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A evoluo da Cooperao Tcnica Internacional no Brasil
The evolution of international technical cooperation in Brazil
FERNANDO JOS MARRONI DE ABREUi1
Resumo: O artigo apresenta a trajetria da cooperao internacional na poltica externa
brasileira. Faz uma breve apresentao de sua evoluo e de suas instituies. Apresenta
reflexes sobre o vnculo entre a poltica externa brasileira e a cooperao tcnica. Em
seguida, concentra-se na cooperao sul-sul e no papel da Agncia Brasileira de
Cooperao em sua implementao; a cooperao tcnica recebida pelo Brasil; assim
como para a cooperao tcnica triangular. O artigo fornece dados sobre iniciativas
brasileiras.
Palavras-chaves: cooperao sul-sul, cooperao tcnica internacional, cooperao entre
pases em desenvolvimento, poltica externa brasileira.
Abstract: The article features the trajectory of international cooperation in Brazilian
foreign policy by offering a brief presentation on its evolution and its institutions. After
providing information about the role of international technical cooperation within
Brazilian foreign policy, the author focus on South-South cooperation and the role of the
Brazilian Cooperation Agency, ABC in Portuguese) in implementing such policies;
Brazil as a receiver of technical cooperation; as well as triangular technical cooperation.
The article presents recent data about Brazilian experience as both donor and recipient of
international cooperation.
Keywords: south-south cooperation, international technical cooperation, cooperation
between developing countries, Brazilian foreign policy.
1. Histrico
Apesar de dicotmicas, a essncia de sentimentos de cooperao, de um lado, e
competio, de outro, esto na origem da humanidade. So conceitos bsicos na evoluo
do homem e tambm fundamentam os alicerces das diversas civilizaes no curso da
histria. A cooperao, ainda que incipiente e afetada por vrios tipos de disputas,
garantiu a sobrevivncia da espcie humana. Em termos sociolgicos, por cooperao
entende-se o tipo particular de processo social em que dois ou mais indivduos ou grupos
atuam em conjunto para a consecuo de um objetivo comum. , portanto, requisito
especial e indispensvel para a manuteno e continuidade dos grupos e sociedades. Cabe
lembrar que Durkheim entendia a cooperao como fundamento das ligaes sociais, no
nvel da solidariedade mecnica prpria das sociedades arcaicas (associa os indivduos
com competncias e crenas semelhantes) ou da solidariedade orgnica das sociedades
modernas (cada indivduo, dependendo do trabalho de outrem, encontra-se organicamente
ligado ao todo social).
i1Diretor Geral da Agncia Brasileira de Cooperao/Ministrio das Relaes Exteriores, Brasil.
E-mail: [email protected]
Recebido em 23 de outubro de 2013
Received on October 23, 2013
DOI 10.12957/rmi.2013.8372
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J a ideia de se promover aes de cooperao tcnica
internacional bem mais recente, remontando ao incio
do sculo passado. No momento da criao da Liga das
Naes, em 1919, cogitou-se o uso da cooperao
entre pases como instrumento de manuteno da paz e
da segurana. No entanto, somente aps a II Guerra
Mundial, a esta ideia ultrapassaria o discurso e levaria
a aes concretas. Por um lado, havia a necessidade de
reconstruir os pases afetados pelo conflito. De outro,
as maiores economias da poca entenderam que a
promoo do progresso social e econmico dos pases
menos desenvolvidos - muitos inclusive em fase de
independncia - era fator essencial para se lograr a
estabilidade do sistema internacional. Subjacente a
este cenrio, estava tentativa de manter e reforar o
capitalismo na disputa pela hegemonia com o
socialismo e as esferas de influncia num regime em
que as estruturas imperialistas antes vigentes
comearam a ruir.
O Brasil no se manteve alheio nesse cenrio. Logo
adotou a prtica, inicialmente como receptor de
cooperao de pases desenvolvidos e de organismos
internacionais. Registra-se no pas a primeira iniciativa
de sistematizar a recepo de assistncia tcnica
internacional ocorrida em 1950, com a criao da
Comisso Nacional de Assistncia Tcnica (CNAT),
composta por representantes da Secretaria de
Planejamento da Presidncia da Repblica, do
Ministrio das Relaes Exteriores e de ministrios
setoriais. Buscava-se, assim, decidir a prioridade e a
relevncia das solicitaes de instituies brasileiras de
ajuda tcnica estrangeira. Dentre as competncias
legais da CNAT encontravam-se os estudos relativos
participao do Brasil em programas de assistncia
tcnica das Naes Unidas e da Organizao dos
Estados Americanos.
Nessas primeiras dcadas de intercmbio, o foco da
cooperao centrou-se no apoio estruturao de
instituies pblicas federais e entidades nacionais
especializadas em reas ento consideradas
estratgicas para a economia nacional. So exemplos a
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria
(Embrapa), a Telecomunicaes Brasileiras S.A.
(Telebrs), o Instituto Nacional de Propriedade
Industrial (INPI), o Departamento de Aviao Civil
(DAC) e o Servio Nacional de Aprendizagem
Industrial (Senai), que contaram com o apoio de
consultores internacionais e com a doao de
equipamentos para capacitao de recursos humanos
(criando, desta maneira, massa crtica de especialistas)
e ampliao de suas infraestruturas tcnicas. Nessa
poca, os programas de cooperao tcnica eram
fundamentalmente financiados por recursos externos.
A cooperao prestada pelo Brasil ao exterior, por sua
vez, era muito reduzida.
Durante a dcada de 1960 foi realizada uma ampla
reforma do Sistema de Cooperao Tcnica, com
vistas a dar soluo s limitaes estruturais de
coordenao da CNAT e enfrentar a crescente
complexidade resultante do volume de cooperao.
Com o expressivo volume de recursos externos postos
disposio das instituies brasileiras de ensino e de
pesquisa, tornou-se necessrio fortalecer o sistema e
adequar a demanda s diretrizes e prioridades definidas
nos Planos Nacionais de Desenvolvimento. As
competncias bsicas de cooperao tcnica
internacional (i.e. planejamento, negociao,
coordenao, execuo, acompanhamento e avaliao)
foram poca centralizadas na Subsecretaria de
Cooperao Econmica e Tcnica Internacional
(Subin) da Secretaria de Planejamento da Presidncia
da Repblica (Seplan) e na Diviso de Cooperao
Tcnica do Ministrio das Relaes Exteriores (MRE).
