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  • 14 Setembro 2013 www.revdesportiva.pt

    Introduo

    Os termos bebidas desportivas e bebidas energticas so utilizados para genericamente designarem bebidas utilizadas pelos pratican-tes de exerccio fsico, no contexto da competio ou simplesmente durante e/ou aps a corrida ou o jogo de futebol com os amigos. O consumo de qualquer delas poder parecer indiferente, mas no , pois a sua composio e objetivo so diferentes.

    As bebidas energticas (BE) foram introduzidas nos EUA em 1997 e desde essa altura que a sua popu-laridade tem aumentado bastante1, principalmente entre os teenagers e os jovens adultos2,3, em que 31% dos teenagers mais jovens e 34% a 51% dos jovens entre 18 e 24 anos referem o consumo regular destas bebidas4. Entre 6% e 45% das tropas americanas no exterior referiram consumirem diariamente uma bebida energtica1. Entre 1998 e 2003 a venda destas bebidas nos EUA aumentou 465% e em 2006 gerou receitas da ordem dos 5 bilies US dlares2, tendo subido 16% em 2011 para 9 bilies de US dlares1. Desde 2002 que foram vendidas em todo o

    Mundo 8 bilies de latas de Monster Energy5.

    Composio

    A diferena entre bebidas desporti-vas (BD) e BE que estas possuem substncias estimulantes, das quais se destaca a cafena, que um esti-mulante do sistema nervoso cen-tral, mas de potncia inferior das anfetaminas6. A bebida desportiva contm, entre outros ingredientes, o acar, em percentagem mdia que varia entre 6 e 8%7. Habitualmente a composio da bebida desportiva constituda por gua, carboidratos e sdio, em formulaes que per-mitam a rpida absoro de lqui-dos e eletrlitos para preveno da fadiga. Tm trs objetivos: fornecer gua, hidratos de carbono e repor os eletrlitos perdidos pelo suor, dos quais se destaca o sdio, que muito importante para a absor-o da gua no intestino e para a reteno hdrica dentro do corpo4. As BE, para alm desta composio, possuem ginseng, guaran, taurina, cafena e, eventualmente, substn-cias dopantes8, cujos nomes estra-nhos, latinizados, podero escapar

    aos mais distrados. Aqueles que procuram mais energia, melhor estado de alerta e maior rendimento fsico podero no ter conhecimento da quantidade de cafena que esto ingerir, por exemplo1,3.

    Regulamentao

    A eventual falta de regulamentao pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA tem contribudo para alguma permissividade na compo-sio destas bebidas. Mesmo as ins-tituies mdicas de referncia tm alguma dificuldade em lidar com este tema. O Journal of the American Medical Association (JAMA) referiu em Dezembro de 2012, na sua sec-o JAMAs Patient Page, que as BE no eram reguladas pela FDA, mas logo no dia 08/01/2013 escreveu que a FDA regulamentava estas bebidas, sem dar, contudo, qualquer explica-o para esta alterao de opinio. A classificao destes produtos poder explicar a discrepncia das respostas. Podero ser consideradas apenas como BE e vendidas como simples bebidas, ou serem conside-radas como suplementos energti-cos e, neste caso, entram na classi-ficao de suplementos dietticos, estando sujeitos regulamentao por parte da FDA9.

    A regulamentao da composi-o das BE importante, pois os consumidores devem saber o que esto a beber e o que bebem deve de facto ter os tais efeitos benficos e ser desprovido de efeitos laterais. As quantidades de suplementos includos so de um modo geral insuficientes para produzirem os tais benefcios e para causarem efei-tos laterais adversos, mas podero ser uma ameaa para a sade maior que as colas2. Importa referir que a falta de indicao de efeitos laterais poder ser devido sua ausncia de facto (baixas doses), mas tambm por deficincia de declarao por parte dos profissionais de sade2.

    O potencial problema surge com a cafena, a sinefrina, a efedrina, etc., sendo os efeitos laterais da responsabilidade das concentraes elevadas de cafena, com feito aditivo na associao com o guaran, mais do que com a taurina e o ginseng2. Existem bebidas com quantidades

    Tem

    a 2 Bebidas desportivas e

    bebidas energticasDr. Basil Ribeiro.Medicina Desportiva. Clnica Mdica da Foz, Porto, CHVN Gaia Espinho, EPE VN Gaia

    RESUMO / ABSTRACTAs bebidas desportivas e energticas so consumidas em grandes quantidades e so um negcio de bilies. Embora sejam consumidas de modo indiferente, elas tm composi-es diferentes, com implicaes clnicas e desportivas. As energticas so as que tm estimulantes na sua composio, alguns com implicaes na dopagem, e no devem ser consumidas pelas crianas e adolescentes. Nesta faixa etria o risco de excesso de peso e de obesidade tambm deve ser considerado. A hidratao com gua suficiente na quase totalidade das situaes.

