualmente tem autonomia cientfica dada pela legislao superveniente, com novos conceitos, princpios e mtodos prprios, configurando o chamado Direito Societrio, apesar de inexistir um Cdigo para tanto.

    Como a proposta de nosso trabalho o exame do seguro sob o

    prisma de conceitos e princpios atuais, passamos a reconhecer a autonomia cientfica do Direito Securitrio, libertando-se do regime antigo que no mais se compraz com os dias atuais.

    Cabe agora uma indagao: se a legislao que disciplina o seguro

    brasileiro to antiquada, como possvel a existncia de contratos de seguros to modernos e diversificados? Em parte, j respondida, a jurisprudncia tem proporcionado adequao da legislao aos novos modelos contratuais. Por outro lado, existe uma situao peculiar em que as normas infralegais ditadas pelo Executivo ou rgos pblicos acabam criando ou inovando figuras contratuais sem que sejam acoimadas de ilegais porque so coordenadas pelas foras do mercado e a sua complexidade no permite a fcil constatao. Essas normas infralegais vm preenchendo sutilmente os espaos vazios deixados pela legislao antiquada e proporcionam ampla liberdade legislativa aos interesses de grupos empresariais. Por esta razo, continuar louvando um modelo jurdico que negue a autonomia do Direito Securitrio colocar uma enorme pedra nos avanos de modernidade que o instituto reclama. A realidade o funeral das iluses.

    O Brasil precisa de um Cdigo de Seguros 2.

    2 PEDRO ALVIM noticia a 10a. Conferncia Brasileira de Seguros Privados, realizada na cidade de So Paulo, em outubro de 1977, ocasio em que foi apresentada proposio para a convenincia da unificao do direito de seguro. Contudo, observou: com o propsito de facilitar o andamento dos trabalhos, o autor deste livro elaborou um esboo do que seria a lei

  • 4. SEGURO SOCIAL E SEGURO PRIVADO

    O regime de seguridade social no Brasil disciplinado na

    Constituio Federal e compreende um conjunto integrado de aes de iniciativa dos Poderes Pblicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos sade, previdncia e assistncia social. financiada por toda sociedade na forma quatripartite do art. 195, da Lex Magna. Na parte de previdncia social o art.202 (redao dada pela Emenda Constitucional n 20/98) estabelece expressamente o regime de previdncia privada, de carter complementar e organizado de forma autnoma em relao ao regime de previdncia social, com modelo facultativo. Via de conseqncia, editou-se a Lei Complementar n 109/2001, que deu nova performance jurdica ao regime de previdncia privada no pas.

    A medida tem o claro sinal de aliviar o peso oramentrio do

    Governo na parte de previdncia social e favorece a classe empresarial, que ganhou novo flego neste segmento do mercado. Quanto ao consumidor, ainda no possvel prever os verdadeiros resultados, pois geralmente os planos so de longa durao e tm sua sorte definida pela estabilidade econmica. Mas a verdade filha do tempo. O que se tem certeza que o passado do regime de previdncia privada no pas foi catastrfico, onde muito dos beneficirios investiram anos a fio em fundo vazio. Uma espalhafatosa barbaridade, tudo aos olhos do Poder Pblico.

    A propsito do tema, paira atualmente no mercado previdencirio um grande atrativo sobre os Planos Geradores de Benefcio Livre PGBL, que conferem ao consumidor, alm da deduo no imposto de renda, uma ampla margem de flexibilidade em seu perfil, tais como rendimentos, portabilidade e resgate.

    O objeto de nosso trabalho o seguro privado, que pressupe o

    consenso das partes para sua ultimao. explorado pela iniciativa privada, realizados sob a forma contratual e regidos atualmente por princpios diferenciados que informam o Direito Securitrio. Como o olho de todas as virtudes a prudncia, no devem ser confundidos o seguro privado com o seguro social. Para tanto, reside na prpria lei o divisor entre um e outro: consideram-se operaes de seguros privados os seguros de coisas, pessoas, bens, responsabilidades, obrigaes, direitos e garantias. E ainda: ficam excludos das disposies deste Decreto-lei os seguros do mbito da Previdncia Social, regidos pela legislao especial pertinente (Dec.-lei n 73/66, art. 3, pargrafo nico). Aqui, interpretatio cessat in claris.

    nica sobre seguros, contendo mais de trezentos dispositivos sobre as normas jurdicas em vigor e que se achavam esparsas em cdigos, leis, resolues e portarias. A iniciativa infelizmente no prosperou, por falta de maior interesse do mercado segurador (In O CONTRATO DE SEGURO, 3A. ed., Forense, Rio de Janeiro, 1999, p. 92).

  • 5. DOS PRINCPIOS DO DIREITO SECURITRIO.

    Tratam-se de princpios que regem o direito securitrio porque

    exprimem a noo de mandamento nuclear de um sistema, irradiando sobre as normas para lhes definir esprito e fixar critrio para a exata compreenso e inteligncia das normas que regem a matria securitria.

    Cabe anotar que no excelso magistrio de PEDRO ALVIM3 alguns

    dos princpios so tratados meramente como normas tcnicas, o que a nosso ver traduz-se em uma capitis deminutio no exame do tema, pois aqueles tm previso jurdico-normativa dentro do sistema (normas-princpio), orientadora da funo social, econmica e jurdica dos seguros, a justificar plenamente a sua insero dentro da categoria de princpios jurdicos.

    Para J. M. Leoni Lopes de Oliveira os princpios dizem respeito ao Direito Natural ou a um ordenamento jurdico determinado: entretanto, a forma ampla adotada em nosso art.4, LICC (quando a lei for omissa, o juiz decidir o caso de acordo com (...) os princpios gerais de direito), nos permite entender como princpios tanto os ligados ao ideal de justia, como os que informam o nosso ordenamento jurdico4

    O princpio reina sobre todas as normas. 6. PRINCPIO DO MUTUALISMO

    O alicerce do seguro o mutualismo, que pressupe a contribuio de vrias pessoas para a formao de um fundo comum, onde este que suportar o pagamento dos sinistros. Portanto, o mutualismo se efetiva no pela relao jurdico-contratual isolada, mas sim pela rede formada pelo plexo contratual dos inmeros segurados. Por outro lado, o fundo comum no propriedade da seguradora, mas sim propriedade e destinao comunitria de todos os segurados, ou, no elegante magistrio de J.J. CALMON DE PASSOS o fundo comum uma universalidade que se qualifica por interesses transindividuais por fora de sua destinao (RT 763/98).

    O princpio do mutualismo , assim, a necessria cooperao da

    coletividade de segurados para a formao do fundo comum, sem o qual o seguro no pode existir.

    3 Op. cit., p.59-65. 4 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Introduo ao Direito Civil, Vol. 1, 2a. ed., Lmen Jris, Rio de Janeiro, 2001, p.179-80.