No obstante a referida reforma ter significado avano
sensvel na gesto da cooperao tcnica internacional
no mbito do Governo brasileiro verificou-se
novamente, na dcada de 1980, a necessidade de
reavaliao de todo o sistema. Vrios elementos,
internos e externos, contribuam para isso. Na dcada
de 70, o acmulo de experincias positivas dos pases
em desenvolvimento passveis de serem transferidas
para outros pases com realidades semelhantes fez com
que as Naes Unidas desenvolvessem e fomentassem
o conceito de cooperao tcnica entre pases em
desenvolvimento (CTPD), em contraponto
cooperao Norte-Sul. Em 1974, foi criada a
Unidade Especial para CTPD do PNUD, visando
promoo dessa modalidade de cooperao. Em 1978,
as diretrizes elaboradas foram propostas na
Conferncia das Naes Unidas sobre Cooperao
Tcnica entre Pases em Desenvolvimento e suas
recomendaes aprovadas na forma do Plano de Ao
de Buenos Aires.
No contexto brasileiro, teve incio, a partir dos anos
1980, um trabalho efetivo de estruturao da
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cooperao tcnica prestada pelo Brasil a outros pases
em desenvolvimento. Para tanto, o Governo brasileiro
optou por extinguir tanto a Subin quanto a Diviso de
Cooperao Tcnica do Itamaraty para criar, em 1987,
a Agncia Brasileira de Cooperao (ABC),
subordinada ao Ministrio das Relaes Exteriores.
Por ocasio de sua criao, definiu-se que a ABC
atuaria exclusivamente em cooperao tcnica. Outras
modalidades de cooperao brasileira ao exterior, a
exemplo das vertentes financeira, educacional,
humanitria e cultural foram atribudas a outros rgos
do Governo brasileiro. Os programas de cooperao
tcnica aprovados e coordenados pela ABC incluem
desde a cooperao entre pases em desenvolvimento
como a recebida do exterior, seja em mbito bilateral
(entre o Brasil e outros pases) ou multilateral (entre o
Brasil e organismos internacionais). O principal
elemento de inovao na criao da ABC foi, todavia,
oferecer ao Governo brasileiro um instrumento
eficiente para a promoo da cooperao Sul-Sul,
expresso que se difundiu para designar a cooperao
entre pases em desenvolvimento. Dotou-se, assim, o
pas de um rgo especializado em cooperao tcnica
internacional, que unificava as funes tcnicas pauta
da poltica externa brasileira.
De 1987 at hoje, a estrutura organizacional da ABC
permanece basicamente a mesma: uma diretoria, trs
reas finalsticas (cooperao Sul-Sul; cooperao
recebida multilateral e cooperao recebida bilateral) e
uma unidade responsvel pela administrao e
oramento. No caso da cooperao Sul-Sul, os
trabalhos so assim divididos entre uma unidade
responsvel pelos programas com a Amrica Latina e
Caribe; duas unidades responsveis pelos programas
com pases africanos; e uma unidade responsvel pelas
relaes de cooperao com o Mercosul e organismos
de mbito regional interamericano ou ibero-americano.
Os programas de cooperao Sul-Sul com pases da
sia, Oceania, Oriente Mdio e Europa do Leste so
tratados em sub-unidades dentro das unidades
principais. As coordenadorias vinculadas cooperao
tcnica multilateral e bilateral recebida do exterior no
so desdobradas em sub-unidades.
2. Poltica Externa Brasileira e diretrizes da
Cooperao Tcnica
A poltica externa brasileira tem dimenso global,
embora confira nfase s relaes mantidas com as
naes com as quais tem um patrimnio histrico,
lingustico, cultural e tnico comum. Nesse arcabouo
e em razo do extenso acervo de conhecimentos e de
experincias disponveis em inmeras instituies
nacionais, bem como luz da capacidade brasileira de
criar solues inovadoras para problemas que se
reproduzem em outros pases em desenvolvimento, a
cooperao tcnica brasileira compartilhada com
pases em desenvolvimento tem-se consolidado como
um significativo instrumento de correo de
assimetrias sociais e econmicas. A agenda de
cooperao brasileira evoluiu de forma a refletir essa
consolidao e contribuiu para reafirmao da
cooperao tcnica coordenada pela Agncia Brasileira
de Cooperao (ABC) como instrumento fundamental
da poltica externa brasileira. Nesse contexto, a ABC
tem feito da cooperao entre pases em
desenvolvimento a pedra angular de poltica de
cooperao tcnica internacional do Governo
brasileiro.
A cooperao recebida pelo Brasil do exterior gerou,
nos ltimos sessenta anos, resultados positivos para o
pas, uma vez que proporcionou a transferncia de
conhecimentos para o fortalecimento institucional de
diversos rgos pblicos, o avano de programas
inovadores na rea ambiental e a modernizao do
setor produtivo. No entanto, observe-se que o nvel de
desenvolvimento econmico e social alcanado pelo
Brasil levou-o a se afastar dos critrios internacionais
de elegibilidade para recebimento da chamada "ajuda
oficial ao desenvolvimento". Os programas de
cooperao recebida do exterior, sejam estes bilaterais
ou multilaterais, seguem tendncia de retrao.
Se no depende mais de cooperao em larga escala - o
que no quer dizer que h pouco a fazer para o Brasil
se desenvolver - o Governo brasileiro percebe,
entretanto, que deve retribuir a colaborao recebida
prestando assistncia a outros pases da mesma
maneira como foi ajudado. Se verdade que o Brasil
ainda no tem o padro de vida dos pases
desenvolvidos, tampouco essa limitao o impede de
ajudar, pois acumulou muito conhecimento para
transferir e larga experincia sobre como faz-lo,
justamente pela cooperao que recebeu ao longo das
ltimas dcadas e pelos aspectos positivos e negativos
que notou nesse processo.
