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Fisiologia do Fisiologia do Movimento Movimento Humano Humano

(2(2aa edição) edição)

Marcus Vinícius C. BaldoMarcus Vinícius C. Baldo

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA MOTRICIDADE ................................................ 1

FISIOLOGIA DA CONTRAÇÃO MUSCULAR ...................................................... 3

Miastenia Gravis .........................................................................................5

ORGANIZAÇÃO HIERÁRQUICA DOS SISTEMAS MOTORES .............................. 6

SENSIBILIDADE PROPRIOCEPTIVA............................................................. 11

ORGANIZAÇÃO GERAL DOS SISTEMAS SENSORIAIS....................................................... 11SENSIBILIDADE ARTICULAR................................................................................. 14SENSIBILIDADE VESTIBULAR................................................................................ 15SENSIBILIDADE MUSCULAR ................................................................................. 20

Distrofias Musculares ................................................................................. 24

INTEGRAÇÃO ESPINAL DA MOTRICIDADE ................................................... 25

REFLEXO MIOTÁTICO ....................................................................................... 25TÔNUS MUSCULAR.......................................................................................... 28ACOPLAMENTO GAMA-ALFA ................................................................................ 28OUTROS REFLEXOS ESPINAIS .............................................................................. 29

Esclerose Lateral Amiotrófica ....................................................................... 32

POSTURA E LOCOMOÇÃO............................................................................ 33

Lesões da Medula Espinal............................................................................ 36

INTEGRAÇÃO CORTICAL DA MOTRICIDADE................................................. 39

PLANEJAMENTO E EXECUÇÃO DO MOVIMENTO............................................................ 40CONTROLE INTERNO E EXTERNO DO MOVIMENTO ........................................................ 42APRENDIZADO MOTOR...................................................................................... 44

Hemiplegia .............................................................................................. 46Apraxias ................................................................................................. 48

INTEGRAÇÃO SUBCORTICAL DA MOTRICIDADE........................................... 49

CEREBELO ................................................................................................... 49Disfunção Cerebelar................................................................................... 51

NÚCLEOS DA BASE .......................................................................................... 53CONTRIBUIÇÃO DOS NÚCLEOS DA BASE PARA O APRENDIZADO E COGNIÇÃO ........................... 56

Discinesias e Coréia de Huntington................................................................ 58Doença de Parkinson ................................................................................. 60

LEITURA COMPLEMENTAR.......................................................................... 62

ÍNDICE REMISSIVO ................................................................................... 63

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA MOTRICIDADE

Se pararmos um minuto para pensarnaquilo que fazemos todos os dias, da horaem que nos levantamos da cama até omomento em que voltamos para ela, vamoschegar à conclusão que nossas vidas nãodiferem fundamentalmente da vida damaioria dos animais: todos saímos de casaem busca de comida (uns para caçar, outrospara ir ao supermercado); escapamos ouenfrentamos inimigos naturais (um predadorpara uns, ou um assaltante para outros);buscamos parceiros da mesma espécie paraacasalar (em geral, em nosso próprio habitat,quer seja a mata atlântica ou umadanceteria); e sempre procuramos um lugarseguro, para descansar e dormir (quer sejaprocurando uma caverna ou voltando paracasa).

Apesar da evidente complexidade doscomportamentos humanos, seusfundamentos não diferem daqueles queobservamos em outros primatas, ou mesmoem mamíferos de outras ordens, como osfelinos, por exemplo. É por essa razão que ossistemas nervosos desses animais sãoorganizados de forma muito semelhante,sendo que grande parte de nossa históriaevolutiva é similar à desses e de outrosanimais. A evolução do sistema nervososeguiu um caminho ditado por pressõesseletivas em que comportamentos maisadaptativos conduziam a uma maiorprobabilidade de sobrevida do indivíduo, econsequentemente a uma maiorprobabilidade de que aquele genótipo fossetransmitido à prole, e assim mantido napopulação.

Já que um dos componentes cruciais doprocesso evolutivo é a adaptação doindivíduo ao meio ambiente, o qual é repletode desafios e perturbações muitas vezesimprevisíveis, o animal (rótulo queobviamente aplica-se também a nós) devereagir a essas perturbações emitindocomportamentos que ou as evitem ou assolucionem. Um exemplo concreto é o animalque deve evitar aproximar-se do territóriodominado por seu predador ou por alguminimigo potencial. No caso de um encontroinesperado com esse inimigo, o animal deve

agir de forma a escapar do perigo, ou entãode forma a enfrentá-lo por intermédio de umcomportamento de defesa e ataque.

Mesmo nesse exemplo simples, já somoscapazes de observar a presença de váriosaspectos que compõem o fascinante assuntoda Neurofisiologia. Um aspecto evidente, porexemplo, é a necessidade de um sistemamotor, que não permita só a locomoçãopura e simples, mas que também inclua aorganização de estratégias otimizadas naemissão de movimentos precisos e eficazes.Também é evidente que o animal adaptadodeve saber reconhecer a presença deinimigos naturais, ou de elementos queindiquem a potencial presença desse inimigo(como o território a ser evitado, no exemploacima). Esse reconhecimento requerprocessos sensoriais e cognitivos bastanteelaborados, necessários à detecção eidentificação de inúmeros elementospresentes no mundo habitado pelo animal (eque além de seus inimigos, inclui acapacidade de reconhecer seus alimentos,seus parceiros sexuais, seu próprio território,etc.). Menos evidente, mas tão importantequanto os aspectos motores e sensoriais, éaquele componente mais diretamenterelacionado à manutenção homeostática dasdiversas variáveis fisiológicas que compõemnosso organismo. Esse componente, sobresponsabilidade do sistemaneurovegetativo, está relacionado aocontrole, instante a instante, de variáveisfisiológicas tais como pressão arterial,glicemia, fluxo sangüíneo para diferentesórgãos, secreções glandulares (exócrinas eendócrinas), dentre inúmeras outras nãomenos importantes.

Vemos, portanto, que a adaptação de umanimal ao seu meio ambiente requer umaestreita interação do animal com esse meioexterior. No entanto, essa interação seráadaptativa somente se o meio interior doanimal (ou seja, o conjunto de suas variáveisfisiológicas) também estiver ajustado dentrode margens satisfatórias. Para que o animalpossa agir tanto sobre o meio exterior quantosobre o meio interior, é necessário quesistemas efetores intermedeiem essas ações:no caso das interações com o meio exterior,as ações do animal são intermediadas pelo

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sistema motor, e no caso das interações doanimal com seu meio interior, pelo sistemaneurovegetativo. Como já deve ter ficadoclaro, as ações intermediadas por essessistemas efetores seriam nada eficazes, e atémesmo deletérias para o animal, se este nãofosse provido com informações oriundastanto do meio exterior (imagens, sons,odores, etc.) quanto de seu meio interior(pressão arterial, nível glicêmico, pHplasmático, força de contração exercida pelosmúsculos, etc.). Essas informações sãofornecidas pelo sistema sensorial,composto, na verdade, por um conjunto desubsistemas sensoriais distintos, mas quecompartilham entre si princípios gerais deorganização muito similares. A Figura 1esquematiza a interação, realizada pelosistema nervoso central (SNC) do animal,tanto com o meio exterior quanto com seumeio interior.

Embora o assunto principal do presentetexto seja a fisiologia do sistema motor, deveser notado, como um convite àneurofisiologia, que não é possível umacompreensão satisfatória da motricidade semum embasamento nos demais tópicos dessadisciplina. Ou seja, sem uma fundamentaçãoadequada em mecanismos básicosrelacionados ao sistema sensorial (o quefaremos adiante, ao menos parcialmente),

não seria possível compreender grande parteda função motora, a qual dependeestreitamente da aferência proporcionada pordiferentes subsistemas sensoriais (porexemplo, proprioceptivo, visual esomestésico, dentre os mais importantes). Aatividade motora depende de um rigorosocontrole das funções vegetativas, já que amotricidade envolve ajustes locais esistêmicos de inúmeras variáveis tais comofluxo sangüíneo, pressão arterial, débitocardíaco, freqüência e amplituderespiratórias, temperatura, dentre muitasoutras. Logo, um estudo da função motorarequer uma compreensão das funçõesvegetativas subjacentes ou concomitantes.Além disso, é também necessária acompreensão dos processos biofísicosenvolvidos na geração e condução depotenciais bioelétricos, necessários, dentreoutros processos, para a propagação deimpulsos nervosos e para o acoplamento doseventos de excitação e contração muscular. Efinalmente, o estudo de mecanismoscelulares e moleculares relativos àtransmissão sináptica é necessário para umaadequada compreensão não só dos eventosque ocorrem na junção neuromuscular, mastambém dos processos de integração neuralrelacionados à organização da motricidade eao aprendizado motor.

SNC

Meio interiorMeio exterior

SNV SMSS

SNC: Sistema Nervoso Central SS: Sistema SensorialSNV: Sistema Neurovegetativo SM: Sistema Motor

Figura 1 – Esquema da interação do sistema nervoso central com os meios exterior e interior.

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FISIOLOGIA DA CONTRAÇÃO MUSCULAR

Toda e qualquer atividade motora éproduzida pela ação de um único tipo detecido, que constitui o músculo estriadoesquelético (excetuando-se, obviamente, osmovimentos produzidos pela musculatura lisae estriada cardíaca, cuja atividade émodulada pelo sistema neurovegetativo).Cada músculo esquelético é envolvido poruma capa de tecido conjuntivo que forma ostendões, nas extremidades do músculo. É

composto por centenas de fibras musculares,que são células musculares enfeixadas emuma direção preferencial. Cada célula (oufibra) muscular é inervada por um únicoaxônio que se origina em um neurônio, porisso denominado neurônio motor oumotoneurônio. Os corpos celulares dosmotoneurônios localizam-se no corno anterior(ventral) da medula espinal ou em núcleos dotronco cerebral que contribuem para acomposição dos nervos cranianos.

A contração de um músculo é o resultadoda contração relativamente independente dasfibras musculares que o compõem. Um únicomotoneurônio pode inervar várias fibrasmusculares distintas de um mesmo músculo,já que seu axônio pode emitir ramificaçõesque farão contatos sinápticos com essasdiferentes fibras (sem esquecermos que umadada fibra muscular recebe o contatosináptico de um único motoneurônio). Sementrarmos em detalhes biofísicos emoleculares, o potencial de ação que chegaao terminal sináptico do motoneurônio leva à

liberação de acetilcolina, neurotransmissorresponsável pela transmissão sináptica najunção neuromuscular. A liberação e difusãode acetilcolina pela fenda sináptica leva àativação de receptores colinérgicos namembrana pós-sináptica da fibra muscular,resultando em uma alteração dapermeabilidade de canais iônicos e em umaconseqüente despolarização da membrana dafibra muscular. A geração e propagação deum potencial de ação na fibra muscularculmina com a abertura de canais iônicosseletivos ao cálcio, o qual é um cofator

Figura 2 – Estrutura do músculo estriado esquelético.

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essencial no processo bioquímico decontração. As miofibrilas, que preenchem afibra muscular, constituem-se em repetiçõessucessivas de uma estrutura protéica, osarcômero, que é a unidade molecular doprocesso contrátil. A contração muscularpode ser concebida como uma reaçãobioquímica semelhante a qualquer outra, masque se caracteriza por apresentar umaestrutura espacial altamente organizada,acontecendo em uma direção preferencial, elevando a um encurtamento dos sarcômeros,das miofibrilas, das fibras musculares, eentão do músculo como um todo.

Como um mesmo motoneurônio podeinervar diferentes fibras musculares, aatividade conjunta dessas fibras estarásubordinada à atividade do respectivomotoneurônio. Se esse motoneurônio forativado e sofrer um potencial de açãoisolado, todas as fibras musculares que eleinerva serão também ativadas, e realizarãouma contração isolada denominada abalomuscular. Esse conjunto composto por ummotoneurônio e as respectivas fibras que eleinerva é por isso denominado unidademotora. O que lhe confere essa unidade é ofato de ou permanecer em repouso ou serativada por inteiro.

O conceito de unidade motora é muitoimportante em fisiologia muscular, pois nosajuda a entender, ao menos parcialmente, omecanismo pelo qual o sistema nervosocontrola a força de contração muscular.Como as unidades motoras de um dadomúsculo podem ser recrutadasindependentemente umas das outras (já quedependem da ativação de motoneurôniosdistintos), a força de contração pode sergraduada em função da quantidade deunidades motoras recrutadas pelo sistemanervoso em um dado instante. Além dessemecanismo de regulação da força decontração (denominando recrutamento), umoutro importante mecanismo é utilizado pelosistema nervoso central. Nesse segundomecanismo, o intervalo temporal entrepotenciais de ação sucessivos que trafegampor um dado motoneurônio determina o graude somação temporal dos abalos produzidosnas fibras musculares daquela unidademotora (Figura 3). Dependendo portanto dafreqüência dos potenciais de ação em ummotoneurônio, as fibras musculares por eleinervadas poderão apresentar perfis decontração que vão de abalos isolados aotétano completo, onde não se pode maisdistinguir contrações isoladas, e quando omúsculo desenvolve a sua máxima força decontração.

B) Somação temporal de abalos musculares

C) Tétano incompleto

D) Tétano completo

120 Hz

50 Hz

37 Hz

15 Hz

força

tempo

A) Abalos musculares sucessivos

Figura 3 – Gradação da força muscularem função da freqüência de estimulação.

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Miastenia Gravis

A condição clínica conhecida como miastenia graviscaracteriza-se por uma desordem da transmissãoneuromuscular no músculo estriado esquelético, levando auma perda progressiva da força muscular, daí o nome dadoença: mio (músculo) + astenia (fraqueza). A miasteniagravis é uma doença autoimune, podendo ser fatal seacometer os músculos respiratórios. Por razões ainda nãointeiramente esclarecidas, o sistema imune de pacientesportadores de miastenia gravis produz anticorpos contrareceptores colinérgicos nicotínicos de seus própriosmúsculos estriados. Além do bloqueio dos receptorescolinérgicos pelos anticorpos, impedindo a ação daacetilcolina liberada na junção neuromuscular, a ação dosanticorpos leva a alterações degenerativas da própriajunção, o que também compromete o funcionamento dessaconexão sináptica.

Uma alternativa terapêutica é a administração de drogasque inibem a acetilcolinesterase, enzima que degrada aacetilcolina depois de liberada na fenda da sinapseneuromuscular. A inibição dessa enzima prolonga a ação daacetilcolina, em parte compensando a menor disponibilidadede receptores funcionantes. Outro recurso terapêutico é autilização de drogas que suprimem a resposta imune,diminuindo assim a agressividade da doença. Com umacompanhamento médico cuidadoso, o prognóstico a longoprazo de pacientes portadores de miastenia gravis pode serfavorável.

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ORGANIZAÇÃO HIERÁRQUICA DOS SISTEMASMOTORES

Como apontado anteriormente, nossosistema nervoso é o resultado de milhões deanos de evolução filogenética. Em funçãodisso, a organização morfológica e funcionalde nossa motricidade guarda em suaconstituição a memória dessa históriaevolutiva, sendo a sua organização em níveishierárquicos uma dessas característicasevolutivas. Podemos então observar que, de

acordo com essa hierarquia, o sistema motorapresenta estruturas, como a medula espinal,que são relativamente mais simples tanto doponto de vista anatômico e histológicoquanto do ponto vista funcional. Tanto acomplexidade morfológica quanto a funcionalaumenta gradativamente à medida quesubimos nessa hierarquia, ou seja, à medidaque passamos a estudar o papel, namotricidade, de estruturas tais como o troncocerebral, os núcleos da base e o cerebelo, efinalmente o córtex cerebral (Figura 4).

Essa organização hierárquica do sistemanervoso pode ser associada a diferentesaspectos da motricidade, embora essasdiferenças sejam, até certo ponto,simplificações de caráter puramente didático.Assim, podemos dividir os movimentos emtrês classes relativamente distintas: osmovimentos reflexos, os movimentos rítmicose os movimentos voluntários. Em termos dacomplexidade em sua organização,movimentos reflexos entrariam na classe dos

mais simples, enquanto os movimentosvoluntários representariam os de maiorcomplexidade. Se imaginarmos umorganismo primitivo, é fácil imaginar que umdos mais rudimentares comportamentosmotores corresponderia ao reflexo queafastaria o animal, ou uma parte dele, dealgum estímulo lesivo. Em organismos maiscomplexos, a possibilidade de locomoção foiobtida por meio da aquisição de movimentosrítmicos, produzidos por estruturas que

Figura 4 – Corte sagital do segmento cefálico humano.

Giro do cíngulo

Ventrículo lateral

Cerebelo

Meninges sobre o lobo parietal

IV ventrículo

Seio venoso sagital

Corpo caloso

Lobo occipital

Corpos quadrigêmeos

Corpos mamilares

Tálamo

Fórnix

Quiasma óptico

Seio frontal

Lobo frontal

Ponte

Seio esfenoidal

Hipófise

Medula espinal

Espaço subaracnóideo

Dura máter

Margens do foramenmagnum

Bulbo

Mesencéfalo

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geravam contrações estereotipadas,alternadas e rítmicas da musculatura. E como aumento na complexidade dos organismos,movimentos mais elaborados eram possíveisgraças à aquisição de estruturas neurais queparticipavam na geração e controle dessesmovimentos, representados, por exemplo,por nossa habilidade motora manual durantea execução de movimentos voluntários. Emrelação à organização hierárquica do sistemamotor, movimentos reflexos estereotipadossão muito bem organizados pela medulaespinal, mas movimentos voluntárioselaborados requerem a participação integradados demais níveis hierárquicos, incluindo umaampla e crucial intervenção de várias áreasdo córtex cerebral.

Uma outra categorização da motricidade,e que também pode ser associada aosdiferentes níveis hierárquicos do sistemamotor, refere-se aos aspectos envolvidos naorganização de um plano motor. Aorganização e emissão de um movimentopodem requerer, antes de sua execução, aelaboração de uma estratégia motora,seguida da elaboração de seus aspectostáticos. Um exemplo pode nos ajudar aentender essa distinção. Se estamossentados, em uma sala de aula, e decidimosir até o corredor para bebermos água,sabemos o que fazer: levantar, andar até aporta, abri-la e sair. Essa descrição abstratacorresponde à estratégia necessária àemissão daquele comportamento motor. Se asala estiver repleta e estivermos longe daporta, esse aspecto estratégico deverá incluiraté mesmo um planejamento do caminhoque deveremos percorrer entre as cadeiraspara chegarmos até a porta. Já o aspectotático refere-se ao padrão de ativaçãoseqüencial dos músculos necessários àrealização do plano motor, cujo aspectoestratégico já está definido. Ou seja, nesseexemplo que aqui consideramos, precisamosinicialmente nos levantar da cadeira, e sóentão iniciar o movimento de marcha aolongo da trajetória que nos levará até aporta. A definição do conjunto de músculos, ede que forma deverão ser recrutados eativados para chegarmos ao nosso destino, éo que caracteriza esse aspecto tático. Efinalmente, definidos então os aspectosestratégicos e táticos do plano motor, passa-

se à execução do movimento, por meio deestruturas que converterão esse plano emuma seqüência de contrações e relaxamentosmusculares que irão compor a atividademotora propriamente dita.

