Excelentíssimo Senhor MinistroLUÍS ROBERTO BARROSOPresidenteTribunal Superior Eleitoral Brasília - DF
Edital de Consulta Pública nº 1/2020. Impactos da Pandemia da COVID-19.Emergência decorrente da pandemia de coronavírus que exige oisolamento/distanciamento social e o afastamento do trabalho presencial.
SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL NO
ESTADO DE SÃO PAULO – SINTRAJUD, entidade sindical devidamente registrada
e reconhecida nos termos da Constituição Federal, inscrita no CNPJ sob nº
01.202.841/0001-44, sediada na Rua Antônio de Godoi, nº 88 – 16º andar, Centro,
São Paulo/SP, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, no exercício
de suas atribuições constitucionalmente asseguradas, em vista da publicação do
Edital de Consulta Pública nº 01/2020, encaminhar, tempestivamente, as presentes
CONTRIBUIÇÕES SOBRE OS IMPACTOS DA PANDEMIA DA COVID-19 NAS
ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2020, conforme razões a seguir descritas.
1. INTRODUÇÃO
A Entidade Sindical, acima nominada, devidamente reconhecida conforme
prevê a legislação vigente, atua na defesa dos interesses da categoria dos servidores
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públicos federais vinculados ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo e
dirige a presente manifestação com vistas a preservar a saúde e vida destes(as)
trabalhadores(as) e de toda a população envolvida no processo eleitoral.
É fato amplamente conhecido que o mundo vive um surto pandêmico, que está
causando milhares de óbitos. Segundo o Ministério da Saúde, o coronavírus (COVID-
19) é uma família de vírus, altamente contagiosa, que causa infecções respiratórias,
cujos principais sintomas são febre, tosse e dificuldade de respirar. Sua disseminação
ocorre pelo ar ou de pessoa para pessoa, isto é, a contaminação se dá por gotículas
respiratórias ou contato próximo (cerca de 1 metro da pessoa infectada).1
Como o vírus é altamente contagioso, dentre as medidas de prevenção está a
restrição de circulação, o que diminui o contato pessoal, que é o principal vetor de
transmissão. Não foi por outro motivo que a totalidade dos países que foram atingidos
pela epidemia adotaram medidas de isolamento social, tendo em vista que ainda não
existem tratamentos que se mostrem efetivos ou vacinas já validadas, de forma que o
distanciamento é o único enfrentamento eficaz à doença.
O Tribunal Superior Eleitoral, assim como as Cortes Regionais, ciosos de suas
responsabilidades, editaram, logo no início da detecção dos problemas decorrentes
do coronavírus, atos normativos que estabeleceram medidas quanto ao
funcionamento de suas unidades, de modo a fixar o trabalho remoto aos(às)
servidores(as) e a suspensão das atividades presenciais.
Toda a construção normativa que determinou o trabalho remoto e suspensão
das atividades presenciais, não só nesse Órgão, mas em todas as unidades
vinculadas ao Poder Judiciário, se valeu das diretrizes da OMS, que declarou crise
pandêmica, assim como das orientações das autoridades sanitárias, que indicam a
necessidade de evitar contaminações em grande escala, com máxima redução de
risco às pessoas.
1 https://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/coronavirus/sobre-a-doenca#casossuspeito
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A recomendação da OMS para conter o contágio é justamente o
isolamento/distanciamento social2, que, conforme evidências científicas, é capaz de
achatar a curva numérica de pessoas infectadas, fazendo com que haja um menor
número de infectados em curto espaço de tempo3.
Nesta linha, desde o início do ano, vimos as seguintes medidas adotadas em
face da pandemia: em 3 de fevereiro, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº
188/GM/MS, declarou emergência em saúde pública de importância nacional e, no
mesmo mês, apresentou o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana
pelo novo coronavírus; em 6 de fevereiro, editou-se a Lei nº 13.979, dispondo sobre
as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus; em 11 de março, o Ministério da Saúde
editou a Portaria nº 356, dispondo sobre a regulamentação e operacionalização do
disposto na Lei nº 13.979/2020; em 20 de março de 2020, o Congresso Nacional, por
meio do Decreto Legislativo nº 6, reconheceu, para os fins do art. 65 da Lei
Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade
pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio
da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020; em 20 de março, o Ministério da Saúde
editou a Portaria nº 454, declarando, em todo o território nacional, o estado de
transmissão comunitária do coronavírus.
