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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARQUEOLOGIA
Poltica e religio no TahuantinsuyuInca: evidncias das relaes centro x peri feriade
Cusco na cermica arqueolgica da Costa Norte peruana.
v.1
Marcio Lus Baso de Figueiredo
So Paulo
2014
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARQUEOLOGIA
MARCIO LUS BASO DE FIGUEIREDO
Poltica e religio no TahuantinsuyuInca: evidncias das relaes centro x peri feriade
Cusco na cermica arqueolgica da Costa Norte peruana.
v. 1
Dissertao de Mestrado
apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Arqueologia do
Museu de Arqueologia e
Etnologia da Universidade de So
Paulo.Verso corrigida. A verso
original encontra-se na biblioteca
do MAE.
rea de Concentrao:
Arqueologia
Orientadora: Profa. Dra.Maria Isabel D`Agostino Fleming
Linha de Pesquisa:
Cultura material e representaes
simblicas em arqueologia
So Paulo2014
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Resumo
Este trabalho buscou analisar a iconografia e morfologia da cermica ritual
produzida na Costa Norte peruana durante oPerodo Intermedirio Tardioe oHorizonte
Tardio, com o objetivo de identificar personagens aqui denominados figuras de poder.
O corpus da anlise incluiu colees pertencentes a diversas instituies museolgicas
brasileiras e estrangeiras. Os primeiros contatos com as colees arqueolgicas e as
classificaes usualmente adotadas nos museus com base nos referenciais tericos
histrico culturalistas evidenciaram uma aparente ruptura na produo cermica no
Perodo Tardio, com o advento da hegemonia Incaica. No sculo XV a cermica
produzida nos Andes apresenta um relativo declnio de artefatos que expressam a
simbologia dos cultos ancestrais vinculada s representaes do poder poltico, quando
comparada aos perodos anteriores. Tomando como referncia estudos aprofundados da
histria poltica dos domnios Chim e Inca nos Andes Centrais, bem como a correlao
dos artefatos cermicos estudados, buscamos entender como as mudanas observadas na
composio e iconografia dos conjuntos cermicos observados est correlacionada com a
organizao das estruturas de poder respaldadas na cosmoviso de seus respectivos
contextos polticos de produo. A reduo do nmero de figuras de poder representadasna cermica produzida sob a gide do domnio Inca na Costa Norte, bem como a
permanncia de certos atributos identificados como expresso das particularidades da
cosmoviso dos povos daquela regio, sugerem que os Incas enfrentaram a necessidade
de criar ferramentas de legitimao do poder centralizado em Cusco, diante do extenso
territrio subjugado.
Palavras-Chave: IncaChimCermicaIconografia ReligiosaReligioPoltica
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Abstract
This study sought to analyze the iconography and morphology of ritual
pottery produced in the Peruvian North Coast during the Late Intermediate
Period and the Late Horizon, with the goal of identifying characters herereferred to as "figures of power." The body of the analysis included collections
of several Brazilian and foreign institutions. The first contacts with the
archaeological collections and classifications usually adopted in the museums
based on theoretical historical-cultural references showed an apparent rupture
in ceramic production in theLate Period, with the advent of Inca hegemony. In
the 15th century, the ceramics produced in the Andes presents a relative decline
of artifacts that express the symbolism of ancient cults linked to representationsof political power, when compared to prior periods. We seek to understand how
the observed changes in the composition and iconography of ceramic sets
observed is correlated with the organization of power structures supported on
worldview of their respective political contexts of production. We based on deep
studies of the political history of the Chim and Inca domains in the Central
Andes and the correlation of the studied ceramic artifacts. We noted the
reduction in the number of power figures represented on pottery produced under
the aegis of Inca rule on the North Coast, in addition to the permanence of
certain attributes identified as an expression of the particularities of the
worldview of people from that region. Those suggest that the Incas have faced
the need to create tools of legitimation of the centralized power of Cusco, in the
face of the extended subjugated territory.
Keywords: Inca Chim Ceramics Religious Iconography Religion
Politics
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Dedicatria
Dedico este trabalho a todas as pessoas que incondicionalmente me
apoiaram e acreditaram na sua realizao. Que este sirva de contribuio einstrumento de debate para os grandes campos da histria e arqueologia Inca e
da Costa Norte Peruana. Que seja fonte de inspirao e incentivo a todos que,
como eu, so apaixonados e interessados pelo instigante passado das
sociedades Andinas pr-colombianas.
Acima de tudo, dedico memria de todos os povos que construram
esse passado Andino que tanto nos encanta.
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Agradecimentos
Agradeo infinitamente aos meus pais Jernimo e Marcia, e as minhas
irms e cunhados Juliana, Mariana, Carlos e Andr pelo apoio incondicional, o
carinho e a pacincia durante essa jornada. Ao meu pai pelo auxlio naformatao do catlogo de fotos e especialmente por me apresentar o mundo
Andino atravs da msica na minha infncia, origem de todo o interesse e paixo
pelo mundo dos Incas. E a pequena Isa, cuja companhia e o olhar inocente valem
mais que mil palavras para inspirar e dar foras pra seguir em frente. Tambm
agradeo a famlia do Rio de Janeiro, em especial meus avs, pela acolhida,
carinho e incentivo durante minha etapa de trabalho no Rio.
Agradeo especialmente a profa. Dra. Maria Isabel D`Agostino Fleming
e a profa. Dra. Marcia Arcuri pela oportunidade e pela confiana depositada em
mim. A elas agradeo pela orientao, gentileza, disponibilidade e pacincia no
processo da minha formao. Agradeo os puxes de orelha e peo sinceras
desculpas pelos erros cometidos durante a minha trajetria. Serei eternamente
grato por tornarem possvel a maior alegria da minha vida. Sem a professora
Mabel e a professora Marcia, onde eu estaria?
s minhas colegas dos estudos Andinos Daniela La Chioma e Dbora
Soarez. A elas agradeo sinceramente pelas contribuies no meu trabalho, pelo
apoio, pela pacincia e ajuda prestada nos momentos de crise e pela verdadeira
amizade. A Dani dedico o esforo desse trabalho pela paixo que
compartilhamos pelo universo Andino e a Dbora dedico e agradeo pela
brilhante ideia de contrapor e relacionar os textos de Pierre Clastres e Brian
Hayden, que gerou uma boa discusso no primeiro captulo da minha
dissertao.
Agradecimento especial aos amigos de Lambayeque Igncio Alva
Meneses, Mariella y los nios pela recepo calorosa e a hospitalidade em
Ventarrn. A Igncio, agradeo tambm por toda ajuda com a bibliografia e
pelas conversas que muito contriburam para o meu trabalho e principalmente
pela pacincia com as inmeras perguntas.
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Agradeo aos especialistas Dr. Luis Millones, Dr. Mario Millones, Dr.
Jurgen Golte e Dr. Quirino Oliveira pelo interesse e contribuies acadmicas
ao meu trabalho.
Agradeo aos professores e colegas do MAE que muito contriburampara minha formao. A Dra. Silvia Cunha Lima pelas contribuies
acadmicas no trabalho e por compartilhar a bibliografia Chim. A profa. Dra.
Fabola A. Silva pelas indicaes bibliogrficas e ensinamentos sobre os estudos
cermicos. Aos funcionrios da reserva tcnica e da biblioteca do museu pela
alegria e boa vontade em ajudar. Especialmente ao Hlio pela pacincia e
esforo em ajudar a procurar os livros mais impossveis de se encontrar.
Agradeo ao prof. Dr. Eduardo Gos Neves por ceder um espao no seu
laboratrio para a minha anlise da coleo Andina do MAE. Aos colegas e
amigos amazonistas que passaram pelo LAB 1 entre 2010 e 2012, a baronesa
Camila Loos Von Losimfeldt, Mrjorie Lima, Agda Sardinha, Erndira
Oliveira, Ana, Lgia, Francine Medeiros, Jaqueline Belleti, Guilherme Mongel
(o Gacho), Rodrigo Suer pela amizade e por tudo que me ensinaram.
Especialmente ao Kazuo Tamanaha e Fernando Ozrio pela amizade e por tudo
que me ensinaram sobre anlise cermica que muito contribuiu para o meutrabalho.
Agradeo a Dra. Tnia Andrade Lima por permitir o acesso ao acervo
Andino do Museu Nacional da UFRJ. A Arqueloga ngela Rabello pelo bom
humor, simpatia, amizade e toda a ajuda prestada durante minha estada no
museu.
Um agradecimento especial ao Dr. Walter Alva por possibilitar o acesso
as colees do Museo Tumbas Reales de Sipn e pela boa vontade e esforo em
ajudar a resolver os problemas burocrticos. A Dra. Cristina Cabrenna e a
equipe do museu pela alegria, simpatia e toda ajuda prestada com o acervo.
Agradeo ao Dr. Carlos Wester pelo acesso a coleo cermica do
Museo Brunning de Lambayeque, imprescindvel e fundamental para a
produo deste trabalho. Agradeo tambm ao Arquelogo Dr. Marco
Fernandez e a equipe do museu por toda a ajuda.
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Agradeo especialmente ao Dr. Ricardo MoralesGamarra, Diretor do
Museo de Arqueologa de la Universidad Nacional de Trujillo, pela calorosa
recepo e amizade, pela autorizao de acesso ao acervo do museu e por
emprestar a crnica de Ocxaguamam importantssima para o meu trabalho.
Agradeo a Arqueloga Dra. Maria Isabel Paredes por dividir seu espao de
trabalho, pela ajuda com o acervo, pela amizade e boas conversas sobre a
cermica e os estudos do Perodo Tardio.
Agradecimento especial a Dra. Ulla Holmquist e a equipe do Museo
Arqueolgico Rafael Larco Herrera pela recepo calorosa e acesso s
fotografias em alta resoluo do acervo Chim-Inca do museu. A Dra. Ulla,
agradeo pela compreenso, boa vontade e pelas indicaes e contribuiesdadas ao meu trabalho.
equipe do departamento de cermica do Museo Nacional de
Arqueologa, Antropologa e Histria del Per, ao Arquelogo Victor Hugo
Farfn que me acompanhou nas manhs e tardes de trabalho no museu. Em
especial, agradeo aos amigos Dr. Millano Trejo e Dr. Paco Merino pelas
conversas, amizade, compreenso, disponibilidade e esforo em ajudar um
jovem pesquisador.
