EXCELENTÍSSIMA JUÍZA TITULAR DA COMARCA DE ABADIÂNIA (GO)
URGENTE
Ref.: Autos nº 201900557848
JOÃO TEIXEIRA DE FARIA (“JOÃO DE DEUS”), por seus advogados, nos autos do
incidente em epígrafe, respeitosamente vem à presença de Vossa Excelência informar os
graves fatos ocorridos em sua transferência para o Complexo Prisional de Aparecida de
Goiânia, em razão das graves violações aos Direitos Humanos a seguir expostas:
O Requerente tem 77 (setenta e sete anos), tem 6 (seis) stents coronários e passou,
há poucos anos, por cirurgia que retirou aproximadamente 60% de seu estômago. É
idoso, possui comprovada dificuldade de locomoção e hipertenso.
No último dia 04 de junho, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça cassou
liminar anteriormente concedida ao Requerente e determinou seu retorno ao Complexo
Prisional de Aparecida de Goiânia (HC nº 489.573).
Na data de ontem (06/06), os Subscritores assistiram, chocados, o vídeo que
mostra a forma pela qual o Requerente foi transferido do Hospital Neurológico de
Goiânia para o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia.
Conforme mostra reportagem veiculada na “TV Anhanguera”, filial da TV Globo1,
e reproduzida em inúmeros jornais televisivos, o Requerente sai do hospital em cadeira
de rodas, acompanhado por dois enfermeiros e é imediatamente colocado no PORTA-
MALAS de um veículo pequeno (modelo Spacefox, da marca Volkswagen) da escolta
prisional da Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária do Estado de
Goiás:
1 https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2019/06/06/joao-de-deus-deixa-hospital-para-voltar-a-presidio-apos-decisao-do-stj.ghtml
O repórter que acompanhou a entrada do Requerente no porta-malas relatou a
evidente dificuldade que ele teve para entrar, com sua bengala, no pequeno espaço do
porta-malas, ocupado também por um “estepe”:
“Tá sendo aí ajudado por enfermeiros para entrar nessa viatura do sistema prisional, tá com uma certa dificuldade, João de Deus, 77 anos, tava aqui desde o dia 22 de março” (reportagem, 4’50’’).
Em seguida, as imagens mostram os enfermeiros tentando encaixá-lo no porta-
malas, visivelmente apertado para ele, para então percorrer 20 km até o Complexo
Prisional de Aparecida de Goiânia, que sequer fica no mesmo município do hospital.
A forma pela qual o Requerente foi tratado viola as mais basilares garantias de
direitos humanos de qualquer cidadão.
A Constituição Federal, em seu art. 5 º, inciso XLIX assegura ao preso o respeito à
integridade física e moral. A Carta consigna, ainda, que “ninguém será submetido a tortura
nem a tratamento desumano ou degradante” (art. 5º, III). A “dignidade da pessoa humana” é
fundamento da República Federativa do Brasil.
A Convenção Americana de Direitos Humanos, promulgada no Brasil pelo
Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, garante a todos o respeito à “sua integridade física,
psíquica e moral”, estabelecendo que “ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou
tratos cruéis, desumanos ou degradantes”. Especificamente em relação ao preso, afirma que
“toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao
ser humano” (artigo 5º).
Mas não é só. A Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, fixada pelo Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) proíbe expressamente o
transporte de preso em condições ou situações que lhe importam sofrimentos físicos (art.
30 das Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil).
Também especificamente em relação ao transporte de presos, o artigo 45 das
Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos da ONU estabelece o seguinte:
“1) Quando os reclusos sejam transferidos de ou para outro estabelecimento, devem ser vistos o menos possível pelo público, e devem ser tomadas medidas apropriadas para os proteger de insultos, curiosidade e de qualquer tipo de publicidade.
2) Deve ser proibido o transporte de reclusos em veículos com deficiente ventilação ou iluminação, ou que de qualquer outro modo os possa sujeitar a sacrifícios físicos desnecessários”.