O manancial de normas iniciais dá conta da relevância e gravidade da situação
e cada Órgão público deve adotar todas as providências cabíveis para minorar os
efeitos da crise pandêmica, não só em relação aos serviços prestados, mas sobretudo
para salvaguardar a vida e saúde dos(as) servidores(as) a ele vinculados(as).
Justamente pela eloquência dos motivos apresentados a entidade subscritora
defende que as eleições municipais não podem ser preparadas e realizadas sem que2 Acessível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas:noticias/agencia:estado/2020/03/26/oms:reforca:proposta:de:isolamento:social:contra:coronavirus.htm ehttps://www.who.int/emergencies/diseases/novel:coronavirus:2019/strategies:plans:and:operations ,último acesso em 14/05/2020.3 https://www.dw.com/pt:br/por:que:isolar:grupos:contra:o:novo:coronav%C3%Adrus:n%C3%A3o:%C3%A9:vi%C3%A1vel:no:brasil/a:52933336
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tenham sido afastados os riscos à saúde e integridade dos servidores, dos demais
trabalhadores e auxiliares envolvidos no processo eleitoral, e do eleitorado; e assim,
por via de consequência, do conjunto da população.
2. FUNDAMENTOS
Como dito anteriormente, em março de 2020, considerando a necessidade de
se evitar contaminações pelo coronavírus, os riscos da utilização do transporte
público, que é um dos principais vetores do contágio, e da viabilidade, em vista dos
recursos tecnológicos, da realização do trabalho remoto, foi determinada a realização
dos serviços públicos pelo regime de teletrabalho.
As motivações estão contidas em atos expedidos pelos Tribunais, que foram
adotados pela necessidade de se evitar que os(as) servidores(as) desses Órgãos
fossem contaminados(as).
Se a motivação foi essa, não há fundamento válido para modificação da
diretriz. Vejamos mais de perto a situação.
O sindicato é representante dos(as) servidores(as) vinculados(as) ao Poder
Judiciário da União no estado de São Paulo, sendo que existem trabalhadores(as)
lotados(as) em várias cidades e uma parte considerável na Capital. A situação aqui é
particularmente dramática (que se repete, lamentavelmente, em quase todos os
Estados da Federação), senão vejamos.
O município de São Paulo, somente a partir de 23/03/2020, começou a divulgar
os boletins com dados epidemiológicos. Naquele período, a cidade registrava os
seguintes números4:
4 Acessível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/vigilancia_em_saude/doencas_e_agravos/coronavirus/index.php?p=296535
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Passados pouco mais de três meses desse marco, no dia 23/06/2020, os
dados declarados pelo município de São Paulo revelaram-se assustadores, sobretudo
quando comparados com os primeiros números. Abaixo, a reprodução da 70ª edição
do Boletim Diário do Coronavírus, divulgado pela Prefeitura da Capital5:
Nesse curto espaço de tempo (três meses), os casos confirmados saltaram de
477 para 119.349, o que significa um aumento extremamente brutal de cerca de
24.920%. Se considerarmos ainda que existem 246.850 casos suspeitos pendentes
de investigação, a quantidade de infectados pode ser muito pior.
5 Acessível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/20200623_boletim_covid19_diario.pdf
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Quanto aos óbitos, infelizmente, as informações são igualmente terríveis: de 30
óbitos na cidade, em 23/03, houve um aumento de cerca 21.973% (!!) e chegamos ao
intolerável quadro de 6.622 mortes. Como há muita subnotificação, já admitida pelas
autoridades públicas6, o cenário é mais devastador. Basta resgatar o estudo7 dos
pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo, que concluiu que o número de infectados pode ser 14 (quatorze) vezes
superior ao declarado pelo Ministério da Saúde.