Agradeo tambm ao Dr. Jean-Jacques Decoster pela autorizao a
pesquisa no Museo Casa Concha e o acesso ao catlogo do acervo que
contribuiu de maneira significativa a minha reflexo.
Um agradecimento especial a Arqueloga Eulgia Gonzales, diretora do
Museo Inka de Cusco pela gentileza, reconhecimento e pela autorizao dos
trabalhos na instituio e por emprestar seu prprio trabalho de catalogao do
acervo para uso em minha pesquisa. Agradeo tambm a equipe do museu, em
especial as amigas Telsia e Mary Luz pela recepo calorosa, colaborao e
amizade.
Por fim agradeo aos meus amigos de So Paulo em especial ao Daniel,
Carlos, Rafael, Ana Paula pela lealdade, amizade, risadas e alegrias que
compartilhamos nesses 16 anos juntos.
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ndice
Notas explicativas.......................................................................................................11
Apresentao..............................................................................................................14Introduo..................................................................................................................18
Chan Chan e o Reino Chim.......................................................................................22
Invaso Inca ao Reino de Chimor: antecedentes e consequncias da guerra Chimo-Inca..............................................................................................................................27
Tahuantinsuyu Inca.....................................................................................................31
Captulo I: Ideologia, poltica, sociedade e religio: princpios das cosmologiasnos Andes....................................................................................................................42
Cosmoviso e Sociedade nos Andes............................................................................54
Captulo II: Aspectos tericos, metodologia e descrio dos critrios de anlise do
material arqueolgico.................................................................................................65
O corpo de dados e as instituies de pesquisa............................................................69
Natureza dos dados.......................................................................................................71Atributos tcnicos e morfolgicos................................................................................73
Anlise do Material: Atributos diagnsticos para o reconhecimento dos estilos.........75
Atributos diagnsticos da cermica Inca......................................................................76
1- Aspectos diagnsticos do estilo Inca..........................................................772- Caractersticas da cermica tardia Pr-Inca na Costa Norte.......................813- Cermica Inca-provincial da Costa Norte ou Chim-Inca.........................83
Mtodo, critrios e resultados da anlise Iconogrfica................................................84
Categorias de anlise iconogrfica...............................................................................85
Grupos de anlise iconogrfica: Figuras de poder.......................................................87
Figuras de poder: subgrupos............................................................................89
Captulo III: Descrio e anlise das figuras de poder representadas na
iconografia Chim e Inca..........................................................................................92
Figuras de poder da Iconografia Chim......................................................................92Grupo 1.A: Figuras Antropomorfas com Atributos de Poder.........................94
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1- Figura Antropomorfa de Toucado Semilunar...941.1Senhor(es) dos Bastes96
2- Figura Antropomorfa de Toucado de duas-plumas..................993- Figura Antropomorfa de Toucado Bifurcado ou Deusa
Chim......................................................................................100
4- Outras Figuras Antropomorfas Costa Norte Tardio comAtributos de Poder..................................................................101
Grupo 1.B: Figuras Sobrenaturais..102
1- Animal Lunar.1022- Antropofitomorfos: milho antropomorfo...............................1043- Onda Antropomrfica............................................................1044- Antropozoomorfos: Escorpio antropomorfo........................1045- Tema da Pesca Mitolgica com Figuras
Antropozoomorfas..................................................................105
6- Antropozoomorfos: Divindade da Montanha ouAi Apaec.1067- Figuras Hbridas e Outras de carter sobrenatural.............108
Grupo 1.C: Figuras Zoomorfas com atributos de poder................................109
1- Aves com toucado semilunar.1092- Macaco com toucado semilunar.109
Grupo 2.A: Antropomorfos com atributos especficos..................................110
1- Antropomorfos com toucado Tipo A.....................................1112- Antropomorfos com toucado Tipo B.1113- Antropomorfos com toucado Tipo C.....................1114- Antropomorfo com toucado Tipo D......1125- Antropomorfo com toucado Tipo E......112
Grupo 2.B: Outras figuras Antropomorfas sem atributos definidos...............112
Sequncia cronolgica proposta para a iconografia Chim.......................................112
Comparao com Figuras de Poder da Iconografia Lambayeque..............................115
Aspectos Gerais da Iconografia Inca..........................................................................120
A representao de zoomorfos nos estilos Chim e Inca...........................................124
Antropomorfos e figuras de poder na iconografia Inca: Grupos de representao....125
Grupo 1.A: Figuras Antropomorfas com Atributos de Poder.........................127
1- Conjunto figuras de poder na iconografia Inca-Cusco...........1272- Conjunto Arbalos com representao de figuras antropomorfas
em pirmides...........................................................................1283- Conjunto arbalos com representao de figuras de toucado
semilunar e zoomorfos............................................................128
4- Figuras de poder em formas aribalides.................................129Grupo 1.B: Figuras com atributos sobrenaturais............................................132
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1- O Animal Lunar no Horizonte Tardio....................................1322- Conjunto Milho Antropomorfo..134
Grupo 1.C: Figuras zoomorfas com Atributos de Poder................................134
Grupo 2.A: Antropomorfos com atributos especficos...................................134
1- Figuras de Toucado Tipo 1 Inca: Pescadores no HorizonteTardio......................................................................................135
2- Figura de Toucado Tipo 2 Inca...1363- Figura de Toucado Tipo 3 Inca...1364- Figura de Toucado Tipo 4 Inca...1365- Figura de Toucado Tipo 5...1376- Figura de Toucado Tipo 6 Inca...1377- Figura de Toucado Tipo 7 Inca...1378- Figura de Toucado Tipo 8...138
9- Figuras com Toucado/Gargalo13810- Conjunto dos rostos aribalides da Costa Norte.....................138
Grupo 2.B: Outras figuras antropomorfas sem atributos definidos................139
1- Agricultores Inca.1392- Conjunto rostos no gargalo com pintura facial ......................1393- Conjunto rostos no gargalo sem pintura.................................1404- Outros exemplos para o Grupo 2.B........................................140
Comparao das figuras de poder e antropomorfos da iconografia da Costa Norte Incae Pr-Inca....................................................................................................................140
Relaes comparativas (tabela figuras de poder): Inca e Pr-Inca na Costa Norte....141
Captulo IV: A guerra dos Chancas, o culto ancestral e a religio oficial do
Estado....................................................................................................................143
O papel das guerras e a ascenso da elite guerreira para o desenvolvimento doEstado.....................................................................................................................146
Sobre a guerra dos Chancas...148
Reforma religiosa em Cusco: culto aInti e culto aHuiracocha................................152
O poder dasHuacas: relaes de poder e integrao ao sistema estatal....................160
Culto aIntino mbito provincial...............................................................................165
Dados gerais da religio Chim e aspectos da introduo do sistema incaico na CostaNorte...........................................................................................................................169
Consideraes Finais................................................................................................175
Fontes e Referncias Bibliogrficas........................................................................184
Anexo I..198
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Notas explicativas
Das citaes das fontes escritas analisadas e da bibliografia:
No texto as citaes bibliografias em ingls e espanhol foram traduzidas
para o portugus e mantidas no original em notas de rodap.
As citaes analisadas das fontes escritas foram mantidas no corpo do
texto no idioma e no formato original da verso consultada.
No corpo do texto mantemos o padro de citao bibliogrfica com ano
da edio utilizada.
No corpo do texto, para as fontes escritas consultadas mantemos o
padro de citao bibliogrfica com ambas as datas da edio consultada e o
ano de publicao do original (sempre que disponvel).
As interferncias do autor nas citaes literais do corpo do texto esto
entre colchetes [ ].
Das nomenclaturas e termos em Quchua:
Por no haver um consenso em relao a forma correta de escrever as
palavras em Quchua na bibliografia consultada procuramos sempre manter um
padro pr-determinado pelo autor. Por exemplo escolhemos padronizar com
HUI o nome Huiracocha (tambm, Viracocha, Wiracocha, Uiracocha...) no
texto, da mesma forma que mantemos Huaca e no guaca ou uaca (exceto para
citaes literais).
A palavra Pachacuti no nome do cronista Juan de Santa Cruz Pachacutifoi mantido diferente do governante Pachactec. A deciso foi tomada para
manter o original da citao bibliogrfica do autor na verso que consultamos.
Do uso das aspas () para conceitos tericos:
Por no aprofundar ou evitar um extenso debate terico sobre algumas
palavras utilizadas em nosso texto, resolvemos utilizar o entre aspas para
relativiza-los, por no encontrar palavras ou conceitos que se adequassem
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melhor a situao. Quando julgamos necessrio, foram colocadas notas de
rodap explicativas.
Da organizao do catlogo de fotos:
Foram publicadas no catlogo apenas as fotos autorizadas pelas
instituies museolgicas visitadas. O catlogo de fotos no apresenta todas as
peas observadas durante esta pesquisa e foi organizado com base e na
sequncia dos grupos de anlise estabelecidos durante o trabalho pela seleo
apresentada na discusso da dissertao. Apenas algumas peas consideradas
exemplos mais expressivos e fotos com a devida qualidade foram selecionadas
para o catlogo.
Em todas as legendas referenciamos as instituies de procedncia das
peas pelas abreviaturas apresentadas a seguir. Colocamos sempre que possvel
o cdigo de referncia das peas, j que no tivemos acesso a todas as
informaes em algumas das instituies pesquisadas. Essas ltimas so
referidas como: s/c (sem cdigo). A classificao/filiao estilstica das peas
nas legendas seguem o padro adotado pelos museus e entre parnteses
colocamos (?) em peas que julgamos importante questionar a classificao
adotada. Na legenda estabelecemos a autoria das fotos de acordo com a
procedncia: foto do pesquisador, foto cedida pela instituio, foto do catlogo
digital (retiradas da internet) e imagem retirada de publicao com a devida
referncia bibliogrfica.
Organizamos um ndice para o catlogo com base nos ttulos que
estabelecemos para a identificao de cada conjunto analisado.
Dada a falta de um padro para as tipologias adotadas pelos museus(jarro, vasilha, cntaro...) nos referimos a todos os artefatos como pea, vaso ou
vasilha, exceto os arbalos por julgarmos importante destaca-los.
