EXAME CRIMINOLÓGICO COMO REQUISITO SUBJETIVO PARA PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONALDiante da alteração do art. 112 da Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais - LEP) o presente artigo visa trazer à tona a discussão sobre a importância, ou não, da realização do exame criminológico.
Texto enviado ao JurisWay em 7/5/2011.
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Saiba como...A pena, além do caráter preventivo no sentido de evitar a prática de novas
infrações, funciona como mecanismo de retribuição e ressocialização, de forma
a preservar sempre a figura da pessoa humana. Diante da condenação,
sabemos que o regime prisional em que o condenado iniciará o cumprimento
da pena dependerá do quantum definido em sentença. O regime inicial do
cumprimento da pena de reclusão poderá ser fechado, semi-aberto ou aberto,
e do cumprimento da pena de detenção poderá ser semi-aberto ou aberto (a
não ser que seja necessário a transferência para fechado), conforme dispõe o
art. 33, § 1º do Código Penal Brasileiro:
“Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime
fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime
semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a
regime fechado.”
O regime fechado se dará em unidades de segurança máxima ou média,
conforme denominado pelo art. 87 da LEP (Lei 7.210/84), podendo o
condenado trabalhar durante o dia e permanecer em isolamento à noite, em
cela individual, claro, mas tudo dentro da unidade prisional. Quanto ao regime
semi-aberto, a execução penal se dará de acordo com art. 91 da LEP em
colônia agrícola, industrial ou similar, tendo igualmente o condenado o direito
de trabalhar durante o dia ou direito ao trabalho externo e isolamento noturno,
podendo ser em cela coletiva ou individual. Por fim, no regime aberto, de
acordo com os moldes do art. 93 da LEP, a execução da pena do condenado
se dará em casa de albergado ou estabelecimento adequado, que deverá
trabalhar durante o dia e recolher-se durante o período noturno e nos dias de
folga.
A Lei de Execuções Penais (LEP) traz em seu texto previsão de progressão de
regime do condenado, que nunca se dará por salto, devendo ser gradual, ou
seja, do fechado progride-se para o semi-aberto e posteriormente para o
aberto, desde que atendidos os requisitos objetivos e subjetivos dispostos no
texto da lei.
Em relação ao requisito objetivo esse se dá através do cumprimento da fração
da pena, ou seja, do lapso temporal necessário para progressão de regime de
acordo com o crime. Em relação a esse requisito, não vejo motivos para
delongas, pois, que necessário se faz apenas o cumprimento da fração
respectiva. Quanto ao critério subjetivo, ou seja, o comportamento do
condenado, esse se dá por atestado de comportamento carcerário, e antes da
alteração do art. 112 da LEP, era necessário também o exame criminológico
para concessão da progressão.
Mas o que seria o exame criminológico? Em sucintas palavras, nada mais é do
a análise da personalidade e conduta pessoal, através do exame psicológico,
visando avaliação da periculosidade do condenado, no intuito de se chegar à
conclusão se o condenado é apto ou não para a concessão da progressão de
regime. Assim, Cézar Roberto Bitencourt, define:
“O exame criminológico, que é uma perícia, embora a LEP não
o diga, busca descobrir a capacidade de adaptação do
condenado ao regime de cumprimento da pena; a
probabilidade de não delinqüir, o grau de probabilidade de
reinserção na sociedade, através de um exame genético,
antropológico, social e psicológico.” (BITENCOURT, 2009, P.
499).
Com a alteração do texto do art. 112 da LEP, trazida pela Lei 10.792/03, o
exame criminológico passou a ser faculdade do juiz de o exigir ou não para a
concessão da progressão, baseando-se apenas em seus critérios íntimos. O
problema é que, além da morosidade do sistema, em que o exame
criminológico tem sido marcado a longa distância, quando realizados, sua
duração é mínima, e de forma subjetiva e superficial traça o perfil do
condenado.