Para ilustrar o drama do quase exponencial aumento dos casos nos últimos
meses, elaboramos uma planilha com dados semanais de contágios e óbitos,
iniciados de 23/038:
Data CasosConfirmados
ÓbitosConfirmados
23/03/2020 477 3030/03/2020 593 10006/04/2020 3754 24413/04/2020 6831 45620/04/2020 10624 89627/04/2020 14104 118304/05/2020 20848 170911/05/2020 28089 230218/05/2020 39163 284525/05/2020 49596 357301/06/2020 65716 434708/06/2020 82179 498514/06/2020 97245 567520/06/2020 117768 6405
Quando os dados são transpostos para um gráfico percebemos que a curva de
contágios e óbitos é ascendente, sem qualquer tendência de estabilização. Na
sequência serão reproduzidos três gráficos, sendo que o último faz uma correlação
entre a trajetória de aumento dos falecimentos e das contaminações, sem considerar
os números totais, mas apenas para demonstrar que há simétrica convergência da6 Acessível em:https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/04/23/vice-governador-de-sp-admite-subnotificacao-de-coronavirus-5-vezes-mais.htm7 Acessível em: https://ciis.fmrp.usp.br/covid19-subnotificacao/8 Todos os dados foram extraídos das informações fornecidas pela Prefeitura de São Paulo, acessíveis em:https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/vigilancia_em_saude/doencas_e_agravos/coronavirus/index.php?p=295572
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majoração das duas variáveis, o que significa que os números de vítimas fatais e de
pessoas infectadas crescem na mesma proporção:
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Os números são implacáveis e mesmo o Secretário de Saúde de São Paulo,
Edson Aparecido, afirmou, há alguns dias, que a cidade não está em curva
descendente9, o que ratifica a análise supra descrita e que demonstra que a situação
que gerou a necessidade da suspensão da atividade presencial não só permanece,
mas foi severamente intensificada.
Se a cidade de São Paulo, onde estão concentrados(as) boa parte dos(as)
servidores(as) da Justiça Eleitoral, tem níveis alarmantes e crescentes de contágio e
letalidade do coronavírus (COVID-19), o estado de São Paulo, onde estão localizadas
as demais unidades do Órgão, está em situação semelhante. Aliás, nas últimas
semanas tem sido verificado um grave e preocupante quadro de interiorização da
doença, e em diversos municípios tem sido atingido rapidamente o nível máximo de
ocupação de leitos hospitalares, inclusive de UTI.
A planilha e gráficos abaixo utilizaram como metodologia a fixação dos
números semanais, computados a partir do primeiro óbito e os dados foram todos
extraídos da página eletrônica do governo estadual10:
9 Acessível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/06/02/secretario-da-saude-diz-que-cidade-de-sp-nao-esta-em-curva-descendente-de-coronavirus-mas-nega-risco-de-colapso.ghtml10 Acessível em: https://www.seade.gov.br/coronavirus/?utm_source=portal&utm_medium=banner&utm_campaign=boletim-completo
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Data CasosConfirmados
ÓbitosConfirmados
17/03/2020 164 124/03/2020 810 4031/03/2020 2339 13607/04/2020 5682 37114/04/2020 9371 69521/04/2020 15385 109328/04/2020 24041 204905/05/2020 34053 285112/05/2020 47719 394919/05/2020 65995 514726/05/2020 86017 642302/06/2020 118295 799409/06/2020 150138 952216/06/2020 190285 1113223/06/2020 229475 13068
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Mais do que isso: a dramaticidade da epidemia atingiu todo o país, que passou
a ostentar a posição de epicentro da Covid-19 no mundo, depois de registrar o maior
número de mortes diárias11. Se o Brasil é o epicentro da epidemia no mundo, o estado
de São Paulo é a unidade da Federação com os piores números e o município de São
Paulo é o epicentro no país12, haja vista que a quantidade de infectados e falecidos
supera todas as demais localidades.
11 Acessível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/saude/com-mais-mortes-diarias-que-os-eua-brasil-e-o-novo-epicentro-da-pandemia-de-covid-19/12 Acessível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,pelo-terceiro-dia-seguido-sp-tem-mais-de-5500-novos-casos-de-covid-19-mortes-vao-a-7532,70003319919
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Nesse contexto, a preparação e a realização de eleições, que pressupõe
atividades presenciais em diversas etapas e contato direto com milhões de eleitores,
resultará invariavelmente na exposição dos(as) servidores(as) ao contágio e,
diante da taxa de letalidade da doença, que é uma das mais altas do mundo
(cerca de 7%) 13 , podemos concluir que eventual decisão que determine o
trabalho diário na repartição tem potencial para, inclusive, causar o óbito de
trabalhadores(as) e familiares!
