PATRÍCIA HEIDTMANN
Formação docente em Artes Visuais na Contemporaneidade:
Mediação, Análise Crítica e processos emancipatórios
FLORIANÓPOLIS, SC
2008
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC
CENTRO DE ARTES – CEART
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS
PATRÍCIA HEIDTMANN
Formação docente em Artes Visuais na Contemporaneidade:
Mediação, Análise Crítica e processos emancipatórios
Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais – Linha de Pesquisa: Ensino de Artes Visuais – CEART/UDESC, para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais. Orientadora: Professora Doutora Teresinha Sueli Franz.
FLORIANÓPOLIS, SC
2008
RESUMO
A pesquisa focaliza o ensino de Artes Visuais a partir da concepção de arte como representação da sociedade e da cultura a qual não pode ser compreendida fora do seu contexto sociocultural. Nesta abordagem defende-se a idéia de que o ensino de Artes Visuais tem como finalidade ampliar o universo cultural dos estudantes, ajudando-os a interpretar o mundo social e cultural em que vivem demonstrando autonomia e consciência crítica. Nesta perspectiva desenvolveu-se um estudo empírico tendo como meta encontrar evidências sobre a qualidade das estratégicas didáticas utilizadas com um grupo de estudantes da Licenciatura em Artes Visuais da UDESC (futuros docentes de Artes Visuais) no processo de educação para a compreensão e/ou interpretação crítica de uma obra de arte contemporânea. Dentro deste processo, investigou-se a importância do uso de um instrumento mediador de análise e compreensão crítica de obras de arte criado por Franz (2003) utilizando a obra de Nelson Felix (1954) intitulada MESA (1999) como norteadora do estudo. A coleta dos dados foi realizada durante o estágio docência na disciplina Fundamentos da Arte na Educação da referida instituição com uma classe de estudantes da terceira fase da Licenciatura em Artes Visuais. A diminuição das fronteiras entre arte e cultura popular; mídias, televisão, Internet e todo tipo de comunicação possibilitada via satélites, produzem em grande parte material imagético, e engendram profundas transformações nas subjetividades dos nossos estudantes. Assim, torna-se necessária uma revisão dos conceitos e conteúdos no ensino de Artes Visuais, para que este acompanhe as transformações ocorridas. Diante destas colocações, o objetivo deste estudo, em linhas gerais, é investigar para conhecer, analisar, ordenar, avaliar e interpretar tanto as concepções dos estudantes sobre a referida obra, quanto a qualidade das estratégias didáticas utilizadas no processo de estudos da obra norteadora partindo das teorias que fundamentam a educação para a compreensão crítica da arte. PALAVRAS-CHAVE: Formação docente. Arte contemporânea. Instrumento de Mediação.
ABSTRACT
This research focuses the Visual Arts teaching from the conception of art as representation of the society and culture, which can not be understood out of its social cultural context. In this approach it is defended the idea that Visual Arts teaching has as a goal to amplify the cultural universe of students, helping them to interpret the social and cultural world where they live showing autonomy and critical conscience. In this perspective was developed an empirical study having as goal to find evidences about the quality of didactic strategies used with a group of students of Licenciatura em Artes Visuais of UDESC (future Art Visuals teachers) in the process of education to comprehension and/or critical interpretation of a contemporary work of art. In this process, was investigated the importance of the use of a mediator instrument of analysis and critical comprehension of works of art created by Franz (2003) using the work of Nelson Felix (1954) named MESA (TABLE) (1999) as a path to the study. The collect of data was done during the teaching training in the course Fundamentos da Arte na Educação (Art Education Fundaments) of the referred institution in a group of students in the third phase of Licenciatura em Artes Visuais (Visual Arts Teaching Undergraduation Course). The diminishing of frontiers between popular culture, media, television, Internet and all kind of communication allowed via satellites, produce in great matter imagistic material, and make profound transformations in the subjectivities of our students. This way, it is necessary a revision of concepts and contents in the teaching of Visual Arts, for this to follow the occurred transformations. Through all these, the goal of this study, in general lines, is to investigate to know, analyze, ordain, evaluate and interpret such the students’ conceptions about the referred work, as the quality of the didactic strategies used in the process of studies of the cited work from theories that fundament the education to the critical comprehension of art.
KEYWORDS: Teacher’s forming. Contemporary Art. Mediation Instrument.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Transcrição do relato dos alunos da ficha de avaliação inicial aplicada no dia dois de maio de 2007...................................................................................94
Quadro 2 - Transcrição do relato dos alunos da ficha de avaliação inicial aplicada no dia dois de maio de 2007...................................................................................97
Quadro 3 - Transcrição do relato dos alunos da ficha de avaliação inicial aplicada no dia dois de maio de 2007...................................................................................99
Quadro 4 - Transcrição do relato dos alunos da ficha de avaliação inicial aplicada no dia nove de maio de 2007................................................................................101
Quadro 5 - Transcrição do relato dos alunos da ficha de avaliação de processo aplicada no dia seis de junho de 2007..................................................................105 Quadro 6 - Transcrição do relato dos alunos da ficha de avaliação final aplicada no dia treze de junho de 2007...................................................................................107
Quadro 7 - Transcrição do relato dos alunos da ficha de avaliação final aplicada no dia treze de junho de 2007...................................................................................109
LISTA DE FIGURAS1
Figura 1- O livro, meu cúmplice e inspiração.......................................................8
Figura 2- O relógio do espaço sob meu olhar......................................................9
Figura 3 - Dialogando com Nelson Felix.............................................................13
Figura 4 - A força do destino...............................................................................31
Figura 5 - O devir..................................................................................................53
Figura 6 - Uma experiência pedagógica construtiva.........................................83
1 Se a apropriação faz parte da poética contemporânea, atrevo-me a utilizar a obra de Nelson Felix
para colocá-la sob meu olhar, intervindo de maneira silenciosa e profunda.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................9
Capítulo I - Itinerário de uma pesquisa e de uma pesquisadora......................13
1.1 - A Pesquisadora e seu objeto de pesquisa; Relação da pesquisadora com o objeto de pesquisa..................................................................................................14
1.2 - Objetivos da pesquisa....................................................................................16 1.3 - Definição do problema....................................................................................16 1.4 - Delimitação do problema................................................................................17 1.5 - Diálogos teóricos: aqueles que nos ajudam a ver e compreender o objeto de pesquisa..................................................................................................................18 1.6 - Metodologia da Pesquisa: os caminhos construídos no caminhar do percurso..................................................................................................................24 1.7 - Estrutura do Trabalho.....................................................................................28
Capítulo II – Cartografia de uma docente Estrangeira......................................31
2.1 – Entrelaçamentos pessoais e profissionais, história de uma vida...................32 2.2 – Identidade e diferença no processo de constituição do ser...........................36 2.3 – MESA - O Porquê da escolha, o Porquê das nossas escolhas.....................42 2.4 – MESA - Um lugar particular gravado para sempre........................................44 2.5 – MESA - E a paisagem dos pampas que tanto percorri..................................45 2.6 – MESA - E Nelson Felix, cúmplice da minha história......................................49
Capítulo III – Ampliando as fronteiras no contexto educacional.....................53
3.1 - Um caminho pós-moderno no ensino das Artes Visuais................................54 3.2 – O ensino das Artes Visuais desde a ótica da Cultura Visual.........................60
3.3 – A educação para a Compreensão Crítica da Cultura Visual.........................63 3.4 – O Instrumento de Mediação e Análise Crítica para a Cultura Visual.............70 3.5 - A Pedagogia Crítica no ensino da Cultura Visual...........................................74 3.6 - A formação do professor de Artes Visuais e a construção de uma identidade docente...................................................................................................................77
Capítulo IV – Os passos trilhados, refletidos e analisados no processo do estágio docência...................................................................................................83
4.1 - Um percurso metodológico da UDESC...........................................................84 4.2 - Perfil do grupo e do local.................................................................................87 4.3 - As fichas de avaliação como prática de investigação.....................................88 4.4 - Portfólios - processo avaliativo como reconstrução da aprendizagem..........89 4.5 - Perguntas realizadas aos futuros arte-educadores da UDESC.....................91 4.6 - Construção de um sistema interpretativo.......................................................92 4.7 -Transcrição das fichas de avaliação - uma perspectiva qualitativa interpretativa
crítica.................................................................................................................93 4.8 - Construção do instrumento de mediação e análise de compreensão crítica da
obra MESA......................................................................................................110 4.9 - Análise interpretativa crítica dos âmbitos de compreensão realizados pelos
futuros arte-educadores da UDESC................................................................112
Considerações Finais.........................................................................................122
Referências..........................................................................................................129
8
Figura 1 – O livro, meu cúmplice e inspiração – Patrícia H. - 2008
9
Figura 2 – O relógio do espaço sob meu olhar - Patrícia H. - 2008
INTRODUÇÃO
10
Abro esse trabalho com uma imagem do artista Nelson Felix, cuja obra
MESA analiso no decorrer desta investigação, somada a uma imagem de minha
própria autoria. Trata-se de uma imagem de GPS, utilizada pelo artista, quando
este foi procurar o lugar exato para que pudesse instalar a sua obra. Somo a esta
imagem a de meus olhos, que representa o olhar que lancei no início desta
empreitada, um olhar atento, vivo, em outros momentos cansados, mas o tempo
inteiro uma “espera vigiada”.
Essa imagem me serve de metáfora, para falar dessa viagem que
empreendi ao longo da pesquisa e da escritura deste texto. Nesta trajetória não
estive só, caminhos trilhei com a minha orientadora, com meus colegas, com a
família e com os professores que compuseram a minha banca. Com outros
autores dialoguei na busca da compreensão desse lugar tão complexo chamado
educação e arte. A escolha foi ainda mais difícil quando optei por trilhar caminhos
ainda não tão consolidados, onde busquei fazer os entrelaçamentos entre arte,
educação e história de vida.
Neste texto/viagem reencontro comigo mesma, da docente estrangeira, que
se naturaliza brasileira e ainda assim continua transpondo barreiras: físicas,
territoriais, geográficas e também existenciais. Sigo na persistente busca de
pensar e fazer educação de uma forma que emancipe e outorgue ao outro o
direito de ser sujeito da sua própria história, assim como fui incentivada a
reencontrar com o sujeito histórico que habita em mim.
No percurso percorrido aprendi com diferentes interlocutores (não estamos
sozinhos no mundo), somos seres da cultura, na qual vamos nos constituindo, uns
junto aos outros. Com alguns estive durante o trajeto presencialmente, com outros
virtualmente, mas todos fizeram da viagem um encontro, uma possibilidade de
transpor obstáculos; com eles aprendi, com eles ensinei, com eles construí
conhecimento. Preparo agora esta introdução ao texto final da dissertação
esperando deixá-lo à disposição para todos aqueles que dele quiserem se
aproximar.
11
Como o GPS utilizado por Nelson Felix, espero que este estudo possa
servir de sinalizador para outras pesquisas que queiram enveredar por esta tríade
entre Arte/Educação e Histórias de Vida. Sabemos que este não é o único
caminho, pois não há um único caminho. Esta é a beleza da arte, da educação e
da própria vida. Esperamos, no entanto, que este possa servir de bússola, de
guia, como um aceno, encorajando outros sujeitos e outros pesquisadores a se
reencontrar nas viagens/teses/dissertações que a vida acadêmica oportuniza.
Desejando que estas produções sirvam em primeiro lugar para o reencontro do
pesquisador com o seu objeto de pesquisa. E que depois estas não fiquem nas
prateleiras, mas que possam ser visitadas por aqueles que queiram enveredar por
caminhos parecidos ou mesmo opostos.
Espero que este estudo possa contribuir de alguma forma para uma
reflexão sobre as nossas práticas de ensino das Artes Visuais, e que o
instrumento de mediação e análise crítica de obras de arte que norteou o estudo
inspire outros educadores a realizar estudos em contexto de ensino de Artes1.
Também desejo que os futuros arte/educadores, com os quais tive o prazer de
exercitar minha docência durante a coleta de dados para esta pesquisa, lembrem-
se desta experiência. E que esta lembrança os ajude, no decorrer da sua carreira,
a exercitar uma postura dialógica, comprometida e sensível, consigo mesmo e
com os seus alunos, sejam eles quem for e estejam eles onde estiverem. Que
seus contextos sejam respeitados, suas vozes ouvidas, suas expressões
potencializadas, pois assim acredito que faremos uma educação mais justa e mais
humana.
Pretender uma originalidade nesta dissertação, uma vez que tem por base
as teorias de Franz (2003), por meio da apropriação do instrumento de mediação
e compreensão crítica da arte, os estudos de Hernández (2000 e 2007) sobre a
Cultura Visual e as pesquisas de Nóvoa (1995), Goodson (1995) e Josso (2004)
sobre a vida de professores e sua formação, seria utópico. No entanto, pude
1 A palavra Artes ou Arte com inicial maiúscula, neste texto, refere-se à área de ensino formal da arte, conforme diz a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96. Esta área inclui (ou deveria incluir) as disciplinas escolares de ensino de Artes Visuais, Música, Teatro e Dança, ministradas por um professor formado em cada uma destas especificidades da arte.
12
dividir com estes pensamentos, ideologias, práticas, posicionamentos, tornando
essa viagem/travessia emocionante e desafiadora, cuja estrutura apresento na
seqüência, neste primeiro capítulo que segue.
13
Figura 3 – Dialogando com Nelson Felix, Patrícia H. - 2008
Primeiro Capítulo
Itinerário de uma pesquisa e de uma pesquisadora.
14
1.1 - Relação da pesquisadora com o objeto de pesquisa
Nesta pesquisa pretendeu-se investigar a arte, seu ensino e mais
especificamente a compreensão de uma obra de arte contemporânea por
estudantes de um curso de licenciatura em Artes Visuais. Buscou-se investigar a
qualidade das estratégias didáticas que os alunos de Licenciatura em Artes
Visuais da UDESC (futuros arte/educadores) utilizam para compreender ou
interpretar de maneira crítica uma obra de arte contemporânea, apropriando-nos
do instrumento mediador de análise e compreensão crítica elaborado por Franz
(2003), utilizando como objeto de estudo a obra de Nelson Felix (1954) intitulada
MESA (1999). Focalizamos a importância do desenvolvimento de habilidades de
compreensão crítica de manifestações artísticas no processo de formação docente
em contexto de ensino de Artes Visuais.
O objeto de estudo (MESA - 1999) guarda estreita relação com o percurso
pessoal da pesquisadora, uma vez que a obra está situada numa região de
fronteira (Brasil, Argentina, Uruguai), e na condição de estrangeira, argentina,
radicada no Brasil, tive que, por longos anos, cruzar a fronteira para me manter
legalmente no país, história essa que é relatada no segundo capítulo desta
dissertação. Ao desenvolver a investigação ancorada no instrumento de mediação
de análise e compreensão crítica da obra de artes visuais, não tive como deixar de
fora minha historia, construída permeada por idas e vindas, até o momento de me
naturalizar brasileira. Por isso discorro no segundo capítulo sobre minha trajetória
de vida que leva o título de Cartografia de uma docente estrangeira, na qual me
apresento e divido com o leitor, um breve relato da minha infância, da
aproximação com a arte de forma geral e indagações que pulsam até o presente,
envolvendo o campo da arte, da educação e da vida. De um sujeito/pesquisador
que encara a educação e a arte de forma contextualizada e que guarda vínculos
com a vida daquele que está envolvido em seus processos construtivos.
A referida obra não foi escolhida ao acaso por esta mestranda. Esta a
inquietou por possuir forte e importante caráter autobiográfico, já que, como disse
anteriormente, durante dez longos anos utilizou-se da referida fronteira para
15
atravessar até o país de origem, pois não possuía visto permanente. Assim, esta
terra estrangeira tornou-se um território que mais tarde optou por pátria.
Segundo Hernández (2005), há mais de uma década a construção da
identidade docente se aborda introduzindo o pessoal, que deriva de resgatar as
biografias dos docentes e, por sua vez, dos alunos e alunas dentro de sua
formação. Desta forma, a linha de fronteira na qual está inserida a obra MESA faz
parte da história de vida pessoal desta mestranda. Uma questão de fundo, que
ainda não foi tocada, talvez deva agora ser enunciada.
Parte-se da premissa que a educação situada em um contexto pós-
moderno, como nos lembra Gadotti (2002), é sempre crítica, emancipatória,
multicultural e está intimamente ligada à cultura. Por outro lado, mudanças de
paradigmas na arte apontam à revisão dos conceitos do que é arte e das
finalidades da educação em tempos atuais. Os conceitos equivocados dos
professores influem nas suas práticas no ensino de Artes Visuais.
Neste início do século XXI nos fundamentamos também na antropologia e
na sociologia para ampliar esta compreensão. Teóricos como Clifford Geertz
(1999) se referem à arte como um subsistema de um sistema maior chamado
cultura, e lembram a incontestável relação entre a produção do artista e o que ele
chama de “olhar da época”. Portanto, para compreender o contexto da produção,
há que se buscar evidências sobre a recepção da obra no seu tempo, o que
também é fundamental para desenvolver habilidades de análise crítica.
Na educação para uma compreensão crítica a obra é compreendida dentro
de um sistema geral de formas simbólicas a que chamamos cultura, que, como
explica Geertz (1997), onde uma teoria da arte é ao mesmo tempo uma teoria da
cultura e não um empreendimento autônomo.
Para este feito, ancoro-me em diversos autores que tecem relações sobre
histórias de vida, arte e educação, autores esses com os quais tenho o prazer de
estabelecer uma relação dialógica e esclarecedora, de temas tão profundos e
biográficos. Para embasar a pesquisa convoco outros teóricos e pesquisadores
que me encaminham na compreensão de temas tão relevantes, seja da arte assim
quanto da educação, dentre eles destaco: Paulo Freire (2000); Giroux (2000);
16
Geertz (1997); Efland (2003,2005); Freedman (2000, 2003); Sthur (2003); Franz
(2000, 2003, 2004, 2005, 2008); Hernández (1998, 2000, 2001, 2005, 2006);
Chalmers (2003); Mason (2001) e Mirzoeff (2003), entre outros. Desta maneira,
apresento na seqüência os objetivos que norteiam essa pesquisa, apresento e
delimito o problema da investigação.
1.2 - Objetivos da Pesquisa
De forma a promover uma reflexão crítica a respeito das concepções de
arte contemporânea e seu ensino, esta pesquisa tem como objetivos:
� Focalizar a importância e necessidade de desenvolver habilidades de
compreensão crítica de manifestações artísticas no processo de
formação docente em Artes Visuais;
� Mapear as concepções partilhadas pelos futuros docentes do Ensino
das Artes Visuais a respeito da Arte: O que é, para eles, a Arte? De
que formas interpretam uma obra de arte?
� Construir junto aos alunos e alunas do curso de Licenciatura em
Artes Visuais um instrumento de mediação para a compreensão de
análise crítica, apresentada por FRANZ (2003), da obra de Nelson
Felix – MESA (1997-1999);
� Colocar ênfase na construção da identidade docente, resgatando a
importância biográfica dos mesmos;
� Estabelecer um diálogo entre o saber próprio e o saber dos demais,
com a finalidade de gerar saberes compartilhados.
�
1.3 - Definição do problema
A presente pesquisa procura focalizar a importância e necessidade de
desenvolver habilidades de compreensão crítica de manifestações artísticas no
processo de formação docente em Artes Visuais. Buscam-se evidências sobre a
qualidade das estratégias didáticas utilizadas e sobre como ocorre este processo
17
quando nos apropriando do Instrumento Mediador de Análise Crítica de obras de
arte, apresentado por FRANZ (2003), como uma possibilidade de conectar a arte à
experiência de criação de sentidos vivenciada pelo ser humano nesta troca (do
artista e do seu público).
1.4 - Delimitação do problema
Para efeito de análise na investigação, escolhemos como objeto a obra
MESA (1997 - 1999) de autoria do artista plástico Nelson Felix (1954), que fez
parte de um projeto institucional do banco Itaú chamado FRONTEIRA, obra esta
situada na cidade de Uruguaiana - Rio Grande do Sul, linha de fronteira entre
Brasil, Argentina e Uruguai. Na construção e aplicação do instrumento de
mediação para a compreensão de análise crítica da obra de arte, partimos do
instrumento criado por FRANZ (2003), sendo que a amostra do estudo empírico
envolvida foi 21 alunos e alunas do curso de Licenciatura em Artes Visuais da
UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina), espaço onde desenvolvi o
estágio docência. Além de desenvolvermos o instrumento para análise e
compreensão crítica da obra de arte contemporânea MESA (1999), de autoria de
Nelson Felix, apresentado através de cinco portfólios (estes que pertencem aos
âmbitos de compreensão do instrumento), trabalhamos também com quatro fichas
de avaliação (estas que fazem parte da avaliação formativa e somativa) em forma
de questionário. A Pergunta principal que tratamos de responder nesta pesquisa
pode ser formulada da seguinte maneira:
Como desenvolver um processo de estudos sobre uma obra e arte
contemporânea em uma classe de estudantes de uma licenciatura em Artes
Visuais de modo a promover uma compreensão crítica, autônoma e complexa?
18
1.5 - Diálogos teóricos: aqueles que nos ajudam a ver e compreender o
objeto de pesquisa
São muitos os autores e obras que nos iluminaram para esta empreitada.
Muitos foram os diálogos estabelecidos, as buscas por vozes que condiziam com
aquilo que estávamos construindo, vozes estas que trazemos aqui neste
momento, a fim de esclarecer e apresentar ao nosso leitor a perspectiva e lugar do
qual vemos e concebemos este universo investigado, isto é: a arte, a educação e
o entrelaçamento destes com a própria vida.
Para entendermos a obra de arte na dimensão que acreditamos recorremos
à obra Educação para uma compreensão crítica da arte, de Teresinha Sueli Franz
(2003), onde a autora faz um profundo estudo da obra de arte Primeira Missa no
Brasil, do artista plástico Victor Meirelles. A autora em questão apresenta nesta
obra referencial teórico relevante à educação pós-moderna e à criação de um
instrumento de mediação de compreensão e análise crítica da obra de arte. Este
livro foi distribuído individualmente e utilizado pelos acadêmicos de Licenciatura
em Artes Visuais da UDESC, durante o estágio docência para a compreensão da
obra MESA, objeto de estudo desta dissertação. Ressaltamos aqui a importância
com que esta autora, e orientadora da dissertação em questão, trabalha o
conceito de Arte e seu Ensino. Estas de forma crítica, reflexiva e emancipatória
que vão de encontro ao estudo que se pretende explorar.
Por outro lado, na obra Catadores da Cultura Visual - proposta para uma
nova narrativa educacional, de autoria de Fernando Hernández (2007), o autor
provoca o seu leitor a pensar em que medida as relações com a cultura visual
produzem olhares sobre o mundo, sobre nós próprios e sobre os outros, e como
no contexto educacional, que abarca o ensino e a pesquisa, essas questões
podem ser problematizadas e contempladas em projetos de trabalho e de
investigação. Sem dúvida, este livro oportuniza para esta pesquisa alicerce teórico
para a construção do instrumento de mediação e análise crítica da obra MESA e
19
para as reflexões que se propôs aos acadêmicos do curso de Licenciatura em
Artes Visuais da UDESC.
Numa outra publicação deste mesmo autor, Cultura Visual - Mudança
Educativa e Projetos de Trabalho, Fernando Hernández (2000), ele busca explorar
um terreno novo no ensino de artes: o campo da Cultura Visual. Para Hernández a
Cultura Visual é um campo no qual é possível organizar propostas
interdisciplinares e tratar de problemas que se produzem na sociedade, que vão
além dos limites da disciplina. O autor aborda as relações e as mudanças com as
quais conecta a proposta para a compreensão da Cultura Visual, trazendo
desafios e gerando a necessidade de construção crítica de novas estratégias para
o ensino da arte contemporânea.
O objetivo principal de Hernández neste livro é promover a educação para a
compreensão crítica da cultura visual, baseado no pensamento do visual como
mediador de significados e na interpretação como meio para favorecer o
conhecimento. O autor esforça-se em mostrar o papel das propostas chamadas
“fundamentais” e as formas de exclusão que mantêm e favorecem, defendendo a
necessidade de novas propostas que incluam outras imagens pertencentes ao
universo visual de crianças e adolescentes, além das consideradas como obra de
arte no seu sentido tradicional. Enfatiza a necessidade de interpretação como
meio de auxiliar professores e alunos a compreenderem as imagens e poderem
avaliar o que é produzido culturalmente.
Outra referência teórica deste autor que trazemos para o corpo deste
trabalho é o artigo La necesidad de repensar la educación de las artes visuales y
su fundamentación en los estudios de Cultura Visual (2001), Hernández expõe
motivos para repensar a arte-educação e incluir estudos para a compreensão
crítica da Cultura Visual. No texto A construção da subjetividade docente como
base para a proposta de formação inicial de professores de artes visuais (2005),
este autor expõe uma experiência com a formação de professores que, embora
esteja voltada para o ensino médio, contém muitas premissas válidas para o
ensino de forma geral, e discorre sobre as transformações sociais que geram a
necessidade de construção de subjetividades docentes mais críticas na educação
20
e na atuação dos professores em sala de aula, além de discutir a perspectiva da
educação para a compreensão crítica da Cultura Visual.
Outro texto que utilizamos na dissertação é América Latina: Territorialidade
e Práticas Artísticas, de Maria Amélia Bulhões e Maria Lúcia Bastos Kern (2002) -
as autoras analisam a questão da territorialidade como espaço de práticas
culturais, nas quais se criam mecanismos identitários de representação, a partir da
memória coletiva, das suas singularidades culturais e paisagens. A territorialidade
seria assim resultante da unidade fictícia, em detrimento das diferenças internas,
porém evocando sempre a distinção em relação às outras territorialidades. Tal
enfoque apresenta para o objeto de estudo em questão, importante fonte teórica
para abordar a complexidade dos fenômenos da territorialidade em artes, visto
que a obra MESA encontra-se em uma linha de fronteira produzindo novas
dinâmicas operacionais que interferem fortemente nas sensibilidades.
Fundamentamos-nos também no estudo Educação e Poder - Introdução à
Pedagogia do Conflito, de Moacir Gadotti (2003), o autor reúne textos sobre
algumas linhas diretrizes para uma filosofia crítica da educação, tanto para a
prática pedagógica, como para a postura do educador, e ainda enfoca a política e
a teoria das práticas pedagógicas no Brasil de hoje. Assinalamos o quanto esta
referência se faz importante neste processo, uma vez que partimos das mesmas
premissas que concebem a educação e as práticas pedagógicas de maneira
crítica e emancipatória.
De acordo com Gadotti (2002) essa dimensão de educação na perspectiva
pós-moderna, pretende:
Enquanto a educação moderna buscava a igualdade, a hegemonia, a eficiência, a racionalidade, os métodos, os instrumentos e as técnicas, enfim os objetivos e não a finalidade da educação, o pós-modernismo preocupa-se mais com o significado do que com o conteúdo, muito mais com a intersubjetividade e a pluralidade do que com a igualdade e a unidade. Não nega os conteúdos. Pelo contrário, trabalha para uma profunda mudança deles na educação, para torná-los essencialmente significativos para o estudante (p.312).
Estas questões apontadas por Gadotti (2002) vão também ao encontro dos
pressupostos de uma arte-educação pós-moderna, pois, para o nosso campo é
21
igualmente importante cumprir o que diz respeito à dimensão social das
manifestações artísticas. A arte de cada cultura revela o modo de perceber, sentir
e articular significados e valores que governam os diferentes tipos de relações
entre os indivíduos na sociedade. A arte contemporânea cada vez mais solicita
uma compreensão significativa das questões sociais e culturais, as quais podem
ser encontradas nas abordagens socioculturais que enfatizam o desenvolvimento
da consciência crítica, o que é fundamental para esta perspectiva na educação.
Por outro lado, Wilson (1997) cita que: para que o ensino de arte obtenha
um enfoque pós-modernista é necessário que esteja calcado na herança cultural
dos estudantes e que a qualificação do professor de artes visuais seja centrada na
interpretação da obra de arte (p.107). Hernández (2000, 2005) e Franz (2000,
2002, 2003) por sua vez, têm contribuído com suas teorias para que através da
compreensão crítica de imagens da Cultura Visual esta interpretação possa ser
alcançada com maior profundidade. Mesmo porque, a Cultura Visual é um campo
híbrido e transdisciplinar que se nutre de vários outros campos para explorar,
mediante o visual, a dimensão social do olhar (HERNÁNDEZ, 2006, p. 24).
Incluímos também nesta pesquisa, o campo da Pedagogia Crítica, dos
Estudos Culturais e o da Formação de Professores, para isso recorremos a
publicação Los Professores como intelectuales: Hacia una pedagogia crítica del
aprendizage, de Henry A. Giroux (1997) - o autor em questão tece comentários
pertinentes sobre a teoria pedagógica de Paulo Freire, pedagogia esta que busca
desenvolver formas de experiências nas quais os professores e alunos incorporem
uma postura crítica.
Neste sentindo, Giroux argumenta que para desenvolver uma pedagogia
crítica que mereça o apelativo na forma de política cultural, é necessário que,
tanto professores como estudantes, sejam contemplados como intelectuais
transformativos. Através destas idéias defendidas por Paulo Freire e Henry Giroux
esta mestranda incorporou na sua pesquisa de campo e coletas de dados os
conhecimentos adquiridos por estes teóricos.
A Pedagogia Crítica, neste estudo, fundamenta-se também nas teorias de
Richard Cary (1998), McLaren (1997), Paulo Freire (1979,1997) e Franz (2000,
22
2003, 2004). A Pedagogia Crítica enfatiza que a arte e as escolas estabelecem
vínculos sociais, políticos e ideológicos na sociedade na qual se produzem
(FRANZ, GIROUX 1997, 2000; MCLAREN, 1997; CARY, 1998; FREIRE, 1979).
Para Paulo Freire (1979, 1997), o profissional de educação deve estar
engajado com o desenvolvimento da consciência crítica, o qual somente se faz
mediante um processo educativo e dialógico. Segundo este autor esta postura é
importante para pensar as alienações e as assimilações culturais vividas por
nossa sociedade. Em direção semelhante, Giroux (2000), Steinberg e Kincheloe
(2004) e Hernández (1998, 2000, 2001, 2005, 2006) destacam o papel das
culturas das mídias como forças educacionais transformando a cultura popular no
principal lugar onde os jovens aprendem sobre si mesmos e suas relações com o
mundo.