As áreas corticais de associação e osnúcleos da base são estruturas neuraisenvolvidas mais diretamente com o primeiroe mais abstrato componente de um planomotor, ou seja, a elaboração de umaestratégia motora. A elaboração dos aspectostáticos é responsabilidade mais direta docórtex motor e cerebelo. E a ativação deinterneurônios e motoneurônios queparticipam tanto da geração quanto dascorreções dos movimentos, ou seja, aexecução do plano motor, é responsabilidadefundamentalmente da medula espinal e denúcleos do tronco cerebral. A Figura 5esquematiza, de forma simplificada, a relaçãoentre esses níveis de organização motora. Oestudo mais detalhado desses diferentesníveis hierárquicos será a nossa principaltarefa ao longo do presente texto.

Um aspecto muito importante docomportamento motor é que ele não écaracterizado apenas por movimentos. Ouseja, a ausência de movimento, ouimobilidade, também é um aspectofundamental de sua organização. Podemosentender a importância da imobilidadequando lembramos que a postura de umindivíduo é parte integrante de qualquermovimento. No exemplo dado anteriormente,se estamos sentados e decidimos nos dirigiraté a porta, não iniciamos a execução dosmovimentos de marcha antes de noslevantarmos e adotarmos a postura ereta,sobre a qual os movimentos de marcha serãoeficazes. Muitas vezes, nosso objetivo é aadoção de uma postura na qual a imobilidadeé o resultado motor que se deseja, porexemplo quando queremos fotografar umapaisagem, ou quando um cirurgião devemanter seu instrumento seguro, em umaposição firme, durante uma manobracirúrgica. A motricidade pode assim serentendida como a sucessão de posturas emovimentos, onde movimentos eficazes sãopossíveis desde que realizados sobre posturasadequadas, e posturas são obtidas porintermédio de movimentos prévios.

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A Figura 6 exibe um esquema,aparentemente complexo, da organizaçãogeral do sistema motor. Nesse diagramapodemos observar a presença dos diversosníveis hierárquicos discutidos anteriormente,e notar a elaborada integração entre osvários módulos neurais. Nosso trabalho, deagora em diante, será acompanhar a

reconstrução, passo a passo, dessediagrama, onde será discutido o papel decada um desses módulos, e suas interaçõescom os demais. Ao final dessa aventura,espera-se que tenhamos uma compreensão,embora simplificada, suficientemente corretae clara dos princípios que regem ocomportamento motor.

Figura 5- Esquema dos níveis de organização da motricidade.

Áreas Corticais Associativas

Núcleos da Base

ExecuçãoMotora

Córtex Motor

Cerebelo

TáticaMotora

Tronco Cerebral

Medula Espinal

EstratégiaMotora

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Figura 6- Organização do sistema motor, evidenciando a participação de seus vários níveishierárquicos nas diferentes etapas de elaboração e execução do plano motor.

Movimento

Contração MuscularMedula Espinal

Tronco Cerebral

Sistemas Sensoriais

Tálamo

Áreas CorticaisSensoriais

Áreas Corticais Associativas

Áreas Corticais Pré-motoras

Córtex MotorCerebelo

Tálamo

Núcleos da Base

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Vamos iniciar essa jornada observandoque a medula espinal e o tronco cerebral sãoas únicas estruturas neurais que seincumbem da execução do movimento. Nocaso do tronco cerebral, seu papel deexecutor de movimentos se restringe àquelesintermediados pelos nervos cranianos. Sãoexemplos importantes os movimentosoculares (III, IV e VI pares de nervoscranianos, respectivamente oculomotor,troclear e abducente), os movimentos damandíbula (V par, trigêmeo), os movimentosmímicos (VII par, facial), os movimentos dalíngua (XII par, hipoglosso) e algunsmovimentos cervicais (XI par, acessório).Como veremos mais adiante, o troncocerebral também desempenha um papelimportante intermediando projeçõesdescendentes, originadas em estruturassuperiores, que se destinam à medulaespinal. Participa também de formafundamental na geração e manutenção deposturas, integrando, por exemplo,aferências vestibulares relacionadas à posiçãoe aos movimentos da cabeça, essenciais namanutenção do equilíbrio.

A medula espinal se incumbe dainervação da maior parte da musculaturaestriada esquelética. Abrigando, no cornoanterior ou ventral, os neurônios que sedestinam às fibras musculares, denominadosde motoneurônios alfa, é responsável pelaexecução de todo e qualquer movimentorealizado pelo tronco e membros. Portanto,quer se trate de um simples reflexo motor oude um intrincado movimento voluntariamenteelaborado, a ativação das musculaturas axial(tronco) e apendicular (membros) seráresultado da ação da medula espinal, porintermédio dos motoneurônios alfa que nelase localizam. Por essa razão, oneurofisiologista inglês Charles Sherrington(1852-1952) denominou o neurônio motor devia final comum. O significado dessadenominação é óbvio, evidenciando o papeldo motoneurônio alfa como via de execuçãofinal de todo e qualquer tipo de movimento,não importando se de natureza reflexa,rítmica ou voluntária, e não importando quaisestruturas neurais, de medula espinal acórtex cerebral, participem de suaorganização.

Como também podemos observar naFigura 6, a execução de um plano motor nãotermina no movimento: aspectos vinculadostanto à contração muscular quanto àsconseqüências do movimento resultanteserão reaferentados ao sistema nervosocentral. Ou seja, o sistema nervoso será“informado” sobre o resultado dosmovimentos executados, sendo essasinformações fundamentais para acontinuidade do movimento e suas correções.

Por exemplo, ao nos levantarmos deuma cadeira e adotarmos a posição ereta,recebemos de volta um grande conjunto deinformações sensoriais relativas àsconseqüências desse movimento. Porexemplo, o sistema nervoso é informadosobre quais músculos, e com qual força,realizaram uma contração; quais músculosforam passivamente alongados; quaisarticulações realizaram movimentos e comoesses movimentos se caracterizaram; quaisforam os movimentos da cabeça, e qual suaposição estática atual; e também sobreoutras conseqüências do movimentosinalizadas por aferências visuais, tácteis eaté auditivas. Vemos, portanto, que aatividade motora não termina na merarealização de um movimento, e inclui aparticipação fundamental de váriossubsistemas sensoriais, tornando a divisãoentre sistemas sensoriais e motores umasimplificação conceitual e didática. Para quepossamos compreender a organização damotricidade, precisamos então entender opapel que aferências sensoriaisdesempenham na geração dos movimentos enos ajustes necessários à sua adequadaexecução.

Dentre os vários subsistemassensoriais que contribuem para amotricidade, a sensibilidadeproprioceptiva é a mais diretamentevinculada à função motora. Portanto, faremosinicialmente uma análise da sensibilidadeproprioceptiva, que já nos permitirá umaintrodução ao estudo do papel da medulaespinal na organização da motricidade, e deonde então partiremos para averiguar aorganização supra-espinal da motricidade, oque inclui o tronco cerebral, o córtexcerebral, o cerebelo e os núcleos da base.

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SENSIBILIDADE PROPRIOCEPTIVA

A execução de movimentos precisos,principalmente em organismos maiscomplexos como os vertebrados e,particularmente, os mamíferos, depende deum conjunto muito amplo de fatores. Essesfatores incluem, por exemplo, aspectospuramente mecânicos, que são limitadostanto por condições genéticas quantoambientais, como alimentação e treinamento.A mecânica dos movimentos é, por sua vez,controlada por circuitos neurais, onde oaprendizado desempenha um papelfundamental. No entanto, mesmo naelaboração e execução de movimentossimples e automatizados, o sistema nervosoprecisa ser informado tanto a respeito dosmovimentos propriamente ditos, em cadainstante de sua execução, quanto da posiçãodo corpo sobre o qual eles vão agir. Essasinformações são utilizadas na correção,momento a momento, do plano motorenvolvido na elaboração e execução domovimento. Várias modalidades sensoriaissão utilizadas pelo sistema nervoso comofonte para essas informações. Um exemplotrivial é aquele em que tentamos andar pelacasa com os olhos fechados. Além da óbviainsegurança que isso pode causar,certamente não executaríamos essa tarefa damaneira mais eficiente. Embora esse exemplonos mostre a importância da sensibilidadevisual na elaboração e execução dosmovimentos, outras modalidades possuemum vínculo muito mais íntimo com aorganização e realização de planos motores,informando o sistema nervoso sobre aspectosmais diretamente relacionados à motricidade.Essas modalidades incluem a sensibilidademuscular e articular, que detectam, comoveremos, a força realizada por umacontração, o comprimento de um músculo, ea posição de uma articulação. Também inclui-se nelas a sensibilidade vestibular, quedetecta a posição e movimentos da cabeça,fornecendo informações essenciais para oequilíbrio e movimentação de todo o corpo.

Em resumo, embora outras modalidadessensoriais possam participar da elaboração erealização de estratégias motoras, como, porexemplo, a sensibilidade visual e

somestésica, vamos nos concentrar aqui nachamada sensibilidade proprioceptiva. Nessamodalidade incluímos as sensibilidadesmuscular, articular e vestibular que, emconjunto, são responsáveis por detectargrandezas cinemáticas (posições, velocidadese acelerações) e dinâmicas (forças)envolvidas no comportamento motor.

Organização Geral dos SistemasSensoriais

Os sistemas sensoriais representam aporção do sistema nervoso diretamenterelacionada à recepção, transmissão eprocessamento inicial das informaçõesoriginadas no próprio organismo ou noambiente, e que serão utilizadas naorganização dos mais variados tipos deresposta.

Remonta a Aristóteles o reconhecimentode que utilizamos cinco sentidos paraexplorar o mundo que nos rodeia: visão,audição, tato, olfação e gustação. Em termosmais rigorosos, esses são exemplos de cincomodalidades sensoriais que, no entanto, nãoesgotam todas as modalidades que compõemnosso sistema sensorial (Figura 7).

Existem diferentes classificações para osistema sensorial, algumas separando assensibilidades em interoceptiva e

Figura 7- Diferentes modalidadessensoriais e respectivos receptores.

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exteroceptiva, envolvidas na detecção deinformação originada, respectivamente, nointerior do organismo, e no meio ambiente.Diferenças existem entre espécies da própriaclasse de mamíferos, com diferentesmodalidades sensoriais servindo finalidadesespecíficas ao longo da escala filogenética.Dentro de cada modalidade podemos aindadistinguir diferentes qualidades, ousubmodalidades: frio ou calor comoqualidades da sensibilidade térmica, oudiferentes odores como qualidades olfativas.Podemos dizer que cada modalidadesensorial destina-se à detecção de umdeterminado tipo de energia, termo um tantovago que se refere à natureza física de umdado estímulo. Determinadas substânciasquímicas são detectadas por um conjunto dereceptores e vias sensoriais, enquanto ondaseletromagnéticas, em uma dada faixa defreqüências, são detectadas por outroconjunto. Substâncias químicas ou ondaseletromagnéticas representam, portanto,diferentes formas de energia, a seremdetectadas por diferentes tipos de receptoressensorias, morfológica e funcionalmenteajustados àquela finalidade. O surgimento deuma dada modalidade sensorial esubsequentes modificações evolutivas sãodeterminadas por pressões adaptativasimpostas ao organismo pelo meio ambiente.

Dentre as várias modalidades quecompõem nosso sistema sensorial, algumaspermitem a percepção consciente de umestímulo, por exemplo a sensibilidade visualou auditiva, ou a sensibilidade térmica oudolorosa. Em outras modalidades, ainformação sensorial é recebida e processadasem que tenhamos qualquer sensaçãoconsciente, como, por exemplo, aquelasenvolvidas na mensuração da pressãoarterial, da osmolaridade do plasma ou dapressão parcial de oxigênio do sangue. Éimportante ressaltar que mesmo nasmodalidades onde o estímulo pode tornar-seconsciente, grande parte do processamentoneural independe da percepção conscientedas informações sensoriais, as quais sãoanalisadas em paralelo por diversos circuitossimultaneamente. Podemos assim distinguirdiferentes níveis de organização noprocessamento da informação sensorial: osreceptores sensoriais representam a interfaceque vincula os estímulos sensoriais aosistema nervoso; as vias e circuitos sensoriaisque transmitem e iniciam o processamentodessa informação; e centros superiores deintegração, responsáveis pela percepçãosensorial.

Receptores sensoriaisPara que um estímulo possa ser detectado

e discriminado pelo organismo, precisa serconvertido em uma “linguagem”compreendida pelo sistema nervoso. Essaconversão é denominada transdução, e asestruturas responsáveis por ela são osreceptores sensoriais. Diferentes tipos decélulas, em estruturas especializadas,desempenham o papel de receptoressensoriais. Características morfológicas efuncionais distintas conferem uma grandediversidade ao conjunto de receptoressensoriais conhecidos, o que obviamente serelaciona à especialização na detecção deestímulos de diferentes naturezas. Aespecificidade de um receptor para umdeterminado tipo de estímulo reside,basicamente, nos mecanismos molecularesenvolvidos no processo de transdução. Assim,enquanto a condutância elétrica damembrana de um mecanorreceptor dependeda deformação mecânica da célula, a

Figura 8- Exemplos de algunsmecanismos molecularesde transdução sensorial.

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membrana de um fotoceptor tem suacondutância alterada pela incidência de luz(Figura 8). Mecanismos molecularessemelhantes são, no entanto, compartilhadospor diversos tipos de receptores e emdiferentes espécies animais, o que sugereprincípios unificadores e justifica um estudocomparativo.

O processo de transdução começa peladetecção de um dado estímulo pelo receptorsensorial. O mecanismo comum a todoreceptor é a geração de um potencial gerador(ou potencial receptor), caracterizado poruma alteração do potencial elétrico demembrana da célula receptora (Figura 9). Aalteração do potencial de membrana é, nessecaso, sempre uma conseqüência demodificações na condutância de canaisiônicos, essas resultantes da presença doestímulo sensorial. O potencial geradorcompartilha, portanto, mecanismossemelhantes àqueles envolvidos no potencialsináptico. Como na maioria dos potenciaissinápticos, o potencial gerador também nãoproduz diretamente um potencial de ação. Olocal de geração de um potencial gerador, e olocal de geração do respectivo potencial deação são, geralmente, separados, podendoser diferentes sítios numa mesma célula, ouaté mesmo diferentes células sensoriais. Pormeio de potenciais eletrotônicos, o sinalelétrico que caracteriza o potencial geradoralcança as regiões do receptor onde umimpulso nervoso poderá ser iniciado,propagando-se então em direção ao sistemanervoso central. O potencial gerador é,portanto, um potencial local e graduado, ouseja, restrito à célula receptora, e possuindouma amplitude variável que reflete aintensidade do estímulo sensorial aplicado.Em receptores destinados à sensibilidadedolorosa, por exemplo, o potencial gerador éproduzido nas ramificações axonais,propagando-se eletrotonicamente à porçãoinicial do axônio e aí podendo dar origem aum potencial de ação.

O passo final no processo de transdução éa geração de um impulso nervoso na fibranervosa aferente, que irá conduzir ainformação sensorial para o interior dosistema nervoso central. Enquanto opotencial gerador é local e graduado, opotencial de ação que se propaga na fibra

aferente apresenta uma característica tudo-ou-nada, que se manifesta por umaamplitude aproximadamente constante. Arecepção sensorial envolve a transformaçãode estímulos sensoriais, cuja amplitude variacontinuamente, em um conjunto de impulsostudo-ou-nada, semelhante à conversãoanalógico-digital bem conhecida naengenharia. Uma conseqüência imediata emuito importante desse tipo de conversãorelaciona-se à codificação da intensidade,pelo sistema nervoso, de um estímulosensorial. Já que apenas uma seqüência depotenciais de ação estará a disposição paraser processada pelos circuitos sensoriais, ascaracterísticas de um estímulo estarãocodificadas no padrão temporal dos impulsosque chegam a esses circuitos. Maisespecificamente, a freqüência dos impulsosnum trem de potenciais de ação é quecodifica a intensidade do estímulo sensorialassociado àquela descarga. A codificação, pormeio da freqüência de potenciais de ação, daintensidade de um estímulo sensorial éanáloga a um dos mecanismos empregadosna regulação da força de contração muscular,como vimos anteriormente.

Intermediando esse processo, temos,como vimos, a geração do potencial receptor,cuja amplitude é proporcional à intensidadedo estímulo. Na fibra nervosa aferente, adescarga de potenciais de ação terá umafreqüência que será, por sua vez,proporcional à amplitude do potencialgerador. A intensidade de um dado estímuloé também codificada pela quantidade dereceptores sensoriais recrutados naquelaestimulação. Por exemplo, a intensidade deuma pressão na pele não só é codificada pelafreqüência de potenciais de ação nas fibrasaferentes que compõem as viassomestésicas, mas também pela quantidadede receptores sensoriais ativados por aquelaestimulação, e portanto pela quantidade defibras aferentes que vão conduzirsimultaneamente aquela informação aosistema nervoso central. Aqui tambémencontramos um mecanismo análogo aoutilizado na regulação da força de contraçãomuscular, onde o recrutamento de um maiorou menor número de unidades motorasreflete-se diretamente sobre a força exercidapelo músculo.

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Uma característica fundamental de todoreceptor sensorial é o perfil temporal dopotencial gerador. Um receptor podeapresentar um potencial gerador cujaamplitude declina com o tempo, mesmo napresença de um estímulo sensorial contínuo ede intensidade constante. Esse declínio édenominado adaptação sensorial, e estáintimamente relacionado à função particularde cada receptor. Assim, receptoresdenominados tônicos, ou de adaptação lenta,sinalizam estímulos prolongados, enquanto osdenominados fásicos, ou de adaptaçãorápida, servem à detecção de transientes ouà sinalização de estímulos que variamrapidamente no tempo. Deixar de sentir umodor, claramente perceptível alguns minutosantes, é um típico exemplo de adaptação dosreceptores olfativos.

Circuitos sensoriaisA informação que parte de um conjunto

de receptores sensoriais, conduzida porpotenciais de ação, será transmitida atravésde uma série de “estações sensoriais”, asquais terão o papel de processar esses sinaisem estágios mais elaborados de integração.

Uma via sensorial constitui-se, assim, emuma série de neurônios conectadossinapticamente e relacionados a uma mesmamodalidade sensorial. Define-se unidadesensorial como o conjunto formado por umaúnica fibra aferente e todos os receptoressensoriais que ela inerva. A razão por trásdessa definição é que a estimulação de

qualquer um dos receptores de um mesmaunidade sensorial ativará a mesma fibraaferente, de maneira indistinguível para osistema nervoso. Pela mesma razão, oconjunto de receptores pertencentes àmesma unidade sensorial compõe o que sedenomina de campo receptivo daquelaunidade (Figura 10). O conceito de unidadesensorial, mais uma vez, possui umparalelismo (não acidental) com o conceitode unidade motora, discutido anteriormente.