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O Brasil tem feito grandes esforos para implementar e
divulgar a modalidade de cooperao Sul-Sul, balizada
fundamentalmente pela misso de contribuir para o
adensamento de suas relaes com os pases em
desenvolvimento. Essa cooperao inspirou no
conceito de diplomacia solidria, prtica na qual o
Brasil coloca disposio de outros pases em
desenvolvimento as experincias e conhecimentos de
instituies especializadas nacionais, com o objetivo
de colaborar na promoo do progresso econmico e
social de outros povos. Ao prover cooperao, o Brasil
tem particular cuidado em atuar com base nos
princpios do respeito soberania e da no-interveno
em assuntos internos de outras naes. Sem fins
lucrativos e desvinculada de interesses econmicos e
comerciais, a cooperao Sul-Sul do Brasil pretende
compartilhar nossos xitos e melhores prticas nas
reas demandadas pelos pases parceiros, sem
imposies ou condicionalidades polticas. O objetivo
ltimo do Brasil o desenvolvimento integral dos
parceiros, capaz de impulsionar mudanas estruturais
em suas economias, levando a um crescimento
sustentvel que garanta, igualmente, maior incluso
social e respeito ao meio ambiente.
A troca de experincias e de conhecimentos que
materializa o sentimento de solidariedade recproca
entre os povos, certamente beneficia no somente os
pases parceiros das instituies cooperantes
brasileiras, mas tambm essas ltimas, j que nesse
processo no h ator que saiba tanto que no tenha
algo a aprender, nem to pouco que no tenha algo a
ensinar. Os mecanismos de cooperao, em funo de
sua neutralidade e do empenho dos profissionais que
deles participam, demonstram que sempre possvel
realizar atividades de elevado contedo
socioeconmico mesmo em contextos desafiadores em
termos polticos, econmicos ou sociais, desde que
haja disposio e vontade poltica. A poltica de
cooperao tcnica do Governo brasileiro em suas
relaes com pases em desenvolvimento busca
distinguir-se pelo compromisso em identificar e
conceber, de forma conjunta com o pas-parceiro,
iniciativas que promovam mudanas estruturais,
ancoradas no desenvolvimento efetivo de capacidades
locais, orientao que fortalece o exerccio da
apropriao e potencializa a auto-estima dos
beneficirios diretos dos programas e projetos.
Para atingir esses objetivos da cooperao Sul-Sul do
Brasil, o rgo do Governo responsvel pela
cooperao, a Agncia Brasileira de Cooperao do
Ministrio das Relaes Exteriores procurou
implementar, numa vertente, orientao "estruturante"
para seus programas/projetos, ou seja, aes que
pudessem desenvolver capacidades individuais e
institucionais com resultados sustentveis nos pases
beneficiados, em contraposio atuao tradicional
de projetos pontuais, cujos impactos so via de regra
mais localizados. Os projetos estruturantes oferecem
diversas vantagens: aumenta-se o impacto social e
econmico sobre o pblico-alvo da cooperao; logra-
se assegurar maior sustentabilidade dos resultados dos
programas/projetos; facilita-se a mobilizao de
instituies brasileiras para a implementao de
diferentes componentes dos programas/projetos; bem
como cria-se espao para a mobilizao de parcerias
triangulares com outros atores internacionais. No
entanto, apresentam a limitao do seu relativo elevado
custo, caracterstica que exige seguidos incrementos
oramentrios para garantir sua implementao.
A limitao de recursos oramentrios quando da etapa
em que o Brasil comeou a prestar sistematicamente
cooperao, na dcada de 1980, imps restries em
termos das modalidades operacionais que poderiam ser
adotadas. A partir das capacidades ento disponveis, a
ABC buscou identificar mecanismos que permitissem
otimizar a mobilizao de recursos humanos e
materiais do pas para o exterior. O resultado desses
esforos alcanou um sucesso to evidente que
fortaleceu a percepo de que deveria seguir um
caminho diferente dos pases doadores tradicionais. A
adoo, pelo Brasil, de princpios e de prticas de
cooperao internacional especificamente talhadas
para as realidades e expectativas dos pases em
desenvolvimento contribuiu, junto com aes
semelhantes conduzidas por outros pases da Amrica
Latina, frica e sia, para a consolidao da
cooperao Sul-Sul como um dos principais
mecanismos de promoo do desenvolvimento em
mbito global. Assim, a cooperao Sul-Sul no ,
nesse sentido, uma extenso da cooperao Norte-Sul
por outros meios. Portanto, ainda que o Governo
pudesse dotar a ABC com oramentos maiores que lhe
permitissem agir com mais eficincia em face da
cooperao crescente, o Brasil no tem pretenso de se
tornar um pas doador no mbito da cooperao
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internacional para o desenvolvimento, dada as
diferenas de enfoque e de prtica entre as
modalidades Norte-Sul e Sul-Sul, de um lado, e a
limitao de recursos, por outro.
Os custos da cooperao brasileira conseguem ser
reduzidos sem que se perca efetividade, principalmente
porque os tcnicos responsveis so cedidos, em geral,
por instituies governamentais. Esses profissionais
proporcionam assessoria tcnica qualificada sem que a
ABC tenha que suportar gastos adicionais ao salrio
pelo servio prestado, evitando que a Agncia tenha
que arcar com o que h de mais caro na cooperao, o
trabalho de especialistas, normalmente remunerados
como consultores em outras modalidades de
cooperao. A economia gerada com o uso de
profissionais vinculados ao setor pblico nacional
permitiu, inclusive, que a ABC financiasse projetos de
maior envergadura, com aquisio de bens, materiais,
servios e mesmo a adequao de infraestruturas
fsicas.
A cooperao Sul-Sul tem crescido constantemente e,
no obstante constar da agenda diplomtica dos pases
em desenvolvimento desde a dcada de 1960, seu
volume e o impacto de seus resultados ganharam novo
flego somente na ltima dcada. Os ganhos do Brasil
com a cooperao entre pases em desenvolvimento
so muitas vezes ignorados, sob o argumento de que h
muito a fazer no plano interno, dadas as desigualdades
internas do Pas. Entretanto, luz dos benefcios que a
cooperao horizontal pode gerar no longo prazo em
termos de ampliao do acervo de experincias de
instituies e de especialistas brasileiros, alm da
prpria imagem do pas no exterior como nao
comprometida com os ideais de desenvolvimento,
pode-se notar que h um extenso espao a ser
desbravado. Somente a aprendizagem dos tcnicos que
a prestam j seria resultado suficientemente vantajoso
para justificar a ampliao da cooperao tcnica Sul-
Sul, ressaltando-se ser um processo de custos
limitados. Mais importantes so, no entanto, a
contribuio brasileira para a valorizao da
solidariedade como mecanismo de desenvolvimento
global entre pases em desenvolvimento e a
diversificao e adensamento das relaes
internacionais do pas, instrumentos da maior
relevncia para a poltica externa do pas.