Todos estes autores acima citados contribuem nas chamadas abordagens
socioculturais. Esta abordagem considera que a arte, objetos e imagens, são
manifestações culturais e representações mediadoras de significado de sua época
e cultura. No campo específico do ensino da arte, nos fundamentamos também
em Efland, Freedman e Sthur (2003), Chalmers (2003) e Mason (2001), que
seguem esta tendência. Nas transformações do ensino da Arte, a importância do
modernismo e pós-modernismo na arte e na cultura, tem grande influência e são
abordados freqüentemente pelos teóricos acima citados.Tema este tratado no
presente trabalho. A pesquisa prioriza a interpretação mais do que a percepção
como forma de atingir a compreensão crítica de obras de arte e de imagens em
geral (FRANZ, 2003 e HERNÁNDEZ, 2000, 2007). Todo este corpo teórico citado
fundamenta a pesquisa e contribui para a análise dos estudos de campo,
juntamente com as leituras de outros autores como Freedman (2003), Jameson
(1998) e Gómez (1998).
Para pensarmos e construirmos a fundamentação metodológica da
pesquisa, estudamos os autores Carr (1996), Eisner (1998), Cohen e Manion
(1990), Thiollent (2005) e Franz (2000, 2003), estes que nortearam a análise,
interpretação crítica e avaliação de dados. Utilizamos também obras de outros
23
autores: Rollo (1975), Augé (2007), Anne Cauquelin (1992), Archer (2001),
Imbernón (2000) e Barbosa (2005).
Para fundamentar a opção pelos estudos que envolveram as histórias de
vida nos valemos das idéias de Nóvoa (1995), Goodson (1995) e Josso (2004).
Sabemos que tratar das histórias de vida pessoais no ambiente acadêmico nem
sempre é tarefa fácil. Ancoro-me, então, no interesse que as abordagens (auto)
biográficas têm suscitado nos últimos anos nos círculos educacionais. Assunto
este tratado por Nóvoa (1995) no artigo: Os professores: dimensões pessoais e
profissionais, no qual ele discorre sobre os três AAA que sustentam o processo
identitário dos professores: A de adesão, A de ação, A de autoconsciência. Estas
que segundo Nóvoa (1995):
- A de Adesão, porque ser professor implica sempre em adesão a princípios e valores, a adoção de projetos, um investimento positivo nas potencialidades das crianças e dos jovens. - A de Ação, porque também aqui, na escolha da melhor maneira de agir, se jogam decisões do foro profissional e do foro pessoal. Todos sabemos que certas técnicas e métodos “colam” melhor com a nossa maneira de ser do que outros. Todos sabemos que o sucesso ou o insucesso de certas experiências “marcam” a nossa postura pedagógica, fazendo-nos sentir bem ou mal com esta ou com aquela maneira de trabalhar na sala de aula. - A de Autoconsciência, porque em última análise tudo se decide no processo de reflexão que o professor leva a cabo sobre a sua própria ação. É uma dimensão decisiva da profissão docente, na medida em que a mudança e a inovação pedagógica estão intimamente dependentes deste pensamento reflexivo (p.16).
Também encontro em Goodson (1995) a importância do estudo de vida dos
professores no seu artigo: Dar voz ao professor: As histórias de vida dos
professores e o seu desenvolvimento profissional. No qual ele discorre:
O projeto que recomendo respeita a reconceitualização da investigação educacional, de modo a assegurar que a voz do professor seja ouvida, ouvida em voz alta e ouvida articuladamente. A esse respeito, a maneira mais plausível de avançar, penso eu, seria começar por edificar as noções de “professor auto-regulador”, de “professor como investigador” e de professor como um “profissional de competências alargadas (p.67).
E ainda as teorias de Marie-Christine Josso (2004), que comenta:
24
Se a abordagem biográfica é um outro meio para observar um aspecto central das situações educativas, é porque ela permite uma interrogação das representações do saber-fazer e dos referenciais que servem para descrever e compreender a si mesmo no seu ambiente natural. Para perceber como essa formação se processa, é necessário aprender, pela experiência direta, a observar essas experiências das quais podemos dizer, com mais ou menos rigor, em que elas foram formadoras (p. 38).
1.6 - Metodologia da Pesquisa: Os caminhos construídos no caminhar
do percurso.
No momento que iniciei as aulas de mestrado, profundas reflexões
começaram a ecoar em mim. Habitei e criei outro mundo, um mundo distinto
daquele em que estava acostumada. Reuni novos conceitos e teorias,
posicionamentos considerados até então contrários e antagônicos. Procurei
compreendê-los e reintegrá-los a uma concepção mais ampla, considerando-os
todos passíveis de articulação. Enfim, realizei uma mixagem entre o que aprendi e
o que já sabia. Conceitos originais e vivências novas agregaram-se à minha
experiência. E o processo que julguei ser apenas intelectual, surpreendeu-me!
Aprendi, enquanto lia diversos teóricos e pesquisadores, que devia fazer
escolhas, escolher caminhos. E que estas teriam papel solitário, e angustiante. A
escolha da metodologia foi uma delas. Não poderia escolher esta ou aquela, mas
a que cabia ao meu projeto, e na qual acreditava. Até porque, o processo de
escolhas é um procedimento pelo qual determinada possibilidade é assumida,
adotada, decidida ou realizada.
Sobre este viés, a escolha está estritamente relacionada ao conceito de
liberdade que foi constantemente utilizado por Platão, que, usando o mito de Er,
mostra que o destino do homem depende da escolha que ele faz do modelo de
vida: Não havia nada de necessariamente preestabelecido para a alma porque
cada uma devia mudar segundo a escolha que fizesse. Mas escolher não é nada
fácil...
A quantidade de conteúdos em cada disciplina era muito vasta e os
professores apontavam para uma diversidade e multiplicidade de caminhos que
25
poderia seguir. Somado ao fato das mudanças paradigmáticas importantes, tanto
no campo da educação, como na arte, foco central do mestrado em questão.
Deparei-me com a complexidade, e ela tornou-se meu maior desafio...
O que fazer? Como escolher perante tanta diversidade e multiplicidade?
Como viver de posicionamentos transitórios? Lembro de ter recorrido naquele
momento ao livro: A coragem de criar, de Rollo May, no qual ele explicita no
primeiro capítulo a necessidade de ter coragem frente aos tempos que estamos
vivendo e completa dizendo:
Temos uma escolha. Fugir em pânico ante a iminência do desmoronamento das nossas estruturas; acovardar-nos com a perda dos portos conhecidos; ficar paralisados; inertes e apáticos. Fazendo isso, estamos abrindo mão da oportunidade de participar da formação do futuro (MAY, 1975, p. 9).
Perguntei-me se de fato queria participar da formação de uma sociedade
futura mais justa e mais humana. E mais uma vez a resposta estava na escolha. A
escolha de viver no futuro, de dar um salto para o desconhecido e de ter a devida
coragem para fazê-lo! Coragem a qual Rollo May se refere:
... a coragem de que falamos não é o oposto do desespero. [...] por isso Kierkegaard e Nietzsche, Camus e Sartre afirmam que a coragem não é a ausência do desespero, mas a capacidade de seguir em frente, apesar do desespero (1975, p.10).
Esta coragem me levou ao processo de leitura e de escrita. Será então que
posso considerar este processo um ato de coragem?
Creio que a escrita nos leva a um exercício. Exercício este chamado de
musculatura da alma, nas palavras da Profa. Dra. Rosângela Miranda Cherem. A
alma como princípio de vida e de sensibilidade. A escrita como percurso de
profundidade, ato político, risco e aventura. Um não pode viver sem o outro. O ato
da escrita me leva ao ato da leitura. Ato este que implica análise, evasão,
isolamento e dor. Mas, então, por que ler? Para quê escrever?
Para viver, aprender, acreditar, sonhar, viajar, dividir... Sendo assim, tenho
certeza que Borges sabia disso e que Manguel aprendeu a lição! Movida pelas
26
profundas reflexões e pela necessidade de superar o desespero, a solidão, e
questões biográficas, entrego-me a este processo de corpo e alma!
Com o desejo de focalizar a importância e a necessidade de desenvolver
habilidades de compreensão crítica de manifestações artísticas no processo de
formação docente em Artes Visuais, buscamos neste estudo, evidências sobre
como ocorre este processo.
Para tal tarefa, optamos pela pesquisa qualitativa interpretativa. Já que
dentro desta perspectiva metodológica podemos avaliar, ordenar e interpretar as
compreensões de um grupo de alunos em torno de uma obra contemporânea.
Tendo como objeto de pesquisa a obra MESA (1997 - 1999) de autoria do artista
plástico Nelson Felix (1954), que fez parte de um projeto institucional do banco
Itaú chamado FRONTEIRA, obra esta situada em Uruguaiana, linha de fronteira
entre Brasil, Argentina e Uruguai.
Acompanhando o que Eisner (1998:20) explica, a investigação qualitativa é
adequada para realizar pesquisas relacionadas especificamente com o estudo das
artes, porque, segundo ele, as artes são casos paradigmáticos de inteligência
qualitativa, as quais são reveladoras do mundo em ação. O paradigma
interpretativo crítico em contraste com o paradigma normativo caracteriza-se pela
preocupação com o indivíduo. Cohen e Manion (1990) apud Franz (2003, p. 222)
explicam a perspectiva interpretativa como:
O esforço central no contexto do paradigma interpretativo é entender o mundo subjetivo da experiência humana. Para reter a integridade dos fenômenos sob investigação, são feitos esforços para penetrar dentro da pessoa e entendê-la desde seu interior (...). Começa com o indivíduo e tratam de entender suas interpretações do mundo em sua volta. (...) Assim, a teoria se converte em conjunto de significados que produzem idéia e entendimento do comportamento das pessoas.
A investigação qualitativa interpretativa orienta-se em torno de uma
estrutura simbólica-interpretativa que se centra no estudo das interações humanas
com a realidade (ou aspectos dela), nas quais os significados jogam importante
papel. O que nos leva a reconhecer que as pessoas reagem também aos objetos
que as rodeiam segundo a perspectiva que os interpretam e de acordo com os
27
significados que atribuem aos eventos com os quais se relacionam (FRANZ, 2003,
p.223). Quando falamos em construção e interpretação de significados,
entendemo-los como as idéias, os valores, sentimentos, atitudes e interesses dos
sujeitos humanos, individual e coletivamente considerados (GOMEZ, 1998 apud
FRANZ, 2000; p.279).
A perspectiva interpretativa qualitativa participa do enfoque construtivista
que considera o mundo social como uma entidade dinâmica e mutável, onde as
complexas relações entre indivíduos, grupos e sociedades criam o que se
denomina de realidade social. Ainda para Gómez (2001, p.64), citado na obra
acima os modos de pensamento e comportamento individual e coletivo, bem como
normas de convivência, os costumes [...] são o produto histórico de um conjunto
de circunstâncias que as pessoas constroem e elaboram. No enfoque
construtivista, no âmbito social, são importantes as representações subjetivas dos
fatos (os fatos e os valores).
Este autor considera que para compreender a complexidade real dos
fenômenos é necessário chegar aos significados, valores e interesses, através do
acesso ao mundo conceitual dos indivíduos. Segundo as teorias de Gómez (2001,
p. 66) os fenômenos sociais existem na mente das pessoas e na cultura dos
grupos que interagem na sociedade, e não podem ser compreendidos a menos
que entendamos os valores e idéias dos que participam neles.
A compreensão das relações sociais existentes no ensino de Artes se
encaixa dentro de uma pesquisa qualitativa. Dentre as características essenciais
que podem identificar esse tipo de pesquisa, Godoy (1995) e Demo (2000)
destacam como preocupação do investigador: o ambiente natural como fonte
direta de dados e o pesquisador como instrumento; o caráter descritivo e o
significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida.
Conforme Nagel (1971, apud DUARTE; BARROS, 2005, p. 21), a
variabilidade do fenômeno social, que costuma ser uma das dificuldades para a
orientação positivista da pesquisa científica, dentro da dialética e da Teoria Crítica,
pode ser uma possibilidade de conhecimento emancipatório. O interesse na
emancipação, que é retomado por Habermas (1984 apud DUARTE; BARROS,
28
2005, p. 22), é a crítica que liberta a consciência de sua dependência das forças
hipostasiadas, porque revela sua força real e facilita seu controle.
Os instrumentos de pesquisa que utilizamos no espaço do estágio docência
foram as fichas de avaliação, a avaliação por portfólio e, posteriormente,
analisamos os dados coletados provenientes deste caminho e que está descrito e
analisado no capítulo quatro desta dissertação.
1.7 - Estrutura do Trabalho:
De modo a sistematizar o processo da escrita e esclarecer o/a leitor/a,
estruturei o corpo desta dissertação em quatro capítulos. No primeiro capítulo,
intitulado Itinerário de uma pesquisa e de uma pesquisadora, que está dividido
em oito itens, faço uma breve introdução/contextualização do trabalho, apresento
os objetivos, defino e delimito o problema de pesquisa e na seqüência num item
intitulado Diálogos teóricos: aqueles que nos ajudam a ver e compreender o
objeto de pesquisa, discorro sobre os autores que me ajudaram a compreender a
investigação, de maneira contundente e elucidativa. Apresento uma breve
descrição da metodologia que utilizei nesta trajetória, e por fim mostro a estrutura
do trabalho.
No segundo capítulo, intitulado Cartografia de uma docente
estrangeira, faço um relato autobiográfico com a intenção e possibilidade de
desenhar um mapa, onde constem as minhas origens, minha trajetória, os lugares
e as maneiras pelas quais fui me aproximando do universo da arte e da educação.
Falo dos entrelaçamentos pessoais e profissionais da minha história de vida, as
inquietações que me moveram em direção a este percurso e a escolha da obra
norteadora do estudo; MESA. Finalmente convido o artista Nelson Felix a tornar-
se cúmplice desta história.
Aqui emprego o termo “Mapa” no sentido em que é usado por Deleuze e
Guattari2: oposto à reprodução mecânica que promove o decalque, o mapa
reinterpreta o lugar, abrindo-o a entradas e saídas diversas. Permite, assim,
2 Gilles Deleuze y Felix Guattari, Rizoma. Introducción, Pré-textos, Valencia, 2005, p. 28.
29
reassentar os sítios da memória e reinscrever o lugar do desejo. As cartografias
(tomo o atrevimento de incluir-me) que levanta a arte fazem vacilar os limites,
deslocam os postos de fronteiras, delineiam os contornos geográficos; desenham-
nos com pontos para que permaneçam abertos: para que deixem divisar o outro
lado. Talvez tenha chegado o momento de permitir-me mostrar esse “outro lado”,
que sem dúvida teve o apoio compreensivo e incentivador da minha orientadora
Profª. Drª Teresinha Sueli Franz.
No terceiro capítulo desta investigação, intitulado Ampliando as
fronteiras no contexto educacional, trato da fundamentação teórica que
compreende as conceitualizações e tendências do ensino das Artes Visuais
Contemporâneas, que guiam minha prática, realizando um mapeamento teórico
conciso, através dos tópicos que detalho a seguir: a) as abordagens
socioculturais, b) as artes visuais desde a ótica da Cultura Visual, c) a educação
para a compreensão crítica da cultura visual, d) o instrumento de mediação e
análise crítica para a cultura visual, e) a Pedagogia Crítica, f) a formação do
professor de Artes Visuais e a construção de uma identidade docente.
No quarto capítulo, intitulado Os passos trilhados, refletidos e
analisados no processo do estágio docência, mostramos e analisamos
efetivamente os caminhos metodológicos tomados para a realização da
experiência pedagógica construtiva com os futuros docentes de Artes Visuais da
UDESC e a aplicabilidade do instrumento de mediação e análise de compreensão
crítica que construímos para a analise da obra MESA (1999), do artista plástico
Nelson Felix (1954). Este, que associa estudos da Pedagogia Crítica (GIROUX,
1998; CARY,1998; FRANZ, 2003) com estudos da Cultura Visual e Educação.
Tendências que se fundem nas abordagens pós-modernistas do ensino das Artes
Visuais, nas quais, segundo Franz (2003) o estudo dos objetos artísticos deve ser
crítico, buscando desvelar também as concepções implícitas que as leituras
formais ou esteticistas e essencialistas de obras de arte e de imagens não
alcançam.
Na seqüência trazemos as considerações finais, onde apontamos as
principais evidências que encontramos nesta investigação. Por fim apresento as
30
Referências bibliográficas que me auxiliaram para que este estudo fosse
realizado.
Quero acreditar que esta dissertação possa contribuir de alguma forma,
para uma reflexão sobre nossas práticas em Artes Visuais, e sobre a importância
e necessidade de desenvolver habilidades de compreensão crítica de
manifestações artísticas no processo de formação docente. Assim como auxiliar
os futuros docentes a tornarem-se sujeitos críticos, a fim de ultrapassar o
julgamento ingênuo que geralmente não passa de “gosto/não gosto”, que é a
forma mais comum de se falar da arte.
31
Figura 4 – A força do destino, Patrícia H. - 2008
Segundo Capítulo
Cartografia de uma docente estrangeira
32
2.1 - Entrelaçamentos pessoais e profissionais: fragmentos de história
de vida
Se você está com a saúde abalada, pode remediá-la. Se seus relacionamentos pessoais são insatisfatórios, você pode torná-los melhor. Se você está na miséria, poderá ver-se rodeado pela abundância... Todos
vocês, independentemente da posição, do status, das circunstâncias ou das condições físicas, estão no controle de suas próprias experiências.
Seth
Durante vinte e sete anos tenho me dedicado ao ensino e, mais
especificamente, nos últimos dez anos, ao ensino das artes visuais, razão esta
que me conduziu a esta dissertação. Percorri um longo caminho até este momento
que gostaria de dividir com você, caro/a leitor/a.
E é nas palavras de Nóvoa (1995) que encontro subsídios para o presente
relato:
A nova atenção concebida às abordagens (auto) biográficas no campo científico é a expressão de um movimento social mais amplo, bem patente na produção literária e artística. Encontramos-nos perante uma mutação cultural que, pouco a pouco, faz reaparecer os sujeitos face às estruturas e aos sistemas, a qualidade face à quantidade, a vivência face ao instituído (p.18).
Chegada ao Brasil há trinta e três anos, vinda da Argentina, com uma
proposta que meu pai recebera de instalar uma empresa pesqueira no Rio Grande
do Sul. Uma nova língua, somada às aulas intensivas de português, fez parte da
minha nova vida. Afinal, a única palavra que sabia falar era “muito obrigada”. Na
ocasião da matrícula, nos anos setenta, eram ofertados nas escolas de Ensino
Médio, cursos profissionalizantes. Lembro de ter optado pelo magistério, já que a
minha paixão pela profissão era evidente.
As aulas iniciaram e o processo de regulamentação para a permanência no
país, junto à polícia federal foi encaminhado a Brasília. Depois de algum tempo,
veio a primeira decepção. O visto fora negado, tornando-nos turistas por longos
33
dez anos. Recorri a fronteiras a cada três meses, para saída e entrada no país, o
que se tornou uma prática necessária para manter-me nesta terra. Tenho certeza
que esta experiência marcou-me profundamente, já que era uma estrangeira em
um país que sonhava ter como pátria. E uma educadora que almejava um ensino
transformador. Só após o casamento com um brasileiro, hoje meu marido, é que
adquiri minha “modelo dezenove”, carteira de identidade para estrangeiros e duas
filhas. Juntos, fomos descobrindo e construindo formas de habitar o mundo e
aprendemos a arquitetar nossas vidas, nossas identidades. O tempo passou...
Trabalhei como professora de jardim de infância até a oitava série,
ensinando e aprendendo junto aos estudantes. Lembro um dia em que estava
sentada lendo um jornal da região, próxima à janela do meu quarto, quando um
raio de sol entrou e iluminou a propaganda dos cursos ofertados na Universidade
Regional de Blumenau (FURB). Meus olhos percorreram rapidamente as
propostas, mas uma em particular ressoou de maneira única. Perguntei-me o
porquê, e muitas lembranças brotaram. Tinha seis anos quando comecei a
acompanhar minha mãe nas aulas de expressão corporal e lembro a paixão com
que ela lecionava. O entusiasmo e a dedicação que depositava nos movimentos
do corpo e na plasticidade ficaram registrados. Mais tarde em uma escola próxima
à minha casa, tive a oportunidade de fazer dança moderna, e relembro claramente
o prazer que tinha enquanto dançava. Ainda naquela época, meu pai costumava
me levar para o teatro Colón a fim de ver as companhias de balé que se
apresentavam. Meu coração vibrava na mesma sintonia da música tocada.
Goodson (1995) discorre sobre a importância da vida dos professores e
relata um episódio sobre o estudo de um etnólogo, Pegg:
Comecei a refletir que, para mim, as pessoas que cantam as canções eram mais importantes do que as próprias canções. A canção é apenas uma pequena parte da vida do cantor e a vida foi sempre algo de fascinante. Não poderia compreender as canções sem saber alguma coisa sobre a vida do cantor, o que não parecia aplicar-se ao caso da maior parte dos etnólogos. Sentem-se felizes por encontrar material que se adapte a um critério preconcebido e ficam por aí. Eu necessitava de saber o que as pessoas pensavam a cerca das canções, que papel desempenhavam na sua vida e na vida da comunidade (PEGG In: GOODSON, 1995, p.66).
34
Os passeios de domingo feitos pelas feiras de San Telmo, do Tigre e El
Caminito eram verdadeiros mundos de magia e sedução. Guardo na memória
alguns registros que se fixaram: o casal dançando tango ao som de Astor Piazola,
os artistas plásticos e suas telas, os artesãos de mãos habilidosas, as barracas
das feiras, umas abarrotadas de temperos mil, e outras com antiguidades que
mais pareciam um livro aberto de história. O mundo da arte que se abrira aos
meus olhos naquela época era o mesmo raio de sol que entrava pela referida
janela. Naquele dia senti que havia mais que um desejo contido. Era uma força
interior, uma mola propulsora adormecida daqueles anos. Assim, decidi prestar
vestibular para o curso de Licenciatura em Educação Artística.
Hoje sei que a partir daquela decisão iniciei um processo identitário, que
como nos lembra Nóvoa (1995, p. 16):
A identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Por isso é mais adequado falar de processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor.
Durante os quatro anos de formação, conceitos somaram-se à bagagem
que tinha como educadora em sala de aula e uma realização pessoal e
profissional ganhou nova forma. Concluída a graduação, portas fecharam-se. Mas
janelas se abriram para questões instigantes... Entendi que devia procurar outros
rumos, outros conceitos para somá-los aos que já possuía.
Conforme este relato, matriculei-me como aluna especial na disciplina Mito,
Símbolos e Espetáculo, no Programa de Pós-Graduação de mestrado em Teatro
da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) já que não existia
mestrado na área de artes visuais na instituição. Quando a disciplina culminou,
fiquei com uma vontade enorme de conhecer e aprender outras abordagens sobre
a arte. Decidi então que devia prosseguir. Matriculei-me no mestrado em
Educação e Cultura na disciplina Cultura Visual e Semiótica, ainda assim, não era
este o enfoque que procurava. De qualquer maneira, não resta dúvida que aprendi
muito naquela época. Determinada a continuar estudando, apareceu a
35
oportunidade de realizar uma especialização no Ensino de Arte da referida
instituição. Durante este período, iniciei um processo de aprofundamento de
conhecimentos sobre a arte e seu ensino. Aprofundamento este que ganhou força
e me move até hoje.
Nóvoa (1995) auxilia-me discorrendo:
O processo identitário passa também pela capacidade de exercermos com autonomia a nossa atividade, pelo sentimento de que controlamos o nosso trabalho. A maneira como cada um de nós ensina está diretamente dependente daquilo que somos como pessoa quando exercemos o ensino (p.17).
A partir deste processo, surgiu a possibilidade de capacitar arte-
educadores/as do ensino fundamental. Em muitas ocasiões as perguntas deles
tornaram-se profundas reflexões. Estas que tomaram forma de monografia:
Pensando a Educação em Arte. Acreditei que depois da Especialização meu
desejo e sede por conhecimento se apaziguariam. Estava enganada, uma voz
continuava a ressoar, queria mais! .
Neste sentido Goodson (1995) auxilia-me quando discorre:
O que afirmo, aqui e agora, é que, particularmente no mundo do desenvolvimento dos professores, o ingrediente principal que vem faltando é a voz do professor. Em primeiro lugar, tem-se dado ênfase à prática docente do professor, quase se podendo dizer ao professor enquanto “prático”. Necessita-se agora de escutar acima de tudo a pessoa a quem se destina o “desenvolvimento” (p.69).
Necessitava ir mais fundo na busca de uma construção maior. Apareceu
então, através de um e-mail, o convite para fazer mestrado na área de Ensino de
Artes Visuais na UDESC. Não tive dúvidas, iniciei os estudos da bibliografia
sugerida e aceitei o desafio de concorrer a uma vaga.
Lendo o edital para a seleção com os nomes dos/as professores/as e suas
linhas de pesquisa, encontrei um nome em particular, que chamou minha atenção.
Era o da professora Dra. Teresinha Sueli Franz, a qual havia realizado seu
doutorado em Barcelona orientada pelo professor Dr. Fernando Hernández, este
com o qual compartilhava idéias através dos seus livros editados no Brasil e na
Espanha. Assim, matriculada como aluna especial na disciplina Educação para
36
uma Compreensão Crítica da Arte, ministrada pela referida professora, iniciei
estudos sobre o Ensino e a Aprendizagem ligados às Artes Visuais, dentro de uma
perspectiva contemporânea de autores centrais da Pedagogia Crítica e dos
Estudos Culturais. Ainda tomei conhecimento sobre a criação de um instrumento
mediador de análise para compreensão da obra de arte que a professora
Teresinha Sueli Franz tinha realizado no seu doutorado.
Na medida em que lia os teóricos e pesquisadores sob a perspectiva
sociocultural de Educação tinha a certeza que me descobria pessoal e
profissionalmente. Goodson (1995) completa:
As experiências de vida e o ambiente sociocultural são obviamente ingredientes-chaves da pessoa que somos, do nosso sentido do eu. De acordo com o ‘quanto’ investimos o nosso ‘eu’ no nosso ensino, na nossa experiência e no nosso ambiente sociocultural, assim concebemos a nossa prática (p. 71-72).
Acredito que já viajei alguns quilômetros para chegar até aqui, mas muitos
outros ainda estão para serem percorridos. Gostaria de concluir este relato,
recordando o que Augé, no seu livro Não-Lugares, comenta a respeito do livro
L’invention du quotidien, de Michel de Certeau:...todo relato volta à infância. Ao
recorrer à expressão “relatos de espaço”, Certeau quer falar dos relatos que
“atravessam” e “organizam” lugares (Todo relato é o relato de uma viagem...). Falo
de mim, da minha viagem, dos vários lugares que atravessei. E divido com você
leitor e leitora neste momento a necessidade intrínseca de organizar através da
escrita minha história cartográfica de docente estrangeira.
2.2 - Identidade e diferença no processo de constituição do ser
Procurar acolher o outro como outro e o estrangeiro como estrangeiro; acolher outrem, pois, em sua irredutível diferença, em sua estrangeiridade infinita,
uma estrangeiridade tal que apenas uma descontinuidade essencial pode conservar a afirmação que lhe é própria.
Maurice Blanchot (1969)
37
Maio, estágio docência. Corredores da UDESC. Lá no fundo, vejo a figura
da professora Teresinha Franz vindo ao meu encontro carregada de livros.
Rapidamente colaboro para que o peso possa ser dividido. Ela comenta que lhe
parece fundamental incluir nova bibliografia sobre as questões identitárias. Mesmo
porque, estas, ajudam a compreender mais profundamente os temas relacionados
com a identidade, e a valorizar as biografias dos alunos junto à aplicação do
instrumento de mediação e compreensão crítica da obra do Nelson Felix.
Meus olhos se fixam na quantidade de folhas que ainda terei que ler...
Desespero! Parece que nunca é o bastante, sempre falta alguma coisa que
poderia ser lida para complementar o turbilhão de idéias que se apresenta.
Dentre aquele mundo de livros, sem dúvida, os que tratam das questões
identitárias, me emocionam de maneira particular. E o que à primeira vista era um
assunto de interesse para tratar das questões de pesquisa, torna-se um mergulho
do meu “ser estrangeira”. Creio que nunca imaginei que aqueles livros carregados
gentilmente pela minha orientadora pudessem me esclarecer questões tão
biográficas.
Em Identidade e diferença, organizado por Tomaz Tadeu da Silva, e em El
Poder de la Identidad, de Manuel Castells, a leitura fluiu de tal forma que esqueço
tudo lá fora e encerro-me! Encontro-me, juntando as peças como que em um
quebra-cabeça. Calhoun escreve:
Não conhecemos gente sem nome, nem línguas ou culturas em que não se estabeleçam de alguma maneira distinções entre o eu e o outro, o nós e o eles. [...] O conhecimento da gente mesma - sempre em construção mesmo que se considere um descobrimento - nunca é completamente separável das exigências de ser conhecido pelos outros de modos específicos (1994, p. 9).
As palavras de Calhoun me trazem a constatação que apesar dos muitos
quilômetros percorridos para tornar-me uma cidadã brasileira, carrego em forma
de sotaque e temperamento uma ambigüidade própria da minha estrangeirice. É
notado por mim, pelos que me conhecem e certamente pelos que ainda hão de
me conhecer.
38
De forma rápida e superficial, definir a identidade é simplesmente aquilo
que é: “sou brasileira”, “sou negra”, “sou estrangeira”. A identidade assim
pronunciada parece ser uma positividade (“aquilo que sou”), um “fato“ autônomo.
Nesse sentido ela possui como referência a si própria, sendo auto-contida e auto-
suficiente.
Continuando este raciocínio, também a diferença é uma entidade
independente. Apenas neste caso, em oposição à identidade, a diferença é aquilo
que o outro é: “ela é espanhola”, ”ela é branca”, “ela é mulher”. Desta maneira
concebida a identidade e a diferença são auto-referenciadas, algo que remete a si
própria. Sendo assim, uma depende da outra e estão sempre em estreita
dependência.
Quando afirmo: “sou brasileira”, na verdade, é parte de uma extensa cadeia
de negações, de expressões negativas de identidade, de diferenças. Por trás, da
afirmação “sou brasileira” deve-se ler: “não sou chinesa”, “não sou japonesa”.