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Abreviaturas de instituies citadas no texto e no catlogo:
MAE/USP:Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de So Paulo
MN-UFRJ:Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro
ML:Museo Arqueolgico Rafael Larco Herrera
MNAAHP:Museo Nacional de Arqueologia, Antropologia e Historia del Per
BCR:Museo Banco Central de Reserva del Per
MSP:Museo de Stio de Pachacamac
MB:Museo Arqueolgico Heinrich Brunning de Lambayeque
MTRS:Museo Tumbas Reales de Sipn
MSS:Museo de Stio de Sipn
MST:Museo de Stio de Tcume
MS:Museo Sicn Lambayeque
MHL:Museo de Stio da Huaca de la Luna
MC:Museo Arqueolgico Cassinelli
MAUNT:Museo Arqueolgico de la Universidad Nacional de Trujillo
MSCC:Museo de Sitio de Chan Chan
MCCMP:Museo Casa Concha Machu Picchu
MI:Museo Inka de Cusco
MCHAP:Museo Chileno de Arte Pre-Colombino
MMA:Metropolitan Museum of Art
MD:National Museum of Denmark
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APRESENTAO
Essa dissertao apresenta o mapeamento e a anlise de artefatos
cermicos arqueolgicos classificados como Inca e Chim os quais integram os
acervos de 20 instituies museolgicas nacionais e internacionais: Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de So Paulo, Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museo Tumbas Reales de Sipn,
Museo Nacional de Arqueologa, Antropologia e Histria del Per (Lima),
Museo Arqueolgico Rafael Larco Herrera, Museo Banco Central de Reserva
del Per, Museo de Stio de Pachacamac, Museo Arqueolgico Heinrich
Brunning de Lambayeque, Museo Sicn Lambayeque, Museo de Stio de Sipn,Museo de Stio de Tcume, Museo de Arqueologa de la Universidad Nacional
de Trujillo, Museo Arqueolgico Casinelli, Museo de Stio de Chan Chan,
Museo de Stio da Huaca de la Luna, Museo Casa Concha Machu Picchu,
Museo Inka de Cusco, Museo Chileno de arte pr-colombino, Metropolitan
Museum of Art, National Museum of Denmark1.
Essas instituies foram escolhidas pela amplitude de suas colees e
documentao referente, tendo sido catalogados 4278 artefatos que compem
nosso corpus documental. Outras fontes arqueolgicas, como artefatos
classificados como Mochica, Lambayeque e Huari foram observadas e, em
casos de extrema relevncia para o tema da pesquisa, incorporadas anlise. A
definio e interpretao dos conjuntos e exemplares cermicos que constam no
catlogo se deram a partir da identificao de atributos formais e iconogrficos
que pudessem contribuir anlise; esta voltou-se a responder nossa hiptese
inicial: teriam os Incas introduzido um controle sobre as temticas expressas nacermica ritual produzida nas regies por eles dominadas?
Apresentada inicialmente em nosso projeto de pesquisa, a questo acima
formulada derivou da observao de dois fatores que consideramos de grande
relevncia aos estudos Andinos: o primeiro deles consiste na particularidade da
cermica atribuda estilisticamente ao perodo de hegemonia incaica nos Andes
que apresenta uma tendncia a padronizao e simplificao das suas formas e
1National Danish Museum.
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especialmente a reduo de motivos iconogrficos associados esfera do poder
poltico/religioso, quando posta em comparao com o que tradicionalmente
visvel na cermica pr-Inca dos Andes Centrais na longa durao; Em segundo
lugar, dados acerca da expanso Inca contidos nas fontes etnohistricas dos
sculos XVI e XVII indicam a tenso entre o poder central dos grupos de poder
de Cusco amparados no culto religioso oficial do Estadoe o poder das chefias
locais incorporadas pela conquista, legitimadas pelas suas prprias prticas
religiosas e ancestralidade. Ainda os relatos exaltam o conflito interno e o
faccionalismo das diversas linhagens que integram esse poder centralizado
cusquenho que claramente influencia as relaes centro e periferia do domnio
territorial incaico nos sculos XV e XVI.
Como recorte espacial e cronolgico estabelecemos um foco no perodo
do domnio Inca em relao ao Reino de Chimor, na Costa Norte peruana, que
consequentemente possibilitou o surgimento da variao estilstica local da
cermica ritual da Costa Norte conhecida como Chim-Inca ou Inca-Chim;
estilo hbrido2, que em geral apresenta, por um lado, a predominncia de
aspectos da morfologia associada cultura Inca e, por outro, tais aspectos
aparecem combinados s tcnicas produtivas locais associadas cultura
Chim.
Como j apontado, optamos por contemplar alguns dados observados
em artefatos cermicos Mochica ou Moche, cultura que dominou a Costa
Norte Andina durante quase todo o primeiro milnio d.C., at a ascenso do
Reino de Chimor, para uma melhor compreenso contextual das transformaes
ocorridas na Costa Norte no perodo estudado. Os conjuntos cermicos
Mochicas foram objeto de importantes estudos iconogrficos, desenvolvidosdurante o sculo XX, sobretudo nas ltimas duas dcadas com os estudos de
Golte, Makowski, Donnan, Castillo, Benson, Quilter, Bourget, Alva, entre
outros de grande importncia. A bibliografia de referncia assim formada nos
ofereceu algumas ferramentas metodolgicas e referenciais tericos
fundamentais para o desenvolvimento do nosso trabalho. Incluir o debate
2Hbrido entendido como uma produo final que integra aspectos morfolgicos e iconogrficos
que compem ambos os estilos cermicos Chim e Inca, gerando um grupo reconhecvel porsuas particularidades estilsticas que permitem sua distino em relao ao estilo Chimanterior.
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promovido pela arqueologia do perodo Moche em nossas reflexes foi um
passo decisivo para alcanarmos uma anlise regional do processo de
desenvolvimento das relaes sociais, polticas e religiosas da Costa Norte, pela
perspectiva da longa durao proposta pelo Historiador Fernand Braudel em
seus trabalhos de 1949 e 1958.
Assim, nossa pesquisa buscou entender a presena ou ausncia de
atributos de promoo de aspectos polticos e religiosos expressos na
iconografia da cermicas Inca e Chim, por meio da comparao dos elementos
identitrios atribudos (na bibliografia e na classificao das colees
musealizadas) a cada grupo, bem como entender, a partir do referencial de
estudos da iconografia Moche, as rupturas e continuidades nos padresestilsticos da cermica ritual da Costa Norte, entre os perodos Intermedirio
Inicial (c. 200 a.C. a 600 d.C.) e o Horizonte Tardio (c. 1400 a 1532 d.C.) da
cronologia relativa proposta pelo arquelogo John Howland Rowe em 1960
(Lumbreras 1989: 13).
A dissertao est dividida em quatro captulos alm desta introduo.
O primeiro captulo oferece uma sntese que abarca os conceitos que permeiam
este trabalho, bem como informaes sobre a arqueologia e a histria dos Andesque julgamos importantes para situar a discusso dos dados de pesquisa que
sero apresentados no decorrer do trabalho.
O segundo captulo apresenta os referencias terico-metodolgicos
adotados na pesquisa. Nele, justifica-se tambm a definio dos recortes
escolhidos, com base nas questes incialmente propostas no projeto de pesquisa.
O terceiro captulo apresenta a anlise das cermicas arqueolgicas que
compem o corpusde dados da pesquisa. Apresentamos inicialmente a anlise
do material associado a Costa Norte Pr-incaica, seguido da anlise dos artefatos
do perodo de dominao Inca, tendo em vista a comparao entre ambos.
O quarto captulo trata da discusso relacionada temtica da religio
no Estado Inca e seu papel nos aspectos fundamentais do desenvolvimento
social e da expanso territorial conforme abordada na bibliografia de referncia
e nas fontes etnohistricas que foram analisadas neste trabalho. A reflexo parte
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de uma sntese comparativa dos dois primeiros captulos, propondo uma leitura
interdisciplinar das fontes arqueolgicas e histricas.
Por fim, apresentamos as consideraes finais acerca das concluses que
chegamos da relao entre os dados arqueolgicos e as fontes etnohistricasdiscutidos nos captulos anteriores.
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INTRODUO
Os estudos arqueolgicos sobre os Andes Centrais so geralmente
divididos a partir da paisagem, naturalmente marcada pelas reas de costa,
serra e montanha. De modo geral, apesar da dificuldade em se estabelecer
fronteiras precisas, essas reas so subdivididas em macrorregies.As da atual
costa peruana so definidas, na literatura acadmica, como: Costa Norte, Costa
Central e Costa Sul, desde o atual estado de Tumbes, ao Norte, at Tacna, no
extremo Sul. A Costa Norte peruana compreende uma rea de clima semirido
de aproximadamente 3.000 km de extenso, e que conecta-se s regies de
serra e montanha que interligam a costa cordilheira Andina e regio da
selva peruana (ver anexo 1 deste volume).
A ausncia de chuvas devido posio geogrfica da cordilheira
Andina faz com que essa regio seja seca e desrtica, apesar de receber relativa
umidade em decorrncia da proximidade com o litoral. A presena da fria
corrente martima de Humboldt e dos ventos do pacfico influencia
diretamente o clima quente e seco da costa, ao mesmo tempo que torna o ar
mais fresco (Benson 1972: 13).
A interao social entre os povos da costa, serra e selva observada
na cultura material arqueolgica, desde o Perodo Inicial3. Especialmente,
destacamos a presena de atributos da iconografia que expressam, do ponto de
vista da complementaridade, a importncia da relao entre os pisos
ecolgicos Andinos e das diferentes regies nas relaes de produo e troca
de produtos.
Diversos rios e seus afluentes provenientes do alto da cordilheira
Andina cortam a regio desrtica da Costa Norte do Peru. O desenvolvimento
remoto de canais de irrigao, ainda no segundo milnio a.C., transformou
essa rida regio num conjunto de vales frteis que possibilitaram o
desenvolvimento da agricultura pelos antigos povos da regio. A agricultura
intensiva, em conjunto com os ricos recursos martimos que acompanham a
3 O detalhamento da periodizao e cronologia adotadas pela arqueologia Andina pode serconsultado na tabela 1, apresentada no incio do primeiro captulo desta dissertao.