O conceito de campo receptivo pode seraplicado a qualquer neurônio pertencente aum circuito sensorial. Por exemplo, umneurônio localizado no córtex visual primárioserá ativado pela estimulação de uma regiãocircunscrita do campo visual. O camporeceptivo desse neurônio corresponde,portanto, ao conjunto de fotoceptoresassociados àquela porção do campo visual.Como veremos, o conceito de camporeceptivo é essencial para que possamoscompreender o processamento da informaçãonos vários sistemas sensoriais.

Sensibilidade articular

Diferentes tipos de mecanoceptoresestão localizados nas cápsulas dasarticulações. Esses receptores, além de suamorfologia, diferem quanto a aspectosfuncionais, como limiares e velocidades deadaptação. Receptores de adaptação lenta

Figura 10- Organização de umcampo receptivo.

Figura 9- Eventos biofísicos no receptorsensorial e na fibra aferente.

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são propícios para a detecção de posições daarticulação, enquanto os de adaptação rápidasão mais sensíveis à velocidade e aceleraçãodos movimentos articulares.

A percepção que temos da posição e dosmovimentos de nossos membros édenominada cinestesia. Durante muito tempoacreditou-se que as informações originadasnas articulações fossem as principaisresponsáveis pela percepção cinestésica.Evidências anatômicas e fisiológicas têmindicado, entretanto, que a sensibilidademuscular também contribui para a percepçãocinestésica. Por exemplo, tem-se verificadoque os receptores articulares não sãosensíveis aos ângulos intermediários de umaarticulação, mas apenas aos ângulos maisextremos. Além disso, indivíduos submetidosà colocação de uma prótese, em substituiçãoa uma articulação, são ainda capazes deperceber as posições do respectivo membro.Enquanto tem-se demonstrado a contribuiçãoda sensibilidade muscular para a cinestesia,uma percepção cinestésica plena depende daintegração de informações musculares,articulares e também somestésicas.

As fibras aferentes articulares pertencemaos grupos I e II, e de maneira semelhanteàs aferências de origem muscular, comoveremos adiante, vão integrar o lemniscomedial, alcançando os núcleos posteriores dotálamo e daí o córtex somestésico. Essasprojeções, da mesma forma que as projeçõesde origem cutânea, são topograficamenteorganizadas. Além das projeções articularescontribuírem, ao menos parcialmente, naelaboração da percepção cinestésica, aativação de receptores articulares podemodular a atividade de neurônios motoresespinais e corticais, modificando, porexemplo, os limiares de reflexos miotáticos.

Sensibilidade vestibular

O termo propriocepção foi proposto porSherrington para designar as aferênciassensoriais originadas em músculos earticulações. Como vimos, essas aferênciasfornecem informações sobre a posição emovimentos dos membros, permitindo que osistema nervoso tenha uma “imagem” docorpo no espaço. Vamos aqui considerar

também como proprioceptivas as informaçõesfornecidas pelo sistema vestibular. A inclusãoda sensibilidade vestibular como umamodalidade proprioceptiva deve-se àimportante inter-relação dessa aferênciasensorial com aquelas originadas emmúsculos e articulações quanto à organizaçãoda motricidade. Aferências vestibularesfornecem informações sobre a posição,movimentos lineares e movimentos angularesda cabeça. Essas informações deverãointegrar-se àquelas fornecidas por músculos earticulações para que posturas adequadas emovimentos harmoniosos possam serexecutados. Além disso, movimentos ocularescompensatórios são produzidos a partir deinformações vestibulares, constituindo umasérie de reflexos denominados reflexosvestíbulo-oculares.

O labirinto ósseo é um conjunto decavidades localizadas na porção petrosa doosso temporal, que abriga as estruturasauditivas e vestibulares. No interior dolabirinto ósseo encontra-se o labirintomembranoso, constituído de umamonocamada epitelial, e preenchido comendolinfa. O labirinto vestibular membranosoé composto por dois conjuntos de estruturas:os órgãos otolíticos (sáculo e utrículo) e oscanais semicirculares. Os primeiros sãoresponsáveis pela detecção da posiçãoestática da cabeça e de seus movimentoslineares, enquanto os últimos possuem umaestrutura destinada à detecção demovimentos de rotação do segmentocefálico.

Os canais semicirculares são toros que secomunicam entre si por meio de umacâmara, o utrículo. Antes de cada canalpenetrar no utrículo, seu diâmetro se duplicaformando a ampola, estrutura que abriga oepitélio sensorial. Há um conjunto de trêscanais semicirculares em cada lado do crânio(denominados anterior, posterior ehorizontal), sendo que esses três canaisformam, aproximadamente, ângulos retosentre si (Figura 11). O utrículo e o sáculolocalizam-se na porção ventromedial dolabirinto sendo que o epitélio sensorial(mácula) do utrículo situa-sehorizontalmente, enquanto o sáculo possui amácula localizada em um plano sagital.

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Dois tipos de células ciliadas (tipo I e tipoII) são responsáveis pelo processo detransdução sensorial na periferia vestibular.Essas células assemelham-se, no entanto,quanto à organização morfológica dessescílios e ao seu papel funcional. Em geral, oscílios estão imersos em algum tipo desubstrato, que fornece um meio cuja inérciafavorece a sua deflexão que, como veremos,é o início do processo de transdução.

Nos órgãos otolíticos, os cílios das célulasciliadas estão envolvidos por uma capagelatinosa. No utrículo, o epitélio sensorialsitua-se sobre o assoalho da câmara com oscílios direcionados verticalmente. No sáculo, oepitélio sensorial situa-se na parede vertical,com os cílios direcionados horizontalmente. Acapa gelatinosa que envolve os cílios doepitélio do sáculo e utrículo está impregnadade pequenos cristais de carbonato de cálcio,mais densos que a endolinfa circundante. Amera ação da força gravitacional, agindosobre esses cristais, será suficiente paradefletir os cílios do epitélio sensorial. Além daaceleração da gravidade, que entra em cenadevido a mudanças da posição estática da

cabeça, os cílios serão também defletidos,devido à inércia dos cristais de cálcio, poracelerações lineares. A deflexão do conjuntode cílios em direção ao cinocílio causahipopolarização da célula ciliada, enquantoessa célula é hiperpolarizada por deflexõesno sentido contrário. A hipopolarização dascélulas ciliadas leva à liberação de umneurotransmissor excitatório, que age sobre afibra nervosa aferente causando umaaumento em sua freqüência de descarga(Figura 12). A disposição dos epitéliossensoriais no sáculo e utrículo faz com que oprimeiro seja sensível a movimentos comcomponentes no plano sagital, enquanto osegundo possa detectar movimentos noplano horizontal. Portanto, qualquermovimento linear complexo poderá serdescrito por meio de suas componentesvetoriais, detectadas separadamente pelosórgãos otolíticos.

Nos canais semicirculares, a ampolaabriga uma estrutura gelatinosa, a cúpula,que obstrui o canal na região ampular, e naqual os cílios das células ciliadas estãofixados. A rotação de um canal semicircular

Figura 11- Vista posterior do labirinto ósseo de um pombo, expondo os canais semicircularesanteriores (A), posteriores (P) e horizontais (H), dos lados direito (D) e esquerdo (E).

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no sentido horário faz com que a endolinfaque o preenche tenha uma movimentorelativo no sentido anti-horário, deformandoa cúpula e defletindo os cílios aí imersos. Sea rotação, com velocidade angular constante,continuar por tempo suficiente, a fricção daendolinfa com as paredes do canalsemicircular levará ao desaparecimento domovimento relativo entre eles, e à cessaçãodo processo de ativação sensorial. Vemos,portanto, que é a aceleração angular agrandeza detectada pelos canaissemicirculares.

O processo de transdução sensorial noepitélio dos canais semicirculares ésemelhante àquele descrito acima para osórgãos otolíticos. A rotação de um canal emum dado sentido provoca a deflexão doconjunto de cílios no sentido correspondente,levando, por exemplo, à hipopolarização dacélula ciliada. Essa hipopolarização tem comoconseqüência a liberação de umneurotransmissor excitatório sobre osterminais da fibra aferente, causando umaumento na freqüência de descarga dessafibra. A rotação do mesmo canal no sentidocontrário levará à hiperpolarização da célulaciliada, e à diminuição da freqüência dedescarga de potenciais de ação na fibraaferente (Figura 13).

O fato de haver três canaissemicirculares, localizados em planosaproximadamente ortogonais entre si,garante que qualquer rotação da cabeça, emtorno de qualquer possível eixo, sejadetectada por uma combinação adequada deativação dos canais. Além disso, as atividadesdos dois conjuntos de canais estão vinculadasentre si: o canal anterior de um lado estálocalizado em um plano aproximadamente

paralelo ao canal posterior contralateral,formando o que se denomina de um parsinérgico de canais semicirculares. Tambémlocalizam-se em um mesmo plano os canaishorizontais de ambos os lados. Temos,portanto, três pares de canais sinérgicos:dois pares do tipo anterior-posterior e um parhorizontal-horizontal. Assim, uma rotação dacabeça em um plano paralelo a um únicocanal semicircular irá ativar aquele canal emum dos lados da cabeça, e inibir o canalsinérgico contralateral, sem produzir qualquerativação ou inibição dos demais canaissemicirculares1. A ativação de um dado canal(e a inibição do canal sinérgico contralateral)será interpretada como uma rotação dacabeça naquele respectivo plano. Num casomais complexo, a ativação e a inibição doconjunto de canais, com uma dadacombinação de intensidades, serãointegradas e interpretadas permitindo adeterminação tanto do plano de rotação dacabeça quanto da magnitude e do sentido daaceleração angular.

1 Esse exemplo representa uma situação ideal na qualos canais estão localizados em planos perfeitamenteortogonais entre si, sendo que essa ortogonalidade nãoé observada nas espécies conhecidas. A não-ortogonalidade do conjunto de canais torna impossívelque apenas uma par de canais sinérgicos seja ativadoou inibido, sem ativar ou inibir os demais pares. Essanão-ortogonalidade, embora torne mais complexo oprocessamento da informação vestibular e sua utilizaçãona organização de reflexos motores, não altera em nadao fato dos canais semicirculares atuarem como umabase vetorial capaz de detectar rotações quaisquer dacabeça.

Figura 13- Ativação dos canais semicirculares.

Figura 12- Transdução sensorial nascélulas ciliadas do sistema

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As acelerações angulares que compõemos movimentos da cabeça duram, na maioriadas vezes, apenas alguns segundos, oumesmo frações de segundos. Nesse regime, afreqüência de descarga nas fibras aferentesque inervam os canais semicirculares reflete,mais de perto, não a aceleração mas avelocidade angular de rotação da cabeça. Apresença de uma freqüência basal dedescarga nas fibras vestibulares, que podeser finamente modulada, faz com que oaparelho vestibular seja muito sensível aosrespectivos estímulos. Por essa razão, olimiar para a detecção, pelos canaissemicirculares, de uma aceleração angular éda ordem de 0,1°/s2, enquanto os órgãosotolíticos podem detectar aceleraçõeslineares da ordem de alguns décimos demilésimos da aceleração da gravidade.

Hodologia do sistema vestibularOs corpos celulares das fibras aferentes

que inervam o aparelho vestibular localizam-se no gânglio de Scarpa. Os prolongamentos

centrais desses neurônios bipolares, cujosprolongamentos periféricos inervam asestruturas vestibulares do labirinto, juntam-se aos axônios que se originam no gânglioespiral da cóclea, constituindo o nervovestíbulo-coclear, VIII par craniano. A porçãovestibular do VIII par projeta-se, no entanto,aos núcleos vestibulares, que ocupam umaextensa porção do tronco cerebral. Esseconjunto de núcleos é composto pelosnúcleos vestibulares lateral, inferior, medial esuperior. Esses núcleos diferem quanto à suaestrutura citoarquitetônica e também quantoàs relações hodológicas que mantêm comoutras regiões do sistema nervoso,particularmente a medula espinal, os núcleosoculomotores e o cerebelo (Figura 14).Dentre as conexões vestibulares destacam-sedois sistemas de grande relevância para aintegração sensório-motora: os circuitosvestíbulo-oculares e os circuitos vestíbulo-espinais.

Figura 14- Circuitos vestibulares envolvidos no controle motor dos olhos, tronco e membros.

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Circuitos vestíbulo-ocularesOs núcleos vestibulares medial e superior

recebem aferências principalmente dos canaissemicirculares, projetando-se, por intermédiodo fascículo longitudinal medial, aos núcleosoculomotores, cujos motoneurônios inervamos músculos extrínsecos do olho. Movimentosoculares podem ser iniciados e controladospor diferentes subsistemas neurais,dependendo de sua natureza, voluntária oureflexa. Por exemplo, os movimentosdenominados sacádicos são desencadeadospor projeções descendentes aosmotoneurônios oculomotores, originadas nocampo ocular frontal do córtex cerebral. Noentanto, o processamento adequado dainformação visual exige uma estabilidademínima da imagem que é projetada sobre aretina. Dentre os reflexos que se destinam amanter essa estabilidade destacam-se osreflexos vestíbulo-oculares. Esse conjunto dereflexos é desencadeado por movimentos dacabeça que tenderiam a deslocar a imagemprojetada na retina. Movimentos ocularescompensatórios são assim deflagrados apartir da informação vestibular, sendo que osolhos tendem a se mover de tal forma aanular o deslocamento da imagem que seriaprovocado pelo movimento da cabeça. Porexemplo, um movimento de rotação dacabeça para a direita provoca um movimentoreflexo dos olhos para a esquerda, com amesma velocidade angular, de tal forma que,idealmente, a imagem projetada sobre aretina permanece imóvel. Assim, rotações dacabeça detectadas pelos canaissemicirculares darão origem a reflexosvestíbulo-oculares, cuja função é organizar osmovimentos compensatórios dos olhos,mantendo a estabilidade das imagensretinianas. O núcleo medial envia tambémprojeções bilaterais aos níveis cervicais damedula espinal, por intermédio do tratovestíbulo-espinal medial. Essas projeçõesinfluenciam os motoneurônios medulares queinervam músculos cervicais, participando dereflexos que controlam movimentos dopescoço de maneira correlacionada esinérgica aos movimentos oculares. Éinteressante notar que movimentos reflexosdo pescoço deflagrados por estimulaçãovestibular (denominados reflexos vestíbulo-cólicos) terão influência sobre o próprio

sistema vestibular, já que esses movimentosdo pescoço serão detectados pelas estruturaslabirínticas. Esse sistema de controle é porisso denominado um sistema deretroalimentação em alça fechada, o qual sedistingue de um sistema em alça abertarepresentado pelos circuitos vestíbulo-oculares. Nesses últimos, a ação vestibularsobre os movimentos oculares não serárealimentada ao sistema vestibular, por issocaracterizando um sistema em alça aberta.

Circuitos vestíbulo-espinaisA porção ventral do núcleo vestibular

lateral recebe aferências do utrículo e doscanais semicirculares, contribuindo tambémpara os circuitos vestíbulo-oculares. A porçãodorsal desse núcleo, recebendo aferências docerebelo e da medula espinal, enviaprojeções ipsilaterais ao corno anterior damedula espinal, por intermédio do tratovestíbulo-espinal lateral. Essas projeçõespossuem um efeito facilitatório sobremotoneurônios alfa e gama que inervam osmúsculos dos membros, exercendo umaexcitação tônica sobre músculos extensoresdos membros inferiores que contribuem namanutenção da postura fundamental.

O núcleo vestibular inferior recebeaferências tanto dos canais semicircularesquanto do sáculo e utrículo, além deprojeções cerebelares. Suas projeçõesincluem circuitos vestíbulo-espinais,integrando aferências vestibulares ecerebelares.

Existem evidências de que as conexõesnesses circuitos aqui descritos apresentemum elevado grau de plasticidade, envolvendorearranjos dos circuitos sinápticos queorganizam os reflexos vestibulares. Essaplasticidade participa, por exemplo, narecuperação de patologias que envolvem osistema vestibular, e também na adaptaçãoa ambientes distintos do habitual, porexemplo como aquele encontrado porastronautas na ausência de camposgravitacionais.

Uma pequena porcentagem de aferênciasvestibulares alcançam o núcleo ventralposterior do tálamo, projetando-se daí para ocórtex somatosensorial. Essa projeção podeestar envolvida na percepção consciente dedeterminados aspectos da posição e dos

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movimentos do corpo processados pelosistema vestibular.

Sensibilidade muscular

Duas estruturas fundamentais sãorelacionadas à sensibilidade muscular: osfusos neuromusculares, responsáveis peladetecção do comprimento de um músculo edas variações desse comprimento ao longodo tempo; e os órgãos tendíneos de Golgi,envolvidos na sinalização da força decontração realizada pelo músculo (Figura 15).Os fusos neuromusculares, arranjados emparalelo com as fibras musculares, sãoestirados ou encurtados simultaneamente aoestiramento ou encurtamento do músculo,podendo então detectar essas alterações decomprimento. Os órgãos tendíneos de Golgilocalizam-se na inserção tendinosa das fibrasmusculares, situando-se, portanto, em sériecom o músculo, o que o torna apropriadopara a detecção da força contrátil.

Os fusos são constituídos por fibrasmusculares modificadas, denominadasintrafusais (em contraposição às fibrasextrafusais que compõem o músculopropriamente dito), agrupadas em feixes eenvoltas por uma cápsula de tecido

conjuntivo (Figura 16). Cada fuso, cujotamanho situa-se entre 5 e 10 mm, éinervado por fibras sensoriais e motoras,sendo essa última inervação principalmenteveiculada por motoneurônios γ (gama). Já asfibras musculares extrafusais, como vimos,recebem inervação de motoneurônios α(alfa). Uma terminação periférica da fibrasensorial, enrolando-se em torno da regiãocentral de uma fibra intrafusal, forma umaestrutura denominada receptor ânulo-espiral, cuja ativação se dá pelo estiramentoda fibra intrafusal. Isso acontece pois oestiramento das fibras intrafusais deforma osreceptores ânulo-espirais, ativando canaisiônicos responsáveis pela gênese de umpotencial receptor. A amplitude do potencialreceptor, que aumenta com o grau deestiramento, é codificada pela freqüência dedescarga dos potenciais de ação na fibrasensorial aferente.

A sensibilidade das terminaçõessensoriais ao estiramento pode seraumentada pela ativação de motoneurôniosγ. Esses motoneurônios, inervando asextremidades de uma fibra intrafusal,promovem sua contração deformando aregião central da fibra e aumentando asensibilidade das terminações sensoriais. Emmamíferos, a maioria dos músculos possui

Figura 15- Fuso neuromuscular e órgão tendíneode Golgi em um músculo estriado esquelético.

Figura 16- Detalhes da organizaçãomorfológica do fuso neuromuscular.

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fusos neuromusculares, sendo que algunsmúsculos os possuem em maior densidadecomo, por exemplo, os músculos das mãos epés, pescoço, e musculatura extrínseca doolho (alguns mamíferos, como cães e gatos,não possuem fusos neuromusculares nosmúsculos oculares extrínsecos).