Deste modo, as afirmações sobre a diferença só fazem sentido se compreendidas
em relação às suas afirmações sobre a identidade. Dizer que “ela é chinesa”
significa dizer que “ela não é brasileira”. Neste sentido, cabe-me constatar que
identidade e diferença são, pois, inseparáveis, e devem ser ativamente
produzidas.
Elas não são criaturas do mundo natural ou de um mundo transcendental, mas do mundo cultural e social. Somos nós que a fabricamos, no contexto de relações culturais e sociais. A identidade e a diferença são criações sociais e culturais (SILVA, 2000, p. 76).
Partindo dessa premissa, creio que compreendo a enxurrada investigativa a
que me submeto, por mais de trinta anos. Afinal, “não sou brasileira” (sou
naturalizada), “não sou argentina” (perdi a nacionalidade), “sou estrangeira”.
Palavra esta que possui a obviedade de se entender que a pessoa não é natural
do país onde se encontra. Não é do “local”.
39
Igualmente observo que cada cultura tem suas próprias e distintas formas
de classificar o mundo. Sendo que são através de sistemas classificatórios 3 que a
cultura nos propicia os meios pelos quais podemos dar sentido ao mundo social e
construir significados. Assim, entre os membros de uma sociedade, existe certo
grau de consenso sobre como classificar as coisas a fim de manter alguma ordem
social. Ordem esta que segundo Woodward (2000):
É mantida por meio de oposições binárias, tais como a divisão, entre “locais” e “forasteiros”. A produção de categorias pelas quais os indivíduos que transgridem são relegados ao status de “forasteiros”, de acordo com o sistema social vigente, garante certo controle social (p. 46).
Assim, as distinções entre “forasteiro” e “local”, são produtos de sistemas
culturais de classificação cujo objetivo é a criação da ordem. Pensando sobre o
viés da oposição binária, posso concluir que estou sempre burlando a ordem! Mas,
creio que essas oposições binárias é o que restou dos tempos modernos...
Ressoa em mim uma necessidade profundamente humana e
contemporânea de ir além dessas oposições que estruturaram nossas vidas desde
o projeto ilustrado. Mesmo porque o século XX foi repleto de jogos de soma zero
entre a esquerda e a direita, o formal e o social, o local e o global, o certo e o
errado. Sei que posso tentar abrir um caminho “entre” como uma possibilidade a
partir da qual ambas as alternativas possam ser vistas, julgadas e consideradas.
Inúmeros pesquisadores e pesquisadoras auxiliam-me quando criticam a oposição
binária e argumentam que os termos em oposição recebem uma importância
diferencial, de forma que um dos elementos da dicotomia é sempre mais
valorizado ou mais forte que o outro 4.
3 No artigo de Kathryn Woodward, que faz parte do livro de Tomaz Tadeu da Silva, a autora discorre desta forma: “as identidades são fabricadas por meio da marcação da diferença. Essa marcação da diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de formas de exclusão social. A identidade, pois, não é o oposto da diferença: a identidade depende da diferença. Nas relações sociais, essas formas de diferença, a simbólica e a social, são estabelecidas, ao menos em parte, por meio de sistemas classificatórios” (WOODWARD, 2000, p. 39-40). 4 Para citar um teórico que vem de encontro com essa crítica, escolho o nome de Jacques Derrida que explana essa oposição binária na obra: On Grammatology. Baltimore/ Londres: MDJonhns Hopkins University Press, 1976.
40
Interessantes são os movimentos que conspiram para complicar e subverter
a identidade. E é neste sentido que a teoria cultural contemporânea tem
destacado alguns desses movimentos, apropriando-se de metáforas no sentido de
viagem, movimento, deslocamento e cruzamento de fronteira.
Portanto, minha história cruza-se com este movimento e reconheço que
existem em mim momentos pedagógicos subversivos. Reflito....
O ato de viajar obriga quem viaja a sentir-se “estrangeiro” posicionando-o,
ainda que temporariamente, como o “outro”. A viagem proporciona a experiência
do “não sentir-se em casa” que dentro da perspectiva da teoria cultural
contemporânea, caracteriza, na verdade, toda identidade cultural (SILVA, 2000,
p.91). E continua: O outro é o outro gênero, o outro é a cor diferente, o outro é a
outra sexualidade, o outro é a outra raça, o outro é a outra nacionalidade, o outro
é o corpo diferente (SILVA, 2000, p.97).
Sendo assim, constato e processo mais uma vez a minha estrangeirice...
Ainda Silva (2000) me traz questões de fundo que não tinha percebido, quando
num dos tópicos do seu artigo, ele discorre sobre uma política pedagógica da
identidade e da diferença, quando diz:
Ir além das benevolentes declarações de boa vontade para com a diferença. [...] Um currículo e uma pedagogia da diferença deveriam ser capazes de abrir o campo da identidade para as estratégias que tendem a colocar seu congelamento e sua estabilidade em xeque: hibridismo, travestismo, cruzamento de fronteiras (p.100).
Pergunto-me. Será que esse hábito (cruzar municípios vizinhos) não está
relacionado a uma necessidade pedagógica de estar transgredindo? O autor
auxilia-me a completar a idéia: estimular, em matéria de identidade, o impensado
e o arriscado, o inexplorado e o ambíguo, em vez do consensual e do assegurado,
do conhecido e de assentado. Favorecer, enfim, toda experimentação que torne
difícil o retorno do eu e dos nós ao idêntico (SILVA, 2000, p. 100).
Talvez estas questões tenham me tornado uma educadora em busca de um
ensino transformador. Se bem que trago aqui reflexões da minha própria prática,
41
também questiono a prática de colegas arte-educadores, ou ainda, dos
educadores de forma geral.
Outras questões que merecem minha atenção particular e que são
colocadas pela teoria cultural contemporânea, mesmo que de forma indireta, é a
utilização de metáforas tais como: hibridização, miscigenação, e sincretismo,
fazendo uma alusão a alguma espécie de mobilidade entre os diferentes territórios
da identidade.
Pretendo deter-me no hibridismo, após algumas reflexões pessoais. O
termo hibridismo originou-se das ciências biológicas (o cruzamento de duas
espécies diferentes) e tem sido utilizado com freqüência, desde as duas últimas
décadas de século XX no campo dos Estudos Culturais. Na Europa e na América
do Norte o termo começou a ser intensamente trabalhado nos anos 80 nos
estudos sobre o Pós-Colonialismo e Multiculturalismo desenvolvido por diversos
autores, dentre os quais destaco Stuart Hall 5. Na América Latina, o autor que
mais se destaca nessa abordagem é Nestor Garcia Canclini, com a obra Culturas
Híbridas - Estratégias para entrar e sair da modernidade (1989). O livro é
resultado de um exercício de releitura das culturas latino-americanas à luz do
fenômeno da pós-modernidade. Mas, de que forma o termo hibridismo, utilizado
pelo campo da biologia e da genética, foi transposto para o campo das culturas?
Na obra de Mikhail Baktlin 6 ele usa como exemplo de construção híbrida a novela
Don Quixote7, de Cervantes, e sua linguagem da ironia misturada na linguagem
clássica. Esta forma de hibridização lingüística torna possível a contestação, a
disposição das diferenças culturais umas com as outras, de forma politizada e
5 Respectivamente com as obras publicadas no Brasil: O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 2001, e a Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1999. 6 BAKHTIN. Mikhail. The dialogic imagination. Austin: The University of Texas Press, 1981. p. 358. 7 Em princípios de maio de 2002, uma impressionante comissão de críticos literários de várias partes do mundo escolheu o livro Dom Quixote de La Mancha, escrito por Cervantes, a partir de 1602, como a melhor obra de ficção de todos os tempos. Ao tempo em que narrava os feitos do Cavaleiro da Triste Figura em ritmo dos romances da cavalaria, Cervantes enervado com o sucesso daquele tipo de gênero literário junto ao grande público, realizou uma das maiores sátiras aos preceitos que regiam as histórias fantasiosas daqueles heróis de fancaria (http://pt.wikipedia.org/wiki/Dom_Quixote, acessado em 29 de março de 2007).
42
dialógica. Para o autor, a hibridização no discurso torna possível uma voz
desmascarar outra, onde o discurso autoritário é desfeito.
Essa perspectiva de Bakhtin, de subversão da autoridade discursiva, serviu
de inspiração para que o termo “hibridização” fosse retrabalhado por Stuart Hall,
que buscou nele uma abordagem crítica ao princípio colonial da pureza ou
homogeneidade étnica.
Entendo por hibridismo (dentro da perspectiva da teoria cultural
contemporânea), a mistura, a conjunção, o intercurso entre diferentes
nacionalidades, entre diferentes etnias, entre diferentes raças. Colocando em
xeque os processos que tendem a conceber as identidades como
fundamentalmente separadas, divididas e segregadas. Será que “ser estrangeira”
é um pouco sentir-se híbrida?...
A identidade que se forma por meio do hibridismo não é mais integralmente
nenhuma das identidades originais, embora guarde traços dela (SILVA, 2000,
p.87). Esta frase, de Tomaz Tadeu da Silva, ocasiona profundo impacto em mim.
E confesso: nestes anos de existência tenho momentos de desconforto
angustiante, por não sentir-me nem argentina, nem brasileira! Mas esse
desconforto dilui-se na medida em que sou tomada pelo acolhimento do “outro”,
tanto dos meus alunos, como da minha família, ou dos meus amigos. Em suma,
meu coração pulsa ao compasso de um samba, com pitadas de acordeom.
2.3 – MESA - O Porquê da escolha, o porquê das nossas escolhas
Ano de 2006, final do segundo semestre, mês de outubro. Matriculada
como aluna especial na disciplina “Educação para uma Compreensão Crítica da
Arte” ministrada pela Professora Dra. Teresinha Sueli Franz, tenho a incumbência
de apresentar e construir um instrumento mediador de análise crítica de uma obra
de arte (com total liberdade de escolha da obra) como trabalho final da disciplina.
Tarefa nada fácil se tratando de um campo tão vasto, complexo e rico como
é o das artes visuais. Perguntas ecoam sem resposta. Que obra escolher? ... No
entanto existe em mim, um desejo latente, uma necessidade intrínseca de
43
aprofundar meu conhecimento nas questões da territorialidade na arte
contemporânea, sobre o viés fronteiriço. Assuntos muito próximos ao meu
percurso pessoal.
Creio que esse desejo sempre me acompanhava, mas permanecia em
silêncio e adormecido como uma questão de fundo na qual não queria tocar.
Recorro nesse momento a um texto da autora Marilena Chauí que faz parte do
livro chamado O Desejo já que esta é a definição que mais se aproxima do que
creio ser um desejo... A palavra desejo tem bela origem. Deriva-se do verbo
desidero que, por sua vez, deriva-se do substantivo sidus (mais usado no plural,
sidera), significando a figura formada por um conjunto de estrelas, isto é as
constelações. Porque se diz dos astros, sidera é empregado como palavra de
louvor - o alto - e, na teologia astral ou astrologia, é usada para indicar a influência
dos astros sobre o destino humano... (CHAUÍ, 1989, p. 22).
Sei que nem sempre o que desejamos é alcançado, porém, as questões
pessoais que me movem possuem intensidade e força apaixonante...
Inicio, então, a busca pela obra. Examino catálogos, pesquiso na internet,
converso com os colegas de mestrado sobre o que está me inquietando.
Mergulhada na garimpagem da mesma e realizando um seminário temático
oferecido pelo programa de mestrado da UDESC com o Prof. Dr. Luiz Camillo
atrevo-me a perguntar-lhe se conhece algum artista que tenha trabalhado as
questões de territorialidade sobre o viés fronteiriço. Sim, responde em tom baixo e
pausado, o que é próprio da sua personalidade. O artista plástico Nelson Felix
participou de um projeto institucional chamado Fronteira. Acredito que lá possa
encontrar algo que lhe interesse. Concluída a aula, a curiosidade toma-me.
Debruço-me ansiosa na frente do computador e encontro exatamente o que
buscava. MESA!
44
2.4 - MESA – Um lugar particular gravado para sempre
MESA (1999) é o título da obra escolhida para a realização da análise e
compreensão crítica utilizando o instrumento mediador criado por Franz (2003).
A referida obra repousa na planície erma do Estado do Rio Grande do Sul, na
cidade de Uruguaiana, linha de fronteira entre Brasil, Uruguai e Argentina. De
autoria do artista plástico Nelson Felix faz parte de um projeto institucional
chamado FRONTEIRA, patrocinado pelo banco Itaú.
O lugar onde se localiza a obra possui uma particularidade especial para
mim. Explico-me.
Devido à dificuldade de não possuir visto permanente no país, (assunto
este que discorro no início desta dissertação com o nome de: Cartografia de uma
docente estrangeira) tinha que recorrer à prática de atravessar alguma linha de
fronteira com intervalo trimestral, tempo permitido a um estrangeiro para
permanecer no país.
Essa prática perdurou por longos dez anos, tempo suficiente para me
envolver com esta maravilhosa terra. Submergir ao amor por um brasileiro e
abraçar a profissão de professora, paixões estas que me acompanham até hoje. E
que me levaram ao óbvio e inevitável.
Comecei a falar menos espanhol, a ouvir menos tango, a gostar menos de
cores sóbrias, e a questionar a intolerância argentina. Nada mais me emocionava.
Assim, passei a ouvir mais samba e MPB, a contagiar-me com a exuberância das
cores, com a alegria do povo e a miscigenação deste novo país. Brasil... Tornei-
me turista permanente em uma terra que almejava tê-la como pátria. Não queria
mais voltar, sentia que pertencia a esta terra, e queria fazer parte dela. Aliás,
aspirava mudar de nacionalidade, possuir outra carteira de identidade. O que à
primeira vista parecia muito simples ganhou uma complexidade inesperada.
Talvez porque sentir-se parte de um território seja de difícil construção. Tive
que recorrer a instrumentos emocionais, afetivos, intelectuais e sensitivos.
45
Para entender a idéia, Margarita Schultz auxilia-me examinando as
identificações territoriais experimentadas por artistas não nativos-estrangeiros em
diferentes países e cita Lasar Segal:
...a mudança de território e de paisagem criou nele um impulso de identificação e pertinência. Desenhos e pinturas de gente negra, assim como as paisagens tropicais ocuparam sua vontade de realização (2002, p.129).
Outro autor que vem ao meu subsídio é Nelson Brissac Peixoto com o texto
O olhar do estrangeiro, no qual ele se pergunta se somos ainda capazes de ver
através desta mitologia esvaziada de todo significado pela repetição? E discorre:
...neste mundo de personagens e cenários, tudo é imagerie. Tudo parece remake. A repetição ao infinito banaliza as imagens, transformando-as em clichês. É como se a cultura contemporânea estivesse liquidando seu estoque... O cinema americano e as narrativas recentes utilizam o recurso do olhar do estrangeiro... Aquele que não é do lugar, que acabou de chegar, é capaz de ver aquilo que os que lá estão não podem mais perceber. Ele é capaz de olhar as coisas como se fosse pela primeira vez e de viver histórias originais... (PEIXOTO, 1988, p. 363).
Creio que a vivência de histórias originais, a necessidade intrínseca de
pertinência e identificação com o lugar, acompanha-me até hoje. Necessitei
atravessar inúmeras vezes a linha de fronteira onde se encontra MESA (1999). E
sei que agora chegou o momento de dividir esse lugar particular.
2.5 - MESA – E a paisagem dos pampas que tanto percorri
Em uma terra assoprada pelos ventos pampianos do Rio Grande do Sul,
mais precisamente na cidade de Uruguaiana, a potência de um guindaste
suspende pesadas placas de ferro sobre moirões de eucalipto.
Desta forma, nove chapas de aço cortén são colocadas, horizontalmente,
uma depois da outra, e expostas à ação do tempo...
O meu olhar percorre a MESA (1999) na imensidão do comprimento, e
quase não consigo observar o final dos seus 51 metros.
46
Percebo que árvores foram plantadas, tanto de um lado como do outro.
Sensação esta em que parecem espelhar-se. E descubro através de pesquisas
em sites e livros que são figueiras-do-mato, árvores não-nativas, trazidas da Índia
e plantadas em toda a extensão da obra.
Estes elementos conjugam uma extensa simbologia. Para os budistas, a
figueira é venerada, pois debaixo dela Buda alcançou a sua revelação religiosa.
Ao todo 22 (vinte e duas), número considerado mágico na Cabala, por totalizar as
letras que exprimem o universo. Assim, instaura-se MESA (1999), apoiada na
grande planície de grama seca e amarelada. Descansa...
Partindo desta ação artística, Nelson Felix (1954) cria uma relação da obra
com a paisagem, com a terra e, conseqüentemente, com o território em que esta
inscrita.
Esse tipo de produção artística iniciou-se a partir dos anos 60, acompanhada
de grande turbulência social e cultural nos Estados Unidos. A paisagem
tradicional, fonte de inspiração nas artes visuais, passa a ser tratada de forma
peculiar por certo número de artistas. Em vez de representá-la através de pinturas,
muitos deles decidiram introduzir-se na paisagem, utilizando seus recursos e
trabalhando com seus aspectos mais característicos. Eles não estavam mais
representando a paisagem, mas se encontrando com ela. Sua arte não era
simplesmente sobre a paisagem, mas na paisagem.
As primeiras obras, realizadas por Michael Heizer, Robert Smithson, e
Walter de Maria, ficaram conhecidas como Land Art que na tradução literal
significa “arte da terra”.
Em várias entrevistas, estes artistas declaravam que a escultura precisava
expressar o caráter e a escala das grandes paisagens ocidentais.
Tomo como exemplo a obra Spiral Jetty, 1970, de Robert Smithson que
representa claramente o que eles afirmavam.
Era uma época de grandes antagonismos sociais, que tinha como pano de
fundo uma guerra impopular (Vietnã), o consumo desenfreado e as conquistas
espaciais entre outras coisas. Dentro desse contexto a arte criava mecanismos
para subverter a ordem imposta. Era uma arte inconformada, não complacente,
47
que não se pretendia perene e nem utilizada para o consumo. Era um momento
em que os artistas fugiam da guerra, fugiam de si mesmos e se refugiavam na
paisagem.
Em 1979, Rosalind Krauss, crítica americana, publicou um artigo que é
considerado referência para qualquer tentativa de conceituar o campo da escultura
dos anos 60 e 70. Ela propunha uma fundamentação lógica para entender a
subseqüente proliferação das formas de arte que, por falta de uma palavra melhor,
continuavam sendo agrupadas sob o título geral de “escultura”. Tomando a idéia
de Morris do “campo expandido”, Krauss argumentava que a Land Art, por
exemplo, podia ser mais bem definida em termos de um duplo negativo: ela não
era nem arquitetura nem paisagem (ARCHER, 2001, p.102).
Desta forma, MESA, de Nelson Felix, dialoga com a expansão do espaço
artístico conquistado e hoje faz parte da possibilidade de uma intervenção artística
em toda e qualquer parte do globo terrestre.
As produções em Land Art também evidenciam preocupações e
envolvimentos dos artistas contemporâneos com a paisagem, com a natureza
intocada pela mão humana. O artista atua, então, para revelar possibilidades
visuais ali presentes, ou possíveis de implementar, buscando de certa forma
resgatar relações primárias do homem com seu ambiente, que a vida urbana
fizera desaparecer (BULHÕES, 2002, p.158).
Ao longo de sua existência, o que hoje chamamos “arte”, sempre esteve
ligada a outros aspectos da vida, formando binômios de atuação. Assim é que, em
determinadas épocas da história, a arte se ligou à magia, à religião, à ciência, à
política ou à tecnologia. Mas de todos esses binômios, talvez um dos mais
permanentes seja o da arte e a natureza.
Por natureza entendo todos os seres que constituem o universo: vegetais
animais e minerais. O mundo visível, concreto, em oposição ao mundo das idéias.
E é na natureza, que MESA (1999) repousa na paisagem. Podendo tomá-la como
uma forma de referência à territorialidade na arte contemporânea.
A categoria interferência pode ser vista como um tipo de atuação sobre a paisagem-território. No caso da paisagem natural, pode-se pensar nos inúmeros casos de Land Art, quando a visualidade é
48
alterada pela ação criativa do artista, que a modifica de forma sutil, como, por exemplo, Richard Long, com seus círculos de pedras, que, depois de fotografados, são desmanchados; ou quando, de forma mais agressiva, são feitas grandes escavações no deserto, para o Duplo Negativo de Michael Heizer. Em qualquer um dos casos, o artista altera o espaço natural, introduzindo ou reordenando elementos visuais. A natureza deixa de ser uma realidade autônoma para se tornar um suporte da representação artística (BULHOES, 2002, p.161).
A ação artística de Nelson Felix em MESA cria uma interferência
permanente com a paisagem. O artista impõe ao espectador outra maneira de se
relacionar com aquele espaço. Transformando a sua relação com a paisagem.
Surpreendendo-o, intriga-o! Aquele lugar que era um espaço neutro, corriqueiro,
cotidiano, passa a ser um lugar particular e personalizado.
Desta forma, realiza-se uma transformação de um não-lugar8 em um lugar,
através do estabelecimento de uma nova relação com a paisagem, com a sua
reterritorialização. A paisagem como categoria artística, teve desde sua origem
uma estreita ligação com a territorialidade, o que podemos perceber de maneira
marcante no movimento romântico do século XIX.
Cabe lembrar ainda que o vocábulo paisagem deriva de país, por sua vez
originado do latim pagus, que significa aldeia, povoado. Alguns dicionários mais
antigos definem a expressão paisagista como pintor de países, o que permite
estabelecer uma relação significativa com naturalização, que é o ato pelo qual um
estrangeiro se torna cidadão de um Estado que não é o seu, perdendo ao mesmo
tempo a sua nacionalidade de origem (MORAIS, 2001, p. 8).
Mais uma vez, minha história cruza-se com MESA. Mesmo possuindo visto
permanente no país desde 1982, só no ano de 2002, é que resolvi naturalizar-me
brasileira (me faltava coragem, tinha medo)9 queria tornar-me uma cidadã
completa.
Tenho que confessar que no dia que jurei a bandeira brasileira, nasci pela
segunda vez, num território que tanto almejei como pátria! 8 Refiro-me aqui ao conceito de Marc Augé como sendo aqueles espaços contemporâneos que, por suas características homogêneas, adquirem neutralidades que os despersonificam. 9 Augé comenta que todas as atitudes individuais são concebíveis: a fuga (para casa, para longe), o medo (de si, dos outros), mas também a intensidade da experiência (o desempenho) ou a revolta (contra os valores estabelecidos).
49
2.6 - MESA – Nelson Felix; cúmplice da minha história
Como falar de MESA sem dialogar com Nelson Felix e a arte
contemporânea. Mas, para abordar a arte contemporânea, obrigo-me a fazer um
breve relato de questões da modernidade que interessam a este estudo, a fim de
compreender a obra e o artista em questão.
O pensamento e a representação moderna (originada no projeto ilustrado)
tenderam a universalizar e a despolitizar a arte. Desde esta perspectiva admitia-se
que a verdade não ocultava interesse algum. Os interesses sociais, políticos e
econômicos consideravam-se ideológicos e a ideologia tinha sido definida como
uma falsa representação ou até como uma ocultação da verdade. Assim também,
disciplinas como história e geografia foram concebendo de forma particular a
noção do tempo e do espaço. Considerava-se que a história se ocupava do
passado e a geografia referia-se a formas territoriais estáveis que albergavam
culturas estanques em seus limites naturais. Não tenho dúvidas que este
pensamento ia de encontro com a idéia dominante da supremacia do Ocidente
para com o Oriente. Sendo assim, a concepção de progresso estava baseada em
uma representação lineal e progressiva do tempo. Desta forma, a modernidade
cultural propiciou uma visão evolucionista da história social. Acreditava-se que a
sociedade progredia sempre para melhores formas, para a primazia tecnológica e
o aumento das liberdades. O homem moderno era cimentado no social! 10
Lyotard 11 assinala que uma das razões do desenvolvimento de uma
consciência pós-moderna é a erosão dos ideais modernos da Ilustração. Na
contemporaneidade a geografia e a história apresentam uma reformulação na qual
não consideram que a cultura dependa de um determinado marco territorial. As
culturas se entrecruzam, se misturam, se mesclam, se impõem umas às outras,
10 Nestes parágrafos resumidos, enfocando apenas o que interessa a este estudo sobre algumas questões que moveram a modernidade, tomo a liberdade de não fazer citações, visto que este assunto é tratado brilhantemente por inúmeros teóricos com os quais dividi momentos de intensa leitura São eles: Hernández, Franz, Augé, Giroux, Freedman, Morin, Hall, Gadotti, Stuhr, Efland, entre outros, a eles o meu muito obrigada por esclarecer-me questões tão importantes. 11 LYOTARD, J. D. La condición posmoderna. Madri: Marcas, 1979.
50
gerando crises que terminam por alterar a configuração dos mapas. Casos como a
União Soviética e a Alemanha são exemplos vivos destas alterações.
O que encontro na obra de Nelson Felix, MESA, em nada se parece às
concepções que moveram o mundo moderno. Em vez disto, noto uma obra e um
artista totalmente inserido no contexto contemporâneo.
Tanto a escolha do material utilizado em MESA (chapas de ferro, figueiras
da Índia e moirões de eucalipto), nos quais a hidricidade se faz presente, como o
lugar específico escolhido (através de GPS12), me leva a crer que existe na
poética de Nelson uma preocupação com o espaço/tempo, e uma tensão entre
natureza/cultura, processos estes, que fazem parte da contemporaneidade e que
longe de parecer mensagens moralizadoras, evocam uma transitoriedade da
existência humana e um processo entrópico e irreversível da passagem do tempo
(FERREIRA In: NELSON FELIX, 2001, p. 17).
Atualmente na teoria social existem pelos menos duas reformulações sobre
o tempo, que de acordo com Efland, Freedman e Stuhr (2003):
A primeira consiste em deixar de pensar o tempo como uma extensão lineal, para representá-lo como espaço multidimensional no qual coexistem diversos coletivos sócio-econômicos. E na segunda reformulação do tempo, a história não aparece como um mero assunto do passado. Mesmo porque o sujeito segue vivendo em um espaço estruturado histórica e culturalmente, que o situa e determina no plano conceitual (p. 48).
Neste sentido, Nelson Felix em entrevista a Gloria Ferreira 13 comenta o
gosto que possui pelo espaço e diz:
O espaço não é só o que se olha, tem um dado muito maior. A percepção do espaço não passa só pelo olho. Existe uma série de coisas que acontecem simultaneamente e que geram um espaço simultâneo. Nós ocidentais somos da causa e do efeito, já a
12 Hoje, movimentos de milhares e milhares de galáxias são descritos em mapas do Universo em três dimensões e, a partir dos sinais de satélites, uma espécie de relógio do espaço, o GPS (Global Positioning System), utilizado pelo artista, indica localizações precisas na Terra. 13 Gloria Ferreira é critica de arte e no ano de 2000 realizou cinco entrevistas com Nelson Felix para redigir o artigo: A coisa é ar, que faz parte do livro NELSON FELIX, editado pela Casa da Palavra em 2001.
51
concepção de situações simultâneas é chinesa. O livro das mutações, o I Ching, por exemplo, é relacionado à simultaneidade. E o espaço é dessa natureza.
Observo como os tratamentos diferenciados para o espaço e o tempo
interagem na poética de Nelson Felix (certamente é pela longa convivência de
Nelson com o pensamento oriental, que proclama a coexistência dinâmica de
opostos). Em MESA, discorre Ferreira (In: NELSON FELIX, 2001, p. 16):
Os elementos orgânicos e industriais associados indicam um espaço-tempo cosmológico, furtando-se à medida do tempo histórico-linear. Envolve um pensamento sobre o devir à nossa condição humana. Remete a um tempo outro, de uma arte em processo ao longo de centenas de anos e evocam poeticamente a passagem do tempo, o anti-histórico da Natureza, mas também, o da nossa relação com a natureza: a impossibilidade de ver a completude do trabalho.
Da mesma forma, percebo na poética de Nelson Felix uma relação distinta
com a morte. E tratar deste assunto não é tarefa nada fácil para nós ocidentais,
mesmo porque somos educados a pensar na morte como fim. Mas creio que à
medida que vou me despindo do preconceito e me dando a chance de adquirir
conhecimento sobre este universo, que reconheço ser bem peculiar e sui generis,
meu repúdio vai se amenizando...
Recorro então ao teórico Rollo May (1975) que no seu livro A coragem de
criar, no tópico A coragem criativa, me auxilia a compreender a “coragem de
morrer”. Discorre ele:
Criar é querer ser imortal. Nós, os humanos, sabemos que vamos morrer. Possuímos, por mais estranho que pareça, uma palavra para designar a morte. Sabemos que é preciso reunir toda a nossa coragem para enfrentá-la. Temos também de nos revoltar e de lutar contra ela. A criatividade nasce dessa luta - da revolta nasce o ato criativo. E não se resume na inocência espontânea da juventude e da infância; deve ser aliada à paixão do adulto, ao desejo intenso de viver além da morte (p. 29).
Enveredando por este caminho não é de se estranhar que Nelson Felix, na
obra MESA, tenha utilizado - mesmo que inconscientemente - este trabalho com o
intuito de deixar para futuras gerações uma obra - ou marca - mesmo porque ela
52
pode estar destinada à entropia, como uma ruína do futuro. Pode acabar tudo
reduzido a algo tão irreal quanto uma linha imaginária, uma carcaça de ferro
retorcido pelas raízes das árvores, diz o artista. Rollo May utiliza a palavra rebelde
para designar o artista e completa:
Não me refiro ao revolucionário ou assaltante; isto é diferente. Os artistas são em geral pessoas tranqüilas, preocupadas com suas visões e imagens interiores. [...] essa rebeldia exige uma intensidade de emoção, uma força suprema de vitalidade - pois o que é vital opõe-se eternamente à morte. [...] essa intensidade chamo-a de fúria, é a fúria contra a injustiça que domina a nossa sociedade. Mas, acima de tudo, é a fúria contra o protótipo de todas as injustiças – a morte (1975, p. 30).
Igualmente a palavra fúria para Rollo May (1975) em nada tem a ver com os
conceitos racionais da morte, os quais ignoram a experiência de morrer e são
comentários objetivos e estatísticos, sempre sobre a morte de outra pessoa,
nunca a nossa. O que este autor tenta nos fazer refletir é sobre a experiência
pessoal e subjetiva da morte.