Se a motivação no conjunto normativo que afastou os(as) servidores(as) do
trabalho presencial esteve calcada na necessidade de salvaguardar a saúde deles(as)
e de toda a população atentida, em vista do acelerado ritmo de contágio, reverter
essa lógica, no momento em que a doença avança em ritmo muito maior do que na
época da edição dos atos, é medida que se mostra injustificável, e colocará em risco
a vida de todos(as).
Assim, em resposta à consulta desse E. Tribunal sobre a realização das
eleições, há pontos a serem considerados sob a ótica de quem as realiza, os(as)
servidores(as) da Justiça Eleitoral, do quadro, requisitados e os milhares de
trabalhadores(as) que se envolvem no processo.
Louvável a iniciativa de consultar a sociedade civil para opinar sobre a
possiblidade e condições para a realização do pleito, no entanto, com a devida vênia,
nos parece temerária qualquer conclusão que aponte para a continuidade do
calendário posto e alicerçado em uma situação de normalidade, com as etapas já em
curso e as que se sucederão, sem o risco de contágio de um número inestimável de
pessoas.
Causa preocupação também a abordagem de que a realização da eleição num
período mais longo, durante o dia, combinada com hipotéticos cuidados e assepsia,
13 Acessível em: https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2020/05/05/interna_internacional,1144336/coronavirus-brasil-tem-uma-das-maiores-taxas-de-letalidade-do-mundo.shtml
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com virtual distanciamento entre os eleitores, salvaguardaria a saúde e integridade de
todos os envolvidos.
Essa premissa, data venia, não alcança a realidade de que há um enorme
contingente de pessoas envolvidas na condução de uma eleição, durante meses,
considerando que muitos trabalhos não podem ser remotos, não envolvem robôs,
mas vidas, e os níveis de contágio e óbitos, como já descrito acima, são crescentes,
sem qualquer indicativo de que a pandemia está em seus estertores.
Não há condição de segurança factível em vista de todos os procedimentos
necessários para que uma seção eleitoral funcione, desde a verificação elétrica até a
montagem, instalação, carga da urna, conferência da urna; tudo demanda
envolvimento de pessoas.
Outro aspecto é que não há margem fácil para aumentar o número de seções
eleitorais, sem contar que a diminuição das urnas eletrônicas de modelo antigo, que
foram recolhidas e não serão renovadas em razão de noticiada contenção de gastos,
importará em diminuição de seções. É luzente que não há como aumentar esse
número, sem o equipamento necessário, o que pode significar aumento de filas e por
consequência o absoluto prejuízo ao distanciamento pretendido.
É preciso levar em conta os(as) milhares de mesários(as), que são convocados
a colaborar com a eleição e cujo trabalho será acrescido da tarefa de tornar o pleito
seguro aos eleitores. Nesse contexto, é possível que seja registrado um altíssimo
índice de não comparecimento desses(as) colaboradores(as), com o receio de
exporem suas vidas e de seus familiares.
Trata-se de uma eleição municipal, cujo preparo se faz pelos cartórios, na
ponta, com a agravante do registro dos candidatos, processos que envolvem muito
trabalho e pessoas e que devem ser públicos, por excelência.
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Uma campanha eleitoral, que se dá também na rua, pressupõe a atividade
permanente de fiscais, vigilantes da observância das regras do pleito e que
combatem, por exemplo, propagandas irregulares, algo que somente potencializará o
risco.
Também relembramos que tudo o que arrasta uma eleição deve ser
transparente e visível, com cerimônias públicas, envolvendo as autoridades e aberta à
população, e que as eleições podem ser prejudicadas, também sob o prisma
democrático, pela abstenção dos(as) eleitores(as) às urnas, que poderão se sentir
desestimulados a votar, para defender suas vidas.
Em síntese: 1. Ainda estamos no meio da crise pandêmica, sem previsão de
saída; 2. Continuam presentes as condições em que o vírus se alastra rapidamente e
o distanciamento é a única medida cientificamente válida para evitar o contágio; 3. Os
níveis de contágio estão em crescente aceleração e expansão, sem que os dados
indiquem qualquer possibilidade de achatamento da chamada curva; 4. Os(as)
servidores(as), se forem obrigados(as) ao trabalho presencial, e demais pessoas
envolvidas no processo, estarão expostos(as) ao vírus não só por conta das
atividades cotidianas, mas porque terão que usar transporte público nos
deslocamentos.