  • Este princpio encontra sua consagrao em vrios dispositivos do Decreto-lei n73/66, todos indicativos de que o prmio a essncia do prprio seguro. No se trata de preservar o lucro da seguradora, porque as indenizaes, como visto, no saem do seu patrimnio. O lucro da seguradora, que obviamente existe, no constitui a integridade do prmio. Da a importncia dada pela lei para a preservao do fundo comum: A obrigao do pagamento do prmio pelo segurado viger a partir do dia previsto na aplice ou bilhete de seguro, ficando suspenso a cobertura do seguro at o pagamento do prmio e demais encargos. E ainda: qualquer indenizao decorrente do contrato de seguros depender de pagamento do prmio devido, antes da ocorrncia do sinistro. At mesmo para participar de licitaes abertas pelo Poder Pblico indispensvel comprovar o pagamento dos prmios de seguros legalmente obrigatrios (lei cit., arts. 12 e seu pargrafo nico e 22, pargrafo nico).

    Medindo cem vezes, mas cortando uma s, o art 30, do Dec-lei n

    73/66 extrai o princpio do mutualismo em sua clareza solar: as sociedades seguradoras no podero conceder aos segurados comisses ou bonificaes de qualquer espcie, nem vantagens especiais que importem em dispensa ou reduo de prmio.

    O novo Cdigo Civil acentuou, com insistncia, o princpio do

    mutualismo, alertando expressamente que no h indenizao sem o correspondente pagamento do prmio ( art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prmio, a garantir interesse legtimo do segurado, relativo pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados; art.763. No ter direito indenizao o segurado que estiver em mora no pagamento do prmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgao; art. 764. Salvo disposio especial, o fato de se no ter verificado o risco, em previso do qual se faz o seguro, no exime o segurado de pagar o prmio.)

    No exame de casos concretos, a aplicao do princpio do

    mutualismo tem sua colmatao quando conjugado com outros princpios do direito securitrio, conforme se denota no percuciente aresto do Desembargador SRGIO CAVALIERI FILHO, com a maestria que lhe peculiar:

    SEGURO SADE CONTRATO ALEATRIO OMISSO DE DOENA PELO SEGURADO M-F DO SEGURADO EXCLUSO DA INDENIZAO Seguro de sade. Declarao feita a Seguradora com omisso de doena pr-existente. Violao do Princpio da boa-f. A responsabilidade do segurador fundada no risco contratual, isto , nos riscos assumidos no contrato, razo pela qual, mais do que em

  • qualquer outro negcio jurdico, as clusulas do contrato de seguro, desde que vlidas e no abusivas, devem ser respeitadas por ambas as partes. Disso depende tambm o seu equilbrio econmico, porquanto o valor do prmio estabelecido com base nos clculos estatsticos e atuariais; qualquer alterao nessa equao importa em quebra da mutualidade. Risco e mutualismo, entretanto, no andaro juntos sem a boa-f, razo pela qual exige-se a mais estrita boa-f tanto do segurado como do segurador. A omisso intencional do segurado, a respeito de doena anterior ao contrato, causa de excluso da cobertura, consoante artigo 1.444 do C. Civil, pois afasta o prprio risco, a lea, que elemento essencial do seguro. Assim, provado que a beneficiaria do seguro nasceu com gravssimos problemas de sade, e j havia sido submetida cirurgia cardaca pouco antes da celebrao do contrato, circunstncias essas omitidas quando do preenchimento da proposta, resulta evidenciada a m-f do segurado capaz de ensejar a excluso da cobertura. Provimento do recurso. (LCR) Vencido o Des. Gustavo Leite que negava provimento ao recurso. (TJERJ, Apelao Cvel n 2000.001.01442, Segunda Cmara Cvel, Rel. Ds. Sergio Cavalieri Filho, j. em 21/03/2000).

    Todavia, a aplicao deste princpio nem sempre sugere a

    simplicidade que suscita, pois impia sub dulci melle venena latent (sob o doce mel escondem-se venenos terrveis). Isto porque o Supremo Tribunal Federal tem lealdade cartaginesa em relao ao princpio em exame, a exemplo da ADIN N 1.003-DF, no polmico art.7, da Lei n 6.194/74 (DPVAT), que autoriza o pagamento da indenizao ainda que o prmio do seguro no esteja pago ou vencido. Nesta mesma esteira, o Superior Tribunal de Justia editou a Smula n 257: a falta de pagamento do prmio do seguro obrigatrio de Danos Pessoais Causados por Veculos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) no motivo para a recusa do pagamento da indenizao. Alm disso, a despeito da jurisprudncia encontrar-se ento dividida em relao ao tema, j havia uma onda caminhando neste sentido, sendo digno de nota a prpria Federao Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalizao FENASEG, atravs de sua Circular DPVAT SIN 049/96 (enquanto o Supremo no decidir, as seguradoras conveniadas devem pagar normalmente o sinistro, independentemente da prova do pagamento do prmio, no prazo de 15 dias a contar da entrega da documentao, conforme estabelecem as normas) e a posio da Superintendncia de Seguros Privados SUSEP (Pareceres/PRGER/Contencioso/nos: 10/95; 785/96; 883/96 e 891/96).

  • Em nosso ensaio ATUALIDADES JURDICAS NO SEGURO PRIVADO 5, j alertvamos que decises naquele aporte violavam o princpio do mutualismo:

    O Convnio DPVAT, para cumprir a relevante funo social exigida na lei, necessita impreterivelmente dos recursos prprios para ultimar as indenizaes sofridas pelas vtimas de trnsito. H nisso um consenso bvio porque um fato incontestvel que o prmio pago no seguro obrigatrio o recurso indeclinvel e essencial existncia desse prprio sistema securitrio. Ora, a se admitir como constitucional o art.7 da Lei n 6.194/74, teremos uma interpretao cujo resultado flagrante a quebra do prprio sistema, pois ser imposto ao Convnio o dever legal de custear indenizaes sem o respectivo lastro. dizer, mutila-se o objeto primrio da lei que justamente amparar e proteger as vtimas de trnsito .

    Compreenda-se: o cunho social que reveste o seguro DPVAT foi a argumento mais eloqente e arvorado para o sacrifcio daquele princpio, que na sua essncia tem um cunho social to importante quanto seno mais - que o alegado. Como se v, na jurisprudncia h vcios com aparncia de virtudes: em matria de DPVAT prevalece o teor da smula n 257, do STJ. Aqui, o princpio do mutualismo est relativizado, para os que adotam palavras otimistas.

    Esse arcabouo jurisprudencial mudar com o Cdigo Civil atual?

    Creio que no. A Lei do DPVAT especial em relao ao Codex Civil e o artigo 7 daquela lei constitui justamente uma exceo s normas gerais e assim permanecer, ou seja, o substrato do sistema, de modo que a disposio geral no revogar a especial.