O processo do qual MESA faz parte só se completará daqui a 250 anos,
tempo de crescimento da figueira-do-mato (árvores não nativas, trazidas da Índia).
Segundo o artista 14, tem uma profunda poesia nisso, a impotência, a força do
tempo, do universo, da predestinação.
Esta tensão criada por Felix entre natureza/cultura na obra MESA ocorre
devido à intensidade das forças que tentam integrar o vegetal e o ferro (matérias
utilizadas na obra), mas essas impressões desaparecem na medida em que
ocorre um envolvimento e aprofundamento reflexivo com a nossa finitude, com o
nosso devir...
14 Estas palavras fazem parte de uma seqüência de entrevistas que o artista concedeu a Gloria Ferreira no ano de 2000 para a realização do livro NELSON FELIX, editado pela Casa da Palavra no ano de 2001.
53
Figura 5 – O devir..., Patrícia H. - 2008
Terceiro capítulo - Ampliando as fronteiras no
contexto educacional.
54
3.1- Um caminho pós-moderno no ensino de Artes Visuais
Pensar e querer sem agir, quando se está apto a agir, é como uma campânula: extingue-se; ou como uma semente semeada na areia,
que não cresce, e perece consigo seu poder de germinação... Emanuel Swedenborg
Para compreender o arcabouço teórico que origina minha prática
pedagógica, assim como tudo o que digo neste trabalho acadêmico é necessário
situar o leitor nos conceitos de “arte” e “educação” que os norteiam. A educação
situada em um contexto pós-moderno, segundo Gadotti (2002), é sempre crítica,
emancipatória, multicultural e está intimamente ligada à cultura. Esta concepção
de educação coincide também com as teorias dos autores (antes citados) que
seguimos e que são oriundas dos pesquisadores em Artes Visuais que seguem a
perspectiva crítica Pós-moderna, entre eles Efland, Freedman e Sthur (2003),
Hernández (1998, 2000 e 2007) e Franz (2003).
Esta perspectiva é encontrada também nos fundamentos da Teoria e da
Pedagogia Crítica, a qual, dentro do enfoque dado, por exemplo, por Richard Cary
(1998), é concebida como prática dialógica e crítica, onde a arte só pode ser
compreendida como representação da sociedade e da cultura. Considerado o pai
da Pedagogia Crítica, Paulo Freire (1999) e suas teorias educativas são
fundamentais em nossa pesquisa. Para pensar a dimensão social e crítica da
educação, Henry Giroux (1992,1997) é também um dos pilares que sustenta
nosso trabalho.
A concepção de escola que aqui adotamos segue o pensamento de
Hernández (1998), onde esta é compreendida como um lugar no qual os
estudantes e professores não deixam do lado de fora da sala de aula sua
biografia. Onde a escola – e conseqüentemente os cursos de formação docente -
são compreendidos como espaços onde o estudante há de aprender a
compreender melhor a si mesmo e ao seu entorno cultural.
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Mudanças de paradigmas na arte apontam à revisão dos conceitos do que
é arte e das finalidades da educação em tempos atuais. Nas abordagens
contemporâneas de arte ela é compreendida como prática social e cultural, assim
ela é entendida no presente estudo. Os conceitos equivocados dos professores
influem nas suas práticas no ensino de Artes Visuais.
No presente estudo utilizamos amplamente os termos “educação para a
compreensão”. Para Franz (2008) compreender é mais do que perceber, ver,
descrever, contemplar ou mesmo fruir obras de artes visuais. A finalidade da
educação para a compreensão é expandir o conhecimento base dos estudantes e
as estratégias seguir aprendendo (Franz, 2003, p. 129). A autora cita Wiske (1999)
para explicar que compreender é ser capaz de pensar e atuar com flexibilidade a
partir do que se sabe. A capacidade de desempenho flexível é a compreensão. Na
educação para a compreensão os estudantes têm uma participação ativa na
produção do conhecimento e o professor assume o papel de mediador.
A designação “mediação” é utilizada por Franz (2008) para explicar o papel
do professor na ação educativa que tem como objetivo promover a educação para
a compreensão crítica a arte.
Nas abordagens socioculturais em educação, se destaca a necessidade e o
papel fundamental do professor em atuar como mediador entre a compreensão
dos alunos e o conteúdo escolar (que inclui o estudo de obras de artes) e suas
experiências com imagens, auxiliando para um maior desenvolvimento da
compreensão e interpretação críticas (FRANZ15; HERNÁNDEZ16). Neste processo
o professor não somente assume-se como profissional que orienta e coordena o
processo de ensino, mas como um aprendiz e pesquisador.
Constato através das leituras que dividi com os teóricos que abordam as
transformações na arte e na sociedade contemporâneas, que estas exigem
propostas educativas mais críticas e atentas à vida social. O ensino da Arte hoje
se depara com o desafio de contribuir para a construção crítica da realidade
sociocultural (RICHTER, 2004; FRANZ, 2004).
15 FRANZ (2000, 2003, 2004). 16 HERNÁNDEZ (1998, 2000).
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Sabemos que estamos trilhando um caminho pouco transitado nas nossas
escolas, e nas práticas docentes, quando se trata do ensino de Artes Visuais.
Concebemos a escola um espaço político onde se estabelecem relações de
poder, práticas sociais; e o ensino da arte como uma possibilidade de construção
de indivíduos dialógicos, reflexivos e críticos. Conceitos estes defendidos por
diversos teóricos e pesquisadores 17.
Mas, infelizmente, como nos alerta Hernández (2007), o problema que hoje
enfrentam as nossas escolas e universidades, centra-se nas “narrativas
dominantes” 18 e a resistência em mudá-las. Igualmente importante parecem-nos
enunciar as mudanças paradigmáticas sofridas nestas últimas décadas em nossa
sociedade. O acesso rápido e fácil à informação em todos os níveis da sociedade,
tanto por intermédio da mídia como de meios eletrônicos, determina um novo
perfil. A fim de dialogar com este contexto, percebemos a necessidade urgente de
estabelecer novas narrativas para o ensino da arte, educando
comprometidamente estudantes e docentes nesta pós-modernidade.
A narrativa predominante em nossas escolas é a que se conecta com a tradição civilizatória gerada com a expansão colonizadora européia desde o século XVI e, de maneira especial, desde o século XVII com os impérios britânico e francês. Um dos resultados dessa narrativa é a construção de uma visão do “nós” e dos “outros” determinada pela hegemonia do homem branco, cristão e ocidental (europeu então e agora, sobretudo, norte-americano) (HERNÁNDEZ, 2007, p.13).
Neste sentido, a narrativa projeta-se para valorizar o conhecimento escolar,
na qual o “outro” - aquele que não faz parte do “nós” hegemônico - é apresentado
em posição de subordinação. Sendo assim, ele há de ser civilizado e, portanto,
justificadamente explorado e despojado de seus saberes. Acreditamos que para
17 Paulo Freire (2000); Giroux (2000); Geertz (1997); Efland (2003, 2005); Freedman (2000, 2003); Sthur (2003); Franz (2000, 2003, 2004, 2005 e 2008); Hernández (1998, 2000, 2001, 2005, 2006); Chalmers (2003); Mason (2001); Mirzoeff (2003). 18 Para Fernando Hernández (2007, p. 11) as narrativas são formas de estabelecer a maneira como há de ser pensada e vivida a experiência. Uma forma de narrativa muito poderosa no terreno educativo é aquela que tende à naturalização: “As coisas são como são e não podem ser pensadas de outra maneira”.
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que isto ocorra com menor impacto, o ensino da arte deve estar conectado à
sociedade na qual o indivíduo está inserido. Desta forma, optamos por trabalhá-lo
desde uma abordagem sociocultural.
Em um sentido genérico, a abordagem sociocultural, segundo Mizukami
(1986), é de tendência interacionista, e considera o homem e o mundo
conjuntamente, porém dando ênfase ao sujeito como elaborador do conhecimento.
A ação educativa, desenvolvida dentro desta abordagem, deverá promover o
próprio indivíduo (MIZUKAMI, 1986, p. 86).
A abordagem em questão fundamenta-se basicamente no estímulo crítico
que se pretende desenvolver no sujeito. Considerando que ele está inserido em
um contexto social, econômico, político e histórico. Para isto a educação não deve
aparecer como um instrumento de ajuste deste à sociedade (que constrói mitos de
uma estrutura social dominante) e sim auxiliá-lo a desenvolver o senso crítico.
Desta forma, o homem será capaz de apagar esses mitos e de construir uma
consciência para compreender seu posicionamento neste mundo. Segundo Freire
(1997, 1999), o desenvolvimento da consciência crítica pode tornar o sujeito cada
vez mais capaz de sua práxis, libertando-o e tornando-o apto a responder aos
desafios provocados pelo seu mundo. Assim, o conhecimento será compartilhado
entre o educador e o educando, entre a relação do pensamento e da prática. E a
educação desenvolver-se-á em um processo contínuo e não em um produto
acabado.
O idealizador, difusor e principal representante deste pensamento foi Paulo
Freire. Para ele, a escola há de ser vista dentro do seu contexto histórico, como
um espaço de interação social. Isso porque o sociólogo entende que a educação é
mais abrangente que o meio escolar. Deste modo, a abordagem sociocultural vem
ao encontro das necessidades do ensino da arte, que atualmente se depara com o
desafio de contribuir para a construção crítica da realidade social por meio da
educação para a liberdade (RICHTER, 2003; FRANZ, 2004).
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A partir da segunda metade do século XX, inúmeras mudanças
paradigmáticas19 ocorreram. A noção de progresso contínuo, de verdades
absolutas e certezas inquestionáveis (parâmetros regidos pela modernidade),
deram lugar à complexidade, à incerteza e à interrogação. Igualmente, a
dissolução das fronteiras entre a arte erudita da cultura popular e das imagens do
cotidiano. Assim como também a emergência de um mercado cultural que leva à
homogeneização, revelaram uma pluralidade de culturas, diferenças e exclusões.
Sendo assim, podemos apontar a importância do “visual” na
contemporaneidade. Que muito tem contribuído como mediadora de significações
culturais, idéia esta defendida por (HERNÁNDEZ, 2006, p. 5) no campo da Cultura
Visual:
Como educadores do campo das artes visuais, estamos relacionados com artefatos que são em primeiro lugar, significativamente representações visuais e, em segundo lugar, que constituem posições e discursos, através de atitudes, crenças e valores, o que quer dizer que medeiam significações culturais.
Na atualidade há uma busca incessante por novas metodologias de ensino
e aprendizagens nas artes visuais e, ao mesmo tempo, uma necessidade urgente
que as mesmas estejam conectadas aos problemas da atualidade. Sendo assim,
as transformações ocorridas na sociedade e na cultura contemporânea levantaram
aspectos antes ignorados pela arte-educação. Visto deste modo, a arte tem como
finalidade principal alcançar uma educação mais democrática. Portanto, uma
educação democrática e pós-modernista para Freedman (2000, p. 325),
fundamenta-se em quatro idéias principais:
a) Uma ampliação do domínio da arte-educação;
b) Uma mudança na ênfase do ensino formalista para a construção do
conhecimento;
c) A importância do contexto social para a tal construção; 19 Utilizamos este termo na concepção citada a partir de Thomas Kuhn (1970) que fez uso sistemático e consciente do temo “paradigma” em ciência. “Ao escolhê-lo”, afirma, Kuhn, “pretendo sugerir que certos exemplos da prática científica atual - exemplos que incluem lei, teoria, aplicação e instrumentação -provêm modelos dos quais surgem certas tradições coerentes de pesquisa científica”.
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d) Uma nova definição de arte e a ênfase na crítica.
Abordar o ensino de Artes Visuais onde a arte é compreendida como uma
representação social e como uma forma de produção ou reprodução cultural
destinada a criar símbolos de uma realidade comum, são idéias partilhadas por
muitos teóricos 20 que adotam uma concepção de ensino pós-moderna. Para estes
autores, a obra de arte como prática sociocultural traz consigo contradições
inerentes à sociedade e à cultura na qual foi gerada e aceita. Por isso nosso olhar
há de ser crítico, como nos lembra Franz (2008c, p. 7) a história sempre foi um
lugar de disputa, e, escrevê-la uma questão de domínio de uns sobre outros.
Sabemos que a medida que os grupos de poder mudam, também mudam as
maneiras de contar a história.
Uma das questões centrais no ensino de Artes Visuais na Pós-Modernidade
é a importância da mediação cultural no processo de construção do conhecimento.
Tarefa complexa, e pouco compreendida pelos educadores formados na tradição
moderna de ensino da arte, como explicamos a seguir:
De início parece não haver dúvidas de que a finalidade da mediação cultural hoje vá além do desenvolvimento da sensibilidade, da criatividade, da fruição, da contemplação, da percepção estética (dita como sendo universal) e da leitura formal de obras de artes visuais. Parece já sabermos que nas tendências pedagógicas contemporâneas em arte-educação, as finalidades do ensino tornam-se mais amplas e complexas. E que somente uma competente mediação cultural pode ajudar os estudantes e, o público em geral, a superar as compreensões ingênuas da arte, as interpretações de senso comum, espontâneas e intuitivas e, não raramente preconceituosas, a fim de alcançar o domínio do que eu chamo de compreensão crítica da arte (Franz, 2008c, p. 2).
Para esta autora, uma teoria educativa crítica que pretende ser democrática
e libertadora, há de gerar também um novo discurso que possa ir além das velhas
concepções de ensino, de arte e de educação que fundamentam nossas práticas.
20 Geertz (1997); Efland (2003, 2005); Freedman (2000, 2003); Sthur (2003); Franz (2000, 2003, 2004, 2005); Hernández (1998, 2000, 2001, 2005, 2006); Chalmers (2003); Mason (2001); Mirzoeff (2003).
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3.2 – Algumas considerações gerais sobre o ensino das artes visuais a
partir da perspectiva da Cultura Visual
A Cultura Visual é um campo de estudos interdisciplinar, que inclui entre
outros campos de conhecimentos alguma combinação dos Estudos Culturais, da
História da Arte e da Antropologia nas abordagens aos artefatos visuais. Entre os
teóricos da arte /educação contemporânea21, defende-se a idéia que as imagens
atuam como mediadoras de velhas e novas formas de poder, como também de
ensaios contra-discursivos de novas formas de sociabilidade (MORAZA, 2004).
Essa abordagem fundamenta-se em uma base sócio-antropológica, o que significa
focalizar o conhecimento tanto nos produtores dessas experiências quanto no
contexto sociocultural em que são produzidas.
A Cultura Visual, como concepção de ensino, contém uma proposta bem
mais ampla que a de leitura de imagens apresentada nas leituras formais e
esteticistas da obra de artes visuais. Porque como nos lembra Hernández (2003,
p.139):
A visão não pode separar-se das questões históricas sobre a construção das subjetividades. Sobretudo dentro da modernidade do século XX. O que hoje constitui o domínio do visual é um efeito de outro tipo de forças e relações de poder, e não um dado de caráter perceptivo.
As noções de visão e visualidade são básicas para esse entendimento da
cultura visual. Walker e Chaplin (2002) definem a visão como o processo
fisiológico em que a luz impressiona os olhos e a visualidade como o olhar
socializado. Não há diferença entre o sistema ótico de um brasileiro, de um
europeu ou de um africano, mas sim no modo de descrever e representar o
mundo de cada um, pois eles têm maneiras próprias de olhar para o mundo o que,
conseqüentemente, dá lugar a diferentes sistemas de representação.
Nessa mesma linha de raciocínio, Freedman (2002, 2003) mostra que
nossas identidades se refletem e se definem nas maneiras como representamos a
21 Franz (2000, 2003, 2004, 2005); Hernández (1998, 2000, 2001, 2005, 2006); Mirzoeff (2003).
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nós mesmos visualmente, do que vestimos ao que assistimos na televisão. Para
essa autora, as práticas educativas através da cultura visual podem incluir tanto a
discussão sobre um vídeo-jogo quanto as possíveis modificações no meio
imediato, como, por exemplo, a decoração do quarto das/os educandas/os.
Segundo Freedman, as/os educandas/os tomam consciência de que as imagens e
os objetos portam significados e começam a se interessar por sua interpretação,
procurando sugerir significados em suas próprias produções. E isso ocorre à
medida que as/os educandas/os se empenham com maior afinco em contar
histórias e fazer afirmações através de suas experiências.
Ainda segundo Freedman (2003), a cultura é a forma de viver e a cultura
visual dá forma ao nosso mundo, ao mesmo tempo em que é nossa forma de
olhar o mundo. Sua proposta de trabalho com a cultura visual pretende ser uma
resposta razoável ao caráter cada vez mais interativo das artes visuais, que vão
das Belas Artes às histórias em quadrinhos. A autora opõe-se ao elitismo das
Belas Artes como uma linha divisória das práticas com imagens no contexto
escolar.
Outro teórico que compartilha destas idéias é Mirzoeff (2003, p.19, 23 e 25)
quando coloca que a cultura visual - seja na condição de campo de estudo, de
disciplina tática e não acadêmica, ou de tema interdisciplinar - interessa-se pelos
acontecimentos visuais no qual o consumidor busca a informação, o significado ou
o prazer conectado com a tecnologia visual. Que tanto pode abranger uma pintura
a óleo até a televisão ou a Internet. Assim, prioriza a experiência cotidiana do
visual, desde a instantânea até o vídeo, afastando a atenção dos cenários de
observação estruturados (museus e galerias) para centrá-la na experiência da vida
cotidiana.
Desta forma, o ensino de Artes Visuais a partir da perspectiva da Cultura
Visual pode contribuir para a compreensão do ser humano e das transformações
do mundo, idéia esta defendida por Fernando Hernández em seus livros lançados
62
na Espanha e no Brasil 22. Nos quais argumenta que existe uma miopia quanto às
possibilidades do ensino da arte, e propõe:
Ao utilizar a expressão cultura visual para sugerir um outro rumo para a educação das artes visuais, defendo que estamos vivendo em um novo regime de visualidade. Uma conseqüência deste reposicionamento em relação a diferentes práticas educativas (não somente na Escola) é que nos leva a propor a necessidade de ajudar crianças e jovens e também aos educadores, a irem além da tradicional obsessão por ensinar a ver e a promover experiências artísticas. Em um mundo dominado por dispositivos visuais e tecnologias da representação (as artes visuais atuam como tais), nossa finalidade educativa deveria ser a de facilitar experiências reflexivas críticas. Experiências que permitam aos estudantes, como aponta Nancy Pauly (2003), terem a compreensão de como as imagens influem em seus pensamentos, em suas ações e sentimentos, bem como a refletir sobre suas identidades e contextos sócio-históricos (2007, p. 25).
Este enfoque proposto pelo referido autor, para o ensino da arte, sugere um
caminho ainda pouco transitado e instiga o professorado a repensar as
concepções das suas práticas. Neste sentido, os estudos baseados na cultura
visual defendida por Hernández (2000, p. 134 -142) pretendem servir de eixo “na
educação para a compreensão crítica”. E acrescenta que o estudo sistemático da
cultura visual pode proporcionar uma compreensão crítica de seu papel e de suas
funções sociais e de relações de poder às quais se vincula, além de sua mera
apreciação ou do prazer que proporcionam (HERNÁNDEZ, 2000, p. 135).
Portanto, o objetivo principal da proposta da Cultura Visual é promover a
educação para a compreensão crítica, com base no pensamento do visual como
mediador de significados e na interpretação como meio para favorecer o
conhecimento. Segundo Franz (2003), a compreensão crítica da arte na
perspectiva da Cultura Visual exige o domínio de diferentes âmbitos que
transpassam as disciplinas escolares e vão além, em direção ao universo pessoal
e social dos estudantes. Para compreender a arte, argumenta esta autora, é
necessária uma profunda imersão no contexto sociocultural da obra estudada e na
22 Cultura Visual, mudança educativa e projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000. Catadores da Cultura Visual, proposta para uma nova narrativa educacional. Porto Alegre: Editora Mediação, 2007.
63
relação deste com a vida pessoal e social do educando. Deste modo, deixa de ser
um estudo exclusivamente sobre arte e passa a ser um processo que pode
contribuir com outras disciplinas do currículo escolar a desenvolver uma
compreensão crítica da realidade social e cultural.
3.3 - A educação para a compreensão crítica da arte na perspectiva da
cultura visual
O interesse por um ensino para uma “compreensão crítica” durante este
final de década do século XX é em parte uma reação ao currículo defasado das
nossas escolas e universidades que não atendem às necessidades educacionais
pós-modernas. Vivemos uma sociedade em que o antigo paradigma moderno
afetou a prática econômica contemporânea, causando: a fragmentação das
especialidades, o desvinculamento dos valores superiores da humanidade, a
abordagem competitiva na exploração da natureza, o esgotamento progressivo
dos recursos naturais, a exploração indiscriminada das sociedades pelas
multinacionais, sobretudo no Terceiro Mundo, etc...
Na educação, o impacto de tais mudanças não poderia ser diferente, a
fragmentação do ensino por disciplinas, herança do paradigma newtoniano-
cartesiano têm afetado os nossos estudantes na compreensão de mundo.
Hernández (2007) discorre quanto à escola:
Não pode continuar tendo como base a finalidade educacional de transmitir um conhecimento disciplinar defendido por alguns especialistas, que tal e como foi evidenciado por Goodson (1999) buscam, acima de tudo, legitimar a si próprios e ao tipo de visão de mundo que mediam e projetam a partir de suas disciplinas, sobretudo, nos livros-texto (p. 37).
Hoje, num mundo complexo e movido pela informação instantânea,
necessitamos urgentemente uma educação que trabalhe em prol a formar sujeitos
de pensamento crítico, reflexivos, capazes de resolver problemas, de ir além da
rotina e de viver produtivamente em um mundo de constantes mudanças. Desta
forma, educar estudantes e docentes em artes visuais (tema deste estudo) dentro
64
da proposta da compreensão crítica da cultura visual é estar contribuindo, como
nos mostra Hernández (2000, p. 56), para:
a) Adquirir um conhecimento de si mesmos e do mundo;
b) Contribuir para estruturar o conhecimento por meio de experiências em outras
matérias escolares;
c) Favorecer as atitudes de interpretação, relação, crítica e transferência em
relação ao mundo que os rodeia;
d) Estar em processo de constante aprendizagem.
Para Franz (2003, p. 4):
A finalidade da educação para a compreensão crítica da arte é ensinar a problematizar, a fazer novas perguntas, a justapor diferentes interpretações da arte contra as idéias universalistas de verdades que a arte ocidental impõe a situar as práticas de mediação entre a arte e seus públicos dentro de uma análise que explore as tão freqüentemente ignoradas relações complexas de poder, ideologia e questões de classe e de gênero.
Diante desta posição, a arte na educação para a compreensão crítica,
segundo Bruner (1991), apud HERNÁNDEZ, (2000) preocupa-se mais com a
interpretação do discurso e menos com as regras da linguagem. Centra-se na
compreensão dos fenômenos artísticos, não apenas dos que favorecem uma
experiência estética, dirigindo-se mais para a interpretação do que para a
percepção, enfatizando o contexto como eixo principal.
Na atualidade, o que é considerado como campo da arte se caracteriza
pela dissolução de seus limites, tanto nos meios como nos conceitos, o que leva a
que as manifestações e os objetos artísticos se mostrem para serem
compreendidos (em seus significados) mais do que para serem vistos (como
estímulos visuais).
Este processo vai além dos objetos, pois interpretar significa relacionar a
biografia da cada um com os artefatos visuais, com os objetos artísticos ou
produtos culturais com os quais relacionamos-nos. Na visão de Hernández (2000,
p. 49):
65
O que se persegue é o ensino do estabelecimento de conexões entre as produções culturais e a compreensão que cada pessoa, os diferentes grupos (culturais, sociais, etc.) elaboram. Trata-se, em suma, de ir além de “o quê” (experiências, versões) e começar-se se estabelecer os “porquês” dessas representações, o que se tornou possível, aquilo que mostram e que excluem, os valores que consagram, etc.
O objetivo deste enfoque vinculado com a arte na educação é favorecer
a compreensão crítica mediante a aprendizagem de estratégias de interpretação
perante os objetos que configuram a cultura visual. Assim, nos lembra Hernández
(2000, p. 78):
Não se trata, pois, de aprender a ler uma imagem (como identificação de elementos visuais isolados), mas sim de conhecer criticamente as diferentes manifestações artísticas da cada cultura (e não só as obras de arte definidas como tais pela cultura ocidental e recolhidas em seus museus e enciclopédias). E, se conhecer é o primeiro passo, a reflexão sobre o visual como forma de interpretação da própria cultura seria o outro.
No processo para a compreensão, segundo Parsons (apud HERNÁNDEZ,
2000), a linguagem ocupa o papel de mediadora e estabelece marcos de
compreensão, por meio de comparação, geração e interpretação de significados
sobre meios verbais e visuais. Palavras e imagens interagem produzindo
contextos de interpretações e redes de múltiplos significados. Conforme Franz
(2003, p.129), há um deslocamento da preocupação com as regras da linguagem
para a interpretação do discurso. Segundo a autora, a compreensão toma o lugar
da experiência estética, e supõe relacionar a biografia de cada um com os
artefatos visuais, com os objetos artísticos. Este deslocamento, para Franz (2003),
é o que possibilita expandir o conhecimento de base dos alunos e desenvolver
estratégias para que continuem aprendendo. Este enfoque favorece uma atitude
reconstrutiva ao promover uma autoconsciência da própria experiência em relação
à obra ou imagem.
Para Hernández (2000), este aspecto exige especial atenção em como os
alunos (ou outras pessoas) modificam, ou levam adiante, suas compreensões
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sobre o significado das obras e representações visuais em estudo. Este caminho
oferece alternativas para que os alunos aprendam a avaliar, selecionar e
interpretar a avalanche de informações que recebem todos os dias (HERNÁNDEZ,
2000, p. 50). Para que isto ocorra, é necessário provocar a reflexão crítica sobre
as diferentes tradições históricas, filosóficas e culturais, para que sirvam de guias
para construir um entendimento da construção cultural. Assim, se dá um passo
além da arte e da imagem, e se começa a caminhar em direção ao conhecimento
e interpretação da cultura visual.
Burke (In: FRANZ, 2002) explica que além de compreender os artistas
(indivíduos), é indispensável compreender as forças sociais que envolvem os
artistas na criação de suas obras, ou seja, a relação entre arte e sociedade. Trata-
se de expor os estudantes não só ao conhecimento formal, conceitual e prático em
relação às artes, mas também à sua consideração como parte da cultura de
diferentes povos e sociedades. Em manifestações que se produzem no presente e
que fazem parte do passado, que se vinculam à própria cultura e à de outros
povos.
É neste sentido que Hernández aponta o trabalho da professora Teresinha
Sueli Franz 23, com a obra do artista catarinense Victor Meirelles (1832 - 1903), A
primeira missa no Brasil. Uma obra considerada historicista e atacada pelos
modernistas, mas que partindo da perspectiva da Cultura Visual reconstrói como a
“versão idealizada” de um fato histórico e é compreendida por diferentes tipos de
público. Busca entender como essa “representação” 24 contribui para fixar visões
sobre a realidade, a identidade nacional, o reconhecimento do outro, versões da
história, etc. Perceber o êxito e o fracasso que ela incorpora como produção
cultural de determinada época e cultura, é ir além do estabelecido, é compreender
em toda a sua complexidade.
23 Doutora em Belas Artes pela Universidade de Barcelona/Espanha. Professora na graduação e no mestrado em Artes Visuais do Departamento de Artes Plásticas da UDESC, orientadora desta pesquisa. 24 Ao referir-nos à noção de “representação”, levamos em conta a posição de Stuart Hall (1997, p. 25) que considera que “nem as coisas por si mesmas, nem os usuários da linguagem, podem fixar o sentido da linguagem”. As coisas não têm significado: nós construímos o sentido usando sistemas de representação - conceitos e sinais.
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A proposta da compreensão crítica da Cultura Visual significa, em primeiro
lugar, reconhecer que convivemos com uma imensa variedade de imagens; em
segundo, aproximar-se dos objetos visuais, deixando de lado as crenças sobre os
valores estéticos determinados como universais. Esta postura ajuda a entender
como certas representações contribuem para fixar visões sobre a realidade e
sobre as identidades.
Prestar atenção à compreensão da cultura visual implica aproximar-se de todas as imagens (sem os limites demarcados pelos critérios de um gosto mais ou menos oficializado) e estudar a capacidade de todas as culturas para produzi-las no passado e no presente com a finalidade de conhecer seus significados e como afetam nossas “visões” sobre nós mesmos e sobre o universo visual em que estamos imersos (HERNÁNDEZ, 2000, p. 51).
Vale considerar a arte como fenômeno complexo, levando em conta sua
história e localizando seu contexto de origem, assim como compreender o fato de
que a mesma atua como mediadora cultural. O significado da função mediadora
da arte, na teoria de Hernández (2000, p. 52), é derivado da idéia de Vygostsky
que pressupõe que o signo é possuidor de significado. Hernández considera que a
arte, os objetos e os meios da Cultura Visual, contribuem para que os indivíduos
fixem suas representações sobre si, sobre o mundo e sobre seus modos de
pensar. Desta forma, a cultura:
Cumpre a função de manufaturar as experiências dos seres humanos mediante a produção de significados visuais, sonoros, estéticos. [...] Esses significados [...] contribuem para a construção da consciência individual e social pela incorporação dos índices visuais com valor simbólico produzidos por grupos diferentes [...] nos processos de intercâmbio social (HERNÁNDEZ, 2000, p. 52).