Este último ponto é muito relevante, porque de acordo com o estudo divulgado
pela Universidade Federal de Minas Gerais, o transporte público é o segundo maior
foco de contaminação e só fica atrás de estabelecimentos hospitalares14:
14 Acessível em: https://www.medicina.ufmg.br/saiba-onde-o-risco-de-contagio-do-coronavirus-e-maior/
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Aliás, as medidas de isolamento social estão amparadas nas orientações da
Organização Mundial de Saúde, e são adotadas para reduzir a velocidade da
disseminação do vírus, inclusive para preservar os sistemas de saúde, cujo risco de
colapso é considerável, além de haver ocorrido sucessivamente em localidades
diversas.
A OMS é bem objetiva na definição dos critérios que podem permitir e orientar
comunidades em processos de reabertura pós quarentena15 e entre elas constam, por
exemplo, a exigência de que a transmissão da doença deva estar sob controle, com
queda sustentada por um período razoável de tempo do número de novos casos, e
que o sistema de saúde deva ser capaz de detectar, testar, isolar e tratar todos os
casos e de rastrear todos os contatos de casos positivos.
Não precisamos de grandes investigações para asseverar que nenhuma das
condições descritas estão presentes, notadamente na cidade e estado de São Paulo.
15 Disponível https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/13/oms-anuncia-criterios-para-paises-considerando-acabar-com-isolamento.ghtml
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A bem da verdade e nesse mesmo sentido da argumentação até aqui narrada,
além de não ser possível o trabalho presencial, devemos destacar que “medidas de
proteção” meramente paliativas não se prestam a consolidar um quadro de pretensa
elisão das condições de risco.
De outro turno, há pesquisas recentes que demonstram a eficácia das medidas
de isolamento para a redução dos níveis de contágio no Brasil, como evidencia o prof.
Eduardo Lima, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ16. Também
segundo pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em
estudo realizado com base nos dados divulgados diariamente pela União, pelos
Estados e Municípios (com dados atualizados até 11/05/2020), estimou-se que o
Brasil poderia salvar uma vida a cada 1,3 minuto se mantivesse o isolamento feito na
semana anterior ao estudo, pelas duas semanas seguintes.17
A ciência e os dados não deixam dúvidas a respeito da melhor estratégia de
combate à pandemia, pois os locais que permitiram a flexibilização da chamada
quarentena experimentaram aumento da transmissão do coronavírus, como ocorreu,
por exemplo, no estado de Santa Catarina18, no município de Porto Alegre19 e na
Alemanha20.
É bom que se diga ainda que é papel de toda a sociedade, em esforço
conjunto, conter a disseminação da doença (COVID-19). Nesse sentido, imperioso
registrar que no Brasil a Lei Orgânica da Saúde - Lei nº 8.080/90 - prevê que a saúde
é direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício (art. 2º, caput).
16 Disponível em: https://www.uerj.br/noticia/11078/17 Dados disponíveis em <https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/05/11/estudo:brasil:pode:salvar:quase:uma:vida:por:minuto:se:mantiver:isolamento.htm> e<http://www.ime.unicamp.br/~pjssilva/vidas_salvas.html>.18 Acessível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/05/28/sc-tem-aceleracao-de-transmissao-de-covid-19-apos-flexibilizar-quarentena.htm19 https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2020/06/08/em-quatro-dias-porto-alegre-tem-aumento-de-409percent-nos-leitos-de-utis-com-pacientes-de-covid-19.ghtml20 https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/internacional/2020/05/738168-contagio-sobe-na-alemanha-com-relaxamento-de-quarentena.html
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No plano constitucional, não há dúvidas de que o disposto pelos artigos 5º,
caput, 6º, 7º, XXII, 23, II, 196, 197, 200 e 230 impõem aos empregadores, inclusive a
Administração Pública direta, indireta, autárquica e fundacional, a obrigação em
adotarem medidas para promoção da saúde e segurança no ambiente laboral,
enquanto asseguram aos trabalhadores a preservação de sua higidez física e mental
no âmbito das relações laborais. No mesmo sentido, o artigo 16 da Convenção 155 da
OIT, ratificada pelo Brasil, impõe aos empregadores a adoção de medidas para
promoção da segurança no meio ambiente de trabalho.