    7. PRINCPIO DA DISPERSO DOS RISCOS

    Referido princpio preconiza a responsabilidade do segurador dentro dos riscos provveis e sujeitos a uma regularidade, excludos ou dispersados aqueles eventos isolados que embora da mesma natureza possam inviabilizar a performance do seguro contratado. princpio vivo na contratao dos seguros, caracterizado na forma de riscos excludos na aplice. Sua fonte legal o art. 1.460, do Codex Civil, assim disposto: quando a aplice limitar ou particularizar os riscos do seguro, no responder por outros o segurador. Por outro lado, o contrato sempre consignar os riscos assumidos (art.1434). O novo Cdigo Civil no esqueceu deste princpio, dando-lhe, porm,

    5 SHIH, Frank Larrbia. Revista de Informao Legislativa, Braslia, n 144, out./dez. 1999, p.137-44.

  • uma redao mais elegante: art.759. A emisso da aplice dever ser precedida de proposta escrita com declarao dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco.

    Assim, por exemplo, comum no seguro automvel a chamada

    cobertura compreensiva, que garante os riscos de coliso, incndio, roubo e furto, como sinistros mais comuns no dia a dia. Mas geralmente so excludos sinistros como ato de hostilidade (v.g. depredao popular), causado por guerra ou radiao nuclear, pois, embora tambm causem danos, constituem riscos isolados, com ndice de sinistralidade diferenciado. A incluso desses riscos isolados afetam a performance econmica do seguro. Explica-se: para as seguradoras o seguro automvel um produto comercial, que compete vorazmente no mercado. A incluso daqueles riscos mais raros encarecem o prmio sem que haja expectativa de retorno por parte do consumidor, que v e prefere contratar por um preo mais em conta a cobertura contra os riscos que acredita mais provveis em seu automvel. Juridicamente, a disperso ou no do risco isolado aumenta ou atenua a responsabilidade do segurador.

    O princpio da disperso dos riscos encontra na jurisprudncia a sua

    instrumentao mais til elucidao de controvrsias envolvendo liquidao de sinistros:

    SEGURO HABITACIONAL SEGURO DE RISCOS DIVERSOS DANOS CAUSADOS POR VENTOS VIOLENTOS CLUSULA CONTRATUAL LIMITAO ADMISSIBILIDADE CHUVAS TORRENCIAIS EXCLUSO DA INDENIZAO

    Embargos infringentes. Contrato de seguro. Seguro de imvel. Clusula limitativa de risco. Admissibilidade. Dano no alcanado pela cobertura contratada. No reconhecimento do dever de indenizar. Quer pelo regime do Cdigo Civil (art. 1460) quer a luz dos princpios que inspiram o sistema de defesa do consumidor (art. 54, par. 4.), no esto proibidas, nos contratos de seguro, as clusulas limitativas de risco, desde que redigidas com destaque e no contenham restries abusivas. No se pode ter como abusiva clusula inserida em contrato de seguro de imvel, situado em regio montanhosa e sujeita a intensas precipitaes pluviomtricas, que exclui da cobertura a recomposio de danos causados por chuvas, o que, certamente, por elevao do risco, importaria sensvel encarecimento do prmio. Fundando-se o contrato de seguro principalmente no risco, calculado por operaes

  • estatsticas e atuariais, a interpretao extensiva da clusula limitativa de risco, para fazer compreender na cobertura riscos que dela estavam excludos, importa desequilbrio do contrato em prejuzo do segurador, pela defasagem do prmio. Se o contrato limita a cobertura ao ressarcimento dos danos diretamente causados por vendaval, no se pode entender que nela est includa a reparao daqueles decorrentes de chuvas intensas, sob pena de alterar-se a equao atuarial de equilbrio do contrato. Recurso provido nos termos do voto vencido. (TJERJ, Emb.Infring. na Ap. Cvel n 15.838/99, Rel. Des. Carlos Raymundo Cardoso, ac. unn., j. em 14/06/2000).

    De igual medida, a considerao e compreenso do princpio da

    disperso dos riscos tem especial importncia na seara administrativa, nos embates envolvendo segurados e seguradoras, sob o ponto de vista infracional:

    Processo SUSEP n: 15414.002059/97-36. Parecer/PRGER/Contencioso/n 1.377/97. DIREITO ADMINISTRATIVO. SEGURO DE VIDA. ALEGAO DE DOENA PREEXISTENTE. PROVAS FRACATIVAS. DEVER DE INDENIZAR. APLICAO DA PENALIDADE. Trata o presente processo de denncia oferecida por Joslia Trindade Pinheiro contra Sul Amrica Seguros S.A., por recusa de indenizao em seguro de vida, sob o argumento de doena preexistente. Acolho o parecer circunstanciado de fls.33/4, como relatrio dos fatos (Deliberao SUSEP n 007/97, art.14). Tenho exposto em meus pareceres que a comprovao da doena preexistente h que ser sria e contundente, mostrando o nexo de causalidade bem como prova inequvoca de que o segurado tinha conhecimento de sua doena ao tempo de sua proposta. Nos autos, verifico que as declaraes mdicas so posteriores aceitao do seguro (01.04.96) e que no evidenciam tratamento mdico de nenhuma doena antes do lao contratual, razo pela qual vejo afastadas as sanes do art. 1.444, do Cdigo Civil (fls.21/4 e 29). De igual partida opinei no Parecer/PRGER/Contencioso/n 631/97 (Processo SUSEP n 15414.000565/97-90): 5. o ponto de prova , portanto, saber se o segurado tinha conhecimento de sua molstia ANTES da contratao do seguro; 6. De incio, convm lembrar que no a pr-existncia da doena que exclui os efeitos do contrato, mas sim o conhecimento daquela pelo segurado na poca da celebrao deste, que, se verificada a m-f, sofrer os rigores do art.1.444, do CC.

  • Neste passo, a recusa da seguradora em liquidar o sinistro tipifica a infrao ao art.88, do Decreto-lei n 73/66, com penalidade prevista no art. 5, inciso VII, das Normas Anexas Resoluo CNSP n 14/95. Pela APLICAO DA PENALIDADE o meu parecer. PRGER, 30 de setembro de 1997. Frank Larrbia Shih, Procurador Federal.

    Em outras situaes, mesmo com toda a proteo hoje deferida ao

    consumidor, ainda assim h segurados que contratam seguros em tabula rasa, alimentando uma expectativa otimista de que o seguro contratado o pe a salvo de todos os infortnios, descurando-se em saber o que exatamente contratou. Pode tambm ser vtima, quando contrata seguro como operao casada de um emprstimo que obteve no banco ou, ainda, a desinformao completa do segurado nos seguros coletivos, onde somente se ouve a voz altiva do estipulante e da seguradora. Ora, o que no se compreende no se possui (Goethe), resultando que o princpio da disperso dos riscos, nestes casos, um vetor absolutrio para a responsabilidade do segurador, conforme j constatamos na prtica:

    Processo SUSEP n: 15414.003005/97-41. Parecer/PRGER/Contencioso/n 1.925/97. DIREITO CIVIL. SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS. RISCO NO ASSUMIDO. IMPROCEDNCIA DA DENNCIA. INAPLICABILIDADE DE SANO. Jos Estrela reclama contra Sul Amrica Cia. de Seguros por recusa na liquidao de sinistro, face invalidez permanente causada por doena. Adoto o relatrio circunstanciado de fls.39 (Deliberao SUSEP n 07/97, art.14). O DEFIS entende que a denncia improcedente porque o contrato de seguro firmado no compreende aquela modalidade de risco. A aplice n 04809 (fls.28/36) especifica as modalidades de riscos assumidas pela seguradora, no compreendendo, realmente, nenhum risco decorrente de invalidez permanente por doena. Por sua vez, s fls.03 bem evidencia que a invalidez foi motivada por doena, tornando claro e veraz que a recusa da seguradora justificada. Portanto, no h justa causa para impor qualquer penalidade, razo pela qual opino neste sentido. PRGER, 10 de dezembro de 1997. Frank Larrbia Shih, Procurador Federal.