O Supremo Tribunal Federal, assim entende:
"A nova redação do art. 112 da Lei de Execução Penal afastou
o exame criminológico, estendendo-se a nova disciplina ao
livramento condicional. Ora, se não mais se tem o citado
exame, impossível adentrar no campo do subjetivismo,
observado o entendimento que diz respeito ao núcleo do tipo
penal, como é o relativo a esta ou aquela associação." (STF -
Rel. Min. Marco Aurélio - HC 83700).
Dessa forma, a decisão do STF acima citada corrobora com o entendimento da
inexigibilidade do exame criminológico para concessão de benefícios como da
progressão de regime. Não obstante, temos que o entendimento do STJ tem
sido o mesmo, como pode ser observado no trecho extraído, ipsis litteris:
"Embora temerário substituir a exigência de parecer da
Comissão Técnica de Classificação e a submissão do
presidiário a exame criminológico - como condição à eventual
direito de progressão do regime fechado para o semi-aberto -
por um simples atestado de boa conduta firmado por diretor de
estabelecimento prisional, essa foi a intenção do legislador ao
editar a Lei 10.792/2003, que deve ser observada pelo Juízo
das Execuções Penais, sob pena de violação ao disposto no
aludido art. 112 da LEP, em sua nova redação." (STJ - HC
38602 - Rel. Min. Arnaldo Esteves - julgamento em 9/11/2004).
Cumpre destacar que, mesmo sendo facultativo o requerimento de exame
criminológico, a demora na realização do mesmo implica na não concessão do
benefício, tornando prejudicado o condenado. E mais, o Conselho Federal de
Psicologia, vedou a realização do exame criminológico pelos psicólogos, em
resolução 009/2010, no seu art. 4º, ‘a’, vejamos:
“Art. 4º. Em relação à elaboração de documentos escritos:
Conforme indicado nos arts. 6º e 112 da Lei n° 10.792/2003
(que alterou a Lei n° 7.210/1984), é vedado ao psicólogo que
atua nos estabelecimentos prisionais realizar exame
criminológico e participar de ações e/ou decisões que
envolvam práticas de caráter punitivo e disciplinar, bem
como documento escrito oriundo da avaliação psicológica
com fins de subsidiar decisão judicial durante a execução da
pena do sentenciado.”
Ora, se diante da demora do Estado em realizar o exame criminológico e agora
com a vedação do Conselho Federal de Psicologia em vedar a atuação dos
psicólogos na realização dos exames criminológicos, justamente, por não
serem a favor da realização de tal exame, fica claro que a ausência de
profissionais aptos para realizar tal diligência é constante na atual na realidade,
sendo clara a necessidade da dispensa de tal exame.
A realidade é que o Estado não está preparado para realização de tal exame,
deixando que ele ocorra de qualquer maneira e se perde em subjetivismos.
Realizado muitas vezes de forma grosseira, o exame ao invés de ajudar, tem
atrapalhado, pois a morosidade na sua realização e a falta de profissionais,
atrasam diversas progressões quando o exame é solicitado, ficando o
condenado mais tempo em regime contrário ao que a lei lhe dá direito.
_________
Referências
BRASIL. Código de Processo Penal. Vade Mecum Saraiva. Ed. Saraiva, 2010.
Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal 1 – parte geral. 14. Ed.
São Paulo: Saraiva, 2009. 813p.
(http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/legislacao/legislacaoDocumentos/
resolucao2010_009.pdf).”
Jus Navigandi
http://jus.com.br
O exame criminológico à luz da jurisprudência do STJhttp://jus.com.br/revista/texto/14224
Publicado em 01/2010
Matheus Augusto de Almeida Cardozo
Antes do advento da Lei n° 10.792/2003, que alterou a Lei de Execução Penal, três eram os requisitos necessários à concessão da progressão de regime:
a)cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior;
b)ostentar bom comportamento carcerário (comprovado pelo diretor do presídio); e
c)exame criminológico (feito para avaliar a personalidade do criminoso, sua periculosidade, eventual arrependimento e a possibilidade de voltar a cometer crimes) favorável.