    Sports and energetic drinks are largely consumed and they are a billion business. Although they are indifferently consumed, they have different compositions, with clinical and sports implications. The energetic drink has stimulants in its composition, some related to the doping process, and shouldnt be consumed by children and adolescents. On these age range, the risk of overweight and obesity must also be considered. Water will be sufficed on almost the totality of the occasions.

    PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDSBebidas desportivas, bebidas energticas, cafena, hidratao.Sports drinks, energetic drinks, caffeine, hydration.

    Rev. Medicina Desportiva informa, 2013, 4 (5), pp. 1416

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    3-4 vezes superiores de cafena em relao a outras BE, para alm de terem estimulantes de ervanria, como a yohimbina a evodiamina, que so bastante mais perigosos que a cafena10. Por razes de segurana a FDA iniciou em 2012 a investigao das bebidas com cafena aps relatos de cinco mortes sbitas no desporto relacionadas com o seu consumo1,5. Um destes casos ocorreu numa jovem de 14 anos de idade, com doena cardaca, aps ter bebido duas latas de uma bebida energ-tica no perodo de 24 horas5. Outra situao menos dramtica ocorreu num jovem jogador de futebol ame-ricano que teve convulses e esteve em coma durante 36 horas aps ter bebido duas latas de uma bebida energtica amplamente difundida8.

    Efeitos adversos da cafena

    A cafena bem absorvida e atinge o pico de concentrao sangunea 15 a 45 minutos aps a ingesto, sendo rapidamente metabolizada no fgado nos seus metabolitos estimulantes (teofilina e teobromina)1. A intoxica-o por cafena pode causar a morte, habitualmente por arritmia cardaca, como foram os 20 casos encontrados em autpsias realizadas na Sucia ao longo de 16 anos, apesar de haver outros medicamentos na corrente sangunea. Os doentes cardacos e os doentes hepticos so certamente os mais vulnerveis, j que nestes poder estar comprometida a meta-bolizao da cafena, mas tambm o consumo simultneo de outras substncias pode ocupar a sua via de metabolizao (citocromo P450 1 A2) e fazer perdurar nveis elevados de cafena durante mais tempo1. No stio da net da JAMA refere-se que a dose de 500 mg / dia considerada segura, mas os doentes cardacos

    e hepticos devem consumir dores inferiores ou at nulas. O mesmo autor refere que na Sucia o redi-mensionamento das embalagens, de 250 para 30 comprimidos, parece ter diminudo a taxa de overdoses fatais com cafena1. Embora se considere que a ingesto diria de 300 mg de cafena possa ser segura, as mulhe-res grvidas e a amamentarem, os diabticos, com lcera pptica e com insuficincia cardaca tambm tm riscos com a ingesto de cafena2.

    Existem riscos para a sade asso-ciados com a ingesto de BE2,3:Aumento da frequncia cardaca

    Arritmias cardacas (palpitaes)

    Aumento da presso arterial

    Aumento da diurese

    Distrbios do sono

    Hiperglicemia

    Convulses

    Obesidade

    Mania

    Mistura de cafena e de lcool (alc+caf)

    A associao de alc+caf tem vindo a tornar-se popular entre os adolescen-tes e universitrios, sendo tambm consumida em bares sob a forma de coktails4. Em 2010 a FDA havia considerado no seguro o consumo conjunto de alc+caf, j que aquela poderia eliminar alguns sinais de alarme de intoxicao1. Por outro lado, o lcool prolonga a semivida de 5 horas da cafena e contribui para os seus efeitos txicos1. No estudo de Craig Odar realizado em 401 atletas da 1. diviso universitria ameri-cana de atletismo, cerca de um tero dos quais referiu o consumo simul-tneo de lcool e de BE com elevado contedo em cafena no ano anterior. Este grupo referiu ter mais compor-tamentos de maior risco (beber e conduzir, por exemplo) e sentir mais extrassstoles e batimentos cardacos mais rpidos em relao aos atletas que apenas consumiam lcool10. O estudo realizado em 2006 com 697 universitrios revelou que cerca de um quarto consumia lcool com BE, os quais tinham risco aumentado para as consequncias dependentes do lcool11, estando mais suscetveis de adotarem comportamentos de

    risco, como conduzir sob o efeito destas drogas, devido diminuio da sensao de intoxicao e alte-rao da perceo neurocognitiva4. O odds ratio de deixar um bar intoxi-cado (lcool> 0.08g/%) dos consumi-dores de alc+caf em comparao aos que apenas consumiram lcool sem cafena foi igual a 2.99 (ref. em 4)! Os efeitos opostos estimulante--depressivo desta associao podem ser dramticos, pois podero sentir--se menos intoxicados do que na realidade j esto2.

    O consumo entre as crianas e os adolescentes

    O consumo de BD e de BE tem aumentado bastante entre as crian-as e os adolescentes, as quais as preferem pelo sabor agradvel, para saciar a sede e para obter energia extra para o rendimento fsico6,12, mas tambm pela perceo de benefcios para a sade no curto prazo, preveno de doenas, forne-cimento pelos pais e retificao de dieta pobre12. So muito consumidas nesta faixa etria para a obteno de nveis energticos superiores, melho-rar o estado de ateno e sentirem--se mais despertos3.