No esteio do crescimento da cooperao tcnica
bilateral brasileira em parceria com pases em
desenvolvimento, o Brasil tem igualmente investido
em um novo caminho, o da cooperao triangular. A
cooperao triangular permite potencializar a
cooperao tcnica Sul-Sul bilateral clssica e deve ser
entendida como ao complementar mesma. Na
triangulao, congregam-se, de um lado, as vantagens
comparativas do Brasil em termos de afinidade
cultural, diversidade tnica, solidariedade e a
existncia de tecnologias melhor adaptadas s
realidades de outros pases e, de outro lado, as
vantagens comparativas dos pases doadores
tradicionais (recursos financeiros, estrutura logstica
etc.) ou a experincia acumulada e os conhecimentos
especficos das organizaes internacionais.
3. Cooperao Sul-Sul
Conforme mencionado, no mbito das relaes
internacionais entre pases em desenvolvimento, a
cooperao horizontal ou Sul-Sul consolidou-se como
eficiente ferramenta de disseminao,
compartilhamento e de adaptao de conhecimentos,
tecnologias e experincias de desenvolvimento.
Na viso do Governo brasileiro, a troca de
experincias materializa o sentimento de solidariedade
e responsabilidade entre os povos, favorecendo todas
as partes envolvidas. Sem fins lucrativos e
desvinculada de interesses comerciais, a cooperao
tcnica mantida entre o Brasil e outros pases em
desenvolvimento busca compartilhar suas melhores
prticas nas reas demandadas por outras naes. Para
atingir esse objetivo de aprimoramento das
instituies, a ABC lana mo de uma srie de
estratgias que foram sendo desenvolvidas ao longo
das mais de trs dcadas de sua existncia. Acima de
tudo, mantm contato frequente com vrios rgos
governamentais, organismos internacionais e entidades
da sociedade civil organizada, com inteno de
aumentar a eficcia de seus projetos, com grande
diversidade temtica, conforme demonstrado no
diagrama abaixo.
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Durante algum tempo a principal estratgia da ABC foi
priorizar o que se convencionou nomear projetos
estruturantes por visarem criao e estruturao de
instituies para capacitao de mo-de-obra em reas
deficientes nos pases que demandavam essa
cooperao. A ideia, aplicada pela primeira vez em
Angola e no Paraguai, com a instalao de Centros de
Formao de Profissionais em parceria com o Servio
Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), foi to
bem sucedida que a ABC concluiu para pertinncia de
tornar essa experincia numa poltica sistemtica.
Entre tais projetos, ressaltam-se a instalao de
unidades demonstrativas de cultivo de algodo no Mali
(iniciativa "Cotton-4", que abrange tambm o Chade,
Benin e Burkina Faso), o projeto de rizicultura no
Senegal (ao que se estender ao Mali e Guin
Bissau), o programa de segurana alimentar no Haiti, a
previso de 11 Centros de Formao Profissional do
Senai (sendo 5 j em operao no Timor-Leste,
Paraguai, Cabo Verde, Guatemala e Guin Bissau e a
previso de 6 novas unidades no Haiti, Bolvia,
Moambique, Colmbia, Jamaica e So Tom e
Prncipe, devendo estes dois ltimos serem
inaugurados ainda em 2013) e o Programa trilateral
Pr-Savana em Moambique. Ainda no Haiti, caberia
registrar a implantao de Unidades de Pronto-
Atendimento e o estabelecimento do Instituto Haitiano
de Reabilitao de Pessoas com Deficincia. Em Gana,
a ABC apoiou os trabalhos iniciais para a construo
de um hemocentro para tratar a anemia falciforme. Na
Guin-Bissau, caberia registrar o Centro de Formao
de Policiais, com apoio da Polcia Federal brasileira,
com as atividades suspensas em funo da situao
poltica no pas.
Os esforos para cumprir compromissos pelo Governo
brasileiro junto a pases em desenvolvimento e a sua
efetiva implementao permitiram aumentar em 10
vezes o volume anual de desembolsos dos recursos
oramentrios da Agncia. Logrou-se saltar de uma
mdia de US$ 3 milhes no trinio anterior a 2009
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para uma mdia de US$ 28 milhes no trinio 2009-
2011, em 2012 para US$ 16,5 milhes e alcanando
em setembro de 2013 uma carteira total de
aproximadamente US$ 122 milhes em projetos em
execuo e negociao. Ademais, ampliou-se em mais
de 4 vezes o nmero de pases em desenvolvimento
beneficirios da cooperao brasileira, que
correspondiam a cerca de 21 pases h onze anos atrs
para abranger 98 pases no momento presente, dos
quais 43% na frica, 31,5% na Amrica Latina e
Caribe e 25,5% nas demais regies geogrficas.
INICIATIVAS DO BRASIL DE COOPERAO TCNICA SUL-SUL
EXERCCIOS 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Atividades Isoladas executadas 164 323 354 345 203 61
Projetos iniciados 91 94 153 102 70 28
TOTAL 255 417 507 447 273 89
Execuo financeira da cooperao tcnica Sul-Sul:
EXERCCIO Execuo em US$
2006 5.270.000
2007 3.580.000
2008 6.320.000
2009 19.000.000
2010 36.210.000
2011 26.000.000
2012 16.458.000
2013 (at setembro) 8.355.000
Obs: Execuo entre 2008 e 2013: 112.343.000
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4. Cooperao tcnica recebida do exterior
Instituies brasileiras so beneficirias de cooperao
tcnica internacional multilateral e bilateral. A
primeira vertente formada pela cooperao com uma
organizao internacional; a segunda, com um pas
desenvolvido. Em termos gerais, a cooperao tcnica
recebida do exterior tem como objetivo a acelerao do
processo de desenvolvimento social e econmico
nacional, a partir da capacitao de instituies
nacionais nos trs nveis da federao, via
transferncia de tecnologia e de conhecimento.