Há, portanto, uma responsabilidade dos empregadores e também da
Administração Pública na promoção da saúde e segurança dos(as) trabalhadores(as)
e servidores(as), no marco das relações laborais, o que impõe a adoção das medidas
necessárias para prevenir o contágio pelo novo cononavírus, no estado de pandemia
e transmissão comunitária com a gravidade já abordada.
Note-se, ainda nesse escaninho, que o encargo do empregador quanto à
observância de garantia de condições adequadas aos trabalhadores e o imperativo de
evitar danos à saúde deles é ainda de maior relevo quando se tratar de ente público,
uma vez que, nos termos do artigo 37, §6º da Constituição, a responsabilidade pelos
atos da Administração Pública e seus agentes é objetiva.
Na linha do que já foi acima defendido, devemos ainda destacar a necessidade
de garantia de um meio ambiente de trabalho saudável, cuja diretriz está estabelecida
como finalidade expressa na Constituição Federal, conforme artigos 200, VIII, e 225.
É atribuição direta do empregador sua garantia, a quem cabe a adoção de
providências tendentes ao cumprimento das normas de saúde e segurança no
trabalho (conforme previsto, a título de exemplo, no art. 157, I, CLT).
Conforme defendido pelo jurista Raimundo Simão Melo, o meio ambiente do
trabalho envolve “o local de trabalho, os instrumentos de trabalho, o modo de
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execução de tarefas e a maneira como o trabalhador é tratado pelo empregador ou
tomador de serviço e pelos próprios colegas de trabalho”21.
Sua defesa se ampara na literal disposição contida na Constituição da
República Federativa do Brasil que prevê:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outrosque visem à melhoria de sua condição social:XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normasde saúde, higiene e segurança;
A disposição constitucional é reafirmada pela já citada Convenção 155 da OIT,
que impõe, como dever jurídico, a adoção de medidas necessárias para a promoção
da segurança no trabalho, com o objetivo de prevenir acidentes e danos para a saúde
(arts. 3º e 4º) e pelo PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS ECONÔMICOS,
SOCIAIS E CULTURAIS, que estabelece como obrigatórias, em seu artigo 12,
medidas necessárias para “a melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e
do meio ambiente”.
À luz de tudo o que foi narrado, considerando a gravidade da situação, com a
curva de contágio e mortes lamentavelmente ainda em curva ascendente, e o risco de
iminente colapso do sistema de saúde, não há como dar seguimento ao calendário
eleitoral sem que haja efetivas garantias de preservação da saúde e integridade de
servidores(as) e de toda a população envolvida nas sucessivas etapas do processo.
Não é crível que os(as) servidores(as), familiares e população em geral fiquem
submetidos aos riscos decorrentes do coronavírus, que podem redundar em óbitos.
Conforme descrito na legislação supra mencionada, é dever da Administração garantir
condições de saúde adequadas aos(às) servidores(as) que, neste momento,
expressam-se na impossibilidade de trabalho presencial.
21 MELO. Raimundo Simão de. Direito Ambiental do Trabalho e Saúde do Trabalhador. 5ª Edição. São Paulo: LTR, 2013, p. 29.
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3. CONCLUSÃO
Face ao exposto, a entidade sindical apresenta sua contribuição para o debate
neste momento, e à vista do calendário eleitoral em vigor e elementos até aqui
postos, defende que as eleições municipais não podem ser preparadas e realizadas
com segurança sob as condições atuais e sem que tenham sido afastados os riscos à
saúde e integridade das pessoas, em decorrência do novo coronavírus (COVID-19),
no que se incluem servidores, demais trabalhadores e auxiliares envolvidos no
processo eleitoral, e o eleitorado; e assim, por via de consequência, o conjunto da
população.
Sem prejuízo, a entidade sindical coloca-se ainda à disposição para contribuir
na continuidade dos debates que se seguirão acerca do tema, tendo em vista a
relevante missão institucional dessa Justiça, e a gravidade da pandemia, sua
evolução e consequências.
Termos em que,
Pede deferimento.
São Paulo, 30 de junho de 2020.
TARCISIO FERREIRA
Coordenador geral
SINTRAJUD
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