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Page 1: Falta de Educação

Goiânia,7 de abril de 2011

XINGA4.A

A expressão nasceu e se espalhoudepois que um vídeo na internetmostrou fãs revoltados com ocancelamento de um show da banda

Restart em abril de 2010 em SãoPaulo. Em tom de ameaça, os fãsadolescentes raivosos falaram queiriam “xingar muito no Twitter”.

QUINTA-FEIRA

RenatoQueiroz

Foi preciso estômago forte para fre-quentarasredessociaisnaúltimasema-na. A polêmica em torno das declara-çõesdodeputado federal JairBolsona-ro (PP-RJ), consideradas por muitoshomofóbicas e racistas, mexeu com osânimos dos internautas e transformouas redes sociais, em geral, e o Twitter,em particular, em ringue virtual. Xinga-mentos e impropérios discriminatóriosde todos os lados – pró e contra Bolso-naro – congestionaram a internet. Xin-gar muito no Twitter – por mais débilque a expressão possa parecer – pare-ce ter virado realmente esporte nacio-nal.

Nãoéaprimeira vezquea tempera-tura sobe nas redes sociais e a educa-çãoevapora.Naseleiçõesde2010,ata-quesemsériepela internetaoprofissio-nalismo, à credibilidade e à honorabili-dade principalmente dos candidatos(masnãosódeles)derammostradeco-mo a agressividade consegue caber di-reitinhoem140caracteres.

O episódio recente envolvendo acantora Maria Bethânia, por conta daautorização,peloMinistériodaCultura,dacaptaçãoviaLeiRouanetdemaisdeR$ 1 milhão para um blog de poesia daartista,easameaçasdemorteaodepu-tado federal gay Jean Wyllys (PSOL-RJ),emvirtudedeseuprojetodeleiquecriminaliza a homofobia, também ser-vemdeexemplosrecentesparaofenô-meno que não chega a surpreender oprofessor Marco Bonito, pesquisadoremciberculturadaUniversidadeFede-raldoPampa.

“Asredessociaissãoespelhosdaso-ciedade e da sua humanidade. O Twit-terapenasdocumentae registraumre-trato do pensamento das pessoas na-

quele momento”, acredita o pesquisa-dor.A verdade é que não se pode igno-rar a febre que o Twitter, rede social detroca de mensagens curtas com maisde 10 milhões de usuários brasileiros,tem provocado na geração que seguedescobrindo e redescobrindo as mara-vilhas e o lado sombrio da internet.Grande parte dos usuários escreve nasredessociaiscoisasquenavidareal tal-vez não tivessem coragem de dizer pu-blicamente.

IMPUNIDADE

A ilusão de que se pode divulgar oquebementender,prejudicandooutraspessoas, e ficar impune, protegido peloanonimatooupeladistânciadocontatovirtual, aumenta a coragem dos agres-sores. “Muitos acreditam que seus co-mentários ficarão apenas reservadosnas redes em que participam e outros

acreditam que a internet é realmenteuma terra sem lei. A imagem virtual ésempre mais forte do que a física parasuportar críticas e agressões”, explicaThiago Akira Ogura, especialista emmarketingdigital.

Para ele, os usuários das redes so-ciais ainda não perceberam a real di-mensãoqueumsimplescomentárionarede pode alcançar. “A insatisfação du-rante um mal-atendimento, uma brigacom o namorado ou as provocaçõespor desentendimento no mundo real eaté mesmo no virtual tornam o Twitterumapoderosaválvuladeescape.”

Thiago observa que o lado bom dofenômeno está ligado aos direitos doconsumidor. Clientes insatisfeitos comos serviços de algumas empresas tor-nampúblico,através da internet, aquilo

que antes era reservado apenas a umprotocolo de ligação ou a e-mails aoServiço de Atendimento ao Consumi-dor (SAC).A instantaneidade eopoderdemobilizaçãodasredessociaismuda-ram o relacionamento das empresascomosclientes.

Mas uma coisa é reclamar e opinar,aoutraédifamar,caluniar,ofendereex-porsemconstrangimentoposiçõespre-conceituosas e discriminatórias. Paraevitaresse tipo de agressão, a arquitetaLuanaAraujo, de 26anos, tem cuidadoredobrado ao publicar opiniões e infor-maçõessobreavidapessoal. “Na inter-net, você vira uma vidraça e nem sem-pre sabe de onde vêm as pedras. Evitopostar coisas sobre minha vida pessoale, se me sentir ofendida por alguém, te-nhoaopçãodebloquear”,explica.

COM ÂNIMOS CADA VEZ MAIS EXALTADOS,

USUÁRIOS DAS REDES SOCIAIS TRANSFORMAM

A INTERNET EM RINGUE VIRTUAL, ONDE

OFENSAS E IMPROPÉRIOS SE MULTIPLICAM

Uma das coisas mais interessan-tesnoTwitter talvezsejaasensaçãoque ele gera de aproximar pessoasque em condições normais de rela-ção face a face dificilmente teriamcondiçõessequerde trocarumapa-lavra.HugoGloss,umadaspersona-lidades mais famosas do Twitter(são mais de 500 mil seguidores dopersonagem criado pelo roteiristaBruno Rocha), lamenta que muitasvezes essa sensação de proximida-de, em especial com as celebrida-des,sejautilizadaparaagressões.