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corrente deHumboldt, foram fundamentais no apenas para o sustento das
populaes da costa, como para o desenvolvimento de grandes sistemas de
pesca, e tambm de produo txtil, alcanados a partir da domesticao e do
cultivo do algodo (Alva Meneses 2013; Arcuri 2013).
A agricultura incipiente desenvolvida pelas populaes do deserto,
somada a toda a biodiversidade da regio, exerceu grande influncia no
desenvolvimento social, poltico e cultural dos povos que ali viveram. Durante
o Perodo Inicial surgiram grandes centros de ocupao humana que erigiram
estruturas monumentais, tanto na costa quanto na regio serrana. Na Costa
Norte, o desenvolvimento de diversos estilos cermicos a partir do Perodo
Inicial caracterizou o que foi traduzido, pela pesquisa arqueolgica de cunhoHistrico-Culturalista, como indicativos de assinaturas ou fronteiras
culturais que expressavam, em ltima instncia, aspectos de relaes sociais
em escala local e regional.
Nos volumes do Handbook of South American Indiansorganizado por
Julian Steaward entre 1940-50 temos a grande referncia, de cunho Histrico-
Culturalista, ainda hoje adotada em muitas pesquisas arqueolgicasapesar de
duramente criticada ao longo dos anos nos estudos acerca da conformaopoltica das sociedades amerndias. Em termos evolucionistas, a obra apresenta
os conceitos de Bandos, Tribos, Cacicados e Estados como o modelo
evolucionista de complexificao social4. A lgica subentende maior ou menor
complexidade com base nos conceitos de primitivo e civilizado em funo
do desenvolvimento ou falta de atributos referentes aos recursos ambientais ou
4
A mesma lgica recai nas categorias entendidas como Macroregies ou Grandes reasCulturais da Amrica subdivididas entre Andes, Mesoamrica, Circuncaribe, Terras BaixasAmaznicas e Norte Amrica. Por filiao de certos atributos ou traos culturais em comumsurgem fronteiras imaginrias do ponto de vista territorial para dividir as reas de estudo emfuno da complexidade social dos povos que as constituem. Essa diviso criou para aAmrica do Sul uma oposio entre Terras Altas (Altas culturas e maior complexidade) e TerrasBaixas (Culturas incipientes e menor complexidade) com a cordilheira Andina como umafronteira natural. O princpio da organizao pautado pelas grandes reas trouxe quanto especializao de pesquisadores o benefcio do entendimento da existencia de diferenassubstanciais entre as populaes indgenas da Amrica que nos permite buscar abordagens mais
precisas para o entendimento interno dessas sociedades. No entanto, oferece a oportunidade doerro de no reconhecer o nvel de interao dessas sociedades e a fluidez das fronteiras culturaisque certamente se apresetam cada vez mais evidentes nos dados de pesquisa acerca das
sociedades amerndias. Dificulta o dilogo e muitas vezes oferece explicaes pautadas pelouniversalismo e o difusionismo como formas unilaterais de desenvolvimento ou mesmo deevoluodas sociedades humanas.
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grau de desenvolvimento tecnolgico, atributos esses que espelham uma seleo
arbitrria de referncias pautadas pelos estudos clssicos da Europa e Mdio
Oriente. O aporte terico sustenta-se especialmente das premissas difusionistas,
que buscaram nos centros de origem os elementos que possibilitariam os
processos de evoluo cultural.
Dentro desta mesma premissa, Julio Tello interpretou a difuso de um
estilo Chavn a partir de um centro de origem, em Chavn de Huantar, o que
levou definio posterior do Horizonte Inicial na arqueologia Andina
(Kauffman Doig 1969, Lumbreras 1989, Burger 1992, Isbell & Silverman
2006). Muitas vezes, o fenmeno foi interpretado como resultado de um culto
expansionista que difundiu seu sistema religioso por um amplo territrioconquistado. Com o refinamento dos estudos Andinos, cada vez mais busca-se
compreender este largo perodo pelas especificidades reproduzidas nos estilos
locais anteriores e contemporneos a Chavn; inclusive colocando em xeque a
questo quanto necessidade de um centro de origem para o desenvolvimento
cultural regional.
Outro exemplo interessante est na interpretao de Rafael Larco Hoyle
acerca da culturaMochica, entendida como consequncia de uma unidadepoltica centralizada, cujo centro de origem teria sido o Vale de Moche (onde se
encontram as estruturas monumentais dasHuacas del Sol y de la Luna). A partir
dal os Mochicas teriam expandido suas fronteiras. Esse centro, teria sido
governado por uma elite sacerdotal e guerreira, que atravs das atividades
blicas e da ideologia religiosa conquistou e influenciou os diversos vales da
Costa Norte (Castillo & Quilter 2010: 5).
Castillo (1994, 2006) identificou dois desenvolvimentos sociais distintos
no fenmeno cultural Mochica, entendidos como Mochica Norte e Mochica Sul.
De forma bem resumida, as evidncias materiais apontam que a regio Mochica
Sul tenderia a um Estadomais centralizado nos poderes dos Vales de Moche
e Chicama, enquanto a regio Mochica do Norte apresentaria uma evidente
fragmentao do ponto de vista poltico, desarticulada da regio Sul.
Ressaltamos o contexto das tumbas de Sipn no stio Huaca Rajada, que
demonstram o grau de autonomia de um centro poltico no Vale de Lambayequeem relao ao suposto ncleo de poder do Vale de Moche, onde o contexto das
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tumbas claramente associa seus governantes figuras de poder
poltico/religiosos figuras que expressam o topo da hierarquia na iconografia
Mochica.
Como visto nos estudos de Luis J. Castillo, Jeffrey Quilter, Brian Billman,Izumi Shimada, Rgulo Franco, Santiago Uceda, Steve Bourget, Jean-Franois
Millare, Claude Chapdelaine e Krzysztof Makowski, publicados em New
perspectives on Moche political organization (2010), o avano dos estudos
Mochicas em diversos stios arqueolgicos dos vales da Costa Norte oferecem
novas hipteses que complexificam as relaes de poder intra e inter vales
durante o perodo de hegemonia da cultura Mochica na regio.
Como resultado desses estudos, o processo de desenvolvimento desse
fenmeno Moche na Costa Norte no parece ter articulado todos os vales que a
constituem sob uma nica autoridade poltica; consequentemente, as diferenas
em cada vale ou mesmo em diversos setores de cada vale, sustentam as hipteses
sobre a ausncia de um poder poltico centralizado. Em outras palavras, uma
tendncia organizao de poderes locais articulados dentro de sistemas
socioculturais com maior ou menor grau de centralizao nas diferentes
localidades. Fala-se, atualmente, de EstadosMochicas articulados dentro deum fenmeno cultural, em detrimento de um EstadoMochica que resulte em
um fenmeno cultural (Castillo & Quilter 2010: 9-14; Arcuri 2013)5.
Do ponto de vista do desenvolvimento regional na longa durao,
curioso sinalizar que no Perodo Tardio os desenvolvimentos culturais Chim
(na regio Moche Sul) e Lambayeque (na regio Moche Norte) apresentam,
respectivamente, essas mesmas caractersticas de maior centralizao e maior
autonomia. No decorrer do tempo, o processo parece ter culminado na conquista
Chim do vale de Lambayeque, ultrapassando a antiga fronteira cultural
Mochica.
5Marcelo Campagno (2007, 2009) em sua discusso acerca da origem dos Estados apresenta aLista de Childe, ainda grande referncia para a conceituao do que define uma sociedadeestatal. O arquelogo australiano Gordon Childe definiu uma lista de dez indicadores quecaracterizam o que chamou de revoluo urbana (Campagno 2007: 9). Para Campagno, essa
lista pode ser dividida em atributos quantitativos e atributos qualitativos, onde os ltimos sochave para o entendimento da mudana no sistema social e econmico que possibilitam osurgimento de sociedades com Estado(Campagno 2007:9-11)
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Chan Chan e o Reino Chim
As crnicas de Calancha e do Annimo de Trujillo relatam que alm do
Oceano chegando sozinho em uma balsa no litoral do Vale de Moche um grande
senhor, Taycanamo, havia sido enviado a governar estas terras. Sendo aceitopelos locais iniciou a dinastia que culminou em um poderoso senhorio que
expandiu suas fronteiras no litoral peruano de Norte a Sul. Este teria sido o
incio do grande Reino de Chimor.
Na poca imediatamente anterior chegada dos espanhis os aspectos
estilsticos da materialidade deixada pelos povos que habitaram a Costa Norte
peruana, especialmente a cermica e os padres arquitetnicos definiram esse
conjunto cultural na cronologia arqueolgica como uma nica culturaChim. Os termos Chim e Chimo aparecem nos documentos coloniais
referindo-se ao antigo senhorio da Costa Norte peruana sediado no Vale de
Moche ou Vale de Chimo, conquistado pelos Incas antes do contato com os
espanhis. Segundo Gayosa & Vargas (2005: 152-153) as primeiras referncias
arqueolgicas cultura Chimresultaram das investigaes arqueolgicas de
Max Uhle, no Vale de Moche, em fins do sculo XIX e incio do XX.
Posteriormente, Alfred Kroeber, com base nas atribuies estilsticas da
cermica, dividiu cronologicamente o grupo de artefatos em trs unidades
estilsticas: Chim Temprano, Tiahuanaco e Chim Tardio. Desde ento, o
vocbulo Chim tem sido utilizado para referir-se especialmente ao conjunto da
cermica negra (aspecto obtido pelo emprego da tecnologia de queima
reduzida), que se difundiu pela Costa Norte peruana durante o perodo
Intermedirio Tardio.
Com os trabalhos de Rafael Larco Hoyle nos vales da Costa Norte, a
parte do conjunto anteriormente chamada de Chim Temprano ou Proto-Chim
foi organizada em cinco fases correspondentes ao que hoje se reconhece como
cultura Mochica. Os avanos dos estudos acerca do Horizonte Mdio fizeram
com que o estilo Tiahuanacide da Costa Norte fosse associado influncia
Huari de Ayacucho, em conjunto ao de outras culturas serranas (Mackey 1985).