    Um estudo publicado em 2003, realizado em 78 sujeitos jovens, entre os 11 e 18 anos, constatou o consumo de BD e energticas, suple-mentos de vitaminas e de minerais, guaran, equincea, creatina, leite rico em protenas e coenzima Q10 nas duas semanas anteriores que antecederam o inqurito. Interes-sante, ou talvez no, vrios jovens referiram desconhecer as razes pelas quais a me lhes dava o suple-mento, enquanto outros referiram ser os treinadores a promovem o consumo de BD. Em relao s BE, e mais os rapazes, referiram o seu con-sumo intencional como o objetivo de estimulao e de ajuda ergognica, enquanto outros as consumiam em substituio das bebidas tradicionais (soft drinks) apenas quando tinham dinheiro disponvel, j que tinham a noo de serem mais caras12. preocupante neste estudo constatar que houve jovens a referirem terem sentido efeitos fisiolgicos em asso-ciao ao consumo de cafena, a qual era a principal motivao para o seu

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    consumo, procurando esta explo-so energtica atravs da cafena includa nos suplementos, tendo, inclusivamente, conhecimento da relao dose-efeito: mas poder fazer diferena se eu ingerir cinco latas.

    De um modo geral, os adoles-centes no distinguem um tipo de bebida do outro em termos de com-posio e de objetivos, usam-nas de modo indiferente, citam os mesmos efeitos para os dois tipos de bebidas, mas, felizmente, no tm repor-tado problemas com a sua ingesto. Os jovens no tm conhecimento sobres os potenciais riscos relacio-nados com a ingesto de suplemen-tos nutricionais12. Certamente que a estratgia do marketing tem contri-budo para a instalao da confuso em vez da elucidao da diferena entre os dois tipos de bebidas e dos potenciais efeitos negativos6.

    A situao potencialmente preo-cupante, porque: as BE, que contm estimulantes, no esto indicadas para crianas e adolescentes

    e, no geral, existe pouca necessi-dade de ingesto de bebidas con-tendo carboidratos, para alm de sumos de frutas e de leite magro6.

    Recomendaes do institute of medicine (Nutrition Standards for Foods in Schools, Abril de 2007)6

    Limitar os acares nas comidas e nas bebidas

    Ter gua gratuita disponvel

    Restringir gua carbonatada, enriquecida ou com sabor

    Restringir as bebidas desportivas aos atle-tas envolvidos em atividades desportivas intensas e duradouras

    Proibir o consumo de bebidas energticas, mesmo para os atletas

    Proibir a venda de produtos cafeinados nas escolas.

    A ingesto de BD, as energticas esto proscritas, no isenta de complicaes. O seu consumo em contexto de baixo gasto energtico

    (durante o dia, durante o exerccio fsico de baixa intensidade e dura-o, s refeies) pode ser causa de excesso de peso e de obesidade, pelo que no esto indicadas. A agresso dentria, provocada pelo excessivo consumo de acares, pelo pH cido de 3 a 4 e pelo cido ctrico, tambm deve ser considerada2,6, apesar de alguns estudos no terem encon-trado esta associao13,14. No JAMA refere-se que a dose mxima de cafena diria para um adolescente igual a 100 mg (adulto = 500 mg), referindo-se a necessidade dos pais monitorizarem a ingesto das bebidas com cafena3. Os sujeitos adultos, medicados, com problemas cardacos ou de hipertenso arterial devem ter ateno especial e limitar a ingesto da cafena atravs das BE, assim como os mais idosos podero ser mais sensveis3.

    Implicaes clnicas: orienta-es para os pediatras6

    Melhorar a educao das crianas e adolescentes e os seus pais em relao s bebidas desportivas e energticas3,12

    Perceber que as bebidas energticas colocam potenciais riscos, principalmente pelo contedo em estimulantes;

    Referir que a ingesto regular de bebidas com carboidratos pode originar con-sumo calrico excessivo e aumentar o risco de excesso de peso e de obesidade, assim como de eroso dentria

    Educar os interessados e as famlias que as bebidas desportivas tm funo limi-tada para as crianas e adolescentes

    Promover a ingesto de gua, no de bebidas desportivas ou energticas, como o principal meio de hidratao para as crianas e adolescentes.

    Recomendao

    A prtica de exerccio fsico de rotina, no extenuante, pode ser compen-sada apenas com a ingesto de gua, a qual geralmente a primeira opo de escolha para a hidratao antes, durante e depois do exerccio fsico, pelo que as crianas devem ter acesso livre a gua, particularmente durante a permanncia na escola. Existem, contudo, algumas circuns-tncias especiais para a ingesto de BD, mas no de BE, como acontece aquando da realizao de exerc-cio fsico vigoroso e prolongado, em ambientes quentes e hmidos, necessrias para o fornecimento de

    gua, carboidratos e de eletrlitos6,7. Existe pouca evidncia cientfica que apoie os efeitos benficos das BE2.

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