Privilegia-se, nesse sentido, o acesso a conhecimentos
e prticas ainda no dominadas pelo pas. Do lado
brasileiro, as instituies nacionais oferecem, como
contrapartida aos consultores do exterior,
infraestrutura, equipamentos e recursos humanos para
a viabilizao da cooperao. Cabe ressaltar que aes
de cunho assistencial ou de reforo oramentrio direto
a servios pblicos no so elegveis para fins de
cooperao tcnica no Brasil, ao contrrio do que
ocorre em pases menos desenvolvidos. Na vertente
multilateral, a maioria absoluta dos programas e
projetos auto-financiada pelas instituies nacionais,
dada a limitao do acesso a recursos internacional
pelo Brasil, em funo do seu atual nvel de
desenvolvimento econmico.
4.1. Cooperao Tcnica Recebida Multilateral
Na cooperao recebida multilateral, os projetos
contemplam concepo conjunta de novas experincias
e conhecimentos entre o Brasil e uma organizao
internacional. Assegura-se a aplicao dos princpios
de neutralidade e universalidade que balizam a atuao
dos organismos internacionais, responsveis por
disseminar os frutos da cooperao internacional. A
execuo de projetos e demais atividades nessa
modalidade de cooperao envolve aporte de insumos
tcnicos e financeiros mobilizados por um organismo
internacional e por instituies nacionais, ou de fundos
internacionais canalizados por uma das partes
envolvidas.
Os programas de cooperao tcnica com organismos
internacionais tm sido instrumentais para apoiar
programas inovadores do Governo brasileiro. A rea
multilateral da ABC atua como contraparte
governamental de 25 organismos internacionais e com
a Unio Europeia para programas e projetos de
cooperao tcnica. Dentre os principais temas
cobertos por essas parcerias, caberia ressaltar:
fortalecimento da gesto pblica, meio ambiente,
desenvolvimento social, gerao de emprego e renda
em reas urbanas e rurais, educao, sade, direitos
humanos, desenvolvimento agrrio e segurana
pblica, dentre outros. Entre fins de 2008 e meados de
2013, foram aprovados cerca de 300 novos projetos
junto a organismos internacionais, bem como
negociados mais de 800 aditivos e/ou revises nos
projetos j em implementao, atendendo a quase uma
centena de instituies pblicas dos nveis federal,
estadual e municipal, alm da sociedade civil e do
setor produtivo. Os desembolsos anuais do conjunto
dos programas de cooperao tcnica multilateral entre
2008 e 2012 encontram-se discriminados no quadro
abaixo.
Exerccio: 2008 2009 2010 2011 2012
Desembolsos
totais (em US$
milhes)
332.0 255.0 340.0 280.0 256.0
Em virtude da graduao do Brasil nas classificaes
de diversas organizaes internacionais em funo do
crescimento econmico do pas, tem se verificado, na
ltima dcada, uma tendncia declinante de acesso a
recursos externos para o financiamento de programas
de cooperao tcnica. A atual conjuntura pode ser
traduzida por uma situao de transio do modelo de
cooperao com organismos internacionais no pas. De
um lado, observa-se a diminuio progressiva dos
antigos grandes programas de cooperao tradicional
e, de outro lado, cresce o nmero de parcerias
trilaterais, nas quais o Brasil se associa a organismos
internacionais para prover cooperao a outros pases
em desenvolvimento. Atualmente, a ABC mantm
parcerias triangulares com a OIT, PNUD, FAO, PMA,
FNUAP, OTCA, UNODC, IICA, Unesco, OMPI e
Segib. Outros organismos internacionais vm
mantendo contatos com a ABC com vistas a discutir
possibilidades de parcerias triangulares. Observe-se
que, na grande maioria dos casos envolvendo parcerias
trilaterais, o Brasil assume a responsabilidade pela
parte principal do financiamento dos respectivos
projetos.
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Apesar da reduo da cooperao tcnica multilateral
que ocorre no pas desde meados da primeira dcada
do sculo XXI, o Governo brasileiro mantm o
interesse em continuar a celebrar programas e projetos
com organismos internacionais. Busca, desta maneira,
aprimorar a relao de trabalho e adequ-la ao atual
nvel de desenvolvimento do Brasil. No h inteno
do Governo brasileiro de promover uma ruptura nas
relaes de cooperao com organismos
internacionais. A reduo do nmero de projetos e dos
seus respectivos oramentos resultado natural desse
processo de focalizao da cooperao em aes com
maior valor agregado e com menor volume de
componentes operacionais. Em linha com a posio
brasileira de valorizar o multilateralismo, a renovao
dos programas de cooperao tcnica com organismos
internacionais vista pelo Governo brasileiro como
uma oportunidade de instituies nacionais e de
organismos internacionais desenvolverem, em
conjunto, novas ideias e solues para os desafios ao
desenvolvimento, tanto em benefcio dos prprios
cidados brasileiros como tambm em benefcio de
terceiros pases, usando-se como instrumento a
cooperao trilateral.
4.2. Cooperao Tcnica Recebida Bilateral
A cooperao tcnica recebida bilateral refere-se,
atualmente, aos projetos de capacitao de instituies
nacionais apoiados pelo Japo, Alemanha, Espanha,
Frana e Estados Unidos, com prioridade para meio
ambiente, energias renovveis, agricultura, sade,
administrao pblica, trabalho, promoo do tecido
econmico e desenvolvimento social. No momento,
existem cerca de 42 projetos em execuo,
acompanhados e apoiados pela ABC, atendendo
instituies pblicas federais, estaduais e municipais,
alm da sociedade civil. As aes de cooperao
recebida bilateral movimentam um oramento anual
estimado em US$ 80 milhes, sendo US$ 30 milhes
de recursos externos, aplicados a fundo perdido,
destinados ao pagamento de servios de consultoria,
treinamentos e doao de equipamentos. No h,
entretanto, doao ou transferncia de recursos
financeiros a instituies nacionais no mbito da
cooperao tcnica recebida bilateral. Para o
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desenvolvimento dos projetos de cooperao tcnica,
as instituies brasileiras oferecem infraestrutura,
equipamentos e recursos humanos.