Com a alteração do artigo 112 da LEP, o exame criminológico foi retirado do rol de requisitos cumulativos necessários à progressão:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. (grifos aditados).
A mens legislatoris, ao editar a Lei 10.792/03, foi de uma clareza solar: expurgar da execução penal a necessidade de proceder-se ao exame criminológico para a concessão da progressão de regime.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, tentando relativizar a desnecessidade do referido exame, considera que, de maneira geral, o exame criminológico constitui um instrumento dispensável, mas, se realizado, deve ser levado em consideração. Vide inúmeras decisões nesse sentido:
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. LEI 10.792⁄03. PROGRESSÃO AO REGIME SEMI-ABERTO. EXAME CRIMINOLÓGICO DISPENSADO PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO. EXIGÊNCIA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. IMEDIATO RETORNO AO REGIME MAIS SEVERO. NECESSIDADE. PACIENTE FORAGIDO. ORDEM DENEGADA. LIMINAR CASSADA. 1. O advento da Lei 10.792⁄03 tornou prescindíveis os exames periciais antes exigidos para a concessão da progressão de regime prisional e do livramento condicional, bastando, para os aludidos benefícios, a satisfação dos requisitos objetivo – temporal – e subjetivo – atestado de bom comportamento carcerário, firmado pelo diretor do estabelecimento prisional. 2. O Supremo Tribunal Federal, todavia, no julgamento do HC 88.052⁄DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 28⁄4⁄06, afirmou que "Não constitui demasia assinalar, neste ponto, não obstante o advento da Lei nº 10.792⁄2003, que alterou o art. 112 da LEP – para dele excluir a referência ao exame criminológico –, que nada impede que os magistrados determinem a realização de mencionado exame, quando o entenderem necessário, consideradas as eventuais peculiaridades do caso, desde que o façam, contudo, em decisão adequadamente motivada" (sem grifos no original). 3. A particularização da situação do sentenciado, pela qual se motiva a necessidade da diligência com os indícios sobre a sua personalidade perigosa, extraídos do caso concreto, constitui fundamentação idônea a justificar a realização do exame criminológico. 4. Na hipótese dos autos, não é possível manter o paciente no regime mais brando até a realização do exame criminológico, haja vista que, consoante informado pela autoridade apontada como coatora, ele se encontra foragido, fato que, em tese, constitui falta grave e obsta, por si só, a concessão da benesse. 5. Ordem denegada. Liminar cassada. (HC 109.811 – SP, Relator Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ: 01/12/2008).
HABEAS CORPUS – EXECUÇÃO PENAL – PROGRESSÃO DE REGIME – AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA E SOCIAL QUE RECOMENDA A NEGATIVA DO
BENEFÍCIO – POSSIBILIDADE – ORDEM DENEGADA, COM RECOMENDAÇÃO. 1. O exame criminológico para fim de progressão de regime é, em tese, dispensável, mas se realizada avaliação psicológica e social, com laudos desfavoráveis ao paciente, elas devem ser consideradas. 2. Ordem denegada, com recomendação. (HC Nº 94.426 – RS, Rel. Min. Jane Silva, DJ: 03/03/2008).
HABEAS CORPUS – EXECUÇÃO PENAL – LIVRAMENTO CONDICIONAL – EXAME CRIMINOLÓGICO QUE RECOMENDA A NEGATIVA DO BENEFÍCIO – PACIENTE COM ATESTADO CARCERÁRIO FAVORÁVEL, MAS COM PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – NEGATIVA DO BENEFÍCIO -POSSIBILIDADE – ORDEM DENEGADA, COM RECOMENDAÇÃO. 1. O exame criminológico para fim de progressão de regime é, em tese, dispensável, mas se realizado, com conclusão desfavorável ao paciente, deve ser considerado. 2. Se houve instauração de processo administrativo disciplinar contra o paciente, esse deve ser melhor esclarecido antes da concessão do benefício. 3. Ordem denegada, com recomendação. (HC 92.555 - RS, Rel. Min. Jane Silva, DJ: 07/04/2008).