É exatamente o que acontece aqui, pois o transporte, nesses termos, era
absolutamente desnecessário.
Em primeiro lugar, porque, como se vê na reportagem, o Requerente não estava
algemado, o que demonstra que não havia, no caso, “resistência ou fundado receio de fuga
ou de perigo à integridade física própria ou alheia” (Súmula Vinculante nº 11, do STF).
Não há nenhum motivo plausível para ele não ter sido transportado no banco de
trás do carro ou ter sido levado na parte de trás de um veículo maior e próprio para
transporte de pessoas, como a caminhonete “Chevrolet” que seguiu o carro que
transportava o Requerente, conforme demonstrou a reportagem na TV:
Além disso, também se desconhece o motivo pelo qual a Secretaria de Segurança
Pública e Administração Penitenciária do Estado de Goiás permitiu a entrada de
imprensa do lado de dentro das grades e da portaria do hospital onde o Requerente
estava internado, agravando, assim, a já degradante situação a ele imposta.
Não custa lembrar que além de idoso e “portador de insuficiência coronariana crônica,
hipertensão arterial, insuficiência arterial periférica, dissecção da Aorta abdominal, sarcopenia,
fragilidade relacionada à idade, anemia e desnutrição e depressão”, o Requerente emagreceu 53
(cinquenta e três quilos) quilos desde que foi preso.
Conforme narrado pelo médico Dr. ALBERTO DE A. LAS CASAS JR., em relatório
apresentado logo antes da referida transferência, o Requerente chegou “a pesar 68kg em
29/04/19 [pesava 121kg quando da prisão], e fora admitido com 90kg em 22/03/19” — data
da internação (doc. 1).
O Dr. LÉO DE SOUZA MACHADO, psiquiatra do Requerente, ressaltou, também em
relatório apresentado na data de ontem, que o Requerente “faz uso de antidepressivos
antipsicóticos/estabilizador do humor, hipnótico, indutor do sono, tem idade de 77 anos e vários
comorbidades clínicas” (doc. 2).
O próprio Ministério Público, ao apresentar seu parecer nos autos do habeas corpus
do eg. Superior Tribunal de Justiça, destacou em relatório referente ao estado de saúde
do Requerente, que constatou “’in loco’ que o seu estado de saúde havia piorado
consideravelmente em relação ao período imediatamente anterior à internação” (doc. 3).
Tanto era grave seu estado de saúde que o em Min. NEFI CORDEIRO, da 6ª Turma
do eg. STJ, determinou a internação, pois entendeu “como necessário o urgente tratamento
médico-hospitalar do paciente, para garantia emergencial de sua vida” (doc. 4). E, embora o eg.
STJ, como dito, tenha determinado o seu retorno ao Complexo Prisional, em avaliação
realizada na data de ontem foi constatado, conforme os laudos ora apresentados, que “a
transferência do Sr. João Teixeira de Faria nessas circunstâncias clínicas e psicopatológicos põe em
risco a saúde do paciente expondo-o a risco desnecessários”, o que, no mínimo, indica a
necessidade de cautela incompatível com a forma pela qual ele foi tratado na sua
transferência.
Por todo o exposto, requer-se seja oficiado o órgão competente para a cabal
apuração dos fatos aqui noticiados, bem como que se garanta que tais violações não
voltem a acontecer caso seja necessário novo deslocamento do Requerente, sendo que,
nesta hipótese, seja determinada sua transferência com dignidade, no banco da frente do
veículo e atendendo-se a todas as “medidas apropriadas para os proteger de insultos,
curiosidade e de qualquer tipo de publicidade”.
São Paulo, 07 de junho de 2019.
ALBERTO ZACHARIAS TORON RENATO MARQUES MARTINS
OAB/SP nº 65.371 OAB/SP nº 145.976
LUISA MORAES ABREU FERREIRA ALEX NEDER
OAB/SP nº 296.639 OAB/GO nº 10.501