Hernández enfatiza ainda que a Cultura Visual, os objetos e a arte não
existem independentes de um meio em que os seres humanos se valem dos
significados para construir sua subjetividade e sua vida mental. A construção da
identidade é modelada segundo a maneira pela qual os indivíduos fazem uso dos
significados e recursos encontrados em seu ambiente sociocultural. Os signos e
símbolos são o veículo de significado e ocupam um papel na vida da sociedade
(HERNÁNDEZ, 2000, p. 53), é a sociedade quem lhes dá vida. Para o autor, isso
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implica a construção e a desconstrução dos sistemas simbólicos mediante os
quais os indivíduos e grupos dotam de sentido as coisas ou os fatos em seu
entorno. Assim, para Hernández (2000) e para Franz (2003), os estudos da arte e
da Cultura Visual não devem ser realizados tanto como signos cujos significados
devem ser identificados, mas de considerar a arte ou os artefatos como formas de
pensamento, ou como um idioma que deva ser interpretado, a fim de encontrar o
significado das coisas a partir da vida que os rodeia. O autor prossegue dizendo
que a variedade das expressões artísticas corresponde à variedade de
concepções que os indivíduos têm sobre o que são as coisas (2000, p. 53), o que
leva o autor a discorrer que as obras artísticas e os elementos da Cultura Visual
são, portanto, objetos que levam a refletir sobre as formas de pensamento que as
geraram. Estudar uma manifestação artística de outra época ou de outra cultura,
nesta perspectiva supõe uma compreensão mais profunda do que permanecer
ligado somente no visual. É preciso contextualizar a arte para que as pessoas a
entendam melhor diz (FRANZ, 2008c). Ela lembra que os artistas são indivíduos
que tem (ou tiveram) uma situação concreta na história e na cultura, a arte passa
a ser também fruto de certas tradições culturais. E que os estudantes necessitam
saber a origem das idéias que legitimaram o campo da arte e entender o papel
dela e dos artistas em cada tempo e lugar.
Na opinião de Geertz (1997), a cultura seria a construção e participação dos
indivíduos num sistema geral de formas simbólicas, e o que denominamos arte
seria uma parte dessa cultura (apud HERNÁNDEZ, 2000, p. 53). O autor citado
compartilha a visão de que a arte e os artefatos que integram a cultura visual,
como formas de pensamento, devam ser um idioma a ser interpretado. O que leva
Hernández a considerar que:
A arte e a cultura visual atuam como mediadores de significados; o significado pode ser interpretado e construído; os objetos artísticos se produzem num contexto de relação entre quem os realiza e o mundo; os artefatos visuais podem informar aqueles que os vêem sobre eles mesmos e sobre temas relevantes do mundo (HERNÁNDEZ, 2000, p. 54).
69
A profundidade com que entendemos a relação entre cultura e sociedade, e
o processo de desconstrução desta relação, afirma Franz (2002), reflete-se
diretamente no nível de compreensão dos seus produtos culturais. O papel da
interpretação é a parte central de um currículo baseado na compreensão.
Hernández explica que não é que a mente se adapte ao mundo, mas sim que este
(como cultura) contribua para dotar de sentido a própria noção de mente e a forma
como a representamos (2000, p. 57). Esse processo supõe que o professor possa
explicar e introduzir os estudantes no mundo social e físico, ajudando-os a
interpretar os fenômenos com os quais se relacionam.
Seguindo esta proposição, na educação para a compreensão, a
aprendizagem tem por objetivo estabelecer processos de inferência e
transferência entre os conhecimentos já adquiridos e novos problemas ou
situações colocados para quem aprende. Boix Mansilla (apud HERNÁNDEZ,
2000, p. 55), destaca que um dos objetivos da educação para a compreensão é
que os estudantes sejam capazes de transferir o que aprendem para outras
situações e problemas. Conforme Prawat (apud HERNÁNDEZ, 2000, p. 54), a
capacidade de transferência vinculada à compreensão está ligada a dois fatores: à
organização mental do conhecimento e ao nível de autoconsciência que o sujeito
possui do seu próprio conhecimento.
Dentro desta perspectiva educativa, Fernando Hernández nos coloca que a
maneira de abordar a educação das artes visuais além de uma concepção
espontânea de aprender e do essencialismo estético (HERNÁNDEZ apud FRANZ,
2003, p.11), onde se media a aprendizagem a partir das relações estabelecidas
entre imagens e seus contextos de produção é a proposta de uma compreensão
crítica para a cultura visual no âmbito escolar, onde:
Compreender é uma virtude cognoscitiva e experiencial de tradução entre um original, isto é, uma informação, um problema, e o conhecimento pessoal e grupal relacionado com ela. Essa relação implica estabelecer trajetórias entre o passado e o presente, entre os significados que diferentes culturas dão a manifestações simbólicas e às versões dos fatos que são objeto de estudo. Implica também níveis de compreensão, pois ainda que em termos gerais tudo seja válido, nem tudo tem o mesmo valor (HERNÁNDEZ, 2000, p. 184).
70
A educadora e pesquisadora Teresinha Sueli Franz (2003) se utilizou desta
teoria e de seus princípios para a construção de um instrumento de mediação e
análise crítica de imagens que possui um caráter interdisciplinar25 e
transdisciplinar26. Tendo como preocupação auxiliar educandos e docentes a
compreender criticamente obras de arte a partir da realidade pessoal, social e
cultural deles, de forma crítica e reflexiva.
3.4 - Um instrumento de mediação e análise crítica da arte
Ao abordar uma obra de arte como um fenômeno sociocultural, segue-se
uma perspectiva que considera estas, mediadoras de significados sobre o tempo e
o espaço dos quais fizeram parte, priorizando a sua interpretação mais do que
apenas a sua percepção. Franz 27 (2003) acredita que o estudo dos objetos
artísticos deve ser interdisciplinar, transdisciplinar e crítico, buscando desvelar as
concepções implícitas (ocultas) nas quais a leitura formal da imagem não dá
conta.
Olhar as pinturas como representações sociais, e não puramente estéticas, é o que nos permite entendê-las em vários âmbitos de compreensão que transpassam disciplinas como a História (social e cultural), a Antropologia, a Estética, a Pedagogia e a biografia dos indivíduos (FRANZ, 2003, p. 140).
Assim, a educadora e pesquisadora em questão propõe o estudo da obra de
arte de uma forma levando em conta a complexidade inerente ao campo. O que a
leva a defender a idéia de que as representações visuais podem ser
compreendidas a partir de diferentes âmbitos, interconectadas entre si, os quais
implicam em pesquisas que envolvem significados de diferentes âmbitos:
25 Utilizamos este termo na acepção concebida por Richter (2002, p. 85) que indica a inter-relação entre duas ou mais disciplinas, sem que nenhuma se sobressaia sobre a outra, mas que se estabeleça uma relação de reciprocidade e colaboração, como desaparecimento de fronteiras entre as áreas do conhecimento. 26 Utilizamos este termo na acepção de Zabala (1998, p. 39) que afirma ser o grau máximo de relação entre as disciplinas, daí que se supõe a integração global dentro de um sistema totalizador. Este sistema permite que se explique a realidade sem parcelamento. 27 FRANZ, Teresinha Sueli. Educação para uma compreensão crítica da arte. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2003.
71
histórico/antropológico, pedagógico, biográfico, crítico/social e o estético/artístico,
como explicamos resumidamente a seguir.
• Histórico-antropológico: as representações e artefatos visuais são frutos de
determinados contextos que os produzem e legitimam. Por isso, é necessário ir
além de uma abordagem perceptiva daquilo que se vê na obra de arte, para
estabelecer conexões entre os significados dessa produção e a tradição: valores,
costumes, crenças, idéias políticas e religiosas que as geraram.
• Estético-artístico: este aspecto refere-se à investigação dos sistemas de arte
que legitimam a produção artística. Dentre estes sistemas de representação
cultural estão as escolas de artes, os museus, as galerias, os críticos de artes, as
academias de arte e seus professores, etc. Os significados estéticos e artísticos
devem ser compreendidos em relação à cultura de origem da produção, em
termos mais amplos do que aponta a estética ocidental, a qual não é a única
válida para o ensino de Artes Visuais contemporâneo.
• Biográfico: as representações e artefatos fomentam uma relação com os
processos identitários, construindo valores e crenças, visões sobre a realidade.
Assim o ensino da arte vai além da compreensão estética uma vez que ele pode
se engajar com um projeto mais amplo da escola, ajudando os que por ela
passam a compreender melhor a si mesmo.
• Crítico/social: Entendidas como representações da sociedade e da cultura,
obras de arte têm contribuído para a configuração atual das políticas da diferença
e das relações de poder. A partir de uma abordagem crítica, podemos desenvolver
uma compreensão crítica da sociedade e da cultura.
. Pedagógico: Assinala o lugar de onde o arte/educador fala: que, antes de
qualquer coisa, é o campo da educação. Um lugar para se pensar seriamente
sobre pedagogia. É quando o educador define o lugar de suas práticas, que como
72
bem ensina Paulo Freire, nunca são neutras. Ele faz suas escolhas e a partir delas
planeja suas práticas em torno das obras de artes visuais.
Desta forma, podemos promover uma educação para a compreensão mais
complexa da arte, porque como nos recorda Thisthewood (In: BARBOSA, 1997):
Se as obras de arte são submetidas apenas a uma análise ingênua, (...) elas podem ser pouco entendidas em relação aos motivos religiosos, históricos, políticos, sociais, econômicos e outros que a geraram.
Este enfoque para a análise crítica da obra ressalta a importância da arte
como instrumento de representação de uma identidade individual, coletiva e
histórica, algumas vezes funcionando como reprodutora do poder vigente, outras
vezes agindo como forma de resistência a um sistema de dominação e, muitas
vezes, revelando-se como construção de uma solução expressiva diante do real
impossível de suportar.
Para cada âmbito proposto por Franz, faz-se necessário uma profunda
pesquisa que é de suma importância para a construção de um conhecimento que
produza um cidadão crítico, construtivo e reflexivo. A autora em questão enfatiza
que tudo o que se diz sobre os objetos artísticos tem valor, porém, não o mesmo
valor (2003, p. 271). Na opinião de Wiske (1999, p. 75) a compreensão se dá por
níveis; porque as pessoas com diferente experiência e desenvolvimento
demonstram mais ou menos capacidade de reflexão. Franz (2003) ainda discorre
sobre os âmbitos de compreensão propostos, alertando-nos para a ordenação dos
diferentes níveis de complexidade, e seguindo principalmente Mansilla e Gardner
(In: WISKE, 1999, p. 246 - 256) esboça uma síntese dos quatro níveis de
compreensão abaixo descritos.
1- Ingênuo: prevalecem as idéias intuitivas e míticas. Pensamos que para
compreender uma obra são necessários conhecimentos específicos (dos
âmbitos histórico/antropológico e estético/artístico). Vemos uma obra de
73
arte como algo não problemático. Olhamos para ela sem refletir sobre se
há ou não alguma intenção comunicativa implícita nela.
2- Principiante: misturamos crenças intuitivas sobre as imagens com
fragmentos de conhecimento histórico-antropológico e estético-artístico,
mas prevalecem as idéias intuitivas sobre elas. Tentamos estabelecer
algum tipo de relação, mas os fragmentos de informação desconectados
não permitem estabelecer alguma relação significativa.
3- Aprendiz: usamos uma fértil rede de idéias prévias (âmbitos
histórico/antropológico e estético/artístico dominados) sobre a obra.
Começamos a compreender que esta pintura é uma produção cultural e
como tal pode trazer implícitas certas representações que influem em
nossa vida.
4- Especialista: usamos com grande domínio os conceitos disciplinares
para superar as interpretações de senso comum. Mostramos redes
altamente organizadas de idéias dentro dos âmbitos propostos. Neste
nível devemos ser capazes de entender que ser livres e donos do nosso
destino implica em compreender até que ponto estamos condicionados
pelas visões de mundo dos outros. Ao compreender isso, ficamos livres
das posições autoritárias e das relações de poder.
Desta forma, Franz (2003) nos propõe que através do instrumento de
mediação e análise crítica de uma obra de arte, estudantes e docentes teçam
conexões entre os âmbitos disciplinares, de maneira crítica e reflexiva. Inter-
relacionando o modo como a obra foi produzida (âmbito estético/artístico) com
outros significados culturais. Ou seja, esta flexibilidade cognitiva é característica
de níveis mais coerentes de compreensão. Compartilhamos com a proposta de
Franz (2003) por acreditar que as compreensões que revelam níveis de
conhecimento mais complexo refletem uma boa relação entre forma e significados
culturais. Os de níveis menos elevados tentam explicar a obra a partir de um
enfoque mais formal. Não conectam os códigos visuais aos significados culturais,
o que resulta em uma interpretação fragmentada e pobre (FRANZ, 2003, p. 162).
74
Para esta pesquisadora a compreensão da arte implica em diferentes níveis de
complexidade que desde as idéias ingênuas, implícitas e intuitivas até as mais
coerentes e críticas dos especialistas.
Explica a autora do referido instrumento:
Uma vez sabendo que na compreensão da arte há diferentes níveis e que a experiência estética não é inata mas adquirida, podemos levar os estudantes e/ou o público em geral a alcançar níveis mais complexos de compreensão. É também importante sabermos que as respostas estéticas se relacionam com as competências estéticas e as capacidades dos indivíduos e que a intensidade da experiência estética é diretamente proporcional ao número de âmbitos e níveis de interpretação por onde possa circular o espectador (Franz, 2008, p. 4).
Acreditamos que através do instrumento de mediação e análise de obras
de arte podemos ajudar a educar o estudante e o docente de forma
comprometida, holística28 e complexa.
3.5 – A Pedagogia Crítica no ensino da Arte
Seguindo as teorias que fazem parte do fio condutor deste estudo, se faz
necessário esclarecer de onde vêm as idéias que sustentam nossas práticas
pedagógicas em Artes Visuais. Mas, para compreender o arcabouço teórico que
origina as nossas práticas pedagógicas é necessário situar o leitor nos conceitos
de “arte” e “educação” que as norteiam. A educação situada em um contexto pós-
moderno, segundo Gadotti (2002), é sempre crítica, emancipatória, multicultural e
está intimamente ligada com a cultura. Esta concepção de educação coincide
também com as teorias que seguimos e que são oriundas dos pesquisadores em
Artes Visuais que seguem a perspectiva crítica Pós-moderna, entre eles Efland,
Freedman e Sthur (2003), MacLaren (2000), Hernández (1998, 2000 e 2007) e
Franz (2003 e 2004). Esta perspectiva é encontrada também nos fundamentos da
28 Adotamos a definição citada pela Universidade Holística Internacional em 1986, Paris: “Este paradigma considera cada elemento de um campo como um evento refletindo e contendo todas as dimensões do campo. É uma visão na qual o todo e cada uma de suas sinergias estão estreitamente ligadas em interações constantes e paradoxais”.
75
Teoria e da Pedagogia Crítica, a qual dentro do enfoque dado, por exemplo, por
Richard Cary (1998), é concebida como prática dialógica e crítica, onde a arte só
pode ser compreendida como representação da sociedade e da cultura.
Considerado o pai da Pedagogia Crítica, Paulo Freire (1999) e suas teorias
educativas são fundamentais em nossa pesquisa. Para pensar a dimensão social
e crítica da educação, Henry Giroux (1992 e 1997) é também um dos pilares que
sustenta nosso trabalho.
A concepção de escola que aqui adotamos segue o pensamento de
Hernández (1998), onde esta é compreendida como um lugar no qual os
estudantes e professores não deixam do lado de fora da sala de aula sua biografia
(HERNÁNDEZ, 1998). Onde a escola – e conseqüentemente os cursos de
formação docente - são compreendidos como espaços onde o estudante há de
aprender a compreender melhor a si mesmo e ao seu entorno cultural.
Na educação, nas últimas décadas, segundo McLaren (1997, p. 191), a
Pedagogia Crítica surgiu como uma teoria radical. Ela examina a escola nos seus
contextos históricos, considerando que são parte do tecido social e político
existente que caracteriza a sociedade dominante, contrapondo-se às análises
positivistas, não históricas e despolitizadas. Investiga e desafia o poder que a
escola representa em nossa vida política e cultural. Recusa a tese de que o
conhecimento e a escola são neutros e que, portanto, os professores devem ter
uma atitude neutra.
A escola é um processo político, não apenas porque contém uma mensagem política ou trata de tópicos políticos de ocasião, mas também porque é produzida e situada em um complexo de relações políticas e sociais das quais não se pode ser abstraída (GIROUX, 1997, p. 88).
No enfoque crítico, a escolarização é uma forma de política cultural e é
sempre uma forma de introdução, preparação e legitimação de formas particulares
da vida social. A Pedagogia Crítica é revolucionária e fundamentalmente aberta a
mudanças, um dos seus objetivos principais é fortalecer as minorias e transformar
as desigualdades e injustiças sociais (McLAREN, 1997; CARY, 1998; FREIRE,
1979 e 1999; GIROUX, 2003).
76
No pensamento de McLaren (1997) a escola deve trazer a vida de fora para
dentro dela, com toda sua dinâmica e contradições, no sentido de considerar suas
dimensões econômicas de classe, relações de poder e gênero. Esta característica,
conforme Leonardo Boff (In: MCLAREN, 1997, p. IX) 29, é uma visão que chega
pelo mesmo caminho percorrido por Paulo Freire, com o trabalho dos
empobrecidos e excluídos, pela via da teologia da libertação. As teorias de
McLaren (1997) são, em grande parte, influenciadas pelo teórico Henry Giroux.
Este último e Paulo Freire são teóricos que contribuem para a Pedagogia Crítica.
Giroux (2003 e 1997) dedica-se a questões sobre a cultura das mídias, a
escolarização e práticas pedagógicas. O autor 30 se inspira em Paulo Freire, para
quem as escolas devem ser um espaço para o desenvolvimento da ação e da
aprendizagem crítica. Na opinião de Paulo Freire (1979 e 1997), frente às
alienações culturais vividas pela sociedade, o profissional da educação deve estar
engajado em promover a ação e a reflexão crítica diante de um sistema
educacional e cultural influenciado pelas indústrias culturais norte-americanas.
Para a Pedagogia Crítica da Arte, como recorda Cary (1998), é fundamental
abraçar o mundo da arte contemporânea. Esta teoria reconhece, explora e
entende o Pós-modernismo como um paradigma cultural e como um movimento
na arte associado ao ensino da Arte, esta visa entender as limitações modernistas
que desvalorizaram e separaram o ensino da Arte nas escolas do mundo e a falha
das escolas em transmitir apenas uma insípida, mas segura e autorizada versão
da arte (CARY, 1998, p. 325). Esta separação é um dos questionamentos pelos
quais passam as mudanças reivindicadas pela Pedagogia Crítica da Arte. Na
opinião de Cary, o fato de o ensino da Arte manter-se centrado em idéias
modernistas e dissociado do mundo social é motivo para que este ensino não seja
considerado como uma das principais disciplinas. Neste sentido, Hernández
(2000) completa colocando que o ensino de Artes Visuais pode atuar como
mediador para enfrentar muitos problemas da atualidade, e que esta não é apenas
29
BOFF, Leonardo. Apresentação à edição brasileira. In: McLaren, Peter. A vida nas Escolas: Uma introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da educação. Porto Alegre: Artmed, 1997. 30 No livro: Los profesores como intelectuales. Hacia una pedagogía crítica del aprendizaje. Barcelona: Paidós, 1997, do referido autor, nota-se uma nítida relação dialógica com respeito ao discurso de Paulo Freire.
77
uma disciplina marginal, muito menos uma matéria específica de um campo do
conhecimento.
Segundo Cary (1998, p. 336) a Pedagogia Crítica não vê quase nada na
Arte e no ensino da Arte sem estabelecer vínculos com os discursos sociais,
políticos e ideológicos do mundo da arte contemporânea, e considera que as
pessoas criam significados mediante a esfera social.
3.6 - A formação do professor de Artes Visuais e a construção de uma
identidade docente
Neste estudo, também existe a preocupação em buscar caminhos que
melhorem a qualidade do ensino na formação do professor de Artes Visuais (tanto
a inicial como a continuada), para entrar em sintonia com as tendências e
finalidades do ensino de Arte contemporâneo. Compartilhamos com a opinião de
Hernández (2005) quando discorre que a formação docente necessita ser
revisada:
Se pretendemos estabelecer um diálogo permanente entre o que acontece fora da escola (como instituição de formação que passa desde a educação infantil até a universidade), às mudanças na organização dos saberes, nas representações simbólicas, nas formas de trabalho, nas comunicações e na atuação dos docentes em aula (p. 26).
Para tanto, parece-nos imprescindível pensar em uma proposta educativa
de formação docente norteada para uma “compreensão crítica da arte na
perspectiva da cultura visual” 31, visto que o atual paradoxo que enfrenta a
educação escolar e que se reflete nos processos sociais em relação com a escola,
que vai por um lado e as práticas educativas por outro, e a formação docente que
não leva em consideração nem umas nem outras.
Neste sentido, Rachel Mason (In: HERNÁNDEZ, 2007, p. 46) já previa no
final da década passada: 31 Utilizamos o termo “compreensão crítica” na concepção dada por Hernández (2007, p. 79), a qual não se fundamenta em valorações ou juízos individuais, mas na pluralidade de perspectivas de análise em relação aos objetos e sujeitos da cultura visual (perspectiva semiótica crítica, desconstrucionista, intertextual, hermenêutica, discursiva, etc).
78
A profissão (de educadores das artes visuais) encontra-se atualmente em um estado de transição entre o modernismo e o pós-modernismo, no qual a prática é predominantemente moderna, mas a mudança pós-moderna é inevitável.
Em Ofícios sem saberes e os saberes sem ofício, de Gauthier (In:
OLIVEIRA, 2005, p. 62), ele enfatiza com muita propriedade quando diz:
É claro que basear o ensino no conhecimento do conteúdo, no “bom senso”, na experiência, na intuição, no talento ou na vasta cultura não favorece, de modo algum, a formalização de saberes e de habilidades específicas ao exercício do magistério. Embora expressem uma certa realidade, esses enunciados vêm impedir, de forma perversa, a manifestação de saberes profissionais específicos, pois não relaciona a competência à posse de um saber próprio ao ensino.
Na opinião de Richter (In: OLIVEIRA e HERNÁNDEZ, 2005, p. 54):
[...] torna-se cada vez mais evidente que a formação do professor deve ser múltipla, e que será somente através do seu conhecimento e domínio das diferentes teorias do ensino das Artes Visuais que ele estará apto a bem desempenhar seu papel de agente cultural de mudança, bem como de propiciar ao nosso estudante toda a corrente de opções sobre a aprendizagem em artes que permitirão que ele se torne o ser crítico e culturalmente atuante que desejamos.
Podemos observar em Mason (1999), Gauthier (1998), Richter (2005) e
Hernández (2000, 2005 e 2007) que estes possuem uma preocupação pulsante e
reivindicam transformações urgentes, tanto no âmbito escolar como na prática
docente de arte-educadores. E para que isto ocorra, acreditamos em um projeto
de formação que desenvolva uma atividade de reflexão crítica e emancipatória32.
E que o ambiente de ensino-aprendizagem não seja considerado como um espaço
de transmissão de conteúdos, mas como um espaço de referência para compartir
32 Utilizamos este termo na acepção encontrada em Paulo Freire (2000), para quem o domínio emancipatório significa auto-conhecimento ou auto-reflexão. Isto envolve reconhecer o modo como a história e a biografia de alguém vê a si próprio e suas expectativas e papéis sociais. A emancipação tem haver com as forças institucionais ou ambientais, que limitam nossas opções e o controle racional sobre nossas vidas, mas que podem ser encaradas como além do controle humano.
79
e negociar identidades. Na opinião de Hernández (2005) isto requer pensar um
modelo de formação flexível e compreensível:
Que desencadeie processos formadores nos futuros docentes que vão de dentro para fora, para dizê-lo de alguma maneira. Processos que tenham que ver com o desenvolvimento de conhecimentos e a construção de competências vinculadas à realidade da educação nos seus diferentes níveis, integrando as experiências dos estudantes com suas leituras e suas construções como sujeitos (p. 27).
Nesta direção podemos pensar a formação (inicial ou continuada) de arte-
educadores através da compreensão crítica da arte na perspectiva da cultura
visual, como um poderoso instrumento para revitalizar e resgatar a identidade
docente. Assim nos lembram Zaídan e Diniz (1999, p. 45):
Parece importante que ao longo da formação se possa criar um clima que favoreça aos estudantes e formadores aprender com as experiências de uns e de outros, pois ainda que a construção da identidade seja vivida como individual e subjetiva, a construção do conhecimento que a faz possível se dá em um âmbito coletivo, de colaboração e de conhecimentos compartilhados.
Teóricos como Gergen (1992) tiveram durante muitos anos como um dos
seus interesses fundamentais o conceito do “eu” (self), nossa maneira de
compreender quem somos e para que estamos no mundo, e partindo de reflexões
da própria vida e dos seres que o rodeavam, escreveu:
Os comentários que tenho lido a respeito da história social dos últimos tempos sugeriram-me uma resposta: as mudanças tecnológicas. Os alcances tecnológicos que ocorreram durante o século XX produziram uma alteração radical em nossa forma de revelar-nos para os outros (tradução da autora - p. 13).
De fato, estamos hoje submetidos a uma invasão de estímulos sociais que
mais se aproxima de um estado de saturação social nas palavras de Gergen
(1992). Na medida em que este estado avança, acabamos por converter-nos em
pastiches, em imitações baratas dos demais (GERGEN, 1992, p. 103). Isto, em
termos gerais, significa que à medida que passam os anos o “eu” de cada um se
embebeda cada vez mais do caráter de todos os outros; se coloniza (GERGEN,
80
1992, p. 103). Desta maneira, cada “eu” que adquirimos dos demais pode
contribuir para o diálogo interno, para os debates privados que mantemos com nós
mesmos a respeito de toda classe de sujeitos, sucessos e questões (GERGEN,
1992, p. 104).
Edgar Morin (2004) estabelece que a identidade do sujeito comporta alguns
princípios, sendo que temos especificamente interesse em dois deles, mesmo
porque são de grande valia na formação dos docentes. São eles o princípio de
exclusão e o princípio da inclusão, que estão ligados de forma inseparável. Desta
forma ele discorre:
O princípio da exclusão pode ser assim enunciado: se pouco importa quem posso dizer “Eu”, ninguém pode dizê-lo em meu lugar. Portanto o “Eu” é um único para cada um33.[...] Já o princípio de inclusão é, ao mesmo tempo, complementar e antagônico. Posso inscrever um “nós” em meu “Eu”, como eu posso incluir meu “Eu” em um “nós”. [...] Evidentemente, existem antagonismos entre inclusão e exclusão (p. 122).
E ainda completa: [...], ou seja, o sujeito oscila entre o egocentrismo absoluto e a
devoção absoluta (2004, p. 122).
Estes dois princípios devem estar muito claros para o formador que
pretende trabalhar tanto com os estudantes em sala de aula como nas formações
docentes, visto que estamos trabalhando com seres humanos a fim de
desenvolver uma consciência crítica e reflexiva num contexto social, ideológico e
político. Dividimos a idéia deste autor e outros34 quando colocam que a identidade
está socialmente construída e se modificam ao longo do tempo, as sociedades e
os grupos (HERNÁNDEZ, 2005, p. 28).
Neste contexto, o indivíduo assume várias identidades durante o decorrer
da sua vida. Identidades estas que não são unificadas em torno de um ser
coerente, ordenado e racional, enfoque este apresentado na noção do sujeito
33 Aqui Morin (2004) cita o exemplo de gêmeos homozigotos: não há qualquer singularidade somática que os diferencie, são exatamente idênticos geneticamente, mas são não só dois indivíduos, como também dois sujeitos distintos. É confortável ter uma cumplicidade, um código comum, intuições recíprocas, mas nenhum dos gêmeos diz “Eu” no lugar do outro (p. 122). 34 Burr (1996); Kincheloe (2001); Carli (1999); Hernández (1999, 2002).
81
moderno. E sim, no enfoque dado pela pós-modernidade na qual a identidade de
uma pessoa é dinâmica e está sempre em constante transição.
Igualmente importante nos parece abordar na construção da identidade
docente a introdução do “pessoal”, o resgate das biografias dos docentes dentro
de sua formação. Esta perspectiva surge como um afrontamento se comparada
com as tendências de caráter tecnológico, que, como sugere Gómez (1998, p.
365):
A crítica generalizada à racionalidade técnica pelas mais diversas frentes teóricas e distintas comunidades acadêmicas aparece metáforas alternativas para representar o novo papel que o professor deve desempenhar como profissional confrontado com situações complexas, mutantes, incertas e conflitantes.
Assim sendo, no processo de formação docente de arte-educadores
devemos desenvolver uma aprendizagem baseada na compreensão crítica da
prática na sala de aula e o formador deve orientar este para facilitar a
compreensão e transformação da própria prática. Neste sentido, a prática
profissional docente é considerada como uma prática profissional e autônoma, não
meramente técnica (GÓMEZ, 1998, p. 379).
Hernández (2005) defende a idéia de que:
Levar a biografia dentro da formação supõe tomar como referências outras teorias intelectuais, morais ou literárias (por exemplo, a feminista), além de utilizar uma estrutura baseada em uma perspectiva de reconstrução social (LISTON e ZEICHNER,1993) que considere a função mediadora de posições subjetivas e sociais que exerce a educação escolar (p. 30).
Segundo Thomas (In: OLIVEIRA e HERNÁNDEZ, 2005, p. 30), o que
pretende esta perspectiva é: a) a construção de um novo campo de interesse ou
uma área de especialização; b) prestar atenção na formação docente à biografia
como guia para a reflexão sobre a prática e a experiência; c) considerar que o
“pessoal” está profundamente vinculado ao político, tanto no que se refere às
estratégias de representação (visibilidade, invisibilidade) como as que tratam de
se aprofundar na importância do exercício de uma democracia radical na qual os
sujeitos-cidadãos recuperam a voz e a atuação que a democracia representativa
82
lhes tirou; d) a valorização do estudo das narrativas como formas de
representação da realidade, frente às representações baseadas nos modelos
matemáticos ou propositivos.
A redefinição da formação docente, voltada à perspectiva cultural,
possibilita ao professor um espaço de subjetividades que implica em
transformações dos “modos de ver” frente à cultura e seus “regimes de verdade”.
Assim, o ensino da arte assume uma perspectiva contemporânea ao pensar em
uma educação para a compreensão crítica, analisando os discursos que as
imagens produzem.
83
Figura 6 – Uma experiência pedagógica construtiva, Patrícia H. - 2008
Quarto Capítulo - As trilhas trilhadas,
refletidas e analisadas no processo do estágio
docência.
84
4.1- Um percurso metodológico na UDESC
Dia vinte e cinco do mês de abril, ano de dois mil e sete. Treze horas e
trinta minutos. Básica quatro. UDESC.
Hoje inicio meu estágio docência, com grande expectativa e determinação.
