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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOCENTRO DE ARTES E COMUNICAODEPARTAMENTO DE MSICA

ALUNO: Ericson CavalcantiPROFESSORA: Luciana Cmara

FICHAMENTO

TESE DE MESTRADO: Pereira, Mayra. "Do Cravo ao Pianoforte no Rio de Janeiro, Um Estudo Documental e Organolgico". UFRJ, Rio de Janeiro, 2005. Captulo 2.

Captulo 2 - Cronologia e aspectos organolgicosObviamente a primeira escola construtiva a merecer destaque a de cravos e pianos portugueses, no pela sua importncia no panorama da fabricao dos mesmos, mas pela posio deste pas como colonizador do Brasil e certamente, pela influncia e permanncia de seus instrumentos de teclado na cidade carioca. (p. 35)2.1 - Cravo e Pianoforte PortuguesesDesde o sec. XVI, Lisboa j possua muitas oficinas de construo e, com o estmulo dos membros da corte e amplo interesse de msicos profissionais e amadores, a manufatura de cravos e clavicrdios foi se estabilizando fortemente ao longo dos anos, culminando no precoce conhecimento do pianoforte no meio musical portugus por volta dos anos 1730 e nas oficinas de construo, com intensa atividade, em meados de 1760. (p. 36)No entanto, apesar da longa e comprovada atividade de construtores de instrumentos de tecla em Portugal at sec. XVIII, como Henrique van Cateel, Joaquim Jos Antunes, Manuel Antunes, Manuel ngelo Villa e Mathias Bostem, entre outros, sabe-se que muitos instrumentos, sobretudo cravos, foram importados de outros pases. O motivo da importao era a insatisfao dos msicos profissionais frente a pouca variedade de recurso oferecida pelos exemplares nacionais. (p. 36)Outra importante especificidade apresentada pelos instrumentos portugueses foi o aumento de sua extenso em meados do sec. XVIII que, mais rpido do que em outras regies da Europa, modificou-se de d1-r5 para sol1-sol5, ou seja, expandiu-se de 51 para 56 notas. Alm disso, possuam tambm uma pesada construo interna de seu corpo assim como alguns exemplares demonstravam, em sua aparncia exterior, a influncia do mobilirio ingls. (p. 37) interessante ressaltar que as composies musicais ibricas para teclado deste perodo eram executveis tanto no clavicrdio quanto no cravo ou orgo, sem perda alguma de suas caractersticas estticas ou sonoras. (p. 38)A partir de 1707, com a subida de D. Joo V ao trono, a sociedade e a cultura portuguesa iniciaram um processo de mudana profunda. (...) A preocupaes musicais do rei voltaram-se para a reformulao da prtica musical da Capela Real, cujo modelo pretendia seguir ao da Capela do Papa. Para isso, muitos msicos estrangeiros foram contratados e foi tambm criada uma estrutura pedaggica voltada para a formao de msicos portugueses. A oferta de salrios vultuosos e o esforo investido para a contratao de msicos para a Capela Real, sobretudo italianos, atraiu muitos cantores e instrumentistas, destacando-se entre eles Domenico Scarlatti (1685-1757), cuja relevncia para a histria dos instrumentos de tecla portugueses inquestionvel.O tecladista chegou a Portugal em fins do ano de 1719 para exercer as funes de professor de cravo e mestre da capela real portuguesa, estabelecendo-se no pas at 1729. (p. 38)Assim verifica-se ainda que nos anos 1730 o pianoforte possivelmente j era bem conhecido na corte lisboeta. Mesmo sendo muito importado de outros pases, sua ascenso como instrumento central da produo musical portuguesa deu-se rapidamente e, por volta de 1760, a construo dos mesmos j estava intensamente cultivada. Infelizmente no se conservou nenhum piano anterior a esta data, provavelmente devido ao terremoto que avassalou Lisboa em 1755. Entretanto, esta destruio pode ter sido tambm em outro fator a estimular os construtores locais a fabricar novos instrumentos nos anos seguintes. (p. 39)(...) Outra caracterstica evidente nos pianos portugueses era o fato de alguns de seus exemplares no serem novos instrumentos construdos, ou seja, eram instrumentos antigos