  • O art. 2, do Decreto-lei n 73/66 informa que o controle do Estado se exercer pelos rgos institudos neste decreto-lei, no interesse dos segurados e beneficirios dos contratos de seguro. Neste controle poder de polcia foram editados os Enunciados de n 18 e 19, da Procuradoria-Geral da SUSEP 6, significativos na restrio imposta ao princpio da disperso dos riscos:

    Enunciado n 18 -PRGER: vedada a incluso de clusula excluindo o suicdio no premeditado em contrato de seguro de vida e de previdncia privada 7 Enunciado n 19-PRGER: a mera alegao de excludente de cobertura no suficiente para desobrigar a seguradora, impondo-se para a iseno da responsabilidade, a demonstrao do nexo de causalidade entre a excludente alegada e o sinistro ocorrido.

    8. PRINCPIO DO ABSENTESMO.

    princpio peculiar do Direito Securitrio e tem aplicao em todas as espcies de seguro. Tem sua fonte no art.1.454 do Codex Civil: enquanto vigorar o contrato, o segurado abster-se- de tudo quanto possa aumentar os riscos, ou seja contrrio aos termos do estipulado, sob pena de perder o direito ao seguro. Em sede judicial, a matria muito delicada, tanto que o art.1.456 autoriza o magistrado aplicar a equidade, atento s circunstncias reais, e no em probabilidades infundadas, quanto agravao dos riscos.

    Anote-se que o princpio do absentesmo refere-se aos atos do

    segurado que possam agravar os riscos, o que no se confunde com os incidentes agravadores do risco, pois nestes h o dever jurdico do segurado em comunicador ao segurador e, portanto, exige-se uma postura comissiva. O novo Cdigo Civil contempla o presente princpio: art.768. o segurado perder o direito garantia se agravar intenciona lmente o risco objeto do contrato. A mesma sano civil est prevista no art.769, para as hipteses de omisso dolosa.

    O princpio do absentesmo tem importantssima e laureada funo

    jurdica porque uma vez violado traz como sano civil a perda da indenizao. A aplicao deste princpio envolve um dos temas mais em voga que a fraude no seguro e os meios para sua preveno. Os ramos de incndio, automvel facultativo e DPVAT sos as reas mais sensveis, sendo marcado por prejuzos que se estendem para toda a coletividade, conforme a proficiente exposio de JOS SOLLERO FILHO:

    6 Os Enunciados da Procuradoria-Geral da SUSEP foram institudos pela Instruo SUSEP n 17/98 e posteriormente substituda pela Instruo SUSEP n 19/99. So de observncia obrigatria para os procedimentos de instruo e anlise dos processos administrativos que, no mbito da autarquia, tratem de assuntos a eles pertinentes (art.2). 7 A propsito do tema, o teor da Smula 61, do STJ: o seguro de vida cobre suicdio no premeditado. V. Art. 1440, pargrafo nico, do Cdigo Civil.

  • As seguradoras resultaram o crescimento do nmero de casos fraudulentos e dos valores envolvidos. Mas o prejuzo no s das seguradoras, mas tambm da economia nacional e de cada um de ns em particular, pois quando pagamos elevadas taxas pelo seguro de nossa casa ou de um automvel, isso conseqncia da fraude que campeia, pelo que dizem os jornais, na prpria polcia. 8

    Em um caso concreto de seguro de transporte terrestre, verificamos

    que o segurado confessou nos autos que a embalagem para o transporte do material segurado era mesmo imprpria, muito embora tenha imputado essa responsabilidade ao fabricante, estranho da relao jurdico-securitria. Nestas circunstncias, presente a disponibilidade do direito patrimonial envolvido, entendemos que a produo de prova pericial era dispensvel face as afirmaes do prprio reclamante e dos termos do contrato, prestigiando a aplicao tanto do princpio da disperso dos riscos quanto do princpio do absentesmo:

    Processo SUSEP n: 15414.002530/97-86. Parecer/PRGER/Contencioso/n 1.654/97. DIREITO ADMINISTRATIVO. SEGURO DE TRANSPORTE. ROMPIMENTO DE EMBALAGENS. RISCO NO COBERTO. FALTA DE PROVAS PARA O EMBASAMENTO DA DENNCIA. INAPLICABILIDADE DE SANO. Centrais Eltricas do Norte do Brasil ELETRONORTE denuncia Sul Amrica Cia. Nacional de Seguros, face recusa desta em liquidar sinistro em seguro de transporte terrestre. Recebo o relatrio circunstanciado de fls.31/2 (Deliberao SUSEP 07/97, art.14). Denoto nos autos que a recusa da seguradora deu-se em razo de rompimento das embalagens que transportavam os equipamentos segurados, sendo aguada a observao do DEFIS, neste sentido: considerando-se os argumentos das partes, constatamos que ambos giram em torno do mesmo ponto, ou seja: fragilidade da embalagem, pois a reclamada alega que o sinistro ocorreu devido a precariedade do material utilizado para embalar o equipamento, visto que era do conhecimento da ELETRONORTE as pssimas condies de conservao das estradas na regio. Por outro lado, a reclamante alega que a responsabilidade pela embalagem par ao transporte do equipamento seria do fabricante (fls.82). Assiste razo seguradora.

    8 In O SEGURO, ESSE DESCONHECIDO. Seminrio do Centro de Debates e Estudos CEDES, EMERJ, Rio de Janeiro, 1994, p.30.

  • Isto porque o contrato de seguro no deixa margem de dvida tratar-se de RISCO NO COBERTO, pois a Cia. no toma a seu cargo as perdas e danos direta ou indiretamente resultante de: atos ou fatos do segurado, do embarcador, do destinatrio ou seus empregados, prepostos, agentes representantes ou seus sucessores: mau condicionamento, insuficincia ou impropriedade da embalagem (Condies Gerais itens 2.1 e 2.1.3 fls.04). No se pode olvidar, outrossim, que obrigao do segurado abster-se de tudo quanto possa aumentar os riscos, ou seja, contrrio aos termos estipulados, sob pena de perder o direito ao seguro (art.1.454, CC). Se certo que a comprovao da culpa do segurado recomenda a produo de percia e outras provas em direito, conforme anotado pelo DEFIS, mostra-se certo tambm que o prprio segurado reconheceu a fragilidade das embalagens, muito embora imputando essa responsabilidade ao fabricante. Vale dizer: h forte indcio de que o segurado no teve o zelo que dele se espera para evitar a ocorrncia do sinistro, conforme o esprito do art. 1.454, do Codex Civil. Nesta linha de idias, no concordo com a concluso do DEFIS no sentido de que no compete a SUSEP a apreciao do caso por falta de atribuio legal. No assim. A matria securitria, de competncia desta autarquia, mas a insuficincia de provas no permite um juzo de valorao repressivo com relao seguradora, fato este que me parece mais do que evidente nos autos. Isto posto, opino pela INAPLICABILIDADE de qualquer sano seguradora. o parecer. PRGER, 30 de outubro de 1997. Frank Larrbia Shih, Procurador Federal.