Afinal, batalhei muito por este momento. Aliás, meu melhor momento. Mesmo
porque, quando me perguntam o que sei fazer de melhor, respondo
automaticamente: “ser professora”.
Certeza que tinha até o dia em que iniciei o curso de graduação de
Licenciatura em Educação Artística, e perguntas ressoaram no processo que se
construía. Que caminho seguir: O de artista plástica? O de arte/educadora? Ou a
junção destas? Na universidade onde cursei a graduação não existe até hoje a
opção de bacharelado, e o currículo divide-se em teoria e linguagens artísticas.
A conexão da função de artista plástica e educadora de arte sempre me
resultou tentadora, mas me colocava, frente a questões e pré-conceitos, tanto os
que brotavam em mim, como os dos meus colegas. De que maneira conciliar as
duas coisas? Afinal, a dedicação para com uma comprometia a outra. E ainda. De
que forma a minha poética podia se descolar das vivências em sala de aula? Não
conseguia separar a Patrícia artista da Patrícia professora. Laborit (apud NÓVOA,
2002, p. 17) auxilia-me nesta indagação, quando discorre:
[...] a maneira como cada um de nós ensina está diretamente dependente daquilo que somos como pessoa quando exercemos o ensino: “Será que a educação do educador não se deve fazer mais pelo conhecimento da disciplina que se ensina”? Eis-nos de novo face à pessoa e ao profissional, ao ser e ao ensinar. Aqui estamos. Nós e a profissão. E as opções que cada um de nós tem de fazer como professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar e desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser. É impossível separar o eu profissional do eu pessoal.
Então, como conceituar o processo criativo que se instaurava em mim tanto
no atelier como na sala de aula?
Que processo era este? Poderia ser eu, uma artista-professora?
O tempo passou e a pergunta permaneceu...
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Sala do mestrado. Bloco novo das artes plásticas. I ciclo de Investigações
do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais. Ano de 2006.
Na programação uma surpresa, a comunicação do mestrando Edmilson
Vasconcelos intitulada: O artista-professor e as poéticas pedagógicas. Ele inicia
sua explanação discorrendo sobre o papel do artista-professor a partir do conceito
de “artista-etc” proposto por Ricardo Basbaum.
Lembro que à medida que este explicitava o conceito, os sons das palavras
que entravam pelos meus ouvidos ecoavam em forma de melodia harmoniosa
dentro de mim. Tinha encontrado voz, no silêncio envergonhado quando abordada
com a pergunta: Afinal, tu lecionas ou tu és artista?
Uma felicidade interna me tomava! E a pergunta voltava! Agora com mais
força e melhor fundamentada, somada à experiência de vida... E do chão de sala
de aula... Será que era este, o processo criativo a que me referia?
Ao término da apresentação uma mola propulsora (que parecia estar na
cadeira onde estava sentada) lançou-me até o Edmilson. Queria saber mais...
Este mais me levou à busca do texto elucidativo de Basbaum e assim senti-me
presenteada! Explico-me.
Basbaum 35 propõe o conceito de “artista-etc” e comenta que o artista em
tempo integral pode ser chamado de artista-artista, no entanto, quando o artista
questiona sobre a natureza e função do seu papel, podemos chamá-lo de artista-
etc. Quando isso acontece, o artista acaba transitando por outras instâncias do
sistema de arte, incorporando outros papéis e outras funções. Nesta reflexão,
”pensar em arte” 36 leva-o a escrever, pesquisar, ler, falar e a expor.
Basbaum observa que pode imaginar diversas categorias de artista-etc, nas
quais o artista sobrepõe, acumula e mistura outras funções à sua função original
de artista: [...] artista-curador, artista-ativista, artista-químico, artista-agenciador,
artista-professor, entre outros.
35 Ricardo Basbaum é artista, diretor e professor do Instituto da Arte da UERJ e desempenha o papel de curador, escritor e agenciador de eventos de arte contemporânea. 36 “Pensar em arte” refere-se ao texto de Ricardo Basbaum intitulado Pensar em arte: o lado de fora da crítica. Neste texto, Basbaum sugere esta conexão dizendo que não se pode pensar o pensamento sem considerá-lo como processos avizinhados da criação artística, assim como não se pode pensar o fazer artístico sem que se processe pelo pensamento.
86
Creio que ao imaginar essas possibilidades, Basbaum instaura um híbrido e
um questionamento que emergirá a cada nova combinação da função de artista e
uma outra função qualquer. Transpondo este argumento do Basbaum para o
ensino da arte, focarei o artista-etc na função de artista-professor, mesmo porque
me parece interessante e transformador desenvolver processos e métodos
didático-pedagógicos como estratégia poética para o ensino da arte, neste sentido
tomo a “aula” como um sistema-poético-educacional ou uma aula-obra de arte.
Não pretendo de forma alguma criticar o papel do professor-professor, mas
sim apontar para outras possibilidades, tanto para a arte como para o ensino.
Esta aula-obra de arte a que me refiro foi o início do processo para pensar
de que forma intitularia esta. Após muitas reflexões e estudos nomeei-a de:
experiência pedagógica construtiva. A palavra experiência na acepção dada por
Jorge Larrosa que diz que: A experiência é o que nos passa, o que nos acontece,
o que nos toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, quase nada nos
acontece (LARROSA, 2001, p. 2). Benjamim já observava a pobreza de
experiências que caracteriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas,
mas a experiência é cada vez mais rara.
A palavra pedagógica, na sua origem. A de prática ou profissão de
educadora. E construtiva, no sentido dado por Paulo Freire, o qual dizia que o
conhecimento é construído de forma integradora e interativa. Não é algo pronto a
ser apenas “apropriado” ou “socializado”. Conhecer é descobrir e construir, e não
copiar. Para ele, é preciso reinventar um conhecimento que tenha “feições de
beleza”.
No momento em que escolhi o grupo de alunos da UDESC tentando
construir uma aula-obra, sabia também que estava escolhendo um grupo com o
qual queria dividir a imensa aventura de ensinar aprendendo de forma crítica e
dialógica. Para completar a idéia de grupo, Madalena Freire auxilia-me quando
diz:
Um grupo se constrói através da constância da presença de seus elementos, na constância da rotina e de suas atividades. Um grupo se constrói na organização sistematizada de encaminhamentos e intervenções por parte do educador, para a sistematização do
87
conteúdo em estudo. Um grupo se constrói no espaço heterogêneo das diferenças entre cada participante. Da timidez de um, do afobamento do outro; da serenidade de um, da explosão do outro; do pânico velado de um, da sensatez do outro; da seriedade desconfiada de um, da ousadia do risco do outro; da mudez de um, da tagarelice do outro; do riso fechado de um, da gargalhada debochada do outro; dos olhos miúdos de um, dos olhos esbugalhados do outro; da lividez do rosto de um, do encarnado do rosto do outro. Um grupo se constrói enfrentando o medo que o diferente e o novo provoca, educando o risco de ousar. Um grupo se constrói na cumplicidade do riso, da raiva, do choro, do medo, do ódio, da felicidade e do prazer (2003, p. 23).
Esta experiência pedagógica construtiva na qual busquei a realização de
uma aula-obra é uma das trilhas dos muitos caminhos que ainda hei de percorrer
como artista e educadora.
4.2 - Perfil do grupo e do local
O grupo com o qual trabalhei no estágio docência para a realização da
experiência pedagógica construtiva ocorreu nas dependências da UDESC na sala
básica quatro junto à disciplina Fundamentos da Arte e da Educação, ministrada
pela Profa. Dra. Teresinha Sueli Franz (orientadora desta dissertação). Esta
experiência contou com cinco encontros, realizados às quartas-feiras, que
iniciavam às treze e vinte horas e concluíam às dezessete horas, entre os meses
de abril e maio do ano de dois mil e sete.
O grupo é constituído por acadêmicos do Curso de Graduação em
Licenciatura em Artes Visuais (futuros arte/educadores) que cursavam a terceira
fase (curso este que consta de nove fases), dentro da disciplina Fundamentos na
Arte e na Educação (esta consta de quatro créditos). A turma possui vinte e um
alunos, sendo dezessete do sexo feminino e quatro do sexo masculino.
Este curso foi criado em 1974 com a finalidade de formar professores para
lecionar a disciplina então chamada de Educação Artística. É um dos cursos
oferecidos pelo Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina,
instituição de ensino público e gratuito. Além deste, oferece também curso de
Bacharelado em Artes Plásticas, com a finalidade de formar artistas.
88
4.3 - As fichas de avaliação no contexto da investigação
Partindo da experiência pedagógica construtiva, realizada no estágio
docência com o referido grupo de alunos, iniciou-se o estudo empírico, onde
realizei a coleta de dados para esta dissertação. Esta compreendeu a utilização de
quatro fichas de avaliação 37 em forma de questionário, divididas da seguinte
forma: as duas primeiras que fazem parte da avaliação inicial, a terceira da
avaliação do processo e a quarta e última da avaliação final.
As referidas fichas foram aplicadas durante o processo de construção do
instrumento mediador de análise e compreensão crítica da obra MESA.
As mesmas vão de encontro às concepções avaliativas que defendem
Hernández (2000) e Franz (2003), as quais são denominadas de avaliação
formativa e avaliação somativa.
A primeira destas, denominada de avaliação formativa, tem como
finalidade primeira detectar conhecimentos errôneos, preconceitos, fragmentos de
informação descontextualizados ou mesmo dados que os estudantes possuem
que podem ser úteis no processo de estudos que vai iniciar. O objetivo é também
qualificar os estudantes, ajudando-os a progredir no caminho do conhecimento, a
partir do ensino que se ministra e das formas de trabalho utilizadas em sala de
aula. Este tipo de avaliação implica, para os professores, uma tarefa de ajuste
constante entre o processo de ensino e o de aprendizagem. Esta primeira etapa
da avaliação permite que o educador e os estudantes tomem consciência da base
de conhecimentos que cada um traz para a sala de aula (conhecimentos
espontâneos, intuitivos, de outras disciplinas escolares ou mesmo conhecimentos
coerentes com o campo de estudo da arte). Nesta etapa o educador ajuda os
estudantes a compreender que os conhecimentos prévios tanto podem ajudar
quanto impedir a compreensão coerente da obra de arte, foco do estudo.
37 Tomo esta palavra na acepção dada por Hernández (2000) que explana: “Partindo de uma perspectiva ampla, entende-se por avaliação a realização de um conjunto de ações direcionadas ao recolhimento de uma série de dados sobre uma pessoa, fato, situação ou fenômeno, com o fim de se emitir um juízo sobre a mesma” (HERNÁNDEZ, 2000, p. 148).
89
A segunda etapa da avaliação denominada de avaliação somativa foi
proposta como elaboração do processo de síntese do tema em estudo, sendo este
considerado o “momento” que permite reconhecer se os estudantes alcançaram
os resultados esperados, ou se adquiriram algumas habilidades dos temas
propostos durante o processo de ensino-aprendizagem.
4.4 - Portfólios - processo avaliativo como reconstrução da
aprendizagem
Também utilizamos como procedimento de avaliação, a confecção de
portfólios, porque acreditamos que estes vão de encontro à educação
contemporânea que defendemos e à educação para a compreensão crítica da
cultura visual. Temas estes explanados no capítulo III desta dissertação.
A avaliação, tal como tem sido processada nos dias de hoje, seja em
instituições de ensino privado ou público, carece urgentemente de um novo olhar.
No artigo vinte e quatro, do inciso V da Lei 9394/96, fala-se em avaliação contínua
e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos
e quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas
finais.
Tomando as palavras-chaves do trecho acima (contínua, cumulativa,
desempenho e qualitativo), podemos observar um resumo do que é avaliar. Diante
desse preceito, a avaliação deveria ser uma orientação básica que se presta como
uma prática de monitoramento da aprendizagem, diagnosticando eficiências e
deficiências. Infelizmente, as idéias de números quantitativos de notas ou
menções significam a representação numérica dos distintos comportamentos
observáveis no processo de desenvolvimento do aluno, em que a cultura do
número é dominante. Gardner nos ajuda a completar a idéia quando diz: o pensar
humano nos parece muito mais como desalinhado, intuitivo, submetido a
representações subjetivas [...] não como um cálculo puro e imaculado
(GARDNER, 1988, p. 412).
90
No processo ensino-aprendizagem, a avaliação sempre foi um dos itens
mais questionáveis, pois tem se apresentado na prática dos professores como um
fim em si mesma. Então, de que maneira aliviar os nossos conflitos na hora de
representar o ser (acadêmico) em números? Como redimensionar nossos
critérios de avaliação? Uma das formas de avaliar o ensino sobre as artes visuais
e/ou sobre a cultura visual em geral que acreditamos esteja engajada com uma
educação para a compreensão crítica e contemporânea, é a avaliação por
portfólio. Prática esta que nasceu no campo das artes visuais, como explica
Hernández (2000, p. 165):
Arquitetos, desenhistas e artistas selecionam e ordenam mostras de sua trajetória profissional para poder apresentá-las num suporte físico (o portfólio), de maneira que o destinatário (um cliente, um dono de galeria, um examinador) possa apreciar os momentos mais significativos de seu percurso, ao mesmo tempo em que adquirem uma visão global do mesmo.
Este termo é conhecido por compreender a compilação dos trabalhos
realizados pelos estudantes durante uma disciplina, incluindo resumos, registros
de visitas a exposições, fichamentos de textos, projetos e relatórios de pesquisa.
Assim como ensaios auto-reflexivos que permitam a possibilidade ao estudante de
refletir sobre seu próprio aprendizado de forma comprometida e reflexiva.
Segundo Hernández (2000) a função do portfólio se apresenta assim como
facilitadora da reconstrução e reelaboração, por parte de cada estudante, de seu
processo ao longo de um curso ou de um período de ensino (p.165). Esta
modalidade de avaliação faz com que o aluno seja um agente do seu próprio
conhecimento, possibilitando uma maior flexibilidade no processo de ensino-
aprendizagem, ajudando-o a construir e a aprimorar novas competências.
91
4.5 - Perguntas realizadas aos futuros arte/educadores da UDESC
Avaliação inicial - (ficha um)
1- O que você acha de ser professor de artes?
2- Trabalha com imagens no ensino? E o que você entende por trabalhar
imagens ou obras de arte na sala de aula?
3- Qual o conceito de arte para você?
Estas questões tinham como finalidade:
- Mapear as concepções partilhadas pelos futuros docentes do Ensino das Artes
Visuais a respeito da arte: O que é, para eles, a arte? De que formas trabalham
uma obra de arte ou imagem?
- Colocar ênfase na construção da identidade docente, resgatando a importância
biográfica dos mesmos.
Avaliação inicial – (ficha dois)
1- Qual a sua interpretação (compreensão) sobre esta obra de arte
contemporânea?
Esta questão tinha como finalidade perceber como o referido grupo de
alunos interpretava ou compreendia a obra MESA de Nelson Felix, após a
apresentação desta, contando com os seguintes dados: nome da obra, artista que
a construiu, ano e dimensão desta, materiais utilizados.
Avaliação do processo – (ficha três)
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1- Como você avalia o instrumento de mediação de análise e compreensão
crítica utilizado no estudo da obra MESA de Nelson Felix?
Esta pergunta tinha como finalidade aferir se o referido grupo de alunos da
UDESC tinha desenvolvido habilidades de compreensão crítica de manifestações
artísticas contemporâneas, neste caso da obra MESA, após a construção do
instrumento de mediação e análise de compreensão crítica abordado por Franz
(2003).
Avaliação final – (ficha quatro)
1- Em que momento do processo você aprendeu mais?
2- Que outras observações você julga importantes no processo?
Estas questões tinham como finalidade conferir se através dos estudos
realizados nos cinco grupos (estes que pertencem aos âmbitos de compreensão
de análise crítica do instrumento, tema que explano no capítulo III – Ampliando as
fronteiras no contexto educacional) os acadêmicos da UDESC tinham adquirido
um maior nível de compreensão, saindo do nível ingênuo rumo ao de especialista.
E, ainda, tinha-se o propósito de estabelecer um diálogo entre o saber próprio e o
saber dos demais, com a finalidade de gerar saberes compartilhados, atividade
esta realizada na confecção dos portfólios.
4.6 - Construção de um sistema interpretativo
A partir das respostas para as perguntas que faziam parte das fichas de
avaliação ordenei os significados dentro de uma perspectiva qualitativa
interpretativa crítica, metodologia escolhida para este estudo. O sistema de
interpretação foi construído de acordo com Huberman & Miles (In: FRANZ, 2003),
os quais definem a análise dos dados em três processos interconectados:
93
a) A redução dos dados é feita a partir de marcos conceituais definidos
anteriormente. Relaciona-se com as perguntas da investigação. Nesta fase os
dados sintetizam-se, codificam-se, decompõem em temas, grupos e categorias.
b) Representação dos dados: é a fase em que os dados, uma vez reduzidos, são
representados mediante diagramas ou formas visuais, de maneira que possam
mostrar o que implicam.
c) Conclusão e verificação: aqui a representação dos dados é interpretada e
esboça-se sua significação. Pode–se realizar mediante diferentes estratégias:
comparando e contrastando casos, assinalando e explorando temas, padrões e
regularidades e utilizando metáforas.
4.7 - Transcrição das fichas de avaliação - uma perspectiva qualitativa
interpretativa crítica
Inicio a análise das fichas de avaliação relembrando o dia em que a
entreguei aos alunos e me apresentei como estagiária...
Dois de maio de dois mil e sete. Sala básica quatro. Treze horas e vinte
minutos. Começo arrumando o material na mesa e aos poucos os alunos vão
aparecendo. Olhares de estranhamento, perguntam se é a aula da professora
Teresinha. Respondo que sim e que sou a estagiária. Vão se acomodando em
silêncio e me seguindo com o olhar... Professora Teresinha entra em sala e os
olhares de constrangimento dissipam-se. Amigavelmente me cumprimenta, faz a
chamada e prontamente me apresenta pedindo a colaboração do grupo no estudo
que vamos realizar.
Começo a aula apresentando-me com nome e idade, colocando que tenho
um sotaque sutil porque nasci na Argentina e não consigo me livrar deste. Os
alunos riem...
Através do projetor multimídia passo imagens do publicitário Cristhofer
Gilber, e eles observam atentamente. Entrego então a primeira ficha de avaliação,
esta que é o início da coleta de dados...
94
Vinte e sete de abril de dois mil e oito. Um ano se passou...
Abro a pasta em que guardei as fichas de avaliação, estas que terão que
ser analisadas, e realizando uma leitura prévia e descomprometida uma surpresa
emocional toca-me. A presença do grupo em forma de papel e escrita me devolve
a experiência que vivi. Choro!
Avaliação Inicial38 – (ficha um)
Pergunta: Qual o conceito de arte para você? Bruna Arte é aquilo que exige toda uma pesquisa por trás.
Coimbra Há uma urgência em mediar o conhecimento que o professor possui em arte e o conhecimento que o aluno traz.
Iara Forma de expressão social de uma cultura.
Rebeca Arte para mim é tudo que se manifesta com um sentido emocional. Acho que a arte é muito abrangente.
Geovani Arte é sentimento, é comunicação visual.
Roberto A coesão e junção de todos os sentidos (visão, olfato, degustação, tato e audição).
Valentina Para mim hoje a arte é um meio de comunicação, é um instrumento de transformação que deve “causar” algo nas pessoas.
José
É um conceito muito amplo, ao mesmo tempo um fenômeno social inserido na cultura de determinado povo e que permanece em constante movimento dinâmico transformando-se.
Sofia Arte é um meio de comunicação de expressão.
Ana Arte é um sentido único e variável, comum e extraordinário, de todos e de ninguém. Arte é expressão.
38 Os nomes (fictícios) que aparecem nestas fichas de avaliação foram criados pelo grupo dos referidos futuros professores da UDESC.
95
Paola Arte para mim se refere à criação de mundos.
Priscila Experiência-vivência, podendo ou não ter resultados materiais, construída através das relações entre as pessoas e principalmente com muito trabalho.
Alice Arte é tudo aquilo que se produz artisticamente e que por trás há uma pesquisa.
Letícia Arte é um meio de expressão e é através dela que compreendo o mundo.
Carolina Para mim a arte feita pelos artistas é diferente da arte feita pelos alunos na escola. Temos que estabelecer conceitos para que o aluno entenda.
Lua Arte é tudo que nos rodeia.
Maria Arte é uma expressão de uma época.
Maria Laura Arte é uma maneira de se interpretar o mundo
Natasha É tudo o que nos toca, é pesquisa, é apreciação, estamos rodeados de arte, é contemporâneo.
Nana Arte para mim envolve todas as questões culturais e sociais.
Sara O conceito de arte para mim ainda é muito confuso.
Quadro 1 - Transcrição do relato dos alunos da ficha de avaliação inicial aplicada no dia
dois de maio de 2007.
Creio, assim como Brent Wilson (2006) e Efland (2003, 2005), que o ensino
de Artes Visuais ainda pode estar muito apegado à modernidade. E é na escrita
de Rebeca, Geovani, Roberto, Sofia e Ana que percebo claramente como este
conceito está arraigado, quando eles dizem: arte para mim é tudo que se
manifesta num sentido emocional; ... arte é sentimento; é a junção de todos os
sentidos; ... é um meio de comunicação de expressão; ...arte é expressão.
Conforme Efland (2003) e Brent Wilson (2006), as idéias modernistas sobre
a natureza da arte, seu papel na cultura e na sociedade, a concepção de
criatividade e originalidade é que determinam o currículo artístico. Estes teóricos,
entre outros da arte-educação, atribuem ao pensamento modernista a idéia de
96
arte como livre-expressão. A arte-educação nutrida pelo modernismo apresenta-se
pelo apego ao espontaneísmo desvinculado de aspectos contextualistas.
Este posicionamento caracteriza o que podemos chamar de ensino da arte modernista que concebe a arte como expressão e relação emocional, priorizando a originalidade dentre os processos mentais envolvidos na criatividade (BARBOSA, 1997, p.10).
Desta forma a arte baseada em uma definição modernista valoriza aqueles
mais habilidosos, e encoraja os alunos a serem sempre originais em seu fazer
artístico. Isto é notado na escrita de Valentina: ... a arte é um meio de
comunicação, é um instrumento que deve causar “algo” nas pessoas. Na escrita
de Coimbra, Alice, Natasha e Bruna percebemos uma preocupação quanto à
pesquisa em arte, e uma urgência na postura do professor como mediador,
permitindo que o aluno potencialize seu saber utilizando o conhecimento que já
possui. Onde o professor desconfia das teorias que defendem a idéia de que a
obra fala por si mesma, e que esta se dá a conhecer apenas pela sua aparência.
Atendo ao seu papel de mediador a vê como um dos produtos da sociedade e da
cultura de origem, elaborada e convalidada dentro de um determinado sistema
artístico. Este enfoque vai de encontro às abordagens socioculturais e tendências
atuais em educação, mesmo porque é fundamental que o professor atue como
mediador entre a compreensão dos alunos, suas experiências e as imagens,
auxiliando-o para um maior desenvolvimento da compreensão e interpretação
críticas (FRANZ 2000, 2003, 2004; HERNÁNDEZ, 1998, 2000). O professor não
somente assume-se como aprendiz e pesquisador, ele estabelece uma relação
horizontal, realizando um trabalho em conjunto com os alunos (FREIRE, 1979;
HERNÀNDEZ, 1998, 2001; FRANZ, 2006).
Na escrita de Nana, José e Iara notam-se as questões culturais e sociais
ligadas à arte quando escrevem: arte para mim envolve todas as questões
culturais e sociais...; é um conceito muito amplo, ao mesmo tempo um fenômeno
social inserido na cultura de determinado povo e que permanece em constante
movimento dinâmico transformando-se; Forma de expressão social de uma
cultura...
97
Partilho destas vozes quanto à importância da arte como representação da
sociedade e da cultura dentro do respectivo contexto. Entendemos que as
transformações na arte e na sociedade contemporâneas exigem propostas
educativas mais críticas e atentas à vida social. O ensino de Arte hoje se depara
com o desafio de contribuir para a construção crítica da realidade sociocultural
(RICHTER, 2004; FRANZ, 2004). A arte-educação baseada numa concepção pós-
modernista está profundamente conectada ao resto da vida, sem limites entre arte,
contexto social e cultural (FRANZ, 2003).
Pergunta - Trabalha com imagens no ensino? E o que você entende por trabalhar imagens ou obras de arte na sala de aula? Bruna Trabalhar com imagens em sala de aula é essencial, pois arte é imagem. Estas
imagens devem vir sempre através de proposições colocadas pelo grupo de alunos e de acordo com seu contexto social.
Coimbra Sim, tento realizar leituras e interpretações com imagens, também uso imagens publicitárias.
Iara Acho tudo de legal trabalhar todas as formas de artes visuais. Rebeca Sim, trabalhar com imagens é mais um meio de conhecermos e tentarmos entender a
nossa própria história. Geovani Não trabalho com obras de arte em sala de aula porque não sei como abordar o
conteúdo. Roberto Não trabalho porque ainda não leciono. Valentina Acho necessário trabalhar com imagens em sala de aula mantendo uma postura
ampla e aberta, considerando as obras de arte eruditas, assim como as imagens do cotidiano.
José Sim, trabalho com imagens. Gosto de usar imagens para que os alunos possam ter um leque de referências.
Sofia Trabalho com imagens da apostila, livros que levo e placas de reproduções. Acho fundamental trabalhar com imagens nas aulas de arte e se possível levar o aluno a ter contato com a própria obra.
Ana Sim, trabalho a imagem visual e a literária, uma como discurso visual e a outra como construção e análise.
Paola Trabalhar imagens não somente obras de arte, mas também fazer conexões com outras imagens que encontramos no nosso meio social.
Priscila Sim, a imagem associa-se à história do mundo e a cada história individual de cada aluno.
Alice Temos que trabalhar a imagem de forma responsável sem cair no clichê da imagem. Já que muitas vezes o professor não sabe ler a imagem ou não dá oportunidade para que o aluno possa interpretá-la do seu jeito.
Letícia Sim, a imagem é na minha aula um recurso e um resultado. Carolina Ainda não trabalho como professora de arte, mas creio que é essencial que se
trabalhe a imagem em sala da aula. Lua Sim, trabalho com obras de arte e com imagens feitas pelos próprios alunos. Maria Acho que trabalhar com imagens é uma ferramenta a mais nas aulas de arte. Maria Laura
Sim, entendo que a leitura de imagens está vinculada a uma metodologia triangular, a uma releitura que fazemos olhando para ela.
Natasha Trabalhar com imagens nas aulas de arte torna as aulas mais atrativas.
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Nana Sim trabalhei, mas não me detinha no estudo formal e sim numa oportunidade de ir além e ver nestas imagens uma janela para o mundo.
Sara Sim, uma imagem vale mais do que mil palavras.
Quadro 2 - Transcrição do relato dos alunos da ficha de avaliação inicial aplicada no dia dois de maio de 2007.
Praticamente todo o grupo de futuros arte-educadores da UDESC
trabalham com imagens, porém não especificaram nem a forma, nem o tipo de
imagem (entendam-se obras canonizadas pela cultura ocidental ou imagens do
cotidiano) e as respostas mostram-se evasivas. Mesmo na escrita de Nana, que
parece utilizar a imagem de maneira diferente, encontramos o seguinte
depoimento: ... não me detinha no estudo formal e sim numa oportunidade de ir
além, e ver nestas imagens uma janela para o mundo. Pergunto-me: o que
significa ir além? Ou, ver as imagens como uma janela para o mundo? Parece-me
uma fala intuitiva: O que você vê? O que você sente? A imagem utilizada apenas
como fruição, dada ao gozo (gosto, não gosto).
O universo visual hoje é mais persuasivo do que nunca (HERNÁNDEZ,
2000, 2001; MIRZOEFF, 2003), então, como educar apenas para a fruição?
Vivemos uma época na qual nos deparamos com crianças, jovens e adultos cada
vez mais interessados nos meios visuais e acostumados às linguagens
permissivas das mídias, que atacam passivamente. As mídias se transformaram
nos educadores do público, mediando representações que jogam com as
fantasias, os medos ou os fantasmas (HERNÁNDEZ, 2000, p. 11). Associam-se
intrinsecamente aos desejos humanos acrescentando a isso fantasias e fantasias.
Para Steinberg e Kincheloe (apud HERNÁNDEZ, 2000), produz-se uma distância
cada vez maior entre a pedagogia cultural, que é produzida pelas mídias, e a
pedagogia escolar. O que significa que há uma diferença entre como a escola
educa e como educam os meios da cultura popular (HERNÁNDEZ, 2001, p. 2).
As mídias, as novas tecnologias, os meios de informação e a comunicação
estão engendrando profundas transformações nas subjetividades. Uma maneira
de compreender as mudanças que repercutem na educação é estudar o universo
visual com o qual crianças e adolescentes se relacionam e as formas de
apropriação [...] que fazem deste universo visual (HERNÁNDEZ, 2001, p. 2).
99
Retomando a fala de Maria Laura: Sim, entendo que a leitura de imagens
está vinculada a uma metodologia triangular, a uma releitura que fazemos olhando
para ela, podemos notar a falta de uma educação para a compreensão de
imagens. Ainda que a estudante associe o uso da imagem no ensino das Artes
Visuais com a Metodologia Triangular, ela não consegue dizer como se realizam
estudos com imagens a partir desta proposta de ensino. O que me recorda o que
dizem as pesquisadoras Valeska Bernardo Rangel e Teresinha Franz (2008b, p. 7)
A “Proposta Triangular” publicada no Brasil em um pequeno livro39 de 1991, propõe três eixos: o fazer artístico, a História da Arte e a Leitura de Imagens. No entanto, o professor não teve nesta obra um suporte que lhe ajudaria a realizar o eixo da “leitura”. O mais preocupante é que em geral não sabe como fundamentar os estudos sobre obras de arte dentro do campo da educação contemporânea, que é sempre crítica, e está intimamente ligada com a cultura.
Esta falta de orientação sobre como trabalhar com as imagens vem se
repercutindo na formação dos docentes no Brasil. Sendo assim, percebemos a
importância de formar futuros arte-educadores a partir de uma educação para a
compreensão crítica da cultura visual, tema este delineado no capítulo III desta
dissertação.
Pergunta – O que você acha de ser professor de Artes?