Nos ltimos 15 anos, a cooperao tcnica bilateral
com pases desenvolvidos envolveu a execuo de
mais de 2000 aes, das quais 1166 projetos so de
longa durao e 1217 atividades (de prazo mximo de
um ano), contabilizando aproximadamente US$ 2,3
bilhes. Desse montante anual, em mdia US$100
milhes foram provenientes da parte dos principais
pases parceiros, na forma de consultoria de longa,
mdia e curta durao, treinamentos e investimentos
em geral. Com a reduo dos programas bilaterais e o
fechamento de escritrios de agncias de pases
desenvolvidos no Brasil, a tendncia de reduo
progressiva desses valores. A contrapartida nacional se
materializada, por sua vez, pela disponibilizao de
recursos humanos, infraestrutura e outros tipos de
investimento de instituies brasileiras.
Como pas recipiendrio de cooperao tcnica, o
Brasil obteve benefcios substantivos e de relevante
utilidade nas ltimas dcadas. Com isso, entidades
fundamentais para o desenvolvimento nacional foram
estruturadas, como, por exemplo, o Servio Nacional
de Aprendizagem Industrial (Senai), a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuria (Embrapa), o
Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro) e o
Programa Nacional de Combate AIDS do Ministrio
da Sade.
Conforme mencionado anteriormente, a nova
tendncia das relaes bilaterais do Brasil com pases
doadores tradicionais a montagem de operaes de
cooperao trilateral em benefcio de pases de menor
desenvolvimento relativo. Os principais parceiros so
Alemanha (Meio Ambiente, Metrologia), Japo
(Agricultura, Sade, Formao Profissional,
Administrao Pblica, Meio Ambiente e Segurana
Pblica), Estados Unidos (Agricultura, Sade,
Combate ao Trabalho Infantil), Frana (Agricultura e
Sade), Espanha (Meio Ambiente), Sua (Recursos
hdricos e saneamento) e Itlia (Meio ambiente e
Desenvolvimento Urbano).
5. Cooperao Tcnica Triangular
A cooperao tcnica trilateral ou triangular define-se
como uma parceria na qual dois atores de cooperao
internacional (sejam estes um pas em
desenvolvimento, um pas desenvolvido ou um
organismo internacional) se associam para montar um
programa ou projeto de cooperao em benefcio de
um pas em desenvolvimento. O Brasil tem assumido
compromissos crescentes nessa rea, por entender que
a cooperao triangular permite ampliar a escala e o
impacto da cooperao Sul-Sul brasileira. Na
cooperao triangular, unem-se os esforos dos dois
parceiros externos, favorecendo a otimizao do uso de
recursos financeiros, humanos e de infraestrutura. Para
a ABC, a cooperao triangular precisa apresentar,
necessariamente, vantagens comparativas em relao
aos mecanismos de cooperao bilateral. Nesse
sentido, as parcerias triangulares geralmente envolvem
projetos de maior envergadura se comparados aos dos
programas bilaterais de cooperao tcnica. Em
setembro de 2013 a ABC, em parceria com agncias
bilaterais, contabilizou 37 projetos de cooperao
triangular em negociao e em execuo. Essa carteira
de projetos representa montante superior a US$ 54
milhes, dos quais a ABC financia pelo menos 45% e
coordena a execuo tcnica de instituies brasileiras.
A modalidade de cooperao triangular traz vantagens
tanto para o pas beneficiado quanto para os parceiros
prestadores de cooperao. H mtuo aprendizado, j
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que sempre se aprende e se transmite conhecimentos
em ambos os sentidos. Alm disso, para o Brasil, a
fora motriz da promoo do desenvolvimento em
terceiros pases a solidariedade internacional,
exercida em especial com aquelas sociedades com as
quais o Brasil compartilha sua histria e cultura a
exemplo das naes latino-americanas e dos Pases
Africanos de Lngua Oficial Portuguesa (Palop).
As vantagens comparativas de cada parceiro
englobam, de um lado, a estrutura logstica e os
recursos financeiros de pases doadores tradicionais de
cooperao tcnica internacional. De outro lado, conta-
se com o domnio de conhecimentos e tecnologias
orientados para a realidade de pases em
desenvolvimento e j testados e validados em situaes
reais. Nesse sentido, a cooperao triangular representa
um avano em relao tradicional cooperao Norte-
Sul, ao favorecer a adoo de abordagem horizontal e
menos paternalista. Ao mesmo tempo, essa modalidade
complementar e amplia a cooperao tcnica Sul-Sul.
Ao unir foras com pases desenvolvidos e
organizaes internacionais, a cooperao
internacional brasileira potencializada e seu resultado
tem maior impacto e sustentabilidade.
Assim como na cooperao bilateral, a participao do
Brasil na modalidade triangular baseia-se na demanda
dos pases em desenvolvimento, aos quais cabe a
iniciativa de solicitar ajuda internacional. Uma vez
solicitada, a ajuda internacional deve visar
transferncia efetiva de conhecimento entre os pases
envolvidos no projeto. Valoriza-se, tambm, a
apropriao local dos programas aplicados. A incluso
dos projetos em programas locais e no oramento
nacional, de forma que o Governo beneficiado passe a
control-los e a mant-los aps o fim da cooperao
internacional, caminho que o Brasil procura
favorecer. Nesse intuito, busca-se o fortalecimento
institucional dos pases beneficiados e a convergncia
de esforos entre iniciativas oficiais, do setor privado e
de ONGs. Do ponto de vista externo, h preocupao
em se evitar disperso de iniciativas e em promover
maior sinergia, coordenao e harmonizao entre
diferentes parceiros e projetos internacionais de
cooperao.
O Brasil defende que a cooperao triangular seja
centrada na formao de conhecimento tcnico local
de produo e gerenciamento. Tendo em vista maior
eficcia, a capacitao precisa ter amplo alcance e
evitar atividades pontuais j beneficiadas por canais
bilaterais. Os projetos devem ser estruturantes, i.e.,
visar criao de instituies para capacitao de
recursos humanos, e passveis de se reproduzirem
automaticamente, incitando respostas regionais e
nacionais. A cooperao brasileira espera fomentar a
dinmica prpria e a sustentabilidade do projeto, para
que seu impacto no seja efmero. O pas beneficiado
incentivado a no ser mero espectador da cooperao
recebida. Ao contrrio, sua participao na definio
das reas prioritrias da ajuda e na gerncia dos
programas indispensvel para interligar o esforo
internacional com sua prpria estratgia de
desenvolvimento. A imposio externa de diretrizes e
de condicionantes cooperao, com potencial de
interferncia em assuntos internos no aceitvel no
modelo adotado pelo Brasil.