A tendncia a uma cronologia composta em Chim Temprano, Chim Mdio e
Chim Tardio para o que seria propriamente Chim, apesar dos avanos e das
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propostas do estabelecimento de algumas fases6, ainda resulta confusa na
interpretao do registro arqueolgico, dada a falta de informaes especficas
de contexto de provenincia das peas, na maior parte das colees.
Os conhecimentos acerca do que consiste essa denominada cultura
Chim e de como foi organizada a sociedade em torno dela esto pautados
predominantemente pela arqueologia que tenta relacionar o contexto material s
poucas informaes conhecidas a partir das fontes coloniais.
De acordo com a bibliografia clssica, durante o Perodo Tardio passou-
se a produzir cermica em larga escala, graas ao uso massivo de moldes
(tcnica j empregada pelos Mochicas), paleteados e novos tipos de fornos,
gerando novos estilos decorativos tanto cerimoniais quanto domsticos na costa
como na serra. A cermica associada a Chan Chan se caracteriza pela
padronizao das formas: vasos escultricos com ala estribo, vasilhas de bojo
duplo com ala em ponte e garrafas com bojos globulares (Przadka-Giersz 2011:
329).
Assim, tornou-se comum caracterizar a cultura Chim por meio da
cermica de colorao negra (ou acinzentada), feita com o uso de moldes, para
produo massificada (Quiones 1988: 21). Apesar de consensual e vlida, esta
interpretao dos conjuntos cermicos necessita ateno e refinamento j que
resulta em muitos casos da filiao de artefatos cermicos a denominada
cultura Chim apenas pela colorao negra ou pela tcnica de produo, no
levando em considerao outros aspectos que constituem o conjunto estilstico.
Segundo Moseley (1992: 256) e Lumbreras (2000: 38), a maior ateno
da produo artstica de Chimor estava concentrada na produo metalrgica
em larga escala, complementada pela tecelagem, atividades de alto grau deespecializao onde, se supe a partir dos dados iconogrficos e
etnohistricos, a diviso do trabalho por gnero: metalurgia masculino e
tecelagem feminino (Topic 1982: 169).
6Amplamente debatido, aqui o conceito de fase reflete a complexidade da mudana de padresestilsticos (no apenas da cermica) que sugerem a filiao de artefatos a momentos
cronolgicos especficos por associao contextual. No entanto, destacamos a necessidade deflexibilizao do conceito, j que o mesmo ainda aplicado na arqueologia podendosubentender conceitualmente processos muito distintos.
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A produo especializada era sediada nos principais centros como Chan
Chan, diretamente associada ao controle das elites, a servio do Estado. Aps
a conquista Chim do vale de Lambayeque, segundo os dados das escavaes
do arquelogo Izumi Shimada em Batn Grande (que apresentaram longa
tradio na produo de artefatos em metal), a produo local foi restringida
fundio em lingotes de metal, produzidos para exportao, provavelmente para
serem enviados a Chan Chan, onde artesos trabalhavam na confeco dos
suntuosos artefatos em metal, sob tutela do Estado(Izumi Shimada 1994 apud
Silvia Cunha Lima 2010: 64).
Em Lambayeque e outros vales, segundo Lumbreras (1989: 187), os
Chim impuseram a nova dinastia reinante provavelmente depondo diversos
governantes locais. Entretanto, diversos estudos (Mackey 1987, Przadka-Giersz
2011, Kosckmieder 2011) indicam tambm a existncia de diversidade na
poltica e administrao das provncias o que significa que os Chims
permitiram, de alguma forma, a continuidade de prticas e sistemas de governo
sustentados nas linhagens autctones.
De acordo com a historiografia consultada, o Estado Chim,
apresentando um carter multicultural, foi constitudo por uma grande variedade
de populaes que falavam diferentes lnguas. Alguns pesquisadores como
Zevallos Quiones (1988) sustentam que os Chim teriam desenvolvido um
idioma prprio em relao ao Muchik, o Quingnam. Nesse caso, o Muchik seria
o idioma das populaes dos vales do Norte, como Lambayeque. Outros, em
desacordo, propem que ambos os idiomas eram contemporneos no momento
da chegada dos europeus, em regies distintas: o Quingnam era falado entre os
vales dos rios Santa e Pacasmayo e o Muchik desde o vale de Chicama at
Motupe, onde este ltimo seria o idioma do ncleo de desenvolvimento Chim(Millones 2008: 150). No entanto, consenso que havia uma grande variedade
lingustica no Reino de Chimor: Muchik, Quingnam, o idioma dos pescadores,
e outras lnguas Yungas7. Ainda na interpretao de Quiones (1988: 23), as
vrias formas de expresso lingustica sugerem certa falta de homogeneidade e
de suposta descentralizao no Reino de Chimor. Em contraponto, o autor cita
7De acordo com Miguel Cabello de Valboa (Cabello de Valboa 2011 [1586]: 385-386), Yunga um termo quchua que se refere regio quente e seca da costa peruana. O termo passou aidentificar de forma generalizante todas as populaes provenientes da costa.
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os Incas que, impunham a lngua geral, o Quchua aos povos conquistados,
inclusive levando os filhos dos curacas para Cusco, com o propsito de ensinar-
lhes o idioma8entre outros aspectos da cultura incaica.
Luis Guilhermo Lumbreras (2000: 37) define a sociedade Chim como
uma sociedade dividida em um sistema de classes ou castas (proposta muito
debatida na bibliografia clssica e atual). Dessa maneira, os grupos de
pescadores eram distintos dos grupos de agricultores e, talvez, constitussem
uma casta especfica (Lumbreras 2000: 50). De toda forma, os camponeses e
pescadores no viviam na cidade que era exclusivamente habitada pelos
governantes e as elites (Moseley 1992: 256). De acordo com Luis Millones
(2008: 149) agricultores e pescadores desenvolveram economias
interdependentes, o que sugere certa complexidade nas relaes
socioeconmicas com base no princpio da reciprocidade. J Lumbreras aponta
indcios de que os artesos e mercadores constituram um grupo muito
especfico dentro do campo popular, formando um setor socialmente
diferenciado, intermedirio entre as elites e o restante da populao (Lumbreras
2000: 51). Da mesma maneira, destacamos que possvel de se supor que as
diversas outras especializaes (ceramistas, ourives, etc) tambm ocupavam
posies distintas na estratigrafia social.
Sabe-se tambm que a rea residencial de Chan Chan9era constituda
por bairros em que as casas individuais foram agrupadas conjuntamente, em um
nico bloco, definido pela especializao da produo (Topic 1982: 168)10.
Nesse sentido, dentro de Chan Chan a vida urbana teria um carter por um lado
familiar/privado da vida domstica, e por outro coletivo, onde a organizao e
8
Em todo caso, importante destacar que supostamente os idiomas locais no foram proibidosno Tahuantinsuyu, o Quchua provavelmente foi adotado para facilitar a comunicao,primeiramente entre as elites locais e os senhores cusquenhos e depois como um processo dehomogeneizao cultural. Para o Reino Chim, no temos fontes suficientes para compreenderse houve este mesmo processo, se houve ou no a tentativa de homogeneizao ou mesmo seesses idiomas tinham estruturas prximas ou no.9Em Chan Chan foram identificados trs tipos de estruturas arquitetnicas que, segundo osestudos clssicos, correspondem a trs nveis da estratificao social na cultura Chim. Soesses: Small irregurlaly aglutinated rooms (SIAR)ou bairros relacionados populao emgeral; Elite Compounds, relacionados nobreza; e as Ciudadelas, estruturas de escalamonumental de acesso restrito com complexas e elaboradas formas arquitetnicas comumenteinterpretadas como palcios (Pillsbury 1995: 48). Complexos arquitetnicos altamente
planificados de carter poltico, administrativo e cerimonial bem como reas de depsito e
redistribuio de recursos (Canziani, 2010: 179-180), muitas vezes atribudas a diversas funescomo: residncias de elite e tambm como tumbas dos reis de Chimor (Moseley 1992: 259).10Talvez cada bairro constitusse um ncleo de parentesco.
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as atividades do trabalho se davam no espao comunal. Os dados arqueolgicos
tambm refletem uma lgica de organizao que associa as atividades de
produo especializada aos contextos prximos das Cidadelas.
As denominadas Ciudadelas11, so estruturas de escala monumental,
edifcios enclausurados cercados por altas muralhas de adobe que tinham acesso
restrito ao seu interior com complexas e elaboradas formas arquitetnicas
(Pillsbury, 1995: 48; Day 1982: 55-57). Alexandra M. Ulana Klymyshyn (1982)
interpreta que o acesso restrito e as muralhas das Cidadelas expressam um
abismo social e econmico entre duas classes principais: a realeza e o resto da
populao. Dessa forma, a interpretao dos dados arqueolgicos refletem uma
relao de controle/patrocnio das elites sobre os grupos de produo
especializados (assunto a ser brevemente discutido no segundo captulo),
reforando o carter hierrquico da sociedade.
Na anlise de Michael Moseley, os governantes Chim parecem ter sido
considerados seres divinos e o culto ancestral certamente perpetuou a reverncia
aos monarcas anteriores. Consequentemente, os aspectos relacionados religio
estavam de alguma forma vinculados organizao do Estado (Moseley
1982: 18). Luis G. Lumbreras prope o acirramento da estratificao social,
sugerindo inclusive a existncia de algum tipo de propriedade privada
operando no sistema econmico de Chimor (Lumbreras 2000: 41). No mesmo
sentido, Richard Keatinge afirma que a sociedade Chim era organizada dentro
de uma ordem social hierrquica, em que as elites exerciam absoluto controle
sobre a produo, a estocagem e a redistribuio dos bens produzidos (Keatinge
1982: 202).
A chamada cultura Chim, portanto, corresponde a um tipo de sociedade
com carter social estratificado, estruturada em grupos sociais de relaeshierarquizadas, operando de forma similar a um sistema de castas. As
informaes do perodo colonial, bem como as escavaes arqueolgicas,
sugerem pouca ou inexistente mobilidade social entre grupos da dinastia
reinante, das elites e das classes menos favorecidas. O seu sistema econmico
11Para Zevallos Quiones, o termo Ciudadela impropriamente atribudo s edificaes em
Chan Chan, j que o termo corresponde a denominao de um recinto fortificado, para umaguarnio militar (Quiones 1988: 32-36). Em outra publicao o pesquisador sugere que asCidadelas deveriam ser chamadas de complexos funerrios (Quiones 1998: 131).