Bruna Trabalho há pouco tempo na área, mas sinto que tenho muita responsabilidade em
educar. Coimbra Para mim uma opção de trabalho na área, a descoberta de uma função importante na
arte e educação, propor transversalidade entre conhecimento e prática. Iara É preparar os alunos para olharem criticamente para todas as imagens com as quais
irão se deparar no seu cotidiano. Rebeca Acho o máximo, sempre tive vontade de ser professora de Arte, pois engloba um
enorme conteúdo. Geovani Não leciono, mas acredito que deva ser muito bom. Roberto Não leciono, mas creio que seja mais interessante que outras matérias. Valentina Ser professora nas condições que o mundo está é uma grande responsabilidade com
o futuro de todos. É uma maneira de transformar atitudes, construir novas esperanças e educar para viver.
José Estou tendo minha primeira experiência agora, mas a possibilidade de me tornar um professor de artes começa a me conquistar por todas as aberturas concretas entre as
39 BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte. Perspectiva: São Paulo, 1991.
100
pessoas envolvidas. Sofia Acho que é uma responsabilidade muito grande, pois a arte aborda questões do
mundo. Ana Antes de iniciar a dar aula não tinha muito claro o que era ser professora, mas à
medida que o tempo foi passando e que percebi como a criança se encantava com algo que trazia, isto se tornou muito gratificante.
Paola Considero no mínimo divertido, mas acho importante levar esse mundo de infinitos conhecimentos e conexões para formar consciências críticas dentro da sala de aula.
Priscila Em primeiro lugar um desafio por tratar de um assunto entendido por poucos e pouco aceito pela sociedade.
Alice Acho que para sermos professores de Arte devemos ser conscientes do mundo em que vivemos e ter amor ao que fazemos.
Letícia É uma paixão. Vejo nas aulas uma possibilidade de reconfigurar o interesse dos meus alunos por arte.
Carolina Não sou professora ainda, mas me parece que a função da professora de Artes é instigar a curiosidade do olhar do aluno, diante das inúmeras possibilidades de vida.
Lua Acho que será difícil, porém espero não perder a motivação de sempre buscar melhorar para poder exercer a minha profissão.
Maria Eu amo ser professora de artes. Principalmente quando há êxito. Maria Laura
Um desafio, um contínuo acerto e desacerto, uma construção do conhecimento entre ambas as partes.
Natasha O professor de arte tem papel fundamental no aprendizado da sociedade. É fantástico.
Nana O professor de Arte tem a função de desconstruir alguns conceitos errôneos que se cristalizaram no livre fazer.
Sara É aquela pessoa propositora e mediadora do conhecimento de arte. Quadro 3 - Transcrição do relato dos alunos da ficha de avaliação inicial aplicada no dia dois de
maio de 2007.
Como podemos perceber nas respostas de Valentina e Sofia existe uma
preocupação com a responsabilidade na hora de educar, quando escrevem: acho
que é uma responsabilidade muito grande, pois a arte aborda questões do mundo.
Ser professora nas condições que o mundo esta é uma grande responsabilidade
com o futuro de todos, é uma maneira de transformar atitudes, construir novas
esperanças e educar para viver. Estas escritas estão relacionadas ao
comprometimento que o professor deve ter se estiver engajado em uma educação
pós-moderna e dentro da perspectiva da Pedagogia Crítica, mesmo porque pode
ser um caminho possível para se engajar na luta por uma sociedade melhor
(FRANZ, 2004, p. 6). Tema este explanado no capítulo III desta dissertação. Na
escrita de Sara aparece: é aquela pessoa propositora e mediadora do
conhecimento de arte. Na palavra propositora encontramos a fala de Lygia Clark,
que acreditava no artista como um propositor, não do passado, nem do futuro,
mas do agora (do tempo presente). E no professor como mediador, remontamos-
101
nos no início dos anos oitenta com o surgimento da Pedagogia Histórico-Crítica 40.
Na concepção crítica, o professor como mediador é uma presença insubstituível
para relações pedagógicas que trabalhem experiências pouco elaboradas dos
alunos, reavaliando experiências e preparando para que exerça uma cidadania
consciente, crítica e participante (FUSARI; FERRAZ, 1992). Isto implica um
trabalho que propicie transformações na prática. Vai contra as concepções de
ensino espontaneístas onde se anula o papel do professor e se defende a idéia de
que a arte fala por si, que ela está no mundo para ser fruída e/ou contemplada.
Na escrita de Iara e Maria Laura encontramos: é preparar os alunos para
olharem criticamente para todas as imagens com as quais irão se deparar no seu
cotidiano. Um desafio, um contínuo acerto e desacerto, uma construção do
conhecimento entre ambas as partes. Estes depoimentos encontram-se em
consonância com a educação para a compreensão crítica da cultura visual.
Mesmo porque, em um mundo complexo e movido pela informação instantânea,
necessitamos urgentemente uma educação que trabalhe em prol da formação de
sujeitos de pensamento crítico, reflexivos, capazes de resolver problemas, de ir
além da rotina e de viver produtivamente em um mundo de constantes mudanças.
Tema este explanado no capítulo III desta dissertação.
Avaliação Inicial - (ficha dois)
Pergunta - Qual a sua interpretação (compreensão) sobre esta obra de arte contemporânea? Bruna O próprio nome MESA sugere uma união entre as culturas, por tratar-se de uma linha
de fronteira é semelhante ao almoço de domingo, em que toda a família se reúne ao redor de uma grande mesa.
Coimbra
A obra escultórica traz a idéia de conversação ou de encontro, e de imobilidade que é desfeita simbolicamente pela presença das figueiras.
Iara A obra nunca estará completa, pois o material que foi usado estará sofrendo as mudanças do tempo.
Rebeca Creio que é uma obra da Land Art, arte da terra. Geovani É um marco que pode ficar para sempre na terra. Roberto É uma obra monumental pelas suas dimensões. É uma construção que parece romper
com as barreiras físicas.
40 Igualmente chamada de Crítico-Social, dos Conteúdos ou ainda de Sociopolítica (FUSARI; FERRAZ, 1992).
102
Valentina Minha compreensão é mais um questionamento: Quem irá resistir à transformação do tempo? As árvores, ou as placas de metal? Irão trabalhar juntos, sempre, moldando-se entre si?
José Parece que as árvores estão dispostas para uma conversa, mas esta conversa será modificada pela ação do tempo à medida que as árvores crescerão.
Sofia Ela me traz uma reflexão sobre o tempo e faz parte da Land Art. Mesa, um lugar onde as pessoas sentam-se em volta sem tempo pré-estabelecido.
Ana O conceito principal desta obra é referente ao local e à extensão total da obra. Paola Para mim a mesa me lembra enterro, funeral. Venho de uma cidade pequena onde o
caixão é colocado sobre a mesa para velar o corpo. Priscila Num primeiro momento, a obra me remete aos grandes almoços familiares dos
domingos, traço cultural fortemente arraigado na cultura brasileira. Também como está em linha de fronteira, percebo um apelo social no sentido de integração destes povos.
Alice Além da fronteira física, territorial e da sociedade, podemos refletir as tantas fronteiras invisíveis que não são marcadas por uma materialidade específica, mas sabemos que elas existem.
Letícia É uma instalação que reafirma e marca a fronteira, nada mais é do que uma linha imaginária entre o Uruguai, Argentina e Brasil.
Carolina Pode-se pensar nela apenas como um elemento visual que serve para afirmar a separação dos territórios, pois a fronteira existe independente da obra.
Lua Trabalho conceitual onde o artista traz a questão da fronteira entre a natureza e o homem.
Maria Em princípio vejo uma paisagem e não uma mesa, talvez vista de outro ângulo. Maria Laura
É difícil falar de uma imagem que nos é imposta, sem que haja um interesse pessoal que nos leve a questioná-la. Por enquanto ela não me diz absolutamente nada.
Natasha Uma obra que se enquadra na Land Art, ou seja, arte da terra e que é uma intervenção rural, pois se encontra em um lugar amplo e natural.
Nana Causa-me a impressão de longevidade, profundidade. Remete-me à cultura dos pampas, sua pastagem extensa, sua tradição nas conquista de territórios e suas ricas tradições gaúchas.
Sara Lembra-me a Land Art e os trabalhos que eram realizados na terra. Quadro 4 - Transcrição do relato dos alunos da ficha de avaliação inicial aplicada no dia nove de
maio de 2007. Podemos perceber na escrita de Rebeca, Sofia, Natasha e Sara como
estas rapidamente conceituaram a obra dentro da Land Art, quando relatam:
lembra-me a Land Art e os trabalhos que eram realizados na terra; uma obra que
se enquadra na Land Art , ou seja, arte da terra e que é uma intervenção rural,
pois se encontra em um lugar amplo e natural; ela me traz uma reflexão sobre o
tempo e faz parte da Land Art; creio que é uma obra da Land Art, arte da terra. Na
virada para os anos setenta, a natureza é incorporada à escultura pública, e os
artistas que a praticam assumem a ecologia como uma missão, discutindo
questões de recuperação ecológica e outras práticas de conservação da Terra.
Sabemos que as intervenções na natureza não são fáceis. Os artistas, quando
abordam um lugar natural para suas ações, concorrem diretamente com a
103
exuberância dessa paisagem e correm o risco de suas intervenções se fazerem
irrelevantes ou supérfluas.
Em MESA há outros significados latentes, que, analisados sob a ótica de
Krauss41 sobre a Espiral de Smithson, nos trazem à luz a idéia de passagem, de
transformação da própria escultura, ou seja, a passagem de um veículo estático e
idealizado para um veículo temporal e material. Acreditamos que a obra de Nelson
Felix guarda algumas semelhanças. Podemos perceber esta constatação na
escrita de Iara, Valentina, José e Sofia, quando escrevem: a obra nunca estará
completa, pois o material que foi usado estará sofrendo mudanças de tempo;
minha compreensão é mais um questionamento: Quem irá resistir à transformação
do tempo? As árvores, ou as placas de metal? Irão trabalhar juntos, sempre,
moldando-se entre si?; parece que as árvores estão dispostas para uma conversa,
mas esta conversa será modificada pela ação do tempo à medida que as árvores
crescerão; mesa, um lugar onde as pessoas sentam-se em volta sem tempo pré-
estabelecido.
Por outro lado, na escrita de Bruna e Priscila o nome da obra MESA remete
ao próprio objeto e aos encontros familiares de domingo, quando escrevem: num
primeiro momento, a obra me remete aos grandes almoços familiares dos
domingos, traço cultural fortemente arraigado na cultura brasileira; [...] é
semelhante ao almoço de domingo, em que toda a família se reúne ao redor de
uma grande mesa. Entendemos nestes relatos a importância da biografia de cada
aluno na construção de uma compreensão crítica mais profunda sobre a obra que
se estuda.
Hernández (2005) defende a idéia de que:
Levar a biografia dentro da formação supõe tomar como referências outras teorias intelectuais, morais ou literárias (por exemplo, a feminista), além de utilizar uma estrutura baseada em uma perspectiva de reconstrução social (LISTON e ZEICHNER, 1993) que considere a função mediadora de posições subjetivas e sociais que exerce a educação escolar (p. 30).
41 KRAUSS, Rosalind. O duplo negativo: uma nova sintaxe para a escultura. In: Caminhos da escultura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 291-343.
104
No depoimento de Maria Laura... Passo a noite em claro... É difícil falar de
uma imagem que nos é imposta, sem que haja um interesse pessoal que nos leve
a questioná-la. Por enquanto ela não me diz nada. Sem dúvida esta resposta me
leva a questionamentos profundos sobre a minha prática, e sobre meu sentir que
se traduz em enxurradas de perguntas: estou impondo ao grupo uma obra que é
importante para mim? De que outra forma poderia abordar o instrumento dentro do
estágio docência com 20 horas-aula? A pesquisa-ação como metodologia seria
mais apropriada para a construção do instrumento? A paixão com que apresentei
a obra relatando o meu interesse pessoal aborreceu a aluna? A maneira com que
me expus, sem medo, com todas as incertezas possíveis, é comportamento de
uma docente? ... Creio não ter respostas para estas, mas o autor Mario Perniola,
no texto: O já sentido, elucida o sentir contemporâneo e desta forma reflito: A idéia
que se tem na nossa época no âmbito do sentir, se comparando à dos nossos
avós, é muito diferente. Na visão de Perniola (1993, p.12) :
Aos nossos avós, os objetos, as pessoas, os acontecimentos apresentavam-se como algo para ser sentido, para ser vivido como uma experiência interior, causa de alegria ou de dor, objeto de participação sensorial, emotiva, espiritual, ou pelo contrário, algo que não se apercebiam ou que se recusavam a perceber. A nós, pelo contrário, os objetos, as pessoas, os acontecimentos apresentam-se como algo já sentido, que vem ocupar-nos com uma tonalidade sensorial, emotiva, espiritual já determinada.
E completa a idéia dizendo:
O sentir adquiriu uma dimensão anônima, impessoal, socializada que exige ser recalcada. É verdade que também nos podemos rebelar contra esta condição e reivindicar o direito a um sentir interior, singular, subjetivo, privado, mas em relação a tais pretensões a nossa época tem sido cruel; ela reconheceu os seus, acumulando-os de favores, mas discriminou e repudiou os outros (PERNIOLA, 1993, p.13).
Nunca tive a pretensão que o grupo de alunos sentisse a obra da mesma
forma que eu, até porque a relação desta para comigo é uma teia de relações
pessoais que divido no todo do estudo. Mas confesso que a escrita de Maria Laura
me marcou, assim como a mudança que ocorreu com esta aluna durante o
105
decorrer da construção. À medida que foi compreendendo criticamente a obra,
mais potencializou seu saber, e o rechaço inicial de construção do instrumento de
análise e compreensão crítica ganhou cumplicidade (com as colegas de grupo,
com o grande grupo e comigo) ao final do processo. Esta questão também serviu
para aferir como as respostas do referido grupo da UDESC ainda não possuíam
níveis elevados de compreensão crítica (tema este explanado no capítulo III desta
dissertação) que é um dos objetivos importantes na realização deste estudo.
Avaliação do processo42 – (ficha três)
Pergunta - Como você avalia o instrumento de mediação de análise e compreensão crítica utilizado no estudo da obra MESA de Nelson Felix? Bruna Através dos âmbitos do instrumento pude perceber uma compreensão mais total
sobre a obra MESA. Coimbra
É interessante como a compreensão crítica tem um caráter mais abrangente para com a obra. Os âmbitos de análise são muito interessantes.
Iara Creio que esta maneira de propor a obra através do instrumento tem um caráter bastante intenso e aprendi a perguntar mais.
Rebeca Esta forma de análise traz para o aluno uma ampla reflexão e uma maior profundidade no estudo da obra MESA.
Geovani Avalio como uma fonte rica de aprendizado. A divisão por âmbitos gera uma visão mais ampla da obra, e auxilia o arte-educador nas suas aulas.
Roberto Achei o instrumento um método para auxiliar o arte-educador muito amplo e profundo. Valentina Achei um projeto amplo e que integra os conteúdos, nos deixou cada vez mais
interessados e com vontade de aprender, a cada dia me fascinava mais pela obra. José Considero o instrumento uma abordagem mais total da obra e creio que a postura
crítica tem que fazer parte da nossa prática. Sofia Entendi porque algumas obras não significavam nada para mim. Através de MESA e o
instrumento pude perceber que devemos nos aprofundar mais e interconectar os diversos âmbitos para entender a arte contemporânea.
Ana Acho difícil trabalhar com o instrumento na instituição escola, já que requer autonomia e liberdade, o que nem sempre é possível com um currículo pré-estabelecido.
Paola Considero importante essa mediação através dos âmbitos porque nos dá uma base para formular e responder perguntas abrangentes para a compreensão crítica da arte.
Priscila Acredito que cumpre com eficiência aquilo a que se propõe e potencializa o estudo de uma obra contemporânea.
Alice O instrumento de mediação crítica nos ajuda a pensar a obra além de um olhar estético, de gosto. Podemos enfocá-la por diferentes âmbitos e criticamente.
Letícia O instrumento aborda a obra desde diversos âmbitos o que torna o estudo mais aprofundado.
Carolina Acho que o instrumento é muito importante para uma melhor compreensão crítica da arte, do próprio mundo e da realidade que vivemos.
Lua Através do instrumento os professores conseguem subsídios para suas aulas e refletem sobre seus contextos e os das obras de maneira crítica.
42 Aqui aparecerá apenas a essência da fala dos alunos a fim de sistematizar as respostas.
106
Maria O instrumento é uma possibilidade mais abrangente para compreender obras de arte. Maria Laura
Este instrumento é de grande apoio não só na sala de aula, mas para compreender a arte contemporânea.
Natasha É um ótimo auxílio para entender a arte contemporânea de maneira mais global. Nana Gostei muito desta metodologia propondo um olhar para a compreensão crítica da
obra e o instrumento dá profundidade de estudo. Sara Achei muito interessante a maneira como os âmbitos estão interconectados entre si. É
uma maneira mais profunda de compreender uma obra. Quadro 5 - Transcrição do relato dos alunos da ficha de avaliação do processo aplicada no dia seis
de junho de 2007.
Aqui encontramos as respostas para aferir se a construção do instrumento
de análise e compreensão crítica da obra MESA contribuiu como uma ferramenta
para auxiliar os futuros professores a mediar a compreensão desejada sobre o
mundo das imagens da cultura visual e consequentemente da sociedade e cultura
contemporâneas. De maneira geral podemos perceber nas respostas do grupo a
unanimidade com que responderam, relatando que através do instrumento de
mediação e análise de compreensão crítica abordado por Franz (2003) eles
compreenderam a obra MESA de forma mais global, profunda, abrangente, crítica
e ampla.
Mesmo porque, a obra em questão partiu de um contínuo processo de
problematização, sendo que as perguntas sugeridas por este instrumento
possibilitam um processo de estudos e pesquisas que podem levar a uma
compreensão crítica da cultura visual.
Baseadas em abordagens socioculturais, as perguntas elaboradas devem
ajudar os futuros arte-educadores a ir além da identificação pura e simples do que
está aparente na imagem, indo ao contexto de recepção e ao contexto de
produção, fazendo uma relação com o mundo pessoal e social destes. Esta
questão está contemplada na análise interpretativa crítica que será realizada no
tópico seguinte, quando falaremos da construção realizada pelos grupos dos
diferentes âmbitos de compreensão através dos portfólios.
Na escrita de Priscila, Natasha, Maria e Maria Laura quando dizem: na
confecção do portfólio e na fala dos outros colegas que nos passaram o estudo do
âmbito que lhes tocado; aprendi mais na pesquisa que tive que fazer em grupo
somado à confecção do portfólio; no momento que cada grupo passou ao grande
107
grupo os estudos referentes a cada âmbito envolvendo a obra MESA; quando nos
dividimos em equipes e tivemos que pesquisar o âmbito que nos tocou.
Nestes relatos observamos a importância de estabelecer um diálogo entre o
saber próprio e o saber dos demais, mesmo porque se relacionar criticamente com
a informação, e aprender com o outro tem como finalidade gerar saberes e
conhecimentos compartilhados. Idéia esta da qual me apropriei do programa de
formação inicial de professores de ensino médio de Artes Visuais na Universidade
de Barcelona, entre os anos de 1988 e 1989. Experiência esta realizada pelo
professor Fernando Hernández 43.
Avaliação final - (ficha quatro)
Perguntas - Em que momento do processo você aprendeu mais? Bruna O momento em que o grupo dividiu-se para estudar um âmbito do instrumento. Coimbra
Foi interessante pensar como a arte-educação através da compreensão crítica da obra pode dar um enfoque mais amplo para a arte contemporânea.
Iara Principalmente na pesquisa realizada em grupo para apresentação e confecção do portfólio.
Rebeca Quando comecei a estudar os âmbitos de compreensão e saí de uma olhar ingênuo, já que para mim é muito difícil entender a arte contemporânea.
Geovani Foi quando percebi que com o instrumento o arte-educador poderia compreender a arte contemporânea de maneira mais global.
Roberto Aprendi em todos os momentos. E muitas das incertezas que povoavam o meu espírito com respeito à licenciatura foram desaparecendo, e já estou com uma conduta mais tranqüila em relação à profissão que escolhi.
Valentina No momento em que tivemos que fazer a pesquisa do nosso âmbito e nas conversas com os colegas para a construção do portfólio.
José Através do instrumento podemos abordar a obra de maneira global, mesmo porque análises fragmentadas são desfavoráveis para compreensões mais plenas.
Sofia Quando consegui através do âmbito estudar com profundidade e me identificar fazendo conexões mais amplas da obra com a minha história.
Paola Em todo o processo aprendi bastante, mas o que mais me tocou refere-se ao ensino aprendizagem de maneira crítica.
Priscila Na confecção do portfólio e na fala dos outros colegas que nos passaram o estudo do âmbito.
Alice Vejo que todo o processo foi muito importante tanto no entendimento da obra, como no nosso crescimento pessoal e na formação como futuros arte-educadores.
Letícia Aprendi que o conhecimento não pode ser estático e para compreender criticamente a arte devemos sempre ser aluno, professor e pesquisador.
Carolina Fazendo o portfólio e estudando o âmbito que nos tocou. Lua A partir do momento que nos separamos em grupos para estudar os âmbitos e
pudemos nos aprofundar na obra, através deste. Maria No momento que cada grupo passou ao grande grupo os estudos referentes a cada
43 Esta experiência é relatada no livro: A Formação do Professor e o Ensino das Artes Visuais, dos organizadores Marilda Oliveira de Oliveira e Fernando Hernández. Editora UFSM, 2005.
108
âmbito envolvendo a obra MESA. Maria Laura
Quando nos dividimos em equipes e tivemos que pesquisar o âmbito que nos tocou. Uma obra que a princípio me era distante e totalmente estranha me fez pensar em um objeto tão presente no dia a dia e que muitos nem tem “mesa” para comer.
Natasha Aprendi mais na pesquisa que tive que fazer em grupo somado à confecção do portfólio.
Nana A partir dos âmbitos de compreensão do instrumento tive um aprendizado mais profundo perante a obra MESA.
Sara O ápice do aprendizado ocorreu quando tive que pesquisar para o âmbito que o nosso grupo tinha que apresentar.
Ana Tocou ao nosso grupo o âmbito biográfico e ele me fez perceber como tinha deixado de lado coisas importantes da minha vida com relação à “mesa”. Tive que assumir uma postura crítica de mim mesma.
Quadro 6 - Transcrição do relato dos alunos da ficha de avaliação final aplicada no dia treze de junho de 2007.
Constatamos a partir das respostas dadas que Sara, Nana, Bruna, Iara,
Rebeca, Valentina, José, Sofia, Priscila, Carolina, Maria Laura, Natasha e Ana
aprenderam mais no momento em que o grande grupo dividiu-se nos cinco
pequenos grupos que se referem aos âmbitos de compreensão crítica. Estes:
âmbito histórico/antropológico, âmbito estético/artístico, âmbito crítico/social,
âmbito biográfico e âmbito pedagógico. Tema explanado no capítulo III desta
dissertação.
Devemos lembrar que na compreensão final da obra estes diferentes
âmbitos de compreensão não aparecem de modo seqüencial e ordenado, mas sim
interligados, porque eles são interdependentes (FRANZ, 2003). A ordenação em
diferentes âmbitos ajuda a construir uma compreensão mais holística e complexa
das imagens. Neste trabalho, professor e estudantes se envolvem juntos em
processos de pesquisa. À medida que são dominados os diferentes âmbitos de
compreensão, os níveis de interpretação tornam-se mais coerentes e complexos.
A meta final é promover uma compreensão profunda e a necessária consciência
crítica sobre o poder das representações visuais na construção de identidades dos
futuros docentes.
À medida que a obra MESA foi trabalhada desde os diferentes âmbitos de
compreensão crítica que fazem parte do instrumento de mediação, o grupo
adquiriu um maior nível de interpretação, saindo do nível ingênuo rumo ao nível de
especialista. Tema este explanado no capítulo III desta dissertação, e que se
109
percebe claramente através das questões levantadas nos portfólios, tema este
que trataremos a seguir.
Pergunta - Outras observações que você julga relevantes no
processo?
Quadro 7 - Transcrição do relato dos alunos da ficha de avaliação final aplicada no dia treze de junho de 2007.
Bruna A didática utilizada pela professora Patrícia mostrou-se eficiente e sem dúvida as aulas foram conduzidas de maneira dinâmica e abertas.
Coimbra
Faltou tempo para debates mais prolongados para assim poder tirar as dúvidas. A turma teve muita sorte de ter uma profissional com experiência na formação de professores.
Iara A postura da professora de estar em constante reflexão com a sua prática foi muito relevante para a nossa formação.
Rebeca Achei a professora Patrícia conhecedora do conteúdo e apaixonada pela sua profissão, um exemplo para nós que estamos construindo a imagem de futuros educadores.
Geovani A professora desenvolveu o processo de construção do conhecimento de maneira aberta e objetiva.
Roberto Aspiro que a professora siga sua meta e que por ela seja devidamente reconhecida. Foi um prazer te conhecer.
Valentina Não saberia identificar se a obra apresentada é legal ou a tua aula que se tornou instigante, curiosa... Obrigada pela experiência!
José As aulas foram ministradas de maneira reflexiva e crítica, isso me faz pensar no meu “ser professor”.
Sofia A vontade de dividir o conhecimento é clara na postura da professora e esta é contagiante. Aprendi muito contigo, a forma de te expor sem medo. Pretendo levar esse exemplo para vida de arte-educadora. Parabéns!
Paola O posicionamento apaixonado de alguém que acredita no ensino da arte crítica é muito marcante nas aulas da professora Patrícia.
Priscila As aulas mostraram-se dinâmicas e didáticas, meus parabéns. Alice A professora nos proporcionou reflexões importantes acerca da arte e da profissão,
assim como aprendi a compreender criticamente obras de arte. Letícia Admiro-te muito e espero um dia ser uma professora tão apaixonante como tu!
Acredito que o segredo é gostar do que se faz! Carolina Aprendi muito com a compreensão crítica e o instrumento de mediação. Lua Vi em você o exemplo de professora de arte que gostaria de ser. Comprometida,
envolvida e empolgada em suas aulas. Pretendo buscar inspiração em suas aulas para construir minha vida profissional.
Maria Gostei da didática da professora, da maneira com que expôs o conhecimento de forma clara o que tornou a aula muito agradável.
Maria Laura
Gostei muito da professora Patrícia, principalmente da maneira respeitosa com que trata os alunos. Você conseguiu criar uma relação de cumplicidade entre os colegas, nos lembrando que estamos em constante aprendizado.
Natasha Gostei muito das aulas e a maneira com que foram conduzidas. Parabéns! Nana As aulas tiveram um ritmo muito bom, pois a personalidade da professora Patrícia foi
sempre energética e alegre. As dúvidas que foram aparecendo foram sanadas de forma paciente e esclarecedora.
Sara A professora conseguiu que a turma se empolgasse com a obra e ficasse curiosa por apreender mais.
Ana A professora está de parabéns por trabalhar de maneira dedicada, com empenho e coragem, e acima de tudo com paixão pelo que faz.
110
Treze de junho de dois mil e sete. Sala básica quatro. Treze horas e vinte e
cinco minutos. Coloco no quadro em forma de tópicos um roteiro de tarefas para
seguir. É o encerramento da experiência pedagógica construtiva; o fechamento da
construção do instrumento de mediação e análise de compreensão crítica através
do debate com o grande grupo, a fim de que estes relatem o que compreenderam
sobre o referido instrumento. E ainda o preenchimento da última ficha de
avaliação, a entrega dos portfólios e o plantio da árvore da felicidade no jardim do
prédio novo das artes plásticas, atividade esta que foi sugerida pelo grupo do
âmbito pedagógico aos demais colegas. Tenho receio de não dar conta, o
problema da falta de tempo se faz presente!...
Vinte e dois de maio de dois mil e oito. Minha escrivaninha e computador
são testemunhas da dor e felicidade de ter revivido esta experiência. Dor pela
distância que me separa do referido grupo e felicidade por ter tido o prazer de
conhecê-los. Constato, através da última questão respondida por eles, o quanto
dividi a imensa aventura de aprender ensinando e ensinei a aprender.
Só me resta dizer: Muito obrigada pela oportunidade!
4.8 – Construção do instrumento de mediação e análise de
compreensão crítica da obra MESA
Este instrumento de mediação e análise de compreensão crítica é dedicado
a alunos e professores interessados em desenvolver estudos sobre obras de arte
ou imagens da cultura visual. É uma proposta aberta e flexível que pode ser
desenvolvida em contextos de ensino e aprendizagem em diferentes situações.
Fundamenta-se em uma associação entre a Pedagogia Crítica da Arte e os
Estudos sobre a Cultura Visual, segundo Hernández (2000) e Franz (2003), que
são abordagens socioculturais de ensino das Artes Visuais. Aparentemente
inócuas, transmitem valores e crenças e modificam a maneira de pensar e atuar
no mundo (FRANZ, 2003).
Os futuros arte-educadores da UDESC tiveram a incumbência de construir
o instrumento mediador aqui apresentado durante o decorrer do referido estágio
111
docência em torno da obra de arte MESA. E para este feito nos baseamos
principalmente em pesquisas anteriormente realizadas por Franz (2003). Segundo
a autora citada, para desenvolver um processo de ensino e aprendizagem com
imagens devem ser considerados diferentes âmbitos de pesquisa e análise. E
diferentes níveis de compreensão, estes que constam detalhadamente no capítulo
III desta dissertação.
Dia dezesseis de maio. Treze horas e vinte minutos. Básica Quatro.
Os alunos vão entrando, cumprimentam-me com um sorriso. A professora
Teresinha faz a chamada e inicia a aula com um relato pessoal, explanando as
dificuldades que encontrava quando se deparava com o termo “leitura” para
ensinar uma obra de arte. Não compreendia como a imagem podia ser “lida”,
afinal não se trata de algo apenas visual. Contou que no final da década de
noventa, deparou-se com alguns teóricos que discorriam sobre a compreensão
crítica da obra e a cultura visual (teóricos estes que fazem parte do corpo deste
estudo), e foi a partir desses estudos que iniciou um doutorado em Barcelona, sob
a orientação de Fernando Hernández, onde criou o instrumento de mediação e
análise de compreensão crítica...
Hora do intervalo, alunos saem para lanchar.