Os fusos neuromusculares possuemdiferentes tipos de fibras muscularesintrafusais, cujas diferenças morfológicasconduzem a diferentes propriedadesmecânicas. Dois tipos de fibras sensoriaisinervam as fibras intrafusais: as fibrasnervosas do grupo Ia formam as terminaçõesprimárias, e fibras do grupo II formam asterminações secundárias. Essas duasdiferentes inervações estão associadas àsdiferentes propriedades mecânicas das fibrasintrafusais, de tal forma que as fibras Ia sãomuito mais sensíveis à velocidade de variaçãodo comprimento de um músculo. A descarganas fibras II aumenta gradualmente com oestiramento do músculo, refletindoessencialmente o comprimento estático domúsculo.

Os órgãos tendíneos de Golgi sãoestruturas encapsuladas comaproximadamente 1 mm de comprimento elocalizados na junção entre tendão emúsculo. São inervados por fibras sensoriaisdo grupo Ib, cujas terminações se ramificamem meio às fibras colágenas que compõem aestrutura (Figura 17). O estiramento doórgão tendíneo deforma as terminaçõesnervosas entremeadas em suas fibrascolágenas, conduzindo à sua ativação. Umacontração do músculo é muito mais eficazcomo causa de um estiramento do órgãotendíneo do que um estiramento passivo domúsculo. A razão para isso é que a tensãoprovocada por um estiramento passivo éabsorvida quase completamente pelo

músculo, mais complacente que a estruturaconjuntiva do órgão tendíneo. Já duranteuma contração muscular, a tensãodesenvolvida é diretamente transmitida aoórgão tendíneo de Golgi, conduzindo aoprocesso de transdução .

Vemos, portanto, que o conjuntoformado pelos fusos neuromusculares eórgãos tendíneos de Golgi permite que osistema nervoso seja continuamente supridocom informações sobre o comprimento deum músculo, as variações dessecomprimento, e a tensão produzida pelacontração muscular. A Figura 18 resume osprincipais aspectos envolvidos na detecção ecodificação dessas variáveis, tanto nasituação de estiramento quanto na decontração de um músculo.

Figura 17- Detalhes da organizaçãomorfológica do órgão tendíneo de Golgi.

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Figura 18- Respostas de fusos neuro-musculares e órgãos tendíneos de Golgi a diferentescombinações de contração, estiramento muscular passivo e ativação gama. Em (A) observamosum estiramento passivo do músculo, onde a principal resposta é exibida pela atividade das fibrasIa e II, que inervam os fusos neuro-musculares. A ativação concomitante do motoneurônio γγaumenta a atividade basal das fibras que inervam os fusos, e também sua sensibilidade a umestiramento do músculo, como evidenciado em (B). Em (C) observamos que uma contração dasfibras extrafusais, produzindo um abalo muscular, pode silenciar a atividade dos fusos, porém serefletindo na maior atividade dos órgãos tendíneos de Golgi. Se, como observamos em (D), acontração do músculo for acompanhada de uma ativação dos motoneurônios γγ, e portanto deuma contração concomitante das fibras intrafusais, a atividade dos fusos não será anulada,sendo que esses ainda poderão sinalizar o grau de estiramento do músculo.

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Uma característica fundamental dafisiologia do fuso neuromuscular é o controleeferente mediado pelos motoneurônios γ.Uma das conseqüências mais óbvias dessecontrole é a manutenção da sensibilidade dofuso durante a contração muscular. Quandoum músculo se contrai, seu encurtamentoleva a uma diminuição da tensão a qual ofuso está submetido, já que este encontra-seem paralelo com as fibras extrafusais.Portanto, durante uma contração, a atividadedo fuso estaria diminuída, senão totalmenteabolida. No entanto, a ativação dosmotoneurônios γ leva à contração das fibrasintrafusais, estirando a região central dessasfibras e aumentando, portanto, asensibilidade dos receptores ânulo-espirais.Enquanto em vertebrados inferiores são ospróprios motoneurônios α que inervam asfibras intrafusais, em mamíferos tem-se umcontrole independente, mediado pelosmotoneurônios γ, os quais representam cercade 30% das fibras de uma raiz espinalventral. Dois tipos de motoneurônios γalteram seletivamente a sensibilidade estáticae dinâmica dos fusos neuromusculares. Aestimulação de uma classe de motoneurôniosγ, denominados motoneurônios γ estáticos,aumenta a descarga dos aferentes primáriosdurante um estiramento mantido do músculo.Motoneurônios γ dinâmicos, por sua vez,aumentam a resposta produzida durante afase de estiramento, ou seja, durantealterações do comprimento do músculo. Umaco-ativação γ-α garante, assim, que adetecção pelos fusos das variáveiscinemáticas de um músculo seja mantida emuma larga faixa de seu comprimento, mesmodurante o processo de contração. Dessaforma os fusos neuromusculares forneceminformações que contribuem para a execuçãode ajustes rápidos e dinâmicos do tônusmuscular.

As informações fornecidas pelos fusosneuromusculares e órgãos tendíneos de Golgisão utilizadas na organização da motricidade,a qual depende da atividade integrada dediversas regiões do sistema nervoso, desde

respostas estereotipadas emitidas pelamedula espinal, até o complexoprocessamento de informações sensoriais emotoras pelo córtex cerebral. Informaçõestrazidas dos músculos por aferentes Iaalcançam, além de regiões subcorticais ecerebelares, também o córtex somestésico.No entanto, parte dessa organização motoraé elaborada já na própria medula espinal,onde tem origem uma séria de respostasreflexas à ativação dessas vias sensoriais.Fibras Ia fazem conexões monossinápticasexcitatórias com motoneurônios α que sedestinam ao músculo de origem dessas fibrassensoriais. Excitam também motoneurôniosque inervam os músculos agonistas einterneurônios que inibem os antagonistas.Essas conexões fornecem a base anatômicapara os aspectos funcionais envolvidos noreflexo miotático, descrito adiante, na seçãoque trata da integração espinal damotricidade. Em resumo, o reflexo miotáticocorresponde à contração de um músculo emresposta ao seu estiramento, constituindo-seno único reflexo monossináptico conhecidoem mamíferos. A contração de músculosagonistas e o relaxamento de antagonistasdo músculo estirado pode ser explicada pelasconexões anatômicas descritas acima,denominadas de inervação recíproca.Fibras II, as quais partem também dos fusosneuromusculares, fazem conexõespolissinápticas com motoneurôniosassociados ao músculo de origem, estandomais envolvidas no componente tônico doreflexo miotático. As fibras Ib, que seoriginam nos órgãos tendíneos de Golgi,projetam-se polissinapticamente sobremotoneurônios que inervam agonistas eantagonistas de seu músculo de origem. Essainervação, no entanto, é funcionalmenteinversa daquela promovida pelas fibras Ia,sendo inibitória sobre os agonistas eexcitatória sobre os antagonistas.

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Distrofias Musculares

As distrofias musculares abrangem um grupo dedesordens hereditárias, todas caracterizadas por perda daforça muscular. Um tipo, a distrofia muscular de Duchenne,acomete meninos antes da adolescência. Iniciando com umafraqueza de membros inferiores, leva o paciente a dependerde uma cadeira de rodas entre os 10 e 15 anos de idade,sendo geralmente fatal em pacientes com idades em tornode 30 anos.

A distrofia muscular de Duchenne, que acomete apenashomens, é transmitida geneticamente pelo cromossomo Xmaterno. Uma região desse cromossomo contém um genecodificador de uma proteína do citoesqueleto, a distrofina, eportadores da doença carecem do RNAm que codifica essaproteína. A ausência dessa proteína, integrante docitoesqueleto muscular, leva possivelmente a alteraçõessecundárias do aparelho molecular contrátil, resultando nadegeneração progressiva que caracteriza esse tipo dedistrofia muscular.

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INTEGRAÇÃO ESPINAL DA MOTRICIDADE

Tendo visto a organização dossubsistemas sensoriais que forneceminformações proprioceptivas ao sistemanervoso central, podemos focalizar agoranossa atenção sobre o papel que a medulaespinal (Figura 19) desempenha naorganização da motricidade. Inicialmente amedula espinal pode ser concebida como umimportante “condutor”, o qual permite queinformações sensoriais ascendam atéestruturas neurais superiores, tais como otronco cerebral e o tálamo, e queinformações descendentes, originárias deestruturas superiores, alcancem a via finalcomum do sistema motor (o motoneurônioα). No entanto, o papel da medula espinalnão se restringe ao de um merointermediário na condução de sinaisascendentes e descendentes. Os circuitosespinais possuem uma grande autonomia,exibindo um rico repertório de ações motorasque, em função de sua relativa simplicidade eestereotipia, compõem os assim chamadosreflexos espinais. Por reflexo motor vamosnos referir a qualquer ação motoradeflagrada por um estímulo sensorialprecedente.

Reflexo Miotático

O reflexo motor mais simples que seconhece é o reflexo miotático que, comovimos, origina-se nos receptores ânulo-espirais dos fusos neuromusculares. Emresposta ao estiramento de um músculo, econsequentemente estiramento dos fusosneuromusculares presentes nesse músculo,fibras sensitivas do grupo Ia levarão àmedula espinal (ao tronco cerebral, no casode nervos cranianos) potenciais de açãosinalizando a ativação dos receptores ânulo-espirais. O prolongamento central dessasfibras sensitivas projeta-semonossinapticamente sobre motoneurôniosresponsáveis pela inervação do mesmomúsculo de onde partiu o estímulo, etambém sobre motoneurônios que inervammúsculos agonistas. O resultado do reflexo éa contração do músculo previamenteestirado, e de seus agonistas (Figura 20).

Figura 19- (A) Exposição da medula espinalapós dissecção de vértebras e meninges. (B)Corte transversal da medula espinalevidenciando a substância cinzenta (emforma de H) e a substância branca que acircunda.

(A)

(B)

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Na mesma circuitaria espinal em que éintegrado o reflexo miotático, no qual ocorreativação dos motoneurônios responsáveispela inervação do músculo estimulado(estirado), há inibição de motoneurônios queinervam músculos antagonistas ao músculoestimulado (inervação recíproca). Essainibição não é realizadamonossinapticamente, mas por intermédio deinterneurônios inibitórios presentes emcircuitos da substância cinzenta medular(Figura 21). Cada fibra aferente Ia fazconexões excitatórias com virtualmente todosos motoneurônios que inervam o músculoestimulado, e com até 60% dosmotoneurônios responsáveis pela inervaçãodos músculos agonistas.

O princípio de inervação recíproca não éobservado apenas no reflexo miotático, mastambém em movimentos voluntários, em queo mesmo conjunto de interneurôniosinibitórios é utilizado para realizar a inibiçãodos motoneurônios, que inervam um dadogrupo muscular, quando motoneurônios queinervam um grupo muscular antagonista sãorecrutados. A inervação recíproca contribuiassim para aumentar a velocidade e

eficiência de uma contração, já que aativação de um dado grupo de músculosocorre sem a oposição de uma contraçãoantagônica ao movimento desejado. Assim,neurônios corticospinais originários do córtexmotor projetam-se tanto sobre osmotoneurônios que inervam um dadomúsculo quanto sobre interneurônios(inibitórios) que inibem motoneurônios demúsculos antagonistas.

Esse processo de inibição recíproca,embora eficiente do ponto de vistaenergético, não se constitui, porém, em umaboa estratégia quando o objetivo é oposicionamento firme e estável de umaarticulação. Nesse caso, a estratégiaadequada é a contração simultânea demúsculos agonistas e antagonistas, processoentão chamado de co-contração. Emboramais dispendiosa quanto ao gasto energético,a co-contração permite a adoção de posturasestáveis, cuja importância já foi mencionadaanteriormente, nos exemplos envolvendo afirmeza motora necessária a um ato cirúrgicoou a imobilidade requerida para se fotografaruma cena qualquer.

Figura 20- Reflexo miotático. Uma extensão do braço (A) leva a um estiramento do bíceps,estirando o fuso neuromuscular. O neurônio sensorial, que se projeta monossinapticamentesobre o motoneurônio, é então ativado (B, linha grossa), ativando em seguida omotoneurônio (C, linha grossa).

(A) (B) (C)

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Figura 21- Inervação recíproca. No reflexo miotático, como em vários outros processo deintegração motora, após a ativação (linha grossa) do neurônio sensorial (A), observamos, em(B), tanto uma ativação do motoneurônio responsável pela inervação do músculo estimulado(linha grossa) quanto uma inibição (linha interrompida) de músculos antagonistas (B). Essainibição é executada por interneurônios que integram circuitos neurais medulares.

(A) (B)

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Tônus Muscular

O tônus muscular é a força com que omúsculo resiste quando estirado. O tônus épesquisado clinicamente por meio daextensão e flexão passivas e alternadas domembro de um paciente, avaliando-se aresistência oferecida pelo músculo durante amanobra. Um componente importante dotônus muscular deriva de sua própriaconstituição física e de suas característicaspuramente mecânicas. Há, no entanto, umimportante componente neural contribuindopara o tônus muscular. O reflexo miotático,respondendo ao estiramento passivo de ummúsculo com um aumento de sua atividadecontrátil, pode assim modular o tônusmuscular, ajustando-o de forma apropriadapara uma dada tarefa motora. O tônusmuscular normal contribui para importantesfunções motoras, por exemplo, a manutençãode posturas. Assim, como um dentre váriospossíveis exemplos, se estamos de pé etendemos a inclinar nosso corpo para afrente, o estiramento passivo do tríceps suralproduzido por essa inclinação leva àcontração desse conjunto muscular,restabelecendo ` posição vertical, ediminuindo assim a amplitude de possíveisoscilações posturais. Um outro exemplo é aprópria manutenção da postura ereta, emque a contração dos músculos extensores dosmembros inferiores (por exemplo, oquadríceps) é mantida graças à ação doreflexo miotático sobre essa musculatura.Nesse caso, a mera tendência de uma flexãodos membros inferiores (em função da forçagravitacional), e conseqüente estiramento damusculatura extensora, tem como resposta acontração dessa mesma musculatura,mantendo assim a postura ereta.

De forma um tanto simplificada, o reflexomiotático pode ser concebido como umservomecanismo que tende a manter ocomprimento de um músculo dentro devalores previamente estabelecidos. Umaumento da carga imposta ao músculo, quetenderia a levar a um estiramento, teria comoresposta uma conseqüente contração,restabelecendo então o comprimento inicial.Já uma diminuição da carga teria efeitocontrário, levando a um encurtamento domúsculo, e conseqüente diminuição na

descarga das fibras Ia, diminuindocorrespondentemente a ativação dosrespectivos motoneurônios α, reduzindoportanto o grau de contração do músculo,que tenderia a retornar ao comprimentoinicial.

Acoplamento Gama-Alfa

Como mencionado anteriormente, asfibras musculares que compõem os fusosneuromusculares (fibras intrafusais),possuem uma inervação motora fornecidapelo motoneurônio gama (γ), tambémlocalizado no corno anterior da medulaespinal. A ativação dos motoneurônios γ levaà contração das fibras intrafusais, produzindoum estiramento da região central do fuso(zona equatorial) idêntica àquela provoca porum estiramento do músculo. Em outraspalavras, a ativação do motoneurônio γ,estirando previamente a zona equatorial dofuso, faz com que se torne mais sensível aum estiramento adicional produzido agorapelo músculo. Os motoneurônios γ agem,portanto, como moduladores da sensibilidadedos fusos neuromusculares. Por exemplo,suponha que um dado músculo, inicialmenteestirado passivamente, seja agora levado aum estado de contração. Inicialmente, devidoao estiramento do músculo, seus fusosneuromusculares, também estirados,sinalizavam ao sistema nervoso ocomprimento do músculo, e eventuaisvariações desse comprimento. Mas devido àcontração, esse músculo vai agora sofrer umencurtamento, reduzindo o grau deestiramento de seus fusos neuromusculares,e diminuindo assim a descarga das fibras Ia.A contração do músculo, levando seucomprimento a diminuir abaixo dedeterminado valor, poderia fazer com que osfusos neuromusculares silenciassem porcompleto. É nesse ponto que se tornaevidente o papel dos motoneurônios γ: aoativarem as fibras intrafusais, estiramativamente o fuso neuromuscular, fazendocom que os fusos continuem sinalizando ocomprimento do músculo em uma faixa maiorde valores, mesmo durante contraçõesmusculares que, sem o sistema gama,levariam a um silenciamento do fusoneuromuscular (veja a Figura 18).

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Em muitos movimentos voluntários, osmotoneurônios γ são ativados paralela esimultaneamente aos motoneurônios α, oque se denomina acoplamento gama-alfa (γ-α). O acoplamento γ-α serve, assim, paramanter automaticamente a sensibilidade dosfusos neuromusculares, ao longo de umamargem mais larga de comprimentos domúsculo. Um outro tipo de neurôniosmotores, os motoneurônios β, foi encontradoem gatos e em humanos, e constituem-se emmotoneurônios que, se bifurcando, enviamcolaterais que inervam tanto as fibrasextrafusais quanto as fibras intrafusais dosfusos pertencentes ao respectivo músculo. Osmotoneurônios β representam, assim, a fusãodo acoplamento γ-α em um motoneurônioúnico. Nesse caso, de forma semelhante àdescrita anteriormente no caso doacoplamento γ-α, o relaxamento do fusoproduzido pela contração das fibrasextrafusais (e conseqüente encurtamento domúsculo) é parcialmente compensado pelacontração das fibras intrafusais.

Outros Reflexos Espinais

O reflexo miotático não é o único reflexoemitido pela medula espinal. Outros reflexosmotores são organizados pela medula emresposta a estímulos de outra natureza, quenão o estiramento do músculo. Um reflexo degrande importância adaptativa é o reflexode retirada, também denominado reflexode flexão (Figura 22). Nesse reflexo, osmúsculos flexores de um membro reagemcom uma rápida contração em resposta àativação de nociceptores por estímulospotencialmente lesivos. Constitui-se em umreflexo polissináptico em que oprolongamento central da fibra sensitiva, aopenetrar na medula espinal (ou troncocerebral), projeta-se sobre interneurôniosque vão se encarregar de integrar a respostareflexa. O reflexo primário constitui-se naativação polissináptica dos motoneurôniosque inervam os músculos flexores domembro estimulado. Essa mesma circuitariase incumbe de promover a inibição recíproca,por meio da qual serão inibidos osmotoneurônios que inervam os músculosextensores do mesmo membro. No entanto,

a flexão de um membro, concomitantementeao relaxamento de sua musculaturaextensora, pode comprometer a base desustentação do indivíduo. Nesse sentido,como uma elaboração adaptativa do reflexode retirada, a circuitaria espinal encarregadadesse reflexo ganhou uma maiorcomplexidade, fazendo com queinterneurônios cruzassem a linha média damedula espinal e recrutassem neurônios dacircuitaria espinal contralateral. Dessa forma,interneurônios da circuitaria contralateralpromovem uma reação inversa ao mesmoestímulo nociceptivo, ativando motoneurôniosda musculatura extensora e inibindomotoneurônios da musculatura flexora. Oresultado é a contração de músculosextensores e simultâneo relaxamento demúsculos flexores do membro contralateralao estimulado, o que contribui para semanter a sustentação antigravitária doorganismo. Essa resposta extensora,observada no membro contralateral aoestimulado, recebe o nome de reflexo deextensão cruzada, e serve de um exemplo,ainda simples, do repertório de respostasmotoras que podem ser integradas namedula espinal, o que evidencia sua grandeautonomia na organização da motricidade.