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parece ter integrado certas formas de propriedade sobre a terra por parte das
linhagens governantes e do Estado, o qual teve capacidade para desenvolver
grandes projetos hidrulicos e uma rede muito complexa de intercmbio de bens
dentro do princpio da reciprocidade.
Invaso Inca ao Reino de Chimor: antecedentes e consequncias da guerra
Chimo-Inca
De acordo com Zevallos Quiones (1988): Chimor era o maior e mais
poderoso estado que competiu no Norte com a hegemonia cusquenha, e foi
conquistado pelos Incas em torno de 1470, caindo Chan Chan com todos os seusterritrios, sob o domnio serrano (Quiones 1998: 130)12.
A primeira evidncia histrica do conflito entre Chims e Incas ocorre
durante a invaso Inca de Cajarmaca, comandada por Cpac Yupanqui13. O
soberano Cusmanco de Cajamarca contou com o apoio das tropas de Chimor
para tentar resistir presso dos cusquenhos. Segundo a Miscelnia Antartica
de Miguel Cabello de Valboa:
Y habiendo de ellos algunas victorias, pas a guamachuco y de all aCajamarca, donde hall viva y alentada resistencia en el seor deaquella provincia llamado Cusmango Capac, el cual, como tuviesenueva de la venida de los Ingas de el Cusco y de bien guarnecidoejrcito que traan apellidaron toda la tierra y hicieron con los ChimoCapac, que tenan el imprio y seorio en los llanos arenales de el
Pir, desde Guarmei hasta Tumbez, que les proveyse de socorrocontra aquel poderoso y cruel enemigo. Y Chimo Capac, que deordinario tena gente en campaa, le provey de un mediano nmerode soldados, dndoles por capitn un animoso mancebo deudo suyo,que hizo en defesa de los caxamarcas suertes maravillosas. Mas alcabo fueron vencidos y la tierra tomada, y Cusmango muerto y puestoen su alcazr o fortaleza, presidio de parte de los Ingas como lotuvieron de costumbre hacer en las tierras que conquistaban. (Cabellode Valboa 2011 [1586]: 383-384).
12Chimor era el estado ms grande, ms poderoso, que competi en el Norte con la hegemoniaCuzquea, y fu conquistado por el Inca hacia 1470, cayendo Chan Chan con todos losterritrios que una vez reyera, bajo el domnio serrano (Quiones 1998: 130).13 Nas crnicas no h um consenso sobre quem era o governante Inca e os capites que
participaram nessa campanha. O nome Yupanqui aparece em diversos momentos nos relatosassociado a figuras distintas. Da leitura desses documentos, entendemos que possivelmente a
conquista do Reino de Cajamarca se deu em duas etapas distintas, ambas associadas a algummomento entre os reinados de Pachactec Inca Yupanqui e de Tupac Inca Yupanqui, anterior ainvaso ao Reino de Chimor.
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No h evidncias da subordinao ou vassalagem de Chimor a
Cajamarca ou vice-versa. Maria Rostworowski de Dez Canseco ressalta a
importncia dos canais de irrigao e do controle dos recursos hdricos dentroda relao de reciprocidade entre a costa e a serra (Rostworowski 1988: 301).
Talvez essa seja uma explicao para a compreenso de relaes polticas muito
mais antigas e complexas.
De toda forma, as informaes obtidas a partir da cultura material e dos
relatos dos cronistas coincidem em relao aliana poltica entre os Chim da
costa e as chefias serranas de Cajamarca e Huamachuco (Lumbreras 1989: 181-
182). Novas evidncias arqueolgicas tambm sugerem que as relaespolticas eram bem consolidadas entre a costa e a serra. Nas tumbas de elites de
Chornancap (stio arqueolgico lambayecano de Chotuna) assim como nas
escavaes dasHuacas del Sol y de la Lunaforam encontradas cermicas do
estilo Cajamarca, o que indica que talvez as relaes sejam ainda mais antigas,
ou ao menos muito intensas no perodo Chim14.
No h uma preciso cronolgica para a conquista Inca do Reino de
Chimor. Michael Moseley, como a maioria dos pesquisadores, estima que tenha
ocorrido entre 1460-1470 d.C. (Moseley 1992: 248). As fontes etnohistricas
consultadas apresentam verses diferentes sobre os fatos e personagens.
Cada cronista nos oferece um relato especfico sobre a guerra Chimo-
Inca, de acordo com os objetivos de suas prprias obras. Alguns oferecem um
relato mais detalhado da guerra, outros apenas citam Chimor como mais uma
das conquistas atribudas a um determinado governante. O padre Bernab Cobo,
em uma narrativa de carter mais geral sobre as diversas conquistas do Inca
Pachactec, rapidamente cita Chimo Cpac e a guerra em Chimor:
O cacique deste ltimo [Vale de Chimo] era muito poderoso,e recusou-se a render-se ao Inca antes de lutar e serderrotado, como foi. Tendo ganho tantas ilustres vitrias, oque levou alguns anos, o rei [Pachactec] retornou a sua
14 Particularmente no sabemos se o contexto intrusivo do Perodo Tardio, ou se contemporneo ao Intermedirio Inicial ou Horizonte Mdio. Mesmo assim o dado serve aonosso propsito.
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corte, rica pelos esplios e muito mais homenagiado erespeitado [...] (Cobo 1983 [1653]: 139).15
Miguel Cabello de Valboa, em seu relato, expressa a intensidade do conflito:
[...] fueron a Caxamarca y hallaron sus soldados en buenaorden y por el Inga y en su obediencia, la tierra, aunquehaban sido molestados muchas veces de los indios Yungas[...], porque en el valle de Chimo estaba un importunocontendor de sus disinios llamado Chimo Capac, no menos
poderoso en la tierra de los llanos que eran los Ingas en lastierras serranas. Contra la pujanza de este valeroso reyChimo Capac envi Topa Inga una buena parte de su ejrcito
y bajando por la tierra de los guamachucos llegaron a losllanos y tuvieron grandes contiendas los Cuscos y los de
Chimo, y no sabr contarlas por estenso por haber prescriptode las memorias de los que hoy viven y por la poca curiosidadde nuestros espaoles, que no se les ha dado cosa ninguna por
saber los antigos sucesos de estas gentes [...]Mas sbese pormuy cierto que las armas de los ingas pusieron en rebanto alos de el ancho y espacioso valle de Chimo y tuvieronatemorizados a sus moradores, y hartos das encerradosdetrs de sus empinados paredones. [] pasaron a la tierraregada por el ro Pacazmayo y turbaron todos aquellos valles[] (Cabello de Valboa 2011 [1568]: 385-386).
Como causas do conflito, o expansionismo incaico em busca de novas
terras parece ser a principal explicao contida na historiografia consultada. No
entanto, tambm so comuns as referncias ao processo relativamente pacfico
que caracterizou a conquista Inca de algumas regies, fruto de uma negociao
entre os Incas e curacas locais interessados na queda dos Chims. Dessa
maneira, Incas e Ychmas formaram uma aliana militar com o propsito de
atacar e derrotar o grande adversrio do norte de Chimor (Moseley 1992:
246).16Com efeito os Incas apoiaram o revanchismo e revolta dos senhores
locais que:
[...] se mostraban muy enemigos del poderoso Chim los doscuracas, el de Pachacmac y el de Runahunac, porque en
15The cacique of this last one [vale de Chimo] was very powerful, and he refused to surrenderto the Inca before fighting and being defeated, as he was. Having won so many and suchillustruous victories, which took some years, the king [Pachactec] returned to his court, whichwas rich with plunder and much more honored and respected [] (Cobo 1983 [1653]: 139).
16 Inca and the Ichma formed a military aliance for purpose of atacking and defeating theirgreat northern adversary of Chimor (Moseley 1992: 246).
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tiempos atrs, antes de los Incas, tuvo guerra cruel con ellossobre los trminos y los pastos y sobre hacerse esclavos unosa otros, y los traa avasallados. Y al presente, con el poder del
Inca, queran vengarse de los agravios y ventajas recibidas[] (De la Vega 2004 [1608]:462).
Aos poucos os Incas venceram a resistncia Chim, em cada vale, at
que Chim Cpac, supostamente pressionado pela sua corte, aceita os termos
para sua rendio. Na verso de Garsilaso de la Vega, a guerra sangrenta teria
terminado em uma negociao muito moderada e pacfica em que:
El bravo Chim, domado ya de su altivez y soberbia, pareciante el prncipe con otra tanta humildad y sumisin, y,derribndose por tierra, le ador y repiti la misma splica
que con su embajador haba enviado. El prncipe, por sacarlede la afliccin que mostraba, lo recibi amorosamente;mand a dos capitanes que lo levantasen del suelo, y,habindolo odo, le dijo que le perdonaba todo lo pasado ymucho ms que hubiera hecho; que no haba ido a su tierra aquitarle su estado y seoro, sino mejorarle en su idolatra,leyes y costumbres, y, que en confirmacin de lo que deca, siChim tema haber perdido su estado, le haca merced y
gracia de l, para que lo poseyese con toda la seguridad, conque echados por tierra sus dolos, figuras de peces y animales,adorasen al Sol y sirviesen al Inca, su padre [] respondi
[Chimo Cpac] diciendo que el mayor dolor que tena era nohaber obedecido la palabra de tal seor luego que la oy. []
llorara en su corazn toda su vida, y en lo dems cumpliracon mucho amor y voluntad lo que el Inca le mandase, as enla religin como en las costumbres (De la Vega 2004 [1608]:466).
J a narrativa do cronista Juan Santa Cruz Pachacuti sugere que a
submisso de ambos os Reinos de Cajamarca e Chimor aos Incas teria sido
pacfica destituda de conflitos militares:
[] [Pachactec Yupanqui] parte para el pueblo de laprovincia de Chimo, en donde hallo el Chimo Cpac y a QuiruTome (curaca de esa provincia de los yungas) y un dolo yhuaca, los cuales le dan todo cuanto es menester ofrecindolevasallaje. Lo mismo hace en Cajamarca el Psar Cpac,curaca de toda esa provincia. (Pachacuti 1995 [1630]: 65)
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Pacfica ou no, a incorporao do Reino de Chimor ao Tahuantinsuyu
Inca gerou algumas transformaes em escala local. Com a vitria dos Incas,
todas as fontes consultadas sugerem a continuidade da dinastia Chim no poder,
mantendo em funcionamento muitos aspectos da organizao poltica do novo
Reino conquistado. Entretanto, Chim Cpac Minchanzaman levado a Cusco
como prisioneiro e supostamente aceito como membro na corte cusquenha.