Desde o incio do sculo XXI, vrios pases e
organizaes internacionais tm cooperado com o
Brasil na ajuda triangular ao desenvolvimento. O
Japo, por meio da Agncia Japonesa de Cooperao
Internacional (JICA, na sigla em ingls), foi pioneiro
na triangulao com a ABC, em associao que ala a
novo patamar a tradicional cooperao prestada por
aquele pas ao Brasil. O Programa Nipo-Brasileiro para
o Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer), idealizado
e implantado na dcada de 1970, exemplo de sucesso
nessa rea. Essa longa e exitosa parceria tcnica levou
o Brasil a se engajar no Programa de Parceria Brasil-
Japo (JBPP), o qual ensejou a primeira experincia
brasileira na modalidade triangular de Cooperao
Tcnica por meio do Programa de Treinamento para
Terceiros Pases (TCTP), criado e aplicado pelos
japoneses. Em vinte anos de existncia, o TCTP
contabilizou mais de 1.350 tcnicos estrangeiros
capacitados no Brasil nas reas de meio ambiente,
sade, agricultura, desenvolvimento urbano e
transporte. Permitiu-se, ademais, intenso intercmbio
de especialistas do Brasil e do Japo, capacitao de
centenas de tcnicos brasileiros e atualizao, em cerca
de vinte instituies brasileiras de excelncia, de
tecnologias e conhecimentos.
Outro exemplo de Cooperao Triangular com o Japo
o projeto de implantao de programa similar ao
Prodecer nas savanas do norte de Moambique. Trata-
se de projeto de perfil estruturante, que busca replicar,
com a necessria adaptao e atualizao nesse pas, o
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sucesso da experincia da cooperao da JICA no
cerrado brasileiro. Caso seja bem-sucedido, pretende-
se que o projeto seja tambm executado em outras
nao africanas. A experincia pioneira desenvolvida
com o Japo, de implementao de projetos de
cooperao triangular com a frica e Amrica Latina,
foi o ponto de partida para formulao de nova
estratgia de parcerias entre o Brasil e tradicionais
pases doadores, em benefcio de pases em
desenvolvimento.
O Brasil trabalha, igualmente, na formulao de
projetos estruturantes com os Estados Unidos, por
meio da Agncia dos Estados Unidos para o
Desenvolvimento Internacional (USAID). Em
Moambique, uma possibilidade a implantao de
projetos-piloto na rea de sade, em apoio ao Conselho
Nacional de Combate ao HIV/AIDS de Moambique
(CNCS), e do Plano Estratgico de Pesquisa e de
Fortalecimento do Instituto de Investigao Agrria de
Moambique (IIAM), para a implantao de fazendas-
modelo. H, ainda, parceria para o combate malria
em So Tom e Prncipe e para modernizao do
sistema legislativo de Guin-Bissau.
Alm da Cooperao Triangular com pases doadores,
a ABC tambm possui projetos triangulares com
agncias da Organizao das Naes Unidas (ONU).
No mbito da Agenda Hemisfrica de Trabalho
Decente da Organizao Internacional do Trabalho
(OIT), o Brasil implementa projetos na Bolvia, no
Paraguai e no Equador, no tema de combate ao
trabalho infantil e futuros projetos no campo da
Previdncia Social. Com o Fundo de Populao das
Naes Unidas (FNUAP), h os projetos de Combate
Violncia de Gnero no Haiti e de Demografia no
Paraguai, Haiti, Senegal, So Tom e Prncipe e em
Guin-Bissau. Com o Banco Mundial (BIRD), h o
Programa de Merenda Escolar e Programa para
Manejo de Resduos Slidos no Haiti. Com o
Escritrio das Naes Unidas sobre Drogas e Crimes
(UNODC), h projeto de Segurana Pblica em Guin-
Bissau. Cabe mencionar a parceria do Frum ndia
Brasilfrica do Sul (IBAS) com o Programa das
Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), cujo
Projeto de Manejo de Dejetos Slidos mereceu, em
2006, prmio institudo pela ONU por representar
modelo de cooperao entre pases em
desenvolvimento. No que se refere ao financiamento
dos projetos, a ABC pretende administrar diretamente
a maior parcela de suas despesas, evitando o risco de
ociosidade em sua utilizao.
Como se demonstrou, a cooperao triangular com o
Brasil atende ampla gama de reas, como, por
exemplo, luta contra trabalho infantil, aviao civil,
educao, sade, combate contra malria, produo de
biocombustveis, modernizao de processos
legislativos, administrao pblica, meio ambiente,
combate fome a pobreza, agricultura, regenerao de
reas urbanas, biossegurana, manuteno de recursos
hdricos, treinamento profissional, e-government,
desenvolvimento urbano, fortalecimento de
instituies judicirias, segurana alimentar,
treinamento vocacional, educacional e esportivo,
sociedade da informao, relaes trabalhistas, reforo
da infraestrutura. A atual demanda para atuao
conjunta entre o Brasil e pases desenvolvidos ou
organismos multilaterais, demonstra reconhecimento
explcito da excelncia e da efetividade operacional da
cooperao tcnica internacional que vem sendo
prestada pelo Brasil.
6. Concluso
Num momento de reflexo, necessrio que ressaltar
que a poltica de cooperao tcnica enfrenta alguns
desafios, de diferentes natureza e magnitude, dizendo
respeito ao oramento, quadro de pessoal, vinculao
estrutural e marco jurdico e regulatrio.
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Embora tenha sido mantido o mesmo montante
oramentrio aprovado pelo Congresso Nacional, no
valor de 36 milhes de reais, a desvalorizao do real e
a elevao de certos custos, como os das passagens
internacionais, tem afetado a capacidade de
implementao de projetos. Os esforos de gesto tm
garantido Agncia a execuo de cem por cento dos
recursos alocados, certamente caso nico na
Administrao Federal. No entanto, seria importante
ressaltar que a capacidade de o Governo brasileiro
manter o mpeto da bem sucedida e internacionalmente
reconhecida agenda de cooperao Sul-Sul em
benefcio de pases em desenvolvimento depende,
diretamente, da capacidade oramentria da ABC. A
propsito, caberia lembrar que o oramento previsto
para a Ao Cooperao Internacional no PPA at
2015 prev aportes anuais de R$ 50 milhes. No
ltimo trinio, conforme adiantado, em nenhum
momento a ABC contou com esse aporte oramentrio.