modificados. Tratavam-se simplesmente de cravos transformados em pianos. (p. 41)Um importante aspecto a ser destacado em relao tradio de instrumentos de tecla portugueses que, mesmo o pianoforte tendo alcanado precocemente um aposio de evidncia, o cravo ainda continuou a ser manufaturado por muitos anos; ou seja, ambos os instrumentos coexistiram durante muito tempo na vida musical portuguesa. (p. 42)2.2 - Pianoforte AlemoAssim como em Portugal, a regio germnica teve um precoce conhecimento a respeito do invento de Cristofori, certamente antes dos anos de 1730. No entanto, os alemes no s foram os precursores de uma influente escola construtiva baseada diretamente na tradio de construo florentina, como foram responsveis pelo desenvolvimento de um sistema mecnico completamente novo, o qual dominou a escola alem at o sculo XIX. (p. 42)O primeiro a manufaturar pianos na Alemanha foi o conceituado construtor de rgos e cravos Gottfried Silbermann que, a parir da traduo germnica de J. Mattheson do artigo de S. Maffei em 1725, iniciou seus trabalhos por volta de 1730. Seus instrumentos possuam o mesmo formato de cauda e a mesma ao dos italianos e foram oferecidos por ele prprio a Johann Sebastian Bach, o qual os desaprovou devido ao toque pesado e fraca sonoridade dos agudos.Assim, na dcada seguinte, Silbermann desenvolveu melhorias em seus instrumentos adicionando hand stops ou chaves manuais para levantar os abafadores do soprano e baixo e um dispositivo para fazer deslizar as laterais do teclado, possibilitando que estas golpeassem somente uma corda das duas estabelecidas para cada nota. Frederico II da Prssia adquiriu alguns destes instrumentos e os mostrou novamente para J. S. Bach, quando este visitava Potsdam em 1747, que ento os aprovou completamente. (p. 43)Aps a segunda metade do sculo XVIII, houve um declnio na produo dos pianos germnicos segundo o mecanismo de Cristofori. Entretanto, alguns construtores rumaram para o desenvolvimento de um instrumento baseado no formato e mecanismo do clavicrdio e no mais nos do cravo, visto que esta era uma das nicas regies que ainda o estimava. Surgia ento a Prellmechanik, ao aparentemente atribuda apenas aos modelos de mesa, muito utilizada pelo construtor alemo Johann Andreas Stein (1728-1792) de Augsburgo. (p. 44-45)(...) Alm disso, a sonoridade caracterstica de um piano com Prellmechanik bem suave e seu toque extremamente leve - cerca de 12 a 20 gramas. (p. 45-46)Em meados de 1780, tal construtor desenvolveu ainda mais a Prellmechanik, a qual se afastou severamente da trabalhada por Stein, passando a se chamar 'mecnica vienense' a partir do sculo XIX. (...) Ambas as aes eram suscetveis de grande expressividade e variao dinmica, mas a de Walter era capaz de produzir maior volume. (p. 47-48)Tanto os pianos de calda quanto os de mesa possuam um ou mais dispositivos para modificar o a 'cor' do timbre, conhecidos com stops ou registros. (p. 48)At ento, havia aproximadamente 60 ativos construtores em Viena (...)Em 1800, as muitas tendncias caractersticas dos pianofortes da primeira metade do sculo XIX j eram totalmente perceptveis. A extenso dos instrumentos germnicos e austracos foi expandida, assim como a estrutura da caixa tornou-se mais pesada para acomodar o crescimento do tamanho do instrumento e a grossura das cordas. Consequentemente, a cabea dos martelos, por ser a responsvel por golpear o espesso encordoamento, tambm teve sua dimenso sensivelmente aumentada e sua forma modificada. (p. 49)Alm disso, as cores das teclas foram alteradas para tons claros nas notas naturais e escuros nos sustenidos, como verificado nos pianos modernos. O nmero de mutaes tambm aumentou e as joelheiras foram substitudas pelos pedais, provavelmente pelos anos 1810. (p. 50)Por volta de 1820, os tpicos pianos de cauda vienenses mediam aproximadamente 2,3 metros de comprimento e 1,25 metros de largura, possuam extenso de seis ou seis oitavas e meias e o nmero de pedais variava de dois