    9. PRINCPIO DA PULVERIZAO DOS RISCOS.

    Este princpio de aplicao exclusiva do Direito Securitrio e preconiza transferir (pulverizar) os riscos para outro ente segurador toda vez que excedida a capacidade de reteno de responsabilidade de uma seguradora. Tem seu baldrame no art. 79, do Decreto-lei n 73/66, assim disposto: vedado s sociedades seguradoras reter responsabilidades cujo valor ultrapasse os limites tcnicos, fixados pela SUSEP de acordo com as normas aprovadas pelo CNSP, e que levaro em conta: () 9

    9 Respeitante a obrigatoriedade de resseguro no IRB, cumpre anotar que atualmente inexiste o monoplio estatal do resseguro. Todavia, a Lei n 9.932/99 transferiu as atribuies do IRB para a Superintendncia de Seguros Privados-

  • evidncia, a capacidade econmico-financeira de qualquer

    seguradora tem seus limites. A concentrao excessiva de riscos anormais em sua carteira pode comprometer seriamente a estabilidade da mesma, situao em que a sua insegurana no seria formalmente muito diferente da insegurana do prprio segurado.

    O nivelamento dos riscos dar-se- atravs de trs prticas muito

    conhecidas no ramo securitrio: o resseguro, a retrocesso e o cosseguro. No primeiro h transferncia total ou parcial da responsabilidade para o ressegurador (seguro do seguro); a retrocesso o resseguro em 2 grau, ou seja, o resseguro do resseguro. No cosseguro o que existe a contratao simultnea do segurado com vrias seguradoras. Todos tm em comum o fracionamento do seguro e aplicao destes institutos na cobertura de sinistros vultosos, de bens como satlites, avies de companhias areas, navios de empresas martimas, etc. Por critrio de coerncia, voltaremos a este tema em captulo mais oportuno.

    A reflexo sobre o princpio da pulverizao dos riscos no mero

    exerccio acadmico, porquanto este princpio qualifica a responsabilidade dos rgos seguradores, vert ido em uma estreita relao com o fenmeno processual do litisconsrcio, conforme se denota na jurisprudncia:

    INDENIZAO. SEGURO. DENUNCIAO DA LIDE AO "INSTITUTO DE RESSEGUROS DO BRASIL IRB". ADMISSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL. - Ainda que revogado o art. 68 do Decreto-lei n 73, de 21.11.66, pelo art. 12 da Lei n 9.932, de 20.12.99, cabvel a denunciao da lide pela companhia de seguros ao "IRB", a fim de assegurar o direito regressivo contra este. - Realizao da prova pericial que no foi definitivamente afastada pelo Juzo de Direito. Imprescindibilildade, de todo modo, de reexame da matria probatria, a fim de certificar-se sobre a pertinncia de sua efetivao no caso (smula 07-STJ). Recurso especial conhecido, em parte, e provido.(REsp 125573/PR, Min. Barros Monteiro, D.J. 24/09/2001).

    Cumpre alertar, no obstante, que em sede de defesa do

    consumidor a denunciao da lide ao rgo ressegurador vedada pelo art.101, inciso II, da Lei n 8.078/90.

    SUSEP (Autarquia Federal), sendo que seu art. 1, na expresso incluindo a competncia para conceder autorizaes encontra-se com sua eficcia suspensa por liminar concedida na ADIN n 2223.

  • Acerca do panorama que envolve o IRB atualmente, remetemos o

    leitor polmica Lei n 9.932/99.

    10. PRINCPIO DA BOA-F SECURITRIA. O princpio da boa-f securitria est fundado nos arts. 1.443 e

    1.444, do Cdigo Civil. (o segurado e o segurador so obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-f e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstncias e declaraes a ele concernentes ; se o segurado no fizer declaraes verdadeiras e completas, omitindo circunstncias que possam influenciar na aceitao da proposta ou na taxa do prmio, perder o direito ao valor do seguro, e pagar o prmio vencido).

    Com mais performance tcnica, o novo Cdigo Civil tambm

    assinala a presena do princpio da boa-f securitria: art. 765. O segurado e o segurador so obrigados a guardar na concluso e na execuo do contrato a mais estrita boa-f e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstncias e declaraes a ele concernentes; art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declaraes inexatas ou omitir circunstncias que possam influir na aceitao da proposta ou na taxa do prmio, perder o direito garantia, alm de ficar obrigado ao prmio vencido.

    O princpio da boa-f um princpio geral do direito e tem valor

    genrico que orienta a compreenso e aplicao do sistema jurdico. Isto porque as relaes jurdicas devem ser laureadas de comportamento tico, honesto e leal. Por vezes, a prpria lei que sinaliza expressamente a boa-f como principal rumo a ser considerado nos casos concretos, como por exemplo, o possuidor de boa-f no responde pela perda ou deteriorao da coisa a que no der causa ou ainda o pagamento feito de boa-f ao credor putativo vlido, ainda provando-se depois que no era credor (CC, arts. 514 e 935).

    Na doutrina, a boa-f pode ser subjetiva ou objetiva. Na primeira,

    indaga-se a inteno do sujeito, considerado o seu prisma psicolgico. So as atitudes que irradiam do seu carter, o seu feitio moral. Como se sabe, o talento educa-se na calma, mas o carter no tumulto da vida. Na boa-f objetiva, o que se tem um critrio objetivo de valorao da conduta, fundado em regras objetivas, um stantard.

    Didaticamente, adotamos a expresso princpio da boa-f

    securitria porque, em matria securitria, a boa-f analisada sob o prisma objetivo, fundado em regras objetivas de valorao. Aqui, pouco importa se o homem mais volvel que uma pluma. o fato concreto definido em lei que apurado: veracidade do objeto; das circunstncias; das declaraes. Assim, quando no contrato de seguro o proponente faz declaraes falsas, presume-se que agiu de m-f, ainda que tenha apenas assim agido por leviandade ou falta

  • de zelo. Compreenda-se: dentre todos os contratos existentes, o contrato de seguro fundamentalmente bonae fideli, pois o segurador fica merc dos elementos fornecidos pelo segurado para calcular o prmio e assumir o risco. induvidoso que a m-f do segurado produz conseqncias muito mais graves que a do segurador, o que justifica o tratamento mais rigoroso dado pelo Cdigo Civil. Observe-se que quando o segurado faz declaraes falsas, que possam influenciar na aceitao da proposta ou na taxa do prmio, ele perde o valor do seguro (indenizao) e ainda tem pagar o prmio vencido. Vale dizer, o Cdigo Civil d dupla chibatada no segurado insincero. Ora, o modo diferenciado como a lei trata as declaraes nos contratos de seguro revela a elevada importncia da boa-f nessas espcies contratuais, o que igualmente qualifica com traje diferenciado o princpio da boa-f.