O STJ equivoca-se ao admitir o laudo do exame criminológico como prova apta a criar óbice ao direito de progressão de regime. Isso porque os requisitos impostos pela Lei de Execução Penal são as únicas exigências legais necessárias e aptas a permitir a concessão, ou não, do benefício. Somente a lei em sentido estrito (reserva legal) pode ampliar ou reduzir tais requisitos. A jurisprudência, em o fazendo, estará estendendo dificuldades à eficácia do princípio da progressividade da pena (reflexo da garantia constitucional da individualização da pena, insculpido no art. 5°, XLVI, da Constituição Federal), ferindo, ainda, o princípio da legalidade, este último essencial à sobrevivência material do Estado Democrático de Direito. Sobre a violação ao princípio da legalidade, vide as precisas palavras de Luis Flávio Gomes:
No âmbito das ciências criminais, as quatro dimensões do princípio da legalidade, que constitui limite formal do ius puniendi, são:
1.Princípio da legalidade criminal: "não há crime sem lei anterior que o defina (CP, art. 1°)(...).
2.Princípio da legalidade penal: "não há pena sem prévia cominação legal (CP, art. 1°). (...).
3.Princípio da legalidade jurisdicional ou processual: não há processo sem lei, leia-se, ninguém pode ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (nulla coatio sine lege – CF, art. 5°, LIV)(...).
4.Princípio da legalidade execucional: "A jurisdição penal dos juízes ou tribunais de justiça ordinária, em todo o território nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal" (LEP, art. 2°, caput) – nulla executio sine lege. (grifos nossos). (Direito Penal – Parte Geral: volume 2/ Luis Flávio Gomes, Antônio García-Pablos de Molina - 2ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 32/33).
É, de igual forma, importante trazer à colação os ensinamentos dos professores Paulo Queiroz e Antônio Vieira:
(...), aqui, mais do que no processo de conhecimento, importa respeitar o aludido princípio [da legalidade] , pois é na execução penal em que se verifica, ordinariamente, o maior déficit de proteção jurídica (menor grau de garantismo), tal é a relativização ou inexistência mesma das garantias (contraditório, defesa técnica por advogado etc.) que o informam. E onde há maior vulnerabilidade, maiores devem ser os níveis de tutela legal (maior grau de garantismo), conforme o princípio da proporcionalidade. (Disponível em: http://pauloqueiroz.net/retroatividade-da-lei-processual-penal-e-garantismo/).
Perceba-se, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça, ao adotar esse posicionamento, está negando, por via oblíqua, eficácia à nova lei que extinguiu a exigência do exame criminológico para a concessão da progressão de regime (Lei 10.792/03). A construção hermenêutica feita pela Corte Superior – "o exame é dispensável, mas, se requisitado, não pode ser desprezado" - é uma tentativa de continuar aplicando o art. 112 da LEP com sua antiga redação, ou seja, autorizando que progressões de regime sejam negadas com base no exame criminológico desfavorável, utilizando como justificativa o princípio do livre convencimento motivado (CF, art. 93, IX).
O livre convencimento não significa, todavia, que o juiz pode fazer o que bem entender, desde que lastreie sua decisão. No momento em que a lei cria requisitos para a concessão, ou não, de um direito subjetivo, o livre convencimento motivado pode (e deve!) cingir-se àqueles requisitos legais, estritamente. Ultrapassá-los em sua análise equivale ao arbítrio. E arbítrio é oposto do Estado Democrático de Direito.
Autor
Matheus Augusto de Almeida Cardozo
Advogado, Pós-Graduando em Ciências Criminais pelo JusPodivm
Informações sobre o texto
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):
CARDOZO, Matheus Augusto de Almeida. O exame criminológico à luz da jurisprudência do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2399, 25 jan. 2010 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14224>. Acesso em: 9 nov. 2012.
http://www.legjur.com/jurisprudencia/busca?q=exame-criminologico&op=exa
http://www.trabalhosfeitos.com/search_results.php?action=search&query=exame+criminologico&start=60