a seis. Alm disso, novos formatos de instrumento ganhavam evidncia por economizarem espao e para fins de decorao. Em estilo vertical encontra-se o Giraffe e o Pyramid, e em forma retangular destacam-se p Nhtisch e o Orphica. (p. 50-51)(...) A busca pelo aumento do volume fez com que se voltasse ateno para elementos estruturais como o tampo harmnico, visto que os instrumentos precisavam sustentar o constante crescimento da tenso da corda. (p. 51)2.3 - Pianoforte InglsO interesse dos ingleses pelo pianoforte foi tardio e apenas impulsionado de forma bastante significativa nos anos de 1760. A chegada de J. C. Bach em Londres, em 1763, para exercer o cargo de mestre de msica de ento Rainha da Inglaterra foi certamente o maior estmulo para o desenvolvimento do instrumento na regio. (p. 52)Existem, contudo, fontes documentais de poca que indicam a presena de alguns exemplares italianos e germnicos em Londres entre os anos de 1730-1760. (...) Tais instrumentos encantaram os ouvintes pela sua sonoridade, mas eram severamente limitados pela pobre repetio de notas. (p. 52)O exemplar mais antigo sobrevivente do piano de mesa de Zumpe datado de 1766. Por dcadas este formato de instrumento foi o mais popular para uso domstico em toda a Europa e Amrica do Norte devido ao seu tamanho compacto (reduzidas dimenses do corpo e extenso do teclado de 58 notas), boa repetio, baixo preo (cerca de um tero do valor de um cravo novo) e um timbre doce. (p. 53)At ento, os pianos ingleses caracterizavam-se por este som delicado, o que refletia a suavidade de um instrumento de ainda poucos recursos e com uma extenso que variava de cinco a cinco oitavas e meia. A caixa do instrumento era totalmente estruturada em madeira, as cordas eram duplas e mais tensas e espessas que as do cravo ou clavicrdio e os martelos eram muito pequenos, inteiramente constitudos de madeira e revestido com leves camadas de pele. O acionamento de recursos sonoros extras, como os abafadores, era feito sempre atravs de chaves manuais. (p. 53-54)Ainda em fins do sculo XVIII, o construtor alemo de cravos Americus Backers (1763-1778) apresentou em uma exibio em Londres um novo invento de Forte Piano, considerado um antecessor direto do piano de cauda moderno. Apesar de sua aparncia semelhante ao cravo Kirckman, suas caractersticas mecnicas representavam avanado nvel de desenvolvimento da ao inglesa e a introduo de dois pedais frontais - o da esquerda, una corda, e o da direita, de sustentao - configuravam o estabelecimento de um formato padro para os instrumentos modernos. (p. 54)As caractersticas do piano suave de cinco ou cinco oitavas e meia do sculo XVIII deram lugar a uma potente mquina de sete oitavas. (p. 56)Em 1806 encontravam-se cordas medindo 0,5 mm de espessura e em 1823 esta medida foi elevada para 0,66 mm. Sua tenso, que progressivamente j havia aumentado, passava a crescer de forma implacvel. Enquanto o d3 empregava 10kg em 1801, em 1815 equivalia 15kg e em 1825, 24kg. O peso dos martelos, obviamente relacionados com a grossura das cordas e que influenciava diretamente no peso do toque, tambm elevou: para o mesmo d3 utilizam-se 34gr em 1800 e 80gr em 1860. Consequentemente a profundidade do toque foi alterada: de 7.5mm at 1810 para 9mm em 1845. (p. 56-57)2.4 - Pianoforte FrancsAt meados do sc. XVIII, o cravo exerceu total influncia no repertrio e na performance em instrumentos de teclado na Frana. Desta forma, os primeiros pianofortes franceses, datados do incio do sculo, foram escassos se comparados com o nmero de cravos existentes e, assim como na Inglaterra, a reao de receptividade tambm foi lenta e tardia. (p. 58)Todavia, evidncias indicam que alguns instrumentos hbridos foram criados sem xito e exibidos na Acadmie des Sciences. O primeiro foi o clavecin maillets de Jean Marius, cujos esboos apresentados em 1716 geraram muitos questionamentos. Um outro apresentado 43 anos mais tarde foi igualmente interrogado, Tratava-se de um cravo