    Portanto, a par dessas consideraes, preferimos adotar a

    expresso princpio da boa-f securitria uma vez que ela revela e informa ao intrprete do direito as especificidades a serem seguidas no trato das questes que envolvem a matria securitria. verdadeira bssola de orientao.

    Em sede de legislao consumerista, a aplicao deste princpio

    qualificado exige maior habilidade do intrprete, uma vez que a sua inteireza somente ser preservada se o segurador no infringir as disposies protetivas do consumidor. Imagine-se um segurado que preste informaes incorretas ou omita dados importantes motivado pela orientao de funcionrio da prpria seguradora. Ou ento a contratao de seguro como exigncia para a obteno de um emprstimo bancrio. Essas situaes constituem prticas abusivas (CDC, art. 39, I e IV) e podem flagelar o argumento da violao do princpio da boa-f securitria, na medida em que a prpria seguradora a precursora da situao sobre a qual se insurge. a hiptese do acrdo abaixo transcrito:

    SEGURO DE VIDA. INCAPACIDADE PARA O SERVIO. INDENIZAO. RECUSA DE PAGAMENTO. OMISSO DE DOENA PELO SEGURADO. INOCORRNCIA. BOA-F. CULPA IN ELIGENDO. CULPA IN VIGILANDO. RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA.

    Ao Ordinria. Seguro de vida. Incapacidade profissional que, configurada, justifica o pedido de pagamento da indenizao. Seguradora que, alegando doena pretrita, sustenta cerceamento de defesa porque no teria sido deferida oitiva do perito em audincia. Manifestao da parte sobre o laudo pericial que no foi no sentido de qualquer falha ou obscuridade da prova tcnica, ocorrendo precluso lgica do direito de inquirir o "expert". Julgamento antecipado da lide que se impunha. Contratao do seguro que, tendo se dado por intermdio do Banco do Brasil, foi feita com a orientao da funcionria responsvel para no

  • preenchimento da informao sobre a doena pretrita, que seria irrelevante, porque ocorrida h mais de trs anos. Declarao da referida funcionria em Juzo que assim confirma. Omisso de informao que, sendo derivada de ato praticado por agente da instituio delegada e autorizada pela seguradora, importa para ela inequvoca responsabilidade por culpa "in eligendo" e "in vigilando", obrigando-a a indenizar, mormente porque a segurada no teve qualquer culpa ou dolo na omisso. Prova pericial, ademais, no sentido de que a incapacidade presente no guarda qualquer relao com a doena pretrita. Recurso desprovido.( TJERJ, Ap. Cv. 2000.001.17522, Dcima Oitava Cm. Cv., ac.unn, Des. Binato de Castro, j. em 20/02/2001 ementrio 25/2001 - n36 30/08/2001).

    Cumpre acentuar que o princpio da boa-f securitria no exime a

    seguradora do nus de provar a m-f do segurado, mas se exonera da responsabilidade em regra- com a demonstrao objetiva. Alis, em sede de fiscalizao, deve-se observar o enunciado abaixo:

    Enunciado n 41 PRGER: Para justificar o no cumprimento da obrigao ajustada, cabe a sociedade fiscalizada o nus de provar a ocorrncia de m-f quanto s circunstncias, objeto e declaraes concernentes ao contrato firmado.

    Nesta esteira, trago a colao o parecer aprovado pela

    Procuradoria-Geral da SUSEP, como paradigma para situaes envoltas em declaraes argidas como falsas pela seguradora, em seguros de vida, espcie contratual mais sensvel ao princpio da boa-f securitria.

    Processo SUSEP n 005.016/95. Parecer/PRGER/Contencioso/n 1.133/95. EMENTA: SEGURO DE VIDA. DECLARAES FALSAS DO SEGURADO. NUS DA PROVA. PROCEDNCIA DA DENNCIA. O Conselho Diretor da SUSEP, atravs de reunio ordinria realizada em 25.09.95, decidiu pela baixa dos autos em epgrafe, com o fito de que a PRGER elabore competente parecer conclusivo tocante matria em exame, inclusive para adoo do mesmo como referncia para casos semelhantes. Trata-se de contrato de seguro de vida individual realizado por Paulo Camargo Arruda e AGF Brasil Seguros, ocorrendo posteriormente o falecimento do segurado, na vigncia da aplice, em 17.07.94, conforme comprova a cpia do atestado de bito acostado s fls.10.

  • Em razo da recusa de indenizar a beneficiria (esposa), a seguradora foi regularmente notificada para se manifestar, apresentando como defesa o argumento da ausncia de veracidade nas informaes prestadas pelo segurado, por fato de doena preexistente, configurando-se a m-f tipificada nos arts. 1.433 e 1.444, do Codex Civil. Houve o regular trmite do feito, observados os preceitos processuais da Res. CNSP n 16/91. No mrito, a DERSP concluiu pela procedncia da denncia, com amparo em judicioso parecer da Procuradora em exerccio naquela regional (fls.74/9). Irresignada com a deciso supracitada, a seguradora interps recurso direcionado ao Conselho Diretor, sustentando substancialmente as mesmas razes anteriormente esposadas. Contra-razes da denunciante s fls. 99/101, prestigiando a deciso administrativa. Em prvia, a PRGER opinou pelo no conhecimento do recurso em voga, face intempestividade do mesmo (fls.103/4). o relatrio. Passo a opinar. Em detida anlise ao acervo probatrio inserto nos autos, vislumbro o fato objetivo do evento morte natural do segurado, dentro da vigncia do prazo da aplice, sendo certo que tal fato no contestado pela seguradora. A ttulo de excluir o dever jurdico imposto pelo lao da relao contratual securitria, a seguradora sustenta a preexistncia de doena ao tempo do contrato, bem como releva o comportamento de m-f do segurado. O cerne da questo, portanto, verte-se em exatificar se houve, ou no, a declarao falsa do segurado. Em caso afirmativo, exclui-se a responsabilidade da seguradora. Do contrrio, a mesma tem o dever de indenizar. s partes interessadas neste processo foi assegurada ampla defesa, sendo notrio que a seguradora no logrou xito em trazer aos autos prova cabal para fins de evidenciar suporte concreto s suas alegaes. importante ressaltar que as razes da denunciada no so mais nem menos que as razes da denunciante, pois, mesmo no processo administrativo h que se observar o princpio do tratamento de igualdade entre as partes, pois aquele subsume-se aos princpios diretivos da teoria geral do processo, respeitadas as suas peculiaridades. O impasse em questo no se depreende insupervel, pois o Judicirio j enfrentou, saciedade, o tem em anlise, razo pela qual filio-me corrente majoritria da jurisprudncia para propor a soluo do presente processo, tendo em vista as reiteradas decises judiciais no mesmo sentido desaconselham