“Atrás de um computador, todomundo é valente e acha que podefalar o que bem entender. Paramim, o xingamento na internet éapenasumaformadechamaraten-ção. Muitas vezes as pessoas sóquerem ser notadas e xingam, pa-ra,quandovocêresponder,elaspe-direm desculpa e dizerem que eraapenasumaformadechamaraten-ção. Costumo ignorar e bloquear.Não sou obrigado a aguentar faltade educação de gente carente. Irpara o psicólogo ninguém quer,né?”, ironizaHugoGloss.

Claro que nem sempre é possí-vel pedir desculpas e voltar atrássem arcar com as consequências,inclusive jurídicas. Em novembrode 2010, a estudante de DireitoMayara Petruso responsabilizouosnordestinospelavitóriadapresi-denteDilmaRousseff (PT)naselei-ções. “Nordestino não é gente. Fa-ça um favor a SP: mate um nordes-tinoafogado!”, publicoua estudan-tenomicroblog.Adeclaraçãocau-sou polêmica entre os internautas:alguns se posicionaram contra e,outros, a favor. A explosão de ódioaos nordestinos nas redes sociaisenvergonhou o País. No fim dascontas, a estudante foi demitida doescritóriodeadvocacianoqual tra-balhava.

TERRASEM LEI

Legalmente,ausuáriaficousujei-ta à acusação de crime de discrimi-nação em meio de comunicação,que prevê pena de dois a cincoanosdereclusãoemulta,semdirei-toa fiança,ede incitaçãoaoatocri-minoso (no caso, homicídio), compena de três a seis meses de cadeiamais uma multa. “As pessoas acre-ditam que a internet é uma terrasemlei,masnãoé.Apesardacarên-ciadeumalegislaçãoespecíficapa-ra os crimes virtuais, qualquer pes-soaquesesentirofendidapodebus-car seusdireitos”, explicaHenriqueTibúrcio, presidente da Ordem dosAdvogados do Brasil – SeçãoGoiás(OAB-GO).

Usuário das redes sociais,Tibúrcio lembra que a fofoca e amaledicência são esportes pratica-dos por quase todas as culturas,mas a amplificação de um comen-tário maldoso, uma calúnia, injúriaou difamação nas redes sociais épassível de punição. “As pessoasusam as redes sociais sem muitocontrole. Fazer um comentário nu-ma roda de cinco, seis amigos éumacoisa.Publicaralgoquemilha-res de pessoas vão ler é outra bemdiferente”,compara.

O grande desafio dos legislado-res é encontrar um meio termo quepreserve o direito à liberdade de ex-pressão,pilaressencialdademocra-cia.Atarefanãoédasmaisfáceis.

‘Atrás docomputador,todo mundoé valente’

‘XINGARMUITONOTWITTER’

O Twitter é um espaço público easpessoassesentemedefatosãoou-vidas. Para o psiquiatra Isaac Efraim,xingar no Twitter também é desaba-far, angariar solidariedade, arranjaropositores, discutir, mas acima de tu-do se fazer ouvir. “Xingar, reclamarnoTwitteréumacatarse,ondesebo-taosentimentoprafora,ondeseéou-vido,percebido,acompanhadoesoli-darizado.Alémdissosublimaaagres-sividade,oqueémuitobom,bemme-

lhor xingar no Twitter do que sairagredindo fisicamente por ai”, defen-de. O psiquiatra, porém, acredita queé preciso ter muito cuidado com oque se escreve. Ele lembra que nãosãorarasconsequênciasgraves–co-mo a demissão, por exemplo – porcausa de comentários indevidos nasredessociais.

Parte da explosão de ódio nas re-des sociais pode ser produto do am-bienteondeessaspessoasvivem.Se-gundo a psicanalista Carmen Bruderosagressoressão,normalmente,pes-soas condicionadas ao comporta-mento social de sua família, de ami-gosedaescola.“Estamosemumtem-poem que os valores humanos estãomuito diminuídos. A sociedade, que

sofriapressãoparaterhonra,dignida-de e palavra, deu lugar à sociedadeem que os fins justificam os meios”,explica. É muito provável que quemagride ou expões sentimentos pouconobres na internet tenha esse tipo deconversa na vida privada com pes-soaspróximaseachenormal.

Carmem compara a relação decomportamento das pessoas nas re-dessociaiscomaqueelas têmcomocarnaval, época do ano em que seconvencionou acreditar que “tudo épermitido”.“Muitasvezesessesusuá-rios fazem ou dizem coisas na inter-net, avalizadas pelo coletivo, que nãofariam ou diriam normalmente na vi-da cotidiana.” Diante do anonimatoou fortalecido pelo grupo, as pessoas

tendem a se considerar autorizadas ainfringir as normas de convívio. Exporsentimentos como racismo ou homo-fobianaredesetornaria“legítimo”por-queumaparceladasociedadetempre-disposiçãoparaouvir,lere“retuitar”es-setipodediscurso.

A psicanalista, também usuária dasredes sociais, lembra que, no caso doTwitter, ele tem a imensa capacidadedetornar-nos“íntimos”semcontatofí-sico e de repercutir rapidamente. “Apalavra escrita tem um grande valor.Quando as pessoas trocavam cartas,todo mundo relia, pesava as coloca-ções,revisavaereescreviaparatercer-teza de ser bem compreendido.” Ain-dafaltanasredessociaisessetipodere-flexãoantesdeapertarobotãopostar.

Brizza Cavalcante/ Ag. Câmara

Formade catarse

AarquitetaLuanaAraújo, 26anos, usuária doTwitter: “Evitopostar coisas sobreminhavidapessoal”

#faltadeeducação

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