A medula espinal pode organizar umaclasse bastante ampla de respostas motoras,cuja integração neural não se restringenecessariamente a um mesmo segmentoespinal, como são os casos do reflexomiotático ou do reflexo de retirada, em que aentrada sensorial, a circuitaria neural e asaída motora localizam-se no mesmosegmento da medula espinal. Reflexos maiscomplexos podem requerer a participação desegmentos em diferentes níveis da medulaespinal, por isso chamados de reflexospolissegmentares. Essa integraçãolongitudinal da organização motora não serestringe à medula espinal, e pode envolver,além dela, estruturas supraespinais, como otronco cerebral e mesmo o córtex cerebral.Por exemplo, mesmo o simples estiramentode um músculo pode produzir uma respostaque, além de um componente espinal, comovimos em relação ao reflexo miotático, podeconter um segundo componente quecaracteriza um reflexo de alça longa. O nomedesse reflexo se justifica pelo fato de que

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esse segundo componente da resposta, quepode ser observado em registroseletromiográficos, é produzido por circuitoscorticais ou subcorticais. Esses reflexos dealça longa devem ter surgido em razão dedemandas funcionais, principalmenterelacionadas a movimentos voluntários.Assim, verdadeiros reflexos corticais podemser deflagrados por estimulação sensorial,contribuindo para que o controle demovimentos seja rápida e continuamente

ajustado às necessidades da tarefa. Acredita-se que reflexos de alça longa envolvendo ocórtex cerebral estejam envolvidosprimariamente no controle de músculosdistais, recrutados fundamentalmente emmovimentos voluntários mais finos e precisos.Já as vias reflexas subcorticais e espinaisparticipariam majoritariamente da regulaçãoda musculatura proximal, mais relacionada àmanutenção de posturas globais e doequilíbrio.

' '

Figura 22- Reflexo de retirada (ou flexão). A estimulação dolorosa, ou potencialmentelesiva, de um membro leva à ativação (linha grossa) de neurônios sensitivos que se projetamsobre interneurônios da circuitaria medular (A). Esse circuito pode organizar diversasrespostas motoras, dentre as quais se destacam (B): ativação (linha grossa) demotoneurônios que inervam a musculatura flexora do membro estimulado; inibição (linhainterrompida) de motoneurônios que inervam a musculatura extensora do membroestimulado (inibição recíproca); ativação (linha grossa) de motoneurônios que inervam amusculatura extensora do membro contralateral ao estimulado (reflexo de extensãocruzada).

(A) (B)

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O que vimos até aqui sobre a integração espinal damotricidade, e também sobre as bases sensoriais dapropriocepção, já nos permite começar a montar o nossoquebra-cabeças motor (Figura 23). Reveja a Figura 6, erepare que já podemos discutir com certa profundidade oselementos que compõem a porção executora da motricidade,reproduzida a seguir. Nossa tarefa vai continuar natentativa de compreender os demais constituintes dessesistema, sendo que a cada passo poderemos incluir elementosadicionais, terminando por reconstruir (e compreender) oquebra-cabeças final.

Figura 23- Diagrama salientando a participação da medulaespinal e da reaferentação sensorial na organização damotricidade.

Movimento

Contração MuscularMedula Espinal

Sistemas Sensoriais

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Esclerose Lateral Amiotrófica

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) inicia seu curso comfraqueza e atrofia muscular, levando a uma abolição totaldos movimentos entre 3 a 5 anos. Como a doença afetaapenas a esfera motora, poupando funções sensoriais ecognitivas, o paciente portador de ELA assiste à lenta eprogressiva deterioração de suas funções motoras, incluindomarcha, deglutição e respiração.

A doença, relativamente rara, afeta aproximadamenteuma em cada vinte mil pessoas, e caracteriza-se peladegeneração de motoneurônios alfa, e de neurônios corticaispré-motores, poupando neurônios pertencentes a outroscircuitos neurais.

A etiologia da esclerose lateral amiotrófica é ainda muitodebatida, mas supõe-se que fatores tóxicos à célula estejamenvolvidos. O radical superóxido (O2

-) é um subproduto muitotóxico do metabolismo celular, sendo normalmenteneutralizado pela enzima superóxido dismutase. A mutaçãodo gene responsável por codificar a produção dessa enzimaconstitui-se um uma das possíveis causas para a doença.Outra possibilidade é o efeito tóxico celular promovido poruma exposição excessiva a neurotransmissores excitatórios,particularmente o glutamato e aminoácidos associados.

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POSTURA E LOCOMOÇÃO

Um dos comportamentos motores maisimportantes que emitimos é o de locomoção,que se baseia fundamentalmente nomovimento de marcha. A marcha é umexemplo típico de movimento rítmico, onde acontração e o relaxamento de músculosflexores e extensores alternam-seritmicamente em um mesmo membro, emoposição de fase às contrações erelaxamentos musculares do membrocontralateral. Como em outros movimentosrítmicos organizados pelo sistema nervoso(respiração, mastigação), o automatismo domovimento pode ser atribuído a circuitosneurais locais que coordenam a contraçãoseqüencial dos vários grupos muscularesenvolvidos no padrão motor gerado. Essescircuitos são chamados de geradorescentrais de padrão (GCP), referindo-se àgeração, pelo sistema nervoso central, de umpadrão motor.

A vantagem em se gerarautomaticamente um padrão motor rítmicopara a marcha é que, a despeito de serconsiderada um movimento voluntário,podemos executá-la sem que seja necessárioum controle consciente constante paramantê-la e ajustá-la. Depois de iniciarmos omovimento de marcha, ela transcorre deforma essencialmente automática, nospermitindo, por exemplo, conversar comalguém que anda ao nosso lado, ou nosdistrairmos com a paisagem a nossa volta.

Em gatos, onde os mecanismosneurais de locomoção têm sido extensamenteestudados, a medula espinal, mesmo quandodesconectada de estruturas supraespinais, écapaz de gerar movimentos rítmicos demarcha em um animal mantido sobre umaesteira rolante. Essa observação sugere quecircuitos da medula espinal funcionam comogeradores centrais de padrão motor. Noentanto, uma integração mais adequada eeficiente do comportamento de marcha exigesistemas supraespinais, tais como o troncocerebral, o córtex motor, o cerebelo e osnúcleos da base, além de uma densareaferentação fornecida por diversasmodalidades sensoriais, como apropriocepção, visão e somestesia.

Em seres humanos, ao contrário doque se observa em gatos, uma transsecçãoespinal completa acima dos níveis lombaresabole inteiramente os movimentos demarcha. Achados recentes, no entanto,sugerem que os circuitos neuronais básicosnecessários à locomoção humana possamtambém se localizar inteiramente na medulaespinal. A locomoção humana difere daobservada na maioria dos animais pordepender de uma postura bípede. Dessaforma, embora a marcha, em seres humanos,seja também produzida por circuitososcilatórios (GCP) de forma semelhante àobservada em outros animais, suaorganização exige um controle muito maiorda postura ereta e do equilíbrio, o que éefetuado por estruturas supraespinais.

Vários grupos neuronais localizados notronco cerebral projetam-se para a medulaespinal. Essas projeções, em função de suaorigem no tronco e de seu destino na medulaespinal, podem ser classificadas em doisprincipais sistemas descendentes: as viasdescendentes mediais, e as viasdescendentes laterais (Figura 24). As viasmediais estão primariamente relacionadas aocontrole postural, projetando-se sobre aporção ventromedial da substância cinzentamedular, e influenciando motoneurônios queinervam músculos axiais e proximais. Já asvias laterais estão mais diretamenterelacionadas a movimentos voluntários,projetando-se sobre a porção dorsolateral dasubstância cinzenta, e influenciandomotoneurônios responsáveis pela inervaçãode músculos mais distais dos membros.

O sistema medial compreende trêsprincipais componentes: os tratos vestíbulo-espinal, retículo-espinal e tecto-espinal. Essasvias descem ipsilateralmente pela colunaventral da medula espinal, e estãorelacionadas à manutenção do equilíbrio eposturas, o que depende fundamentalmenteda participação de músculos axiais eproximais. Os tratos vestíbulo-espinal eretículo-espinal são os mais importantes naintegração de ajustes posturais, o quedepende de informações sensoriais de váriasorigens. O trato vestíbulo-espinal se originanos núcleos vestibulares e utiliza informaçõesproduzidas, como vimos anteriormente em

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maior detalhe, pela ativação de estruturaslabirínticas (veja SENSIBILIDADE VESTIBULAR).

O trato retículo-espinal origina-se naformação reticular bulbar e pontina, a qualrecebe informações sensoriais de diferentesmodalidades, e participa de diversas funçõesfisiológicas. A porção do trato retículo-espinalque se origina em núcleos pontinosintensifica a atividade de reflexosantigravitários organizados pela medulaespinal, por meio da facilitação demotoneurônios que inervam a musculaturaextensora dos membros inferiores. Afacilitação de músculos extensoresobviamente contribui para manter a posturafundamental (ereta), resistindo à ação dagravidade. Já o componente bulbar do tratoretículo-espinal tem uma ação oposta,removendo a facilitação de reflexos queenvolvem a musculatura extensora. Aatividade em ambos os componentes do tratoretículo-espinal é finamente controlada porsinais descendentes do córtex cerebral,dentre outras origens.

Já o trato tecto-espinal, originando-senos colículos superiores, está mais vinculadoà coordenação de movimentos dos olhos e dacabeça. Os colículos superiores, localizadosno tecto do mesencéfalo (daí o nome dotrato), recebem projeções diretas da retina,informações visuais previamente processadas

pelo córtex cerebral, e também aferênciassensoriais de natureza somestésica eauditiva. Construindo uma espécie de mapasensório-motor, os colículos participam daorientação dos olhos e da cabeça em funçãodo conjunto disponível de informaçõessensoriais.

O principal sistema lateral descendentedo tronco cerebral é o trato rubro-espinal, oqual se origina na porção magnocelular donúcleo rubro, localizado no mesencéfalo. Asfibras rubro-espinais descem pela medulaespinal ao longo da porção dorsal da colunalateral, projetando-se sobre gruposdorsolaterais da substância cinzenta, a qualcontém motoneurônios responsáveis pelainervação de músculos distais dos membros.Essa musculatura é utilizada em movimentosmais refinados, tais como a manipulação deobjetos com as mãos e dedos. A principalprojeção descendente para o núcleo rubro seorigina do córtex frontal, que tambémcontribui diretamente com uma projeçãocórtico-espinal. Acredita-se que, ao longo doprocesso evolutivo, a via indireta córtico-rubro-espinal tenha sido gradativamentesubstituída por uma via direta, córtico-espinal, muito mais importante em sereshumanos.

Figura 24- Vias descendentes medial (linha contínua) e lateral (linha interrompida).

Colículo Superior

Núcleo Rubro

Núcleos Vestibulares

Núcleos Reticulares

Medula Espinal

Via Tecto-Espinal

Via Rubro-Espinal

Via Retículo-Espinal

Via Vestíbulo-Espinal

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Continuando a montar o quebra-cabeças motor, podemosagora adicionar novos elementos (Figura 25). Pudemos ver opapel do tronco cerebral na organização de posturas emovimentos, e suas relações com a medula espinal. Podemosentão compreender agora uma porção mais ampla,representada abaixo, do diagrama apresentado na Figura 6, eque inclui os elementos responsáveis pela integração espinalda motricidade e pela execução do movimento.

Figura 25- Diagrama salientando a participação do tronco cerebral naorganização da motricidade.

Movimento

Contração MuscularMedula Espinal

Tronco Cerebral

Sistemas Sensoriais

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Lesões da Medula Espinal

As lesões espinais freqüentemente dão origem a sinais esintomas sensoriais e motores relacionados a um níveldefinido da medula espinal. A identificação do nível exato delesão é essencial para discriminar entre uma alteração focalintramedular e causas extramedulares, por exemplocompressivas, que comprometem a função da medula espinalabaixo do nível lesado. A Tabela I fornece pontos dereferência sensoriais e motores que podem ajudar naidentificação do nível aproximado de uma lesão medular.

Quando raízes motoras são lesadas, ou quando osmotoneurônios são afetados, sintomas nos músculosrespectivos incluem diminuição da força, fasciculação, eausência de reflexos miotáticos. Por outro lado, quando ostratos motores descendentes são comprometidos, osmúsculos inervados abaixo do nível da lesão apresentamdiminuição da força, hiperreflexia (exacerbação de reflexosmiotáticos) e espasticidade.

Para lesões unilaterais da medula espinal, as conseqüênciasmotoras serão majoritariamente ipsilaterais, já que osprincipais tratos descendentes, particularmente o tratocórtico-espinal lateral, já cruzaram em níveis superiores, edescem pelo mesmo lado da medula espinal que os músculospor eles controlados. Já o padrão de déficits sensoriais,quando se consideram lesões unilaterais da medula espinal,pode ser mais complexo. A razão para essa maiorcomplexidade é que as vias por onde trafegam sinaisreferentes a dor e temperatura (sistema anterolateral)ascendem, pela medula espinal, contralateralmente ao ladoinervado. Em oposição, as vias que veiculam tatodiscriminativo, sensibilidade vibratória e sensibilidadeproprioceptiva (coluna dorsal) ascendem ipsilateralmentepela medula espinal, cruzando a linha mediana apenas depoisde alcançarem o tronco cerebral.

Uma transsecção parcial da medula espinal acometendoapenas um dos lado (hemissecção) leva a uma dissociação,quanto aos lados do corpo, entre déficits sensoriais emotores, e é conhecida como síndrome de Brown-Séquard.

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Na síndrome de Brown-Séquard, observam-se paresia eespasticidade em grupos musculares ipsilaterais à lesão,enquanto déficits na sensibilidade térmica e dolorosa sãoobservados contralateralmente ao lado lesado.Contrariamente, a perda de sensibilidade vibratória,proprioceptiva e táctil discriminativa será notada, de formasemelhante aos déficits motores, ipsilateralmente à lesão.

Transsecções completas da medula espinal produzem umaperda de toda a sensibilidade e toda a motricidadevoluntária abaixo do segmento espinal lesado. Controle damicção e da evacuação também é perdido. Lesões acima deC3 podem comprometer criticamente a inervaçãodiafragmática, abolindo a respiração. Já lesões abaixo de L2não irão comprometer a medula espinal, que termina nessenível, podendo afetar apenas raízes nervosas.

Raiz Principais músculos afetados Áreas sensoriais afetadasC3-5 DiafragmaC4 ClavículaC5 Deltóide, BícepsC7 Tríceps, Extensores dos dedosC8 Interósseos, Abdutor do 5o dedo Quinto dedoT4 MamilosT10 Região umbilicalL1 Ligamento inguinal

L2-4 QuadrícepsL3 Face anterior da coxaL5 Extensor do hálux, Tibial anterior HáluxS1 Flexores plantares, Gastrocnêmio Face lateral do pé

S3-5 PeríneoTabela I – Principais referências motoras e sensitivas na identificaçãodo nível segmentar de uma lesão espinal.

Agudamente, após uma transsecção completa da medulaespinal, perde-se também o tônus muscular abaixo da lesão etoda a atividade reflexa, motora e visceral. A suspensãocompleta de toda a função neural na medula espinal isolada,abaixo da lesão, é denominada choque espinal. A duração dochoque espinal está relacionado ao grau de encefalização do

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organismo, persistindo por várias semanas em humanos. Emanimais menos complexos, onde a função da medula espinal émenos dependente de estruturas supra-espinais, o choqueespinal pode se reverter em horas ou mesmo minutos.

O término do período de choque espinal é indicado pelosurgimento do sinal de Babinski, caracterizado pela extensãodo hálux em resposta à estimulação cutânea plantar. Com otempo, observa-se retorno lento e progressivo do tônusmuscular, predominantemente de musculatura extensora.Finalmente, o quadro neurológico crônico de uma transsecçãomedular total é caracterizado, abaixo da lesão, por: tônusmuscular predominantemente extensor, espasticidade,hiperreflexia, sinal de Babinski bilateral, perda total desensibilidade, perda total da motricidade voluntária,incontinência urinária e fecal.

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INTEGRAÇÃO CORTICAL DA MOTRICIDADE

O córtex cerebral pode controlar aatividade de neurônios da medula espinaltanto direta como indiretamente. Conexõesdiretas são mediadas pelo trato córtico-espinal. Esse trato compreende axônios deneurônios que se originam em áreas docórtex cerebral e se projetam sobremotoneurônios alfa e interneurônios damedula espinal (Figura 26). É conhecidotambém como trato piramidal, em função decompor anatomicamente as pirâmidesbulbares. Nessa região bulbar, 90% dasfibras córtico-espinais cruzam para o ladooposto, indo constituir o trato córtico-espinallateral, enquanto 2% dessas fibraspermanecem na via descendente nãocruzada. Os 8% restantes vão compor o tratocórtico-espinal anterior, projetando-setambém ipsilateralmente para a medulaespinal.

As fibras córtico-espinais se originam devárias partes do córtex cerebral, sendo aprincipal origem o córtex motor primário(área 4), de localização imediatamenteanterior ao sulco central, o qual divide os

córtices frontal e parietal. Outras origens defibras córtico-espinais incluem o córtex pré-motor (área 6), e porções do córtex parietal,especialmente as áreas somestésicas (áreas1, 2 e 3). A contribuição de neurôniossomestésicos para a formação do tratocórtico-espinal mostra não só a estreitarelação entre os sistemas sensoriais emotores na organização da motricidade, mastambém a ingenuidade em que incorremosao dividir o sistema nervoso, de formasimplista, em componentes estanques,sensorial e motor.

Além das projeções diretas, via tratocórtico-espinal, que o córtex cerebral forneceà medula espinal, sua influência sobre amotricidade requer a participação de outrasvias corticais. Em primeiro lugar, o córtexmotor e áreas pré-motoras recebemprojeções de várias outras áreas do córtexcerebral por meio de conexões córtico-corticais. Além disso, o córtex cerebraltambém se projeta sobre diversos núcleos dotronco cerebral, influenciando as assimchamadas vias extrapiramidais, que incluem,por exemplo, as vias vestíbulo-espinal,retículo-espinal, tecto-espinal e rubro-espinal(Figura 24). As projeções corticais para otronco cerebral influenciam também aorganização motora mediada pelos nervoscranianos, responsáveis pela motricidade dosegmento cefálico. E finalmente, o córtexcerebral envia maciças projeções para ocerebelo e núcleos da base que, comoveremos, desempenham um papelfundamental no controle da motricidade.

As áreas motoras se organizam tambémde forma hierárquica que, como vimos, é umprincípio fundamental de organização dosistema nervoso. Em diversas áreas corticaismotoras podemos observar uma organizaçãosomatotópica, muito evidente no córtexmotor. Nessa área cortical, diferentes regiõesestão associadas a diferentes gruposmusculares, preservando uma organizaçãotopográfica bem definida que representa ossegmentos do corpo nas regiões do córtexmotor. A organização somatotópica ehierárquica do córtex cerebral estáintimamente relacionada ao seu papel naintegração da motricidade. De formasimplificada, o papel do córtex cerebral na

PirâmideBulbar

Trato Córtico-Espinal

Lateral

90 %

2 %

8 %

Trato Córtico-Espinal

Anterior

Trato Córtico-Espinal

Lateral Não-Cruzado

Medula Espinal

Figura 26- Vias descendentes córtico-espinais.