  • comportamento diverso por parte da Administrao, face a preponderncia da instncia judicial sobre a administrativa. Desse prisma, peo vnia para trazer colao alguns julgados perfeitamente aplicveis ao caso sub examine: Cabe seguradora, que dispensa o exame mdico, quando da realizao do contrato de seguro, provar inequivocamente a ocorrncia de m-f de parte do segurado. No comprovada a m-f, o contrato vlido e obriga a seguradora a efetuar o pagamento do seguro (TJSC Ap.Cv.21.883 Joinville j. 4.12.84). O contrato de seguro, tpico de adeso, deve ser interpretado, em caso de dvida, no interesse do segurado e dos beneficirios (TJSP Ap. Cv.94.118-2 16a. C.- j.25.9.85). A m-f do segurado s opera entre este e o segurador, produzindo a resoluo do contrato e a sanctio iuresdo pagamento do prmio vencido (art.1.444, do CC). No alcana, entretanto, os beneficirios, no seguro de vida, depois de realizado o respectivo risco (morte), porque eles recebem o ttulo de dvida lquida, certa e exigvel sem terem participado do ato (TJPR Ap. Cv. 690/80 Curitiba j.10.6.80). No tendo a seguradora exigido exame de sanidade fsica do segurado e, de outro lado, recebido os prmios, o contrato se perfectibilizou, descabendo seguradora argir, para no cumprir a sua obrigao, molstia preexistente do segurado. Omitindo o segurado falecido doena no considerada grave, no se pode dizer que agiu com malcia ou ausncia de boa-f, mxime se comprovado tenha ele preenchido a proposta de seguro. A m-f no se presume (TJSC Ap. Cv.22.107 Chapec j.7.3.85). Ignorando o segurado ser portador de molstia incurvel, presume-se a boa-f ao assinar declarao impressa de que est em boas condies de sade, no podendo, portanto, a seguradora fugir ao pagamento do seguro de vida (RT 595/126). No ficando escorreitamente demonstrado ter o segurado agido de m-f ao preencher a proposta de seguro, irrecusvel se faz o direito de sua beneficiria de colher o valor do seguro correspondente(RT 538/235). Age de boa-f o segurado que, poca da assinatura do contrato, desconhecia ser portador de tumor maligno, mormente quando a seguradora no exigiu o necessrio exame mdico ou furtou-se a obter maiores esclarecimentos sobre as declaraes do proponente (RT529/237). Cuidando-se de contrato de adeso, a tendncia legislativa favorecer o segurado, que no tem outra alternativa seno aderir s condies preestabelecidas pelos seguradores. Demais disso, a m-f na se pressupe. Deve resultar plenamente demonstrada pela prova nos autos, na dvida, o segurador responde sempre pela obrigao (RT 585/127).

  • No havendo indcios de que o segurado tivesse cincia de sua cirrose heptica, nem de que seu estado era mais ou menos grave, a ponto de vir a falecer pouco mais de um ano depois de firmado a proposta de seguro, no h que se falar em m-f (TACivSP Ap. Cv 304.254 5a, C. j. 18.5.83). Se a seguradora, em caso de seguro de vida, dispensa o exame mdico e depois aceita a proposta, apesar de seu representante no haver questionado o proponente, s mesmo a prova inequvoca da m-f poderia elidir a presuno oposta, que milita em favor de quem simplesmente adere a contrato pr-estabelecido por insistncia de outro contratante (TACivSP Ap. 306994 5a. C. j. 28.10.83). Enfim, o que de mais geral pode-se afirmar que, na dvida quanto a m-f do segurado, esta se resolve a favor deste, ou de seus beneficirios, valendo repisar que a m-f no se presume, devendo ser inequivocamente demonstrada pela seguradora, a quem compete o onus probandi. Isto posto, opino no mrito pelo no acolhimento do recurso de fls.81/5, na hiptese do ilustre Colegiado desconsiderar a intempestividade do mesmo. Por derradeiro, submeto apreciao da Ilma. Sra. Subprocuradora-Geral do Contencioso, para as providncias de estilo. o parecer. PRGER, 01 de novembro de 1995. Frank Larrbia Shih Procurador Federal.

    Em se tratando especialmente de seguro de vida individual ou coletivo a comprovao da doena preexistente no se limita demonstrao de que a doena j existia ao tempo da contratao. necessrio que o segurado j tivesse cincia do seu estado mrbido (Parecer/PRGER/Contencioso/n 1.315/97; 1.377/97;1.955/97). Todavia, h entendimento de que a indenizao devida, ainda que o segurado tivesse conhecimento de sua doena, mas no sendo esta a causa do sinistro. , por exemplo, o caso do segurado que contrata seguro de vida declarando perfeita sade e vem a falecer de ataque cardaco (morte natural), sem nenhuma relao de causa e efeito com o cncer maligno de que sabia ser portador. Quid iures?A questo aqui ainda esverdeada pela discrdia de opinies.

    11. PRINCPIO INDENITRIO.

    Entre todos os outros princpios do direito securitrio, o princpio

    indenitrio tem seu raio de ao limitado aos seguros de dano. Est positivado

  • na primeira parte do artigo 1.437, do Cdigo Civil, na incisiva expresso no se pode segurar uma coisa por mais do que valha, nem pelo seu todo mais de uma vez. Embora tenha sua aplicabilidade restrita aos seguros de dano, a sua insero dentre os demais princpios se justifica face elevada importncia que este princpio representa para a compreenso de inmeras questes que envolvem a matria securitria.

    Na vigncia do novo Cdigo Civil o princpio indenitrio est

    previsto no art. 778, in litteris: Nos seguros de dano, a garantia prometida no pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da concluso do contrato, sob pena do disposto no art. 766, e sem prejuzo da ao penal que no caso couber.

    Este princpio afasta qualquer esprito especulativo em relao aos

    seguros de danos, alertando que o seguro aqui somente se presta para recomposio do dano sofrido, pois o segurado s receber aquilo que efetivamente perdeu, nos termos do contrato. O intuito de lucro est afastado a m-f do segurado , caso faa contrataes simultneas sobre o mesmo bem, reprimida severamente com a nulidade do contrato, a perda do prmio e, se for o caso, a persecutio criminis (CC, art. 1.438/NCC, art.778).

    A singeleza deste princpio e a facilidade de sua compreenso

    deveriam proporcionar ao intrprete do direito um certo conforto, dispensando-o de maiores indagaes. Mas em direito preciso cautela: quanto mais profundo o rio, menos ruidosa a correnteza. As aparncias enganam. O princpio sub oculi foi protagonista de uma das mais acirradas controvrsias no Judicirio, envolvendo seguro facultativo de automvel, no embate valor da aplice versus valor mdio de mercado.

    Em sntese, a quizila era a seguinte: em seguro facultativo de

    automvel ocorrido o sinistro (perda total) a seguradora indenizava o segurado pelo valor mdio de mercado, pois o veculo ia sofrendo depreciao do seu valor com o passar dos meses. Logo, pelo princpio indenitrio, o segurado se locupletaria se recebesse a indenizao prevista inicialmente na aplice, pois este valor no mais representaria o real valor do automvel ao tempo do sinistro. Todavia, esse entendimento foi energeticamente reprimido em muitas decises judiciais, pois a seguradora calculava o prmio pelo valor inicial constante na aplice e no restitua a diferena ao segurado conforme a paulatina depreciao do veculo, o que fez crer a responsabilidade em indenizar pelo valor prefixado na aplice. Quer dizer, se pelo princpio indenitrio o segurado no podia enriquecer, a seguradora tambm no.