As crescentes responsabilidades internacionais do
Brasil envolvem iniciativas de diversas naturezas.
Nesse contexto, a cooperao internacional uma das
aes de maior relao custo-benefcio, pois requer
recursos no to vultosos, para resultados muito
positivos imagem do pas no exterior. Nesse sentido,
seria estrategicamente oportuno para o Governo
brasileiro no apenas assegurar o oramento previsto
no PPA para a ABC, mas tambm avaliar a
possibilidade de dotaes oramentrias
suplementares, em bases crescentes e anuais.
Atualmente, o principal desafio enfrentado pela ABC
se deve fundamentalmente insuficincia de recursos
oramentrios e financeiros para atender a crescente
demanda de novos projetos por parte de nossos
parceiros. Essa a demonstrao inequvoca da
excelncia do modelo de cooperao internacional
adotado pelo Brasil, baseado na solidariedade, na
construo de parcerias igualitrias e horizontais,
vistas como geradora de benefcios mtuos, na no-
condicionalidade, ou seja, a ausncia de vinculao
entre os projetos implementados e eventuais obtenes
de vantagens comerciais ou econmicas; o respeito
diferena e autonomia das organizaes, o
compartilhamento das responsabilidades, o incentivo
internalizao e manuteno do conhecimento
transmitido aos pases beneficirios das aes
implementadas, a flexibilizao e harmonizao dos
procedimentos de gesto e a associao de diferentes
instituies, com vistas a promover capacidades
tcnicas e intercmbio de expertise entre os parceiros.
Nesse aspecto, o objetivo ltimo do Brasil o
desenvolvimento integral dos parceiros, que
impulsione mudanas estruturais em suas economias,
levando a um crescimento sustentvel que garanta,
igualmente, incluso social e respeito ao meio
ambiente.
Tambm para incrementar a capacidade operacional da
ABC seria necessrio dot-la de um quadro
permanente de pessoal, preferencialmente uma quarta
carreira do Servio Exterior brasileiro, reconhecendo-
se as peculiaridades das funes exercidas pelos
tcnicos e analistas da Agncia. Trabalhar com
cooperao internacional exige conhecimentos
especficos e experincia acumulada. A lotao de
dezenas das carreiras de Oficiais de Chancelaria e
Assistentes de Chancelaria na ABC nos ltimos anos
no ofereceu a ncora necessria para estabilizar o
trabalho da Agncia, apesar de algumas notveis
excees. As contnuas e inevitveis remoes e
misses ao exterior dos servidores das duas carreiras
resultaram em macia perda de pessoal e na ruptura da
memria institucional, com inegvel impacto sobre a
capacidade de a ABC dar vazo a centenas de
compromissos assumidos pelo Governo Brasileiro no
exterior. A soluo temporria foi a contratao de
analistas por meio de projeto com o PNUD, em 2009,
que se encontra na iminncia do encerramento dos
contratados temporrios. Com a perspectiva do breve
encerramento dos contratos, mais uma vez a Agncia
enfrenta o srio risco de que a qualidade e,
principalmente, o interesse nacional que perpassa os
programas e projetos de cooperao tcnica com entes
estrangeiros sejam fortemente afetados.
A experincia histrica demonstra que h vrios
modelos de atuao das agncias de cooperao, sendo
a maioria delas vinculada aos ministrios de relaes
exteriores, principalmente nos principais atores da
cooperao Sul-Sul. Embora alguns pases doadores
tradicionais tenham agncias autnomas, como os
Estados Unidos e o Japo, por exemplo, h
reconhecida necessidade de estreita coordenao com a
poltica externa e a maioria dos pases da OCDE tem
suas agncias subordinadas s estruturas das
chancelarias. Alguns pases que ensaiaram tentativas
de agncias autrquicas, como o Canad e a Austrlia,
decidiram recentemente retornar ao modelo
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tradicional, em vistas de resultados desanimadores. A
prtica demonstrou que a articulao entre a poltica
externa e a implementao de projetos de cooperao
tcnica no pode ser executada sem o envolvimento
dirio do Ministrio das Relaes Exteriores, por meio
de suas embaixadas, que desempenham papel relevante
na interlocuo com as diferentes instncias e
autoridades estrangeiras, na informao e anlise
poltica do contexto no qual se inserem as atividades
de cooperao e na administrao das diversas aes
de cooperao, como o apoio s misses tcnicas e
gesto de recursos de modo eficiente.
Com a evoluo rpida do perfil do Brasil no cenrio
mundial, passando de beneficirio a ator relevante da
cooperao internacional, a ABC ainda carece de um
marco regulatrio prprio, principalmente legislao
que ampare a cooperao Sul-Sul do Brasil, alm da
necessidade de aprimoramento do arcabouo legal da
cooperao recebida (princpio XI do artigo 4 da
constituio, decreto 551/04 e portaria MRE 717/06).
Isso a obriga a operar por meio de organizaes
internacionais, em especial o PNUD, por meio do
Manual de Execuo Nacional de Projetos PNUD-
Brasil, de 2006, que nos contempla com alguns
benefcios, mas tambm com evidentes desvantagens
como a burocracia excessiva, as frequentes mudanas
de parmetros e atrasos injustificveis na
implementao de projetos. Agregue-se, ademais, os
custos decorrentes de cobranas de taxas de
administrao, que variam entre 5 e 13 por cento. Em
termos de medidas j adotadas, mencione-se a
preparao de manual de cooperao e mecanismos de
avaliao de projetos, instrumentos que consolidaro
as prticas e conhecimentos da Agncia. Assim, em
termos legais, na ausncia de legislao abrangente e
consolidada, particularmente com vistas a cooperao
com os pases em desenvolvimento, atividades como a
aquisio de material e equipamentos, contratao de
pessoal no exterior e transferncia de recursos para
execuo de projetos so executadas em parceria com
o PNUD e outras organizaes internacionais. A
aprovao de um marco regulatrio para a cooperao
recebida e prestada garantiria maior eficincia e
flexibilidade poltica de cooperao internacional do
Brasil.