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motricidade pode ser visto como o detradução de um plano abstrato para umaexecução concreta. Em outras palavras,enquanto no sistema sensorial partimos deestímulos bastante concretos e reconstruímosuma percepção abstrata, no sistema motorseguimos o caminho oposto, tendo queexecutar um ato motor bem definido a partirde uma intenção abstrata, em que apenasum objetivo final está definido. Esse objetivoprecisa se concretizar em um ato motor,onde uma seqüência de contraçõesmusculares, organizadas espacial etemporalmente, deverá ser elaborada,emitida e controlada pelo sistema nervoso.

Em organismos primitivos, ocomportamento motor se baseiaprimariamente em ações reflexas, em que umato motor, relativamente estereotipado,ocorre em resposta a um estímulo sensorial.Em organismos mais complexos, a locomoçãoexige a elaboração e emissão de movimentosrítmicos, gerados por circuitos neuraisdedicados à geração de um padrão motorrítmico, ainda estereotipado, masinfluenciado por outras estruturas neurais epor informações sensoriais. E finalmente,para que se possa emitir movimentoscomplexos, produzidos não em resposta aestímulos sensoriais imediatos, mas emfunção de um plano traçado a partir deobjetivos abstratos, a aquisição de estruturasneurais muito mais complexas foi um passoevolutivo absolutamente necessário. Essasestruturas, tendo como representantemáximo o córtex cerebral, são capazes detraduzir um plano abstrato em uma execuçãomotora, necessitando para isso, dentre outrascoisas, informações sensoriais processadasem diferentes níveis, incluindo os maiselaborados executados por áreas corticaisassociativas. Nesse processo de tradução, ede acordo com a organização hierárquica dosistema nervoso, o córtex cerebral utilizaestruturas subcorticais e espinais envolvidasdiretamente na execução final do movimento,o que inclui a manutenção e ajustes dapostura, a emissão e controle da marcha, e aintegração de reflexos motores mais simplesem resposta a estímulos sensoriaisespecíficos.

A organização hierárquica da integraçãomotora exige um fluxo coerente de

informação ao longo as vias neurais. Planosabstratos devem ser elaborados em níveismais altos, traduzidos para movimentos deníveis intermediários, e executados pelosníveis mais inferiores dessa hierarquia. Essepadrão pode ser observado, ainda que deforma grosseira, na atividade elétrica decélulas do sistema nervoso. A atividadecelular nas áreas pré-frontais e pré-motorasprecede a atividade de células do córtexmotor primário e medula espinal. De formasemelhante, neurônios cerebelares que seprojetam para o córtex motor tornam-seativos antes dos neurônios corticais,enquanto neurônios cerebelares queinfluenciam vias descendentes, são ativadosposteriormente à atividade cortical. Noentanto, esse fluxo de informação não deveser concebido como estritamente seqüencial,em que áreas subsequentes só serãoativadas após a anterior ter tido seuprocessamento inteiramente completado. Emvez disso, as áreas motoras são recrutadasde maneira contínua, evidenciando o fato deque o planejamento, a tradução e a execuçãodo movimento podem acontecer de formasimultânea, em função do contínuo fluxo deaferências sensoriais que fornecem novasinformações necessárias à integração domovimento.

Planejamento e Execução doMovimento

Uma evidência muito interessante darelativa separação entre os estágios deplanejamento e execução do movimento foioferecida pelo grupo de Per Roland, umcientista sueco*. Em um experimentobastante engenhoso, foi solicitado avoluntários humanos que executassem, emmomentos distintos, três tarefas diferentes.Na primeira, deveriam simplesmente executarflexões e extensões repetidas do dedoindicador da mão direita. Em uma segundatarefa, tocavam repetidamente, com a pontado polegar, a ponta dos demais dedos emuma seqüência previamente definida. E na

* Roland P. E., Larsen B., Lassen N. A., Skinhoj E.1980. Supplementary motor area and othercortical areas in organization of voluntarymovements in man. J. Neurophysiol. 43:118-136.

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terceira e última tarefa, eram solicitados aimaginar a seqüência motora anterior, massem executar realmente o movimento,apenas “ensaiando” mentalmente suaexecução. Durante a realização das trêstarefas, os voluntários eram submetidos a umtipo especial de tomografia computadorizada

(SPECT∗ ), que pode evidenciar áreasfuncionalmente mais ativas do córtex cerebralem função de variações do fluxo sangüíneoregional. O resultado desse experimento éilustrado na Figura 27.

∗ A sigla vem do nome inglês “Single-PhotonEmission Computed Tomography”.

Figura 27- Experimentoevidenciando a participaçãode diferentes áreas corticaisem função da tarefa motora(veja texto para maioresdetalhes).

(A)

(B)

(C)

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Na Figura 27 podemos observar quedurante a primeira tarefa motora, maissimples, o fluxo sangüíneo é mais restrito àsáreas motora primária e somestésica, nocórtex contralateral à mão utilizada (A).Durante a segunda tarefa, mais complexa,uma atividade cortical mais intensa foitambém observada, agora bilateralmente, naárea motora suplementar e na região pré-frontal (B). Essa ativação bilateral de áreascorticais possivelmente corresponde àelaboração de um plano motor abstrato, ouaté de vários planos motores que competempela escolha de uma execução motora maiseficiente ou otimizada. A transição daativação bilateral de áreas pré-motoras paraa ativação unilateral do córtex motor está deacordo com uma concepção hierárquica damotricidade. Já durante a realização daterceira tarefa, em que os voluntário apenasimaginaram a realização do movimento,porém sem executá-lo, a ativação corticalrestringiu-se à área motora suplementar,também de forma bilateral (C). Essaobservação é compatível com a idéia de queum plano motor precisa ser elaborado mesmona realização imaginária de um movimento,recrutando áreas corticais envolvidas nesseplanejamento, mas sem que sejamenvolvidas áreas diretamente relacionadas àexecução do movimento (córtex motor), ouáreas relacionadas à reaferentação sensorialnormalmente provocada por um movimento(por exemplo, o córtex somestésico).

Controle interno e externo domovimento

Acredita-se que o maior ou menorenvolvimento de áreas corticais, e de outrasregiões do sistema nervoso hierarquicamenterelacionadas, dependa fundamentalmentedos fatores, internos ou externos, que guiama execução de um movimento. Assim, a áreamotora suplementar seria recrutadapredominantemente em tarefas guiadasinternamente, como no experimento descritoacima. Em contraste, o córtex pré-motortorna-se mais dominante em tarefas quedependem de informações externas, onde omovimento é guiado, por exemplo, poraferências visuais, auditivas ou somestésicas.Consistente com essa concepção teórica é aevidência anatômica de que a área motorasuplementar recebe extensas projeções docórtex pré-frontal e dos núcleos da base. Emconjunto, essas estruturas integrariaminformações relacionadas ao estadomotivacional aos objetivos internos doorganismo. Por outro lado, o córtex pré-motor é extensamente inervado pelo córtexparietal posterior (uma área associativa) epelo cerebelo, áreas essas relacionadas àconstrução de representações perceptivasextraídas de várias modalidades sensoriais,tais como a visão, audição e somestesia(Figura 28).

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Figura 28- (A) Principais áreas corticais e subcorticais envolvidas na motricidade. (B)Relação entre essas áreas expressa por alças de controle interno (linhas cheias) e externo(linhas interrompidas) da motricidade.

Córtex ParietalPosterior

Córtex MotorÁrea Motora Suplementar

Córtex Pré-frontal

Córtex Pré-Motor

Núcleo da Base Cerebelo(A)

(B)

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Aprendizado motor

É bastante óbvia a importânciadesempenhada pelo aprendizado em relaçãoà realização de tarefas motoras,especialmente as de maior complexidade.Durante a aquisição de uma habilidademotora, a tarefa é geralmente efetuada demaneira lenta, imperfeita, exigindo muitomaior atenção por parte do indivíduo, queprovavelmente não pode se dar ao luxo deexecutar uma segunda tarefasimultaneamente. Com a aquisição gradualdaquela habilidade, ou seja, em função deum aprendizado motor, o mesmo indivíduopoderá ser capaz de realizar aquela mesmatarefa agora de forma mais rápida, bastanteaperfeiçoada, e sem que precise estar muitoatento aos detalhes daquela execuçãomotora, estando livre para executar umaoutra tarefa concomitante.

Esse processo de aprendizado motorencontra um substrato funcional nasestruturas que discutimos anteriormente,envolvendo uma transição da atividade deum determinado conjunto de circuitos neuraispara a atividade de outros circuitos. Assim,durante a realização de um aprendizadomotor, uma atividade neural inicialmentemaior em córtex pré-motor foi substituída poruma maior atividade da área motorasuplementar. Esse fato é consistente com asevidências que apontam uma maior relaçãodo córtex pré-motor com estímulos externos,absolutamente necessários durante oaprendizado de uma tarefa motora. Depoisde suficientemente treinado, um indivíduodepende menos de informações sensoriais,podendo guiar seus movimento a partir depistas internas, mais relacionadas à ativaçãoda área motora suplementar.

Tanto a área motora suplementar quantoo córtex pré-motor fazem parte de circuitosneurais mais amplos e distintos, envolvidosde forma também distinta na aquisição eexecução de tarefas motoras. Dessa forma,a maior atividade do córtex pré-motor,observada durante os estágios iniciais doaprendizado motor, correlaciona-se com umamaior atividade do córtex parietal posterior edo cerebelo. Essa relação não deixa de serintuitiva, já que o aprendizado dependefundamentalmente de pistas externas, e

portanto de um processamento adequado deinformações sensoriais, o que é realizadopelo córtex associativo do lobo parietal epelos circuitos cerebelares. Já a atividade daárea motora suplementar correlaciona-se comáreas corticais do lobo temporal e estruturaslímbicas, e com circuitos dos núcleos da base.

Em resumo, um circuito que inclui ocórtex parietal posterior, o córtex pré-motor eo cerebelo é essencial na elaboração demovimentos externamente guiados,principalmente por pistas espaciais. Essecircuito provavelmente domina a integraçãomotora durante os estágios iniciais deaprendizado motor. Um outro circuito,associado ao córtex pré-frontal, área motorasuplementar, núcleos da base e também olobo temporal, torna-se dominante quandouma tarefa motora já aprendida édesencadeada pela representação interna deuma ação que se deseja executar. Seconsiderarmos esses dois circuitos emconjunto, sem distinguir um comportamentomotor quanto ao grau de habilidade com queé executado, podemos expressar a essênciado papel cortical na integração motora deuma forma bastante sintética. A porção maisanterior do lobo frontal (áreas pré-frontais) éconsiderada a mais diretamente relacionada àelaboração de pensamentos abstratos,decisões a serem tomadas, e antecipação daspossíveis conseqüências de uma ação a serexecutada. Essas áreas pré-frontais, emconjunto com o córtex parietal posterior,representam os níveis mais elevados nahierarquia do controle motor, onde decisõessão tomadas quanto a qual ação executar, econsiderações são ponderadas quanto àssuas possíveis conseqüências. Tanto as áreaspré-frontais quanto o córtex parietal posteriorprojetam-se sobre a área 6, que abrange ocórtex pré-motor e a área motorasuplementar. Essas áreas, que tambémcontribuem com axônios que compõem otrato cortico-espinal, colocam-se comointermediários que permitem que sinaiscodificando quais ações são desejadas sejamconvertidos em sinais codificando como asações serão executadas. No entanto, noprocesso de elaboração e execução de umplano motor, os vários circuitos do córtexcerebral são maciçamente auxiliados porestruturas subcorticais, destacando-se o

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cerebelo e os núcleos da base, jámencionados ao longo do presente texto.Essas estruturas, importantes não só pela suaparticipação fisiológica na organização

motora mas também por suas implicaçõesfisiopatológicas, serão estudadas em detalhe,mais adiante.

Podemos agora adicionar, em nosso quebra-cabeças, umelemento fundamental na organização da motricidade, ocórtex cerebral. Mas já sabemos previamente que a funçãocortical apropriada depende, além do tronco cerebral emedula espinal, de sua relação com outras estruturassubcorticais, que discutiremos a seguir. Por ora, nossodiagrama, acrescido de suas relações corticais, fica comorepresentado abaixo.

Figura 29- Diagrama salientando a participação do córtex cerebral naorganização da motricidade.

Movimento

Contração MuscularMedula Espinal

Tronco Cerebral

Sistemas Sensoriais

Tálamo

Áreas CorticaisSensoriais

Áreas Corticais Associativas

Áreas Corticais Pré-motoras

Córtex Motor

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Hemiplegia

A importância do córtex motor é evidenciado pelo fato deque lesões nessa área geralmente resultam em hemiplegia, aperda da motricidade voluntária no lado do corpocontralateral à lesão. Hemiplegias são o resultado freqüentede hemorragias, sobretudo as originárias da artéria cerebralmédia. Após um período de arreflexia, que pode duraralgumas semanas, os reflexos reaparecem, agoraexacerbados (hiperreflexia). Desenvolve-se tambémespasticidade, mais pronunciada na musculaturaantigravitária.

A hiperreflexia e a espasticidade podem sercompreendidas a partir da concepção hierárquica queadotamos ao longo do presente texto. A atividade muscularque se opõe à ação da gravidade (fundamental na manutençãode posturas) origina-se de formas mais simples de controlemotor. O córtex fornece mecanismos de inibir os ajustesreflexos que mantêm a postura antigravitária, podendo assimmoldar uma comportamento mais plástico e eficiente. Umexemplo simples, mas ilustrativo, é o seguinte: imagine quevocê queira se sentar em uma cadeira e que, portanto, osmúsculos extensores dos seus membros inferiores tenhamque sofrer um estiramento passivo. Ora, esse estiramentodos músculos extensores deveria desencadear uma respostamiotática reflexa, levando a uma contração desses mesmosmúsculos e conseqüente extensão dos membros, impedindo-ode executar a ação. A modulação inibitória cortical, agindosobre vias (extrapiramidais) que promovem a liberação dessereflexo, é um fator essencial para que possamos executarnão só a tarefa motora discutida nesse exemplo, mas outrastarefas motoras ainda mais complexas.

Lesões do córtex motor afetam, assim, vias piramidais eextrapiramidais. A perda do controle motor sobrearticulações individuais e extremidades distais é atribuída alesões do trato córtico-espinal (via piramidal). Espasticidadee hiperreflexia são, por sua vez, conseqüências da perda demodulação cortical de vias descendentes classicamentedenominadas, em conjunto, sistema extrapiramidal. Quando

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essa modulação é perdida, esse sistema, filogeneticamentemais primitivo, torna-se dominante, exercendo seu papel damanutenção da postura fundamental, liberando assim oscircuitos que organizam o reflexo miotáticopredominantemente da musculatura extensora.

A reabilitação de pacientes hemiplégicos é muito limitada.A motricidade é ainda possível, mas apenas por meio demovimentos mais grosseiros, que não exigem a coordenação eo controle independente de diferentes articulações. Não épossível, no lado lesado, a realização de movimentoscoordenados de flexão e extensão em torno das articulaçõesdo joelho e tornozelo. Movimentos dos membros superiorestambém são muito limitados, sendo que pode restar algumcontrole de articulações proximais, como ombro eeventualmente o cotovelo. O tratamento fisioterápico depacientes hemiplégicos, no entanto, pode contribuir deforma importante na redução da espasticidade, melhorando odesempenho de algum controle motor voluntário que tenhasido preservado.

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ApraxiasMuitas lesões corticais resultam em déficits de

coordenação que não podem ser atribuídos a hemiplegia,diminuição da força muscular, distúrbios sensoriais ou perdada motivação. Uma classe importante de lesões desse tipo édenominada apraxia, que significa a perda da habilidademotora. Essa perda pode comprometer tarefas cotidianas,como escovar os dentes, ou cortar uma fatia de pão.Pacientes apráxicos tendem a apresentar um piordesempenho motor quando solicitados a imitar uma dada açãomotora como, por exemplo, repetir com as mãos vazias aseqüência de gestos necessários para cortar, com uma facaimaginária em uma das mãos, a fatia de um pão, tambémimaginário, seguro na outra.

Apraxias podem ser produzidas por lesões em diferentesáreas corticais, como o córtex pré-frontal, a área motorasuplementar, e o córtex parietal. Esse fato demonstra quesintomas apráxicos não constituem um conjunto homogêneode alterações motoras, mas podem representar diversasfacetas da disfunção de um complexo processo detransformação sensório-motora. Assim, sintomas apráxicospodem surgir como conseqüência de lesões do córtexparietal, o qual é envolvido na construção de representaçõesde movimentos complexos. A realização de um movimento, noentanto, requer que essas representações sejamtransformadas em um plano motor específico. Essatransformação exige a participação de circuitos localizadosem áreas pré-frontais e pré-motoras, sendo que lesõesdessas áreas podem, portanto, resultar em apraxias.

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INTEGRAÇÃO SUBCORTICAL DA MOTRICIDADE

Como vimos, a aquisição evolutiva docórtex cerebral permitiu que os organismosnão se restringissem a organizar apenasreflexos motores estereotipados, em respostaa estímulos sensoriais, e padrões rítmicos epré-programados de movimento. Os circuitosneurais permitem que um organismo possaexecutar movimentos complexos, em funçãode objetivos internos relacionados ao seuestado motivacional, controlando a execuçãode um plano motor a partir de múltiplasaferências sensoriais, e aperfeiçoando aelaboração desse plano em função de umprocesso de aprendizado. Já as estruturassubcorticais, tais como o cerebelo e osnúcleos da base, estão menos envolvidas naescolha de uma plano motor, e maisrelacionadas a processos que garantam que oplano motor selecionado seja executado daforma mais eficiente possível. Essas idéiasencontram respaldo na verificação de quelesões corticais podem levar a desordens darepresentação dos movimentos, tais como asobservadas na apraxia, onde são geradasrespostas incorretas. Lesões de estruturassubcorticais interferem menos com a seleçãode uma resposta motora, fazendo com que aação motora escolhida seja executada demaneira menos eficiente ou otimizada.

Cerebelo

O cerebelo é tradicionalmente subdivididoem vestibulocerebelo (arquicerebelo),espinocerebelo (paleocerebelo) eneocerebelo. Essa divisão, no entanto,encontra fundamentação em critériosanatômicos, filogenéticos e funcionais. Ovestibulocerebelo é separado da porçãoprincipal do cerebelo pela fissuraposterolateral, sendo, em termosfilogenéticos, a mais antiga região cerebelar.Mantém conexões recíprocas com os núcleosvestibulares do tronco cerebral, e atuaessencialmente no controle do equilíbrio e nacoordenação de movimentos oculares. Aporção principal do cerebelo é dividida emtrês regiões: vermis, zona intermediária ezona lateral. O vermis e a zona intermediáriaconstituem o espinocerebelo, e recebem

informações sensoriais por intermédio damedula espinal, além de responderemtambém a estímulos visuais e auditivos. Deorigem filogenética mais recente, oespinocerebelo deve ter-se desenvolvidoparalelamente a uma maior complexidade demovimentos dos membros necessários àlocomoção. As projeções eferentes doespinocerebelo são efetuadas por intermédiodos núcleos cerebelares fastigial, globoso eemboliforme, alcançando a medula espinal enúcleos supraespinais do sistemaextrapiramidal. Eferências do espinocerebelotambém alcançam o córtex motor, porintermédio de projeções talâmicas.