    O tema foi objeto de estudo do preclaro ERNESTO TZIRULNIK, em

    artigo intitulado Princpio Indenitrio no Contrato de Seguro, marcado pelo amplo e profundo exame da legislao, da doutrina e da jurisprudncia, conclusivo assim: em sntese, vista do exposto, entendemos perfeitamente

  • vlidas, legtimas, lcitas e eficazes as clusulas insertas nas aplices do ramo automveis, segundo as quais, em caso de perda total, o valor da contraprestao indenizatria ser o valor mdio de mercado do veculo assegurado, poca de sua realizao 10.

    Mas a jurisprudncia majoritria tinha outros propsitos em relao

    ao tema, pois o Cdigo de Defesa do Consumidor era a referncia mais tnica nas decises, sendo o valor expresso na aplice a tese mais simptica para a liquidao dos sinistros em automveis com perda total (TJERJ, ementa n 41/98, D.O.E.R.J. 25-6-98, p.176; ementa n 40/99, D.O.E.R.J, 25-3-99, p.192; Turmas Recursais dos Juizados Especiais do Rio de Janeiro, ementa cvel n 01/99; TAMG, in RJTAMG 63/271; TAMG, ac. unn. da 3a. cm cv., Ap.225873-3/00, Ds. Kildare Carvalho, j.6/11/96; 1a. TACivSP, ac. unn. da 2a. cm. Esp., Ap. 682755-7/00, j. 20/4/98; TJRS, ac.unn., da 5a. cm. Cv., Ap.598441111, in ADCOAS 8175751).

    O momento mais sublime foi a manifestao inaugural do STJ sobre

    o tema, ministrando um ansioltico para as decises dos tribunais e de primeira instncia:

    SEGURO AUTOMVEL. INDENIZAO. VALOR. APLICE. A Seo, por maioria, declarou que no contrato de seguro automvel, quando houver perda total do bem, a indenizao deve ser paga conforme o preo ajustado na aplice, e no pelo preo de mercado (EREsp 176.890-MG, Rel. Min. Waldemar Zveiter, julgado em 22/9/1999 Informativo do STJ n 33 e D.O.E.R.J em 11-10-99, p.5). Com esta deciso, fechou-se o cerco em torno do tema. Ora,

    lembrando Euclides da Cunha, viver adaptar-se, no podia o mercador segurador ficar refm de um modelo antigo de seguro facultativo de automveis, com um indigesto tempero jurisprudencial a seu desfavor. Coincidncia o no, editou-se a Circular SUSEP n 145/2000 11, com o curioso mecanismo de valor determinado (indeniza-se pelo valor previsto na aplice, mas paga-se o prmio tambm maior), e o valor de mercado referenciado (indeniza-se por uma tabela de referncia de cotao para veculo, com fator de ajuste aplicvel data de liquidao do sinistro). Assim, a nova gerao de contratos de seguros facultativos de automveis ficou livre da armadilha jurisprudencial, que agora se encontra sepultada por ato normativo. Est preservado, em todo o seu esplendor, o princpio indenitrio.

    12. PRINCPIO DA IRREDUTIBILIDADE DO PRETIUM

    PERICULI.

    10 Revista dos Tribunais, jan. 99, n 759, p.89-121. 11 Esta circular um modelo mais sofisticado do que foi a sua antecessora, a revogada Circular SUSEP n 88/99.

  • Trata-se de princpio novo, consagrado expressamente no art. 770, do novo Cdigo Civil: Salvo disposio em contrrio, a diminuio do risco no curso do contrato no acarreta a reduo do prmio estipulado; mas se a reduo do risco for considervel, o segurado poder exigir a reviso do prmio, ou a resoluo do contrato.

    Na sistemtica anterior, a reduo do prmio era admitida e

    poderia ser exigida pelo segurado, pois no clculo do prmio inserem-se dados que podem sofrer variaes para mais ou para menos, influenciando no valor do prmio. A propsito, vimos que este foi um dos fundamentos de escol usado pelos tribunais para justificar a indenizao do seguro facultativo de automvel pelo preo da aplice, pois as seguradoras no praticavam a reduo do prmio a favor do segurado com a desvalorizao do veculo (tpico anterior).

    Todavia, pela nova disposio citada, a irredutibilidade do prmio

    a regra, ainda que haja diminuio do risco no curso do contrato. As excees ao princpio esto previstas no mesmo artigo: a) salvo disposio das partes em contrrio; b) se for considervel a reduo do risco. A primeira exceo ser de insignificante aplicao na prtica, pois os contratos securitrios so padronizados, inexistindo margem de negociabilidade do segurado na clusula premial, que calculada e estipulada unilateralmente pelo ente segurador, por critrios e dados atuariais inimaginveis ao mortal segurado. A segunda exceo, reduo considervel do risco conceito indeterminado, sujeito valorao subjetiva e a nmeros cabalsticos. aconselhvel regulamentao da SUSEP para definir critrios para o que se possa entender por reduo considervel, a ttulo de coibir abusos pela reteno integral e indevida do prmio, amparada em falsa premissa de legalidade.

    No obstante essas consideraes atreladas ao prisma da proteo

    consumerista, a consagrao do princpio da irredutibilidade do pretium periculi vem prestar uma vitoriosa contribuio teoria da indivisibilidade do prmio. Dita teoria preconiza que os riscos devem ser considerados no isoladamente, mas no seu conjunto, pois os riscos no se distribuem igualmente por todo o perodo, podendo sofrer concentraes em determinadas fases (Ex.: o seguro incndio torna-se mais crtico durante os perodos de seca). Nessas circunstncias, a devoluo parcial do prmio ao segurado poderia falsear a estabilidade dos clculos e as operaes do segurador. O princpio da irredutibilidade do prmio seria, assim, um dique de segurana para as entidades seguradoras.

    A teoria da indivisibilidade do prmio que atualmente est

    vocacionada para os seguros martimos, certamente ter sua expanso aos outros ramos securitrios por fora do princpio da irredutibilidade do pretium periculi.

  • 13. CONCLUSO.

    O estudo do seguro sob os conceitos e princpios atuais informam a

    autonomia cientfica do direito securitrio, no obstante a inexistncia de um Cdigo de Seguros no Brasil.

    Os princpios do direito securitrio expressam a noo de

    mandamento nuclear de um sistema e tm a qualificao de princpios jurdicos, tanto no Cdigo Civil anterior quanto no atual (Lei n 10.406/2002).

    O princpio da irredutibilidade do pretium periculi o novel

    princpio que vindica o Cdigo Civil vigente, a qual redimensionar a teoria da indivisibilidade do prmio para os outros ramos securitrios.


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