Reinicio a aula, sem a professora Teresinha, assim combinamos. Mesmo
porque a mesma sente-se constrangida em se fazer presente, pois pretendo
discorrer sobre a importância (ou não) do instrumento de mediação crítica, criado
por ela. Alunos atentos e interessados. O aluno Coimbra intercede perguntando:
por que não chamar o instrumento de método, e respondo: a palavra método
carrega a impressão de modernidade, de pacote fechado de receita pronta, e o
que se quer é que o instrumento seja gradual, aberto, flexível e conectado com a
educação e a arte contemporânea. Pretende-se com esta ferramenta que o
educador de arte possua conhecimentos interdisciplinares e transdisciplinares,
além de uma sofisticação nos conceitos de arte.
Após as explicações sobre os âmbitos de compreensão crítica que o
instrumento possui, o grande grupo dividiu-se em cinco pequenos grupos e
através de sorteio ficou estabelecido qual âmbito cada grupo deveria estudar.
112
Estes que serão apresentados em forma de seminário para os demais colegas e
entregues ao final do processo através de um portfólio44 para posterior análise.
4.9 - Análise interpretativa crítica dos âmbitos de compreensão
realizados pelos futuros arte-educadores da UDESC
1- Âmbito Crítico/Social – Portfólio realizado por: Alice, Natasha, Lua e Nana,
uma construção45.
Ao pesquisarmos o âmbito crítico/social percebemos que este âmbito inclui
todos os outros, pois ele nos faz pensar sobre todos os pontos possíveis que
podem estar presentes em uma obra, conectando a arte com a vida. Ele nos faz
pensar no “eu” enquanto ser individual, o “eu” em relação ao “outro”, enquanto
indivíduo de uma sociedade. Desta forma elaboramos algumas questões para
serem refletidas:
1) O que o objeto MESA pode nos fazer pensar sobre as desigualdades da
sociedade brasileira da qual fazemos parte?
2) Como podemos conectar a questão social entre o Brasil e a Índia, já que a
MESA encontra-se no Brasil, mas as figueiras vieram da Índia?
3) Como a nossa sociedade vê a questão da fome? Afinal MESA é um objeto
de uso diário que serve para fazer as refeições.
4) Será que nos preocupamos com quem não tem o que comer?
5) O que MESA nos diz sobre as pessoas que estão próximas à fronteira?
6) Que compreensão podemos fazer da obra no contexto político, histórico e
social?
7) Como a obra se relaciona com o município de Uruguaiana e os países em
que a obra marca fronteira?
44 No tópico 4.3 desta dissertação explano a utilização do portfólio como processo avaliativo de reconstrução do processo de aprendizagem. 45 A fim de sistematizar a leitura para o leitor/a dos relatos do grupo de futuros arte-educadores que se encontram nos portfólios, optamos por redigir os mesmos utilizando a fonte em itálico.
113
8) Como esta obra ajuda a interpretar criticamente o mundo social em que
vivem?
9) Como a obra pode levar a discutir questões de cidadania, tolerância e
democracia? E de como pensar a relação do espaço “meu” e o do “outro”?
10) Será que a fronteira delimita apenas o espaço físico? Que outras fronteiras
encontramos dentro da sociedade?
Podemos perceber como o grupo procurou entender a obra MESA através
de uma compreensão crítica, vinculando a cidade de Uruguaiana às outras
fronteiras (sociedades, culturas) vizinhas. Também abordou o problema da fome
na nossa sociedade, e a relação do espaço (do “meu” e do “outro”).
Desta forma, encontramos as perguntas contextualizadas dentro da
sociedade contemporânea onde a obra foi produzida e abordam temas e
problemas sociais à qual MESA se vincula. As perguntas devem ser
contextualizadas para a sociedade de época em que a imagem foi produzida
(FRANZ, 2003), relacionando os significados deste contexto com a vida do
estudante (contexto de recepção). O estudo deste âmbito tem como propósito
ajudar o estudante na compreensão do meio social e cultural em que vive
fazendo-o de forma crítica e reflexiva.
2- Âmbito Biográfico – Portfólio realizado por: Sofia, Ana, Maria Laura e
Letícia, uma construção.
Pensando sobre essa obra, me vem muitas coisas na mente. Se pensar no
nome “mesa” e fizer uma relação simples e objetiva, logo penso na mesa da
minha casa. Ao longo da minha vida, nunca foi comum “sentarmos à mesa”. Como
meus pais são separados, ainda é mais difícil. Na casa da minha avó, ao contrário,
todos sentam á mesa, é igual às novelas, naquelas mesas gigantes, onde toda a
família se senta. Mas se penso em MESA, a obra de Nelson Felix, no tempo em
que a obra já está no local, e o tempo em que ainda vai ficar lá. O tempo acomoda
114
as coisas. Na minha casa nos acostumamos a “não sentar à mesa”. Mas me
pergunto: É como eu queria que fosse?
O trabalho no âmbito biográfico faz uma aproximação com a história
pessoal do estudante, relacionando sua vida com a imagem. E as perguntas
podem ajudar o estudante a compreender qual o papel que a imagem possui na
sua vida.
Valeu a pena ler isto!
“Para pensar uma educação artística que dê espaço para discutirmos as
histórias de cada um, há que primeiro re-situar o sujeito escolar, o conhecimento e
o sentido da própria escolaridade na sociedade atual” (FRANZ, 2003, p. 262).
Essa citação me fez pensar nas possibilidades de trabalhar o “âmbito biográfico”
com os alunos. Percebi que não seria difícil incitar a contação de histórias
pessoais. Será?
Posso perguntar a eles como relacionam a MESA com a sua biografia?
Assim como nosso grupo está fazendo agora.
Letícia comenta - No nosso contexto, como somos todas daqui, a fronteira
remete a outras coisas. Remete-nos ao nosso próprio “eu”. A fronteira é algo novo
e estranho na minha biografia. Fronteira de relações, opiniões, sentimentos, algo a
pensar.
A fronteira mais “perto” de mim é aquela em que me lembra meu pai!
Depois da separação com a minha mãe, ele foi morar em outro Estado e o nosso
contato sumiu! Fronteira de relações, e não só de distância. Hoje podemos
superar a distância, mas não consigo superar as relações perdidas dentro de
mim...
Neste depoimento sentimos a angústia que a estudante sente através do
que a obra MESA suscitou nela. Este âmbito faz-nos refletir sobre nós mesmos a
partir da obra estudada. Mobiliza questões pessoais ligadas à nossa história.
115
Ana - Estou indo almoçar para me sentar à mesa, queria eu ter figueiras da
Índia para me acompanhar. Mas será que as figueiras fariam companhia de
verdade? Sempre me sento sozinha. Minha companhia é a televisão!
Sofia - O que vocês acham: há uma explicação para a MESA de Nelson
Felix ser tão comprida? Poderia ser redonda? Parece-me que redonda daria um
sentido de não haver um começo nem um fim. O cíclico, o que permanece em
rotação. Mas pensando desta forma se dissolveria o sentido de fronteira, já que
MESA parece uma linha e podemos ver de um lado e do outro...
Ana - Qual imagem da televisão vocês relacionam com a obra de Nelson
Felix?
Maria Laura - Me lembra a novela das oito, aquela do Tarcísio Meira, na
casa dele, e que reúne toda a família em volta.
Letícia - Me lembra as mesas redondas de cozinha que têm uma família de
quatro pessoas no café da manhã. Fazendo propaganda de margarina.
Neste diálogo as estudantes refletiram sobre o cotidiano, sobre a vida
cultural de cada uma. Sobre a MESA vista como objeto (nas novelas, nas
propagandas). A obra trazida à luz a partir da biografia delas. E de que forma a
imagem pode contribuir para conhecer melhor a sua história pessoal.
3- Âmbito Pedagógico - Portfólio realizado por: Maria, Geovani, Sara e Iara,
uma construção.
Este âmbito se relaciona com a Pedagogia Crítica, onde uma obra deve ser
estudada através de uma pedagogia problematizadora e crítica. Tema este
devidamente explanado no capítulo III desta dissertação. Assim, o grupo definiu
algumas perguntas para tratar deste âmbito.
1) O que podemos aprender e ensinar com esta obra?
2) Podemos ensinar a dar aula com esta obra?
3) Os alunos conhecem esta obra? E este artista?
116
4) Qual é o contexto dos alunos com os quais trabalho? O que eles querem?
Será que gostariam de trabalhar a obra MESA?
5) Quais são os nossos objetivos (como professores) com esta obra?
6) Seria necessária uma pesquisa de outras obras que trabalham com o tema
de MESA para melhor compreendê-la?
7) Que materiais didáticos dispomos para trabalhar com esta obra?
8) Podemos visitar a obra MESA? Como? O que a escola acha disso?
9) Como compreendemos os problemas encontrados pela arte-educação em
relação à compreensão crítica desta obra?
10) Quais são as fronteiras que encontramos na escola para trabalhar com
esta obra? Como posso (professora) reagir perante elas?
E ainda: a partir de temas suscitados por MESA, tais como: a) Arte
Contemporânea, b) Campo Expandido, c) Land Art, d) Fronteiras, e) Bioética, f)
Meio ambiente, g) Tempo. O grupo traçou diferentes questões que poderão ser
abordadas com seus alunos.
a) O que significa arte contemporânea? Como surgiu? Para onde vai e de
onde veio? Qual o papel desta, esteticamente, artisticamente, socialmente
e historicamente? Estas perguntas também serão utilizadas para o Campo
Expandido e a Land Art.
d) Fronteiras: Que fronteiras podemos estudar na geografia, história,
sociologia, psicologia, política, economia, história da arte, religião, mídia e
comunicação?
e) Bioética: O que significa? Por que precisamos? Qual é a nossa relação
com a ética e a bioética na arte e no cotidiano? O que é responsabilidade
social?
117
f) Meio Ambiente - O que temos a ver com o meio ambiente? Temos
alguma responsabilidade para com ele? Como está o nosso meio
ambiente?
g) Como podemos abordar o tempo filosoficamente, artisticamente,
poeticamente, economicamente, politicamente? Como nossa sociedade lida
com o tempo? O que o tempo tem a ver com a finitude, a tolerância, a
paciência, o ensino, a aprendizagem, a construção do conhecimento e a
criação?
Também, o grupo deste âmbito apresentou ao grande grupo uma proposta
de atividade em conjunto, partindo da temática do tempo, presente na obra MESA,
que tinha como objetivos:
1) Ensinar a planejar uma aula, ao mesmo tempo em que o grupo
compreendia cada vez mais a obra em questão;
2) E aprender a ensinar.
A atividade proposta foi assim elaborada:
Plantar uma árvore da felicidade em conjunto, num lugar determinado pelo
grande grupo. Na qual cada âmbito terá uma função nas etapas do plantio. O que
se pretende com esta atividade é que se cada âmbito se responsabilize por uma
das etapas e o processo poderá completar-se.
O grupo ainda discorre no portfólio da seguinte maneira:
Esse plantio em conjunto tem como intuito simbolizar um ensino dialógico,
onde todos são importantes para o processo de ensino/aprendizagem. A árvore
representa o ensino e a aprendizagem como um fenômeno inacabado e mutável,
que exige tempo, paciência, tolerância, cuidados, responsabilidade,
comprometimento e paixão.
118
Neste sentido, podemos citar a inegável contribuição do pai da Pedagogia
Crítica, Paulo Freire, que no livro: Pedagogia da Autonomia, Saberes necessários
à prática educativa discorre sobre a importância de ter uma visão de mundo (como
ser humano e professor) alicerçada na rigorosidade, pesquisa, criticidade, risco,
humildade, competência, disponibilidade e generosidade. Temas estes que
aparecem na proposta de atividade que o grupo criou.
4 - Âmbito Estético/ Artístico – Portfólio realizado por: Valentina, Rebeca e
Roberto, uma construção.
Ao destrincharmos este âmbito fica evidente como Nelson Felix usou de
paradoxos na obra MESA, tanto conceituais como contextuais: a união das
culturas ocidental e oriental, os materiais industriais e naturais, a antítese entre o
caos (o imprevisível na obra) e o êxito (o alcance das metas traçadas). Tudo isto
nos leva a crer que esteja ligado ao sublime, uma MESA erguida ao acaso!
O tempo, marcante na obra e que evoca poeticamente a passagem do tempo
como algo imensurável e por isso antagônico ao espaço. MESA uma obra entre
suas irmãs: O Grande Bulha, Vazio e Vão. Que faz parte da Land Art, arte da terra
ou arte ambiental, e que surgiu a partir da década de setenta, fazendo parte do
campo expandido na escultura.
Obra híbrida que une arte e transgressão, que traz à consciência o fato da
morte, que remete à impossibilidade de controlar a natureza, um confronto entre
esta e a cultura.
Este âmbito faz referência à compreensão da obra como um sistema de
representação do universo visual: códigos, símbolos, referências culturais. São
produtos de uma determinada cultura estética, de uma determinada época e lugar.
Neste sentido, o grupo apontou para as seguintes questões:
1) O que sabem da cultura estética ou artística que gerou MESA?
119
2) O que disseram os críticos de arte sobre a obra MESA?
3) O que representa como criação estético-artística a obra MESA para a
sociedade brasileira?
4) Em que momento da história da arte o campo expandido apresenta-se na
escultura?
5) O que significa a Land Art e por que se estabeleceu como linguagem
artística?
6) Vocábulos como hidricidade, sincretismo e fusão são empregados na arte
contemporânea, por quê?
7) O artista Robert Smithson foi o primeiro a trabalhar com a arte da terra, que
semelhanças a obra MESA possui com as obras deste?
8) Por que Nelson Felix escolheu materiais naturais e industriais na obra
MESA?
9) O artista Nelson Felix já trabalhou com “outras” MESAS?
10) Em que aspectos a obra MESA tem a ver com a formação de Nelson
Felix?
Compreender a dependência entre o artista e seu público é, portanto,
indispensável para compreender o âmbito estético/artístico de qualquer imagem
(FRANZ, 2003, p. 250).
5 - Âmbito Histórico/ Antropológico – Portfólio realizado por: Bruna, Carolina,
Priscila, Paola, José e Coimbra, uma construção.
Este âmbito procura ajudar os estudantes na compreensão do contexto
sociocultural em que a imagem foi produzida. Trata-se de problematizar a história
cultural na qual a imagem/obra foi produzida, e a relação deste contexto com os
significados culturais implícitos nesta. Desta forma o grupo iniciou seus estudos
com as seguintes perguntas:
120
1) Que conteúdos históricos e culturais estão presentes na obra, para além
daquilo que remete visualmente?
2) Existem diretrizes culturais e sócio-históricas que permeiam a
concretização desta obra: Quais valores, crenças, ideais e políticas se
expressam nela?
Tomar o artista (criador) como um indivíduo contextualizado histórica e
culturalmente, isto é, considerar seu contexto cultural de origem e suas
relações com a história.
3) Até que ponto as forças sociais e culturais influenciaram o artista na criação
da sua obra?
4) Sobre que contextos histórico e cultural a obra foi concebida?
5) Qual a importância das figueiras da Índia?
6) Qual foi a recepção que a cidade de Uruguaiana teve para com a obra
MESA?
7) Como os habitantes de Uruguaiana percebem as transformações porque
passa a obra ao longo do tempo?
8) Como compreender os números e os materiais usados pelo artista: vinte e
duas figueiras e nove chapas de aço cortén?
9) Que tipo de vínculo Nelson Felix tem com o Oriente?
10) Por que Nelson Felix escolheu Uruguaiana como local para construção de
MESA, dentre tantas fronteiras?
O grupo ainda pesquisou importantes dados sobre a cidade de Uruguaiana
que se encontram no portfólio.
Ao contrário da maioria das outras cidades, que iniciaram como uma aldeia
ou sede de um clã e que depois cresceram de maneira disforme, Uruguaiana teve
sua área urbana projetada e sua localização estrategicamente escolhida (no
século XIX as fronteiras precisavam de vigilância constante). Por esse motivo,
todas as quadras das zonas centrais uruguaianenses possuem cento e dez metros
121
de lado, e todas as outras medidas são padronizadas. Também é graças a esse
planejamento que as calçadas e ruas uruguaianenses são amplas e espaçosas.
Uruguaiana foi a primeira cidade brasileira com essa característica de
planejamento.
Na história da cultura encontramos as intenções, as crenças e os valores
que motivaram a produção da obra MESA. Conhecer a origem e o autor ajuda a
compreender o presente e a desenvolver o pensamento crítico em relação ao seu
entorno cultural. Para compreender uma obra de arte de maneira crítica, reflexiva
e complexa, é necessário ir além do que se vê na obra, a vida da sociedade.
Neste âmbito poderá aparecer a biografia do artista, nem bom, nem mau,
mas um ser humano do seu tempo. Na pós-modernidade, a compreensão da arte
depende dos códigos culturais que circulam no contexto de origem da obra.
Cabe lembrar que na interpretação final da imagem, neste caso a obra
MESA, objeto do nosso estudo, estes âmbitos de compreensão não aparecem de
modo seqüencial e ordenado, mas sim interligados, porque eles são
interdependentes (FRANZ, 2003). A ordenação em diferentes âmbitos ajuda a
construir uma compreensão mais holística e complexa das imagens. Desta forma,
o professor e os estudantes se envolvem juntos na construção do processo de
pesquisa e à medida que são dominados os diferentes âmbitos de compreensão
crítica, os níveis46 de interpretação tornam-se mais coerentes e complexos. A
meta final é promover uma compreensão profunda e a necessária consciência
crítica sobre o poder das representações visuais na construção de identidades,
neste caso em particular, das identidades docentes.
Comparando as fichas de avaliação aos portfólios entregues ao final do
processo de construção do instrumento mediador de análise e compreensão
crítica da obra MESA, percebemos a mudança do nível de compreensão ingênua
para um nível de especialista nos futuros arte-educadores da UDESC. Mesmo
porque, a pessoa que compreende a arte ao nível dos especialistas estabelece
inúmeras relações, ampliando os significados da obra à sua vida e ao seu tempo,
desenvolvendo uma compreensão crítica e autônoma da realidade.
46 Estes níveis de compreensão aparecem descritos no capítulo III desta dissertação.
122
Considerações Finais
Ao longo desta pesquisa, onde nos propusemos a investigar como um
grupo de futuros arte-educadores compreende uma obra de arte contemporânea,
verificamos por meio de um instrumento de mediação e análise de compreensão
crítica abordado por Franz (2003), que é possível construir conhecimento em
Artes Visuais de maneira prazerosa e produtiva para professoras(e) e estudantes.
Porque aprender sempre é prazeroso e quando esta experiência é coletiva e
colaborativa a satisfação é ainda maior.
Constato também que na educação para a compreensão crítica da arte a
avaliação é de extrema importância. E que saber o que dizem os alunos sobre a
obra e arte e/ou imagem em estudo é apenas o primeiro na educação para a
compreensão crítica, como diz Franz (2008a, p. 4). É um erro pensar que tudo o
que dizem os estudantes sobre a arte tem o mesmo valor.
Percebi que o período de estágio docência foi curto para desenvolver o
processo de estudos de modo a que todos pudessem aprender ainda mais. A
compreensão da arte é complexa e demanda estudo, pesquisa. Muitas vezes
temos que começar desconstruindo as marcas deixadas pelas formações
anteriores, para que possamos adentrar num campo de ressignificação. Por que
como bem diz a autora do Instrumento de Mediação e Análise Crítica de obra de
Arte: na compreensão da arte desde a iniciação até o domínio do campo há um
123
considerável caminho a ser percorrido. No entanto, resta a esperança de que os
estudantes tenham aprendido a buscar por si próprios compreensões mais
complexas da obra em estudo assim como de outras que lhes interessarem. Este
é um dos objetivos do uso do instrumento de mediação e Análise crítica de obras
de arte proposto por Franz (2003): aprender a aprender. Desenvolver a
consciência crítica e a autonomia.
Constatei na prática efetuada no estágio docência aquilo que FRANZ
(2008) já aponta, de que existe uma maneira de abordar a educação em Artes
Visuais que não passa pela identificação pura e simples do que vemos, e que vai
além de uma concepção espontaneísta, de aprender e além do essencialismo
estético. Nesta concepção se facilita a aprendizagem a partir do estabelecimento
de relações entre as imagens/obras e seus contextos de produção assim como
desde seus efeitos nas construções identitárias nas diversas audiências (Franz,
2008a, p.32)
Percebi ainda o quanto a dimensão democrática, emancipatória e critica se
faz necessário para que possamos formar alunos que acreditem cada vez mais
nos seus próprios processos construtivos, de historicidade, serem sujeitos das
suas próprias práticas e histórias.
Vi ainda o quanto as histórias de vida estão relacionadas com as formas
pelas quais vamos nos tornando profissionais, o quanto os jeitos de pensar e fazer
educação guarda relação com os nossos posicionamentos na vida, com nosso
processo de escolaridade, de vivências e relações que mantemos com o outro,
com o mundo e consigo próprio.
São estas relações ditas anteriormente que me impulsionam novamente a
rememorar aqui o dia do exame de qualificação, momento este onde o trabalho foi
avaliado, questões foram apontadas, encaminhamentos sugeridos e aí eu vejo,
mais uma vez o quanto o outro tem uma participação intensa na constituição dos
nossos saberes, da nossa identidade. É como nos ensinou Paulo Freire, que
ninguém educa ninguém, mas ninguém, tampouco, se educa sozinho: o ser
humano se educa em comunhão, no contexto de viver sua vida neste mundo, na
interação permanente com o outro e consigo próprio, na transformação dos
124
nossos não saberes em saberes; das nossas buscas em encontros; das nossas
faltas que o outro vai aos completando.
E este encontro para a qualificação se deu assim:...Sala de reuniões. Vinte
e quatro de abril do ano de dois mil e oito. Treze horas e trinta minutos.
Qualificação! Entro na sala e percebo que um raio de sol ilumina a parede na qual
terei que projetar os slides para a apresentação. Esse raio de sol atravessando a
janela é um sinal importante para mim! Calor. Ligo o ar-condicionado e dou início
aos preparativos...
Abre-se a porta. É a presença tensa de Sandra (secretária do programa de
mestrado da UDESC), entendo, sou a última mestranda a me qualificar e o
processo burocrático da instituição lhe origina inúmeras responsabilidades.
Carrega com ela um pedaço de papel pardo e uma régua, estes com um único
intuito, tampar a janela por onde entra o maravilhoso raio. Necessário, porém
frustrante. Cumpre a tarefa e em instantes se retira.
Não demora muito para a professora Rosângela chegar, me cumprimenta
cordialmente, senta à mesa, inicia uma leitura. O silêncio instaura-se... Novamente
a porta abre-se, professora Teresinha entra acompanhada do professor Ronaldo.
Estes sorridentes e afáveis cumprimentam-me, para logo após saudar a referida
professora. Sentam-se. Inicio a minha explanação...
O professor Ronaldo é o primeiro a discorrer seu parecer sobre o relatório
de qualificação, e à medida que vai expondo as suas contribuições, sinto que
ainda terei muito para ler. Muito que rever. Gentilmente agradeço e este me
entrega as orientações em forma de relatório...
A palavra passa para a professora Teresinha que rapidamente explana
alguns pontos nos quais necessitamos deter-nos e aprofundar-nos. Logo após
toma a palavra a professora Rosângela, colocando que o relatório possui uma
linguagem sedutora e que, apesar de não conhecer os teóricos que sustentam o
estudo, principalmente os da área da educação, sentiu claramente onde pretendo
chegar com a dissertação. Coloca-se à disposição para eventuais dúvidas e
encerra-se a qualificação.
125
Vinte e três horas. Estou em casa, o cansaço toma conta do meu corpo...
Inicio uma leitura do relatório do professor Ronaldo e encontro alguns livros de
autores com os quais terei que dialogar. Mas os que me inquietam, são os
relacionados às histórias de vida dos professores...
Os olhos partejam e já não conseguem ler, as linhas se embaralham. Caio
em sono profundo...
Vinte e oito de abril, universidade, biblioteca. Ansiedade na procura da
bibliografia recomendada. Encontro o livro do Nóvoa e rapidamente leio a
apresentação da obra. Não consigo acreditar que as palavras que estou lendo
venham de encontro ao meu “ser”, pessoal e profissional. Como explicar a
sensação de bem estar e de acolhimento que sinto? Como elucidar através de
palavras esse encontro do meu “eu” na escrita do “outro”? Assim, o autor citado
comenta:
Esta profissão precisa de se dizer e de se contar: é uma maneira de a compreender em toda a sua complexidade humana e científica. É que ser professor obriga a opções constantes, que cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar, e que desvelam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser (NÓVOA,1992, p.10).
Infelizmente não encontro o livro de Marie-Christine Josso, procuro nas
livrarias da região, mas sem êxito, obrigo-me a ir mais longe. Recorro então à
minha filha Laura, para que esta o compre em Porto Alegre. Passados alguns
dias, ela liga entusiasmada dizendo: - Mãe este livro tem tudo a ver com a tua
dissertação! À noite te ligo para te passar alguns trechos interessantes...
Chego da aula, o telefone toca e a presença dela através do toque da
campainha manifesta-se. Mas antes de pegar no aparelho me pergunto: Como
(ela) poderá escolher dentro do universo do livro o que me interessa? Inicia a
leitura de um dos trechos que acredita ser “eu” e à medida que vai lendo a
emoção nos toma, o choro é inevitável. E a constatação de perceber o quanto me
conhece é ainda mais maravilhosa! Josso (2004) comenta:
No início do meu empenho consciente na busca de sabedoria de vida, pensei, muitas vezes, que se tratava apenas de uma utopia para o comum dos mortais e que seria mais “razoável” deter-me nesse caminho. Tinha impressão de que a sabedoria estava
126
reservada a seres excepcionais que levavam uma vida de exceção, desviada do “barulho e do furor do mundo” e que esta “perfeição” na sua maneira de ser no mundo se obtinha por um “efeito de graça”. Não fazendo parte dos “eleitos”, restava-me meditar sobre as razões pelas quais existiam tais seres e sobre aquilo que os seus ensinamentos podiam significar para mim, para nós (p.107).
Sinto que através do relato de fragmentos de minha própria história de vida
como professora e ser humano, não só me encontro como me reconheço!
Quanto à experiência pedagógica construtiva, caminho que escolhi para a
construção do instrumento de mediação de análise e compreensão crítica da obra
MESA com os futuros arte-educadores da UDESC, perguntas pairam sem
respostas definitivas. Por que a atividade de encerramento do processo de
construção do instrumento culminou com o plantio da árvore da felicidade? Por
que os alunos escolheram o jardim do prédio novo das artes plásticas? Qual foi a
minha atitude (postura) perante o grupo que os levou a planejar essa atividade
dentre tantas outras? O que essa imagem significa?
Creio que neste momento Paulo Freire (2001), trazido através do relatório
do professor Ronaldo, possa auxiliar-me:
As sociedades não se constituem pelo fato de ser isso ou aquilo; Sociedades não são, estão sendo o que delas fazemos na História, como possibilidade. Daí a nossa responsabilidade ética. Na compreensão da História como possibilidade, o amanhã é problemático. Para que ele venha é preciso que o construamos mediante a transformação do hoje. Há possibilidades para diferentes amanhãs. A luta já não se reduz a retardar o que virá ou assegurar a sua chegada; é preciso reinventar o mundo. A educação é indispensável nessa reinvenção. Assumirmos-nos como sujeitos e objetos da História nos torna seres da decisão, da ruptura. Seres éticos (p. 39-40).
No estudo preliminar, a meta era encontrar evidências sobre como os
futuros arte-educadores do referido grupo interpretavam obras de arte
contemporânea. Desta forma, através das fichas de avaliação (utilizadas na coleta
de dados), pude detectar alguns procedimentos que utilizavam. Tais como: a
leitura dos elementos formais na obra (linha, cores, nome da obra, materiais
utilizados, entre outros); a utilização da “Proposta Triangular” criada pela
professora Ana Mae Barbosa, e a linguagem do campo da semiótica.
127
Nos relatos colhidos destas fichas de avaliação pude perceber que não
existia, por parte dos futuros arte-educadores, uma compreensão contextualizada,
abrangente e conectada com a contemporaneidade. Isto só se tornou possível a
partir da construção do instrumento de mediação e análise de compreensão
crítica. Mesmo porque, a obra é compreendida desde diferentes âmbitos. Estes
que são chamados de: âmbito histórico/antropológico, âmbito biográfico, âmbito
estético/artístico, âmbito biográfico e âmbito crítico/social, e que estão
interconectados entre si.
A partir do momento em que a obra MESA foi submetida à aplicação do
instrumento, os futuros arte-educadores da UDESC conseguiram não só tecer
uma rede de vastas conexões47 em torno desta, mas também avançar do nível
ingênuo de interpretação, rumo ao nível de especialista. Segundo Franz (2003, p.
158), qualquer método de leitura de obra de arte pode apenas fornecer visões
parciais sobre os fenômenos estudados. Conforme a autora, mais do que leitura e
análise de obra de arte, o que precisamos é ensinar os alunos a realizar estudos
[...] com o objetivo de buscar elevados níveis de compreensão.
Contrapondo-se às modalidades de leituras acríticas, a educação para a
compreensão crítica da arte na perspectiva da Cultura Visual propõe que os
professores ajudem seus alunos a compreender a realidade, examinando os
fenômenos que os rodeiam e questionando as versões e visões, a fim de avaliar o
que é produzido culturalmente, processo válido não somente para obras de arte
como para imagens diversas.
Não pretendo com estas breves considerações esvaziar o caudal de
conhecimentos no qual estive submersa por dois anos, apenas desejo que esta
47 Estas conexões encontram-se analisadas no capítulo IV desta dissertação.
128
dissertação encoraje futuros professores na busca de seus caminhos, da suas
histórias de vida, para que desta forma possam tornar-se indivíduos emancipados
e críticos.
129
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Bibliografia Interna48 Henrique, Bárbara, Laura, Maria Angélica, Bettina, Teresinha, Ronaldo,
Rosângela, Anita, Luciane, Cátia, Marilei, Sandrinha, Débora, Átila, Zé, Antônio,
Vanessa, Lu, Edmilson e a todos os alunos e alunas que passaram pela aventura
de compartilhar o conhecimento e os afetos com a minha pessoa.
48 Tomo o sentido de “Bibliografia Interna” expresso por Jean Clark Juliano. A arte de restaurar histórias: o diálogo criativo no caminho pessoal, acreditando que ele se incorpora à natureza desta dissertação. São estes seres, entre tantos outros, que também me constituem.