A porção mais lateral dos hemisférioscerebelares constitui o neocerebelo, o qual édensamente inervado por projeções de áreascorticais motoras e sensoriais. As eferênciasdo neocerebelo emergem do núcleodenteado, projetando-se majoritariamente,via núcleos talâmicos, sobre o córtex cerebralcontralateral. Esses núcleos talâmicosprojetam-se sobre o córtex motor primário, ocórtex pré-motor, e áreas pré-frontais. Oneocerebelo representa a aquisiçãofilogenética mais recente dos circuitoscerebelares, relacionando-se com o controlede movimentos voluntários.

Podemos então resumir, de formasimplificada, a função motora das diferentesregiões cerebelares. Enquanto ovestibulocerebelo constitui-se no responsávelpor ajustes posturais de origem labiríntica, oneocerebelo faria parte dos circuitosresponsáveis pelo planejamento domovimento, e o espinocerebelo estariarelacionado ao controle da execução domovimento.

Embora o cerebelo seja constituído porcircuitos neurais bem conhecidos, graças aopadrão de organização relativamente regularque os caracteriza, não são bemcompreendidos os mecanismos detalhadosque o cerebelo utiliza nesses processos decoordenação motora. Uma possibilidade éque o cerebelo exerça um controle temporaldo movimento, coordenando a seleção demomentos precisos para a ativação de umaseqüência de grupos musculares agonistas eantagonistas. Em outras palavras, a idéia éque o cerebelo contribua para o controlemotor estabelecendo um padrão temporal de

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ativação entre os diversos músculosrecrutados. Essa idéia é compatível com aobservação de que lesões cerebelarescomprometem de forma mais crítica aexecução de movimentos altamentetreinados, os quais obviamente requerem umcontrole temporal muito mais refinado.

Embora o cerebelo tenha sidotradicionalmente concebido como umaestrutura essencialmente motora, evidênciasrecentes têm indicado sua participação em

funções não motoras. A grande expansãoevolutiva do neocerebelo, em paralelo aogrande desenvolvimento do córtex pré-frontale de conexões recíprocas entre ambos,suporta a idéia de que o processamento deaspectos temporais realizado pelo cerebeloseja também utilizado por sistemasperceptivos e cognitivos. Uma evidênciafavorável a essa idéia é a dificuldade, porparte de pacientes com lesões cerebelares,no julgamento de durações ou velocidades.

As relações cerebelares com o córtex e tronco cerebraissão os próximos elementos a serem incluídos em nossodiagrama, que já vai se aproximando da configuração final denosso quebra-cabeças.

Figura 30- Diagrama salientando a participação do cerebelo na organização da motricidade.

Movimento

Contração MuscularMedula Espinal

Tronco Cerebral

Sistemas Sensoriais

Tálamo

Áreas CorticaisSensoriais

Áreas Corticais Associativas

Áreas Corticais Pré-motoras

Córtex MotorCerebelo

Tálamo

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Disfunção Cerebelar

Lesões cerebelares comprometem a coordenação motorade diferentes maneiras, refletindo a heterogeneidadeanatômica e funcional dessa estrutura neural. Como vimos, ocerebelo pode ser subdividido, com bases em critériosmorfológicos, funcionais e filogenéticos, emvestibulocerebelo (arquicerebelo), espinocerebelo(paleocerebelo) e neocerebelo.

Lesões do vestibulocerebelo podem comprometerseriamente a organização dos reflexos vestíbulo-oculares, elevar também a distúrbios do equilíbrio, acompanhadas devertigens e náusea. Já lesões espinocerebelares,particularmente do vermis, geram distúrbios na coordenaçãode músculos axiais, comprometendo a organização de ajustesposturais. Em função dessas alterações, a marcha podetambém ser alterada, o que é freqüentemente observado empessoas alcoolizadas, já que o cerebelo é especialmentesensível à ação do álcool. Alterações de circuitoscerebelares da zona intermediária manifestam-se sobre ocontrole de membros superiores e inferiores. Movimentosdesses membros podem ser iniciados, mas são realizados deforma irregular e imperfeita, podendo apresentar oscilaçõeserráticas durante sua execução. Um sinal freqüentementeobservado em distúrbios do espinocerebelo é a dismetria,caracterizada por erros na direção ou medida do movimento.Pode-se evidenciar um sintoma dismétrico solicitando-se aopaciente que estenda um dos braços e então aproxime a mãodo próprio rosto, tocando com o dedo indicador a ponta donariz. Essa manobra deve ser executada algumas vezes,inicialmente de olhos abertos e em seguida com os olhosfechados, avaliando-se, nesse segunda condição, acoordenação do movimento a partir de aferências sensoriaisexclusivamente proprioceptivas. Enquanto uma pessoa normalexecuta a manobra de forma adequada, um paciente comalterações cerebelares pode apresentar um movimentocaracterizado por uma trajetória oscilatória, por um erro doalvo final e por um eventual descontrole da força muscularutilizada na sua execução.

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Lesões do neocerebelo (áreas laterais dos hemisférioscerebelares) produzem sintomas semelhantes a distúrbiosespinocerebelares, apresentando movimentos imperfeitos(atáxicos) e dismétricos, especialmente quando constituídopor uma seqüência de gestos. Adicionalmente, distúrbiosneocerebelares fazem com que a iniciação do movimento sejaprolongada, evidenciando a participação desses circuitoscerebelares no planejamento do movimento.

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Núcleos da Base

A outra importante estrutura subcorticalé composta pelos núcleos da base, ecompreende cinco núcleos neuronais:caudado, putamen, globo pálido,substância negra e núcleo subtalâmico(Figura 31). Esses núcleos não formam umaestrutura funcional única e homogênea, masum complexo circuito de interconexões o qualmodula a execução coordenada demovimentos.

Todas as projeções aos núcleos da baseterminam nos núcleos caudado e putamen,que juntos formam uma estrutura conhecidacomo estriado. A principal projeção para oestriado é fornecida por várias áreas do

córtex cerebral, incluindo os córtices motor,sensorial e de associação. Projeções corticaisindiretas para o estriado são tambémintermediadas pelo tálamo. Projeçõeseferentes dos núcleos da base emergemapenas do segmento interno no globo pálido(GPi) e da pars reticulata da substância negra(SNr). Essas eferências nigrais terminam nocolículo superior e fornecem um importantesinal para a iniciação de movimentosoculares. Já as projeções palidais terminamno tálamo, dando origem a projeções para aárea motora suplementar e córtex pré-frontal.

Figura 31- Cortes frontais do encéfalo humano evidenciando estruturasimportantes na função motora, particularmente os núcleos da base(sublinhados).

Corpo caloso

Ventrículo lateral

Núcleo caudado

Cápsula interna

Globo pálido

Putamen

Corpo caloso

TálamoNúcleo rubro

Substância negra

Ponte

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Dois princípios básicos, um anatômico eoutro fisiológico, ajudam a entender o papeldos núcleos da base na motricidade.Anatomicamente, a maior parte das áreascorticais que se projetam para os núcleos dabase recebem de volta uma reinervaçãoproveniente dos núcleos da base. Assim,córtex e núcleos da base formam umconjunto de circuitos em paralelo que serealimentam mutuamente. Fisiologicamente,as eferências dos núcleos da base sãofundamentalmente inibitórias. Os neurôniosdo GPi e da SNr possuem uma atividadebasal de descarga, inibindo os seusrespectivos alvos no tálamo e colículosuperior. De forma simplificada, é como se osnúcleos da base mantivessem retidas aspossíveis respostas motoras, até que fosseremovido o sinal inibitório sobre uma delas,que seria então liberada para execução.

O processamento nos circuitos quecompõem os núcleos da base é concebidocomo abrangendo duas vias principais, umadireta e outra indireta (Figura 32). A viadireta compreende projeções do estriadopara o globo pálido interno (GPi) e para asubstância negra pars reticulata (SNr), quepor sua vez fornecem projeções inibitóriassobre neurônios talâmicos que ativam ocórtex cerebral. A via indireta tambémconecta o estriado ao núcleos de saída (GPi eSNr), mas por intermédio de retransmissõesefetuadas pela porção externa do globopálido (GPe) e pelo núcleo subtalâmico(NST). Um circuito neural interno dos núcleosda base, importante por razões fisiológicas efisiopatológicas, é o constituído por projeçõesda pars compacta da substância negra (SNc)sobre o estriado. Essas projeções, emboraintermediadas pelo mesmo neurotransmissor,a dopamina, possui efeitos opostos sobre asprojeções diretas e indiretas que emergem doestriado. Assim, a SNc excita os neurôniosestriatais que dão origem à via direta,excitação essa exercida por ação sobrereceptores dopaminérgicos do tipo D1. Já ainibição exercida pela SNc sobre os neurôniosdo estriado que originam a via indireta émediada por receptores dopaminérgicos dotipo D2.

Embora aparentemente complicado, ofuncionamento básico dos circuitos dosnúcleos da base pode ser facilmentecompreendido a partir de uma análisegradual e cuidadosa do diagramarepresentado na Figura 32. Nesse diagrama,setas brancas indicam projeções excitatórias,e setas negras, projeções inibitórias. Vamosinicialmente analisar a via direta: quandoprojeções corticais ativam o estriado, a viadireta estriatal vai inibir os neurônios doGPi/SNr que são inibitórios sobre o tálamo.Ora, vamos raciocinar: se os neurônios doGPi que inibem o tálamo forem inibidos pelosneurônios do estriado, o resultado será umamenor inibição do tálamo pelo GPi. Em outraspalavras, a inibição de uma inibição equivalea uma excitação, da mesma forma queaprendemos que (-1) x (-1) = +1! Portanto,o resultado final da ativação cortical sobre o

Figura 32- Relações funcionais entre oscomponentes dos núcleos da base e outrasáreas do SNC. Setas cinzas expressamprojeções excitatórias, enquanto setas negrasexpressam projeções inibitórias.

CÓRTEX CEREBRAL

ESTRIADO

SNcGPe

NST

Gpi/SNr

TÁLAMO

TRONCO CEREBRAL

MEDULA ESPINAL

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estriado, por meio da via direta, é umaativação cortical (o que é obtido porintermédio da inibição de uma inibição).

Vamos agora analisar a via indireta: ocórtex, ativando o estriando, leva a umainibição do GPe, já que a projeção doestriado sobre o GPe é inibitória. Mas osneurônios do GPe são, por sua vez, inibitóriossobre o NST e o GPi/SNr. Mais uma vezestamos frente ao processo de inibição deuma inibição. Como aprendemos, esseprocesso resulta em uma excitação dosneurônios do NST, que são excitatórios sobreos neurônios do GPi/SNr. Mas os neurôniosdo GPi/SNr são inibitórios, e sua excitaçãoleva, portanto, a uma inibição dos neurôniostalâmicos que ativam o córtex. Como umacuriosidade, embora não seja umacoincidência, note que na via indireta temostrês estágios com projeções inibitórias: a doestriado sobre a GPe, a da GPe tanto sobre oNST quanto sobre o GPi/SNr, e a do GPi/SNrsobre o tálamo. Logo, o resultado de trêsinibições sucessivas é claramente inibitória, jáque (-1) x (-1) x (-1) = -1. Nesse cálculo, asprojeções excitatórias ao longo do circuitonão precisam ser levadas em conta, já queuma excitação é representada por “+1” , nãointerferindo no resultado final. Em suma, aativação cortical da via indireta conduz a umainibição de neurônios do córtex cerebral.

Concluímos, portanto, que a ativaçãocortical sobre o estriado leva a conseqüênciasantagônicas sobre o próprio córtex cerebral,mediadas pelas vias direta e indireta dosnúcleos da base. Essa conseqüênciaaparentemente paradoxal pode ser melhorcompreendida se considerarmos que essasvias, justamente por serem compostas pordiferentes estágios de processamento,possuem dinâmicas temporais diferentes,sendo a via indireta obviamente mais lentaque a via direta. Dessa forma, essas açõesantagônicas dos núcleos da base sobre ocórtex não são necessariamente simultâneas,não se cancelando mutuamente, sendo queesse circuito pode assim funcionar como umcontrolador, ou “válvula”, da atividadecortical. Vejamos como isso funciona: se aatividade cortical sobre o estriado seintensifica, vimos que o resultado é umaativação adicional promovida pela via direta(devido à inibição da inibição). Lembre que

esse é um exemplo de retroalimentaçãopositiva, onde a atividade cortical promoveriaum incremento ainda maior dessa atividade.Mas como vimos, a mesma ativação corticaldo estriado, que conduz a essa ativaçãoadicional pela via direta, leva a uma inibiçãocortical pela via indireta. Portanto, a viaindireta estaria realizando um processo deretroalimentação negativa, e com issotendendo a manter a atividade cortical dentrode certos limites. A atividade da via indiretanão seria exatamente simultânea à da viadireta, levando a um processo de controlecom características oscilatórias, marcaregistrada dos mecanismos homeostáticos.

Como um exercício, utilize esse raciocíniopara estabelecer o que aconteceria se ainibição promovida sobre o córtex pela viaindireta fosse muito intensa, diminuindoexcessivamente a atividade cortical.

E finalmente podemos analisar o efeitodas projeções da substância negra parscompacta (SNc) sobre a circuitaria dosnúcleos da base. Como vimos, a SNc possuiuma ação excitatória sobre a via direta, euma ação inibitória sobre a via indireta. Logo,a atividade da SNc promove, tanto pela viadireta quanto pela via indireta, uma ativaçãodo córtex cerebral. Esse resultado funcional,observado no córtex, da projeção da SNcsobre o estriado, pode ser facilmenteconstatado por meio da “regra matemática”dos sinais, fornecida anteriormente. Tente!

A ação da substância negra parscompacta (SNc) sobre o estriado, levando auma ativação do córtex por intermédio dasvias direta e indireta, faz da SNc e de suasconexões com o estriado (chamadas de vianigro-estriatal) um elemento chave namotricidade. A ativação cortical promovidapela SNc é fundamental na iniciação demovimentos e em aspectos mais sutis de suamodulação. A disfunção da via nigro-estriatalé a base fisiopatológica da doença deParkinson, discutida mais adiante.

Antecipando um aspecto fisiopatológicoque nos ajuda a compreender a fisiologia dosnúcleos da base, os déficits apresentados porpacientes portadores da doença de Parkinsonsão mais evidentes quando sua ação motoraé guiada por pistas internas. Essa observaçãoestá de acordo com o quadro conceitualapresentado anteriormente, em que as

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eferências dos núcleos da base sãoprimariamente dirigidas à área motorasuplementar, a qual pertence a uma rede deestruturas relacionadas à organização demovimentos guiados internamente. Essarede, além das conexões entre área motorasuplementar e núcleos da base, inclui ocórtex pré-frontal e áreas temporais,tornando-se dominante quando a execuçãode uma tarefa motora já aprendida édesencadeada a partir de sua representaçãointerna.

Contribuição dos núcleos da base para oaprendizado e cognição

Um aspecto ainda controvertido sobre aspatologias dos núcleos da base é se asconseqüências da doença são restritas àesfera motora ou se incluem déficitscognitivos. Em geral, ao menos em pacientescrônicos, o desempenho cognitivo é inferiorquando comparado a indivíduos normais demesma faixa etária. Déficits cognitivos podemser certamente produzidos, a longo prazo,por fatores secundários à doença, como oestado depressivo que em geral acompanhaesses pacientes, ou os efeitos produzidospela terapia medicamentosa.

No entanto, existem evidênciasneuropsicológicas recentes que sugerem umpapel dos núcleos da base na transição deum “estado neural” para outro, quer esseestado neural seja um estado motor ou umestado cognitivo. Por exemplo, umacaracterística da doença de Parkinson é que opaciente fica retido em uma posição oupostura, sendo difícil mudar para uma outraposição subsequente. Uma dificuldadesemelhante, mas de ordem cognitiva, foi

observada em testes neuropsicológicos ondepacientes parkisonianos deviam mudar deuma tarefa de discriminação de cores parauma tarefa de discriminação de forma.

Essa idéia oferece uma base conceitualunificada para que possamos compreender afunção dos núcleos da base tanto em relaçãoaos aspectos motores quanto aos aspectoscognitivos do comportamento. Os núcleos dabase estariam assim associados a ummonitoramento da atividade de amplas áreascorticais, permitindo a transição entrediferentes estados, motores ou mentais, pormeio da remoção de influências inibitóriassobre circuitos específicos do córtex cerebral.Essa teoria de “transição de estados” para osnúcleos da base pode nos ajudar também aentender seu papel no aprendizado. Oaprendizado, de forma geral, envolve umamudança de comportamento, ou adquirindouma habilidade nova, ou então deixando deemitir uma resposta habitual, sempre emfunção de mudanças ambientais oucontextuais. Por exemplo, aprender a dirigirum automóvel requer não apenas quepossamos adquirir uma destreza motora,transitando rapidamente entre diferentesações motoras. Requer também quepossamos transitar entre diferentes estadoscognitivos, por exemplo, deixando de prestara atenção na sinalização da rodovia pararapidamente voltarmos nossa atenção aotráfego à frente. Em ambos os casos, osnúcleos da base poderiam estar envolvidosna seleção de uma nova ação, mental oumotora, quando as aferências sensoriais ouos objetivos internos fossem alterados.

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Podemos, finalmente, completar nosso quebra-cabeças,mostrado abaixo (Figura 33), incluindo agora os núcleos da basee suas relações corticais. Fica nítido, no entanto, que odiagrama que acabamos de reconstruir é obviamentesimplificado. Por exemplo, o mero elemento “núcleos da base” eas setas que o ligam aos demais elementos escondem, por suavez, um conjunto ainda maior de componentes e relaçõesfuncionais, às vezes bastante complexas. No entanto, odiagrama nos fornece uma imagem unificada do sistema e,embora de forma parcial e incompleta, nos ajuda acompreender um pouco melhor as relações entre seuscomponentes na organização da motricidade.

Figura 33- Diagrama salientando a participação dos núcleos da base na organização damotricidade. Como pode ser constatado, esse diagrama é agora idêntico ao representadoinicialmente, na Figura 6.

Movimento

Contração MuscularMedula Espinal

Tronco Cerebral

Sistemas Sensoriais

Tálamo

Áreas CorticaisSensoriais

Áreas Corticais Associativas

Áreas Corticais Pré-motoras

Córtex MotorCerebelo

Tálamo

Núcleos da Base

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Discinesias e Coréia de Huntington

As desordens de movimento associadas a patologias dosnúcleos da base abrangem um largo espectro de anormalidades,indo de desordens hipocinéticas (dentre as quais a doença deParkinson é a mais bem conhecida), em um extremo, adesordens hipercinéticas, como a doença de Huntington e obalismo, em outro extremo.