Zevallos Quiones (1988) cita um documento annimo e narra o sucedido:
El Inka llamado Topa Yupanqui lleg desde el Cusco con ungran ejrcito de hombres armados y conquisto toda la costa yse hizo seor de toda la tierra de Minchacaman, matando amuchos ndios y llevando el oro y plata y muchas cosas quetenia. l hizo el ms grande dao en ese valle de Chimor por
la resistncia que encontro, y se llev a Michacaman al Cuscodonde lo cas con una de sus hijas. Desde que haba oido deque Minchacaman tena um hijo llamado ChumunCaur y que
residia en el valle de Guaru con su madre quin era una damade ese valle llamado Chanquir Guan Guan, l le mand llamar
y le orden de ir y de governar esa tierra en lugar de su padreMinchacaman que murri en el Cusco. (Quiones 1988: 16-17).
Na interpretao de Michael Moseley (1992: 250) e Zevallos Quiones
(1993: 132) sendo Minchanzaman derrotado pelos Incas e levado para Cusco, oseu herdeiro instalado pelos cusquenhos como um governante ttere (puppet)
e seus herdeiros governaram sob tutela incaica at a invaso espanhola (Moseley
1992: 250). Forma de legitimar a dominao estrangeira, a mesma prtica
ocorreu no perodo da conquista espanhola quando Francisco Pizarro aceitou
Manco Inca como herdeiro legtimo do Tahuantinsuyu, sob sua tutela a servio
do Rei da Espanha.
TahuantinsuyuInca:
Com a chegada dos espanhis na Amrica do Sul na costa do atual
Equador no primeiro quarto do sculo XVI, o mundo ocidental conheceu o
Tahuantinsuyu17, nome dado aos espanhis pelos informantes nativos, referente
17Termo traduzido pelos primeiros cronistas europeus como O imprio das quatro regies.
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ao domnio poltico/territorial, onde os Incas (filhos do Sol) eram os soberanos.
No apenas a abundncia de metais e pedras preciosas atraiu os olhos dos
conquistadores espanhis que adentraram as terras Andinas. A
monumentalidade, a infraestrutura, a riqueza e as complexas organizaes
sociais Andinas, entre outros aspectos, causaram grande impacto sobre os
primeiros cronistas que tentaram retratar o que viram nos Andes naquele
momento histrico. A partir desse conjunto, logo criou-se a imagem dos Incas
como uma grande civilizao e oTahuantinsuyucomo um grande Imprio
sustentado no poder centralizado na figura do Sapa Incacomo imperador.
Esses cronistas18dos sculos XVI e XVII, na tentativa de compreender
e mesmo classificar o domnio Incaico nos Andes procuraram estabelecerrelaes e comparaes com a sua prpria realidade ocidental, e suas razes no
antigo Imprio Romano. Em palavras de Sabine McCormack: Para os europeus
do sculo XVI, o Imprio par excellencehavia sido Roma, e [portanto] Roma
era o grande referencial que vinha a suas mentes ao tentarem descrever e
compreender as realizaes Incaicas (McCormack 2001: 420)19. Dessa
maneira, os antecedentes romanos e a tradio europeia foram a direo para o
registro e as explicaes da histria e dos diversos aspectos da sociedade Inca.
Inmeras so as conceituaes e as caractersticas para estabelecer o que
um Imprio. Dentre muitos exemplos, os historiadores Jacques Le Goff e Jean
Claude Schimtt (2002) no Dicionrio temtico do ocidente medieval
conceituaram a palavra Imprio (da sua origem do latim Imperium)
relacionando o termo coroa do antigo Imprio Romano do Ocidente sob tutela
da Igreja catlica na Alta Idade Mdia20.
18Durante a discusso dos dados trataremos com maior profundidade as questes em torno doolhar dos cronistas e do uso de suas obras como fontes de pesquisa.19For Europeans of the sixteenth century, the empire par excellence was that of Rome, andRome was therefore the yardstick that came to mind when trying to describe and comprehendthe achievement of the Incas (McCormack 2001: 420).20Atravs da aliana de Carlos Magno, rei dos Francos, com a Igreja de Roma sob o ttulo de
protetor da Igreja e do papado, o papa Leo III coroa o rei Franco como o legtimo imperador(no sentido de herdeiro do Imprio Romano). Legitimada pela Doao de Constantino queconsiste na diviso do mundo e do poder sobre o mundo (ao soldado o poder temporal e aosacerdote o poder espiritual), a interveno pontifcia fazia do rei dos Francos um imperadorCristo e dava-lhe uma autoridade suplementar e o ttulo de Imperador. A mesma coroa do
imprio atravs da linhagem de Carlos Magno deu origem ao Sacro Imprio Romano Germnicoonde a fronteira do Imprio e do poder do imperador oscilava em funo de um complexocontexto poltico religioso. Posteriormente, Napoleo Bonaparte deu origem ao Imprio Francs
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Em seu texto sobre a expanso Huari nos Andes Katharina Schreiber se
utiliza do termo Imprio afirmando que: Imprios so estados que se
expandem, no geral rapidamente, e pelo menos em seu incio pela conquista.
So subcontinentais em tamanho e tem sua populao em milhes. Controlam
zonas ecolgicas distintas e so diversos culturalmente; e se organizam de forma
a lidar com essas diferenas. Tm uma administrao central; se suportam pela
extrao de tributos ou pagamento de taxas. Imprios mantm exrcitos de
prontido. Imprios mantm sua soberania sobre todas as populaes e
territrios de seu Reino (Schreiber 2001: 71)21. A mesma autora ainda sugere
que Imprios desenvolvem um estilo prprio de cultura material (Schreiber
2001: 72)22.
Apresentamos no texto dois conceitos muito diferentes para o mesmo
termo (imprio). Dependendo dos referenciais tericos e conceituais podemos
descart-los, utiliz-los ou tentar adequ-los ao nosso objeto de pesquisa23. A
prpria denominao, Tahuantinsuyu (como o complexo conceito de diviso
espacial que apresentamos anteriormente), ao menos para ns pesquisadores do
sculo XX-XXI, necessariamente no expressa a sua complexidade do ponto de
vista social, poltico, religioso etc, necessitando, portanto, sempre de uma
explicao que d conta das suas especificidades. Em todo caso, por
acreditarmos na necessidade de abarcar essas especificidades temos optado por
utilizar o termo Tahuantinsuyupara referir-se ao domnio territorial/poltico dos
Incas, em conjunto com o termo Estado Inca, para referir ao modelo
poltico/religioso, social e econmico.
quando em sua cerimnia de coroao retirou a coroa da mo do Papa Pio VII, se autointitulandoImperador, consequentemente retirando a autoridade da Igreja catlica de Roma.21Empires are states that expand, usually rapidly, and at least initially by conquest. Empiresare subcontinental in size and have a population of millions. Empires control diverse ecozones,and they are diverse culturally; they are organized to handle this diversity. Empires have centraladministrations; they support themselves through the extraction of tribute or the payment oftaxes. Empires maintain standing armies. Empires maintain sovereignty over all people andterritory in their realms (Schreiber 2001: 71).22Empires develop their own styles of material culture [...] (Schreiber 2001: 72).23Do ponto de vista terico, dentro do primeiro conceito impossvel encaixar os Incas comoImprio, j que os imprios so aqueles herdeiros de Roma. No segundo, seria possvel encaix-
los como um imprio visto que o conceito expressa um tipo de sistema de dominao quepartilha de uma srie de conjunturas e deixa seus traos na materialidade muitos presentes nocaso inca (apesar das especificidades).
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Michael Moseley, em The Incas and Their Ancestrors,define que o
termo Inca se refere apenas a um pequeno grupo de parentesco, com menos de
40.000 indivduos, que construiu um grande estado, pela fora das armas
(Moseley 1992:9)24. De forma geral, ainda hoje as referncias aos Incas muitas
vezes aparecem atribuindo o termo a uma etnia especfica, ou ao grupo cultural
que ocupava grande parte da regio Andina no momento da chegada dos
espanhis. Nessa pesquisa, trabalhamos com a ideia de que os Incas estariam
mais prximos de ser uma linhagem dinstica que se constituiu no poder e se
ampliou atravs de uma complexa relao social de casamentos e alianas
pautada por relaes de parentesco com base em cosmogonias e por aspectos
sociais estruturais pr-existentes nas sociedades Andinas.
Jerry D. Moore (2004) afirma que os Incas criaram um sistema de
linhagem hierrquica de parentesco para todo o Tahuantinsuyu. A complexa
linhagem dinstica Inca, baseada nas relaes de parentesco colocava os
membros descendentes do Sapa Inca no topo; em seguida vinham os Incas
membros da dinastia, unidos pelos laos consanguneos e pelo matrimnio, logo
abaixo desses osIncas de privilgio(segundo o autor, aqueles que ganhavam o
direito de pertencer linhagem) e, no fim dessa rede de parentesco, estavam as
populaes ligadas aos ayllus25Incas do vale de Cusco, seguidos da populao
dos ayllusdas diversas regies dos territrios conquistados26. Assim, os Incas
puderam organizar o que passou a ser a estrutura social do Estado(Moore
2004: 95-96). Em funo disso, puderam organizar a tributao dos recursos e
do trabalho da sua populao, bem como estabelecer as funes administrativas
e os privilgios dos membros da linhagem incaica e das elites incorporadas ao
Tahuantinsuyu27.
24[...] the term Inca refers only to a small group of kindred, les than 40.000 individuals, whobuilt a great Andean state by force of arms, and who ruled as the realms governing nobility. (Moseley 1992:9).25O ayllu definido como um tipo de agrupamento social constitudo como unidade poltica, formado
por indivduos relacionados por laos consanguneos (Moseley 1992, Espinoza 1997, Bauer 1992,Rostworowski 1983, 1988 e Murra 1989)26Tal hierarquia foi marcada pelas funes sociais dos indivduos em conjunto com o uso deobjetos de prestgio e acesso a locais e prticas institudas para grupos sociais especficos.Dentro de uma configurao hierarquica, o uso de diferentes vestimentas e atributos de podereram permitidos apenas a membros de grupos especficos.