contendo os saltarelos convencionais juntamente com a ao de martelos, elaborado por Weltman. Uma combinao de piano e rgo, fabricada por Adrien l'Epine, foi exposta em 1772. Pascal Taskim, em 1787, mostrou seu curioso piano no qual os saltarelos responsveis pelo golpe dos martelos nas cordas so fixados nos prprios martelos e no nas teclas. (p. 59)(...) Porm, tal construtor comea a dar indcios de novas concepes tcnicas introduzindo, primeiramente, algumas mutaes extras nos pedais a partir da incluso de um moderador e um buff stop. (p. 60)Deste modo, em 1808 Erard inventa uma mecnica prpria - mecnisme trier - a qual possua uma repetio de notas fcil e rpida graas a um escape duplo. Uma nova patente foi registrada em 1821 cujo foco principal foi, novamente, a repetio. "Esta, com somente poucas modificaes, fornece a base da ao de todos os pianos de cauda modernos" e caracteriza-se pelo fato de que para se repetir as notas no necessrio um retorno total das teclas para sua posio original. (p. 60)Os construtores franceses, ao contrrio dos ingleses, foram os que mais trabalharam para o aprimoramento deste sistema de repetio de notas. Tal soluo foi, certamente, a mais bem sucedida para minimizao dos problemas advindos de um toque mais profundo e pesado dos primeiros pianofortes. (p. 61)(...) Alm disso, para aumentar o volume do som destes instrumentos, empregou-se encordoamento triplo ao invs de cordas duplas mais fortes como preferido na Inglaterra. (p. 61)Os tpicos pianos de cauda franceses at 1803 - sendo eles o buff stop, o de sustentao, o moderador e o una corda. J os de mesa possuam em geral uma basson stop, "cujo som sussurrado acrescentou impulso rtmico para a msica de dana". A partir de 1830, estabeleceram-se para os pianos o uso de somente dois pedais: o de sustentao e o una corda. (p. 62)Em 1828, o construtor Jean Henri Pape (1789-1875) idealizou uma nova disposio para as cordas do pouco difundido piano vertical com o intuito de reduzir sua altura que at ento era muito grande. Provavelmente no alcanou muito xito e voltou-se para a reformulao de um outro desenho de piano tambm pouco conhecido, o de console. Neste, compactou sua forma de maneira a perder sonoridade e confiana na ao. Sendo assim, a forma alternativa mais popular para uso domstico foi, dos anos de 1835 a a860, o pianino. (p. 63)2.5 - Comentrios sobre as escolas tratadasOs pianofortes constitudo em Portugal, Alemanha, Inglaterra e Frana assemelham-se pelo fato de que se basearam, de maneira direta ou indireta, na tradio florentina. Portugueses, alemes e ingleses partiram da ao de Cristofori e ambos, apesar de algumas modificaes dos traos originais - em Portugal diferenciaes morfolgicas e na Inglaterra, na prpria mecnica originando a ao inglesa -, mantiveram-se na mesma linha construtiva. J os alemes e os franceses, aps a construo dos primeiros pianos regidos diretamente pelas normas cristoforianas, rapidamente se encarregaram de elaborar novos sistemas mecnicos - Prellmechanik e mecnica vienense na regio germnica e ao com duplo escape na Frana -, os quais se distanciaram severamente daquele italiano. (p. 64)(...) parece que os portugueses pouco fizeram em relao adio de novidades na construo dos pianofortes. (...) e mesmo no alcanando a superioridade tcnica das outras escolas tratadas, a escola portuguesa manteve sim uma tradio nacional. (p. 64)(...) Evidncias convergem para um precoce conhecimento e at interesse por parte dos portugueses sobre os pianos antigos - a ligao entre Scarlatti e Lisboa e a oferta das Sonatas de Giustini a um membro da corte (...). (p. 64-65) importante ressaltar ainda que, a tradio portuguesa na construo de instrumentos de tecla e cordas tambm compreende a manufatura de cravos, os quais foram tambm fortemente influenciados pela escola italiana, no apresentando significativas modificaes estruturais, a no ser o uso de madeiras exticas e preciosas. (p. 65)


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