As desordens hipocinéticas são caracterizadas por déficitssignificativos na iniciação do movimento (hipocinesia) e reduçãona amplitude e velocidade de movimentos voluntários(bradicinesia). São geralmente acompanhadas de rigidezmuscular e tremor de repouso. Em contraste, as desordenshipercinéticas são caracterizadas por atividade motoraexcessiva na forma de movimentos involuntários (discinesias),associadamente a variados graus de hipotonia. Tipos dediscinesias associadas a distúrbios dos núcleos da base incluemtremor, atetose, coréia e balismo (ou hemibalismo). Essas eoutras formas de discinesias ocorrem em conjunto a umaconstelação de distúrbios somáticos, viscerais ecomportamentais, resultado de alterações degenerativasprogressivas, defeitos genéticos e lesões vasculares.

As coréias caracterizam-se por uma seqüência de vigorososmovimentos involuntários de considerável complexidade, quepodem até se parecer com movimentos voluntários dotados dealgum propósito, como passos de uma dança, por exemplo. Essesmovimentos envolvem primariamente a musculatura distal, osmúsculos mímicos, a língua e os músculos da deglutição. Amaioria das coréias estão associadas à hipotonia muscular,sendo mais conhecidas a coréia de Sydenham e a coréia deHuntington. Enquanto a primeira geralmente ocorre na infânciaem associação com a febre reumática, sendo reversível, acoréia de Huntington é transmitida geneticamente por um geneautossômico localizado no cromossomo 4, e não tem curaconhecida.

A doença de Huntington é uma desordem degenerativa eprogressiva, que aparece entre a quarta e quinta década devida. Apresentando, inicialmente, apenas irritabilidade e perdade interesse nas atividades habituais, o paciente passa a

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apresentar, dentro de um ano, anormalidades motoras, taiscomo movimentos desajeitados, perda de equilíbrio ehiperatividade. Os movimentos deixam, então, de apresentaruma finalidade definida, perdendo um padrão de regularidade econsistência. Com o tempo, os pacientes desenvolvem um tiposubcortical de demência, não acompanhada de apraxia, afasiaou agnosia, comuns em outras demências de origem cortical.Apresentam, porém, comprometimento da memória,particularmente evidenciado na aquisição de novas habilidadesmotoras. A doença é também acompanhada por alteraçõesemocionais e de personalidade, possivelmente associadas a umcomprometimento cognitivo, como vimos anteriormente.

Ao menos algumas características fisiopatológicas da coréiade Huntington, como a hipercinesia que acomete os pacientesque sofrem dessa doença, podem ser entendidas por meio dodiagrama da Figura 34. Nos estágios iniciais da doença deHuntington, o processo degenerativo acomete os neurôniosinibitórios que dão origem à via indireta. A diminuição de umainfluência inibitória do estriado sobre o GPe resulta em umaativação cortical, base fisiopatológica do distúrbiohipercinético.

Figura 34- (A) Diagrama que resume as relações funcionais normais (verFigura 32) entre os componentes dos núcleos da base. (B) Esquemasimplificado da fisiopatologia da doença de Huntington. Setas maioresindicam um aumento da excitação (em cinza) ou da inibição (em negro)exercida pela respectiva projeção.

CÓRTEX CEREBRAL

ESTRIADO

SNcGPe

NST

Gpi/SNr

TÁLAMO

TRONCO CEREBRAL

MEDULA ESPINAL

ESTRIADO

SNcGPe

NST

Gpi/SNr

TÁLAMO

CÓRTEX CEREBRAL

TRONCO CEREBRAL

MEDULA ESPINAL(A) (B)

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Uma outra desordem hipercinética, o hemibalismo, tambémestá associado a lesões da via indireta. Pacientes comhemibalismo emitem movimentos violentos e incontroláveis,sendo que a lesão está associada ao núcleo subtalâmico,também podendo ser entendida por meio do diagrama da Figura34.

Doença de Parkinson

A doença de Parkinson é a mais comum e melhor conhecidadesordem acometendo os núcleos da base. Caracteriza-se porapresentar sintomas positivos e negativos, ou seja, aquelesassociados a aumento e diminuição, respectivamente, daatividade muscular. Sintomas positivos incluem rigidez musculare tremor de repouso. Esse último se caracteriza por diminuir eaté desaparecer quando o paciente executa um movimentovoluntário, tornando-se mais evidente durante o repousomuscular, daí o seu nome. A rigidez origina-se de uma ativaçãosimultânea de grupos musculares antagonistas.

Já os sintomas negativos incluem distúrbios de postura elocomoção, hipocinesia e bradicinesia. A hipocinesia refere-se auma diminuição ou mesmo ausência na emissão de movimentosvoluntários, sendo particularmente evidente quando o pacientetenta iniciar o movimento. Depois de iniciados, os movimentospodem parecer normais, embora sejam freqüentemente lentos(bradicinéticos). Considera-se a doença de Parkinson comoidiopática, que, trocando em miúdos, significa que a causa édesconhecida. Embora haja evidências de uma origem genética,pode-se desenvolver depois de encefalites, estando tambémassociada ao uso de drogas e até mesmo à possível exposição atoxinas ambientais.

Fisiopatologicamente, caracteriza-se por uma progressivadiminuição das projeções dopaminérgicas nigro-estriatais(originadas na pars compacta da substância negra (SNc), edestinadas ao estriado). A base fisiopatológica da doença deParkinson possui também uma grande importância histórica,pois foi a primeira vez em que uma doença neurológica foiidentificada como um distúrbio na comunicação químicaefetuada por um neurotransmissor. Esse achado permitiu que

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recursos farmacológicos fossem prontamente desenvolvidos eutilizados no tratamento da doença de Parkinson.

A fisiopatologia da doença de Parkinson também pode serentendida por meio do diagrama da Figura 35. A pars compactada substância negra projeta-se sobre o estriado levando a umaexcitação de neurônios que originam a via direta, e a umainibição dos neurônios que dão origem à via indireta. Essasprojeções nigro-estriatais, portanto, promovem o movimentoem conseqüência da ativação cortical produzida por suasconexões com os núcleos da base. A diminuição da atividade davia nigro-estriatal, levando a uma menor ação dopaminérgicasobre os neurônios do estriado, vai gerar uma maior dificuldadeem se iniciar o movimento, fazendo com que o paciente pareçacongelado no lugar. Embora o córtex cerebral continue aselecionar o plano motor a ser executado, os circuitos dosnúcleos da base são necessários para vincular o plano escolhidoaos comandos destinados aos efetores da motricidade. Ou seja,a disfunção desses circuitos nos núcleos da base leva a umadesordem na transição do plano estratégico para a elaboraçãotática, essencial na motricidade.

Figura 35- (A) Diagrama que resume as relações funcionais normais (verFigura 32) entre os componentes dos núcleos da base. (B) Esquemasimplificado da fisiopatologia da doença de Parkinson. Setas maiores indicamum aumento da excitação (em cinza) ou da inibição (em negro) exercida pelarespectiva projeção.

(A) (B)

CÓRTEX CEREBRAL

ESTRIADO

SNcGPe

NST

Gpi/SNr

TÁLAMO

TRONCO CEREBRAL

MEDULA ESPINAL

ESTRIADO

SNcGPe

NST

Gpi/SNr

TÁLAMO

CÓRTEX CEREBRAL

TRONCO CEREBRAL

MEDULA ESPINAL

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LEITURA COMPLEMENTAR

Aires M. M. Fisiologia, 1999. Editora Guanabara Koogan.

Bear M. F., Connors B. W., Paradiso M. A. Neurociências, 2001. Artmed Editora S.A.

Gazzaniga M. S. The Cognitive Neurosciences, 1995. The MIT Press.

Kandel E. R., Schwartz J. H., Jessel T. M. Principles of Neural Science, 2000. McGraw-Hill.

Parent A. Carpenter’s Human Neuroanatomy , 1996. Williams & Wilkins.

Shepherd G. M. Neurobiology, 1994. Oxford University Press.

Stokes M. Neurologia para Fisioterapeutas, 2000. Editorial Premier.

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ÍNDICE REMISSIVO

A

abalo muscular ...........................................4abducente ................................................10acetilcolina .................................................3acetilcolinesterase.......................................5acoplamento gama-alfa (γ-α).....................29aferências sensoriais10, 15, 34, 40, 49, 51,

56Aferências vestibulares..............................15ajustes da postura ....................................40alça aberta ...............................................19alça fechada .............................................19aparelho vestibular....................................18apraxia..........................................48, 49, 59aprendizado motor................................ 2, 44área motora suplementar ... 42, 44, 48, 53, 56áreas corticais de associação .......................7áreas pré-frontais......................................44Aristóteles ................................................11arreflexia..................................................46artéria cerebral média ...............................46aspectos táticos ..........................................7atetose.....................................................58atrofia muscular........................................32

B

balismo ....................................................58bradicinesia ........................................ 58, 60

C

campo receptivo .......................................14canais iônicos ................................. 3, 13, 20canais semicirculares.......... 15, 16, 17, 18, 19caudado...................................................53cerebelo6, 7, 10, 18, 19, 33, 39, 42, 44, 49,

50, 51Charles Sherrington...................................10choque espinal.................................... 37, 38cinestesia .................................................15cinocílio ....................................................16circuitos vestíbulo-espinais................... 18, 19circuitos vestíbulo-oculares .................. 18, 19co-ativação γ-α .........................................23co-contração.............................................26

colículos superiores ...................................34coluna dorsal ............................................36coluna lateral ............................................34componentes vetoriais...............................16comportamentos ........................................ 1comprimento estático do músculo ..............21contração muscular ................... 4, 10, 21, 23Controle da micção e da evacuação............37coréia................................................. 58, 59coréia de Huntington .................................58coréia de Sydenham..................................58corno anterior (ventral) .............................. 3corno anterior ou ventral ...........................10córtex associativo......................................44córtex cerebral6, 7, 10, 19, 23, 29, 34, 39,

40, 41, 44, 45, 49, 53, 54, 55, 56, 61córtex motor.............................................. 7córtex motor primário.................... 39, 40, 49córtex parietal..........................39, 42, 44, 48córtex parietal posterior.............................44córtex pré-frontal ......... 42, 44, 48, 50, 53, 56córtex pré-motor......................39, 42, 44, 49córtex somatosensorial ..............................19córtex somestésico........................ 15, 23, 42cúpula ......................................................16

D

déficits cognitivos......................................56déficits na sensibilidade térmica e dolorosa.37denteado ..................................................49desordens hipercinéticas............................58desordens hipocinéticas.............................58discinesias ................................................58dismetria ..................................................51distrofia muscular de Duchenne .................24distrofias musculares.................................24distrofina ..................................................24doença autoimune...................................... 5doença de Huntington ......................... 58, 59doença de Parkinson ................55, 58, 60, 61

E

emboliforme..............................................49endolinfa ...................................... 15, 16, 17equilíbrio.................10, 11, 30, 33, 49, 51, 59esclerose lateral amiotrófica.......................32

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espasticidade...........................36, 37, 38, 46espinocerebelo.................................... 49, 51estratégia motora........................................7estriado................................................ 3, 53estruturas auditivas e vestibulares .............15estruturas supraespinais...................... 29, 33excitação e contração muscular ...................2excitação tônica sobre músculos extensores

............................................................19execução do movimento. 7, 10, 35, 40, 42, 49

F

facilitação de músculos extensores.............34fasciculação ..............................................36fastigial ....................................................49fibra intrafusal ..........................................20fibras córtico-espinais................................39fibras extrafusais............................20, 23, 29fibras Ia ........................................21, 23, 28fibras Ib ...................................................23Fibras II ...................................................23fibras intrafusais .......................................28fibras musculares...................3, 4, 20, 21, 28força de contração.......................... 4, 13, 20força de contração muscular........................4formação reticular.....................................34frequência ..............................................2, 4freqüência ......................... 13, 16, 17, 18, 20fusos neuromusculares...................25, 28, 29fusos neuro-musculares..................20, 21, 23

G

gânglio de Scarpa .....................................18gânglio espiral ..........................................18geradores centrais de padrão.....................33globo pálido..............................................53globoso ....................................................49glutamato.................................................32grupo Ia ............................................. 21, 25grupo Ib...................................................21grupo II....................................................21

H

hemibalismo....................................... 58, 60Hemiplegias..............................................46hemisférios cerebelares....................... 49, 52hemissecção .............................................36hiperreflexia...................................36, 38, 46hipocinesia ......................................... 58, 60hipotonia ..................................................58

Hodologia do sistema vestibular .................18

I

incontinência urinária e fecal......................38inervação recíproca ............................. 23, 26inibição recíproca ................................ 26, 29inserção tendinosa das fibras musculares....20integração longitudinal ..............................29interneurônios......................7, 23, 26, 29, 39

J

junção neuromuscular .........................2, 3, 5

L

labirinto membranoso................................15labirinto ósseo...........................................15lesão medular ...........................................36Lesões cerebelares ....................................51Lesões do córtex motor .............................46lesões espinais ..........................................36lesões espinocerebelares ...........................51lesões unilaterais da medula espinal...........36lobo frontal ...............................................44lobo temporal............................................44locomoção................................................33

M

mácula .....................................................15marcha................................7, 32, 33, 40, 51medula espinal3, 6, 7, 10, 18, 19, 23, 25, 28,

29, 33, 34, 35, 36, 37, 39, 40, 45, 49meio exterior ............................................. 1meio interior .............................................. 1miastenia gravis ......................................... 5miofibrilas.................................................. 4modalidades sensoriais ..............................11modulação inibitória cortical.......................46motoneurônio .........................................3, 4motoneurônios γ........................................28Motoneurônios γ dinâmicos ........................23motoneurônios γ estáticos..........................23motoneurônios β, ......................................29motoneurônios γ: ......................................28motoneurônios alfa...................10, 19, 32, 39motoneurônios alfa e gama........................19movimentos da língua ...............................10movimentos da mandíbula .........................10

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movimentos de rotação do segmento cefálico............................................................15

movimentos lineares .................................15movimentos mímicos.................................10movimentos reflexos ...............................6, 7movimentos reflexos do pescoço................19movimentos rítmicos ...................................6movimentos voluntários6, 7, 26, 29, 30, 33,

49, 58, 60musculatura antigravitária .........................46músculo estriado esquelético.......................3músculos agonistas e antagonistas.............26músculos axiais e proximais.......................33

N

neocerebelo.............................49, 50, 51, 52nervo vestíbulo-coclear..............................18nervos cranianos........................3, 10, 25, 39nociceptores .............................................29núcleo rubro .............................................34núcleo subtalâmico....................................53núcleo ventral posterior do tálamo .............19núcleo vestibular inferior ...........................19núcleos cerebelares...................................49núcleos da base6, 7, 10, 33, 39, 42, 44, 49,

53, 57núcleos oculomotores.......................... 18, 19núcleos vestibulares .......................18, 19, 49núcloes vestibulares ..................................33

O

oculomotor ...............................................10organização hierárquica do sistema nervoso6,

40organização somatotópica .........................39organização supra-espinal da motricidade...10organização topográfica.............................39órgãos otolíticos.......................15, 16, 17, 18órgãos tendíneos de Golgi ..............20, 21, 23

P

paresia.....................................................37pars compacta .........................54, 55, 60, 61pars reticulata..................................... 53, 54percepção cinestésica................................15pirâmides bulbares....................................39plasticidade ..............................................19porção petrosa do osso temporal ...............15posição estática da cabeça .................. 15, 16postura.......................................................7

postura ereta .................................. 7, 28, 33postura fundamental ..................... 19, 34, 47posturas ....... 7, 10, 15, 26, 28, 30, 33, 35, 46posturas e movimentos..........................7, 35potencial de ação na fibra muscular ............ 3potencial gerador ................................ 13, 14potencial local e graduado .........................13potencial receptor ............................... 13, 20processo contrátil ....................................... 4processo evolutivo...................................... 1projeções nigro-estriatais...........................61propriocepção ............................... 15, 31, 33putamen...................................................53

R

radical superóxido (O2-) .............................32

raízes motoras ..........................................36reabilitação de pacientes hemiplégicos .......47receptor ânulo-espiral................................20receptores ânulo-espirais ............... 20, 23, 25receptores articulares ................................15receptores colinérgicos ............................3, 5receptores colinérgicos nicotínicos............... 5receptores dopaminérgicos ........................54receptores sensoriais.................................12recrutamento ............................................. 4reflexo de alça longa .................................29reflexo de extensão cruzada.......................29reflexo de flexão .......................................29reflexo de retirada.....................................29reflexo miotático .......... 23, 25, 26, 28, 29, 47reflexo monossináptico ..............................23reflexo motor ...................................... 10, 25reflexo polissináptico.................................29reflexos antigravitários ..............................34reflexos espinais........................................25reflexos miotáticos .............................. 15, 36reflexos vestíbulo-cólicos ...........................19reflexos vestíbulo-oculares............. 15, 19, 51regulação da força de contração ................13representação interna de uma ação............44retroalimentação .......................................19retroalimentação negativa..........................55retroalimentação positiva ...........................55rigidez muscular.................................. 58, 60rotação da cabeça ......................... 17, 18, 19

S

sáculo........................................... 15, 16, 19sarcômero ................................................. 4Sensibilidade muscular ..............................20

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sensibilidade proprioceptiva ............10, 11, 36sensibilidade vestibular........................ 11, 15sensibilidade vibratória ........................ 36, 37Sherrington ..............................................15sinal de Babinski .......................................38síndrome de Brown-Séquard......................36sintomas negativos ...................................60Sintomas positivos ....................................60sistema anterolateral.................................36sistema extrapiramidal ..............................46sistema gama ...........................................28sistema medial..........................................33sistema motor.........................................1, 2sistema neurovegetativo..............................1sistema sensorial.........................................2substância negra.......................................53sulco central .............................................39superóxido dismutase................................32

T

tecto do mesencéfalo................................34tensão produzida pela contração muscular .21terminações primárias ...............................21terminações secundárias ...........................21tétano completo..........................................4tônus muscular ........................23, 28, 37, 38transdução ........................ 12, 13, 16, 17, 21transmissão neuromuscular .........................5transsecção completa da medula espinal ....37transsecção parcial da medula espinal........36trato córtico-espinal .......................36, 39, 46trato córtico-espinal anterior......................39trato córtico-espinal lateral .................. 36, 39trato piramidal ..........................................39trato retículo-espinal .................................34

trato rubro-espinal ....................................34trato tecto-espinal .....................................34trato vestíbulo-espinal ......................... 19, 33trato vestíbulo-espinal medial.....................19tratos descendentes ..................................36tremor................................................ 58, 60tremor de repouso............................... 58, 60troclear.....................................................10tronco cerebral3, 6, 7, 10, 18, 25, 29, 33, 34,

35, 36, 39, 45, 49

U

unidade motora.......................................... 4unidade sensorial ......................................14utrículo......................................... 15, 16, 19

V

velocidade de variação do comprimento deum músculo...........................................21

vermis ......................................................49vestibulocerebelo ................................ 49, 51via final comum.........................................10via nigro-estriatal ................................ 55, 61vias descendentes laterais .........................33vias descendentes mediais.........................33vias e circuitos sensoriais...........................12vias extrapiramidais............................. 39, 46

Z

zona intermediária.....................................49zona lateral...............................................49


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