27Com a prtica da mita e a realocao das comunidades desestruturando os laos de parentescoe ancestralidade locais, o discurso incaico de uma ampla rede de parentesco com eles no topose fazia mais eficiente.
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Do ponto de vista dos mitos de origem, a linhagem se inicia com as
diversas verses do mito dos irmosAyar onde da regio do Lago Titicaca ou,
em outras verses, das cavernas de Tampu T`oqoa sudeste do rio Huantanay,
surgiram quatro casais. Quatro irmos e quatro irms (unidos por laos
matrimoniais consanguneos), os quais representariam a origem de inmeras
etnias Andinas. Manco Cpac acompanhado de sua esposa-irm Mama Occlo,
ao chegar regio do vale de Cusco, finca seu cajado na terra, funda a cidade
de Cusco, estabelece uma famlia, deixa seus descendentes e depois se
transforma em uma pedra e passa a ser venerado como um dos mais sagrados
objetos, ou huaca, dos Incas28.
Muitos acontecimentos durante a jornada dos irmos e aps a fundaode Cusco assim como sua influncia poltica no vale marcam algumas relaes
e fatos histricos que sob o nosso olhar acabam por justificar posteriormente a
situao do Tahuantinsuyu em seu apogeu. Da pesquisadores tendem a
interpretar muitos aspectos das narrativas mticas como construes que advm
da necessidade Inca de justificar sua situao poltica, como apario tardia
em diversas regies por eles conquistadas.
Segundo Brian S. Bauer: A regio imediatamente em torno do Vale deCusco [...] foi ocupada por inmeros grupos tnicos que foram absorvidos pelo
estado Inca durante o perodo inicial da formao do estado (Bauer 1992: 1)29.
O autor sugere que os Incas, em algum momento durante o Perodo
Intermedirio Tardio, se estabeleceram como um grande poder poltico que
submeteu os diversos grupos da regio ao seu domnio.
Segundo a historiografia, as diferenas nos estilos cermicos do Vale de
Cusco apontam para certa diversidade tnica na regio. Um dos estilos
cermicos caracterstico, muito difundido pela regio de Cusco, o estilo
Qotakalli, cujo surgimento datado,aproximadamente, em 340 d.C. Segundo
28Como citamos anteriormente, difcil estabelecer uma diferenciao entre os dados histrico-arqueolgicos e os mitos, e mesmo a existncia histrica de Manco Cpac e outros personagenscontidos nas diversas narrativas mticas recuperadas pelos cronistas espanhis atravs dosrelatos dos naturais. difcil precisar se os incas originalmente pertencem ao Vale de Cusco ouquando chegaram (e de onde) depois de um processo de migrao at se assentaremdefinitivamente na regio.
29The region immediately surronding the Valley of Cuzco, the Cuzco region, was occupiedby a number of different ethnic groups that were absorved into the Inca state during the earlyperiod of state formation (Bauer 1992:1).
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Bauer e Jones (2011), durante o Horizonte Mdio a regio de Cusco estava
submetida esfera de influncia do Imprio Huari. Estudos apontam que
durante este perodo a cermica Qotakalli continuou sendo produzida. Em
conjunto, foram encontrados no vale alm de outros estilos prprios da regio,
alguns de produo local fortemente influenciados pela tradio Huari de
Ayacucho, bem como estilos associados a possvel importao provenientes de
outras regies30(Bauer & Jones 2011: 128-132).
Diversos exemplos de cermica Huari possivelmenteimportada tm sido registrados no stio Huari de Pikillacta31e em outros da regio cusquenha. De fato, anlises deativao de nutrons [] tm comprovado que estas foram
produzidas dentro do ncleo territorial Huari e
posteriormente importadas at a regio de Cusco (Bauer &Jones 2011: 129)32.
Os limitados conhecimentos arqueolgicos (no Intermedirio Tardio)
que temos hoje do perodo inicial da culturaInca conhecido como perodo
pr-imperial ou mesmo perodo Quilque33 (em torno de 1000-1400 d.C. com
base em um estilo cermico e traos arquitetnicos rudimentares) revelam que,
no contexto do domnio incaico (1400 d.C. em diante no Horizonte Tardio),foram promovidas mudanas na arquitetura, no urbanismo e na paisagem local.
Com base em DAltroy, sabemos que esses stios apresentam, ainda, sinais de
algum tipo de integrao regional presente entre fins do sculo XIV e incio do
XV (do nosso ponto de vista possivelmente resqucios ou influncias das
relaes polticas das culturas Huari e Tiahuanaco no Horizonte Mdio entre
600-900 d.C.), bem como indcios de uma certa ausncia de conflitos presentes
nas evidncias arqueolgicas de reas distantes entre 40 e 50km de Cusco.
30Segundo Bauer e Jones (2011) foram encontrados na regio de Cusco artefatos com traosdos estilos Chakipampa, Okros, Viaque, Huamanga e Robles Moco associados regio deAyacucho.31Segundo Michael Moseley era um grande centro administrativo Huari na regio de Cusco queserviu como zona residencial e de estoque de recursos (Moseley 1992 : 243).32Varios ejemplos de alfarera Wari posiblemente importada se han registrado en el sitio Waride Pikillacta y en otros de la regin cusquea. De hecho, anlisis de activacin neutrnica []han comprobado que stas fueron producidas dentro del ncleo territorial Wari y posteriormenteimportadas hasta la regin de Cuzco (Bauer & Jones 2011: 129).
33Michael Moseley atribui a fundao da cidade de Cusco ao perodo Quilque (Moseley 1992 :244).
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Muitos desses stios so pequenos, apesar de alguns com tamanho e
caractersticas que indicam a emergncia de algum tipo de hierarquia (D`Altroy
2001: 207).
Os padres de assentamento, bem como a ausncia de estruturasdefensivas entre fins do Horizonte Mdio e o incio do Intermedirio Tardio,
segundo Michael Moseley, indicam que de alguma forma o Vale de Cusco
usufrua de uma situao poltica j bem consolidada em um perodo anterior,
com poder suficiente para ameaar seus vizinhos (Moseley 1992: 244).
De forma geral, como atesta Franklin Pease, provavelmente durante o
perodo inicial do desenvolvimento do EstadoInca a organizao poltica dos
cusquenhos estivesse pautada pela autoridade de Sinchis (chefes guerreiros)
apoiados por um conselho local de ancies dos ayllus relacionados a partir das
metadesHananeHurine dos laos de parentesco (Pease 1972: 19).
J o incio do chamado perodo Imperial, de acordo com os relatos dos
cronistas, estimado em aproximadamente 1438 d.C., a partir da fuga de Cusco
de Huiracocha Inca e seu designado herdeiro, Inca Urco, durante uma ameaa
de invaso (no episdio conhecido pela historiografia como Guerra dos
Chancas)34. Nesse momento, um dos filhos mais novos do Sapa Inca, Cusi
Yupanqui ou Inca Yupanqui organiza as defesas de Cusco formando alianas
com outros grupos da regio. Segundo os relatos, o jovem ajudado por foras
sobrenaturais e os pururaucas (guerreiros de pedra), obtm vitria contra os
Chancas em uma batalha decisiva, posteriormente empreendendo uma
campanha em direo ao corao do domnio dos Chancas35. Em seguida,
Yupanqui aclamado e mesmo contra a vontade de seu pai se torna seu sucessor
com o nome de Pachactec Inca Yupanqui36. Desde ento, segundo os cronistas,
Pachactec durante seu reinado teria subjugado no apenas os tradicionais
inimigos de Cusco como tambm iniciado o processo de grande expanso
34Em outras verses, da fuga de Yahuar Hucac Inca como veremos mais adiante.35 Diferentes verses apontam para uma ordem cronolgica diferenciada das conquistas dePachactec. Sobre o assunto ver Pachactec de Maria Rostworowski Diez Canseco, 1953(Rostworowski, 2006 : 156-7).36O termo Pachacuti ou Pachactec em Quchua se refere a grandes mudanas num amplo
sentido cosmolgico em que opostos complementares invertem sua posio trazendo grandestransformaes. Ao assumir Pachactec em seu nome, o Inca passa a ser reconhecido nos relatosposteriores como o grande transformador.
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territorial do Tahuantinsuyuno Sul/Sudeste das terras altas peruanas na regio
do Titicaca (D`Altroy 2001: 207). Concomitantemente, o Inca teria estabelecido
um novo calendrio, leis, tributos, rituais, cargos administrativos e estabelecido
uma grande reforma administrativa e urbanstica, incluindo a organizao social
do espao entre as metades Hanan e Hurin para Cusco e todo o territrio
conquistado37. Apesar da variedade e da falta de preciso dos relatos, a
historiografia clssica assume a conquista da Costa Norte ao reinado de Tupac
Inca Yupanqui, um dos filhos do Inca Pachactec38.
Dado o carter cultural e tnico heterognio do Tahuantinsuyu, as
conquistas vieram acompanhadas de um processo gradual de exerccio do poder,
onde os Incas elaboraram um sistema burocrtico e administrativo para ocontrole do seu territrio. Segundo Moseley, A variao lingustica era
formidvel e incompatvel com uma administrao centralizada. Desta forma,
uma lngua oficial foi imposta Runa Simi, uma verso do Quchua como
lngua franca e meio de comunicao governamental.39(Moseley 1992: 10).
Alm de adotar um idioma comum, para dar conta de administrar os
novos territrios conquistados, os Incas criaram novos centros administrativos
em diversas provncias conquistadas; aproveitando e reestruturando muitasobras de infraestrutura pr-existentes (Rostworowski 2000:178).
Os Incas instituram nos territrios conquistados um modelo de diviso
de terras destinando parcelas entre os habitantes dos aylluse as chefias locais,
tambm, parcelas destinadas ao culto ao Sol e ao Sapa Inca, onde as populaes
produziam dentro de um modelo rotativo de organizao do trabalho. Dessa
forma, parte da produo do ayllu, dedicada s terras do Sol, era destinada a
suprir as necessidades dos templos do Sol, dos tributos s huacas, rituais e festas
religiosas. Pequen